Language of document : ECLI:EU:T:2005:456

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção alargada)

14 de Dezembro de 2005 (*)

«Recurso de anulação – Concorrência – Decisão da Comissão que declara uma concentração incompatível com o mercado comum – Regulamento (CEE) n.° 4064/89 – Mercados aeronáuticos – Aquisição da Honeywell pela General Electric – Integração vertical – Vendas de produtos por pacotes – Efeitos de exclusão – Sobreposições horizontais – Direitos de defesa»

No processo T‑210/01,

General Electric Company, com sede em Fairfield, Connecticut (Estados Unidos da América), representada por N. Green, C. Booth, QC, J. Simor, K. Bacon, barristers, S. Baxter, solicitor, L. Vogel e J. Vogel, advogados, bem como, inicialmente, por M. Van Kerckhove, advogado, e em seguida por J. O’Leary, solicitor, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por R. Lyal, P. Hellström e F. Siredey‑Garnier, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

apoiada por

Rolls‑Royce plc, com sede em Londres (Reino Unido), representada por A. Renshaw, solicitor,

e por

Rockwell Collins, Inc., com sede em Cedar Rapids, Iowa (Estados Unidos da América), representada por T. Soames, J. Davies e A. Ryan, solicitors, e por P. D. Camesasca, advogado,

intervenientes,

que tem por objecto a anulação da decisão 2004/134/CE da Comissão, de 3 de Julho de 2001, que declara uma concentração incompatível com o mercado comum e com o funcionamento do acordo EEE (processo COMP/M.2220 – General Electric/Honeywell) (JO 2004, L 48, p. 1),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção alargada),

composto por: J. Pirrung, presidente, V. Tiili, A. W. H. Meij, M. Vilaras e N. J. Forwood, juízes,

secretário: J. Plingers, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 27 de Maio de 2004,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        O Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas (JO L 395, p. 1, com as rectificações publicadas no JO 1990, L 257, p. 13), alterado em último lugar pelo Regulamento (CE) n.° 1310/97 do Conselho, de 30 de Junho de 1997 (JO L 180, p. 1, a seguir, conforme rectificado e alterado, «Regulamento n.° 4084/89»), preceitua, no artigo 2.°, n.os 2 e 3:

«2.      Devem ser declaradas compatíveis com o mercado comum as operações de concentração que não criem ou não reforcem uma posição dominante de que resultem entraves significativos à concorrência efectiva no mercado comum ou numa parte substancial deste.

3.      Devem ser declaradas incompatíveis com o mercado comum as operações de concentração que criem ou reforcem uma posição dominante de que resultem entraves significativos à concorrência efectiva no mercado comum ou numa parte substancial deste.»

 Antecedentes do litígio

2        A General Electric Company (a seguir «GE» ou «recorrente») é uma empresa industrial diversificada, que opera, designadamente, nos domínios dos motores de aeronaves, dos electrodomésticos, dos serviços de informação, dos sistemas de produção de energia, da iluminação, dos sistemas industriais, dos sistemas médicos, dos plásticos, da radiodifusão, dos serviços financeiros e dos serviços de transporte.

3        A Honeywell International Inc. é uma empresa que opera, designadamente, nos mercados dos produtos e serviços aeronáuticos, dos produtos automóveis, do material electrónico, dos produtos químicos especializados, dos polímeros de elevado desempenho, dos sistemas de transporte de energia e da vigilância imóveis residências ou industriais.

4        Em 22 de Outubro de 2000, a GE e a Honeywell celebraram um acordo nos termos do qual a GE adquiria a totalidade do capital social da Honeywell (a seguir «concentração»), tornando‑se esta uma filial a 100% da GE.

5        Em 5 de Fevereiro de 2001, a Comissão foi formalmente notificada da concentração, em conformidade com o artigo 4.° do Regulamento n.° 4064/89.

6        Em 1 de Março de 2001, considerando que a concentração podia ser abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.° 4064/89, a Comissão decidiu dar início ao processo de exame previsto no artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do referido regulamento e no artigo 57.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE) (a seguir «decisão de instauração do processo»).

7        Em 15 de Março de 2001, a GE e a Honeywell apresentaram conjuntamente à Comissão as suas observações sobre a decisão de instauração do processo.

8        Em 8 de Maio de 2001, a Comissão enviou uma comunicação de acusações (a seguir «CA») à GE, a que esta respondeu em 24 de Maio de 2001.

9        Em 29 e 30 de Maio de 2001, realizou‑se uma audição entre a Comissão, a GE e a Honeywell.

10      Em 14 e 28 de Junho de 2001, a GE e a Honeywell propuseram, conjuntamente, duas séries sucessivas de compromissos destinados a tornar a concentração aceitável pela Comissão.

11      Em 3 de Julho de 2001, a Comissão adoptou a Decisão 2004/134/CE (processo COMP/M.2220 – General Electric/Honeywell) (JO 2004, L 48, p. 1), que declarou a concentração incompatível com o mercado comum e com o funcionamento do Acordo EEE (a seguir «decisão impugnada»).

 Decisão impugnada

12      A parte decisória da decisão impugnada tem a seguinte redacção:

«Artigo 1.°

A concentração mediante a qual a [GE] adquire o controlo da empresa Honeywell International Inc. é declarada incompatível com o mercado comum e com o funcionamento do Acordo EEE.

Artigo 2.°

É destinatária da presente decisão

[GE]

[...].»

13      Os fundamentos da decisão impugnada podem resumir‑se do seguinte modo.

14      Segundo a Comissão, a GE já detinha, por si só, antes da operação de concentração uma posição dominante nos respectivos mercados mundiais dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte e para aviões regionais de grande porte (v., respectivamente, considerandos a 83 e 84 a 87 da decisão impugnada, assim como considerandos 107 a 229). A solidez da sua posição no mercado, associada à alavanca comercial representada pelo seu poder financeiro e a sua integração vertical na exploração em regime de locação financeira de aeronaves, figuram entre os elementos que permitiram concluir pela existência de uma posição dominante da recorrente nestes mercados. O inquérito também demonstrou que a Honeywell já era o principal fornecedor de produtos aviónicos e não aviónicos (considerandos 241 a 275) assim como de motores a reacção para aviões executivos (considerandos 88 e 89) e de dispositivos de arranque de motores a reacção, em especial de motores a reacção para aviões comerciais de grande porte, constituindo estes dispositivos um componente essencial no fabrico dos motores a reacção (considerandos 331 a 340).

15      O agrupamento das actividades das duas sociedades levou, segundo a Comissão, à criação ou ao reforço de posições dominantes em vários mercados. A Comissão considerou, designadamente, que a posição dominante preexistente da GE no mercado mundial dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte seria reforçada devido aos efeitos «verticais» da concentração resultantes da integração da actividade da GE de fabrico destes motores a reacção com a actividade da Honeywell de fabrico de dispositivos de arranque para estes mesmos motores a reacção (considerandos 419 a 427 da decisão impugnada). Concluiu igualmente pela criação de posições dominantes nos diferentes mercados mundiais de produtos aviónicos e não aviónicos, nos quais a Honeywell já ocupava posições de força antes da concentração devido a dois tipos de efeitos denominados «de conglomerado». Segundo a Comissão, estes efeitos eram, em primeiro lugar, os resultantes de um procedimento denominado «deslocamento das quotas de mercado» (share shifting) que consiste na extensão a estes mercados do poder financeiro da GE Capital, empresa pertencente ao grupo da recorrente, assim como das vantagens comerciais decorrentes da actividade de aquisição e de exploração em locação financeira de aeronaves, essencialmente da GE Capital Aviation Services (GECAS), empresa também pertencente ao grupo da recorrente (considerandos 342 a 348 e 405 a 411). Em segundo lugar, a Comissão previu efeitos resultantes da prática futura, pela entidade resultante da fusão, de vendas de produtos por pacotes – puras, técnicas e mistas – incluindo simultaneamente motores a reacção da antiga GE, por um lado, e de produtos aviónicos e não aviónicos da antiga Honeywell, por outro (considerandos 349 a 404). A Comissão considerou que a prática futura de tais vendas de produtos por pacotes reforçaria igualmente a posição dominante preexistente da GE no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte.

16      Além disso, a Comissão concluiu que havia um reforço da posição dominante preexistente da GE no mercado mundial dos motores a reacção para aviões regionais de grande porte, bem como a criação de uma posição dominante a favor da entidade resultante da fusão no mercado mundial dos motores a reacção para aviões executivos, nomeadamente devido a «sobreposições horizontais», uma vez que tanto a GE como a Honeywell se encontravam presentes nestes mercados, enquanto fabricantes, antes da concentração (considerandos 28 a 431 e 435 a 437 da decisão impugnada). Considerou igualmente que seria criada uma posição dominante, designadamente devido a uma sobreposição horizontal entre as duas partes na concentração notificada, no mercado mundial das pequenas turbinas de gás marítimas (considerandos 468 a 477).

17      Assim, tendo considerado que os compromissos propostos pelas partes na concentração eram insuficientes para resolver os problemas concorrenciais resultante da operação (considerandos 500 a 533 e 546 a 563 da decisão impugnada), a Comissão concluiu, no considerando 567 da referida decisão, que a concentração criaria ou reforçaria várias posições dominantes, o que iria prejudicar significativamente a eficácia da concorrência no mercado comum, e que a operação devia, por conseguinte, ser declarada incompatível com o mercado comum, em conformidade com o artigo 8.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89.

 Tramitação processual

18      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 12 de Setembro de 2001, a recorrente interpôs o presente recurso. No mesmo dia, a Honeywell interpôs igualmente recurso da decisão impugnada (processo T‑209/01).

19      Por requerimentos entrados na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância, respectivamente em 11, 15 e 16 de Janeiro de 2002, a Rolls‑Royce Plc, a Rockwell Collins Inc. (a seguir «Rockwell») e a Thales SA pediram para intervir no presente processo em apoio da Comissão.

20      A recorrente solicitou o tratamento confidencial, relativamente às intervenientes, de determinadas informações contidas nos seus articulados e nos da Comissão.

21      Por despacho de 26 de Junho de 2002, o presidente da Primeira Secção do Tribunal de Primeira Instância admitiu as intervenções da Rolls‑Royce e da Rockwell. No mesmo despacho, concedeu o tratamento confidencial pedido pela recorrente, com ressalva das observações formuladas por estas intervenientes. Nos termos do artigo 116.°, n.° 6, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a Thales foi admitida a intervir na fase oral, com base no relatório para audiência.

22      Na sequência da modificação da composição das Secções do Tribunal de Primeira Instância por Decisão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Setembro de 2004 (JO C 251, p. 12), o juiz‑relator afecto à Segunda Secção, à qual o presente processo foi, consequentemente, atribuído.

23      Nos termos do artigo 14.° do Regulamento de Processo e sob proposta da Segunda Secção, o Tribunal decidiu, ouvidas as partes em conformidade com o artigo 51.° do referido regulamento, atribuir o processo a uma formação de julgamento alargada.

24      Por carta entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 2 de Fevereiro de 2004, a Thales renunciou à sua intervenção. Por despacho de 23 de Março de 2004, o presidente da Segunda Secção alargada do Tribunal de Primeira Instância registou essa renúncia depois de ouvidas as outras partes.

25      Por carta de 17 de Março de 2004, a recorrente requereu a apensação do presente processo ao processo T‑209/01. O presidente da Segunda Secção alargada decidiu submeter a decisão sobre uma eventual apensação ao Tribunal, nos termos do artigo 50.° do Regulamento de Processo.

26      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal de Primeira Instância decidiu dar início à fase oral e colocou questões às partes, a título das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo. Pediu igualmente à Comissão que apresentasse determinados documentos antes da audiência. As partes deram cumprimento a esses tais pedidos.

27      Foram ouvidas as alegações e as respostas das partes às questões colocadas pelo Tribunal na audiência de 27 de Maio de 2004. No termo dessa audiência a fase oral foi declarada encerrada.

28      Por carta de 8 de Junho de 2004, a recorrente apresentou na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância um pedido de reabertura da fase oral assim como observações suplementares sobre certos aspectos do processo, às quais foram anexos vários documentos novos. Por despacho de 8 de Julho de 2004, o Tribunal de Primeira Instância decidiu reabrir a fase oral, em conformidade com o artigo 62.° do Regulamento de Processo.

29      Ouvidas as partes, o Tribunal de Primeira Instância adoptou uma medida de organização do processo, em conformidade com o artigo 64.° do Regulamento de Processo, que consistiu em juntar aos autos os documentos e as observações apresentadas pela recorrente em 8 de Junho de 2004. Foram igualmente juntas aos autos as observações da Comissão e das intervenientes sobre a pertinência dos referidos elementos.

30      A pedido do Tribunal de Primeira Instância, as partes apresentaram observações e documentos suplementares, relacionados com as questões suscitadas pela recorrente nas suas observações iniciais. Estes elementos foram igualmente juntos aos autos.

31      A fase oral foi depois novamente declarada encerrada em 23 de Novembro de 2004.

 Pedidos das partes

32      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

33      A Comissão, apoiada pela Rolls‑Royce e pela Rockwell, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

34      Nos seus articulados, a recorrente suscita uma série de questões relativas ao âmbito do seu recurso, ao âmbito da fiscalização do Tribunal de Primeira Instância e aos critérios gerais aplicados pela Comissão na decisão impugnada. Estas questões serão abordadas a título preliminar.

35      A recorrente contesta a afirmação da Comissão, na decisão impugnada, que serviu de ponto de partida para outros aspectos da análise da concorrência, segundo a qual a recorrente detinha uma posição dominante, antes da concentração, no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte. Este aspecto será examinado em primeiro lugar.

36      A recorrente refuta igualmente as conclusões da Comissão relativas à sobreposição vertical, aos efeitos de conglomerado e às sobreposições horizontais provocadas pela concentração. Estas questões serão sucessivamente examinadas em segundo, terceiro e quarto lugar.

37      Por último, a recorrente invoca vícios processuais que afectam a decisão impugnada. Estes aspectos serão examinados em último lugar.

A –  Questões preliminares

1.     Quanto ao pedido de apensação

38      Há que referir que o facto de apensar dois processos nos quais os recorrentes são diferentes não pode alterar o alcance da petição apresentada separadamente por cada um dos recorrentes, sob pena de se violar a independência e autonomia dos seus diferentes recursos (acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Junho de 2001, Moccia Irme e o./Comissão, C‑280/99 P a C‑282/99 P, Colect., p. I‑4717, n.os 61 a 68, em especial o n.° 66).

39      O Tribunal de Primeira Instância considera que não há que apensar o presente processo ao processo T‑209/01 tendo em conta, designadamente, a diferença de alcance entre os dois recursos. O pedido formulado neste sentido pela recorrente, na sua carta de 17 de Março de 2004 é, consequentemente, indeferido.

2.     Quanto à articulação entre os diferentes pilares que justificam a conclusão da Comissão sobre a incompatibilidade da concentração com o mercado comum

a)     Argumentos das partes

40      A recorrente refere que, na sua contestação, a Comissão sublinhou que os elementos do seu raciocínio na decisão impugnada se reforçam mutuamente, pelo que é artificial apreciar cada um deles de modo isolado. Por conseguinte, não é possível aplicar por analogia, no caso vertente, a solução que decorre do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Outubro de 2002, Schneider Electric/Comissão (T‑310/01, Colect., p. II‑4071), segundo a qual os erros que viciam a análise da Comissão de determinados mercados examinados não são suficientes para justificar a anulação de uma decisão, uma vez que esta é igualmente baseada numa análise de outros mercados que se mostra fundada. Na audiência, a recorrente sublinhou, a este respeito, que o Tribunal de Primeira Instância não pode substituir pela sua própria apreciação da concentração a apreciação da Comissão. Por conseguinte, no caso de ser decidido que alguns dos fundamentos acolhidos na decisão impugnada estão feridos de ilegalidade enquanto outros o não estão, não cabe ao órgão jurisdicional comunitário apreciar se os elementos procedentes do raciocínio são suficientes para fundamentar a conclusão da Comissão quanto à incompatibilidade da operação notificada com o mercado comum.

41      A Comissão recorda que a decisão impugnada é baseada numa conjugação de elementos de facto e de direito que se completam, que incluem efeitos horizontais, efeitos verticais e efeitos de conglomerado. Todavia, a Comissão sublinha que cada um destes elementos justificaria, de forma autónoma, a proibição da concentração.

b)     Apreciação do Tribunal

42      Há que referir em primeiro lugar que, na medida em que determinados fundamentos de uma decisão podem, por si só, ser juridicamente suficientes para justificar essa decisão, os vícios de que possam estar feridos outros fundamentos do acto não têm, de qualquer modo, influência na sua parte decisória (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 2001, Comissão e França/TF1, C‑302/99 P e C‑308/99 P, Colect., p. I‑5603, n.os 26 a 29).

43      Além disso, quando a parte decisória de uma decisão da Comissão se baseia em vários pilares de raciocínio, sendo cada um deles, por si só, suficiente para fundamentar essa parte decisória, esse acto só pode ser anulado, em princípio, se cada um desse pilares estiver ferido de ilegalidade. Nesse caso, um erro ou outra ilegalidade que afecte apenas um dos pilares do raciocínio não basta para justificar a anulação da decisão controvertida quando este erro não pôde ter uma influência determinante na parte decisória adoptada pela instituição autora dessa decisão (v., por analogia, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 2002, Graphischer Maschinenbau/Comissão, T‑126/99, Colect., p. II‑2427, n.os 49 a 51, e jurisprudência referida).

44      Esta regra aplica‑se no contexto das decisões em matéria de controlo de concentrações (v., neste sentido, acórdão Schneider Electric/Comissão, n.° 40 supra, n.os 404 a 420).

45      Recorde‑se, a este respeito, que a Comissão deve proibir uma concentração que preencha os critérios do artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89. Ora, resulta do artigo 2.°, n.° 1, alínea a), do referido regulamento que a Comissão deve ter em conta, no âmbito da apreciação de uma operação de concentração, designadamente, a necessidade de preservar e desenvolver uma concorrência efectiva no mercado comum, atendendo, nomeadamente, à estrutura de todos os mercados em causa. Assim, a apreciação, pela Comissão, da questão de saber se uma operação cria ou reforça uma ou várias posições dominantes de que resultem entraves significativos de uma concorrência efectiva deve ser efectuada por referência às condições existentes em cada um dos mercados susceptíveis de ser afectados pela operação de concentração notificada. Assim, se verificar que os referidos critérios estão preenchidos em relação unicamente a um dos mercados em causa, a concentração deve ser declarada incompatível com o mercado comum.

46      No caso vertente, a Comissão especificou no considerando 567 da decisão impugnada que, «por todas as razões referidas, deve concluir‑se que a concentração proposta levaria à criação ou reforço de uma posição dominante nos mercados dos motores para grandes aeronaves comerciais, dos [motores para aviões regionais de grande porte], dos [motores para aviões executivos], dos produtos aviónicos e não aviónicos, bem como das pequenas turbinas de gás marítimas, o que iria prejudicar significativamente a eficácia da concorrência no mercado comum».

47      Há que concluir que a decisão impugnada não estabelece uma hierarquia entre os problemas de carácter concorrencial declarados para cada um dos mercados examinados pela Comissão e em seguida por ela enumerados, na sua conclusão reproduzida no número anterior. Pelo contrário, tendo em conta designadamente os termos do artigo 2.° do Regulamento n.° 4064/89, esta conclusão só pode ser entendida no sentido de que, para cada um dos mercados enumerados, a operação notificada teria conduzido à criação ou, sendo o caso, ao reforço de uma posição dominante nesse mercado de que resultariam entraves substanciais a uma concorrência efectiva no mercado comum.

48      Tendo em conta o exposto, há que considerar que a decisão impugnada só pode ser anulada se se concluir não apenas que alguns dos seus fundamentos estão feridos de ilegalidade, mas, além disso, que os eventuais fundamentos não feridos de ilegalidade não são suficientes para justificar a incompatibilidade da operação notificada com o mercado comum. No entanto, essa conclusão não afasta a necessidade de examinar se determinados aspectos concorrenciais identificados pela decisão impugnada se reforçam mutuamente, como sustenta a Comissão na sua contestação, pelo que é artificial apreciar cada um deles de modo isolado.

3.     Quanto aos compromissos assumidos

49      Em primeiro lugar, no que respeita à validade da segunda série de compromissos, de 28 de Junho de 2001, está assente que as partes na concentração apresentaram, em 14 de Junho de 2001, uma primeira série de compromissos (v. considerandos 485 a 533 da decisão impugnada). A Comissão sustenta, sem ter sido desmentida a este respeito pela recorrente, que este era o último dia em que podiam ser propostos compromissos, em conformidade com o artigo 18.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 447/98 da Comissão, de 1 de Março de 1998, relativo às notificações, prazos e audições previstos no Regulamento (CEE) n.° 4064/89 (JO L 61, p. 1). Contudo, as partes na concentração propuseram a segunda série de compromissos em 28 de Junho de 2001 (v. considerandos 534 a 566 da decisão impugnada), indicando que estes compromissos substituíam os propostos em 14 de Junho de 2001.

50      Há que observar, a este propósito, que as únicas diferenças entre as duas séries de compromissos dizem respeito ao compromisso de comportamento, relativo à GECAS e aos compromissos estruturais relativos às cessões previstas de determinadas actividades da Honeywell nos diferentes mercados de produtos aviónicos e não aviónicos. A eventual incidência destas diferenças será examinada adiante no âmbito do exame material dos efeitos de conglomerado.

51      Tendo contestado, na sua petição, a recusa da Comissão de tomar em consideração os compromissos de natureza comportamental, a recorrente referiu igualmente na audiência que, com essa recusa, a Comissão falseou todo o procedimento administrativo e privou as partes na concentração da possibilidade de propor compromissos susceptíveis de resolver, designadamente, os problemas de concorrência resultantes das sobreposições horizontais identificadas pela Comissão. O vasto alcance desta alegação impõe que esta seja examinada no contexto da presente secção preliminar.

52      A este respeito, a Comissão referiu claramente, na sua comunicação de acusações no presente processo, de 8 de Maio de 2001, as acusações relativas a todas as consequências anticoncorrenciais da fusão, designadamente as relativas aos efeitos horizontais e verticais decorrentes desta, posteriormente acolhidas na decisão impugnada (v., em especial, n.os 118 a 122, 124 a 126, 459 a 468, 469 a 471, 473, 474, 578 a 586 e 612 a 633 da referida CA). Refira‑se que, em resposta às acusações da Comissão contidas na CA, a recorrente propôs, designadamente, compromissos estruturais, em 14 de Junho de 2001, os quais foram examinados e, em seguida, rejeitados pela Comissão, pelo facto de existirem considerações práticas que se opunham à sua realização. No Tribunal de Primeira Instância, a recorrente não apresentou elementos nem argumentos que explicassem, especificamente o motivo pelo qual a rejeição destes compromissos era ilegal ou injustificada (v., em especial, n.os 487, 555 e segs., 564 in fine, e 610 infra). Na medida em que os compromissos em questão apresentavam lacunas técnicas ou comerciais, razão pela qual a Comissão não os considerou suficientes para poder aprovar a concentração no caso vertente, estas lacunas não podem ser atribuídas à Comissão, nem, mais especificamente, a uma eventual reticência por parte desta em aceitar a eficácia potencial de outros compromissos de natureza comportamental. Com efeito, cabia às partes na operação notificada apresentar compromissos completos e eficazes de todos os pontos de vista, em princípio antes de 14 de Junho de 2001.

53      No âmbito das suas observações na sequência da reabertura da fase oral do processo, a recorrente corrigiu a sua resposta a uma questão na audiência, admitindo que a Comissão a tinha informado, de facto, em 22 de Junho de 2001, dos motivos pelos quais os compromissos apresentados em 14 de Junho de 2001 deviam ser rejeitados. Em seguida, sustentou que a Comissão lhe tinha dado a impressão de que bastaria reforçar o seu compromisso quanto ao comportamento futuro da GECAS para que a operação fosse declarada compatível com o mercado comum. Para sustentar a sua tese, apresentou, nesta fase tardia do processo, dois comunicados de imprensa, de 14 e 18 de Junho de 2001 e um artigo de 11 de Fevereiro de 2002, relativo ao conteúdo de uma conversa com o membro da Comissão então responsável pela concorrência. No essencial, a recorrente afirma que a Comissão lhe deu garantias que lhe criaram uma confiança legítima.

54      Há que observar, em primeiro lugar, que a reabertura do processo judicial foi pedida pela recorrente, no que diz respeito aos compromissos, unicamente para lhe permitir corrigir o erro de facto mencionado no número anterior. Por conseguinte, na medida em que invoca os seus contactos com a Comissão, as suas observações são tardias e, consequentemente, inadmissíveis. Além disso, a argumentação relativa à confiança legítima, apresentada pela primeira vez na audiência, constitui um fundamento novo e deve ser rejeitada, em conformidade com o artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo.

55      De qualquer forma, o direito de invocar o princípio da protecção da confiança legítima é extensivo a qualquer particular que se encontre numa situação da qual resulte que a administração comunitária lhe criou esperanças fundadas (acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de Março de 1987, Van den Bergh en Jurgens/Comissão, 265/85, Colect., p. 1155, n.° 44, e de 26 de Junho de 1990, Sofrimport/Comissão, C‑152/88, Colect., p. I‑2477, n.° 26). No caso vertente, os contactos invocados pela recorrente, que ocorreram entre a própria e os serviços da Comissão na sequência da apresentação da primeira série de compromissos em 14 de Junho de 2001, a propósito da possibilidade de ser apresentada uma nova série de compromissos distinta da primeira em determinados aspectos, não podem ter criado essas esperanças nem, consequentemente, qualquer confiança legítima.

56      Resulta do exposto que os argumentos relativos aos compromissos apresentados pela recorrente na audiência e no âmbito da reabertura da fase oral do processo devem ser rejeitados.

4.     Quanto ao nível da prova e ao âmbito da fiscalização efectuada pelo juiz comunitário

a)     Argumentos das partes

57      A recorrente sustenta que uma operação de concentração de tipo conglomerado, como a notificada no caso vertente, só raramente tem por efeito levar à criação ou ao reforço de uma posição dominante, diversamente das operações de tipo horizontal ou vertical. Assim, qualquer afirmação em contrário exige uma demonstração especialmente convincente de um mecanismo específico que leve a um prejuízo para a concorrência.

58      Nas suas observações sobre os articulados de intervenção, assim como na audiência, a recorrente baseia‑se, a este respeito, no acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Outubro de 2002, Tetra Laval/Comissão (T‑5/02, Colect., p. II‑4381), para sublinhar que a demonstração dos efeitos de conglomerado exige um exame preciso, alicerçado por provas sólidas, que a consideração de comportamentos futuros requer uma prudência especial e que a análise da Comissão deve ser especialmente plausível no que respeita aos efeitos que deverão surgir decorrido um certo lapso de tempo. Referiu igualmente que, segundo este acórdão, incumbe à Comissão tomar em consideração o efeito dissuasivo que pode resultar para uma empresa da proibição dos abusos de posição dominante enunciada no artigo 82.° CE.

59      Segundo a Comissão e os intervenientes, nem o Regulamento n.° 4064/89 nem a jurisprudência exigem um nível de prova mais elevado para uma operação de concentração de tipo conglomerado.

b)     Apreciação do Tribunal

 Considerações gerais

60      Importa recordar, em primeiro lugar, que a Comissão dispõe de uma margem de apreciação em matéria económica para efeitos de aplicação das regras materiais do Regulamento n.° 4064/89, em especial do seu artigo 2.° Daqui resulta que a fiscalização pelo juiz comunitário está limitada à verificação da exactidão material dos factos e à inexistência de erro manifesto de apreciação (acórdãos do Tribunal de Justiça de 31 de Março de 1998, França e o./Comissão, dito «Kali & Salz», C‑68/94 e C‑30/95, Colect., p. I‑1375, n.os 223 e 224, e de 15 de Fevereiro de 2005, Comissão/Tetra Laval, C‑12/03 P, Colect., p. I‑987, n.° 38).

61      Além disso, o Regulamento n.° 4064/89 não estabelece nenhuma presunção quanto à compatibilidade ou incompatibilidade com o mercado comum de uma operação notificada. Não se pode considerar que, quando tenha dúvidas, a Comissão deva tendencialmente ser favorável à aprovação de uma operação de concentração que é da sua competência, mas antes que deve sempre decidir‑se positivamente num sentido ou noutro (v., neste sentido, acórdão Tetra Laval/Comissão, n.° 58 supra, n.° 120).

62      Quanto à natureza da fiscalização do juiz comunitário, há que sublinhar a distinção essencial que existe entre, por um lado, os dados e as constatações de facto, cuja eventual inexactidão pode ser referida pelo juiz à luz dos argumentos e elementos de prova que lhe são apresentados e, por outro, as apreciações de ordem económica.

63      Embora deva ser reconhecida à Comissão uma margem de apreciação para efeitos da aplicação das regras materiais do Regulamento n.° 4064/89, isso não implica que o juiz comunitário não deva fiscalizar a qualificação jurídica que a Comissão faz de dados de natureza económica. Com efeito, o juiz comunitário deve, designadamente, não só verificar a exactidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência, mas também fiscalizar se esses elementos constituem todos os dados pertinentes que devem ser tomados em consideração para apreciar uma situação complexa e se são susceptíveis de fundamentar as conclusões que deles se extraem (acórdão Comissão/Tetra Laval, n.° 60 supra, n.° 39).

64      Embora estes princípios se apliquem a todas as apreciações de ordem económica, a fiscalização jurisdicional efectiva ainda é mais necessária quando a Comissão efectua uma análise prospectiva das evoluções num mercado que poderiam resultar da concentração projectada. Como referiu o Tribunal de Justiça no seu acórdão Comissão/Tetra Laval, n.° 60 supra (n.os 42 e 43), uma análise prospectiva, como as que são necessárias em matéria de fiscalização das concentrações, necessita de ser efectuada com grande atenção, uma vez que não se trata de examinar acontecimentos do passado, a respeito dos quais se dispõe frequentemente de numerosos elementos que permitem compreender as suas causas, nem mesmo acontecimentos presentes, mas sim de prever os acontecimentos que se produzirão no futuro, segundo uma probabilidade mais ou menos forte, se não for adoptada nenhuma decisão que proíba ou que precise as condições da concentração projectada (v., neste sentido, acórdão Tetra Laval/Comissão, n.° 58 supra, n.° 155). A análise prospectiva que consiste em examinar de que modo uma operação de concentração pode alterar os factores que determinam o estado da concorrência num dado mercado, a fim de verificar se daí resulta um entrave significativo de uma concorrência efectiva exige que se imaginem os diversos encadeamentos de causa e efeito, a fim de ter em conta aqueles cuja probabilidade é maior.

 Tratamento dos efeitos de conglomerado

65      As concentrações de tipo conglomerado são as que não implicam sobreposições horizontais entre as actividades das partes na concentração nem relações verticais entre essas partes em sentido estrito. Mesmo que, de modo geral, tais concentrações não produzam efeitos anticoncorrenciais, em determinados casos podem, contudo, produzir esses efeitos (acórdão Tetra Laval/Comissão, n.° 58 supra, n.° 142). No âmbito de uma análise prospectiva dos efeitos de uma operação de concentração de tipo conglomerado, se a Comissão puder concluir, devido aos efeitos de conglomerado, que uma posição dominante seria, com toda a probabilidade, criada ou reforçada num futuro relativamente próximo e teria como consequência criar, de modo significativo, entraves à concorrência efectiva no mercado em causa, deve proibir esta concentração (acórdão Tetra Laval/Comissão, n.° 58 supra, n.° 153, e a jurisprudência citada).

66      A este respeito, como o Tribunal de Justiça referiu igualmente no seu acórdão Comissão/Tetra Laval, n.° 60 supra, as operações de concentração de tipo conglomerado criam determinados problemas específicos, designadamente na medida em que, por um lado, a análise dessa operação pode implicar uma análise prospectiva que tenha em consideração um lapso de tempo que se prolonga no futuro e, por outro, um dado comportamento da parte da entidade resultante da fusão pode determinar, em grande medida, os efeitos desta concentração. Por conseguinte, os encadeamentos de causa e efeito subsequentes a essa concentração podem ser dificilmente reconhecíveis, incertos e difíceis de demonstrar. Neste contexto, a qualidade dos elementos de prova apresentados pela Comissão para fundamentar uma decisão que declara uma operação de concentração incompatível com o mercado comum é especialmente importante, devendo esses elementos corroborar as apreciações da Comissão segundo as quais, caso essa decisão não fosse tomada, o cenário de evolução económica em que essa instituição se baseia seria plausível (acórdão Comissão/Tetra Laval, n.° 60 supra, n.° 44; v. igualmente, neste sentido, acórdão Tetra Laval/Comissão, n.° 58 supra, n.° 155).

67      No caso vertente, a Comissão considerou, na decisão impugnada, que a concentração acarretaria, em primeiro lugar, uma integração vertical directa entre o fabrico de dispositivos de arranque e de motores, em segundo lugar, efeitos de conglomerado e, em terceiro lugar, sobreposições horizontais em determinados mercados.

68      Resulta, no essencial, da descrição dos efeitos de conglomerado na decisão impugnada que, segundo a Comissão, a concentração modificaria imediatamente ou, pelo menos, a curto prazo, as condições de concorrência em determinados mercados devido a esses efeitos, e acarretaria, assim, a criação ou o reforço de uma posição dominante nestes mercados, devido ao poder e às possibilidades comerciais decorrentes da posição dominante já detida no primeiro mercado (v. n.os 325 e segs., e 399 e segs., infra). Contudo, deve concluir‑se que estas consequências só teriam resultado da concentração apenas na medida em que a entidade resultante da fusão adoptasse determinados comportamentos na sequência da operação, o que a Comissão considerava provável. Trata‑se, no entender da Comissão, da extensão previsível a novos mercados, na sequência da operação, de determinadas práticas comerciais nocivas para a concorrência identificadas Comissão em relação a algumas das partes na operação antes desta última.

69      Nestas condições, incumbia à Comissão fornecer provas sólidas que corroborassem a sua conclusão segundo a qual os comportamentos previstos da entidade resultante da fusão seriam provavelmente adoptados por esta última. Não se verificando estes comportamentos, a conjugação das posições das duas partes na concentração em mercados próximos mas distintos não teria podido dar lugar à criação ou ao reforço de posições dominantes, uma vez que estas posições não teriam tido qualquer impacto comercial umas sobre as outras.

 Tratamento dos factores susceptíveis de dissuadir a entidade resultante da fusão de adoptar determinados comportamentos previstos na decisão impugnada

70      No seu acórdão Tetra Laval/Comissão, n.° 58 supra, o Tribunal de Primeira Instância considerou que, embora seja apropriado ter em conta os incentivos objectivos a adoptar comportamentos anticoncorrenciais criadas por uma fusão, a Comissão deve igualmente examinar em que medida os referidos incentivos seriam reduzidos, ou até mesmo eliminados, devido à ilegalidade dos comportamentos em questão, designadamente à luz da proibição dos abusos de posições dominantes estabelecida no artigo 82.° CE, da probabilidade de serem detectados e de serem reprimidos pelas autoridades competentes, tanto a nível comunitário como nacional, e das sanções pecuniárias que daí poderiam resultar (n.° 159 do acórdão). Nas suas observações sobre os articulados de intervenção, a recorrente invocou esta jurisprudência em apoio da sua argumentação segundo a qual algumas das práticas que a Comissão considerou susceptíveis de criar ou de reforçar posições dominantes não se manifestariam na realidade.

71      O Tribunal de Justiça declarou em sede de recurso, a este respeito, no seu acórdão Comissão/Tetra Laval, n.° 60 supra (n.os 74 a 78), que foi com razão que o Tribunal de Primeira Instância tinha considerado que a probabilidade da adopção de determinados comportamentos futuros devia ser examinada de forma completa, ou seja, tomando em consideração não apenas os incentivos à adopção de tais comportamentos como os factores susceptíveis de diminuir, ou até de eliminar, tais incentivos, incluindo o carácter eventualmente ilegal destes comportamentos.

72      No entanto, declarou igualmente que seria contrário ao objectivo de prevenção do Regulamento n.° 4064/89 exigir que a Comissão examinasse, em relação a cada projecto de concentração, em que medida os incentivos à adopção de comportamentos anticoncorrenciais seriam reduzidos, ou mesmo eliminados, em razão da ilegalidade dos comportamentos em questão, da probabilidade de serem detectados e de serem reprimidos pelas autoridades competentes, tanto a nível comunitário como nacional, e das sanções que daí poderiam resultar. Por conseguinte, concluiu que o Tribunal de Primeira Instância tinha cometido um erro de direito ao afastar as conclusões da Comissão relativas à adopção, pela nova entidade, dos comportamentos anticoncorrenciais em causa nesse processo (acórdão Comissão/Tetra Laval, n.° 60 supra, n.os 76 e 77).

73      Resulta das observações anteriores que a Comissão deve, em princípio, tomar em consideração o carácter eventualmente ilegal, e, portanto, susceptível de ser sancionado, de um comportamento enquanto factor susceptível de diminuir, ou até de eliminar, os incentivos para que uma empresa adopte um dado comportamento. Em contrapartida, esta última apreciação não exige um exame exaustivo e detalhado das legislações das várias ordens jurídicas que podem ser aplicadas e da política repressiva por estas praticada, dado que uma análise destinada a demonstrar a existência provável de uma infracção e a assegurar que esta será objecto de sanção em várias ordens jurídicas seria demasiado especulativa.

74      Assim, na medida em que possa, sem realizar um inquérito específico e detalhado a este respeito, identificar o carácter ilegal do comportamento em causa, à luz do artigo 82.° CE ou de outras disposições do direito comunitário cuja aplicação seja da sua competência, incumbe à Comissão declará‑lo e tê‑lo em conta para efeitos da sua apreciação da probabilidade de a entidade resultante da fusão adoptar esse comportamento (v., neste sentido, acórdão Comissão/Tetra Laval, n.° 60 supra, n.° 74).

75      A este respeito, embora a Comissão se possa basear numa análise sumária da legalidade dos comportamentos em causa e do grau de probabilidade de que eles serão reprimidos, em função dos elementos de que dispõe no momento de adoptar a sua decisão em matéria de controlo de concentrações, cabe‑lhe, no entanto, no âmbito da sua apreciação, identificar os comportamentos que prevê e, sendo caso disso, avaliar e tomar em consideração o efeito dissuasivo que poderia ter o seu eventual carácter clara ou muito provavelmente ilícito à luz do direito comunitário.

76      Assim, há que examinar, no seguimento do presente acórdão, se a Comissão fundamentou a sua análise prospectiva da probabilidade de efeitos de conglomerado em provas suficientemente sólidas, tendo em conta, a este respeito, as referidas regras.

5.     Quanto à falta de demonstração relativa ao entrave significativo a uma concorrência efectiva

a)     Argumentos das partes

77      A recorrente alega que, segundo o artigo 2.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 4064/89, a fim de proibir uma operação de concentração, a Comissão deve demonstrar, em primeiro lugar, que esta concentração cria ou reforça uma posição dominante e, em segundo lugar, que esta posição dominante cria um entrave significativo à concorrência efectiva no mercado comum. O carácter cumulativo destes critérios é confirmado pelos trabalhos preparatórios do Regulamento n.° 4064/89, do qual resulta que o segundo critério foi introduzido por sugestão do Comité económico e social e a pedido do Governo francês. Esse carácter cumulativo foi confirmado pelo Tribunal de Primeira Instância, designadamente no acórdão de 19 de Maio de 1994, Air France/Comissão (T‑2/93, Colect., p. II‑323, n.° 79), e no acórdão Tetra Laval/Comissão, n.° 58 supra.

78      É à Comissão que cabe demonstrar que cada um destes critérios está preenchido. Em especial, cabe à Comissão demonstrar que há uma forte probabilidade de os efeitos anticoncorrenciais se produzirem, e não apenas que se podem produzir, quantificar estes efeitos e provar que eles resultarão da concentração e não das condições preexistentes do mercado. Esta exigência é especialmente pertinente quando, como no caso vertente, a concentração é de tipo conglomerado, ao qual raramente são reconhecidos efeitos anticoncorrenciais.

79      Segundo a recorrente, atenta a decisão impugnada, a Comissão não examinou a questão de saber se a concentração acarretaria um entrave significativo a uma concorrência efectiva. Com efeito, no que respeita a cada um dos mercados em relação aos quais a Comissão considera que existiria criação ou reforço de uma posição dominante, ela limita‑se a concluir, através de afirmações vagas não apoiadas em números, pela exclusão dos concorrentes nestes mercados e por um efeito negativo sobre a concorrência.

80      A recorrente afirma que a única menção na decisão impugnada do segundo critério do artigo 2.° do Regulamento n.° 4064/89 aparece na conclusão geral que consta do considerando 567. É manifesto que a Comissão se limitou a supor que a alegada criação ou o alegado reforço de posições dominantes nos mercados em causa acarretaria automaticamente os efeitos anticoncorrenciais exigidos pelo segundo critério do artigo 2.° do referido regulamento.

81      Por outro lado, a Comissão não pode afirmar que o preenchimento deste segundo critério foi implicitamente demonstrado no âmbito do exame da criação ou do reforço de posições dominantes. Não basta «reciclar» os factos utilizados para demonstrar uma posição dominante e utilizá‑los, sem outra análise, para fundamentar uma conclusão sobre o entrave significativo. A consequência inevitável desta falha na análise é a anulação da decisão impugnada. A recorrente alega que a decisão impugnada deve bastar‑se a si mesma. Assim, não há que ter em conta os elementos de prova apresentados pela Comissão e pelos intervenientes posteriormente a esta decisão.

82      A falta de quaisquer considerações quanto à aplicação do segundo critério do artigo 2.° do Regulamento n.° 4064/89 constitui, por outro lado, uma violação flagrante do dever de fundamentação pelo facto de não permitir que a recorrente seja informada dos fundamentos pelos quais a Comissão considera que a concentração constitui, de facto, um entrave significativo a uma concorrência efectiva.

83      A Comissão admite a existência de um debate académico sobre a natureza única ou dúplice do artigo 2.° do Regulamento n.° 4064/89, mas alega que a sua importância é limitada. Por seu lado, considera que se deve dar ênfase ao critério da criação ou do reforço de uma posição dominante e tratar a distorção da concorrência como sua consequência. De qualquer modo, admitindo que o critério seja dúplice, a Comissão e Rockwell consideram que os efeitos prováveis da concentração foram examinados no caso vertente de modo aprofundado e detalhado.

b)     Apreciação do Tribunal

84      Resulta de jurisprudência assente do Tribunal de Primeira Instância que o artigo 2.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 4064/89 impõe dois critérios cumulativos relativos, o primeiro, à criação ou ao reforço de uma posição dominante, e o segundo, ao facto de esta ter como consequência o entrave significativo da concorrência no mercado comum (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância Air France/Comissão, n.° 77 supra, n.° 79; de 27 de Novembro de 1997, Kaysersberg/Comissão, T‑290/94, Colect., p. II‑2137, n.° 156, e Tetra Laval/Comissão, n.° 58 supra, n.° 146). Consequentemente, uma operação de concentração só pode ser proibida se os dois critérios previstos no artigo 2.°, n.° 3, estiverem reunidos.

85      Importa recordar, a este respeito, que a posição dominante visada no artigo 2.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 4064/89 diz respeito a uma situação de poder económico detido por uma ou várias empresas que lhes permite impedir a existência de uma concorrência efectiva no mercado em causa, facultando‑lhes a possibilidade de adoptarem comportamentos independentes, numa medida considerável em relação aos seus concorrentes, aos seus clientes e, finalmente, aos consumidores (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Março de 1999, Gencor/Comissão, T‑102/96, Colect., p. II‑753, n.° 200).

86      Há que referir igualmente que, no contexto dos abusos de posição dominante na acepção do artigo 82.° CE, o Tribunal de Justiça considerou que pode constituir um abuso de posição dominante o facto de uma empresa que esteja em posição dominante reforçar essa posição de tal forma que o grau de domínio assim alcançado impeça substancialmente a concorrência, isto é, que só permaneçam no mercado empresas cujo comportamento esteja dependente da empresa dominante (acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 1973, Europemballage e Continental Can/Comissão, 6/72, Colect., p. 109, n.° 26). Resulta desta jurisprudência que o reforço de uma posição dominante pode, em si mesmo, criar, de modo substancial, um entrave à concorrência a ponto de constituir, por si só, um abuso desta posição.

87      Por conseguinte, a fortiori, o reforço ou a criação de uma posição dominante, na acepção do artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89, pode corresponder, em determinados casos, à demonstração de um entrave significativo a uma concorrência efectiva. Esta constatação não significa, de modo nenhum, que o segundo critério imposto pelo artigo 2.° do Regulamento n.° 4064/89 se confunda juridicamente com o primeiro, mas apenas que pode resultar de uma mesma análise factual de um dado mercado que os dois critérios estão preenchidos.

88      As circunstâncias susceptíveis de serem invocadas pela Comissão para demonstrar o grau de falta de liberdade de acção dos concorrentes de uma empresa, necessário para se concluir que foi criada ou reforçada uma posição dominante, são frequentemente as mesmas que são pertinentes para apreciar se desta criação ou deste reforço resulta um entrave significativo da concorrência efectiva no mercado comum. Com efeito, uma circunstância que afecta significativamente a liberdade de os concorrentes determinarem a sua política comercial de modo autónomo pode igualmente criar um entrave a uma concorrência efectiva.

89      Daí resulta que, na medida em que dos considerandos de uma decisão que declara uma operação de concentração notificada incompatível com o mercado comum, mesmo daqueles que são formalmente dedicados a uma análise da criação ou do reforço de uma posição dominante, decorra que esta operação produzirá efeitos anticoncorrenciais significativos, não há que considerar a mesma decisão ferida de ilegalidade pelo simples facto de a Comissão não ter associado explícita e especificamente a sua descrição destes elementos ao segundo critério do artigo 2.° do Regulamento n.° 4064/89, seja à luz do dever de fundamentação, previsto no artigo 253.° CE, seja quanto ao mérito. Com efeito, a abordagem inversa consistiria em impor à Comissão uma obrigação puramente formal de invocar duas vezes algumas destas considerações, primeiro na sua análise da criação ou do reforço de uma posição dominante num dado mercado, e uma segunda vez em relação ao entrave significativo da concorrência no mercado comum.

90      No caso vertente, a Comissão afirmou expressamente, no considerando 567 da decisão impugnada que, «por todas estas razões», a concentração projectada levaria à criação ou reforço de uma posição dominante em vários mercados diferentes, tendo por consequência um substancial entrave a uma concorrência efectiva no mercado comum (v. citação por extenso no n.° 46 supra). Contrariamente ao que afirma a recorrente a este respeito e em conformidade com a posição manifestada pela Comissão perante o Tribunal de Primeira Instância, designadamente na audiência, decorre desta conclusão geral que os dois critérios do artigo 2.° do Regulamento n.° 4064/89 estão preenchidos em relação a cada um dos mercados explicitamente mencionados, e não em virtude do efeito cumulativo das constatações relativas a todos estes mercados (v. n.° 47 supra).

91      De qualquer modo, a Comissão declarou explicitamente em determinadas passagens da decisão impugnada que a criação ou o reforço de uma posição dominante pela entidade resultante da fusão em determinados mercados criaria entraves consideráveis à concorrência. Em especial, as considerações específicas acolhidas na decisão impugnada quanto aos efeitos imediatos da concentração no mercado dos motores a reacção para aviões regionais de grande porte são suficientes para demonstrar que o reforço da posição dominante da recorrente nesse mercado teria como consequência um entrave significativo à concorrência efectiva no mercado comum (v. considerandos 428 e segs. da decisão impugnada).

B –  Quanto à posição dominante preexistente no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte

1.     Introdução

92      Na decisão impugnada, a Comissão considerou que a recorrente ocupava, antes da concentração, uma posição dominante no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte, o que a recorrente contesta. A Comissão baseia esta conclusão, no essencial, na importância das quotas de mercado da recorrente, cumuladas, para este efeito, com as da empresa comum CFMI na qual participa com a Snecma (considerandos 45 a 83 da decisão impugnada), nas vantagens comerciais decorrentes da integração vertical da actividade de fabrico de motores para aviões comerciais de grande porte com o poder financeiro da GE Capital e com a actividade de compra e de exploração em locação financeira de aviões da GECAS (considerandos 107 a 145), numa análise da situação concorrencial no mercado (considerandos 163 a 170) e, por último, na inexistência de pressão concorrencial e comercial exercida pelos concorrentes e clientes da recorrente (considerandos 173 a 228). A existência desta posição dominante preexistente da parte da recorrente é um elemento essencial da análise da Comissão, uma vez que dela dependem várias vertentes do raciocínio exposto na decisão impugnada, em especial as enumeradas no número seguinte.

93      Em primeiro lugar, a sobreposição vertical resultante da aquisição pela recorrente da actividade de fabrico de dispositivos de arranque da Honeywell produziria, segundo a Comissão, o reforço da posição dominante preexistente da recorrente no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte. Em segundo lugar, a análise da Comissão relativa à criação de uma posição dominante nos diferentes mercados de produtos aviónicos e não aviónicos devido à influência que a recorrente pode exercer através do poder comercial das suas filiais depende da existência da sua posição dominante no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte. Em terceiro lugar, a possibilidade que existiria, segundo a Comissão, de praticar no futuro vendas de produtos por pacotes depende da existência da referida posição dominante e teria como consequência, designadamente, o reforço desta.

94      Importa, por conseguinte, fiscalizar distintamente nesta secção, o mérito da decisão impugnada quanto à existência de uma posição dominante da recorrente no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte e, no seguimento do presente acórdão, o mérito destas três vertentes da decisão impugnada.

2.     Argumentos das partes

95      Segundo a recorrente, a Comissão considera erradamente que a GE possuía, antes da concentração, uma posição dominante no mercado dos motores para aviões comerciais de grande porte [ou seja, os aviões com mais de 100 lugares, um raio de acção superior a 2 000 milhas náuticas e um custo superior a 35 milhões de dólares dos EUA (USD)]. A GE recorda que uma posição dominante decorre do poder da empresa em questão que lhe permite adoptar um comportamento independente no mercado. Ora, a situação que prevalece no mercado em causa, tal como foi constatada nas recentes decisões da Comissão no domínio aeronáutico, demonstra que a GE não está em condições de adoptar um comportamento independente e que os seus principais concorrentes, designadamente a Rolls‑Royce e a Pratt & Whitney (a seguir «P & W»), não correm o risco de serem excluídas do mercado. A análise da Comissão desmorona‑se completamente devido à inexistência de posições dominantes preexistentes da GE.

96      No que diz respeito à utilização pela Comissão dos valores das quotas de mercado indicados na decisão impugnada, a recorrente refere, em primeiro lugar, que as quotas de mercado têm uma utilidade limitada na apreciação de uma posição dominante num mercado sujeito a concursos. Tal como resulta da prática da Comissão no sector aeronáutico, o mercado dos motores de aviões é um mercado de concursos, no qual os fornecedores apresentam propostas em concursos de adjudicação de contratos pouco frequentes, de valor elevado. Para cada nova plataforma de avião, os fabricantes de estruturas escolhem um ou vários motores desenvolvidos especialmente para esta plataforma. Por conseguinte, independentemente dos ganhos auferidos no passado, cada concorrente que tenha um produto a propor tem um forte incentivo para apresentar propostas no concurso seguinte. Assim, as quotas de mercado históricas não reflectem com exactidão a intensidade da concorrência actual no mercado, como mostra a história recente desta indústria. A recorrente recusa a análise segundo a qual a posse de 50% das quotas de mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte é suficiente para demonstrar uma posição dominante.

97      Em segundo lugar, o cálculo das quotas de mercado da recorrente na decisão impugnada é artificial, uma vez que a Comissão optou, de maneira arbitrária, por utilizar determinadas medidas de quotas de mercado em vez de outras. Em especial, a Comissão e a Rolls‑Royce cometeram um erro ao basearem‑se em valores relativos aos motores dos aviões que se fabricam actualmente, uma vez que essa definição exclui os motores da P & W para aviões que já não são fabricados e as encomendas de motores para aviões que ainda não estão em funcionamento, sendo este último elemento o mais importante para a análise da concorrência no mercado.

98      A recorrente alega igualmente que a Comissão não teve razão em adicionar as suas quotas de mercado, que são relativamente fracas, às da empresa comum CFMI («50/50 joint venture», considerando da decisão impugnada; v. igualmente os considerandos 45 e 46), constituída pela recorrente com a empresa francesa Snecma. Além disso, conforme verificou o departamento de justiça americano, a quota de mercado alegadamente forte da GE resulta essencialmente da motorização exclusiva pela CFMI de um único avião, isto é, o Boeing B737, avião que conheceu o maior sucesso comercial da história aeronáutica. De resto, a Comissão cometeu um erro ao atribuir à recorrente a integralidade dos futuros fluxos de rendimentos extraídos destas quotas de mercado. Além disso, a Comissão não pode, sem cometer um abuso, combinar as quotas de mercado da CFMI com a sua teoria das vendas mistas de produtos por pacotes na medida em que a Snecma não tem qualquer interesse em aprovar uma política de preços que favoreça os produtos da Honeywell. Por último, esta abordagem está em contradição com a acolhida pela Comissão na sua Decisão 2000/182/CE, de 14 de Setembro de 1999, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° do Tratado CE (Processo IV/36.213/F2 – GEAE/P & W) (JO 2000, L 58, p. 16, a seguir «decisão Engine Alliance»), onde considerou a recorrente e a CFMI duas empresas distintas.

99      Em terceiro e último lugar, no que diz respeito às quotas de mercado, a importância destas quotas de mercado históricas foi sobrestimada pela Comissão, que considera erradamente que estas quotas permitirão que a recorrente se desenvolva no futuro. A este respeito, a recorrente recusa a tese da Comissão segundo a qual existe um fenómeno de uniformização da frota de uma companhia aérea, em virtude do qual estas últimas têm tendência a comprar os seus motores a um só fabricante de motores com o objectivo de reduzir os custos associados à manutenção dos motores que equipam os seus aviões. A GE afirma que o efeito da uniformização mesmo no seio de uma família de motores é muito restrito e que, além disso, o sucesso do motor CFM56 que equipa o Boeing B737 não favorece de modo nenhum a compra na família de motores CF6 ou GE90. As respostas das companhias aéreas à Comissão confirmam que a uniformização é um factor secundário no que diz respeito à motorização.

100    Além disso, quanto à apreciação segundo a qual a recorrente pode agir de forma independente no mercado em causa, a recorrente acusa a Comissão de não ter referido qualquer modificação significativa na indústria aeronáutica que possa justificar que as suas conclusões na decisão impugnada estão em contradição directa com as conclusões acolhidas em 1999 na decisão Engine Alliance. Ora, há décadas que a recorrente faz parte das 500 sociedades mais poderosas e a GECAS compra aviões de forma especulativa e preferencial desde 1996 sem que a concorrência tenha sido marginalizada devido a esta actividade.

101    A decisão impugnada contém numerosos exemplos que demonstram que a recorrente não pôde adoptar um comportamento independente. A Comissão reconhece que existe frequentemente uma escolha de motor nas plataformas de aviões comerciais de grande porte, o que permite aos clientes tirar proveito da concorrência. Assim, a recorrente foi obrigada a conceder importantes descontos para conseguir o contrato relativo ao equipamento do B777X da Boeing, uma vez que o seu motor a reacção era menos competitivo que os da P & W e da Rolls‑Royce na versão clássica desta plataforma. A recorrente foi obrigada a fazer o mesmo em relação a uma companhia aérea no que diz respeito aos Airbus A330, para compensar a reputação técnica menos boa de um dos seus motores em relação aos motores dos seus rivais, e foi obrigada, devido a esse facto, a desenvolver um novo motor. Estes descontos, praticados por todos, provam a existência de uma concorrência efectiva. A recorrente invoca a este respeito o acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão (85/76, Colect., p. 221, n.° 71).

102    Além disso, a recorrente contesta as afirmações da Comissão segundo as quais beneficiou, antes da concentração, de um poder financeiro que lhe permitiu oferecer descontos e provocar, assim, a exclusão dos seus concorrentes. A Comissão não demonstrou de que modo estes descontos reflectem uma posição dominante ou provocam o enfraquecimento ou a exclusão dos concorrentes.

103    No que diz respeito ao papel alegadamente desempenhado pela GECAS no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte, a teoria do «deslocamento das quotas de mercado» da Comissão, apresentada tardiamente no decurso do processo, não é credível face à quota de mercado reduzida (menos de 10%) detida pela GECAS. A este respeito, a recorrente sublinha que uma outra empresa de locação financeira, a ILFC, é um comprador de aviões comerciais de grande porte muito mais importante do que a GECAS. A Comissão não teve em conta a circunstância segundo a qual as outras sociedades de locação financeira compensam a preferência da GECAS pelos motores GE ou CFMI, a fim de ter em conta as preferências dos utilizadores. Ao alegar que não poderia «reproduzir» a GECAS, a Rolls‑Royce não responde ao argumento segundo o qual ela própria e as outras concorrentes continuam competitivas não obstante a sua existência.

104    Esta teoria heterodoxa não é sustentada pelos factos. A Comissão e a Rolls‑Royce consideram erradamente a GECAS um cliente de lançamento de um avião (launch customer) e que as alegadas encomendas de lançamento da GECAS foram decisivas na escolha feita pelos fabricantes de estruturas a favor dos motores GE. Esta conclusão ignora os depoimentos dos próprios fabricantes de estruturas (Bombardier, Embraer, BAe, Airbus, Fairchild Dornier e Boeing).

105    A única prova factual apresentada pela Comissão baseia‑se na constatação de que as vendas de motores GE às sociedades de locação financeira aumentaram 60% após a criação da GECAS, enquanto a venda destes motores às companhias aéreas baixou apenas 10%. Ora, esta constatação não pode demonstrar, por si só, uma modificação da quota total da GE nestes mercados e menos ainda o papel desempenhado pela GECAS a este respeito.

106    A Comissão contesta igualmente as conclusões da decisão Engine Alliance segundo as quais a P & W e a Rolls‑Royce eram concorrentes credíveis e tinham a capacidade de desenvolver novos motores. A recorrente refere que a decisão Engine Alliance continha uma investigação aprofundada do mercado dos motores dos aviões comerciais de grande porte e que a Comissão nunca apresentou os motivos pelos quais se afastou da sua apreciação nesta decisão. Por conseguinte, a Comissão desrespeitou o critério apresentado no acórdão Europemballage e Continental Can/Comissão, n.° 86 supra, segundo o qual, para declarar a existência de uma posição dominante, tem de demonstrar suficientemente que os concorrentes residuais não podem constituir um contrapeso suficiente.

107    A análise da Comissão quanto à situação concorrencial no mercado também está em contradição com outras decisões recentes relativas à indústria aeronáutica, a saber a Decisão 2001/417/CE da Comissão, de 1 de Dezembro de 1999, que declara uma concentração compatível com o mercado comum e com o funcionamento do Acordo EEE (Processo COMP/M.1601 – AlliedSignal/Honeywell) (JO 2001, L 152, p. 1, a seguir a «decisão AlliedSignal/Honeywell»), e a Decisão do 11 de Maio de 2000 que declara a compatibilidade com o mercado comum de uma operação de concentração (Processo COMP/M.1745 – EADS) (a seguir a «decisão EADS»), nas quais a Comissão declarou que tanto os fabricantes de estruturas como as companhias aéreas tinham um poder de compra importante. A interdependência dos fornecedores e compradores dá a estes últimos um poder compensador real, o que constitui um factor importante de concorrência. Além disso, a Comissão dispunha de provas, designadamente as declarações da Airbus e da IAE, empresa comum da P & W e da Rolls‑Royce, que confirmam a existência desse poder de compra. A este respeito, é pertinente o facto de os fabricantes de estruturas não se terem oposto à concentração.

108    Além disso, a Comissão não fornece qualquer dado ou prova que demonstrem de que modo, por que razão e em que momento a Rolls‑Royce, a P & W e a IAE deixarão de poder opor uma concorrência efectiva actual ou futura. A credibilidade e o vigor destas três empresas constituem o principal elemento da intensidade da concorrência no mercado dos motores de avião. A recorrente apresentou, em resposta à CA, um relatório de peritos que concluía que nem a GE nem a P & W, nem a Rolls‑Royce tinham a capacidade de agir independentemente uma da outra. A Rolls‑Royce limitou‑se a alegar que não dispõe do poder financeiro da recorrente, mas não que o seu próprio poder financeiro ou que o seu acesso aos capitais são insuficientes, uma vez que goza de uma boa saúde financeira, conforme confirmado por um dos peritos, o Professor Shapiro. No que respeita ao argumento da Rolls‑Royce relativo […](1), este elemento constitui um sinal de boa saúde.

109    O único elemento económico que sustenta a tese da Comissão quanto à incapacidade da Rolls‑Royce e da P & W de competirem efectivamente com a GE no futuro é o modelo económico do Professor Choi, encomendado pela Rolls‑Royce por intermédio do gabinete de peritagem Frontier Economics (a seguir «modelo Choi»), que, no entanto, foi abandonado pela Comissão. Além disso, a Comissão não refutou as análises dos peritos rivais que levavam a conclusões opostas. Por outro lado, nem a Rolls‑Royce, nem a P & W, sugeriram durante o procedimento administrativo que deixariam o mercado na sequência da concentração.

110    A Comissão recorda a definição jurisprudencial da posição dominante e considera ter concluído correctamente pela existência dessa posição preexistente no mercado em causa. A este respeito, é apoiada pela Rolls‑Royce.

111    A Comissão refere que a GE é, de longe, o primeiro fornecedor de motores e apresenta a taxa de crescimento mais elevada do mercado. A GE continua a aumentar esta vantagem, tendo em conta as carteiras de encomendas.

112    Além disso, o facto de uma parte considerável das quotas de mercado da GE se dever a uma única plataforma, o B737, não retira pertinência à apreciação do poder da GE.

113    Segundo a Comissão e a Rolls‑Royce, a existência de descontos para a compra de determinados motores não constitui um sinal de concorrência benéfica, uma vez que o preço de compra não traduz o custo total dos motores, incluindo a manutenção. Em especial, o exemplo do B777X não constitui um exemplo de concorrência saudável, antes ilustrando os meios comerciais de que dispõe a GE, designadamente devido ao poder da GE Capital e da GECAS, em relação aos seus concorrentes.

3.     Apreciação do Tribunal

a)     Observações preliminares

114    A título preliminar, importa recordar que, segundo jurisprudência assente, uma posição dominante é demonstrada pelo facto de a empresa em causa se encontrar numa situação de poder económico que lhe permite obstar à manutenção de uma concorrência efectiva no mercado em causa, dando‑lhe a possibilidade, numa medida considerável, de comportamentos independentes em relação aos seus concorrentes, aos seus clientes e, finalmente, aos consumidores (v., por exemplo, acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 1983, Michelin/Comissão, 322/81, Colect., p. 3461, n.° 30; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 23 de Outubro de 2003, Van den Bergh Foods/Comissão, T‑65/98, Colect., p. II‑4653, n.° 154). Refira‑se desde já que a Comissão não necessita de demonstrar que os concorrentes de uma empresa serão excluídos do mercado, mesmo a prazo, para provar a existência de uma posição dominante.

115    Por outro lado, embora o significado das quotas de mercado possa diferir de um mercado para outro, quotas de mercado extremamente importantes constituem por si só, e salvo circunstâncias excepcionais, a prova da existência de uma posição dominante (acórdão do Tribunal de Justiça Hoffmann‑La Roche/Comissão, n.° 101 supra, n.° 41, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Abril de 1999, Endemol/Comissão, T‑221/95, Colect., p. II‑1299, n.° 134). O Tribunal de Justiça decidiu, no seu acórdão do 3 de Julho de 1991, AKZO/Comissão (C‑62/86, Colect., p. I‑3359, n.° 60), que esse era o caso de uma quota de mercado de 50%.

116    Além disso, conforme referiu a recorrente, resulta do acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão, n.° 101 supra (n.° 71), que o facto de uma empresa ser obrigada a baixar os seus preços, sob a pressão de reduções da iniciativa dos seus concorrentes é, regra geral, incompatível com a independência de comportamento característica de uma posição dominante.

117    Contudo, o facto de existir concorrência, mesmo forte, num determinado mercado, não exclui a existência de uma posição dominante nesse mesmo mercado, uma vez que esta posição se caracteriza fundamentalmente pela capacidade de adoptar um comportamento sem ter de tomar em consideração essa concorrência, na sua estratégia de mercado, e sem, com isso, sofrer os efeitos prejudiciais devidos a essa atitude (acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão, n.° 101 supra, n.° 70, e acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 1978, United Brands/Comissão, 27/76, Colect., p. 207). Assim, a eventual existência de concorrência no mercado é certamente uma circunstância pertinente, designadamente para efeitos de apreciação da existência de uma posição dominante, mas não constitui, em si mesma, uma circunstância determinante a este respeito.

118    A este propósito, quando a Comissão decide sobre a compatibilidade de uma operação de concentração com o mercado comum com base numa notificação e num processo específicos desta operação, um recorrente não pode pôr em causa as suas afirmações pelo facto de diferirem das feitas anteriormente noutro processo, com base numa notificação e num processo diferentes, mesmo supondo que os mercados em questão nos dois processos são similares ou mesmo idênticos. Assim, na medida em que a recorrente invoca, no caso vertente, análises feitas pela Comissão nas suas decisões anteriores, designadamente na decisão Engine Alliance, esta parte da sua argumentação carece de pertinência.

119    Mesmo admitindo que estas acusações possam ser requalificadas na medida em que se baseiam na violação do princípio da protecção da confiança legítima, os operadores económicos não podem confiar legitimamente na manutenção de uma prática decisória anterior que pode ser modificada (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, Mayr‑Melnhof/Comissão, T‑347/94, Colect., p. II‑1751, n.° 368, e de 30 de Setembro de 2003, Michelin/Comissão, T‑203/01, Colect., p. II‑4071, n.os 254 a 255 e 292 a 293). Por maioria de razão, não podem invocar essa confiança para contestar afirmações ou apreciações efectuadas num dado processo com base em afirmações ou apreciações efectuadas no âmbito de um único processo anterior.

120    De qualquer forma, nem a Comissão nem, a fortiori, o Tribunal de Primeira Instância estão vinculados, no caso vertente, pelas constatações de facto e pelas apreciações económicas contidas na decisão Engine Alliance. Supondo que a análise das duas decisões seja diferente sem que esta diferença se justifique objectivamente, o Tribunal de Primeira Instância só deveria anular a decisão impugnada no presente processo se esta, e não a decisão Engine Alliance, estivesse viciada por erros.

121    Além disso, importa distinguir, no âmbito do exame da legalidade da análise da Comissão relativa à existência de uma posição dominante preexistente, entre a materialidade dos factos declarados e a sua qualificação jurídica, a qual faz parte do poder de apreciação da Comissão, e recordar que esta goza de uma margem de apreciação quanto à questão de saber se, baseando‑se em factos devidamente provados, podia concluir pela existência da posição dominante de uma empresa num dado mercado (v. n.os 60 e segs. supra).

122    No caso vertente, a Comissão justificou a sua conclusão quanto à posição dominante preexistente da GE no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte, em primeiro lugar no que diz respeito às suas quotas de mercado (v. considerandos 38 a 83 da decisão impugnada) e, em seguida, no que diz respeito a um determinado número de outros factores (considerandos 107 a 229 da decisão impugnada). A recorrente não contesta a definição do mercado mundial dos motores a reacção para estes aviões acolhida pela Comissão na decisão impugnada (v. considerando 10 da decisão impugnada assim como n.° 95 supra). Em contrapartida, sustenta que a Comissão considera erradamente que ela detinha, antes da concentração, uma posição dominante no mercado dos motores para aviões comerciais de grande porte.

123    Importa, assim, examinar os elementos considerados pela Comissão na decisão impugnada para fundamentar a sua conclusão quanto à existência da posição dominante em questão, tendo em conta os argumentos apresentados pela recorrente contra esta tese. Serão analisadas, em primeiro lugar, as considerações relativas às quotas de mercado da recorrente, em segundo lugar, as relativas à integração vertical da recorrente e, em terceiro lugar, as relativas ao estado da concorrência no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte.

b)     Quanto às quotas de mercado

124    A Comissão expõe, no considerando 41 da decisão impugnada, as razões pelas quais «a base instalada e a carteira de encomendas referentes a aviões que se encontram ainda em produção são o melhor indicador para medir e interpretar a posição dos concorrentes nesta indústria». Além disso, entende que a recorrente e a CFMI devem ser consideradas uma entidade única para efeitos quer comerciais quer concorrenciais e que, nestas condições, há que atribuir a totalidade da quota de mercado da CFMI à GE quando da apreciação da posição dominante desta última (considerandos 65 e 66 da decisão impugnada).

125    Assim, no considerando 70 da decisão impugnada, a Comissão refere que a quota de mercado da GE/CFMI para a base instalada de motores para os aviões comerciais de grande porte ainda em produção é de 51% para os aviões de fuselagem estreita, de 54% para os aviões de fuselagem larga, e de 52,5% para o total, enquanto P & W/IAE detêm 26,5%, e Rolls‑Royce/IAE 21%. Além disso, refere, nos considerandos 74 a 76 da decisão impugnada, que a evolução da base instalada foi favorável à GE ao longo dos últimos cinco anos. Quanto à carteira de encomendas para os aviões ainda em produção, a Comissão apresenta, no considerando 77 da decisão impugnada, um quadro do qual resulta que a recorrente detinha uma quota de 65% do mercado segundo essa medida.

126    Por conseguinte, há que examinar a seguir, em primeiro lugar, se a Comissão pôde validamente atribuir as quotas de mercado da CFMI à recorrente nas circunstâncias do caso vertente e, em segundo lugar, se as suas outras afirmações relativas às quotas de mercado, assim como as conclusões que extraiu das mesmas, eram fundadas.

 Quanto à atribuição das quotas de mercado da CFMI à recorrente

–       Introdução

127    A recorrente acusa a Comissão de ter cumulado a quota de mercado da própria recorrente com a totalidade da quota da CFMI (v. considerandos 46 a 66 da decisão impugnada).

128    A recorrente refere, a este respeito, que a sua quota de mercado era apenas de […]%, e a da CFMI de […]% (valores baseados na carteira de encomendas em 2000) e que se a Comissão lhe tivesse atribuído metade da quota da empresa comum e não a totalidade desta, como fez em relação à empresa comum dos seus concorrentes Rolls‑Royce e P & W, a sua quota de mercado teria sido de […]%, muito abaixo do limiar dos 40%.

129    Tendo a Comissão concluído, nos considerandos 65 e 66 da decisão impugnada, que a GE e a CFMI «devem ser vistas como uma única entidade, tanto para efeitos comerciais como concorrenciais» e que, por conseguinte, deve atribuir‑se a quota de mercado da CFMI à GE para efeitos de apreciação da sua posição nos mercados em questão, há que examinar, por um lado, se as afirmações da Comissão quanto à organização interna da empresa comum justificam a conclusão segundo a qual estas empresas constituem uma entidade única «no plano comercial» e, por outro, se as suas afirmações quanto ao comportamento da GE, da CFMI e da Snecma no mercado justificam a conclusão segundo a qual a GE e a CFMI constituem uma entidade única «no plano concorrencial».

130    Refira‑se, neste contexto que a rectidão das afirmações contidas na decisão impugnada respeitantes ao funcionamento da empresa comum CFMI, às relações entre os seus accionistas e ao seu comportamento no mercado é uma questão de facto, ao passo que a Comissão dispunha de poder de apreciação quanto à questão de saber se as quotas de mercado da CFMI deviam ou não ser atribuídas à recorrente.

–       Análise da organização interna da CFMI

131    A Comissão afirma que o modo de organização da empresa comum no que diz respeito à separação tecnológica e financeira (considerandos 53 a 55 da decisão impugnada) assim como as vendas e a comercialização dos motores CFMI (considerandos 57 e 58) indicam o papel preponderante da GE na empresa comum.

132    Contudo, a recorrente contesta esta análise e sustenta, em especial, que a tese da Comissão, exposta no considerando 82 da decisão impugnada, quanto à probabilidade de que as receitas da CFMI sejam reinvestidas no desenvolvimento de novos motores, carece de base factual, designadamente na medida em que a CFMI não conserva fundos para investi‑los no desenvolvimento do futuro motor, mas, pelo contrário, distribui regularmente as suas receitas pela GE e pela Snecma.

133    A Comissão não contesta esta afirmação de facto da recorrente no Tribunal de Primeira Instância, e há que considerar que, a este respeito, cometeu um erro de facto na decisão impugnada. Este erro é pertinente no presente contexto, na medida em que sublinha o carácter recíproco da interdependência da GE e da Snecma no contexto da sua empresa comum CFMI, ao passo que a Comissão sublinha a influência preponderante da recorrente. Dado que as receitas da CFMI são distribuídas pelos seus accionistas, a capacidade da CFMI de se desenvolver depende necessariamente da vontade destes.

134    Refira‑se igualmente que a própria Comissão admite, no considerando 56 da decisão impugnada, que, na prática, o presidente director‑geral da CFMI foi sempre designado pela Snecma. Resulta da descrição destes aspectos do funcionamento da CFMI na decisão impugnada que, embora a participação funcional de cada um dos parceiros não reflicta uma partilha 50/50, de forma precisa, em todos os domínios, esta empresa é verdadeiramente uma empresa comum e não uma quase‑filial da recorrente.

135    A este respeito, a Comissão observou correctamente, na decisão impugnada, que a cooperação comercial entre a recorrente e a Snecma no âmbito da CFMI é muito estreita, e que o mesmo acontece em relação à cooperação comercial entre a recorrente e a CFMI, designadamente no que diz respeito à comercialização dos motores da CFMI (considerandos 57 e 58 da decisão impugnada). Seria muito difícil para a Snecma manter‑se presente no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte, de outra forma que não fosse através da sua participação actual na empresa comum CFMI. Além disso, decorre da análise do funcionamento da CFMI efectuada na decisão impugnada, que qualquer aumento da quota de mercado da CFMI era sempre no interesse comercial da GE e da Snecma, afirmação que a recorrente não contesta no Tribunal de Primeira Instância. Por conseguinte, o erro de facto referido no n.° 133 supra e a afirmação relativa à identidade do presidente director‑geral da CFMI são fortemente relativizados pelo elevado grau de integração comercial que existia, de resto, entre a CFMI e os seus accionistas.

136    Contudo, na medida em que o outro accionista da CFMI, a Snecma, que é uma empresa independente da recorrente, desempenha igualmente um papel significativo na gestão da CFMI e recebe uma parte das suas receitas, a CFMI permanece fora do grupo GE e não se pode considerar que pertença plenamente à empresa da recorrente. Tendo em conta o exposto, há que considerar que a Comissão exagerou, em certa medida, o papel desempenhado pela recorrente na empresa comum CFMI ao considerar que esta última constituía, com a recorrente, uma entidade única no plano comercial.

–       Análise da posição concorrencial da GE, da CFMI e da Snecma

137    A Comissão afirmou, na decisão impugnada, sem ser desmentida a este respeito pela recorrente, que a Snecma não vende motores a reacção para aviões comerciais de grande porte independentemente da CFMI, nem actualmente nem sequer potencialmente, e que os motores da CFMI e da GE não estão em concorrência uns com os outros (considerandos 50 a 52 e 59 a 61 da decisão impugnada).

138    Por outro lado, a Comissão refere, no considerando 64, e a recorrente não contesta no caso vertente que, em aplicação da sua política de compra preferencial «GE‑only», examinada em pormenor a seguir nos n.os 191 e seguintes, a filial da GE, GECAS, compra exclusivamente motores GE e CFMI na medida do possível (considerandos 121 e segs. da decisão impugnada, em especial, considerando 132). O facto de a GECAS tratar os motores CFMI da mesma forma que os motores GE corrobora a tese da Comissão.

139    Por último, a Comissão observa, sem ser desmentida a este respeito pela recorrente, que esta cumula ela própria as suas quotas de mercado com as da CFMI nos seus relatórios anuais desde 1995 e que os principais analistas financeiros fazem o mesmo (considerando 65 da decisão impugnada assim como as suas notas de rodapé 22 e 23).

140    Com base nestas afirmações factuais não contestadas no presente processo, a Comissão podia concluir, sem cometer qualquer erro manifesto, que a recorrente e a CFMI se comportavam, no mercado, como uma entidade única face aos seus concorrentes e clientes.

–       Síntese e conclusão quanto à atribuição das quotas de mercado da CFMI à recorrente

141    Recorde‑se, preliminarmente, que a atribuição das quotas da CFMI à recorrente serviu, por um lado, principalmente, para apreciar a eventual existência de uma posição dominante no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte e, por outro, acessoriamente, para apreciar outros aspectos da concentração, tais como os efeitos de conglomerado.

142    Na medida em que esta atribuição se destina a apreciar esta posição dominante, inscreve‑se no âmbito de uma análise que visa identificar as relações concorrenciais no mercado e não outros aspectos das relações comerciais entre as empresas presentes no mercado.

143    Há que considerar que, no âmbito deste exercício específico, a conclusão da Comissão segundo a qual a CFMI e a recorrente constituem uma entidade única no plano concorrencial (v. n.° 129 supra) é de primordial importância. Em contrapartida, o carácter preciso das relações internas entre os accionistas da CFMI e o seu grau de integração comercial são de importância secundária na economia geral desta parte da decisão impugnada, tanto mais que a conclusão da Comissão quanto à existência de um elevado grau de integração entre a recorrente e a CFMI se mantém substancialmente exacta.

144    Além disso, a metodologia de cálculo das quotas de mercado proposta pela recorrente que consiste em considerar que metade da quota da CFMI, ou seja […]% do mercado, não se pode atribuir à GE, daria uma impressão falsa da posição da GE no mercado. Em contrapartida, o facto de a Comissão atribuir à GE as quotas de mercado da CFMI pelo facto de esta, diversamente da sua parceira, a Snecma, também possuir uma actividade independente de fabrico de motores a reacção para aviões comerciais de grande porte, reflecte as realidades concorrenciais do mercado correctamente declaradas na decisão impugnada.

145    De resto, uma vez que a Comissão tratou de uma forma análoga as quotas de mercado da empresa comum IAE, na qual participam as concorrentes da recorrente Rolls‑Royce e P & W, ao atribuir metade da quota de mercado da IAE a cada uma destas últimas, pelo facto de serem as únicas de entre os accionistas da IAE que têm uma actividade própria no mercado (considerando 67 da decisão impugnada), a sua abordagem quanto à atribuição das quotas de mercado das empresas comuns é coerente e não se afigura manifestamente errada.

146    Nestas condições, nem o erro de facto acima referido relativo ao tratamento das receitas da CFMI (n.° 133 supra), nem o relativo exagero do papel desempenhado pela recorrente na gestão da empresa comum CFMI (n.° 134 supra), considerados conjunta ou separadamente, são susceptíveis de pôr em causa a afirmação da Comissão de que a recorrente e a CFMI devem ser consideradas uma entidade única. Consequentemente, atento ao exposto, não está demonstrado que a Comissão tenha cometido um erro manifesto de apreciação das circunstâncias do caso vertente, ao decidir atribuir as quotas de mercado da CFMI à recorrente para efeitos da sua apreciação mais geral da existência de uma posição dominante desta última no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte no que respeita quer à base instalada quer à carteira de encomendas.

147    Em contrapartida, na medida em que esta atribuição de quotas de mercado se inscreve no âmbito de outros aspectos do processo, a recorrente salienta, com razão, que a Snecma não teria interesse em fazer sacrifícios financeiros para permitir à entidade resultante da fusão promover produtos aviónicos e não aviónicos da Honeywell. Este argumento deve ser tido em conta no âmbito do exame, a seguir, das secções da decisão impugnada dedicadas a estes outros aspectos do processo, designadamente as relativas aos efeitos de conglomerado. Com efeito, na medida em que a circunstância assim referida pela recorrente é susceptível de ter incidência sobre a análise económica e concorrencial destes outros aspectos do processo, incumbia à Comissão tomá‑la em consideração (v., em especial, a análise do efeito Cournot nos considerandos 374 e segs. da decisão impugnada).

 Quanto às quotas de mercado em que a Comissão se baseou para apreciar o poder dos fabricantes presentes no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte

–       Considerações relativas à natureza do mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte

148    A recorrente alega que a invocação, na decisão impugnada, das suas quotas de mercado para demonstrar que esta detinha uma posição dominante no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte é inadequada devido à própria natureza do mercado, que é um mercado sujeito a concursos.

149    Com efeito, há que considerar que as quotas de mercado numa determinada data são menos significativas para a análise de um mercado como o dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte do que, por exemplo, para a análise de um mercado de produtos de consumo corrente. Sem reconhecer formalmente que o mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte é um «mercado sujeito a concursos», a Comissão admite no Tribunal de Primeira Instância que este mercado se caracteriza pela adjudicação de um número limitado de contratos de valor elevado. Nesse mercado, a circunstância de uma determinada empresa ter ganho os últimos concursos não implica necessariamente que um dos seus concorrentes não possa ganhar o seguinte. Na condição de ter um produto competitivo e de outros factores não jogarem a favor da primeira empresa de forma preponderante, um concorrente pode sempre obter um contrato importante e aumentar de forma considerável, de uma só vez, as suas quotas de mercado.

150    Contudo, esta constatação não justifica a conclusão de que as quotas de mercado não têm praticamente qualquer valor para efeitos de apreciação do poder dos diferentes fabricantes num mercado desta natureza, sobretudo na medida em que essas quotas se mantenham relativamente estáveis ou revelem uma tendência de reforço da posição de uma empresa. No caso vertente, a Comissão deduz correctamente dos valores que constam da decisão impugnada, recordados no n.° 125 supra, que, durante o período de cinco anos que antecedeu a data de adopção da decisão impugnada, «a GE não só conseguiu manter a sua posição de principal fornecedor, como a sua quota de mercado foi, também, a que apresentou a maior taxa de crescimento» (considerando 74 da decisão impugnada).

151    Mesmo num mercado sujeito a concursos, o facto de um fabricante manter, ou até reforçar, as suas quotas de mercado durante um período de vários anos consecutivos constitui um indício de poder no mercado. Com efeito, há obrigatoriamente um momento em que a diferença entre a quota de mercado de um fabricante e a dos seus concorrentes deixa de poder ser atribuída ao número limitado de concursos que compõem a procura no mercado. Assim, o aspecto dinâmico que consiste no aumento recente da quota de mercado da GE constitui um elemento especialmente convincente no âmbito da análise efectuada pela Comissão, a qual não pode, portanto, ser acusada de ter cometido um erro manifesto de apreciação.

–       Considerações relativas aos mercados de assistência (aftermarkets)

152    A Comissão refere que os fabricantes de motores têm tendência, cada vez mais, para recuperar o seu investimento através dos serviços de assistência e das vendas de peças sobresselentes, mais do que graças à margem de lucro inicialmente realizada sobre a venda do motor a reacção (considerandos 79 a 82 e 90 a 106 da decisão impugnada). Esta conclusão factual da Comissão, que a recorrente não questiona e que é mesmo baseada nas afirmações das próprias partes (considerandos 39 e 95), é suficiente para demonstrar que a importância dos rendimentos actuais de um fabricante de motores a reacção depende em grande parte das suas vendas passadas.

153    É certo que a recorrente refere, com razão, que, na medida em que uma parte importante da quota de mercado que lhe é atribuída se refere a vendas de motores a reacção da CFMI, os rendimentos que daí para ela resultam são inferiores aos que realizaria se as vendas lhe fossem directamente atribuíveis (v. n.° 147 supra). Por esta razão, o poder económico que resulta para a recorrente da sua quota de mercado medida em termos de base instalada de motores a reacção é menos significativo do que o indicado no valor bruto da quota de mercado acolhido pela Comissão na decisão impugnada. Contudo, na medida em que a Snecma e a recorrente têm ambas interesse em assegurar o sucesso da CFMI no futuro, não se pode abstrair completamente da parte dos rendimentos da CFMI distribuídos pela Snecma. Por fim, esta argumentação não afecta a pertinência da quota de mercado elevada da recorrente no que respeita à carteira de encomendas, tendo em conta, em especial, a circunstância referida no n.° 140 supra, segundo a qual a CFMI e a recorrente constituem uma entidade concorrencial única face a terceiros, concorrentes e clientes.

154    A Comissão refere, além disso, no considerando 104 da decisão impugnada, sem ser desmentida a este respeito pela recorrente, que a GE fornece serviços de assistência a motores a reacção, nos produtos dos seus concorrentes, em maior medida do que estes últimos. Dada a importância dos fluxos provenientes dos serviços de assistência, referida supra, esta circunstância é significativa porque resulta deste facto que a quota de mercado da GE da base instalada de motores subestima, em certa medida, o seu poder no mercado dos motores para os aviões comerciais de grande porte ao nível dos serviços de assistência.

–       Considerações relativas ao conceito de «uniformização» no mercado dos motores para aviões comerciais de grande porte

155    A Comissão invoca igualmente o conceito de «uniformização» (commonality) segundo a qual, no essencial, o facto de o gestor de uma frota equipar todos os seus aviões com os mesmos motores a reacção ou, pelo menos, com motores a reacção da mesma série gera economias (considerandos 41 e 146 a 162 da decisão impugnada). Refere, a este respeito, que «a uniformização produz outros benefícios a níveis diferentes das actividades de uma companhia aérea e, como tal, é um factor que os operadores levam inegavelmente em conta ao encomendarem aeronaves» (considerando 161 da decisão impugnada).

156    Refira‑se que este fenómeno acentua a vantagem que resulta para um fabricante de motores do facto de estar em posição dominante num número elevado de plataformas ou em plataformas de vendas elevadas, no que diz respeito a posteriores vendas destes mesmos motores no futuro. A importância desta vantagem para um fabricante de motores depende necessariamente da base instalada dos seus motores, sobretudo nos aviões ainda em produção. Por conseguinte, a uniformização constitui um elemento especialmente pertinente da análise da Comissão que justifica a utilização dos valores relativos à quota de mercado da recorrente para demonstrar o poder comercial desta última. Contudo, a recorrente questiona as vantagens resultantes da uniformização (n.° 99 supra).

157    No âmbito da sua análise do papel da GECAS, no considerando 135 da decisão impugnada, a Comissão citou uma passagem do relatório anual da GE para o ano de 1999 que precisa: «Fizemos [GECAS] progressos significativos ao nível do nosso compromisso de ajudar os nossos clientes a realizarem os objectivos que se propuseram relativamente à sua frota e ao seu balanço. Por exemplo, no caso da China Eastern, uma das maiores companhias aéreas chineses, a GECAS ajudou a reduzir a sua capacidade a curto prazo, a uniformizar a sua frota com aviões de fuselagem estreita da Airbus equipados com motores [CFMI] e a obter divisas fortes.» Este exemplo constitui um indício pertinente e significativo da realidade dos efeitos positivos da uniformização dos motores a reacção. Neste relatório, a recorrente parece considerar adquirido que o facto de uniformizar a sua frota de aviões apresenta determinados benefícios económicos do ponto de vista de uma companhia aérea.

158    Contrariamente ao que sustenta a recorrente, a maior parte das respostas recebidas das companhias aéreas sobre esta questão não estão em contradição com a tese da Comissão (n.° 99 supra, in fine).

159    A este respeito, a Lufthansa indica que o efeito da uniformização é, no seu caso, mínimo porque a manutenção dos seus motores é assegurada por terceiros, mas refere que a uniformização de uma frota é importante no plano operacional. A United Airlines afirma, sem rodeios, que a uniformização é um elemento importante na escolha do motor, entre outros, e a Alitalia reconhece que o facto de comprar motores a reacção idênticos pode reduzir o custo total médio em razão de reduções dos custos de manutenção, ainda que outras vantagens possam decorrer do facto de ter uma frota heterogénea A US Airways afirma que tenta assegurar a uniformização da sua frota, mas que, no passado, escolheu os motores em função de outros factores, pelo que o nível de uniformização da sua frota é, de momento, pouco elevado e não tem, portanto, actualmente, uma incidência muito importante na sua escolha de motores. Segundo a Iberia, não é possível afirmar, de uma maneira geral, que a uniformização seja determinante pois, se a escolha do motor é clara nos planos económico, técnico e financeiro, assim como em termos de apreciação do risco, a uniformização não é um factor importante. Em contrapartida, afirma que aprecia as vantagens que decorrem da uniformização dos equipamentos se estes outros factores forem equilibrados. Por último, a resposta da British Airways, anexada à petição, refere‑se exclusivamente aos produtos aviónicos, mas corrobora, em geral, a ideia de que a uniformização dos equipamentos permite realizar economias. Assim, não decorre da leitura das respostas invocadas pela recorrente que a uniformização dos motores no interior de uma frota seja irrelevante para a escolha de motores de uma companhia aérea.

160    Além disso, refira‑se que a Comissão apresentou na decisão impugnada, em especial nos considerandos 154 e 155, vários exemplos específicos de companhias aéreas que preferiram explicitamente um motor a reacção em vez de outro, pelo facto de o primeiro já ser utilizado na sua frota. Não foi alegado, e ainda menos demonstrado, que estes exemplos não existem, devendo considerar‑se, por conseguinte, que os mesmos alicerçam a tese da Comissão.

161    Importa sublinhar que a Comissão não afirmou na decisão impugnada que a uniformização é sempre determinante na escolha do motor, dado que refere, no considerando 148, que, «[e]mbora a uniformização dos motores seja apenas um dos factores que os operadores de aeronaves levam em conta ao adquirirem aeronaves, o estudo da Comissão indica que a organização das actividades de manutenção da companhia aérea é um elemento importante que irá influenciá‑la ao decidir sobre a aquisição de motores». Nesta medida, a Comissão não cometeu um erro de facto ao considerar que as vantagens que decorrem da uniformização de uma frota existem, pelo menos numa mesma família de motores, e podem favorecer, em princípio, a compra pelas companhias aéreas dos motores já utilizados na sua frota, de preferência aos motores que ainda não compraram. Também não cometeu um erro manifesto de apreciação ao entender que este fenómeno contribui igualmente para a posição dominante da GE.

–       Quanto à medida das quotas de mercado consideradas pela Comissão para efeitos de apreciação do poder da recorrente no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte

162    A Comissão excluiu da sua análise da quota de mercado da recorrente, no que diz respeito à base instalada, os aviões que já não são produzidos, uma vez que estes «são uma fonte de receitas menos importante para os fornecedores de motores do que as aeronaves que ainda estão a ser produzidas» (considerando 42 da decisão impugnada). A Comissão refere, em especial, sem ser desmentida pela recorrente a este respeito, que os motores mais antigos são mais simples do que os motores modernos, que são, por esse motivo, fonte de rendimentos menos importantes a título de serviços de assistência e que desaparecem progressivamente da frota das companhias aéreas. À luz destas explicações, há que concluir que a Comissão também não cometeu um erro manifesto de apreciação ao decidir não tomar em consideração esta parte da base instalada na apreciação do poder actual dos diferentes fabricantes no mercado dos motores para aviões comerciais de grande porte.

163    No que diz respeito aos valores da carteira de encomendas, a recorrente refere que a Comissão não teve em conta, no que diz respeito aos aviões comerciais de grande porte, a carteira de encomendas relativas aos aviões que ainda não entraram em funcionamento, ao passo que teve em conta essa parte em relação aos aviões regionais de grande porte (considerando 85 da decisão impugnada). A recorrente remete, a este respeito, para um quadro que figura no anexo 8 da sua petição («GE’s and Honeywel’s slides presentation at oral hearing», pasta 8/14, indicador 3, quadro na nona página intitulado «Backlog of Engine Sales for Aircraft not Yet in Service»), segundo o qual a carteira de encomendas para os aviões que ainda não entraram em funcionamento indica uma quota de mercado de 38% para a GE, de 21% para a P & W e de 40% para a Rolls‑Royce.

164    Em primeiro lugar, quanto ao facto, referido pela recorrente, de os valores relativos à carteira de encomendas dos aviões que ainda não entraram em funcionamento terem sido utilizados pela Comissão para apreciar a situação no mercado dos motores para aviões regionais de grande porte, refira‑se que a recorrente não contestou a sua utilização neste último contexto, pelo que não é necessário examinar o carácter adequado da sua utilização em relação a este mercado (n.° 539 infra). Em qualquer hipótese, pode justificar‑se ter em conta estes valores em relação ao mercado dos motores para aviões regionais de grande porte, pelo rápido crescimento deste mercado, referido no n.° 551 infra, o que não é o caso do mercado dos motores para aviões comerciais de grande porte pelas razões a seguir expostas nos n.os 165 e seguintes. Assim, a diferença no tratamento da carteira de encomendas dos aviões que ainda não entraram em funcionamento nestes dois mercados não revela uma contradição na abordagem da Comissão e, ainda menos, um erro manifesto de apreciação da sua parte.

165    Resulta das indicações fornecidas pelas duas partes principais na audiência, que os valores indicados no quadro acima mencionado no n.° 163, assim como os indicados no quadro que consta do considerando 77 da decisão impugnada, relativo à carteira de encomendas de motores que equipam os aviões comerciais de grande porte que continuam a ser fabricados, se referem ao número de motores a reacção. Assim, observe‑se que o número de motores a reacção que constituem objecto das encomendas de aviões que ainda não entraram em funcionamento, segundo o quadro apresentado pela recorrente (936 motores a reacção encomendados), é muito reduzido em comparação com o número de motores para aviões que ainda se fabricam por encomenda (5 466 motores a reacção encomendados). Assim, o facto de a Rolls‑Royce ter sensivelmente mais encomendas do que a recorrente de aviões que ainda não estão em funcionamento tem apenas uma incidência marginal na relação de concorrência entre ambas, se se tiverem conta a totalidade das encomendas.

166    Se o quadro acima mencionado no n.° 163 e o que consta do considerando 77 da decisão impugnada forem conjugados, a recorrente tem uma quota de mercado para a carteira de encomendas de 60,9% (3542 + 360 = 3902 motores a reacção por encomenda), a P & W uma quota de 17,0% (887 + 200 = 1087 motores a reacção por encomenda) e a Rolls‑Royce uma quota de 22,1% (1037 + 376 = 1413 motores a reacção por encomenda).

167    Há que concluir que os valores que resultam da conjugação destes dois quadros são suficientemente próximos dos invocados pela Comissão no considerando 77 da decisão impugnada, para se inferir deste facto que a diferença marginal entre os valores não foi relevante para a conclusão da Comissão de que a quota de mercado da recorrente, em termos de motores a reacção encomendados, era indicativa de uma posição dominante.

168    Além disso, na audiência, a Comissão afirmou, em resposta a uma questão escrita do Tribunal, que os valores relativos aos aviões que ainda não entraram em funcionamento não reflectem, de maneira representativa e fiável a situação concorrencial no mercado. A este respeito, com efeito, quanto a uma plataforma de fornecedores múltiplos – ou seja, um avião comercial de grande porte sobre o qual foram certificados dois ou várias motores diferentes pelo fabricante de estruturas, sendo a escolha final do motor feita pela companhia aérea – que ainda não está em funcionamento, há que referir que as quotas de mercado provisórias dos diferentes fabricantes de motores atribuíveis a esta plataforma podem evoluir posteriormente de forma considerável se esta se encontrar numa fase precoce de comercialização. Ao contrário dos aviões executivos e dos aviões regionais de grande porte que são sempre de um único fornecedor, no sentido de que é certificado um único motor para cada plataforma, os aviões comerciais de grande porte podem ser de um único fornecedor ou de fornecedores múltiplos.

169    A Comissão observou, a este respeito, que a quota de mercado da P & W indicada no quadro mencionado no n.° 163 supra, invocada pela recorrente para os motores que equipam o A318‑100, ou seja de 69% (200 encomendas em 290), é actualmente de apenas […]%, enquanto que essa quota da recorrente passou desde então para […]%. Por outro lado, a Comissão afirma que a quota de mercado da Rolls‑Royce, a saber […]% das encomendas relativas ao A380, indicada no quadro, não corresponde à evolução ulterior do mercado, uma vez que a recorrente tinha uma quota de […]% das encomendas relativas a este avião em Março de 2004. Há que considerar que, embora estes valores não tenham qualquer incidência directa na análise efectuada na decisão impugnada, uma vez que se referem a um período posterior à sua adopção desta, alicerçam a argumentação da Comissão segundo a qual não teria sido adequado tomar em consideração as encomendas feitas para aviões comerciais de grande porte que ainda não tinham entrado em funcionamento.

170    Em resposta a esta argumentação, a recorrente não contestou a veracidade destes exemplos. Limitou‑se a referir que […] em relação ao A318‑100 […], o que, em seu entender, explica a diminuição da quota de mercado desta sociedade quanto à plataforma em causa, e que a Comissão tinha apresentado valores selectivos a este respeito, dado, designadamente, que «a quota de mercado da Rolls‑Royce tinha aumentado de […]% para […]% em Março de 2004». A recorrente não explicou a que motores se refere o valor de […]% que invoca. Supondo que este se refere, o que parece ser o caso tendo atendendo ao contexto, às encomendas de motores para aviões que ainda não estavam a ser fabricados à data da audiência, este valor não infirma a tese da Comissão na medida em que resulta dos exemplos que ela deu na audiência que os valores relativos à quota de mercado provisória de um fabricante de motores para equipar uma plataforma de fornecedores múltiplos são, em princípio, relativamente pouco fiáveis, no sentido de que podem, posteriormente, alterar‑se de modo radical.

171    Quanto aos […] em relação ao A318‑100, esta argumentação, apresentada pela recorrente, reforça, a título de exemplo, a tese da Comissão segundo a qual os valores baseados nas encomendas feitas para aviões de fornecedores múltiplos que ainda não estão no mercado podem dar uma ideia falseada da relação de forças definitiva entre os fabricantes de motores presentes neste mercado. Assim, tendo em conta o objectivo da Comissão ao invocar os exemplos em questão, ou seja, explicar que as encomendas feitas não são tidas em conta no que respeita às as plataformas futuras, há que observar que os argumentos contrários apresentados pela recorrente não infirmam o raciocínio exposto no número anterior.

172    Tendo em conta o exposto, a análise da Comissão não foi falseada pelo facto de não ter tido em conta, na decisão impugnada, as encomendas feitas para aviões que ainda não tinham entrado em funcionamento e, por conseguinte, não cometeu um erro manifesto de apreciação a este respeito pelo facto de excluir estes valores dos seus cálculos.

–       Tratamento do Boeing 737

173    A recorrente também apresenta um argumento relacionado especificamente com o B737 da Boeing. Como constatou o Departamento de Justiça americano, a forte quota de mercado da GE era essencialmente constituída pela motorização exclusiva pela CFMI de um único avião, as segunda e terceira versões do B737, o qual conheceu o maior sucesso comercial da história da aviação civil.

174    No essencial, a argumentação da recorrente a este respeito reitera a alegação mais geral, acima examinada, de que as quotas de mercado não são pertinentes para apreciar a situação concorrencial num mercado sujeito a concursos. Ora, por todas as razões atrás expostas, e tendo em conta, em especial, o facto de a base instalada de motores fabricados por um fabricante de motores ter incidência nos seus rendimentos actuais e futuros, os efeitos directos e indirectos de um sucesso comercial nesse mercado continuam a existir, não obstante o decurso de um lapso de tempo considerável.

175    Por conseguinte, a motorização pela GE do B737 pode ser considerada pertinente no caso vertente, porque aumenta a quota de mercado da recorrente e permite‑lhe beneficiar, ainda hoje, de fluxos de rendimentos suplementares assim como dos efeitos comerciais positivos que decorrem, para um fabricante de motores em posição dominante numa plataforma, das vantagens do ponto de vista das companhias aéreas da uniformização da sua frota.

176    A recorrente referiu, na audiência, que o economista contratado pela Comissão para prestar aconselhamento aos seus funcionários durante o procedimento administrativo, o Professor Vives, num correio electrónico apresentado pela Comissão em 26 de Abril de 2004, em resposta a uma questão escrita do Tribunal, descreveu o facto de a recorrente ter obtido os contratos relativos ao equipamento do B737 como sendo «mais um golpe de sorte (com um impacto enorme) do que um exemplo da inércia das quotas de mercado» [«more a case of luck (with tremendous impact) than a case of market share inertia»]. O Professor Vives não tinha nenhum estatuto especial no âmbito do procedimento administrativo, e a circunstância de ter expresso um ponto de vista que pode ser considerado incompatível com a posição finalmente adoptada pela Comissão na decisão impugnada não pode infirmar o fundado desta última. Pelo contrário, essa circunstância indica que a Comissão se fez muniu voluntariamente de diferentes pontos de vista.

177    De qualquer forma, a Comissão não afirma, na decisão impugnada, que a recorrente estava em posição dominante no momento da adjudicação dos contratos em questão, no início, respectivamente, dos anos 80 e 90. O que é pertinente no presente contexto é o facto de este sucesso comercial no passado continuar, em si, a influenciar a posição concorrencial actual da recorrente, conforme anteriormente descrito.

178    Embora o sucesso da recorrente no concurso para equipar o B737 «deforme» os valores relativos às quotas de mercado dos diferentes fabricantes de motores, no sentido de que aumenta a quota da recorrente de maneira significativa, a Comissão podia validamente considerar que a quota de mercado importante da recorrente, que resultava em parte desse facto, podia modificar a situação concorrencial no próprio mercado em favor desta última. Em contrapartida, o facto de a Comissão ter abstraído do concurso ganho pela recorrente, que representava o sucesso comercial mais importante no mercado em questão, teria certamente podido falsear a sua análise a este respeito.

179    A circunstância invocada pela recorrente, de o Departamento de Justiça americano ter aparentemente considerado oportuno excluir as vendas de motores imputáveis às vendas dessa aeronave, para apreciar o poder da recorrente neste sector não é pertinente para efeitos do presente processo. A este respeito, o facto de, no âmbito dos seus próprios processos, as autoridades competentes de um ou vários Estados terceiros apreciarem uma questão de determinada forma não basta, em si mesma, para infirmar a apreciação divergente eventualmente efectuada pelas autoridades comunitárias competentes. Os elementos e argumentos apresentados no âmbito do procedimento administrativo a nível comunitário, assim como as regras jurídicas aplicáveis, não são necessariamente os que foram tidos em conta pelas autoridades dos Estados terceiros em questão, e as apreciações de uma e da outra parte podem, portanto, divergir. Se uma parte considerar que o raciocínio que justifica a conclusão das autoridades de um Estado terceiro é especialmente pertinente e transponível para um processo comunitário, pode sempre invocá‑lo como argumento de mérito, como fez a recorrente no caso vertente, mas a força probatória desse raciocínio não pode ser determinante.

180    Tendo em conta as observações precedentes, a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação ao ter em conta as vendas de motores destinadas ao B737.

 Conclusão sobre as quotas de mercado

181    Há que concluir, tendo em conta a anterior análise, que os factos acolhidos pela Comissão no âmbito da sua análise das quotas de mercado da recorrente estão, no essencial, demonstrados. A Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que a quota de mercado da recorrente podia, nas circunstâncias do caso vertente, indicar que esta detinha uma posição dominante no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte antes da concentração. Refira‑se, além disso, que, na decisão impugnada, fundamentou a sua conclusão de que a recorrente detinha uma posição dominante preexistente da recorrente noutros factores que serão examinados a seguir.

c)     Integração vertical – GE Capital e GECAS

 Introdução

182    Na sua análise da posição da GE no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte, a Comissão baseia‑se igualmente, na decisão impugnada, para concluir que existe um domínio sobre o poder económico e comercial exercido pelas duas filiais da GE, a saber a GE Capital e a GECAS. Nos considerandos 107 a 120, a Comissão expõe as razões pelas quais considera que o poder financeiro da GE Capital reforça a posição dominante da recorrente e, nos n.os 121 a 139, expõe as razões pelas quais considera que a existência e a política comercial da GECAS também contribuem para essa posição dominante. Em seguida, nos n.os 140 a 145, a Comissão refere que seria impossível para os concorrentes da recorrente reproduzir um poder análogo ao desta última. Por último, a Comissão apresenta igualmente um determinado número de exemplos e de outros elementos relativos à influência da GE Capital e da GECAS, nos considerandos 163 a 172, sob o título «Posição dominante da GE».

183    A recorrente critica esta análise referindo, em especial, que é pouco ortodoxa, designadamente na medida em que, no que diz respeito à GECAS, se baseia no alegado exercício de poder no mercado, na qualidade de comprador de um operador cuja quota de compras é inferior a 10% (n.os 103 e 104 supra). A tese da Comissão não assenta em nenhuma análise económica que a possa alicerçar. Na medida em que a Comissão invoca um determinado número de exemplos em apoio da sua tese, a recorrente refere que as intervenções das suas filiais com o objectivo de promover os seus motores são indicativas da existência de uma concorrência muito forte.

184    Importa recordar que a existência de um determinado grau de concorrência num mercado não é incompatível com a existência de uma posição dominante neste mesmo mercado (v. acórdãos Hoffmann‑La Roche/Comissão, n.° 101 supra, n.os 39 e 70, e United Brands/Comissão, n.° 116 supra, n.° 113). No caso vertente, a Comissão declarou, com efeito, que existe uma relação de concorrência entre os diferentes fabricantes de motores para aviões comerciais de grande porte. Contudo, declarou igualmente que, diversamente dos seus concorrentes, a recorrente tinha meios à sua disposição, graças às suas filiais, que lhe permitiam impor‑se pontualmente, obtendo contratos que não teria podido obter exclusivamente com base numa concorrência técnica e nos preços. Assim, a existência de convites à apresentação de propostas, abertos à concorrência, invocada pela recorrente não é incompatível com a tese da Comissão sobre a pertinência destes outros meios de influência.

185    Por outro lado, a simples existência da GE Capital e o facto de o grupo GE beneficiar, consequentemente, de um índice de solvabilidade máximo «AAA» (considerando 142 da decisão impugnada) não são, em si, circunstâncias indicativas de uma posição dominante da recorrente nos mercados dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte. A este respeito, a recorrente refere, concretamente, que o direito da concorrência não sanciona as empresas simplesmente em razão da sua dimensão ou dos seus meios financeiros.

186    De mesmo modo, a circunstância de a GECAS estar activa no domínio da compra, do financiamento e da locação financeira dos aviões comerciais de grande porte não é, em si, nociva para a concorrência. O simples facto de uma empresa ser, por intermédio de uma das suas filiais, especificamente a GECAS, um dos principais clientes dos seus próprios clientes, a saber, a Boeing e a Airbus, não pode bastar para lhe dar um poder no mercado constitutivo de uma posição dominante.

187    Contudo, refira‑se que a Comissão não apresenta, na decisão impugnada, uma teoria económica segundo a qual um comprador de motores, que representa 8 a 10% do total das aquisições, tenha, devido a este simples facto, um poder económico que lhe permite eliminar do mercado um ou outro fabricante destes motores. Também não afirma que o facto de um fabricante de motores a reacção para aviões comerciais de grande porte ser mais poderoso em termos financeiros do que os seus rivais implique, em si, que possa eliminar estes últimos, nem mesmo que o efeito combinado destas duas circunstâncias conduza a esta conclusão numa situação em que o comprador de aviões e o fabricante de motores a reacção pertençam ao mesmo grupo de sociedades.

188    Em contrapartida, a Comissão referiu, no âmbito da sua análise da posição dominante preexistente da recorrente, que esta explora o poder económico das suas filiais de maneira «estratégica» para aumentar o poder que já tem, devido à importância das suas vendas, nos mercados de motores a reacção. Resulta da decisão impugnada, que esta constatação factual assenta, no que diz respeito aos motores para aviões comerciais de grande porte, não numa análise económica da questão de saber se esse comportamento era simultaneamente eficaz e objectivamente no interesse comercial da recorrente, mas em elementos factuais recolhidos durante o procedimento administrativo que mostram que este comportamento existe e que favorece, na prática, a venda dos motores da recorrente em relação às dos seus concorrentes.

189    Da sua conclusão de que existe esse comportamento estratégico a Comissão inferiu que a integração vertical da recorrente com as suas filiais GE Capital e GECAS contribui para a sua posição dominante preexistente nos mercados dos motores a reacção e, em especial, no mercado dos motores a reacção para os aviões comerciais de grande porte (respectivamente, considerandos 107 e segs. e 121 e segs. da decisão impugnada).

190    Cabe ao Tribunal verificar, no presente contexto, se a Comissão cometeu erros de facto ao concluir pela existência do comportamento estratégico acima descrito e, por outro lado, se cometeu um erro manifesto de apreciação ao concluir que este comportamento contribuía para a posição dominante preexistente da recorrente no mercado dos aviões comerciais de grande porte. As considerações relativas a estas duas questões estão estreitamente ligadas, em especial no que diz respeito aos exemplos específicos apresentados, e serão a seguir conjuntamente examinadas no âmbito do exame sucessivo, em primeiro lugar, da influência comercial da GECAS, em segundo lugar, do poder financeiro da GE Capital, em terceiro lugar, das considerações relativas à influência exercida pela GECAS e pela GE Capital sobre os clientes da GE e, em quarto lugar, das considerações relativas aos valores respeitantes à evolução das quotas de mercado da recorrente após a criação da GECAS no seio do seu grupo.

 Influência comercial da GECAS

–       Quanto à política «GE‑only» da GECAS

191    É pacífico que a GECAS tem uma política de compra «GE‑only», que consiste em comprar exclusivamente aviões equipados com motores da GE. A única excepção a esta política é constituída pela aquisição de oito B757 (num total de 1 040 aviões, v. considerandos 122 e 132 da decisão impugnada), avião para o qual não está disponível nenhum motor a reacção GE. Consequentemente, a frota da GECAS é constituída, em mais de 99%, por aviões com motores da recorrente ou da empresa comum CFMI.

192    A recorrente entende que a Comissão não pode considerar que esta circunstância contribui para a sua posição dominante. A este respeito, a recorrente remete, na sua petição, em especial, para um relatório da Lexecon, a ela anexo, segundo o qual é natural que uma empresa de locação financeira integrada com um fabricante de motores compre estes últimos, porque uma outra escolha poderia dar a impressão de falta de confiança, no seio do grupo, nos seus próprios motores a reacção, porque determinados custos ligados à aquisição são menores e porque é difícil para uma tal empresa de locação financeira obter condições favoráveis junto dos concorrentes directos de uma sociedade do seu próprio grupo.

193    A este respeito, importa observar que, para demonstrar a validade da sua tese quanto à incidência do comportamento da GECAS no mercado dos aviões comerciais de grande porte, a Comissão não necessita de contestar o carácter natural do comportamento da GECAS a este respeito, nem mesmo de demonstrar que o objectivo da recorrente ao lançar‑se no mercado da locação financeira era promover as vendas dos seus próprios motores. Com efeito, se está demonstrado que a política de compra exclusiva da GECAS favorece a venda dos motores da recorrente no mercado, esta constatação basta para que a Comissão tenha podido considerar validamente que este factor contribui para a posição dominante da recorrente. Daí resulta que a argumentação respeitante ao carácter alegadamente natural do comportamento da GECAS carece de pertinência no caso vertente.

194    De qualquer forma, os argumentos mencionados no n.° 192 supra são pouco convincentes, na medida em que o facto de a GECAS se limitar a operações relativas aos motores da recorrente representa necessariamente uma certa carga comercial. Com efeito, o facto de qualquer comprador limitar voluntariamente as suas fontes de fornecimento, por princípio, e não por referência a critérios comerciais objectivos, impõe‑lhe, por definição, um custo, salvo na hipótese excepcional de os produtos aos quais se limita serem sistematicamente melhores e menos caros do que os produtos alternativos. Em contrapartida, as alegadas consequências negativas da adopção pela GECAS de uma política de compra neutra, apresentadas pela recorrente, são vagas e especulativas, sobretudo na medida em que assentam essencialmente nas posições comerciais que seriam adoptadas por operadores terceiros se a GECAS optasse por essa política.

195    Consequentemente, abstraindo destes argumentos, se fosse exacta a tese da recorrente segundo a qual a preferência da GECAS não aumenta as vendas globais dos motores da GE, a sua própria política comercial relativa à GECAS deixaria de ter qualquer sentido. Com efeito, o carácter quase absoluto desta preferência pelos motores da GE, manifestada pela GECAS, constitui, em si mesmo, um forte indício da natureza estratégica desta política.

–       Quanto à posição comercial da GECAS

196    A recorrente alega que a ILFC é um comprador de aviões comerciais de grande porte muito mais importante do que a GECAS. Especificamente, sustenta que, em 1 de Março de 2001, a ILFC tinha encomendado quase o dobro do número de aviões comerciais de grande porte, ou seja, 529 contra 268 para a GECAS. Em contrapartida, na decisão impugnada, a Comissão refere que a GECAS é o maior comprador de aviões no mundo e que é duas vezes maior que a ILFC, no que respeita ao número de aviões na sua frota, possuindo 1 040 aviões contra [400 a 500] da ILFC. A Comissão cita igualmente valores globais para todos os aviões a jacto, segundo os quais as encomendas da GECAS ascendiam a 796, enquanto as da ILFC ascendiam a 535 no final do ano 2000. Quanto a estes últimos valores, refira‑se que os mesmos dizem respeito tanto aos aviões regionais de grande porte como aos aviões comerciais de grande porte, o que explica a diferença em relação aos valores apresentados pela recorrente.

197    Tendo em conta a dimensão da frota da GECAS, o facto de, de acordo com outros parâmetros, a ILFC ser maior não implica que a Comissão tenha cometido um erro de facto ou um erro manifesto de apreciação, ao considerar que a GECAS é a maior empresa de locação financeira, nem que foi o maior comprador de aviões do mundo nos anos que precederam a concentração.

198    Acrescente‑se que a validade do raciocínio da Comissão não depende da questão de saber se a quota exacta das compras de aviões comerciais de grande porte e, consequentemente, dos motores que os equipam, representada pelas compras da GECAS era de 10% – como o afirma a Comissão no considerando 122 da decisão impugnada – ou de 7 a 8% – como sustenta a recorrente. Com efeito, a diferença entre estes valores não afecta significativamente a análise da Comissão. O que é importante no presente contexto é a questão de saber se a GECAS podia, concretamente, devido à sua actividade de aquisição e de locação financeira de aviões, exercer uma influência significativa nas escolhas de motores feitas pelos fabricantes de estruturas e pelas companhias aéreas.

199    A este respeito, o facto de a recorrente ter uma quota de mercado de 7 a 10% que lhe era, de facto, reservada, graças à política de compra preferencial da GECAS, representava, em si mesmo, uma vantagem não despicienda para ela. Com efeito, mesmo supondo que as compras preferenciais da GECAS tenham sido compensadas na prática, pelo menos em certa medida, pelas compras das outras empresas de locação financeira, a recorrente, ao contrário das suas concorrentes, podia prever uma certa proporção das suas vendas com um grau de certeza elevado, ao passo que as eventuais compras compensatórias pelas outras empresas de locação financeira constituíam, quando muito, vendas potenciais, do ponto de vista dos outros fabricantes de motores, até à sua realização.

200    Além disso, nos considerandos 140 a 145 da decisão impugnada, a Comissão refere a impossibilidade de as concorrentes da recorrente reproduzirem uma empresa de locação financeira equivalente à GECAS e, nos considerandos 209 e 210, afirma que a Pembroke, a empresa de locação financeira na qual a Rolls‑Royce detém uma participação de 50%, não é comparável à GECAS e não tem uma política exclusiva de compra dos motores da Rolls‑Royce. A recorrente não contesta estas afirmações factuais, mas replica que as concorrentes podem competir com a recorrente não obstante a existência da GECAS. Há que concluir que os considerandos em questão são exactos e pertinentes na medida em que demonstram a exclusão de uma das vias possíveis pelas através das quais as concorrentes da recorrente poderiam concorrer com esta última.

 Poder financeiro da GE Capital

201    A Comissão observou, sem ser desmentida pela recorrente, que o poder financeiro da GE Capital aproveita a todo o grupo de empresas a que pertence, designadamente na medida em que estas usufruem de uma classificação de solvabilidade «AAA» que lhes permite aceder mais facilmente do que as suas concorrentes aos mercados financeiros (v. considerando 142 da decisão impugnada e nota de rodapé n.° 32).

202    Por conseguinte, o Tribunal de Primeira Instância deve ter em conta esta situação de facto.

 Considerações relativas à influência exercida pela GECAS e pela GE Capital sobre os clientes da recorrente no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte

203    Ao longo do seu raciocínio, a Comissão analisa duas situações distintas, ou seja, em primeiro lugar, aquela em que o fabricante de estruturas escolhe, a título exclusivo, um motor para uma nova plataforma e, em segundo lugar, aquela em que a escolha final do motor é feita pela companhia aérea entre os diferentes motores certificados para uma plataforma de fornecedores múltiplos. Em seu entender, na primeira destes situações, é a influência exercida pelas filiais da recorrente sobre o fabricante de estruturas que entra em linha de conta, ao passo que, na segunda situação, é a sua influência junto das companhias aéreas que é mais pertinente.

204    A recorrente rejeita este raciocínio na totalidade, alegando, em especial, que, à luz das teorias económicas, não é admissível que um comprador que representa menos de 10% das compras num dado mercado possa exercer uma influência comercial significativa neste mercado. Por conseguinte, os diferentes exemplos e considerações apresentados pela Comissão a este respeito não têm qualquer pertinência.

–       Quanto à influência exercida pela GE resultante do poder das suas filiais sobre os fabricantes de estruturas

205    No que respeita à influência da GE Capital e da GECAS sobre os fabricantes de estruturas, a Comissão baseia‑se, em especial, no que diz respeito aos aviões comerciais de grande porte, num exemplo relativo ao B777X (versão alongada do B777) da Boeing. A Comissão refere, no considerando 166 da decisão impugnada, que a recorrente obteve essa exclusividade graças a uma combinação de factores que os seus concorrentes não podiam reproduzir, apesar de, tecnicamente, todos estarem em condições de fornecer o motor. Invoca, a este respeito, documentos internos da GE que confirmam que a proposta combinada que ganhou o contrato incluía […]

206    Em especial, dois documentos de 12 de Maio de 1999, com os números 120 CID 000168 e 120 CID 000166, contêm, respectivamente, as seguintes passagens: «[…]» e «[…]».

207    Na audiência, a recorrente reconheceu que a GECAS tinha «desempenhado um papel» na selecção do motor a reacção que equipa esta plataforma do avião, mas alega que o contrato assinado pela recorrente e pela Boeing em Outubro de 1999 não reflecte o conteúdo destes documentos, designadamente na medida em que as encomendas previstas da GECAS não eram tratadas como encomendas de lançamento e deviam ser objecto de negociações ulteriores. Contudo, o contrato em questão não foi apresentado no Tribunal de Primeira Instância. Em contrapartida, a Comissão referiu na contestação, sem ser desmentida a este respeito pela recorrente, que, em de Julho de 2000, a Boeing anunciou que a GECAS tinha […], o que corrobora a informação contida nos dois documentos internos acima mencionados.

208    Tendo em conta o anteriormente exposto, está suficientemente demonstrado que a GECAS se comprometeu, antes do lançamento do B777X da Boeing, seja de forma juridicamente vinculativa, seja simplesmente no plano comercial, a […] e que este compromisso ajudou a recorrente a obter o contrato relativo aos motores a reacção que, a título exclusivo, deviam equipar a plataforma em questão.

209    No que diz respeito a […], a recorrente referiu na audiência que a GE Capital não desempenhou nenhum papel nas negociações relativas a este projecto, […] Esta circunstância não é incompatível com a tese da Comissão, uma vez que esta última não afirmou, na decisão impugnada, que era a GE Capital que […] A identidade da pessoa colectiva no âmbito do grupo GE, que […], é indiferente uma vez que está assente que se trata de uma […]

210    A Comissão refere, igualmente, em relação a este exemplo, no considerando 160 da decisão impugnada, que embora a GE «estivesse, efectivamente, bastante atrás da [Rolls‑Royce], mas mais próxima da P& W, em termos de encomendas de motores para a versão clássica [do B777]», conseguiu, porém, pôr termo essa possível restrição da vantagem da uniformização ao obter a exclusividade no fornecimento do motor a reacção para o B777X. Para a Comissão, os acontecimentos que culminaram na escolha pela Boeing do motor a reacção da recorrente para o B777X demonstram que a recorrente conseguiu, graças à contribuição comercial das suas filiais, obter este contrato a título exclusivo, não obstante as limitações do seu produto em certos aspectos, cuja existência a recorrente não contesta.

211    A este respeito, a própria recorrente afirma que foi obrigada a conceder importantes descontos para equipar o B777X, uma vez que o seu motor a reacção era menos competitivo do que os da P & W e da Rolls‑Royce na versão clássica desta plataforma. Deduz desta circunstância que a concorrência no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte é intensa.

212    Na medida em que a recorrente sustenta que foi obrigada a conceder descontos a fim de ganhar o concurso relativo ao B777X, o facto de um fornecedor de motores a reacção […] (v. n.° 205 supra) não é equivalente ao facto de conceder descontos. Com efeito, […]

213    Há que observar que o facto de a recorrente poder oferecer condições comerciais como as propostas à Boeing no caso vertente, reflecte a sua independência em relação às suas concorrentes na acepção da jurisprudência referida no n.° 117 supra. Com efeito, a sua impossibilidade de ter desenvolvido um motor que fosse objectivamente idêntico ao das suas concorrentes não a impediu de ganhar este contrato. A GE pôde decidir, no contexto de um concurso que teria provavelmente perdido se a qualidade do seu produto e o preço a pagar pela entrega tivessem sido os únicos critérios pertinentes, que havia que reverter esta situação recorrendo a meios externos ao mercado pertinente.

214    Daí resulta que, no que diz respeito a este aspecto essencial da sua política comercial, a recorrente pôde comportar‑se de modo independente. Por conseguinte, a Comissão considerou legalmente, na decisão impugnada (v., em especial, considerandos 121 e segs., 162 e segs. e 229), que o facto de a recorrente fazer estes sacrifícios, diversamente ou, pelo menos, em maior medida do que as suas concorrentes é uma manifestação da sua independência comercial. Com efeito, as diferentes possibilidades comerciais de que dispõe preservam‑na, em medida considerável, dos efeitos da pressão comercial imediata resultante da concorrência da P & W e da Rolls‑Royce. Pode, assim, permitir‑se […] sem, com isso, sofrer efeitos prejudiciais devido a essa atitude.

215    Importa igualmente recordar, a este respeito, que o acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão, n.° 101 supra, diz respeito a mercados de produtos de consumo corrente, enquanto o presente processo se refere a produtos que são vendidos no âmbito de concursos realizados periodicamente, tendo cada um deles por objecto vendas de valor elevado, e caracterizados por negociações prolongadas. Nesse contexto, haverá necessariamente concessões financeiras, sob uma ou outra forma, por parte dos proponentes, na medida em que estes fenómenos são parte integrante desse processo de negociação. Assim, o simples facto de a recorrente ter proposto descontos para ganhar determinados concursos não é, em si mesmo, no presente contexto, incompatível com o facto de esta deter uma posição dominante.

216    Há que considerar, tendo em conta as observações anteriores, que a Comissão pôde considerar, sem cometer um erro manifesto de apreciação a este respeito, que o facto de a recorrente ganhar o concurso relativo à motorização exclusiva do B777X, graças à contribuição comercial das suas filiais, era indicativo, não da sanidade da concorrência, mas do seu poder no mercado.

217    A recorrente contesta igualmente a afirmação da Comissão segundo a qual a GECAS agiu como um «cliente de lançamento» (launch customer) ou «cliente de promoção» (boost customer) (considerandos 133 e 193 da decisão impugnada), designadamente a fim […], e alega que, se a GECAS não agiu nesta qualidade, a tese da Comissão quanto à importância da influência comercial da GECAS é, nessa medida, falseada. A recorrente sustenta que os depoimentos de […] assim como os de […] e de […] confirmam que a GECAS não desempenha o papel de cliente de lançamento. Segundo a recorrente, um cliente de lançamento é um cliente que efectua pré‑encomendas nas quais o fabricante de estruturas se baseia para decidir se vai iniciar a produção de um determinado aparelho. Em seu entender, as empresas de locação financeira não são consideradas, de uma maneira geral, clientes de lançamento. A Comissão qualifica a atitude de […], a este respeito, «curiosa». Refere que […] indicou inicialmente que desempenhou o papel de cliente de lançamento para vários aviões […] e de […], mas que […] parece ter modificado a sua definição desta noção posteriormente e só formalmente reconheceu esta qualidade a […], por oposição à de simples participante no lançamento, em relação a […]

218    Há que observar, em primeiro lugar, que as referências na decisão impugnada ao conceito de «cliente de promoção» nada acrescentam ao seu raciocínio. Embora o facto de a GECAS encomendar aviões posteriormente possa aumentar o número de aviões equipados com motores da GE presentes nas frotas das companhias aéreas, tais encomendas ulteriores ocorrem demasiado tarde para influenciar directamente a escolha do fabricante de estruturas. É no momento do lançamento inicial de um avião que o seu fabricante decide qual o motor que o equipará ou, se for o caso, quais os motores que estarão disponíveis na plataforma. Daí resulta, em princípio, que a GECAS só pode influenciar a escolha do motor ou dos motores do fabricante de estruturas no momento do lançamento da plataforma.

219    Refira‑se, contudo, que o carácter oportuno da etiqueta «cliente de lançamento», assim como o carácter útil ou inútil do conceito de «cliente de promoção», em relação ao papel desempenhado pelas empresas de locação financeira em geral, e pela GECAS em especial, em relação aos fabricantes de estruturas, é de importância mínima no contexto mais amplo do raciocínio da Comissão. O que importa a este respeito é a questão de saber se a GECAS está em posição de influenciar a escolha do motor feita pelos fabricantes de estruturas para equipar concretamente determinadas plataformas. Ora, resulta concretamente do exemplo relativo ao B777X, examinado anteriormente, que a intervenção da GECAS contribuiu, de forma considerável, para o facto de a Boeing ter decidido adoptar, a título exclusivo, o motor da recorrente. Nestas condições, há que considerar que a GECAS exerce efectivamente a influência declarada pela Comissão, sem que seja necessário determinar se os fabricantes de estruturas a consideraram «cliente de lançamento» ou «cliente de promoção».

–       Quanto à influência exercida pela GE resultante do poder das suas filiais sobre as companhias aéreas

220    Quanto à influência das filiais da recorrente sobre as companhias aéreas, a Comissão refere que a influência da GECAS vai muito além do simples facto de a mesma comprar cerca de 10% dos aviões comerciais de grande porte vendidos no mundo, uma vez que compra aviões equipados com motores da GE de maneira especulativa, ou seja, antes de existir um cliente final determinado para estes aviões (considerando 123 da decisão impugnada), de forma que pode «implantar» (seed) a venda dos motores da GE junto das pequenas companhias aéreas, o que cria, mantém e reforça a posição da GE, designadamente devido a considerações relativas à uniformização examinadas supra (v. considerando 125 da decisão impugnada).

221    A Comissão invoca, a este respeito, no considerando 135 da decisão impugnada, o caso da China Eastern, descrito no n.° 157 supra, no contexto dos efeitos da uniformização. Resulta da passagem do relatório anual 1999 da GE, citada no referido considerando, que a GECAS ajudou esta empresa em vários aspectos, incluindo com o objectivo de uniformizar a sua frota «com aviões de fuselagem estreita da Airbus equipados com motores CFM[I]». Essa uniformização de uma frota graças à intervenção da GECAS corresponde ao fenómeno de «implantação» descrito pela Comissão, na medida em que a GECAS favorece a criação de uma situação na qual a uniformização pesa a favor da compra no futuro, por uma determinada companhia aérea, de motores da recorrente. Por conseguinte, a passagem em causa sustenta a tese da Comissão quanto à existência deste fenómeno.

222    No considerando 136 da decisão impugnada, e mais especificamente na nota de rodapé n.° 45 desta, a Comissão invocou um exemplo relativo a […], que descreveu pormenorizadamente no considerando 192, na secção da decisão impugnada dedicada à sua análise da P & W. Resulta de um correio electrónico interno da recorrente, referido no considerando 192, designadamente, o seguinte: «[…]» O autor da mensagem em questão felicitou‑se igualmente pelo facto de este sucesso ter […] Referiu, além disso, que «[…]».

223    Resulta destes exemplos específicos que a própria recorrente considera que, em determinados casos, os serviços de locação financeira que a GECAS pode propor às companhias aéreas desempenharam um papel importante ao permitir à recorrente obter um contrato para fornecer os motores das aeronaves de uma companhia aérea.

224    Um outro elemento, o documento interno da GECAS n.° 702 CID 000080, invocado pela Comissão no Tribunal de Primeira Instância para rejeitar a alegação da recorrente, segundo a qual a GECAS não tinha o objectivo estratégico de promover os motores da recorrente, está redigido da seguinte forma: «[…]». Este documento confirma, com efeito, a existência de tal objectivo estratégico.

225    No que diz respeito à contribuição estratégica da GE Capital em relação às companhias aéreas, a Comissão refere igualmente, no considerando 117 da decisão impugnada, um artigo que apresenta como tendo sido redigido pelo presidente e director‑geral da recorrente na época dos factos, Jack Welch:

«E o que é que a [GE] Capital traz à GE? Em primeiro lugar, clientes valiosos: a [GE] Capital concede financiamentos aos clientes de divisões da GE como Aeronaves, Geradores e Veículos a Motor, facilitando desse modo a obtenção de grandes contratos por essas divisões. Um dos exemplos mais notáveis de uma possível ligação verificou‑se quando a Continental Airlines se viu numa situação de falência em 1993. Empréstimos da GE Capital ajudaram a Continental Airlines a voltar a voar. Seguidamente, a Continental fez uma grande encomenda de novos aviões – na sua maioria com motores da GE. Segundo afirma o consultor Tichy: ‘A [GE] Capital faz parte do arsenal que a componente industrial da GE utiliza para derrotar a concorrência’.»

226    A recorrente observa, no que respeita a uma citação do mesmo artigo na contestação, que este artigo foi redigido por um jornalista da revista «Fortune». Contudo, sem que tal tenha sido contestado pela recorrente, a Comissão referiu, em especial nas notas de rodapé 37 e 38 da decisão impugnada, que a própria recorrente tinha publicado o artigo em questão no seu site da Internet. Resulta desta publicação electrónica que a recorrente não contestava, ou até que assumia, a análise aí apresentada.

227    A Comissão refere, em seguida, nos considerandos 118 a 120 da decisão impugnada, que, desde a intervenção financeira descrita na citação em causa, a Continental Airlines escolheu sempre motores da recorrente sempre que comprou aviões comerciais de grande porte para os quais era possível esta escolha. A Comissão deduz deste facto que o apoio financeiro dado pela GE Capital à Continental Airlines parece ter sido condicionado pela adopção, por esta última, de uma política preferencial relativamente aos motores a reacção da recorrente.

228    A recorrente não contesta os dados factuais relativos a estes exemplos, enquanto tais. Não comenta o exemplo relativo à China Eastern e, no que se refere ao exemplo examinado no n.° 222 supra, refere que no correio electrónico em questão se indica igualmente que a campanha comercial visada tinha sido muito árdua. Quanto ao exemplo da Continental Airlines, a recorrente sustenta que se trata de um caso isolado e alega que a Comissão não procura determinar a importância ou o impacto da prática que descreve. Há que considerar que estes argumentos não infirmam a tese da Comissão, uma vez que esta expôs de forma adequada, na decisão impugnada, a pertinência destes exemplos para o papel desempenhado pela GECAS e pela GE Capital para promover motores para aviões comerciais de grande porte da recorrente junto das companhias aéreas.

–       Conclusão sobre a influência exercida pela GE resultante do poder das suas filiais

229    Atento ao exposto e tendo em conta, designadamente, os exemplos concretos acolhidos pela Comissão para comprovar a influência exercida pela GE resultante do poder comercial das suas filiais, cuja veracidade e pertinência não foram infirmadas no âmbito da presente processo, a alegação da recorrente respeitante à inexistência dessa influência deve ser rejeitada. Em especial, os seus argumentos baseados no carácter alegadamente heterodoxo, à luz das teorias económicas, das afirmações da Comissão, não podem prevalecer sobre as provas sólidas apresentadas por esta última.

 Considerações relativas aos valores respeitantes à evolução das quotas de mercado da recorrente após o início pela GECAS da sua actividade de compra e de locação financeira de aviões

230    No considerando 138 da decisão impugnada, a Comissão comparou a posição da recorrente no mercado antes de a GECAS ter dado início às suas compras especulativas (de 1988 a 1995) com a sua posição depois desta data (de 1996 a 2000). Constata que, embora as vendas de motores da GE às empresas de locação financeira, incluindo a GECAS, tenham aumentado em 20 pontos de quota de mercado (ou seja, um aumento superior a 60%), as compras directas de motores da GE pelas companhias aéreas diminuíram menos de 5 pontos apenas (ou seja, menos de 10%). A Comissão deduz deste facto que outras empresas de locação financeira e companhias aéreas não compensaram as compras preferenciais da GECAS e que a actividade desta resultou, por conseguinte, numa reorientação, em termos líquidos, de quotas de mercado em proveito da GE.

231    A recorrente refere, correctamente, que o raciocínio acima mencionado não permite comparar a dimensão da quota do mercado representada pelas compras das empresas de locação financeira com a representada pelas compras directas das companhias aéreas. Daí resulta, com efeito, que a Comissão não demonstrou, por referência a estas estatísticas, que a GECAS fez progredir globalmente a quota de mercado da recorrente no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte.

232    A recorrente refere, além disso, que os valores que ela própria apresentou, em especial os contidos num anexo da sua petição, ou seja, a análise do Professor Nalebuff (anexo 7.4), relativos às compras de todas as empresas de locação financeira, incluindo a GECAS, demonstram a inexistência de um efeito positivo da actividade da GECAS sobre as vendas da recorrente e a realidade de um fenómeno de compensação que favorece a compra de motores de outros fabricantes diferentes da GE por parte das outras empresas de locação financeira, em reacção à política preferencial da GECAS. A recorrente invoca, a este respeito, uma afirmação da Comissão, que consta da sua tréplica, segundo a qual as vendas da recorrente diminuíram para atingir […]%, em vez de […]%, graças às compras da GECAS, para demonstrar o carácter errado da tese da Comissão sobre o aumento da quota de mercado da recorrente atribuível à GECAS.

233    Refira‑se que os valores apresentados no relatório do Professor Nalebuff se referem unicamente às plataformas de fornecedores múltiplos em relação às quais existe uma escolha entre um motor CFMI/GE e outro motor. Estes valores excluem, assim, todos os aviões para os quais foi certificado um único motor, designadamente o B737, que é exclusivamente equipado com o motor da recorrente. Por conseguinte, na medida em que a recorrente refere que, segundo a própria Comissão, a sua quota de mercado diminuiu, trata‑se de uma afirmação retirada do contexto, que só se refere a uma parte do mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte.

234    Além disso, a Comissão critica as escolhas feitas pelo Professor Nalebuff no que diz respeito ao tratamento das estatísticas, designadamente na medida em que pressupôs que as selecções já efectuadas pelos utilizadores finais para um número limitado de aviões se reflectiriam nas escolhas futuras dos outros aviões encomendados pelas empresas de locação financeira para os quais ainda não foi escolhido motor. Com efeito, há que concluir que, no que respeita aos anos mais recentes, o número de encomendas em relação às quais o motor ainda não tinha sido seleccionado era especialmente elevado nos valores utilizados pelo Professor Nalebuff, o que é inevitável, mas reduz fortemente a fiabilidade destes valores. Dado que foi ao comparar os três anos mais recentes, 1998, 1999 e 2000, com um período anterior, de 1991 a 1997, que o Professor Nalebuff chegou à conclusão de que as outras empresas de locação financeira tinham reagido contra a preferência da GECAS, esta falta de fiabilidade vicia igualmente a referida conclusão.

235    Há que concluir que um certo aumento da proporção dos motores a reacção fabricados pelas concorrentes da recorrente comprados pelas empresas de locação financeira é inevitável, salvo se se considerar que o efeito de deslocamento das quotas de mercado resultante das compras da GECAS é perfeitamente eficaz no sentido de que cada motor fabricado pela recorrente comprado pela GECAS representa uma venda suplementar em relação às que teriam sido realizadas se esta não existisse. Existe forçosamente uma procura para os motores das concorrentes da recorrente, tendo em conta, nomeadamente, as vantagens da uniformização atrás referidas, uma vez que determinadas companhias aéreas optaram por estes motores no passado. Na medida em que a GECAS se apoderou de uma parte significativa do mercado de locação financeira e não compra, em princípio, motores fabricados pelos concorrentes da recorrente, esta procura para os outros motores será necessariamente absorvida pelas outras empresas de locação financeira.

236    O argumento da recorrente segundo o qual as outras empresas de locação financeira reagirão conscientemente à preferência da GECAS para promover os outros motores, só pode ser pertinente na medida em que estas empresas escolham elas próprias o motor do avião. Ora, a Comissão considera, na decisão impugnada, que, no que diz respeito às encomendas recentes da ILFC, a escolha do motor ficava, na grande maioria dos casos, «por determinar», contrariamente à política «GE‑only» da GECAS, permitindo assim aos futuros clientes da ILFC, isto é, as companhias aéreas, participarem na escolha do motor (considerando 137 da decisão impugnada). Esta circunstância de facto é confirmada pelos valores apresentados pela própria recorrente contidos no relatório do Professor Nalebuff.

237    Como atrás se afirmou, a Comissão referiu na decisão impugnada que a quota de mercado da recorrente, medida em termos de base instalada de motores a reacção, progrediu a partir do final de 1995 (considerandos 74 a 76 da decisão impugnada e o seu anexo I). Contudo, a recorrente contesta que o aumento da base instalada da recorrente a partir de 1995 não pode ser atribuído à GECAS uma vez que, deste aumento de […] motores, apenas […] motores são atribuíveis às encomendas efectuadas pela GECAS. A Comissão não contesta estes valores, mas invoca o efeito retardado das encomendas efectuadas após o início da actividade da GECAS em relação à base instalada de motores a reacção, uma vez que se trata de uma medida da quota de mercado que depende da entrega efectiva da aeronave, acompanhada dos motores que a equipam. Refere igualmente que a base instalada dos motores da recorrente aumentou nitidamente a partir de 1999, ano a partir do qual o efeito GECAS começou a fazer‑se sentir.

238    Importa, assim, referir que, embora os motores comprados pela GECAS contribuam em certa medida para o aumento da base instalada de motores da recorrente, invocado na decisão impugnada, e este contributo pareça estar a tornar‑se progressivamente mais importante, ele continua a ser mínimo. Contudo, esta circunstância não demonstra que a GECAS não tenha um efeito significativo na relação de forças no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte. Na realidade, tendo em conta designadamente as observações feitas no número anterior, é demasiado cedo para apreciar a amplitude do impacto da GECAS nos valores respeitantes à evolução da base instalada de motores a reacção. Nestas condições, embora decorra da decisão impugnada que o início das compras pela GECAS coincidiu com o aumento da quota de mercado da recorrente no que diz respeito à base instalada, a Comissão não provou na decisão impugnada que exista uma relação de causa e efeito entre estas duas circunstâncias.

239    À luz das considerações anteriores, há que referir que a Comissão não demonstrou, no plano factual, que a actividade de compra da GECAS teve por efeito aumentar a quota de mercado global da recorrente no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte. Em contrapartida, a recorrente também não conseguiu demonstrar que a GECAS não teve nenhum efeito positivo sobre a quota de mercado global da recorrente, nem que as outras empresas de locação financeira reagiram à preferência da GECAS adoptando uma preferência contrária em proveito dos motores das suas concorrentes.

240    Tendo em conta estas afirmações, há que concluir que o debate estatístico, atrás examinado, entre as partes, é neutro. O facto de o raciocínio da Comissão carecer de provas estatísticas deve ser tomada em consideração para apreciar a validade deste no seu todo. No entanto, há que ter igualmente em conta o facto de que a tese contrária da recorrente, segundo a qual a actividade da GECAS não teve nenhum impacto no mercado, também não é demonstrada pelos valores em causa.

 Conclusão sobre a integração vertical

241    Com base nos elementos de prova atrás invocados, a Comissão pôde validamente considerar que a recorrente tinha à sua disposição, devido às actividades destas filiais, meios comerciais que tinha explorado, pelo menos em determinados casos, para obter contratos que não teria provavelmente obtido sem a sua intervenção. Com efeito, em determinados casos, a GECAS e/ou a GE Capital desempenharam um papel determinante na escolha do motor pelo fabricante de estruturas ou pela companhia aérea. Além disso, os documentos citados pela Comissão demonstram que a recorrente tem uma política comercial que consiste em utilizar este poder para aumentar o seu poder no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte.

242    O facto de a Comissão não ter conseguido demonstrar, na decisão impugnada, com base nos dados estatísticos, que a utilização pela recorrente deste poder teve um impacto positivo na sua quota global do mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte não infirma a sua tese sobre a influência comercial exercida pela GECAS. Uma vez que a Comissão demonstrou, em relação a casos específicos, que a recorrente utilizou deliberadamente as possibilidades comerciais resultantes da actividade da GECAS e do poder financeiro da GE Capital para promover os seus motores, e que esta política frutífera, provou suficientemente a sua análise de que a utilização destas alavancas comerciais contribui para a sua posição dominante.

d)     Situação concorrencial no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte

243    A recorrente põe em causa a afirmação da Comissão segundo a qual a recorrente tinha capacidade para eliminar qualquer concorrência efectiva da parte da P & W e da Rolls‑Royce no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte (considerando 163 da decisão impugnada e n.° 109 supra). Basta referir, a este respeito, que a Comissão não necessitava de demonstrar que essa eliminação seria a consequência da posição da recorrente nesse mercado para demonstrar que esta posição era uma posição dominante (v. n.° 114 supra). Com efeito, embora essa consequência seja a manifestação mais extrema da existência de tal posição, não é uma sua consequência necessária. Assim, esta argumentação da recorrente, que se baseia na alegada falta de provas dessa exclusão, carece de pertinência no presente contexto.

244    Importa ainda observar que, na decisão impugnada, a Comissão indicou, no considerando 164, que a recorrente conseguiu colocar os seus produtos em dez das últimas doze plataformas para as quais os fabricantes de estruturas propunham posições de exclusividade. Na contestação, a Comissão referiu, a este respeito, que a recorrente ganhou a totalidade dos concursos relativos a plataformas em que participou. A recorrente contesta esta análise, considerando, pelo contrário, que a concorrência no mercado em causa é intensa.

245    A recorrente refere, com razão, que várias destas plataformas não eram plataformas de aviões comerciais de grande porte, mas plataformas de grandes ou aviões regionais de grande ou pequeno porte. Uma vez que a Comissão definiu três mercados distintos correspondentes a estas três categorias de aviões, para efeitos de apreciar a existência de uma posição dominante, o valor invocado a este respeito não é, em si, pertinente para cada um dos três mercados, designadamente para o dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte.

246    Do mesmo modo, o exemplo invocado pela recorrente para demonstrar que não ganhou todos os concursos de exclusividade em que participou, refere‑se a um avião regional de pequeno porte, o ERJ‑145. Por conseguinte, este exemplo não é pertinente para o presente processo, uma vez que a Comissão não analisou este mercado na decisão impugnada.

247    Na audiência, a recorrente analisou os quatro concursos mais recentes para equipar com motores aviões comerciais de grande porte. Alega que, para o A318 da Airbus, um único motor, o da P & W, foi inicialmente certificado e que, posteriormente, foi além disso certificado um motor da CFMI. Na sequência das negociações, que não chegaram a bom termo, entre a GE e a Airbus para a motorização do A340 500‑600, esta última seleccionou exclusivamente um motor da Rolls‑Royce. No A380, os dois motores certificados são o da Rolls‑Royce e o da Engine Alliance e, por último, a recorrente ganhou o concurso relativo ao B777X, apesar da concorrência vigorosa da Rolls‑Royce. A recorrente deduz destes exemplos, conjuntamente considerados, que não está em posição dominante no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte.

248    No que diz respeito, especificamente, ao exemplo relativo à motorização do A340 500‑600, a Comissão analisou o concurso em causa no considerando 170 da decisão impugnada onde refere que […] A recorrente não contesta este facto mas refere que […] Contudo, […], esta argumentação não invalida a conclusão da Comissão de que este exemplo é compatível com a expressão da posição dominante da GE.

249    De uma forma mais geral, os quatro concursos discutidos pela recorrente na audiência não demonstram que a Comissão tenha cometido um erro manifesto quanto à existência de uma posição dominante da recorrente. Decorre efectivamente destes exemplos que havia concorrência no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte. Contudo, conforme anteriormente referido, a simples existência de concorrência no mercado não impede que um dos concorrentes presentes disponha de meios que lhe permitam agir de modo significativamente independente dos seus concorrentes. Com efeito, a existência de uma posição dominante não é sinónimo de monopólio; por conseguinte, a existência de concursos ganhos pelas concorrentes da empresa dominante não basta, em si, para infirmar a conclusão de que essa empresa detém uma posição dominante.

250    De igual modo, as observações feitas anteriormente nos n.os 243 e 244 quanto à falta de pertinência de determinadas afirmações da decisão impugnada não são determinantes na economia geral da análise da posição dominante preexistente da recorrente no mercado em causa. Consequentemente, não infirmam a conclusão da Comissão sobre a existência desta posição dominante preexistente.

e)      Pressão concorrencial e comercial inexistente ou fraca

 Pressão exercida pelos concorrentes

251    No que diz respeito às concorrentes da recorrente no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte, a Comissão refere, na decisão impugnada, que as quotas de mercado da P & W no mercado dos motores para aviões comerciais de grande porte estão em constante declínio (considerandos 174 a 195 da decisão impugnada) e que a Rolls‑Royce é tecnicamente um concorrente temível mas que […], tendo em conta, designadamente, a sua pequena dimensão face à recorrente (considerandos 196 a 223).

252    A recorrente refere que, na decisão Engine Alliance, a Comissão considerou que a P & W e a Rolls‑Royce eram concorrentes sérios e viáveis da recorrente. Importa recordar, a este respeito, que nem a Comissão nem, por maioria de razão, o Tribunal de Primeira Instância estão vinculados, no caso vertente, pelas observações feitas na decisão Engine Alliance (v. n.os 118 e 120 supra, e jurisprudência referida).

253    Refira‑se que a apreciação da relação de forças entre as diferentes empresas em concorrência num mercado depende, em princípio, de uma apreciação económica complexa para a qual a Comissão dispõe de margem de apreciação (v., em especial, n.os 60 e segs. supra, e jurisprudência referida).

254    No caso vertente, a Comissão não nega a existência de uma certa concorrência por parte da P & W e da Rolls‑Royce no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte.

–       Quanto à posição da P & W

255    No que diz respeito especificamente à P & W, a Comissão apresenta provas documentais, assim como números, dos quais resulta que os motores fabricados por este fabricante de estruturas propulsam principalmente aviões que já não são fabricados e que a sua quota de mercado está em declínio.

256    Este declínio relativo é reflectido, em especial, pela circunstância de a sua quota de mercado para a base instalada de motores nos aviões que já não são produzidos ser mais elevada do que a sua quota de mercado da base instalada de motores nos aviões ainda em produção (considerando 81 da decisão impugnada). Além disso, a sua quota da base instalada dos motores nos aviões que continuam a ser fabricados (26,5%) é mais elevada do que a sua quota de mercado dos motores encomendados, que é de apenas 16%.

257    A Comissão invoca, designadamente, afirmações feitas pelo presidente da UTC, sociedade‑mãe da P & W, em 22 de Setembro de 1999, e reproduzidas por um funcionário da recorrente numa nota interna, segundo as quais, actualmente, são retirados do serviço mais motores da P & W do que dos outros fabricantes de motores e que metade dos 450 aviões «estacionados» (parked) em 1999 estavam equipados com motores da P & W (considerando 177 da decisão impugnada). Segundo o relatório anual da UTC de 2000, as receitas da P & W diminuíram 202 milhões de USD, ou seja 3%, entre 1998 e 1999, o que traduz um recuo das entregas de motores militares e comerciais e a contracção do volume de peças sobresselentes para aparelhos comerciais, compensados em parte, designadamente, por uma progressão da actividade de revisão e de reparação comerciais (considerando 181). A Comissão refere igualmente, no considerando 183 da decisão impugnada, que […]

258    A Comissão prossegue afirmando nos considerandos 185 a 187 da decisão impugnada que, ao que parece […] A Comissão deduz deste facto que as actividades independentes da P & W serão essencialmente dirigidas, no futuro, para os outros mercados de motores diferentes do mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte.

259    A recorrente não contesta directamente os elementos factuais apresentados, a este respeito, pela Comissão, mas refere que a P & W continua a investir no aperfeiçoamento dos seus motores e participou com a recorrente na Engine Alliance a fim de desenvolver um motor completamente novo para equipar o A380 e o B747‑400. Refere igualmente que as vendas do motor da P & W que propulsa o A318 ultrapassam as do motor alternativo da CFMI nesta plataforma. Há que considerar que estas circunstâncias, embora indiquem efectivamente que a P & W continua a estar activa no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte, não infirmam, no entanto, a tese da Comissão.

260    É certo, como observou a recorrente referindo‑se à citação no considerando 192 da decisão impugnada […], que existe concorrência entre ela e a P & W em determinados mercados que pode mesmo ser pontualmente intensa. Em contrapartida, a evolução e o nível da quota de mercado da P & W sublinham o carácter limitado desta concorrência e o facto, anteriormente referido, de a recorrente ter, no entanto, obtido o contrato em questão graças, designadamente, à intervenção da GECAS, apesar das considerações de uniformização, é mais significativo do que o facto de o contrato ter sido disputado. Conforme referiu o autor do correio electrónico citado no considerando 192 da decisão impugnada «[…]» e este exemplo ilustra concretamente a possibilidade de coexistência entre uma certa concorrência e um poder preponderante de um dos concorrentes presentes.

261    À luz das considerações anteriores, a Comissão pôde validamente concluir, no considerando 194, designadamente com base nos números e nas provas documentais que invoca explicitamente na decisão impugnada, que a P & W já não era um concorrente independente directo válido da GE em relação a uma grande parte do mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte.

–       Quanto à posição da Rolls‑Royce

262    Quanto à Rolls‑Royce, a Comissão explica, na decisão impugnada, que a sua posição concorrencial face à recorrente é afectada por uma […] (considerandos 196 e segs.).

263    A Comissão invoca, em especial, um correio electrónico enviado pelo presidente da GECAS, no qual este afirma […] (considerandos 200 e 204 da decisão impugnada).

264    A Comissão faz igualmente referência a um documento interno […] (considerando 205).

265    Segundo a Comissão, […] a Rolls‑Royce foi obrigada a recorrer a um financiamento externo para desenvolver novos motores, através de programas de partilha dos riscos e das receitas («RRSP»). Invoca, a este respeito, comentários de analistas financeiros da Schroder Salomon Smith Barney dos quais resulta que estes programas se tornaram muito importantes para a Rolls‑Royce. Segundo a análise do Deutsche Bank, é preocupante o facto de aproximadamente 60% do crescimento do lucro líquido, antes de juros e impostos, da Rolls‑Royce provir dos programas RRSP, cuja previsibilidade é limitada, e refere que a mudança prevista dos fluxos de capitais ao abrigo desses programas exercerá uma pressão crescente sobre a actividade a longo prazo da Rolls‑Royce, uma vez que as entradas de capitais deveriam diminuir a partir de 2001 (considerandos 201 a 203 da decisão impugnada).

266    A Comissão expõe que […] (considerandos 211 a 214).

267    Por último, a Comissão refere, neste contexto, que a recorrente é o «fornecedor histórico» de um grande número de companhias aéreas, no sentido de que os seus motores representam mais de 60% da base instalada de motores nos aviões que continuam a ser produzidos (considerandos 215 a 217 da decisão impugnada). Cita, no considerando 218 desta decisão, uma afirmação da própria Rolls‑Royce da qual resulta que […]

268    A recorrente sustenta que a Rolls‑Royce é um concorrente tecnicamente muito forte e refere que, na decisão Engine Alliance, a Comissão considerou que «a quota de mercado da Rolls‑Royce continua[va] a progredir e esta empresa disp[unha] de boas capacidades para desenvolver novos motores e versões derivadas dos motores existentes». A recorrente considera, em especial, que é absurdo invocar o facto de […], uma vez que esta circunstância reflecte, na realidade, o significativo sucesso comercial desta empresa.

269    Há que considerar, face às conclusões que lhe dizem respeito na decisão impugnada e tendo em conta as considerações apresentadas a este propósito pela recorrente, que a actividade de fabrico de motores para aviões comerciais de grande porte da Rolls‑Royce goza, efectivamente, de boa saúde comercial e não encontra dificuldades imediatas nos planos comercial ou financeiro. Por outro lado, é exacto que o facto […] é, em princípio, um sinal de sucesso comercial e uma garantia de estabilidade financeira.

270    Contudo, a Comissão não negou o sucesso comercial da Rolls‑Royce, na decisão impugnada. Em especial, não considerou que o facto […] era um factor de fraqueza comercial conforme alega a recorrente. Em contrapartida, referiu que, apesar das suas qualidades, esta sociedade […] e, consequentemente, não podia ser considerada um contrapeso adequado no mercado dos motores a reacção para os aviões comerciais de grande porte em geral para impedir a recorrente de se comportar, em larga medida, de forma independente.

271    Com efeito, a Comissão declarou, na decisão impugnada, que […] (considerandos 211 a 213 da decisão impugnada). A recorrente não contesta a veracidade dos elementos nos quais assenta esta análise nos seus articulados, limitando‑se a afirmar que […] Há que considerar, contudo, que este raciocínio fundamenta a conclusão específica da Comissão, no considerando 214 da decisão impugnada, segundo a qual […]

272    Quanto à situação financeira da Rolls‑Royce, decorre do raciocínio da Comissão recordado nos n.os 262 a 264 supra, […] e que a forma como financiou os seus projectos mais recentes, a saber, recorrendo à RRSP, terá um impacto negativo sobre as suas receitas nos próximos anos. A Comissão invocou, em apoio desta parte do seu raciocínio, as afirmações de analistas financeiros independentes relativas, especificamente, às consequências para a Rolls‑Royce do facto de ter financiado os seus projectos desta forma. Em contrapartida, a recorrente limita‑se a referir que a Rolls‑Royce se encontra, em termos gerais, numa boa situação comercial, sem explicar por que motivo a análise da Comissão relativa a […] da Rolls‑Royce está errada.

273    Resulta das observações anteriores que a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação pelo facto de afirmar, no considerando 196 da decisão impugnada, que «muito embora seja um fornecedor muito competente em termos técnicos, não se pode considerar que a [Rolls‑Royce] seja um concorrente credível ao nível do fornecimento de motores em todos os mercados e, em particular, que consiga obter exclusividade para os seus motores».

 Pressão exercida pelos compradores

274    Por último, a Comissão expõe, na decisão impugnada, os motivos pelos quais nem a Boeing nem a Airbus, que são os dois únicos fabricantes de aviões comerciais de grande porte, nem as companhias aéreas dispõem, no que respeita ao poder de compra, de um poder de oposição (considerandos 224 a 228).

275    No essencial, a Comissão refere que um grande número de companhias aéreas depende da recorrente devido à sua posição de fornecedor dominante na frota destas. Refere, além disso, que a procura por parte das companhias aéreas que são os utilizadores finais dos motores é fragmentada devido ao facto de nenhuma empresa representar individualmente mais de 5% das compras (considerando 226), afirmação que a recorrente não contesta.

276    Quanto aos fabricantes de estruturas, a Comissão refere que a recorrente exerce sobre eles uma grande influência por intermédio dos seus clientes, devido à sua quota na base instalada da frota destes. Recorda, neste contexto, que a GECAS pode «implantar» a procura dos aviões com motores da recorrente junto das companhias aéreas e que a GE Capital e a GECAS puderam mesmo influenciar directamente a sua escolha do motor (considerando 228).

277    A recorrente formula duas críticas a este respeito. Em primeiro lugar, refere que, na sua decisão Allied Signal/Honeywell, a Comissão concluiu que a Boeing e a Airbus são dois compradores poderosos e, nessa decisão, assim como na sua decisão EADS, que as companhias aéreas têm um poder significativo enquanto compradores. Basta referir, a este respeito, como o faz a Comissão, que o poder dos compradores afirmado nas decisões em questão existia em relação a outras empresas diferentes da recorrente e relativamente a outros produtos. Ora, uma vez que a Comissão se baseia, a este respeito, em vantagens que são próprias da recorrente e da sua situação específica nos mercados dos motores a reacção, esta argumentação carece de pertinência no caso vertente.

278    Em segundo lugar, a recorrente refere que nem a Boeing, nem a Airbus, se opuseram à concentração. Ora, o facto de não se lhe terem oposto não é pertinente quanto à questão de saber se a recorrente estava em posição dominante antes da operação de concentração. Esta falta de contestação pode explicar‑se por várias razões diferentes, designadamente, pela hipótese, apresentada pela Comissão na audiência, de a Boeing e a Airbus não terem grande interesse em reduzir o preço dos motores, na medida em que as duas eram igualmente afectadas pelo nível relativamente elevado dos preços. Além disso, o facto de se atribuir um peso demasiado grande à falta dessa contestação poderia equivaler a considerar que os clientes de uma empresa podem determinar, através de uma espécie de controlo privado das concentrações, se o seu fornecedor está em posição dominante num dado mercado.

279    Por conseguinte, há que rejeitar os argumentos apresentados pela recorrente a este respeito. Nestas condições, e à luz das várias conclusões supra relativas à posição de força da recorrente no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte, a Comissão não cometeu um erro de facto nem erro manifesto de apreciação ao considerar que a Boeing, a Airbus e as companhias aéreas não exercem sobre a recorrente pressão comercial em medida susceptível de infirmar a sua conclusão quanto à existência de uma posição dominante da recorrente.

f)      Conclusão sobre a posição dominante

280    À luz das observações anteriores, a Comissão pôde concluir, no considerando 229 da decisão impugnada, sem cometer qualquer erro manifesto de apreciação a este respeito, que a GE estava em posição dominante no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte antes da concentração.

C –  Quanto à sobreposição vertical

1.     Argumentos das partes

281    A recorrente considera, no que diz respeito ao pilar da decisão impugnada relativo à sobreposição vertical constituída pela associação que resultaria da fusão dos dispositivos de arranque para motores da Honeywell e dos motores da GE, que a Comissão ignorou o facto de que a Honeywell fornece os seus dispositivos de arranque às concorrentes fabricantes de motores da GE. A Comissão não fornece nenhuma prova de que a operação de concentração levaria à exclusão das concorrentes da entidade resultante da concentração, especialmente tendo em conta o facto de que um dispositivo de arranque representa apenas 0,2% do preço do motor.

282    A recorrente acrescenta, no seu articulado de resposta às observações da Rolls‑Royce e da Rockwell, bem como na audiência, que a Comissão devia ter tido em conta as obrigações que incumbem à entidade resultante da concentração por força do artigo 82.° CE, em conformidade com o acórdão Tetra Laval/Comissão, n.° 58 supra.

283    No que respeita aos compromissos relativos aos dispositivos de arranque, a GE propôs ceder a actividade da Honeywell no domínio do fabrico de dispositivos de arranque de motores de avião. As objecções suscitadas na decisão impugnada contra este compromisso são totalmente destituídas de fundamento.

284    A Comissão, apoiada pela Rolls‑Royce, recorda que a Honeywell é o único fornecedor independente e credível de dispositivos de arranque para aviões comerciais de grande porte, tendo em conta a situação no mercado, e que a sua incorporação na mesma empresa que o fornecedor de motores dominante permitiria à entidade resultante da fusão adoptar um comportamento independente que não era possível anteriormente. A Comissão chama igualmente a atenção para o facto de que as criticas da recorrente relativas à rejeição dos compromissos relativos a este mercado se limitam a simples alegações.

285    A Rolls‑Royce sublinha, designadamente, que os dispositivos de arranque constituem um componente essencial de qualquer motor a reacção e que a entidade resultante da fusão poderia, na sequência da operação de concentração, obter esse componente em condições mais favoráveis. Para a Rolls‑Royce, seria financeira e tecnicamente difícil optar por um fornecedor diferente da Honeywell.

2.     Apreciação do Tribunal

286    Nos considerandos 331 a 340 da decisão impugnada, a Comissão descreveu a posição da Honeywell nos diferentes mercados de uma série de acessórios e de comandos para os motores. Em especial, referiu que a Honeywell tinha uma quota de mercado de [50 a 60]% no mercado de um destes produtos, os dispositivos de arranque de motores, sendo a Hamilton Sundstrand, a sociedade irmã da P & W, o segundo fabricante com uma quota de [40 a 50]%, em termos de volume de produção (considerandos 337 e 338 da decisão impugnada).

287    Recorde‑se igualmente que a Comissão não considerou, na decisão impugnada, que a concentração teria como consequência a criação ou o reforço de uma posição dominante da Honeywell nesse mercado.

288    Em contrapartida, a Comissão considerou, no considerando 419 da decisão impugnada, que, «[p]ara além dos efeitos decorrentes das ofertas de pacotes de produtos, a concentração proposta irá reforçar a posição dominante da GE no mercado dos motores para grandes aeronaves comerciais por efeito da exclusão vertical do mercado dos fabricantes concorrentes que irá resultar da relação vertical entre a GE, como fabricante de motores, e a Honeywell, como fornecedor de motores de arranque à GE e aos seus concorrentes». Em seu entender: «Após a concentração proposta, a nova entidade terá um incentivo para provocar atrasos ou perturbações ao nível do fornecimento de motores de arranque da Honeywell aos fabricantes de motores concorrentes, o que irá afectar a oferta, distribuição, rendibilidade e competitividade dos concorrentes da GE no mercado dos motores. Do mesmo modo, a entidade resultante da concentração poderá aumentar os preços dos motores de arranque ou das suas peças sobresselentes, provocando um aumento de custos para os fabricantes de motores concorrentes e reduzindo ainda mais a sua capacidade para competirem com a nova entidade» (considerando 420 da decisão impugnada.)

289    A Comissão rejeitou, em seguida, os diferentes argumentos apresentados pela recorrente destinados a infirmar a sua análise. Refere, designadamente, que a Hamilton Sundstrand passou a fabricar dispositivos de arranque exclusivamente para os motores da P & W e afirma não ter interesse comercial em vender os seus dispositivos de arranque a outros fabricantes de motores, mesmo na hipótese de se verificar um aumento dos preços (considerandos 338 e 421). Consequentemente, a Comissão entende que a Hamilton Sundstrand não pode ser considerada um concorrente da Honeywell (considerando 338). A Comissão afirma que não existe nenhum outro concorrente capaz de exercer uma pressão concorrencial efectiva sobre a empresa da Honeywell no mercado e que as barreiras à entrada são significativas, de tal forma que a possibilidade de uma nova entrada no mercado também não constitui uma pressão real (considerandos 422 e 423).

290    Além disso, a Comissão examina a alegação, apresentada na fase do procedimento administrativo, segundo a qual os contratos concluídos pela Honeywell previnem o risco de esta se recusar a fornecer os seus dispositivos de arranque a determinados clientes, ou até de se retirar do mercado enquanto fornecedora de terceiros. Rejeita a eficácia desta pressão, referindo que, não obstante estas disposições contratuais, uma recusa de venda por parte da Honeywell geraria perturbações e importantes custos para os fornecedores de motores concorrentes da GE, tanto mais que «este tipo de controlos contratuais, que limitam a possibilidade de qualquer uma das partes adoptar comportamentos restritivos sem uma razão justificada, são habituais nos programas de desenvolvimento de motores recentes, ao passo que os programas mais antigos não incluem disposições contratuais» (considerando 424).

291    A Comissão rejeita igualmente o argumento segundo o qual não tinha havido até agora exclusão de concorrentes do mercado, apesar da actual quota de mercado detida pela Honeywell para os motores de arranque de pressão, observando a este respeito que estes motores são objecto de contratos de exclusividade, pelo que os incentivos para excluir concorrentes do mercado são nitidamente menos fortes do os que teria a entidade resultante da fusão para as plataformas dos aviões comerciais de grande porte, nas quais podem ser certificados vários motores (considerando 425 da decisão impugnada). Por último, quanto ao argumento segundo o qual os dispositivos arranque também podem ser fornecidos directamente aos fabricantes de estruturas e que qualquer recusa dos fabricantes de motores poderia ser contornada mediante encomendas de dispositivos de arranque directamente por fabricantes de estruturas, a Comissão refere que a maior parte dos dispositivos de arranque dos motores é vendida ao fornecedor do motor a fim de ser incluído no respectivo pacote e entregue ao fabricante da estrutura (considerando 426 da decisão impugnada).

292    Importa observar que a recorrente não pôs em causa, no Tribunal de Primeira Instância, a rejeição pela Comissão, pelos motivos expostos na decisão impugnada e retomados nos números anteriores, dos argumentos apresentados na fase do procedimento administrativo. Por conseguinte, para efeitos do presente processo, há que considerar que estes motivos, em princípio, justificam a rejeição. Em contrapartida, cabe ao Tribunal examinar os argumentos da recorrente resumidos nos n.os 281 a 283, supra.

293    A tese da Comissão quanto ao reforço da posição dominante preexistente da recorrente no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte baseia‑se, em especial, no facto de que, na sequência da operação de concentração, a entidade resultante da fusão teria um incentivo para «provocar atrasos ou perturbações ao nível do fornecimento de motores de arranque da Honeywell aos fabricantes de motores concorrentes» e que estaria em posição de aumentar os preços. Referiu igualmente, no âmbito da sua rejeição dos argumentos relativos às pressões contratuais que impedem as recusas de venda por parte da Honeywell, que tal recusa ocasionaria perturbações e custos importantes, na prática, para os fabricantes de motores concorrentes.

294    Constitui facto assente que os acessórios e comandos dos motores da Honeywell, que incluem os seus dispositivos de arranque, são utilizados num número significativo de motores dos seus concorrentes, designadamente nos da Rolls‑Royce. Tendo em conta a política comercial do principal concorrente da Honeywell (a Hamilton Sundstrand), não contestada pela recorrente, que consiste em deixar de comercializar os seus dispositivos de arranque no mercado, a Rolls‑Royce depende doravante da Honeywell e, por conseguinte, a quota de mercado da Honeywell de [50 a 60]% não reflecte de forma adequada a importância da influência comercial exercida por esta última em relação à primeira. A Comissão referiu igualmente, no considerando 425, que o facto de existir, frequentemente, uma escolha do motor para os aviões comerciais de grande porte, diversamente das aeronaves equipadas com turbinas de ar, dá lugar a um incentivo especial, que não existe nos outros contextos, por parte dos fabricantes de motores, de excluírem os seus concorrentes de modo imediato.

295    Os efeitos da concentração em causa nesta parte do acórdão não são efeitos de conglomerado, na medida em que resultam de uma relação vertical directa, entre fornecedor e cliente. Contudo, resulta da descrição anterior, e em especial do n.° 293 supra, que a tese da Comissão quanto aos efeitos anticoncorrenciais da concentração devidos a esta relação depende dos comportamentos futuros da entidade resultante da fusão, sem os quais este aspecto da fusão não teria nenhuma consequência nefasta. Assim, cabia à Comissão apresentar provas sólidas quanto à probabilidade destes comportamentos (v., por analogia, acórdão Tetra Laval/Comissão, n.° 58 supra, e n.os 65 e segs. supra).

296    Em determinados casos, estas provas poderão ser constituídas por estudos económicos que demonstrem a evolução provável da situação no mercado e indiquem a existência de um incentivo para a entidade resultante da fusão se comportar de determinada maneira. Como refere a recorrente, a Comissão não apresentou tais provas no caso vertente.

297    Recorde‑se, contudo, que, dado que o princípio que prevalece em direito comunitário é o da liberdade da prova [v., neste sentido, conclusões do juiz M. Vesterdorf exercendo funções de advogado‑geral no processo Rhône‑Poulenc/Comissão (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Outubro de 1991, T‑1/89, Colect., p. II‑867, 869 e 954, e jurisprudência referida)], a falta deste tipo de provas não é, em si mesma, determinante. Em especial, numa situação em que é manifesto que o interesse comercial de uma empresa pesa de forma preponderante a favor de um determinado comportamento, como a utilização da possibilidade de perturbar a empresa de um concorrente, a Comissão não comete um erro manifesto de apreciação ao considerar que a adopção real do comportamento previsto pela entidade resultante da fusão constitui uma probabilidade. Neste caso, as simples realidades económicas e comerciais do caso em análise podem constituir as provas sólidas exigidas pela jurisprudência.

298    No caso vertente, a Comissão considerou, em primeiro lugar, que existia uma oferta muito concentrada no mercado dos dispositivos de arranque que tornavam a recorrente e os seus concorrentes, em especial a Rolls‑Royce, tributárias em grande medida da Honeywell e, em segundo lugar, a criação de uma estrutura comercial verticalmente integrada resultante da concentração e combinando a actividade de fabrico de um componente essencial (o dispositivo de arranque) com a actividade de fabrico do produto acabado, pertencente ao mercado a jusante, pelo que esta última constituía já uma posição dominante neste último mercado. Pondo de parte, nesta fase, as eventuais limitações jurídicas que possam ter incidência a este respeito, com base nessas condições de mercado, a Comissão considerou que seria do interesse comercial da entidade resultante da fusão utilizar o seu poder enquanto fornecedor incontornável, em determinados casos, de um componente de relativo baixo custo, embora essencial, para o funcionamento de um motor como meio de perturbação da produção de motores dos seus concorrentes.

299    A análise da Comissão a este respeito é convincente, mesmo na falta de estudos económicos, porque resulta claro que os comportamentos previstos, que lhe permitem prejudicar de maneira significativa os interesses dos seus concorrentes, foram no interesse comercial da entidade resultante da fusão. Com efeito, está assente entre as partes que um dispositivo de arranque representa apenas uma proporção mínima do custo do motor, 0,2% segundo a recorrente nas suas observações sobre as intervenções. Consequentemente, os benefícios que a entidade resultante da fusão pode realizar com a venda deste produto à Rolls‑Royce e à P & W são necessariamente mínimos em relação aos que ela poderia realizar, através do aumento, a expensas destas últimas, da sua quota no mercado dos motores para aviões comerciais de grande porte.

300    A este respeito, a Comissão referiu especificamente, na decisão impugnada, no âmbito da sua análise da possibilidade de a Hamilton Sundstrand voltar a comercializar os seus dispositivos de arranque no mercado livre, que «os lucros esperados no mercado a montante, decorrentes da venda de motores de arranque à [Rolls‑Royce], não contrabalançaria[m] a perda de lucros que a P& W iria sofrer, a jusante, no mercado dos motores» (considerando 338 da decisão impugnada; v. igualmente considerando 421). Esta lógica comercial corrobora igualmente, mutatis mutandis, a sua tese quanto à existência, para a entidade resultante da fusão, de um incentivo no sentido de limitar ou perturbar os seus fornecimentos aos seus concorrentes dos dispositivos de arranque para motores de aviões comerciais de grande porte.

301    No que diz respeito à possibilidade de as limitações jurídicas de natureza contratual terem podido prevenir o comportamento previsto pela Comissão, importa referir, em primeiro lugar, que, pelos motivos expostos nos n.os 290 a 292 supra, em especial a falta de contestação no Tribunal de Primeira Instância referida no último destes números, não ficou demonstrado no presente processo que as disposições contratuais destinadas a proibir as eventuais recusas de venda possam impedir o comportamento prejudicial para os seus concorrentes, por parte da entidade resultante da fusão, previsto pela Comissão.

302    Contudo, a recorrente invoca igualmente um argumento baseado nas considerações acolhidas pelo Tribunal de Primeira Instância no seu acórdão Tetra Laval/Comissão, n.° 58 supra, proferido depois de a petição no caso vertente ter dado entrada, segundo o qual a Comissão deveria ter tido em conta as obrigações que incumbiam à entidade resultante da concentração por força do artigo 82.° CE (n.os 156 a 160 do acórdão). Em seu entender, admitindo que a análise da situação comercial e concorrencial nestes mercados seja exacta, o comportamento previsto pela Comissão, que consiste no facto de a entidade resultante da fusão perturbar voluntariamente as actividades de fabrico de motores dos seus concorrentes, constituiria manifestamente um abuso da posição dominante preexistente declarada pela Comissão para o mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte. A Comissão, não tendo examinado o efeito de dissuasão que podia resultar, no caso vertente, de uma eventual aplicação do artigo 82.° CE, falseou a sua análise quanto à existência de um incentivo no sentido de a entidade resultante da fusão se comportar da forma prevista.

303    Importa recordar, a este respeito, que o Tribunal de Justiça decidiu, em instância de recurso, no seu acórdão Comissão/Tetra Laval, n.° 60 supra (n.os 74 a 78), que foi com razão que o Tribunal de Primeira Instância considerou no seu acórdão Tetra Laval/Comissão, n.° 58 supra, que a probabilidade da adopção de determinados comportamentos futuros devia ser examinada de maneira completa, ou seja, tomando em consideração tanto os incentivos a adoptar tais comportamentos como os factores susceptíveis de diminuir, ou até de eliminar, tais incentivos, incluindo o carácter eventualmente ilegal destes comportamentos. No entanto, o Tribunal de Justiça também decidiu, designadamente, que seria contrário ao objectivo de prevenção do Regulamento n.° 4064/89 exigir que a Comissão examinasse, em relação a cada projecto de concentração, em que medida os incentivos a adoptar comportamentos anticoncorrenciais seriam reduzidos, ou mesmo eliminados, devido à ilegalidade dos comportamentos em questão, à probabilidade da sua detecção, às acções que lhe poderiam ser movidas pelas autoridades competentes (v. n.os 72 e segs. supra).

304    Por conseguinte, a Comissão deve, em princípio, tomar em consideração o carácter eventualmente ilegal e, consequentemente, susceptível de ser punido, de um comportamento enquanto factor susceptível de diminuir, ou até de eliminar, incentivos no sentido de uma empresa adoptar um determinado comportamento (n.° 74 supra). Em contrapartida, não é obrigada a demonstrar que o comportamento previsto para o futuro será realmente constitutivo ou não de uma infracção ao artigo 82.° CE nem que, se for caso disso, esta infracção poderá ser identificada e punida, podendo limitar‑se, a este respeito, a uma análise sumária baseada nos elementos de que dispõe.

305    No caso vertente, a Comissão previa comportamentos futuros no mercado dos dispositivos de arranque tendo por objectivo e, se se revelassem eficazes, por efeito, reforçar a posição dominante no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte, especificamente, através do enfraquecimento dos concorrentes da entidade resultante da fusão nesse mercado. Com efeito, os comportamentos em questão, a saber a interrupção dos fornecimentos de dispositivos de arranque aos concorrentes, ou mesmo a recusa de venda deste componente, e os aumentos dos preços, só produziriam um efeito no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte, na medida em que prejudicassem de maneira significativa a actividade de fabrico de motores a reacção dos concorrentes da entidade resultante da fusão.

306    Importa recordar, a este respeito, que, embora uma posição dominante não possa privar uma empresa do direito de preservar os seus próprios interesses comerciais, resulta de jurisprudência consolidada que tais comportamentos são abusivos quando têm precisamente por objecto reforçar essa posição dominante e abusar dela (acórdão United Brands/Comissão, n.° 117 supra, n.° 189; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 1 de Abril de 1993, BPB Industries e British Gypsum/Comissão, T‑65/89, Colect., p. II‑389, n.os 117 e segs.; v., igualmente, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Outubro de 1996, Empresa maritime belge transports e o./Comissão, T‑24/93 a T‑26/93, e T‑28/93, Colect., p. II‑1201, n.° 149). Por conseguinte, a recusa de venda de um componente essencial aos seus concorrentes, por parte de uma empresa em posição dominante, é constitutiva, em si mesma, de um abuso desta posição (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Março de 1974, Istituto Chemioterapico Italiano e Comercial Solvents/Comissão, 6/73 e 7/73, Colect., p. 223, n.° 25).

307    Quanto à eventualidade de um aumento, pela entidade resultante da fusão, do preço dos seus dispositivos de arranque, refira‑se que, para ter repercussão material na competitividade da Rolls‑Royce no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte, esse aumento deve ser de tal forma importante que é claramente constitutivo de um comportamento abusivo. Com efeito, o eventual aumento de 50% do preço dos dispositivos de arranque, não tendo justificação comercial aparente, apenas representa uma subida de 0,1% do preço de um motor e, por conseguinte, não tem, na prática, nenhum efeito no mercado dos motores. Além disso, admitindo que um aumento do preço dos dispositivos de arranque seja aplicado de forma não discriminatória, pode indispor alguns dos clientes da entidade resultante da fusão e, consequentemente, ter efeitos comerciais nefastos para ela. Pode, em especial, afectar as suas relações com as companhias aéreas, que são clientes dos dispositivos de arranque, simultaneamente de forma indirecta, enquanto compradores de aviões, e de forma directa, nos mercados dos serviços de assistência, e que, de resto, podem ser clientes da entidade resultante da concentração, tanto em relação aos motores, como aos produtos aviónicos e não aviónicos. Inversamente, na hipótese de tal aumento ser aplicado de forma discriminatória em relação aos seus concorrentes, o objecto de exclusão do mercado deste aumento e, portanto, o seu carácter abusivo são manifestos.

308    Do mesmo modo, as eventuais perturbações dos fornecimentos, praticadas pela entidade resultante da fusão, na sequência da operação, indisporia os clientes desta na hipótese de serem praticadas em termos gerais, e seriam claramente abusivas se fossem praticadas de forma discriminatória, em especial em relação à Rolls‑Royce.

309    Resulta das observações anteriores que os comportamentos previstos pela Comissão no caso vertente podem constituir um abuso de posição dominante. No presente processo, quanto mais convincente é a tese da Comissão quanto à eficácia dos comportamentos em causa e, portanto, mais clara a existência de um incentivo comercial a pôr esses comportamentos em prática, maiores são as possibilidades de que estes comportamentos sejam identificados como anticoncorrenciais. Com efeito, estas são precisamente as formas mais extremas dos comportamentos previstos pela Comissão e que seriam ao mesmo tempo as mais eficazes no objectivo de prejudicar as actividades dos concorrentes e as mais susceptíveis de constituírem abusos visíveis e manifestos e, consequentemente, de serem reprimidas, da posição dominante da entidade resultante da fusão.

310    A este respeito, a circunstância de o abuso ser cometido num determinado mercado (o mercado dos dispositivos de arranque no caso vertente) não impede que se considere que o mercado pertinente para efeitos de apreciação da existência de uma posição dominante era o mercado conexo, a jusante (o dos motores a reacção para os aviões comerciais de grande porte, no caso vertente), uma vez que o comportamento previsto pela Comissão no primeiro mercado se destina especificamente a manter ou a reforçar a posição dominante da empresa no segundo mercado (v., neste sentido, acórdão AKZO/Comissão, n.° 115 supra, n.os 40 a 45, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Dezembro de 2003, British Airways/Comissão, T‑219/99, Colect., p. II‑5917, n.os 270 a 300).

311    Por conseguinte, tendo em conta a constatação da existência de uma posição dominante a favor da recorrente no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte antes da concentração (v. n.° 280 supra), a Comissão tinha obrigatoriamente à sua disposição todos os elementos de análise necessários para apreciar, no caso vertente, sem necessidade de levar a cabo uma investigação detalhada a este respeito, em que medida os comportamentos que ela própria previa no mercado dos dispositivos de arranque poderiam constituir violações do artigo 82.° CE e ser reprimidos enquanto tais. Por conseguinte, cometeu um erro de direito ao não tomar em consideração o efeito dissuasivo que esta circunstância poderia ter tido para a entidade resultante da fusão.

312    Além disso, verifica‑se que o facto de tomar em conta este efeito dissuasivo podia, realmente, ter influenciado a apreciação feita pela Comissão da probabilidade dos comportamentos em questão. Nestas condições, o Tribunal não pode substituir a apreciação da Comissão pela sua própria apreciação, procurando demonstrar o que esta teria feito se tivesse tido em conta esse efeito dissuasivo do artigo 82.° CE. Por conseguinte, a análise efectuada pela Comissão deste aspecto do presente processo, uma vez que não tomou em consideração o elemento, no entanto pertinente, que constituía o efeito dissuasivo do artigo 82.° CE, está necessariamente ferida, por este motivo, de um erro manifesto de apreciação.

3.     Conclusão

313    Há que concluir que o pilar da decisão impugnada relativo ao reforço da posição dominante preexistente da recorrente no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte, resultante da sobreposição vertical existente entre a sua actividade de fabrico destes motores e a do fabrico de dispositivos de arranque para estes motores da Honeywell, não está suficientemente demonstrado.

314    Por conseguinte, não há necessidade de examinar, no presente processo, a validade da rejeição pela Comissão do compromisso proposto pelas partes notificantes, relativo aos dispositivos de arranque.

D –  Quanto aos efeitos de conglomerado

1.     Quanto ao poder financeiro e à integração vertical

a)     Argumentos das partes

315    No que diz respeito ao pilar da decisão impugnada relativo ao poder financeiro e à integração vertical resultante do efeito da GE Capital, empresa financeira da GE, da GECAS e da GE Capital Corporate Aviation Group (GECCAG), empresas de locação financeira de aviões da GE, a recorrente sustenta que a Comissão não demonstra a criação ou o reforço de uma posição dominante, resultante destas sociedades, quer num quer no outro dos mercados de motores, quer num ou no outro dos mercados de produtos aviónicos e não aviónicos.

 Quanto ao poder financeiro

316    Quanto à GE Capital, as alegações da Comissão relativas aos efeitos anticoncorrenciais da associação do alegado poder financeiro desta sociedade e da Honeywell não se baseiam em nenhum fundamento jurídico, económico ou factual. Tendo em conta o carácter inabitual desta tese, do ponto de vista da análise económica, a Comissão deveria ter apresentado uma análise jurídica e económica rigorosa.

317    A Comissão recorda os factores objectivos, enunciados no considerando 107 da decisão impugnada, que favorecem a posição dominante da GE. Contudo, sustenta que não penalizou a GE pela sua importante capitalização, mas teve em conta este poder financeiro no âmbito específico da indústria aeronáutica. O montante e a duração dos investimentos nesta indústria fazem da capacidade financeira um elemento crucial de competitividade. A capacidade de financiamento da GE não tem comparação possível com a capacidade dos concorrentes.

318    Estes factores objectivos, que já contribuem para conferir à GE uma posição dominante antes da concentração, na medida em que esse poder pode ser utilizado em apoio da sua política comercial e industrial nos mercados dos motores de aviões, ajudaram a entidade resultante da fusão a obter igualmente uma posição dominante nos mercados dos diferentes produtos aviónicos e não aviónicos.

319    A Rockwell refere, a este respeito, que a GE Capital desempenha simultaneamente o papel de banco interno e de financiador dos clientes da recorrente. A Rolls‑Royce recorda que forneceu à Comissão vários exemplos em que a GE utilizou o seu poder financeiro para obter a exclusividade de motorização.

 Quanto à integração vertical

320    Quanto à GECAS e à GECCAG, a recorrente contesta o fundamento da teoria da Comissão do «deslocamento das quotas de mercado» (share‑shifting), segundo a qual estas duas sociedades favoreceriam a compra de produtos da Honeywell em detrimento dos produtos dos seus concorrentes. Mesmo admitindo que a actividade da GECAS teve esse efeito antes da concentração nos mercados dos motores a reacção, nada prova que tais efeitos em benefício da Honeywell se produziriam depois da concentração, e menos ainda nos diferentes mercados dos produtos aviónicos e não aviónicos. A recorrente referiu, a este respeito, na audiência, que a Comissão não analisou a situação em relação a cada mercado, limitando‑se, pelo contrário, a fazer afirmações gerais, abstraindo das diferenças entre estes mercados.

321    A Comissão precisa que a GECAS é o maior comprador de aviões comerciais de grande porte, com 10% do mercado, e que já contribui para a posição dominante da recorrente nos mercados dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte.

322    Quanto aos efeitos ligados à integração vertical no que respeita à Honeywell, a Comissão remete sobre este aspecto para a decisão impugnada e mantém, assim como a Rockwell, que é previsível que a GE alargue os seus métodos aos produtos da Honeywell. Recorda, em especial, que os produtos SFE (supplier‑furnished equipment, equipamentos fornecidos pelos vendedores) são escolhidos exclusivamente pelo fabricante de estruturas e garantem uma fonte de receitas a longo prazo. Segundo a Comissão e a Rockwell, após a concentração, a Honeywell beneficiaria de imediato da capacidade e da incitação da GE Capital a assegurar a exclusividade dos seus produtos através da GECAS.

323    A Comissão não afirma que a GECAS só compraria aviões «exclusivamente Honeywell», mas que a GECAS seria utilizada como alavanca para incitar os fabricantes de estruturas e as companhias aéreas a escolher a Honeywell ou a conceder‑lhe a exclusividade. A este respeito, a Comissão sublinha a relação desequilibrada entre a entidade resultante da concentração e os seus clientes, em razão da importante proporção do avião que ela fornecerá. A Comissão e a Rockwell afirmam que as concorrentes da Honeywell serão progressivamente marginalizadas e obrigadas a retirarem‑se para os nichos comerciais nos quais a Honeywell não está presente.

324    No que diz respeito à GECCAG, a Comissão reconhece que, no passado, esta empresa não tinha interesse em praticar uma política de compra especulativa. Esta situação seria radicalmente transformada com a chegada da Honeywell, importante fornecedor de equipamentos e de serviços para os aviões executivos após a concentração.

b)     Apreciação do Tribunal

 Introdução

325    Refira‑se, em primeiro lugar, que, pelas razões anteriormente expostas, nos n.os 182 e seguintes, a Comissão pôde considerar acertadamente que as actividades da GECAS, bem como a alavanca comercial representada pelo poder da recorrente resultante da posição financeira da GE Capital contribuem para a posição dominante preexistente da recorrente no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte.

326    Em contrapartida, conforme refere acertadamente a recorrente, não decorre necessariamente destas observações que, na sequência da concentração, a entidade resultante da fusão teria aplicado práticas análogas às verificadas no passado no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte, com o objectivo de promover os seus produtos aviónicos e não aviónicos, de modo a criar ou reforçar uma posição dominante nos respectivos mercados destes produtos.

327    Em conformidade com a jurisprudência resultante do acórdão Tetra Laval/Comissão, n.° 58 supra, confirmada a este respeito pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão Comissão/Tetra Laval, n.° 60 supra, cabia à Comissão demonstrar, não só que a entidade resultante da fusão teria a capacidade de transpor estas práticas para os mercados dos produtos aviónicos e não aviónicos, mas também, além disso, com base em provas sólidas, que a adopção deste comportamento pela entidade resultante da fusão era provável. Além disso, a Comissão devia demonstrar que estas práticas criariam, num futuro relativamente próximo, uma posição dominante, pelo menos em alguns dos mercados de produtos aviónicos e não aviónicos em causa (v., neste sentido, acórdão Tetra Laval/Comissão, n.° 58 supra, n.os 146 a 162, confirmado a este respeito pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão Comissão/Tetra Laval, n.° 60 supra, n.os 37 a 45, bem como n.os 60 e segs. supra). Estes dois aspectos da análise que a Comissão devia efectuar serão, em seguida, sucessivamente examinados.

 Quanto à probabilidade do comportamento futuro previsto pela Comissão

328    A tese da Comissão quanto à produção dos efeitos de conglomerado «verticais» resultante do processo de «deslocamento das quotas de mercado» é diferente conforme se trate, por um lado, de produtos aviónicos e não aviónicos SFE‑standard (supplier‑furnished equipment, equipamentos fornecidos pelos vendedores e propostos de forma exclusiva) (considerandos 342 a 348) ou, por outro, de produtos BFE (buyer‑furnished equipment, equipamento fornecido pelo comprador) ou SFE‑opção (dois ou mais SFE propostos alternativamente) (considerandos 405 a 411 da decisão impugnada). Com efeito, os produtos SFE‑standard são escolhidos definitivamente pelo fabricante de estruturas no momento da concepção do avião, enquanto a escolha final do componente BFE e, pelo menos entre dois produtos pré‑seleccionados, a escolha do componente SFE‑opção são feitas pela companhia aérea no momento de efectuar a sua encomenda.

–       Quanto aos produtos SFE‑standard

329    No que diz respeito aos produtos aviónicos e não aviónicos SFE‑standard, a Comissão, tendo recordado a sua conclusão quanto à capacidade de a recorrente assegurar a exclusividade dos seus motores nas plataformas (considerando 343 da decisão impugnada), refere que, na sequência da concentração, esta capacidade beneficiará imediatamente a Honeywell. A Comissão sustenta, a este respeito, que a selecção dos componentes aviónicos e não aviónicos é relativamente indiferente do ponto de vista das companhias aéreas, pelo que «os benefícios de uma oferta não envolvendo produtos da GE para os fabricantes de estruturas tornar‑se‑ão menos significativos do que os benefícios que poderão obter sob a forma de novas aquisições de aeronaves pela GECAS» (considerando 344 da decisão impugnada).

330    Segundo a decisão impugnada, «ao usar o seu poder financeiro e integração vertical quando do lançamento de novas plataformas (por exemplo, através de financiamentos e/ou encomendas feitas pela GECAS), a entidade resultante da concentração poderá promover a selecção dos produtos SFE da Honeywell, retirando desse modo aos concorrentes a possibilidade de colocarem os seus produtos nessas novas plataformas» (considerando 344) e, além disso, «a Honeywell, após a concentração, estará em posição de beneficiar dos amplos recursos financeiros da GE e da sua capacidade para praticar a subvenção cruzada ao nível dos seus diferentes segmentos de actividade» (considerando 345). A Comissão prevê, consequentemente, que os concorrentes da Honeywell serão seriamente enfraquecidos pela fusão (considerandos 347 e 348) e que «a utilização estratégica, por parte da GE, da facilidade de acesso ao mercado da GECAS e do poder financeiro da GE Capital irá colocar a Honeywell na posição de fornecedor dominante dos mercados de produtos SFE de aviónica e não pertencentes à aviónica, em que esta última já detém uma posição importante» (considerando 346).

331    Assim, a Comissão expôs, nos considerandos acima mencionados, que a entidade resultante da fusão teria capacidade de influenciar a escolha feita pelos fabricantes de estruturas dos componentes SFE e de os incitar a escolher os da Honeywell. Em contrapartida, a sua descrição do processo através do qual o poder comercial das filiais da recorrente geraria, em seu entender, uma posição dominante da entidade resultante da fusão não permite saber por que razão o comportamento «estratégico» por parte da entidade resultante da fusão que daria lugar a estas consequências era previsível com um grau de probabilidade suficiente.

332    Ora, incumbia à Comissão demonstrar, com base em provas sólidas, a existência dessa probabilidade. Uma vez que se tratava de demonstrar, antes da realização da operação de concentração, qual seria o comportamento da entidade resultante da fusão, na sequência desta, nos mercados onde não existia nenhuma possibilidade de um comportamento do tipo previsto pela Comissão antes da concentração, essas provas não podem, em princípio, ser constituídas exclusivamente por elementos relativos a comportamentos passados. Daí resulta que a análise da Comissão, atrás confirmada no que diz respeito ao papel desempenhado pela GECAS e pela GE Capital no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte, não é suficiente para satisfazer esta exigência, ainda que possa contribuir para ela.

333    Assim sendo, as provas sólidas podiam, em princípio, ser documentos que comprovassem a intenção firme da direcção da recorrente e/ou da direcção da Honeywell de prosseguir a exploração comercial, nos mercados dos produtos aviónicos e não aviónicos, do poder da GECAS e da GE Capital da forma atrás descrita no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte na sequência da concentração, quer uma análise económica que demonstrasse que esse comportamento teria sido objectivamente do interesse comercial da entidade resultante da fusão. Uma vez que a Comissão não apresentou elementos susceptíveis de demonstrar a existência dessa intenção de transpor as práticas da GE no referido mercado para os mercados dos produtos aviónicos e não aviónicos, na sequência da concentração, há que examinar se está demonstrado, na decisão impugnada, que essa transposição teria sido do interesse comercial da entidade resultante da fusão.

334    A recorrente sustenta, a este respeito, que não seria do interesse comercial da entidade resultante da fusão insistir junto dos fabricantes de estruturas para que estes últimos seleccionassem os produtos aviónicos e não aviónicos SFE da antiga Honeywell. Refere que existe uma diferença de preço enorme entre, por um lado, os motores a reacção fabricados pela recorrente para aviões regionais e aviões comerciais de grande porte e, por outro, cada produto aviónico e não aviónico. Sustenta, por conseguinte, que a entidade resultante da fusão não teria tido interesse comercial em promover deste modo os produtos aviónicos e não aviónicos.

335    A análise económica acolhida pela Comissão na decisão impugnada admite a existência de uma certa concorrência no mercado dos motores para aviões comerciais de grande porte. Em especial, a Comissão invocou, no âmbito da sua descrição do concurso relativo à motorização do B777X da Boeing, o facto de a recorrente ter podido, mediante […], influenciar a escolha de motor feita pela Boeing (n.os 205 e segs. supra).

336    Neste contexto, o facto de a recorrente ter podido fazer um certo sacrifício comercial a curto prazo para colocar o seu motor é que era importante para efeitos de apreciar a existência de uma posição dominante preexistente da recorrente. Importa referir que as práticas em causa implicam, ou podem implicar, um certo custo para a recorrente, pelo menos a curto prazo, representado no caso do B777X por […] Esse custo pode ser justificado pelos rendimentos futuros gerados pelo serviço de assistência dos motores.

337    .No presente contexto, só é possível considerar que a concentração exerce potencialmente influência na situação do mercado de produtos aviónicos e não aviónicos na medida em que a entidade resultante da fusão tivesse convencido os fabricantes de estruturas a seleccionar os produtos da antiga Honeywell em situações em que estes não os teriam seleccionado se essa pressão comercial não existisse. Tendo em conta a circunstância, acima referida, de que o facto de a recorrente obter a motorização exclusiva do B777X implicou um certo «custo» comercial, não se pode excluir que um fabricante de estruturas tenha podido exigir […] na hipótese de a entidade resultante da fusão teria igualmente insistido na selecção de produtos aviónicos e não aviónicos SFE, hipótese que, no entanto, a Comissão não considerou. Ora, nada garante que este custo tenha sido coberto por rendimentos futuros suplementares. De qualquer modo, a Comissão não podia presumir que não haveria um custo suplementar para a entidade resultante da fusão nesta situação hipotética.

338    Assim, a transposição das práticas em causa para os mercados dos produtos aviónicos e não aviónicos SFE‑standard só teria sido um comportamento comercial racional, na sequência da concentração, na medida em que as receitas susceptíveis de serem obtidas em consequência dessas práticas, pela entidade resultante da concentração, tivessem compensado este custo eventual. Assim, a Comissão não podia considerar como uma progressão lógica e inevitável o seu prognóstico de que a entidade resultante da fusão transporia estas práticas para os mercados dos produtos aviónicos e não aviónicos.

339    Deste modo, na falta de estudos económicos que permitam comparar, pelo menos com base em estimativas razoáveis, este custo e estas receitas, a Comissão não demonstrou, no vertente, quais teriam sido as consequências comerciais prováveis dessa transposição das práticas da recorrente. A decisão impugnada não responde à questão de saber se o facto de a entidade resultante da fusão insistir na selecção dos seus produtos SFE teria implicado um custo comercial suplementar para ela, nem, consequentemente, à de saber se as receitas decorrentes da selecção destes produtos pelos fabricantes de estruturas teriam neutralizado este eventual custo. Na falta destes dados, é impossível, nas circunstâncias do caso vertente, determinar se a entidade resultante da fusão teria optado por transpor as práticas em causa para os mercados dos produtos aviónicos e não aviónicos SFE‑standard na hipótese de se realizar a concentração.

340    Daí resulta que a Comissão não demonstrou, com base em provas sólidas, e com um grau de probabilidade suficiente, que a entidade resultante da fusão teria utilizado o poder comercial da GECAS, assim como o poder financeiro do grupo resultante da posição da GE Capital, para promover no futuro os produtos aviónicos e não aviónicos SFE da antiga Honeywell.

–       Quanto aos produtos BFE e SFE‑opção

341    No que diz respeito aos produtos aviónicos e não aviónicos BFE e SFE‑opção, a Comissão considera que «a combinação da Honeywell com o poder financeiro da GE, a sua integração vertical na área dos serviços financeiros e da aquisição e locação de aviões, bem como na área dos serviços do mercado de assistência, contribuirão para o efeito de exclusão do mercado descrito anteriormente no que se refere aos produtos SFE de aviónica e não pertencentes à aviónica» (considerando 405 da decisão impugnada). Salienta que «a GE também terá um incentivo para acelerar a actual tendência dos fabricantes de estruturas para transformar os produtos BFE em produtos SFE, uma vez que, mais tarde, poderá orientar‑se especificamente para esses produtos e conseguir posições exclusivas utilizando o conjunto de práticas comerciais descritas nos parágrafos anteriores» (considerando 408 da decisão impugnada).

342    A Comissão sustenta igualmente que «a gama de produtos BFE da Honeywell beneficiará da capacidade da GE Capital para obter posições de exclusividade para os seus produtos junto das companhias aéreas (veja‑se o exemplo da Continental Airlines) e da capacidade fundamental da GECAS para potenciar a colocação dos produtos da GE através do alargamento da sua política de exclusividade da GE aos produtos da Honeywell» (considerando 406 da decisão impugnada). Além disso, «os produtos BFE da Honeywell também beneficiarão da gama de produtos e serviços da GE, na competição com os componentes de fornecedores concorrentes para substituições, actualizações ou reconversões, graças à capacidade da GECAS para privilegiar os produtos da GE ao nível das companhias aéreas» (considerando 407 da decisão impugnada).

343    A Comissão conclui, com base neste raciocínio, que «a utilização estratégica da GECAS e do poder financeiro da GE Capital pela GE irá, portanto, permitir que a Honeywell se torne o fornecedor dominante de produtos BFE de aviónica e não pertencentes à aviónica, área em que já detém uma posição de líder» e prevê que os concorrentes ponham progressivamente em causa a sua participação nestes mercados (considerando 409 da decisão impugnada).

344    No que diz respeito aos elementos do raciocínio reproduzidos no n.° 341, supra, que indicam a pertinência para os mercados de produtos aviónicos BFE da lógica exposta no contexto da análise da situação nos mercados dos produtos aviónicos e não aviónicos SFE, importa recordar que esta última análise foi acima considerada insuficiente. De qualquer forma, uma vez que os clientes dos produtos BFE e SFE‑opção são as companhias aéreas, enquanto que os dos produtos SFE‑standard são os fabricantes de estruturas, a mesma lógica comercial não se pode aplicar nos dois casos. Quanto à possibilidade de a entidade resultante da fusão promover o alargamento da categoria de produtos SFE, a rejeição da tese da Comissão relativa a estes últimos retira a esta circunstância, mesmo admitindo que seja exacta, qualquer pertinência.

345    Quanto aos fundamentos referidos no n.° 342, supra, relativos especificamente aos mercados de produtos BFE e SFE‑opção, a Comissão podia prever que a própria GECAS teria uma preferência forte pelos produtos da antiga Honeywell na sequência da concentração, uma vez que estas duas sociedades passariam a pertencer ao mesmo grupo. A recorrente refere, com razão, que esta preferência não podia ser absoluta, na medida em que a Honeywell não fabrica todos os produtos aviónicos e não aviónicos BFE e SFE‑opção necessários num avião, pelo que nenhum avião podia ser «exclusivamente Honeywell». Contudo, esta argumentação não invalida a tese da Comissão porque a política preferencial da GECAS não tem necessariamente de ser absoluta, no sentido referido pela recorrente, para ser eficaz, desde que a GECAS seleccione sistematicamente os produtos da antiga Honeywell sempre que tenha a possibilidade.

346    Em contrapartida, a Comissão refere, no considerando 396 da decisão impugnada, que as partes na concentração afirmaram, na fase do procedimento administrativo, que a operação de concentração projectada não modificaria sensivelmente o comportamento da GECAS em matéria de compra porque […] em virtude de um acordo […] A Comissão rejeita esta argumentação da recorrente, no considerando 397 da decisão impugnada, porque a operação de concentração «internaliza» o acordo em causa e porque, contrariamente a este acordo, a operação provoca, assim, uma alteração estrutural no mercado. Além disso, constata que o acordo […] Refere igualmente que […] (considerando 396).

347    Refira‑se que, embora os elementos apontados pela Comissão constituam uma resposta parcial aos argumentos invocados pelas partes na concentração a este respeito, a existência do contrato em causa enfraquece, no entanto, de forma significativa a tese da Comissão relativa aos produtos BFE. Embora se verifique que, na sequência da fusão, seriam realizadas poucas vendas suplementares de produtos BFE e SFE‑opção atribuíveis à política preferencial da GECAS, impõe‑se concluir, independentemente da razão jurídica ou comercial que explica este fenómeno, que a operação teria apenas um impacto reduzido nos mercados em questão.

348    Na falta […], poderia ter‑se suposto, no caso vertente, conforme refere a Rockwell no seu articulado de intervenção, que, em virtude da transposição natural da preferência da GECAS pelos produtos fabricados pelo grupo da recorrente, a aquisição da Honeywell por esta implicaria automaticamente um aumento da quota da Honeywell de cerca de 5% para um produto BFE onde a sua quota de mercado para este produto era já de 50%, uma vez que a quota da GECAS nas compras de aviões é de cerca de 10%.

349    Ora, a existência do contrato […]

350    Por conseguinte, a Comissão não apreciou, na decisão impugnada, em que medida […] Esta lacuna compromete a fiabilidade do seu raciocínio sobre estes produtos, incluindo no que respeita a possibilidade de a GECAS «implantar» produtos BFE e SFE‑opção da antiga Honeywell junto das companhias aéreas.

351    Além disso, a Comissão admite, no considerando 410 da decisão impugnada, a existência de preferências por parte de clientes e os efeitos da uniformização no que diz respeito aos produtos BFE. Considera que esta circunstância não é significativa no caso vertente porque «as companhias aéreas, devido às suas margens de lucro restritas, não estão em posição de rejeitar ofertas comerciais que representem economias de custos a curto prazo» e que, para estas empresas, «a redução de custos a curto prazo é mais importante do que evitar uma eventual redução da concorrência a longo prazo». A Comissão não apresentou nenhuma prova em apoio da sua afirmação sobre a vulnerabilidade financeira das companhias aéreas. Além disso, também não propõe elementos concretos susceptíveis de corroborar a sua apreciação segundo a qual as preferências e as reduções de custos resultantes da uniformização dos componentes BFE no âmbito da frota de uma companhia aérea serão factores menos importantes para determinar as suas escolhas de produtos BFE do que as «economias a curto prazo» representadas pelas condições de compra ou de locação financeira que, de acordo com a sua tese, serão propostas pela GECAS. Na falta de uma apreciação económica ou, pelo menos, de uma estimativa da vantagem representada por estas condições, é impossível apreciar a plausibilidade da sua tese a este respeito.

352    Assim, tal como em relação aos produtos SFE‑standard, a tese da Comissão repousa na ideia de que a GECAS proporá condições favoráveis às companhias aéreas para as incitar a aceitar aviões equipados com produtos BFE da entidade resultante da fusão que estas não teriam escolhido se tivessem podido fazer a sua própria escolha. Impõe‑se concluir que essa incitação pode representar um certo «custo» para a entidade resultante da fusão na medida em que uma companhia aérea só aceitará, em princípio, um equipamento ou, sendo caso disso, um avião já comprado pela GECAS equipado com esse produto se a oferta global apresentada pela entidade resultante da fusão for suficientemente interessante para que esta escolha seja no seu interesse comercial.

353    Com efeito, uma vez que a Comissão reconheceu que as companhias aéreas têm preferências por determinados produtos, a entidade resultante da fusão teria, nesta hipótese, de superar o obstáculo representado pela preferência de uma companhia aérea pelos produtos de outro fabricante de produtos aviónicos e não aviónicos. É possível que o custo em questão seja insignificante comparativamente com as receitas que para a entidade resultante da fusão decorrem da venda dos componentes BFE em questão, hipótese em que esta prática constituiria um comportamento comercial racional para a entidade resultante da fusão, mas era à Comissão que incumbia examinar esta questão, tendo em conta as circunstâncias do caso vertente.

 Quanto à criação de posições dominantes nos mercados dos produtos aviónicos e não aviónicos no futuro

354    Admitindo que a Comissão demonstrou de forma suficiente, contrariamente ao que se depreende da análise anterior, que a entidade resultante da fusão utilizou o poder das suas filiais nos mercados dos produtos aviónicos e não aviónicos, a Comissão devia ainda demonstrar que este fenómeno criaria uma posição dominante nos mercados em causa. Com efeito, a tese apresentada pela Comissão, na decisão impugnada, consiste em alegar que a Honeywell era o líder nestes mercados sem, no entanto, estar em posição dominante antes da fusão, mas que a operação de concentração reforçaria de tal forma o seu poder que ficaria em posição dominante na sequência da fusão (considerandos 241 a 243 e 341 da decisão impugnada). Refira‑se, a este respeito, que a Comissão considerou, na decisão impugnada, que existia um mercado distinto para cada produto aviónico e não aviónico (considerando 242 e nota de rodapé n.° 89) e que distinguiu ainda, para cada um dos produtos aviónicos, entre o mercado dos produtos destinados aos aviões comerciais de grande porte, por um lado, e o dos produtos destinados aos aviões regionais e executivos, por outro (considerando 231).

355    Há que observar que a análise da Comissão relativa ao poder das filiais da entidade resultante da fusão não tem em conta as diferenças entre as actividades da recorrente e as das suas filiais em relação a cada uma das categorias de aviões. Na decisão impugnada, a Comissão observou que, antes da concentração, a GE estava em posição dominante no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte e para aviões regionais de grande porte, estando até certo grau igualmente presente no mercado dos motores a reacção para aviões executivos, e que a GECAS comprava aviões comerciais e aviões regionais de grande porte de forma especulativa, mas a decisão impugnada não contém nenhuma informação relativa às suas eventuais actividades no mercado dos aviões regionais de pequeno porte. Uma outra filial da recorrente, a GECCAG, que não comprava aviões de forma especulativa, estava activa como compradora no mercado dos aviões executivos.

356    Assim, por exemplo, a influência que a GECAS teria podido exercido nos mercados dos produtos aviónicos destinados aos aviões regionais e executivos teria sido fortemente reduzida pelo facto de apenas comprar, em princípio, aviões num único dos três sectores em causa, o dos aviões regionais de grande porte. Pelo facto de não ter tido em conta estes diferentes parâmetros relativos às diferenças entre os mercados existentes, nem os motivos que modificariam, sendo caso disso, estes parâmetros na sequência da operação, a Comissão não demonstrou de forma suficiente que teriam sido criadas posições dominantes nestes mercados.

357    Refira‑se ainda que, embora tenha estabelecido uma distinção, no considerando 239 da decisão impugnada, entre os produtos SFE‑standard, que são seleccionados definitivamente pelo fabricante de estruturas, e os produtos SFE‑opção, que são certificados pelo fabricante de estruturas, sendo a selecção final entre dois ou até três produtos possíveis feita pela companhia aérea, a Comissão não indicou, na decisão impugnada, quais os produtos aviónicos SFE examinados na decisão impugnada que pertencem a cada uma destas duas categorias. Ora, conforme anteriormente observado, a análise pela Comissão do processo através do qual a influência das filiais da recorrente pode produzir efeitos é muito diferente consoante a escolha final do produto aviónico é feita pelo fabricante de estruturas ou pela companhia aérea (v. n.° 328 supra). Consequentemente, não resulta da decisão impugnada que a parte da análise da Comissão se refere a cada mercado de um produto SFE específico.

358    De igual modo, a Comissão não indicou na decisão impugnada quais os produtos não aviónicos examinados são vendidos, respectivamente, como SFE, SFE‑opção ou BFE. Por conseguinte, não é possível determinar, mais uma vez, pela leitura da decisão impugnada, que parte da análise da Comissão se refere a cada mercado de um produto específico.

359    Em resposta a uma questão escrita do Tribunal de Primeira Instância, a Comissão e a Rockwell Collins indicaram, para cada um dos produtos aviónicos e não aviónicos em causa, se este pertence à categoria dos produtos SFE‑standard ou à dos produtos SFE‑opção ou, em relação aos produtos não aviónicos, à dos produtos BFE. Contudo, o facto de o Tribunal de Primeira Instância tomar em consideração estas respostas para distribuir os produtos entre as três categorias acima referidas, para efeitos de determinar a identidade do cliente que faria a escolha do produto e, consequentemente, que parte da análise da Comissão se lhe aplica, ultrapassaria os limites de uma simples interpretação da decisão impugnada e constituiria uma substituição dos fundamentos por parte do juiz.

360    De qualquer modo, resulta das respostas da Comissão e da Rockwell Collins, mencionadas no n.° 357 supra, que nem sempre é fácil saber em que categoria de produtos (SFE‑standard, SFE‑opção, BFE) deve ser classificado cada produto, uma vez que existem diferenças entre estas duas respostas em relação a determinados produtos. Resulta igualmente destas respostas que determinados produtos aviónicos e sobretudo não aviónicos são produtos mistos, por vezes comercializados como SFE‑standard e por vezes como SFE‑opção, consoante a plataforma em questão. Consequentemente, as informações que faltam na decisão quanto à categorização dos produtos individuais não são necessariamente informações notórias, mesmo para os especialistas da indústria aeronáutica.

361    Refira‑se, além disso, que a Comissão analisou cada um dos mercados aviónicos e não aviónicos em causa de forma muito breve na decisão impugnada, nos considerandos 245 a 275. No essencial, indicou para cada produto a sua natureza, a identidade dos diferentes fabricantes do produto e a quota de mercado destes últimos, nos dois mercados determinados pela dimensão do avião equipado com o produto no caso dos produtos aviónicos.

362    Importa observar que nem estas descrições específicas de cada mercado antes da operação que consta da decisão impugnada, nem as descrições gerais, atrás analisadas, dedicadas ao exercício pelas filiais da recorrente do seu poder comercial nos mercados SFE‑standard, por um lado, e nos mercados SFE‑opção e BFE, por outro, permitem determinar qual teria sido o impacto provável deste aspecto da concentração em cada um dos mercados em causa. Resulta da decisão impugnada, com efeito, que a situação concorrencial em cada um dos mercados é diferente e que a posição relativa e mesmo a identidade das concorrentes presentes variam consoante o mercado em causa.

363    Assim, a Comissão não demonstrou suficientemente que as práticas consideradas na decisão impugnada teriam criado uma posição dominante num ou noutro destes mercados, e menos ainda, nestes mercados conjuntamente considerados, mesmo admitindo que fossem adoptadas.

 Conclusão

364    Resulta do exposto que a Comissão não demonstrou com um grau de probabilidade suficiente que, na sequência da operação de concentração, a entidade resultante da fusão teria transposto para os mercados dos produtos aviónicos e não aviónicos as práticas declaradas pela Comissão no mercado de motores a reacção para aviões comerciais de grande porte constituídas pela exploração do poder financeiro do grupo GE atribuível à GE Capital e da alavanca comercial representada pelas compras de aviões da GECAS, para promover as vendas dos seus produtos. De qualquer modo, não demonstrou de forma adequada que estas práticas, admitindo que fossem adoptadas, teriam provavelmente criado posições dominantes nos diferentes mercados aviónicos e não aviónicos em causa. Consequentemente, a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao estimar que o poder financeiro e a integração vertical da entidade resultante da concentração conduziria à criação ou ao reforço de posições dominantes nos mercados dos produtos aviónicos e não aviónicos.

365    Tendo em conta as observações anteriores, não é necessário examinar o tratamento dado pela Comissão aos compromissos relativos a este aspecto do processo, em especial o compromisso relativo ao comportamento futuro da GECAS.

2.     Quanto às vendas de produtos por pacotes

a)     Argumentos das partes

 Observações preliminares

366    A recorrente afirma, no que respeita ao pilar do raciocínio da Comissão relativo à capacidade e à incitação da entidade resultante da concentração à pratica de vendas de produtos por pacotes, que este não é apoiado nem pelas provas factuais nem por qualquer modelo económico.

367    Em seu entender, há que distinguir, designadamente do ponto de vista dos seus efeitos, os diferentes tipos de vendas de produtos por pacotes, a saber, as «vendas de produtos por pacotes mistas» (mixed bundling), as «vendas de produtos por pacotes puras» (pure bundling) e as «vendas de produtos por pacotes técnicas» (technical bundling).

368    As vendas de produtos por pacotes puras e as vendas de produtos por pacotes técnicas praticadas por uma empresa em posição dominante são, segundo a recorrente, geralmente consideradas como anticoncorrenciais, na medida em que esta empresa vincula as compras de produtos ou de serviços num mercado onde ela é forte (mercado vinculante) às compras de produtos ou de serviços num segundo mercado (mercado vinculado), seja por razões puramente comerciais, mas sem contrapartida financeira, seja por razões técnicas.

369    Inversamente, as vendas de produtos por pacotes mistas em que a compra de produtos por pacotes provoca uma baixa do preço global são geralmente consideradas favorecedoras da concorrência. A recorrente expõe que as vendas de produtos por pacotes mistas só podem ser, excepcionalmente, anticoncorrenciais quando produzam a exclusão ou a marginalização permanente dos concorrentes. Ora, para demonstrar esses efeitos seria necessário proceder a uma análise económica detalhada.

370    Segundo a recorrente, a Comissão apresentou, na contestação, uma nova teoria sobre os efeitos de conglomerado, invocando um «efeito de alavanca» (leveraging) que permite utilizar o poder num mercado de forma estratégica para excluir os concorrentes noutro mercado. Mesmo admitindo que esta teoria possa ser ligada a observações contidas na decisão impugnada, não pode ser invocada no Tribunal de Primeira Instância, uma vez que não figura na CA.

371    Em contrapartida, a teoria relativa às vendas de produtos por pacotes apresentada na CA, baseada no modelo Choi, não está abrangido no exercício de um efeito de alavanca. De igual modo, a decisão impugnada não aborda, pelo menos de forma adequada, a possibilidade do exercício de um efeito de alavanca, conservando, em contrapartida, uma análise dos efeitos anticoncorrenciais previstos, unicamente explicável por referência ao modelo Choi, apesar do seu suposto abandono.

372    Por outro lado, a política de preços predadores não é mencionada na decisão impugnada e a Comissão não provou que a GE seria incitada a praticar esta política. A Comissão também não explicou a pertinência das referências, na decisão impugnada, aos alegados efeitos anticoncorrenciais decorrentes das subvenções cruzadas.

373    A Comissão, a Rolls‑Royce e a Rockwell afirmam que a decisão impugnada contém provas convincentes da existência das vendas de produtos por pacotes e das novas possibilidades da entidade resultante da fusão a esse respeito.

374    A Comissão expõe as principais características dos mercados em causa que a levam a concluir que a entidade resultante da concentração será incitada e terá a capacidade para excluir a concorrência. Entre estas características figuram, em especial, as quotas de mercado de cada uma das partes na concentração, o carácter complementar dos motores de avião e dos produtos aviónicos e não aviónicos, as barreiras importantes à entrada nos mercados considerados, os custos importantes de investigação e desenvolvimento, os longos prazos de rentabilização e a falta de poder de oposição por parte dos clientes ou de uma pressão comercial significativa dos concorrentes.

375    A conjugação de uma ampla gama de produtos complementares permitiria à entidade resultante da concentração conceder descontos discriminatórios através de subvenções cruzadas em relação aos clientes que privilegiassem a compra da gama completa. Embora, a curto prazo, tenha efeitos benéficos sobre os preços, tal prática levará à exclusão dos concorrentes a médio e longo prazo.

376    A Comissão afirma que considerou, ao longo do processo, que a entidade resultante da concentração, ao contrário dos seus concorrentes, terá a capacidade e será incitada a praticar as vendas de produtos por pacotes, atribuindo descontos aos produtos da GE e da Honeywell incluídos na oferta global. Esta análise não é nova, pois esta problemática já estava no centro das discussões prévias à notificação da concentração. A Comissão e a Rolls‑Royce sublinham que a teoria do efeito de alavanca já constava da decisão impugnada (considerando 415).

377    A Comissão insiste igualmente no facto de as vendas de produtos por pacotes apenas implicarem baixas temporárias dos preços para determinadas combinações de produtos, em especial porque não resultaria da concentração nenhum ganho de eficiência importante. Em última instância, esta prática eliminaria em vários mercados a concorrência pelo mérito.

378    A decisão impugnada indica claramente as diferentes formas de vendas de produtos por pacotes. A entidade resultante da concentração teria a capacidade de tirar proveito do seu poder no mercado, do seu poder financeiro e da sua gama de produtos complementares, em especial praticando subvenções cruzadas.

 Quanto à existência de vendas de produtos por pacotes puras ou técnicas

379    Segundo a recorrente, embora a Comissão mencione, no início da sua análise na decisão impugnada, as vendas de produtos por pacotes puras e as vendas de produtos por pacotes técnicas, não faz, posteriormente, nenhuma outra referência às vendas de produtos por pacotes puras e limita‑se a evocar por duas vezes as vendas de produtos por pacotes técnicas sem apresentar provas factuais ou económicas quanto à sua existência.

380    No que respeita ao conceito do motor MEE (More Electrical Engine), este exemplo não consta da CA e o conceito continua a ser muito hipotético. O exemplo apresentado pela Rockwell relativo ao sistema aviónico Primus Epic não diz respeito à concentração e não foi tido em conta na decisão impugnada.

381    A Comissão reafirma que a entidade resultante da concentração terá a capacidade de subordinar a venda de produtos aviónicos e não aviónicos da Honeywell à venda de motores GE e inversamente, e de praticar, assim, vendas de produtos por pacotes puras. A Comissão sublinha, a este respeito, que a operação teria desencadeado uma concentração sem precedentes do lado da oferta e evoca, a este respeito, o EGPWS (Enhanced Ground Proximity Warning System, Sistema de aviso de proximidade do solo) da Honeywell. A Rockwell refere dois exemplos de produtos para demonstrar as capacidades de integração da Honeywell e a utilização por esta última de interfaces fechadas. A Rockwell evoca igualmente o sistema Primus Epic da Honeywell como exemplo de vendas de produtos por pacotes praticadas pela Honeywell.

382    A Comissão recorda que, nos termos da decisão impugnada, ainda não houve uma integração explícita de motores de avião e de outros sistemas. O conceito MEE ilustra a capacidade de integração da Honeywell e a sua importância enquanto fornecedor independente para o desenvolvimento deste conceito.

 Quanto à existência de vendas de produtos por pacotes mistas

383    Segundo a recorrente, o facto de as vendas de produtos por pacotes mistas serem geralmente consideradas benéficas para a concorrência obrigava a Comissão a provar, por um lado, que a entidade resultante da concentração recorreria efectivamente a esta prática e, por outro, que esta prática levaria efectivamente à exclusão ou à marginalização dos concorrentes. Ora, a decisão impugnada não demonstra nenhum destes factos.

384    A recorrente sublinha que a Comissão afirma explicitamente que não era necessário basear‑se num dos modelos apresentados para concluir que a oferta de pacotes de produtos que a entidade resultante da concentração poderá propor excluirá os concorrentes dos mercados dos motores e dos produtos aviónicos e não aviónicos (considerando 352 da decisão impugnada). Em especial, a Comissão renunciou a basear‑se no modelo Choi. Ao sugerir que não era necessário nenhum modelo económico para fundamentar as suas conclusões, a GE afirma que, na realidade, a Comissão não teve em conta, apesar de válidas, as provas que apresentou, baseadas nos trabalhos dos Professores Nalebuff, Rey e Shapiro.

385    A recorrente sublinha que as observações dos intervenientes sobre as vendas de produtos por pacotes não estratégicas são incompatíveis com a posição da Comissão sobre a rejeição do modelo Choi estático. A justificação ex post da decisão impugnada através da teoria de um comportamento estratégico deve ser afastada por ser inadmissível, uma vez que não constava da CA, exclusivamente baseada no modelo Choi (acórdão Schneider Electric/Comissão, n.° 40 supra). Além disso, a Comissão não pode, sem cometer um abuso, combinar as quotas de mercado da CFMI com a sua teoria das vendas de produtos por pacotes mistas, na medida em que a Snecma não tem nenhum interesse em aprovar uma política de preços favorecedora dos produtos da Honeywell.

386    De qualquer modo, as condições de exercício de um efeito de alavanca não estão demonstradas, no que se refere quer às vendas de produtos por pacotes mistas quer às teorias adicionais relativas às subvenções cruzadas ou aos preços predadores. Com efeito, a Comissão não analisou os mercados em questão, nem teve em conta o facto de o valor dos motores ultrapassarem em larga medida o dos produtos aviónicos e não aviónicos e de a prática das vendas de produtos por pacotes mistas ser impossível quando já existe um contrato entre o fornecedor e o fabricante de estruturas que obrigam este último a comprar um produto específico a um preço fixo.

387    De igual modo, não foi fornecida nenhuma indicação precisa quanto ao aparecimento de efeitos de conglomerado num futuro relativamente próximo. A Comissão também não teve em conta, de forma alguma, o efeito dissuasivo do artigo 82.° CE a este respeito.

388    A recorrente refere, a este respeito, na sua resposta às alegações de intervenção, que, mesmo supondo que a teoria da Comissão relativa ao comportamento estratégico (efeitos de alavanca) fosse admissível, a Comissão não respeitou nenhuma das condições fixadas no acórdão Tetra Laval/Comissão, n.° 58 supra.

389    O único exemplo referido na decisão impugnada (considerando 368) de venda de motores por pacotes mista com outros elementos é constituído por uma oferta da Honeywell para a plataforma de um construtor. Ora, a Comissão não mencionou descontos neste caso. Além disso, este construtor rejeitou a oferta da Honeywell relativa aos sistemas adicionais, o que demonstra a possibilidade que os fabricantes de estruturas têm de combinar diferentes fornecedores.

390    A Comissão recorda que os modelos económicos que lhe foram apresentados eram controversos. Para além da sua própria análise, a Comissão avaliou o modelo Choi e apresentou‑o na CA para permitir o confronto. Não podia basear‑se neste modelo na medida em que este continha informações quantificadas confidenciais que não podia comunicar às partes na concentração. Por seu lado, não adoptou nem rejeitou o modelo Choi, o qual só foi tomado como base para determinar os incentivos à optimização dos benefícios a curto prazo. De resto, faz questão de se afastar deste modelo, uma vez que este não tem em conta a vontade estratégica da entidade resultante da concentração nem a situação de domínio preexistente. Esta falta de consideração do comportamento estratégico é, de resto, comum aos modelos Choi e Nalebuff, que se limitam a propor uma visão estática. Estes dois modelos examinam a questão de saber se as vendas de produtos por pacotes aumentam os lucros de uma empresa a curto prazo e reduzem os dos seus concorrentes, de forma que a empresa é incitada a adoptar esta prática.

391    A Comissão considera que, no quadro de uma visão dinâmica, as vendas de produtos por pacotes seriam igualmente atractivas para a entidade resultante da concentração, mesmo com sacrifício dos benefícios a curto prazo. A Comissão e a Rockwell afirmam que, tendo em conta o valor dos motores, a entidade resultante da concentração teria tido uma capacidade inigualável para praticar as subvenções cruzadas, expressão de um comportamento estratégico. Por outro lado, a Comissão alega que a entidade resultante da concentração teria efectivamente a capacidade e seria incitada a praticar preços predadores. Considera que tal prática foi mencionada na decisão impugnada, no considerando 369.

392    A Comissão refere que, na decisão impugnada, examinou a questão de saber se as características do sector tornavam possíveis e rentáveis práticas de exclusão como as vendas de produtos por pacotes. Estas características demonstram que a GE teria tido a possibilidade de tornar extensivas as posições dominantes que detinha em relação aos motores às posições de força da Honeywell relativas aos motores para aviões executivos e aos produtos aviónicos e não aviónicos. A Comissão não se afastou, em momento algum, desta teoria económica bem consolidada.

393    A Comissão considera ter respondido, na decisão impugnada, às objecções contidas no relatório Shapiro, em especial nos considerandos 359 a 386, em especial apoiando‑se em exemplos passados. Por conseguinte, analisou plenamente o ponto de vista das partes.

394    A Rolls‑Royce considera que a teoria das vendas de produtos por pacotes não é nova e já foi utilizada pela Comissão. Apesar da falta de clareza das críticas da GE relativas ao modelo económico acolhido, a Rolls‑Royce alega que o relatório da Frontier Economics demonstra, quer que a Comissão está de acordo com os modelos Choi e Nalebuff quer que estes modelos são eles próprios consonantes entre si, quer, por último, que ela se baseou em provas empíricas suficientes.

395    A Comissão alega, além disso, que teve plenamente em conta a decisão AlliedSignal/Honeywell mas que as conclusões desta decisão não podem ser simplesmente transpostas para o caso vertente. O presente processo caracteriza‑se pelo poder da GE e pela gama dos produtos em questão.

396    A Rolls‑Royce considera que a tendência das vendas de produtos por pacotes no sector está amplamente demonstrada e que a concentração criaria novas ocasiões e incentivos a este respeito.

397    Quanto à falta de um nexo de causalidade entre as práticas censuradas e a concentração, a Comissão sublinha que o efeito destas práticas é reforçado pela concentração devido à gama de produtos obtida e ao poder da GE. A entidade resultante da concentração teria a capacidade, devido às suas posições dominantes nos mercados de motores, de tornar este poder extensivo aos mercados dos produtos complementares da Honeywell, onde ainda não é dominante, e de excluir os seus concorrentes. As características do mercado permitiriam essa exclusão, pelo menos parcial.

398    A Comissão invoca, além disso, a série de exemplos referidos na decisão impugnada relativos às vendas de produtos por pacotes.

b)     Apreciação do Tribunal

 Observações preliminares

399    A Comissão referiu na decisão impugnada, no essencial, que, na sequência da concentração, a entidade resultante da fusão teria a possibilidade, ao contrário dos seus concorrentes, de propor aos clientes pacotes de produtos (packages) para os aviões comerciais de grande porte, os aviões regionais de grande porte e os aviões executivos, que incluíssem ao mesmo tempo motores e produtos aviónicos e não aviónicos. Considerou igualmente que esse comportamento seria claramente do interesse comercial da entidade resultante da fusão e, portanto, produzir‑se‑ia provavelmente na sequência da operação (considerandos 350 a 404, 412 a 416, 432 a 434, 443 e 444, e 445 a 458). Consequentemente, teria sido criada uma posição dominante por parte da antiga Honeywell nos mercados de produtos aviónicos e não aviónicos e as posições dominantes da GE teriam sido reforçadas, designadamente no mercado dos motores a reacção para os aviões comerciais de grande porte (considerando 458 da decisão impugnada).

400    A tese da Comissão baseia‑se no facto de os motores, por um lado, e de os produtos aviónicos e não aviónicos, por outro, serem produtos complementares na medida em que todos estes produtos são indispensáveis para construir um avião. Por conseguinte, o cliente final, operador do avião, deve comprar todos estes produtos, directa ou indirectamente, ao seu fabricante. A Comissão considerou, na decisão impugnada, que os clientes de todos estes produtos são essencialmente os mesmos e que, portanto, a sua venda pode ser agrupada. A Comissão afirma igualmente que o grupo da recorrente é muito poderoso financeiramente, tanto em comparação com os seus principais concorrentes nos mercados dos motores, como em comparação com os mercados dos produtos aviónicos e não aviónicos (v., no que diz respeito a estes últimos, os considerandos 302 a 304, 323 e 324 da decisão impugnada; v. igualmente os considerandos 398 e segs.). Assim, a entidade resultante da fusão poderia reduzir a sua margem de lucro nos produtos aviónicos e não aviónicos com o objectivo de aumentar a sua quota de mercado e de obter benefícios mais importantes no futuro.

401    Importa observar, a título preliminar, que os comportamentos futuros previstos da entidade resultante da concentração constituem um elemento indispensável da análise das vendas de produtos por pacotes efectuada pela Comissão no caso vertente. Com efeito, decorre da circunstância de a recorrente não ter qualquer presença nos mercados dos produtos aviónicos e não aviónicos antes da concentração, combinada com o facto de a Honeywell não ter qualquer presença no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte antes da concentração, que esta não teria tido qualquer efeito anticoncorrencial de tipo horizontal nos mercados acima mencionados. Assim, a concentração não teria tido, em princípio, qualquer efeito nestes mercados.

402    Além disso, na medida em que a Comissão prevê, nos considerandos 443 e 444 da decisão impugnada, que o fenómeno das vendas de produtos por pacotes teria tido um impacto no mercado dos motores a reacção para aviões executivos, refira‑se que a quota de mercado da recorrente nesse mercado, antes da concentração, era apenas de [10 a 20]%, em termos de base instalada, enquanto a da Honeywell era de [40 a 50]%, e de apenas [0 a 10]% em termos de base instalada nos únicos aviões ainda em produção, comparada com os [40 a 50]% da quota da Honeywell (considerando 88 da decisão impugnada). Nestas condições, mesmo supondo que se demonstre que seriam praticadas pela entidade resultante da fusão na sequência da operação, vendas de produtos por pacotes de motores e de produtos aviónicos e não aviónicos, há que considerar que não haveria nenhum nexo de causalidade entre a concentração e essas ofertas, salvo na pequena minoria dos casos em que este motor fosse um produto da antiga GE. Além disso, não resulta da decisão impugnada que alguma das duas partes na concentração fabrique motores que equipam os aviões regionais de pequeno porte. Daí resulta que as eventuais vendas de produtos por pacotes que poderiam ser realizadas pela entidade resultante da fusão no mercado dos aviões regionais só diriam respeito, de qualquer forma, aos aviões regionais de grande porte.

403    A Comissão considerou, na decisão impugnada, que existe um único mercado para cada produto aviónico que equipa todos os aviões regionais e executivos assim como um único mercado para cada produto não aviónico que equipa todos os aviões, incluindo os aviões comerciais de grande porte. Assim, o seu raciocínio quanto à criação de posições dominantes nos mercados dos diferentes produtos aviónicos através de vendas de produtos por pacotes não pode ser acolhida no que diz respeito ao mercado de cada um dos diferentes produtos aviónicos que equipam os aviões executivos e regionais. Com efeito, as vendas de produtos por pacotes atribuíveis à operação, admitindo que se manifestem realmente na sequência da operação, só podem afectar uma parte destes mercados, a saber a representada pelos aviões regionais de grande porte. De igual modo, o raciocínio da Comissão fica enfraquecido, embora em menor medida, no que diz respeito aos produtos aviónicos para os quais a Comissão definiu um mercado único para cada produto específico, independentemente do porte e das outras características do avião equipado.

404    Por conseguinte, é, em princípio, no sector dos aviões comerciais de grande porte, para os quais a Comissão definiu mercados distintos, tanto no que diz respeito aos motores, como que no que diz respeito a cada produto aviónico, que a tese da Comissão sobre as vendas de produtos por pacotes poderia eventualmente ser confirmada.

405    No que diz respeito ao eventual impacto da concentração nos mercados de motores para os aviões comerciais de grande porte e para os aviões regionais de grande porte, assim como nos dos produtos aviónicos para os aviões comerciais de grande porte e nos dos produtos não aviónicos, há que averiguar se a Comissão demonstrou que a entidade resultante da fusão não só teria tido a capacidade material para praticar as vendas de produtos por pacotes descritas na decisão impugnada, mas também, com base em provas sólidas, que teria provavelmente recorrido a estas práticas na sequência da concentração, pelo que teria sido criada ou reforçada uma posição dominante num ou vários dos mercados em causa num futuro relativamente próximo (acórdão Tetra Laval/Comissão, n.° 58 supra, n.os 146 a 162).

406    É igualmente necessário fazer a distinção, como acertadamente refere a recorrente, entre três fenómenos, a saber, as vendas de produtos por pacotes puras (pure bundling), ou seja as vendas vinculadas devido à imposição exclusivamente comercial de uma obrigação de comprar dois ou vários produtos conjuntamente, as vendas de produtos por pacotes técnicas (technical bundling), ou seja, as vendas vinculadas devido à imposição por uma integração técnica dos produtos, e as vendas de produtos por pacotes mistas (mixed bundling), ou seja, o facto de vender vários produtos conjuntamente em melhores condições do que as propostas se os produtos forem comprados separadamente. A análise da Comissão em relação a cada um destes três tipos de vendas de produtos por pacotes será em seguida tratada sob três títulos distintos. Contudo, importa examinar, em primeiro lugar, determinadas limitações práticas que afectam todo o raciocínio da Comissão sobre as vendas de produtos por pacotes e que resultam da decisão impugnada.

 Quanto às vendas de produtos por pacotes em geral

407    Existe um problema prático, no que diz respeito à análise feita pela Comissão das vendas de produtos por pacotes, na medida em que o cliente final dos diferentes motores, produtos aviónicos e não aviónicos não é sempre o mesmo.

408    Com efeito, quando o fabricante de estruturas selecciona exclusivamente um motor, de tal forma que a plataforma é de um só fornecedor (sole‑source platform), é essencialmente este último o cliente do fabricante, e é esse o caso igualmente no que diz respeito aos produtos aviónicos e não aviónicos SFE‑standard. Nesta hipótese, a única opção da companhia aérea nesta matéria é, a priori, comprar ou não comprar o avião.

409    Em contrapartida, nos casos em que o fabricante de estruturas aprova vários motores para a sua plataforma, o que faz dela uma plataforma de fornecedores múltiplos (multi‑source platform), é a companhia aérea que escolhe o motor entre os que estão disponíveis, tal como faz no que diz respeito aos produtos aviónicos e não aviónicos BFE e SFE‑opção. Resulta do exposto que, a priori, as vendas de produtos por pacotes só são possíveis, no que diz respeito aos fabricantes de estruturas, entre os motores da GE e os produtos da Honeywell SFE‑standard nas plataformas «de um só fornecedor» e, em relação às companhias aéreas, entre os motores da GE e os produtos da Honeywell BFE/SFE‑opção nas plataformas «de múltiplos fornecedores».

410    Estas considerações excluem, em princípio, a possibilidade de vendas de produtos por pacotes puras nos casos não mencionados acima, ou seja, esta possibilidade é excluída nos casos em que não há identidade entre o cliente que selecciona o motor e o que selecciona o produto aviónico ou não aviónico em questão.

411    Por outro lado, no que diz respeito à promoção de produtos aviónicos e não aviónicos SFE‑standard nas plataformas de fornecedores múltiplos através das vendas de produtos por pacotes mistas, a decisão impugnada não contém qualquer exame do problema referido no n.° 407, supra. A Comissão limita‑se a afirmar, no considerando 349 da decisão impugnada, que «o carácter complementar dos produtos oferecidos pela GE e pela Honeywell, aliado às posições que cada uma já detém nos vários mercados, proporcionará à entidade resultante da concentração a capacidade e o incentivo economicamente racional para oferecerem pacotes de produtos ou praticarem a subvenção cruzada ao nível das vendas de produtos a ambas as categorias de clientes», remetendo quanto ao resto para a sua análise dos produtos SFE‑opção e BFE nos considerandos 350 e seguintes.

412    No que diz respeito à possibilidade de a entidade resultante da fusão, de promover os seus produtos BFE ou SFE‑opção através das vendas de produtos por pacotes mistas nas plataformas de um só fornecedor, existem igualmente dificuldades, uma vez que ela será obrigada, em princípio, em relação ao fabricante de estruturas, a fornecer o seu motor a um preço fixo, independentemente da escolha feita pelas companhias aéreas relativamente aos produtos aviónicos e não aviónicos BFE.

413    Embora resulte do considerando 391 da decisão impugnada que o facto de um preço ser fixado antecipadamente para um motor não afasta necessariamente a possibilidade de vendas de produtos por pacotes mistas, não é menos verdade que esta consideração reduz significativamente as possibilidades de vendas de produtos por pacotes mistas que incluam este motor e torna mais difícil a realização destas vendas pela entidade resultante da fusão.

414    Além disso, durante o procedimento administrativo, as partes na operação alegaram que existem igualmente problemas práticos devido ao facto de os motores para uma plataforma serem seleccionados, em princípio, numa fase precoce do processo de concepção de um novo avião, do que os produtos aviónicos e não aviónicos, mesmo SFE (v. considerando 371 da decisão impugnada). Em resposta a estes criticas, a Comissão refere, na decisão impugnada, exemplos de casos em que os motores e produtos aviónicos e não aviónicos foram seleccionados mais ou menos ao mesmo tempo (considerando 372) e conclui que «não pode, portanto, argumentar‑se que não é possível adaptar o processo de selecção dos sistemas a um calendário susceptível de permitir [as vendas de produtos por pacotes]» (considerando 373).

415    Decorre destas considerações, apresentadas pela Comissão na decisão impugnada e que a recorrente não pôs especificamente em causa no Tribunal de Primeira Instância, que as vendas de produtos por pacotes não são impossíveis devido ao calendário de selecção dos diferentes produtos. Contudo, não é menos verdade que as práticas comerciais em questão não se inscrevem naturalmente no modo de funcionamento habitual dos mercados em questão, o que implica um esforço comercial suplementar para uma empresa que queira impô‑las aos seus clientes.

416    Embora estes problemas práticos não impossibilitem, é certo, as vendas de produtos por pacotes, não é menos verdade que aumentam a dificuldade ligada à sua realização e, portanto, tornam‑na menos provável.

 Quanto às vendas de produtos por pacotes puras

417    No que diz respeito às vendas de produtos por pacotes puras, a Comissão considera que o motor ou um dos produtos aviónicos ou não aviónicos pode ser o produto vinculante, ou seja o componente indispensável ou pelo menos de primeira escolha que a entidade resultante da fusão recusaria vender independentemente dos seus outros produtos (considerando 351 e 415 da decisão impugnada).

418    Tendo presente que, pelas razões expostas anteriormente, em especial nos n.os 408 a 410, as vendas de produtos por pacotes puras só são concebíveis quando os clientes são os mesmos para cada produto, importa observar, além disso, que, nos casos em que a motorização de uma plataforma é «de fornecedores múltiplos» e que os produtos aviónicos em questão são produtos BFE ou SFE‑opção, a possibilidade de uma venda de produtos por pacotes pura é muito reduzida. Com efeito, só na hipótese de, por razões técnicas ou outras, uma companhia aérea ter uma preferência acentuada pelo motor da entidade resultante da fusão é que essa estratégia só poderia eventualmente forçar a compra de um produto aviónico ou não aviónico BFE à entidade resultante da fusão. Ora, refira‑se que a Comissão não examinou, em concreto, na decisão impugnada, quais as plataformas e/ou quais os produtos específicos em relação aos quais essa política comercial poderia ter‑se revelado eficaz.

419    Recorde‑se igualmente a este respeito a inexistência anteriormente referida, em especial no n.° 362, de uma análise dos efeitos da concentração nos mercados individuais dos produtos aviónicos e não aviónicos definidos pela Comissão. Além disso, uma vez que as preferências por um produto são, o mais frequentemente, relativas, isto é não absolutas, teria sido necessário, no âmbito desse exame, ter igualmente em consideração as eventuais consequências comerciais nefastas de tais vendas de produtos por pacotes puras, no sentido de que tal atitude poderia eventualmente dissuadir um comprador do motor da entidade resultante da fusão não obstante a sua ligeira preferência, sendo o caso, por aquele. Uma vez que a Comissão não realizou qualquer exame pormenorizado desta natureza na decisão impugnada, não demonstrou que a prática das vendas de produtos por pacotes puras teria sido viável para a entidade resultante da fusão, nos casos em que um dos seus motores instalado numa plataforma de fornecedores múltiplos fosse o produto vinculante.

420    No que diz respeito às eventuais vendas vinculadas de um motor que equipa um avião a título exclusivo assim como dos produtos aviónicos e não aviónicos SFE, a Comissão não apresentou nenhum exemplo concreto do funcionamento dos comportamentos que prevê no futuro. Mais uma vez, a falta de uma análise específica dos mercados retira à sua argumentação a precisão necessária para que possa justificar a conclusão que dela retira. Embora a Comissão tenha concluído pela existência de uma posição dominante no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte, considerou, no entanto, que existia uma certa concorrência residual nesse mercado, de tal forma que o facto de a entidade resultante da fusão «forçar» um fabricante de estruturas a seleccionar produtos aviónicos e não aviónicos SFE poderia ter consequências comerciais nefastas para ela, na medida em que este poderia, em determinados casos, ser levado a escolher o produto de outro fabricante. Uma vez que não examinou esta possibilidade na decisão impugnada, a Comissão não demonstrou que as vendas de produtos por pacotes puras teriam permitido colocar produtos SFE em plataformas de aviões comerciais de grande porte.

421    Quanto à possibilidade de alguns dos produtos aviónicos e não aviónicos da antiga Honeywell poderem servir de produto vinculante e forçar os clientes a comprar o motor da entidade resultante da fusão, a Comissão apresenta, no considerando 415 da decisão impugnada, um único exemplo concreto possível de venda de produtos por pacotes pura. Com efeito, refere o seguinte: «A entidade resultante da concentração terá capacidade para sujeitar a venda de produtos em que a Honeywell tem uma quota de mercado de 100 % (como o EGPWS) à condição de vender também o seu motor. Para obter estes produtos, as companhias aéreas não terão outra alternativa senão comprar o motor oferecido pela nova entidade.» No que diz respeito à possibilidade de exercer uma pressão similar sobre os fabricantes de estruturas, a Comissão é menos afirmativa, limitando‑se a afirmar, no considerando 416, que «a GE poderá reforçar a sua posição dominante através da oferta de pacotes ou de vendas condicionais aos fabricantes de estruturas».

422    Refira‑se, que a tese da Comissão a este respeito pressupõe que a entidade resultante da fusão estaria em posição de praticar uma forma de chantagem comercial em relação aos seus clientes recusando‑se a vender um produto aviónico essencial, mas de valor pouco elevado, a menos que estes últimos aceitassem comprar os seus motores. Embora o poder dos clientes da recorrente de resistirem a esta última no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte, tanto no que respeita aos fabricantes de estruturas como às companhias aéreas, seja limitado (v. n.os 274 e segs. supra e os considerandos 224 a 228 da decisão impugnada) e ainda mais seria em relação à entidade resultante da fusão na sequência da operação de concentração, a Comissão não demonstrou, no caso vertente, que estes clientes teriam perdido qualquer poder residual de resistir à imposição de tal prática.

423    No que diz respeito ao produto específico mencionado pela Comissão a este respeito, a saber, os EGPWS, resulta dos considerandos 253 a 256 que existiam outros produtos que podiam substituir o da antiga Honeywell. A Comissão constata que nenhum destes produtos foi vendido em quantidades significativas no mercado e refere que, segundo a Thales, a falta de uma reputação estabelecida para o seu produto mostrou ser uma barreira poderosa à sua entrada neste mercado. Contudo, na hipótese de a entidade resultante da fusão adoptar a atitude comercial extrema constituída pela prática da venda de produtos por pacotes pura, a saber, na realidade, a ameaça de uma recusa de venda, os clientes poderiam preferir utilizar um outro produto, mesmo inferior, em vez do EGPWS da antiga Honeywell, a aceitar um motor que não é o da sua escolha. De qualquer forma, incumbia à Comissão considerar esta possibilidade. Em especial, a Comissão não afastou a possibilidade de que os clientes seleccionassem o sistema TAWS (Terrain Avoidance Warning System) da Universal Avionics, como fez a empresa Airborne em Janeiro de 2001, limitando‑se a afirmar que, segundo a Rockwell Collins, a Universal Avionics não se associou a ela para obter este contrato (considerando 256). Esta última circunstância não é pertinente em relação à questão de saber se o produto da Universal Avionics constituiria uma alternativa viável ao da Honeywell.

424    Por último, em conformidade com o acórdão Tetra Laval/Comissão, n.° 58 supra, confirmado a este respeito pelo Tribunal de Justiça, em recurso, no seu acórdão Comissão/Tetra Laval, n.° 60 supra, a Comissão devia igualmente ter em conta o eventual impacto, nos mercados em causa, do efeito potencialmente dissuasivo da proibição dos abusos de posição dominante enunciada no artigo 82.° CE.

425    Tendo em conta o carácter extremo, numa perspectiva comercial, dos comportamentos atrás descritos que teriam sido necessários à realização de uma estratégia baseada nas vendas de produtos por pacotes puras no caso vertente, incumbia à Comissão tomar em consideração o impacto potencial da proibição dos abusos de posição dominante em direito comunitário, sobre a incitação da entidade resultante da fusão a adoptar essa prática. Uma vez que não o fez, cometeu um erro de direito em consequência do qual a sua análise está falseada e, portanto, ferida de um erro manifesto de apreciação.

426    Atento ao exposto, a Comissão não demonstrou suficientemente que a entidade resultante da fusão teria recorrido às vendas de produtos por pacotes puras, na sequência da concentração, e a sua análise está ferida de vários erros manifestos de apreciação a este respeito.

 Quanto às vendas de produtos por pacotes técnicas

427    No que diz respeito às vendas de produtos por pacotes técnicas, a Comissão baseia‑se na integração entre os diferentes produtos aviónicos e no futuro desenvolvimento do projecto de «motor de avião mais eléctrico» (More Electrical Aircraft Engine, v. considerando 291 da decisão impugnada), admitindo ela própria que «ainda não existe uma integração explícita do motor e dos sistemas». Observa que deve pensar‑se que uma tal integração se produzirá «num futuro próximo», no âmbito do referido projecto, mas não fornece pormenores sobre este programa nem indica a data até à qual esta integração é, em seu entender, previsível. Contudo, baseia‑se exclusivamente no futuro desenvolvimento deste projecto para concluir que a eliminação da Honeywell, enquanto parceiro potencial de inovação, reforçará ainda mais a posição dominante da recorrente no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte (considerandos 417 e 418 da decisão impugnada).

428    Esta simples descrição de uma evolução possível do mercado, sem apresentação, ainda que sumária, dos pormenores do projecto que tornaria esta evolução provável, não é suficiente para demonstrar que a tese da Comissão sobre esta matéria está correcta.

429    Segundo o acórdão Tetra Laval/Comissão, n.° 58 supra (n.os 155 e segs.), confirmado pelo Tribunal de Justiça, em recurso, a este respeito, no seu acórdão Comissão/Tetra Laval, n.° 60 supra (n.os 39 e segs.), cabe à Comissão demonstrar, quanto à evolução futura do mercado, com base em provas sólidas e com um grau de probabilidade suficiente, não só que um eventual comportamento que ela prevê terá lugar num futuro relativamente próximo, mas que, além disso, este comportamento levará à criação ou ao reforço de uma posição dominante num futuro relativamente próximo, o que ela não fez no caso vertente. A inexistência de uma análise detalhada das ligações técnicas susceptíveis de serem criadas entre os motores, por um lado, e os produtos aviónicos e não aviónicos, por outro, assim como o impacto provável destas ligações, em termos de evolução dos diferentes mercados presentes, comprometem igualmente a credibilidade da tese da Comissão. Não basta que a Comissão apresente uma série de etapas lógicas, mas hipotéticas, cuja realização prática receia tenha consequências nefastas para a concorrência numa série de mercados diferentes. Pelo contrário, incumbe‑lhe analisar especificamente a evolução provável de cada mercado no qual pretende demonstrar a criação ou o reforço de uma posição dominante devido à operação notificada, apoiando‑se em provas sólidas.

430    Atento ao exposto, a Comissão não demonstrou de forma adequada que a entidade resultante da fusão teria tido a capacidade material, no dia seguinte ao da concentração, ou até num futuro relativamente próximo, de vincular as vendas dos seus produtos aviónicos e/ou não aviónicos às dos seus motores mediante imposição de exigências técnicas.

 Quanto às vendas de produtos por pacotes mistas

431    No que diz respeito às vendas de produtos por pacotes mistas, importa observar que, sem prejuízo das observações feitas nos n.os 408 a 411 supra sobre a identidade do cliente, e das constantes dos n.os 414 e 415 acerca do calendário de encomenda dos diferentes componentes de um avião, a entidade resultante da fusão teria podido, em determinados casos e para determinados produtos, propor preços menos elevados para uma série de produtos na condição de serem todos seleccionados. Com efeito, um operador económico pode sempre, em princípio, fazer uma oferta global que vincula vários produtos que são normalmente vendidos em separado.

432    Contudo, essa oferta só produzirá efeitos económicos no mercado na medida em que os clientes a aceitem e, em especial, não exijam a decomposição desta, produto por produto. Incumbia, assim, à Comissão demonstrar que a entidade resultante da fusão teria podido insistir no respeito do carácter agrupado das suas ofertas aos seus clientes. Além disso, conforme atrás referido, cabia à Comissão demonstrar que era provável que a entidade resultante da fusão adoptasse esta possibilidade de praticar vendas de produtos por pacotes.

433    Recorde‑se que, no acórdão Tetra Laval/Comissão, n.° 58 supra, o Tribunal de Primeira Instância se exprimiu de forma relativamente estrita sobre a questão de saber quais as provas que a Comissão deve produzir se utilizar, como elemento da sua análise, o facto de que uma empresa adoptará, no futuro, um dado comportamento, de modo a criar uma posição dominante, considerando que, neste caso, lhe cabe apresentar «provas sólidas» (v., em especial, n.os 154 e segs. do acórdão). Conforme referiu o Tribunal de Justiça ao confirmar, em recurso, esta parte do acórdão, o Tribunal de Primeira Instância não acrescentou, de modo nenhum, uma condição relativa ao grau de prova exigido pelo facto de ter utilizado estes termos, tendo simplesmente recordado a função essencial da prova, que é a de convencer da justeza de uma tese ou, como no caso vertente, de uma decisão em matéria de concentrações (acórdão Comissão/Tetra Laval, n.° 60 supra, n.° 41).

434    No caso vertente, a Comissão utilizou, no essencial, três tipos de raciocínio distintos na decisão impugnada, para demonstrar a probabilidade de a entidade resultante da concentração praticar realmente vendas de produtos por pacotes mistas.

435    Em primeiro lugar, afirma que, práticas análogas àquelas que ela prevê já foram utilizadas nos mercados em causa no passado, designadamente pela Honeywell (v., designadamente, considerandos 361 a 370 da decisão impugnada). Refira‑se igualmente, neste contexto, que a Comissão considera pertinentes, a este respeito, a «posição forte da Honeywell na área da integração de produtos» (considerandos 289 a 292 da decisão impugnada) e a «posição forte da Honeywell ao nível da oferta de pacotes» (considerandos 293 a 297 da decisão impugnada).

436    Em segundo lugar, alega que resulta de teorias económicas consolidadas, designadamente dos «efeitos Cournot» (v., designadamente, considerandos 374 a 376 da decisão impugnada), que a entidade resultante da fusão seria economicamente incitada a exercer as práticas previstas pela Comissão, sem que seja necessário basear‑se num modelo económico específico a este respeito.

437    Em terceiro lugar, a Comissão alega que o objectivo estratégico da entidade resultante da fusão será aumentar o seu poder nos diferentes mercados onde está presente e que, tendo em conta esta vontade, a prática de vendas de produtos por pacotes será para ela um comportamento racional em termos económicos e, portanto, um comportamento provável (v., em especial, considerandos 353, 379, 391 e 398 da decisão impugnada). Em resposta a uma questão escrita do Tribunal de Primeira Instância, a Comissão indicou, na audiência, que se baseava no efeito combinado do incentivo resultante, em seu entender, da situação comercial da recorrente e da opção estratégica da entidade resultante da fusão.

438    Estes três tipos de raciocínio utilizados pela Comissão nesta parte da decisão impugnada serão, a seguir, sucessivamente examinados.

–       Quanto às práticas anteriores

439    No que diz respeito às práticas anteriores, note‑se, em primeiro lugar, que os exemplos apresentados pela Comissão se referem essencialmente às vendas de produtos por pacotes, alegadamente praticadas pela Honeywell, de produtos aviónicos e não aviónicos (v., em especial, examinados 362 a 365 e 367 da decisão impugnada). Mesmo supondo que estes exemplos estão suficientemente demonstrados, são pouco pertinentes para demonstrar a existência provável da capacidade da entidade resultante da fusão, na sequência da operação, para agrupar as vendas de motores com as de produtos aviónicos e não aviónicos, e do incentivo comercial a fazê‑lo. Com efeito, está assente que o preço do motor é claramente mais elevado do que o de cada componente aviónica ou não aviónico, pelo que a dinâmica comercial de uma venda por pacote mista é muito diferente, consoante se trate unicamente de produtos aviónicos e não aviónicos, por um lado, ou destes produtos e de um motor, por outro. Por conseguinte, não se pode demonstrar, com base em exemplos relativos a produtos unicamente aviónicos e não aviónicos, que, na sequência da operação de concentração, as vendas de produtos por pacotes mistas que também incluíssem motores teriam sido praticáveis e comercialmente vantajosas para a entidade resultante da fusão.

440    O único exemplo concreto apresentado pela Comissão de uma venda de produtos por pacote, que incluía simultaneamente um motor e produtos aviónicos e não aviónicos, refere‑se ao […], um avião executivo (v. considerando 368 da decisão impugnada). Contudo, a própria Comissão admite, na última frase do considerando 368, que o fabricante de estruturas em questão […] Assim, este exemplo, conforme apresentado na decisão impugnada, não demonstra que a Honeywell tenha podido praticar vendas de produtos por pacotes que incluíssem motores para aviões executivos e produtos aviónicos e não aviónicos, de maneira efectiva. Pelo contrário, o facto de […] constitui a própria negação da tese da Comissão a este respeito.

441    A Comissão refere igualmente, nos considerandos 366 e 367 da decisão impugnada, que a possibilidade para a Honeywell de praticar vendas de produtos por pacotes extensivas, que incluíam simultaneamente motores e produtos aviónicos e não aviónicos, só recentemente surgiu, designadamente depois da fusão entre a Honeywell e a AlliedSignal em 1999. Embora esta circunstância possa explicar o motivo pelo qual a Comissão só conseguiu encontrar um único exemplo de tais vendas de produtos por pacotes, não pode suprir a falta de exemplos convincentes com base nos quais o Tribunal de Primeira Instância poderia eventualmente concluir que as práticas anteriores demonstravam a probabilidade de práticas similares no futuro.

442    Além disso, existem diferenças significativas entre o sector dos aviões comerciais de grande porte, no qual a concentração permitiria à entidade resultante da fusão praticar vendas de produtos por pacotes, pela primeira vez, no futuro, e o dos aviões executivos, designadamente na medida em que os primeiros são por vezes plataformas «de fornecedores múltiplos» no que diz respeito aos motores, caso em que o cliente do fabricante de motores é a companhia aérea, enquanto que os aviões executivos são sempre plataformas «de um só fornecedor», em cujo caso o cliente é o fabricante de estruturas.

443    Tendo em conta as observações anteriores, os exemplos apresentados pela Comissão relativos às práticas anteriores da Honeywell não demonstram que era provável que a entidade resultante da fusão teria praticado vendas de produtos por pacotes mistas que incluíssem, por um lado, os motores da antiga GE e, por outro, produtos aviónicos e não aviónicos da antiga Honeywell, na sequência da operação de concentração.

–       Quanto às análises económicas

444    Quanto à segunda vertente do raciocínio da Comissão, relativa aos modelos económicos, a recorrente refere que a Comissão se baseou, na CA, no modelo Choi, segundo o qual uma empresa como a entidade resultante da fusão, com uma carteira de produtos importante, teria a capacidade e o interesse necessários para praticar vendas de produtos por pacotes mistas. Por outro lado, sustenta que, posteriormente, a Comissão abandonou este modelo na decisão impugnada. Em contrapartida, a Comissão afirma perante o Tribunal de Primeira Instância que não adoptou nem rejeitou este modelo, considerando que a incitação no sentido de a entidade resultante da fusão praticar vendas de produtos por pacotes, na sequência da concentração, resulta, de qualquer forma, dos termos da decisão impugnada (v., em especial, os considerandos 374 a 376 da decisão impugnada sobre os «efeitos Cournot»).

445    Refira‑se, a este respeito, que a Comissão afirmou, no considerando 352 da decisão impugnada, que não era necessário basear‑se num ou noutro dos modelos apresentados durante o procedimento administrativo. Além disso, o auditor observou no seu relatório que a Comissão já não se baseava, no seu projecto de decisão, no modelo Choi.

446    Por outro lado, a Comissão não fez referência, na decisão impugnada, ao modelo Choi, salvo de forma indirecta, na medida em que refere, no considerando 352, que «[a]s várias análises económicas apresentadas deram azo a uma controvérsia teórica, em particular no que se refere ao modelo económico [das vendas de produtos por pacotes mistas] preparado por um dos terceiros em causa». Em contrapartida, conforme refere a recorrente, a Comissão tinha exposto pormenorizadamente, na CA, o conteúdo do modelo Choi e tinha invocado expressamente este modelo como um elemento de prova em apoio da sua tese quanto ao comportamento futuro da entidade resultante da fusão e às consequências económicas desta. Nestas condições, embora a Comissão não tenha reconhecido que o modelo Choi carecia de valor probatório, não se baseou, na decisão impugnada, neste modelo, de forma positiva. Por conseguinte, há que considerar, para efeitos do presente processo, que a decisão impugnada não é apoiada por nenhum modelo económico que analise, com base nos dados específicos do caso vertente, as consequências prováveis da operação notificada.

447    Importa, assim, examinar se, na falta de tal modelo económico, a Comissão demonstrou que a entidade resultante da fusão teria sido incitada, na sequência da operação de concentração, a praticar vendas de produtos por pacotes mistas.

448    Nos considerandos 349 a 355 da decisão impugnada, onde a Comissão expõe o mecanismo através do qual as vendas de produtos por pacotes criam posições dominantes nos mercados dos produtos aviónicos e não aviónicos, a Comissão limita‑se, no essencial, a explicar os motivos pelos quais, em seu entender, a entidade resultante da fusão podia praticar vendas de produtos por pacotes na sequência da operação. Assim, faz referência, no que diz respeito aos produtos SFE‑standard, à «capacidade da nova entidade para oferecer pacotes de produtos aos fabricantes de estruturas» (considerando 349). Quanto aos produtos BFE e SFE‑opção, afirma que a entidade resultante da fusão «poderá oferecer um pacote de produtos que nunca foi possível oferecer no mercado anteriormente e com o qual nenhum concorrente poderá competir só por si» (considerando 350), que poderá «promover a selecção de produtos BFE e SFE‑opção da Honeywell, vendendo‑os como parte de um pacote mais alargado que inclua os motores e outros serviços da GE» (considerando 350) e que «poderá fixar os preços dos seus pacotes de produtos de modo a levar os clientes a comprarem motores da GE e produtos BFE e SFE‑opção da Honeywell e não os dos seus concorrentes» (considerando 353).

449    Quando a Comissão se refere, nos referidos considerandos 349 a 355, à incitação, por oposição à simples capacidade, da entidade resultante da fusão a adoptar estas práticas, não é apresentada nenhuma prova ou análise susceptível de demonstrar a probabilidade real de que tal incitação exista na sequência da operação de concentração. Assim, a Comissão limita‑se a afirmar, no considerando 349, que «o carácter complementar dos produtos oferecidos pela GE e pela Honeywell, aliado às posições que cada uma já detém nos vários mercados, proporcionará à entidade resultante da concentração a capacidade e o incentivo economicamente racional para oferecerem pacotes de produtos ou praticarem a subvenção cruzada ao nível das vendas de produtos a ambas as categorias de clientes» sem explicar o motivo pelo qual considera que estas circunstâncias são suficientes para dar lugar a essa incitação. No considerando 354, refere que «os incentivos para a entidade resultante da concentração vender pacotes de produtos poderão mudar no curto a médio prazo, por exemplo quando forem desenvolvidas novas gerações de plataformas e de equipamento para aeronaves», sem, no entanto, expor quais seriam as causas destas incitações, nem quais seriam as diferenças entre estas, antes ou depois da evolução antecipada.

450    Assim, o exposto nos considerandos 349 a 355 não demonstra que a entidade resultante da fusão seria incitada a praticar vendas de produtos por pacotes mistas na sequência da operação de concentração. Contudo, a Comissão apresenta outras considerações sob a epígrafe «(2) Argumento das partes sobre a oferta de pacotes». Em especial, uma secção incluída neste título é, por sua vez, intitulada «O efeito de Cournot da[s vendas de produtos por pacotes]». O conceito de «efeitos Cournot» é uma teoria económica que descreve, no essencial, as vantagens para uma empresa que vende uma vasta gama de produtos, em comparação com os seus concorrentes cuja gama é mais restrita, devido ao facto de, apesar de propor reduções sobre todos os produtos da gama, reduzindo, assim, a sua margem de lucro sobre cada um deles, beneficiar, contudo, no entanto, de forma global, pelo facto de vender uma quantidade mais importante de todos os produtos da sua gama.

451    Nos considerandos 374 a 376, que figuram sob esta epígrafe, a Comissão responde, no essencial, a argumentos das partes notificantes segundo os quais «os seus incentivos para reduzirem os preços dos respectivos produtos eram poucos na medida em que a procura de aeronaves é relativamente não elástica quanto aos preços dos motores e dos componentes e ainda que o preço global de uma aeronave é apenas um dos muitos factores que uma companhia aérea considera ao decidir comprar mais aeronaves».

452    Tendo referido, no considerando 375, que não defende que a procura de equipamento e componentes para aeronaves seja totalmente «não elástica», a Comissão prossegue, afirmando, no considerando 376 que, de qualquer forma, a procura dos produtos por parte das entidades individualmente consideradas é efectivamente elástica. Daí infere que, «mesmo que [a prática de vendas de produtos por pacotes] não afectasse o volume agregado da procura de aeronaves ou de motores e componentes, a agregação levaria a uma redistribuição das quotas de mercado e, portanto, a uma redistribuição das mesmas a favor da entidade resultante da concentração».

453    Decorre deste raciocínio que, segundo a Comissão, a entidade resultante da fusão teria sido incitada a praticar vendas de produtos por pacotes mistas, na sequência da operação de concentração, por força do efeito Cournot, independentemente de a procura, ao nível do mercado de cada produto que equipa as aeronaves, ser ou não elástica. Contudo, conforme afirma o gabinete Frontier Economics, contratado pela Rolls‑Royce no caso vertente, no seu boletim de concorrência de Agosto de 2001 anexo à petição, uma demonstração baseada nos efeitos Cournot pressupunha uma análise empírica detalhada, tanto da amplitude das reduções dos preços e dos movimentos de vendas esperados, como dos custos e dos benefícios marginais dos diferentes operadores do mercado.

454    Importa referir, igualmente, que a própria Comissão parece ter considerado, na fase do procedimento administrativo, que tal demonstração exigia uma análise económica. Com efeito, os n.os 526 a 528 da CA são idênticos aos considerandos 374 a 376 da decisão impugnada, excepto na parte em que, na nota de rodapé n.° 175 da CA, para a qual se remete no final do n.° 528 desta, onde a Comissão refere que o Professor Choi tinha elaborado um modelo que analisava a hipótese de a procura dos produtos em causa ser inelástica, da qual resultava que as vendas de produtos por pacotes podiam ter efeitos anticoncorrenciais.

455    Por outro lado, a recorrente invoca os relatórios de outros economistas, em especial os dos Professores Nalebuff, Rey e Shapiro, anexos à resposta à CA e à petição, que indicam, no essencial, que a entidade resultante da fusão não teria provavelmente sido incitada, na sequência da operação notificada, a praticar vendas de produtos por pacotes mistas, pelo menos de forma significativa, contrariamente à conclusão do Professor Choi. Em especial, os Professores Nalebuff e Rey criticam as suposições de que parte o Professor Choi quanto à natureza do mercado, e o Professor Rey refere, designadamente, que o modelo Choi podia, validamente, em função das suas próprias restrições em termos de parâmetros, levar a resultados divergentes, em função da série de parâmetros de partida utilizados.

456    Pode concluir‑se, sem que seja necessário apreciar em pormenor, no âmbito do presente processo, se as conclusões a que chegaram os diferentes economistas têm fundamento, ou o peso relativo da análise dos Professores Nalebuff, Rey e Shapiro em relação à do Professor Choi, que a questão de saber se os efeitos Cournot teriam incitado a entidade resultante da fusão a praticar vendas de produtos por pacotes mistas no caso vertente, é controversa. A conclusão da Comissão quanto à probabilidade da existência dessa incitação não decorre certamente, de forma directa e inevitável, da teoria económica dos efeitos Cournot.

457    Por outro lado, uma outra consideração, respeitante às modalidades de adopção da prática de vendas de produtos por pacotes, opõe‑se a que a tese da Comissão possa ser demonstrada por referência aos efeitos Cournot no caso vertente.

458    A este respeito, a recorrente referiu, com razão, na fase do procedimento administrativo, assim como no Tribunal de Primeira Instância, que a Snecma não teria tido nenhum interesse em sacrificar uma parte dos seus benefícios ao conceder reduções de preços, a fim de promover as vendas de produtos da antiga Honeywell, pelo que as vendas de produtos por pacotes mistas que incluíssem motores da CFMI teriam sido impossíveis. A Comissão não teve em conta, de forma adequada, na decisão impugnada, o impacto comercial que esta circunstância teria necessariamente sobre as incitações da entidade resultante da fusão, na sequência da operação, a praticar vendas de produtos por pacotes no considerando 393 da decisão impugnada, no qual referiu que «não há qualquer razão para a SNECMA, que não compete com a GE como fabricante independente de motores, não privilegiar esse tipo de prática».

459    Se a Snecma aceitasse reduzir o preço de venda de um motor CFMI para aumentar a venda de produtos por pacote que incluísse este motor e produtos aviónicos e não aviónicos fabricados pela entidade resultante da fusão, só lucraria com esta prática na medida em que as suas vendas de motores aumentassem. Assim, não se verificariam os efeitos Cournot que serviriam para aumentar os benefícios da Snecma sobre o conjunto de uma gama de produtos. Se o fenómeno dos efeitos Cournot constitui, segundo a tese da Comissão, a prova da existência de incitação à prática das vendas de produtos por pacotes, há que concluir que este raciocínio não pode justificar a sua conclusão, no considerando 393 da decisão impugnada, segundo a qual, a este respeito, a Snecma teria tido o mesmo interesse comercial que a entidade resultante da fusão.

460    Assim, as reduções sobre o preço do motor propostas aos clientes no âmbito das ofertas de produtos por pacotes mistas que incluíssem um motor CFMI, deveriam, em princípio, ser exclusivamente financiadas pela GE. Por outras palavras, o montante correspondente ao valor absoluto de tal redução deveria ser deduzido em cerca de metade do preço de um motor CFMI devido à GE, em razão da sua participação na empresa comum, uma vez que a Snecma não teria um interesse comercial comparável ao da GE em participar no financiamento de tal redução de forma significativa. Assim, a «alavanca» de que teria disposto a entidade resultante da fusão, no mercado de motores a reacção para os aviões comerciais de grande porte, para promover as suas vendas de produtos por pacotes, seria, em princípio, mais pequena no caso dos motores da CFMI do que seria no caso de motores fabricados só pela GE.

461    Consequentemente, as ofertas de produtos por pacotes mistas que incluíssem motores CFMI teriam sido nitidamente menos rentáveis comercialmente, do ponto de vista da entidade resultante da fusão do que se a recorrente fosse o seu único fabricante. Mesmo supondo que a existência de um efeito Cournot tivesse podido ser demonstrada no caso vertente para as propostas de produtos por pacotes mistas que incluíssem motores da antiga GE, teria sido necessário que a Comissão fizesse uma análise separada, que tivesse em conta o factor apontado no número anterior, a fim de determinar se tal efeito existiu no caso das vendas de produtos por pacotes mistas que incluíram motores CFMI.

462    Tendo em conta as considerações anteriores, a breve invocação pela Comissão do conceito de efeitos Cournot, na decisão impugnada, não permite concluir, na falta de uma análise económica detalhada que aplique esta teoria às circunstâncias específicas do caso vertente, que a prática das vendas de produtos por pacotes mistas pela entidade resultante da concentração teria sido provável na sequência da operação de concentração. Com efeito, a Comissão só podia produzir provas convincentes na acepção do acórdão Tetra Laval/Comissão, n.° 58 supra, baseando‑se nos efeitos Cournot, se demonstrasse a sua aplicabilidade a este caso específico. Assim, através da simples descrição dos condições económicas que existiriam no mercado na sequência da fusão, a Comissão não conseguiu demonstrar, com um grau de probabilidade suficiente, que a entidade resultante da concentração teria recorrido às vendas de produtos por pacotes mistas na sequência da concentração.

–       Quanto ao carácter estratégico dos comportamentos previstos

463    Em terceiro lugar, a Comissão alega no Tribunal de Primeira Instância que a sua descrição das vendas de produtos por pacotes e da probabilidade que elas sejam realmente adoptadas deve ser entendida à luz do facto de que a entidade resultante da fusão se servirá da sua capacidade de propor ofertas de produtos por pacotes, de forma estratégica, como «alavanca», especificamente com o objectivo de marginalizar os seus concorrentes. A recorrente considera que esta interpretação da decisão impugnada é «inadmissível» pelo facto de se tratar de uma explicação apresentada pela primeira vez no Tribunal de Primeira Instância. No essencial, o que ela censura à Comissão é uma tentativa de substituição dos fundamentos na fase do processo judicial. Basta referir, a este respeito, que a Comissão afirmou, na decisão impugnada, que a entidade resultante da fusão utilizaria a sua capacidade para agrupar as vendas de forma estratégica a fim de excluir os seus concorrentes, designadamente pela prática de subvenções cruzadas (v., em especial, considerandos 353, 379, 391 e 398). Importa, assim, examinar os outros argumentos apresentados pela recorrente.

464    A este respeito, recorde‑se, em primeiro lugar que, no seu acórdão Comissão/Tetra Laval, n.° 60 supra, o Tribunal de Justiça decidiu, como o Tribunal de Primeira Instância, que, quando a Comissão se baseia num comportamento futuro que, em seu entender, será adoptado por uma entidade resultante de uma fusão na sequência de uma operação de concentração, cabe‑lhe demonstrar, com base em provas sólidas e com um grau de probabilidade suficiente, que este comportamento se produzirá realmente (v., igualmente, n.° 64 supra).

465    No caso vertente, foi já anteriormente observado no n.° 461 (v., igualmente, n.° 432), que a Comissão não demonstrou, por referência às circunstâncias comerciais e económicas objectivas do processo, que seria necessariamente do interesse da entidade resultante da fusão praticar vendas de produtos por pacotes mistas, na sequência da operação de concentração. Assim, no plano comercial, várias estratégias teriam sido abertas à entidade resultante da fusão na sequência da operação de concentração. Embora a escolha estratégica antecipada pela Comissão tenha sido, efectivamente, uma das opções ao seu dispor, a maximização dos lucros a curto prazo, através da obtenção da maior margem de lucro possível em cada produto individual, teria sido igualmente uma opção possível.

466    Consequentemente, não tendo ficado suficientemente demonstrado que a entidade resultante da fusão tinha um incentivo económico, incumbia à Comissão apresentar na decisão impugnada outras provas que permitissem concluir que a entidade resultante da fusão faria a escolha estratégica de sacrificar lucros a curto prazo a fim de aumentar a sua quota de mercado a expensas dos seus concorrentes, com o objectivo de recolher lucros mais importantes no futuro. Por exemplo, documentos internos que demonstrassem que era esse o objectivo da direcção da recorrente no momento do lançamento do projecto de aquisição da Honeywell teriam podido, sendo o caso, constituir essa prova. Há que concluir, em conformidade com as alegações da recorrente neste sentido, que a Comissão não apresentou, a este respeito, nenhuma prova susceptível de demonstrar que a entidade resultante da fusão faria realmente esta escolha estratégica. Com efeito, limita‑se a afirmar, na decisão impugnada, que a entidade resultante da fusão teria tido a capacidade de propor a sua oferta de produtos por pacotes a um preço estratégico ou de praticar subvenções cruzadas, ou que teria realmente recorrido a estas práticas, sem indicar os motivos que justificam esta afirmação (v., em especial, considerandos 353, 379, 391 e 398). Contudo, o facto de a entidade resultante da fusão ter podido fazer essa escolha estratégica não basta para demonstrar que o teria realmente feito e que, consequentemente, teria sido criada uma posição dominante nos diferentes mercados de produtos aviónicos e não aviónicos.

467    Por último, no Tribunal de Primeira Instância, a Comissão referiu que era necessário tomar em consideração a finalidade estratégica do comportamento futuro da recorrente, por ela previsto, a fim de apreciar a probabilidade deste comportamento. Embora tal argumentação pudesse eventualmente explicar o facto de a Comissão não se ter baseado especificamente num modelo económico, não pode suprir a falta de provas quanto à adopção provável pela recorrente de uma política comercial com essa finalidade estratégica.

468    Acresce que, segundo o acórdão Tetra Laval/Comissão, n.° 58 supra, a Comissão deveria, efectivamente, ter tomado em consideração o efeito dissuasivo que poderia ter para uma entidade resultante de uma fusão a possibilidade de serem impostas sanções por um abuso de posição dominante, por força do artigo 82.° CE (v. n.os 70 e segs. supra). O facto de não se ter tido em conta esse efeito na decisão impugnada afecta, por maioria de razão, a sua apreciação sobre as vendas de produtos por pacotes mistas.

469    Atentas as observações anteriores, há que concluir que o raciocínio da Comissão baseado na adopção, no futuro, de uma política comercial «estratégica» não pode ser acolhido, por falta de provas convincentes da probabilidade dessa hipótese.

 Conclusão

470    Resulta das considerações anteriores que a Comissão não demonstrou suficientemente que, na sequência da operação de concentração, a entidade resultante da fusão teria praticado vendas por pacotes que incluíssem simultaneamente motores da antiga GE e produtos aviónicos e não aviónicos da antiga Honeywell. Na falta de tais vendas, o simples facto de que esta entidade teria tido uma gama de produtos mais vasta do que os seus concorrentes não é suficiente para justificar a conclusão de que teria sido criada ou reforçada uma posição dominante desta nos diferentes mercados em causa.

471    Tendo em conta a conclusão do número anterior, não é necessário examinar a argumentação da recorrente relativa à exclusão dos concorrentes do mercado, alegada pela Comissão, uma vez que as conclusões desta sobre as vendas de produtos por pacotes não estão, de qualquer forma, suficientemente demonstradas.

472    Também não é necessário examinar o tratamento pela Comissão dos compromissos relativos a este aspecto do processo, em especial a rejeição pela Comissão do compromisso de comportamento relativo às vendas de produtos por pacotes. Além disso, uma vez que também não há que examinar os compromissos estruturais que afectam as actividades da Honeywell nos diferentes mercados de produtos aviónicos e não aviónicos, nem o compromisso relativo ao comportamento futuro da GECAS (n.° 365 supra), a questão de saber qual das duas séries de compromissos devia ser tida em conta pela Comissão deixa de ser pertinente. Com efeito, conforme referido no n.° 50, as únicas diferenças entre as duas séries de compromissos referiam‑se a estes dois aspectos dos compromissos propostos pelas partes notificantes.

473    Há que concluir que a Comissão incorreu num erro manifesto de apreciação ao considerar que a prática futura, pela entidade resultante da fusão, de vendas de produtos por pacotes levaria à criação ou ao reforço de posições dominantes nos mercados dos produtos aviónicos e não aviónicos ou ao reforço da posição dominante preexistente da GE nos mercados dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte.

E –  Quanto às sobreposições horizontais

474    A recorrente considera, no que diz respeito aos fundamentos da decisão impugnada relativos às sobreposições horizontais dos produtos das partes na concentração destinados aos motores a reacção de aviões regionais de grande porte, aos motores a reacção para aviões executivos e às pequenas turbinas de gás marítimas, que a Comissão concluiu erradamente pela criação ou reforço de posições dominantes com efeitos anticoncorrenciais.

1.     Quanto aos motores a reacção de aviões regionais de grande porte

475    Segundo a recorrente, a análise pela Comissão da sobreposição horizontal relativa aos motores a reacção para aviões regionais de grande porte está viciada por dois erros fundamentais, a saber, o de ter considerado que os motores para aviões regionais de grande porte da recorrente e os da Honeywell pertenciam ao mesmo mercado e, de qualquer modo, o de não ter apreciado correctamente o impacto da concentração no mercado destes motores.

a)     Argumentos das partes

 Quanto à definição do mercado e à existência de uma posição dominante preexistente no mercado pertinente

476    A recorrente considera que não estava em posição dominante no mercado dos motores a reacção para aviões regionais de grande porte antes da concentração.

477    Recorda que a definição adequada do mercado em causa é uma condição prévia necessária a qualquer apreciação do efeito de uma operação de concentração sobre a concorrência (acórdão do Tribunal de Justiça de 31 de Março de 1998, França e o./Comissão, C‑68/94 e C‑30/95, Colect., p. I‑1375). Segundo a Comunicação da Comissão relativa à definição de mercado relevante para efeitos do direito comunitário da concorrência (JO 1997, C 372, p. 5, n.° 13, a seguir «comunicação relativa à definição do mercado»), os factores essenciais a ter em conta na definição de um mercado são a substituibilidade ao nível da procura e a substituibilidade ao nível da oferta, os quais devem ser estabelecidos com base em provas empíricas. A Comissão não aplicou as disposições desta comunicação no caso vertente.

478    Em matéria de motores de aviões, conforme declarou a Comissão na sua decisão Engine Alliance, cada «família» de motores representa, grosso modo, uma série única de propulsão, de peso e de outras características de desempenho que a qualifica para uma plataforma determinada. Ora, os motores de aviões da GE eram muito mais potentes, pesados e complexos do que os motores da Honeywell.

479    O único elemento que permite supor uma substituibilidade entre os motores da GE e os da Honeywell é o facto de determinados compradores dos Avro, equipados com motores desta última, poderem comprar outros aviões equipados com motores GE. Este tipo de substituibilidade indirecta, «de segundo nível», pressupõe que a Comissão explique esta nova metodologia, em que medida esta substituibilidade de segundo grau é significativa e de que modo levaria à exclusão dos concorrentes. Além disso, em conformidade com a comunicação relativa à definição do mercado, cabe à Comissão fornecer provas empíricas dessa substituição, o que ela não fez no caso presente.

480    A recorrente alega que, de qualquer modo, as quotas de mercado são de utilidade limitada para apreciar uma posição dominante num mercado sujeito a concursos como o dos motores a reacção para os aviões regionais de grande porte. Sustenta que não estava em posição dominante nesse mercado antes da concentração, uma vez que não se podia comportar de forma independente em relação aos seus concorrentes antes da concentração.

481    A Comissão recorda as conclusões da decisão segundo as quais, em termos de motores instalados e de carteira de encomendas dos aviões regionais de grande porte, a GE ocupa uma posição dominante. A GE e a Honeywell reunidas teriam 100% da quota de mercado dos motores dos aviões que ainda não entraram em funcionamento e [90 a 100]% dos motores instalados. Esse monopólio ou quase‑monopólio não pode ser atacado num futuro previsível, designadamente através das vendas de produtos por pacotes puras ou técnicas.

 Quanto aos efeitos da concentração no mercado em causa

482    Segundo a recorrente, mesmo supondo que existe um mercado único para os motores a reacção para aviões regionais de grande porte, a Comissão reconheceu que, no que diz respeito às plataformas existentes, «o aumento da quota de mercado resultante da concentração [é] relativamente reduzido» (decisão impugnada, considerando 429). Contudo, de forma contraditória, a Comissão mantém que a concentração impede a concorrência através dos preços. Ora, a Comissão não fornece nenhum exemplo de concorrência entre os motores da GE e da Honeywell, nem de prova do impacto da concentração no mercado, ao passo que a produção do Avro não é superior a 20 unidades por ano equipadas com motores da Honeywell.

483    Os elementos nos quais a Comissão se baseia não são pertinentes. As vantagens resultantes da posição nesse mercado são insignificantes devido à produção reduzida do Avro. Apoiando‑se na existência da GE Capital e da GECAS, a Comissão baseia‑se nos elementos utilizados para demonstrar uma posição dominante, a fim de provar o seu reforço.

484    No que diz respeito às plataformas futuras, a Comissão não fornece nenhuma prova de um enfraquecimento da concorrência. Por um lado, a GE e a Honeywell já não podem competir entre si. Por outro lado, a Rolls‑Royce e a P & W são concorrentes credíveis, como mostram os exemplos constituídos pelos aviões da AI(R), da Embraer e da Fairchild Dornier. A Comissão limitou‑se, a este respeito, a repetir os seus argumentos relativos às vendas de produtos por pacotes mistas, às subvenções cruzadas e à integração vertical.

485    A Comissão considera que a regra da exclusividade de motorização no mercado considerado não impede a concorrência entre os fabricantes de motores em relação aos compradores finais. Os fabricantes de motores são incitados a promover as plataformas equipadas com os seus motores, em especial através de motores potentes e ofertas atractivas sobre os motores sobresselentes ou sobre os produtos e serviços de assistência. A concentração faz desaparecer este tipo de concorrência. O facto de a carteira de encomendas dos Avro ser baixa não significa que qualquer concorrência de segundo nível desapareceria, de qualquer modo, do mercado.

486    Por último, conforme indicado na decisão impugnada, o poder financeiro e a integração vertical da entidade resultante da concentração excluiriam a Rolls‑Royce e a P & W do mercado em causa, ao limitar a sua vontade de entrar num mercado do qual estão ausentes.

 Quanto à rejeição do compromisso estrutural relativo aos motores a reacção para aviões regionais de grande porte

487    A recorrente refere que, não obstante o seu desacordo com a Comissão, as partes na concentração propuseram alienar as actividades da Honeywell de fabrico dos motores actuais e futuros dos aviões da série Avro. Ora, as objecções suscitadas pela Comissão a este respeito, na decisão impugnada, são totalmente destituídas de fundamento.

488    A Comissão observa que, designadamente no presente contexto, as críticas da GE relativas à rejeição dos compromissos se limitam a simples alegações e não levam a nenhuma conclusão quanto à validade da decisão impugnada.

b)     Apreciação do Tribunal

 Quanto à definição do mercado

489    Refira‑se, em primeiro lugar, que a questão de saber se, com base nos factos devidamente provados ou não contestados, uma empresa está em posição dominante num determinado mercado é uma questão de apreciação económica na acepção da jurisprudência referida nos n.os 62 e seguintes supra, para a qual a Comissão beneficia de um amplo poder de apreciação. A este respeito, o papel do Tribunal de Primeira Instância limita‑se ao controlo de que esta apreciação económica não padece de erro manifesto.

490    Em contrapartida, a Comissão não tem qualquer margem de apreciação no que diz respeito às questões de facto. Importa igualmente observar, a este respeito, que, na medida em que a recorrente contesta uma afirmação de natureza factual contida na decisão impugnada, a Comissão não pode, em princípio, ser acusada de responder a essa contestação dos factos mediante a produção, no Tribunal de Primeira Instância, da prova de que desta afirmação tem fundamento, desde que o quadro factual acolhido na decisão impugnada não seja modificado.

491    Importa, assim, examinar, no caso vertente, os argumentos da recorrente que põem em causa a definição do mercado dos motores para aviões regionais de grande porte acolhida pela Comissão na decisão impugnada, a fim de determinar se eles são suficientes para demonstrar a existência de erros de facto ou de um erro manifesto de apreciação.

492    No considerando 9 da decisão impugnada, a Comissão refere que, no âmbito da sua descrição da estrutura dos mercados de motores a reacção em geral, a concorrência existe a dois níveis: em primeiro lugar, os fabricantes de motores estão em concorrência quando pretendem obter a certificação numa determinada plataforma de aeronave em fase de concepção (a seguir «concorrência de primeiro nível») e, em segundo lugar, quando as companhias aéreas, ao comprar a plataforma de aeronave, seleccionam um dos motores certificados disponíveis ou quando as companhias aéreas escolhem entre aeronaves equipadas com motores diferentes (a seguir «concorrência de segundo nível»). No primeiro caso, os motores estão em concorrência nos planos técnico e comercial a fim de equipar a plataforma específica, devendo referir‑se que a existência dessa concorrência depende essencialmente da existência de uma substituibilidade da oferta. No segundo caso, os motores estão em rivalidade igualmente em termos técnicos e comerciais para serem seleccionados pela companhia aérea e, por conseguinte, esta concorrência depende, pelo contrário, de uma substituibilidade do lado da procura.

493    No caso presente, está assente que cada tipo de avião que a Comissão considera abrangido pelo mercado dos aviões regionais de grande porte está disponível com um único tipo de motor, pelo que o comprador final do avião não tem nenhuma possibilidade de escolha directa e autónoma entre os motores, uma vez que a escolha do motor é indissociável da escolha do avião. Nestas condições, há que concluir que a concorrência de segundo nível identificada no número anterior só pode existir no referido mercado de forma indirecta, em razão de concorrência entre as aeronaves propulsadas pelos diferentes motores.

494    A este respeito, a Comissão refere, no mesmo considerando 9, que o avião e o motor são dois produtos complementares, sendo inútil, por motivos óbvios, a aquisição de um sem a do outro. Refere que, por conseguinte, os mercados para os motores devem ser definidos tendo em conta a concorrência existente no mercado dos aviões. Assim, a Comissão definiu os diferentes mercados para os motores de aeronave em função dos diferentes mercados dos aviões equipados com esses motores, sendo estes últimos mercados definidos, por sua vez, em função dos «perfis de missão» para os quais estão adaptados (considerando 10 da decisão impugnada).

495    Para este efeito, a Comissão teve em conta três características essenciais do avião, a saber, o número de lugares, a autonomia e o preço. Em primeiro lugar, definiu os aviões regionais como os aviões com 30 a 90 lugares («e mais»), com uma autonomia inferior a 2 000 milhas náuticas e um preço máximo de 30 milhões de USD (considerando 10 da decisão impugnada). Em seguida, estabeleceu dois mercados distintos no âmbito desta categoria, a saber, o dos aviões regionais de pequeno porte com 30 a 50 lugares e o dos aviões regionais de grande porte que podem transportar entre 70 a 90 passageiros, porque, em termos «de transporte de passageiros, dimensão, autonomia e consequente custo de exploração (isto é, custo por lugar/milha), estes dois tipos de [de aviões regionais] têm perfis de missão diferentes e não são substituíveis entre si» (considerando 20 da decisão impugnada).

496    A recorrente sustenta, sem ser desmentida a este respeito pela Comissão, que a propulsão dos seus motores é de tal forma diferente da dos motores da Honeywell que está excluída qualquer concorrência directa de primeiro nível para equipar com motores uma mesma plataforma projectada, uma vez que os seus próprios motores estão aptos a equipar os aviões bimotores, e os da Honeywell só podem equipar aviões quadrimotores.

497    Refira‑se, contudo, que embora seja verdade que um fabricante de estruturas deixa de ter a escolha do motor a partir do momento em que opta por uma plataforma bimotor ou quadrimotor, resulta da decisão impugnada que estas duas soluções existiam concretamente no mercado dos aviões regionais de grande porte tal como este foi definido pela Comissão. Tendo em conta a existência desta escolha, havia necessariamente um determinado grau de substituibilidade ao nível da oferta entre os motores da recorrente e os da Honeywell, com a ressalva de que um fabricante de estruturas que quisesse desenvolver uma nova plataforma era obrigado a fazer esta escolha num estado precoce da concepção da plataforma. De qualquer modo, a Comissão nunca afirmou, nem na decisão impugnada nem no Tribunal de Primeira Instância, que existia uma concorrência directa de primeiro nível entre a recorrente e a Honeywell para equipar com motores uma mesma plataforma projectada. Consequentemente, mesmo que seja de acolher a tese da recorrente sobre a inexistência de concorrência directa de primeiro nível, esta não tem qualquer repercussão sobre a legalidade da decisão impugnada.

498    Por conseguinte, importa examinar se a recorrente demonstrou a existência de um erro de facto ou de um erro manifesto de apreciação da Comissão, pelo facto de esta última se ter baseado no conceito, atrás evocado, de concorrência indirecta de segundo nível, ou seja, a concorrência entre as aeronaves equipadas, respectivamente, pelos motores da GE e pelos da Honeywell, para concluir que os motores destas empresas estavam em concorrência.

499    A recorrente apresenta duas vertentes de argumentação distintas contra a tese da Comissão sobre a existência de uma alegada concorrência indirecta de segundo nível entre os motores neste mercado. Em primeiro lugar, sustenta que esta tese não tem cabimento na análise ortodoxa da substituibilidade. Por conseguinte, a Comissão deveria ter exposto esta nova metodologia explicando, em especial, por que razão esta substituibilidade de segundo grau é significativa e como poderá conduzir à exclusão das concorrentes. Em segundo lugar, mesmo supondo que esta concorrência de segundo nível existe, a Comissão não provou, na decisão impugnada, que os aviões equipados com motores da GE estavam em concorrência com os aviões equipados pela Honeywell na época dos factos.

500    Refira‑se que a descrição que consta do considerando 9 da decisão impugnada (v. n.os 491 e 494 supra) constituiu uma descrição suficiente da tese da Comissão nas circunstâncias do caso vertente. Com efeito, a Comissão referiu que os motores rivalizam, no segundo nível de concorrência «em termos técnicos e comerciais para serem seleccionados pela companhia aérea». É evidente que, se os desempenhos técnicos de um componente essencial de um avião, como o motor que o propulsa, são claramente superiores aos do componente equivalente noutros tipos de avião da mesma categoria, o primeiro destes aviões terá, em princípio, uma vantagem concorrencial sobre os outros.

501    De igual modo, o preço do motor é um elemento que pode influenciar o preço global do avião e a Comissão referiu expressamente, no âmbito da sua descrição dos efeitos da concentração sobre a concorrência, no que diz respeito ao mercado dos motores a reacção para aviões regionais de grande porte, no considerando 429 da decisão impugnada, que a fusão da GE e da Honeywell «irá impedir os clientes de usufruírem dos benefícios da concorrência de preços (por exemplo, sob a forma de descontos) entre fornecedores».

502    A recorrente pôs em causa a possibilidade de uma concorrência nos preços entre os fabricantes de motores a reacção no mercado dos motores para aviões regionais de grande porte, ao recordar a circunstância de ser o fabricante de estruturas que fixa o preço final do conjunto plataforma/motor. Contudo, na decisão impugnada, na primeira frase do considerando 391, que figura na secção da decisão impugnada dedicada às vendas de produtos por pacotes, tanto de aviões regionais de grande porte, como de aviões comerciais de grande porte, a Comissão observou que, mesmo quando não há escolha do motor para uma determinada plataforma, o que é sempre o caso dos aviões regionais de grande porte, o fabricante de motores tem a possibilidade de reduzir o preço do seu motor ou dos serviços de assistência que lhe estão associados, com o objectivo de promover as vendas do conjunto plataforma/motor.

503    No contexto da sua resposta a uma das questões escritas do Tribunal de Primeira Instância, visando efectivamente verificar a existência desta possibilidade de descontos invocada no referido considerando 391, a Comissão apresentou, na audiência, três documentos internos da recorrente relativos às referências 120‑CID‑000167, 334‑DOC‑000827 e 321‑DOC‑000816. Estes três documentos apoiam a tese da Comissão quanto à existência de uma concorrência de segundo nível entre os motores.

504    Em especial, o documento 321‑DOC‑000816 indica, especificamente em relação a um dos aviões regionais de grande porte equipados com motores da GE, que era […] Por conseguinte, observe‑se que a concorrência de segundo nível, em especial a concorrência dos preços, descrita pela Comissão no considerando 9 da decisão impugnada, era uma realidade nos mercados de motores em geral e, em especial, no de motores a reacção para aviões regionais de grande porte, apesar do fenómeno da exclusividade de um único motor em cada plataforma.

505    Neste contexto, devem ser rejeitados os argumentos apresentados pela recorrente no seu pedido de reabertura da fase oral do processo, de 8 de Junho de 2004, e reiterados nas suas observações de 21 de Julho de 2004, segundo os quais os três documentos mencionados no n.° 503, supra, são elementos de prova inadmissíveis. Em primeiro lugar, há que referir que a recorrente não se opôs à produção dos documentos na audiência e que, portanto, a sua junção aos autos não foi, enquanto tal, contestada. Além disso, conforme decidiu o Tribunal de Justiça, a tomada em consideração, pelo Tribunal de Primeira Instância, das respostas dadas por uma parte às questões colocadas enquanto medidas de organização do processo baseadas no artigo 64.°, n.° 3, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, tendo a outra parte tido a possibilidade, sendo caso disso, de tomar posição sobre estes elementos na audiência, não viola o artigo 48.° do referido regulamento (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Maio de 1998, Conselho/De Nil e Impens, C‑259/96 P, Colect., p. I‑2915, n.° 31). No caso vertente, o princípio do contraditório foi respeitado, na medida em que a recorrente pôde comentar estes elementos não só na audiência, mas igualmente por escrito, na sequência da reabertura da fase oral do processo, que ela própria pediu.

506    Contudo, a recorrente sustenta que estes documentos não constavam do processo da Comissão a que teve acesso e invoca o acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 1983, AEG/Comissão (107/82, Recueil, p. 3151, n.os 22 a 25), para daí inferir que estes elementos devem, consequentemente, ser afastados. Refira‑se, a este respeito que, nas suas observações de 17 de Setembro de 2004, a Comissão indicou o número da página do processo no qual figura cada um destes documentos e apresenta, em anexo, extractos de listas dos documentos aos quais foi dado acesso. Referiu, além disso, que dois destes documentos, com as referências 120‑CID‑000167 e 321‑DOC‑000816, foram mesmo explicitamente mencionados na CA. Nestas condições, o argumento da recorrente de que estes três documentos não constavam do dossier administrativo deve ser rejeitado.

507    Além disso, o argumento apresentado pela recorrente, nas suas últimas observações, de 15 de Outubro de 2004, relativo ao facto de a Comissão ter indicado, através da menção «P», que estes documentos tinham sido fornecidos à Comissão pelas próprias partes na operação, quando, na realidade, devem ter sido comunicadas à Comissão pelo Departamento de Justiça americano, não infirma esta análise. A Comissão refere que as partes na operação não lhe solicitaram o envio de cópias destes elementos. Refira‑se, com efeito, que a recorrente podia ter solicitado a sua apresentação, se tivesse querido, uma vez que estão inscritos na lista de documentos do dossier administrativo aos quais as partes podiam ter acesso.

508    De qualquer modo, estes três documentos são documentos internos da própria recorrente que esta não podia desconhecer. Seria contrário à lógica declarar a existência de uma violação dos direitos de defesa ou proibir à Comissão a apresentação, no Tribunal de Primeira Instância, de determinados documentos internos de uma parte, pelo facto de a Comissão não ter comunicado a essa parte cópias dos seus próprios documentos.

509    Na medida em que a Comissão invoca estes três documentos relativamente a uma questão de natureza puramente factual, ou seja, a de saber se o fabricante de estruturas fixa o preço do avião independentemente do preço do motor ou se, conforme sustentado pela Comissão na decisão impugnada, o fabricante de motores tem ainda a possibilidade de oferecer descontos com o objectivo de promover as vendas do avião e, consequentemente, do motor que o propulsa, há que concluir que ela podia apresentar estes elementos no Tribunal de Primeira Instância para responder à contestação pela recorrente dos factos em causa (v., a este respeito, n.° 490 supra).

510    À luz das observações anteriores, a Comissão não cometeu um erro de facto nem um erro manifesto de apreciação, na medida em que, na sua definição do mercado dos aviões regionais de grande porte, se baseou na existência de uma concorrência de segundo nível entre os motores, resultante de concorrência entre os aviões equipados por esses motores.

511    No âmbito da segunda vertente da sua argumentação mencionada no n.° 499 supra, a recorrente alega que a margem de apreciação de que beneficia a Comissão para definir os mercados é limitada, em primeiro lugar, pela sua própria prática decisória anterior, em especial a decisão Engine Alliance e, em segundo lugar, pela comunicação relativa à definição do mercado que publicou a este respeito. O raciocínio que permitiu à Comissão concluir que os aviões equipados com motores da GE e os equipados com motores da Honeywell estão em concorrência num mesmo mercado é, segundo a recorrente, incompatível com essas duas medidas.

512    A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência assente, os operadores económicos não podem legitimamente confiar na manutenção de uma prática decisória anterior que pode ser modificada no âmbito do poder de apreciação das instituições comunitárias (v. n.os 118 e 119, supra, e jurisprudência referida).

513    Na medida em que a recorrente invoca, a este respeito, o n.° 15 do acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 1990, Delacre e o./Comissão (C‑350/88, Colect., p. I‑395), para sustentar a tese de que a Comissão está sujeita a um dever de fundamentação especial sempre que se afaste da sua prática decisória anterior, basta recordar que esse número, assim como o acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Novembro de 1975, Fabricants de papiers peints/Comissão (73/74, Colect., p. 505, n.° 31), se referem, nos casos em que a Comissão alarga o âmbito de uma prática, à excepção à regra habitual, segundo a qual a Comissão pode fundamentar sumariamente uma decisão que se insira na linha de uma prática decisória constante. Efectivamente, embora incumba à Comissão fundamentar essa decisão de forma explícita, não se pode inferir desta jurisprudência que a Comissão deva, para além do facto de fundamentar a sua decisão por referência aos autos do processo objecto da decisão, expor especificamente as razões pelas quais chegou a uma conclusão diferente da que foi acolhida num processo anterior relativo a situações similares ou idênticas ou com os mesmos operadores económicos.

514    Por conseguinte, no caso vertente, a recorrente não pode invocar uma confiança legítima pelo facto de a Comissão ter definido os mercados de uma determinada forma numa decisão anterior, nomeadamente, na medida em que teve em conta a propulsão dos motores, na decisão Engine Alliance. Com efeito, nem a Comissão nem, por maioria de razão, o Tribunal de Primeira Instância estão vinculados pelas afirmações contidas na decisão Engine Alliance.

515    De qualquer forma, a Comissão refere acertadamente que, na decisão Engine Alliance, examinava um acordo que tinha como finalidade permitir à GE e à P & W desenvolver em comum um motor destinado à propulsão de plataformas que estavam elas próprias em fase de desenvolvimento, a saber, o Airbus A380 e a versão alongada do Boeing 747‑400. Nestas condições, só o primeiro nível de concorrência mencionado no considerando 9 da decisão impugnada, a saber, a concorrência entre os fabricantes de motores com vista a obter a certificação de uma plataforma, era pertinente nesse processo. Esta explicação constitui uma resposta lógica e suficiente à argumentação apresentada pela recorrente a este respeito.

516    No que diz respeito à alegada não aplicação da comunicação relativa à definição do mercado, importa recordar, em primeiro lugar, que a Comissão não se pode afastar das regras que se impõe a si própria (acórdão de 30 de Janeiro de 1974, Louwage/Comissão, 148/73, Recueil, p. 81, n.° 12, e, por analogia, acórdão de 5 de Junho de 1973, Comissão/Conselho, 81/72, Colect., p. 239, Recueil, p. 575, n.° 9; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Dezembro de 1991, Hercules Chemicals/Comissão, T‑7/89, Colect., p. II‑1711, n.° 53, confirmado recurso pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 1999, Hercules Chemicals/Comissão, C‑51/92 P, Colect., p. I‑4235, e jurisprudência referida). Assim, na medida em que a comunicação relativa à definição do mercado indica, por meio de formulações imperativas, o método através do qual a Comissão decidiu definir os mercados no futuro e não reserva nenhuma margem de apreciação, a Comissão deve, efectivamente, tomar em consideração os termos desta comunicação.

517    A recorrente refere que, segundo a comunicação relativa à definição do mercado, a substituibilidade ao nível da procura constitui um dos principais factores a tomar em consideração e que essa substituibilidade não existe no caso vertente (v. n.° 496 supra). Basta recordar, a este respeito, que após ter identificado a substituibilidade ao nível da procura, a substituibilidade da oferta e a concorrência potencial como sendo as três grandes fontes de condicionalismos concorrenciais sobre as empresas, a comunicação relativa à definição do mercado prossegue, no seu n.° 13: «[d]o ponto de vista económico, para a definição do mercado relevante, a substituição do lado da procura constitui o elemento de disciplina mais imediato e eficaz sobre os fornecedores de um dado produto, em especial no que diz respeito às suas decisões em matéria de preços». Nestas condições, não decorre dos termos da comunicação relativa à definição do mercado que a falta de substituibilidade directa no caso vertente, entre os motores da recorrente e os da Honeywell, do lado do oferta, infirma a definição do mercado acolhida pela Comissão na decisão impugnada, na medida em que esta concluiu validamente pela existência de uma substituibilidade do lado da procura.

518    Quanto à substituibilidade ao nível da procura, a recorrente acusa a Comissão de não a ter demonstrado por referência a provas empíricas ou a estudos económicos, como exige a comunicação relativa à definição do mercado. Recorde‑se, a este respeito, que no n.° 25, sob o título «Elementos comprovativos utilizados para definir os mercados relevantes», a Comissão refere o seguinte:

«Há toda uma série de elementos que permitem avaliar até que ponto poderia verificar‑se uma substituição. No âmbito dos processos individuais, determinados tipos de elementos serão factores determinantes, principalmente em função das características e da especificidade do sector e dos produtos ou serviços em análise. O mesmo tipo de elementos pode ser destituído de qualquer interesse no âmbito de outros processos. Na maioria dos casos, a decisão deverá ser tomada com base num determinado número de critérios e elementos de apreciação diferentes. A Comissão segue uma abordagem flexível face aos dados empíricos, com vista a utilizar da melhor forma possível todas as informações disponíveis e susceptíveis de serem relevantes nos casos individuais. A Comissão não observa uma hierarquia rígida quanto às diferentes fontes de informação ou tipos de elementos comprovativos.»

519    Importa considerar que, quando se exprime numa comunicação em termos que lhe deixam a possibilidade de, entre os tipos de elementos ou de abordagens que podem teoricamente ser pertinentes, escolher os mais adequados nas circunstâncias de um determinado caso, a Comissão conserva uma grande liberdade de acção (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Julho de 2004, Corus UK/Comissão, T‑48/00, Colect., p. 2325, n.os 179 a 182, e jurisprudência referida). Assim, no caso vertente, importa observar que a Comissão não se comprometeu, na comunicação relativa à definição do mercado, a utilizar um método preciso e especial para efeitos de apreciação da substituibilidade ao nível da procura. Ao invés, observou que a abordagem que adoptar deverá variar em função das circunstâncias de cada caso individual e reservou‑se uma parte importante da sua margem de apreciação a fim de poder tratar cada caso concreto de uma maneira adaptada.

520    É tendo em conta a margem de apreciação importante conservada pela Comissão que devem ser examinados os argumentos que a recorrente pretende basear noutros pontos da comunicação relativa à definição do mercado.

521    O n.° 36 da comunicação relativa à definição do mercado, invocado pela recorrente, está formulado da seguinte forma:

«Uma análise das características do produto e da sua utilização projectada permite à Comissão, numa primeira fase, circunscrever a área da investigação sobre eventuais produtos de substituição. No entanto, as características do produto e a sua utilização projectada são insuficientes para concluir se dois produtos são intersubstituíveis do ponto de vista da procura. A intersubstituibilidade funcional ou a semelhança das suas características podem não constituir, em si, critérios suficientes, uma vez que a reacção dos clientes às oscilações dos preços relativos pode ser igualmente determinada por outras considerações. Por exemplo, podem prevalecer diferentes condicionalismos concorrenciais no mercado de equipamento inicial de componentes para veículos automóveis e no mercado de peças sobresselentes, o que conduzirá, por conseguinte, a uma diferenciação de dois mercados relevantes. De igual forma, as diferenças nas características do produto não são, em si, suficientes para excluir a substituibilidade [ao nível] da procura, dado que tal dependerá, em grande medida, da importância atribuída pelos clientes às diferentes características.»

522    Em seguida, nos n.os 37 a 43 da comunicação relativa à definição do mercado, a Comissão expõe as diferentes fontes de informações que pretende utilizar para demonstrar a existência de uma possibilidade de substituição.

523    Deve concluir‑se que, caso os n.os 36 e seguintes da comunicação relativa à definição do mercado devessem ser interpretados no sentido de que a Comissão está obrigada, em cada processo que examine em matéria de concorrência, a reunir e a ter em conta determinados tipos de elementos específicos, haveria uma contradição manifesta entre esta obrigação e a margem de apreciação, referida nos n.os 517 e 519 supra, de que dispõe a Comissão para determinar a existência da possibilidade de substituição, em cada caso, em função das especificidades que lhe são próprias.

524    De qualquer modo, na medida em que o n.° 36 da comunicação relativa à definição do mercado precisa que «[a] intersubstituibilidade funcional ou a semelhança das suas características podem não constituir, em si, critérios suficientes, uma vez que a reacção dos clientes às oscilações dos preços relativos pode ser igualmente determinada por outras considerações», decorre desta citação, a contrario, que, em determinados casos, ou até regra geral, salvo circunstâncias especiais que indiquem o contrário, como as referidas no exemplo relativo às peças sobresselentes apresentado no seguimento do referido número, produtos funcionalmente permutáveis entre si e que apresentam características similares são substituíveis.

525    Na decisão impugnada, a Comissão referiu que, na fase do procedimento administrativo, a recorrente tinha suscitado duas objecções concretas à sua definição do mercado (considerando 23 da decisão impugnada). Em primeiro lugar, alegou que o tipo de aviões fabricado pela BAe Systems e equipado com o motor da Honeywell, denominado Avro, não é um concorrente pleno no mercado dos aviões regionais de grande porte, sendo um produto de «nicho». Em segundo lugar, afirmou que esse mercado também deveria incluir os Airbus e os Boeing de pequeno porte de fuselagem estreita, a saber, o A318 e o B717.

526    Embora a Comissão não tenha citado exemplos concretos de choques concorrenciais entre os aviões regionais quadrimotores de grande porte equipados com motores da Honeywell e os aviões regionais bimotores de grande porte equipados com motores da GE, invocou, no entanto, casos específicos de intersubstituibilidade funcional entre estes aviões no âmbito da sua resposta à primeira das objecções mencionadas no número anterior, ao referir‑se à utilização do Avron, nomeadamente, pela companhia aérea Sabena. A Comissão inferiu deste facto, no considerando 25 da decisão impugnada, o seguinte: «O estudo de mercado sugere que, embora as companhias aéreas possam apreciar as capacidades especiais do Avro, exploram, efectivamente, o Avro da mesma maneira que qualquer outro [avião regional de grande porte], não limitando a sua operabilidade de voo exclusivamente a nichos. Neste sentido, o Avro equipado com um motor da Honeywell representa uma alternativa concorrente [aos jactos regionais de grande porte] equipados com motores da GE.» Há que observar, por conseguinte, que a Comissão, longe de se limitar a uma análise teórica que define o mercado por referência a um perfil de missão abstracto, examinou se, na verdade, existia uma intersubstituibilidade real entre o Avro e os aviões equipados com motores da recorrente. Nesta medida, a sua conclusão quanto à definição do mercado dos aviões regionais de grande porte baseia‑se efectivamente em elementos de prova empíricos que se reportam a exemplos concretos.

527    A segunda objecção mencionada no n.° 524 supra, foi rejeitada pela Comissão nos considerandos 27 a 29 da decisão impugnada, pelo facto de o preço de aquisição das duas plataformas de avião, mencionadas a este respeito pela recorrente, ser claramente mais elevado do que o das outras aeronaves consideradas aviões regionais de grande porte.

528    No Tribunal de Primeira Instância, a recorrente não pôs em causa as conclusões factuais, baseadas no inquérito de mercado realizado pela Comissão, relativas à intersubstituibilidade entre o Avro e os outros aviões regionais de grande porte, nem se prevaleceu do argumento de que o A318 e o B717 são aviões regionais de grande porte. A este respeito, limita‑se a referir a falta de exemplos concretos de substituibilidade e de estudos económicos apresentados pela Comissão, pelo facto de a Comissão prever o recurso a tais elementos.

529    Há que considerar que o facto de a recorrente referir esta falta, sem explicar concretamente em que medida a definição do mercado referida pela Comissão é, no seu entender, errada, não pode inverter o ónus da prova, de forma a recair sobre a Comissão a obrigação de apresentar exemplos que demonstrem que a sua definição do mercado está correcta. No caso vertente, tendo em conta que a Comissão tinha, em princípio, exposto uma argumentação suficiente para fundamentar a sua definição do mercado em causa, designadamente invocando critérios relativos ao perfil de missão dos aviões, cabia à recorrente demonstrar que estes critérios não eram adequados para a definição do mercado dos aviões regionais de grande porte no caso vertente.

530    Nestas condições, a Comissão podia, sem incorrer em erro manifesto de apreciação, basear‑se na sua análise dos perfis de missão das diferentes plataformas para definir o mercado dos aviões regionais de grande porte no caso vertente. Há que considerar, por conseguinte, que a Comissão justificou suficientemente a sua conclusão quanto à definição do mercado dos aviões regionais de grande porte.

531    Além disso, refira‑se, para todos os efeitos pertinentes, que há que concluir, com base nos argumentos e elementos de facto apresentados no Tribunal de Primeira Instância, que os aviões da família Avro estavam em concorrência, não só teoricamente, mas também na prática, com os aviões regionais de grande porte equipados com motores da GE.

532    A Comissão sustentou no Tribunal de Primeira Instância, sem que a recorrente tivesse, a este respeito, suscitado qualquer objecção, que os aviões regionais de grande porte da BAe Systems foram os primeiros a ser lançados no mercado, ao que parece, em 1994. Assim, os aviões equipados com motores Honeywell estavam necessariamente em concorrência com os novos modelos equipados com motores da GE no momento em que estes últimos foram lançados no mercado. Posteriormente, estes outros modelos tiveram um tal sucesso que as quotas de mercado da BAe Systems diminuíram de forma significativa, o que levou esta última a lançar o novo modelo Avro, denominado Avro RJX, que devia ser equipado com um novo motor Honeywell, o AS 900. Nestas condições, não seria lógico considerar que os aviões Avro e os aviões regionais de grande porte equipados com motores da GE não estão em concorrência pelo facto de as plataformas Avro terem perdido a sua posição de força no mercado devido à entrada destes últimos no mercado, e à concorrência daí resultante.

533    A este respeito, refira‑se igualmente que, nos três documentos anexos à tréplica, a Comissão apresentou provas no sentido de que os «Avro» estavam efectivamente em concorrência com os outros aviões regionais de grande porte. Embora estas provas não possam ser invocadas pela primeira vez no Tribunal de Primeira Instância para apoiar directamente o fundado da sua apreciação na decisão impugnada, a Comissão pode referir estes elementos para responder, no plano factual, aos argumentos da recorrente nos termos dos quais a Comissão não conseguiu apresentar exemplos de concorrência entre os «Avro» e os outros aviões regionais de grande porte porque essa concorrência não existia. Por conseguinte, importa examinar brevemente o conteúdo destes elementos.

534    O primeiro destes três documentos é um comunicado de imprensa da BAe Systems, de 16 de Fevereiro de 1999, no qual esta descreve o seu novo avião, o Avro RJX equipado com o motor da AlliedSignal, sociedade que se fundiu, em seguida, com a Honeywell, como «um projecto de risco pouco elevado do ponto de vista dos fornecedores e clientes potenciais em relação aos projectos novos e ambiciosos com um custo superior a mil milhões de USD propostos por outros fabricantes» («low risk for suppliers and potential customers compared with the ambitious, all new $1 billion‑plus airframe programmes which other manufacturers are proposing»).

535    O segundo documento é constituído por uma série de pequenos artigos sobre os aviões regionais de grande porte da BAe Systems, retirados de um boletim de actualidades denominado «Smiliner», do ano de 2001. Resulta, em especial, de um destes artigos, de 29 de Janeiro de 2001, que, de acordo com a revista Flight International, uma companhia aérea europeia tinha lançado um concurso para uma encomenda de aviões regionais que podia ir até 100 aeronaves para a qual eram tomados em consideração o Avro RJX (equipado com o motor da Honeywell), o Bombardier CRJ 700/900, o Embraer 170/190 e o Fairchild Dornier 728JET/928JET (todos equipados com motores da GE). Um outro artigo, de 30 de Outubro de 2001, indica, designadamente, que o Embraer 170 «está em concorrência directa com o Avro RJX‑70 (para o qual ainda não foram feitas encomendas) assim como com os mais antigos BAe 146‑100 e Avro RJ70».

536    O terceiro documento é igualmente constituído por uma série de pequenos artigos retirados do «Smiliner», do ano de 1999. Um destes artigos indica que, «[e]nquanto a BAe Regional Aircraft finaliza a concepção do seu Avro RJX com novos motores, antecipando uma decisão de lançamento formal, os seus concorrentes desviaram dois dos seus principais clientes» («[w]hile BAe Regional Aircraft completes final design on the re‑engined Avro RJX in anticipation of a formal launch decision, competitors have poached two of its high‑perfile customers»). O artigo prossegue, descrevendo duas encomendas significativas feitas por companhias aéreas, um para o Fairchild Dornier 728 JET e a para os ERJ‑170 e ERJ‑190/200 da Embraer.

537    Resulta destes três documentos, conjuntamente considerados, que, na realidade, os aviões da família Avro equipados com motores da Honeywell estavam em concorrência com os aviões da Embraer, da Fairchild Dornier e da Bombardier equipados com motores da GE. Consequentemente, há que concluir que a alegação da recorrente relativa à suposta inexistência de concorrência entre os Avro e os outros aviões regionais de grande porte não só não é corroborada pelos elementos que apresentou, como, além disso, é infirmada pelos elementos de prova produzidos no Tribunal de Primeira Instância pela Comissão.

538    À luz das observações anteriores, não está demonstrado, no caso vertente, que a Comissão cometeu um erro de facto ao afirmar que os aviões regionais quadrimotores de grande porte equipados com motores da Honeywell estão em concorrência com os aviões regionais bimotores de grande porte equipados com motores da GE. Também não está demonstrado que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao aplicar o seu sistema de definição dos mercados em função do perfil de missão para o qual cada avião é adaptado, para concluir que os motores fabricados pela Honeywell e os fabricados pela GE pertenciam ao mesmo mercado dos motores para aviões regionais de grande porte.

 Quanto à posição dominante preexistente da recorrente

539    Tendo definido, desta forma o mercado dos aviões regionais de grande porte, a Comissão considera que a recorrente estava em posição dominante neste mercado e que esta posição seria reforçada pela concentração. Para justificar esta afirmação, refere que, no que diz respeito à base instalada de motores nos aviões desta categoria, a concentração permitiria à GE passar de uma quota de mercado de [40‑50]% para uma de [90‑100]% para todos estes aviões e de [60‑70]% para 100% relativamente aos únicos aviões ainda em produção (considerando 84 da decisão impugnada). No que diz respeito às encomendas efectuadas dos aviões que ainda não tinham entrado em funcionamento, a recorrente passaria de uma quota de [90‑100]% para uma de 100% do mercado (considerando 85 da decisão impugnada).

540    Basta recordar, no que diz respeito à existência de uma posição dominante preexistente da recorrente no caso vertente, que, segundo uma jurisprudência assente, embora o significado das quotas de mercado possa ser diferente consoante os mercados, quotas de mercado extremamente importantes constituem por si só, salvo circunstâncias excepcionais, a prova da existência de uma posição dominante (acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão, n.° 101 supra, n.° 41, e acórdão Endemol/Comissão, n.° 115 supra, n.° 134). A circunstância, referida pela recorrente em relação às suas posições dominantes preexistentes, de o mercado dos motores a reacção para aviões regionais de grande porte ser um mercado de concursos, onde as quotas de mercado históricas são menos importantes do que nos outros mercados, não pode infirmar esta conclusão tendo em conta a natureza esmagadora da quota de mercado da GE para os aviões que ainda não tinham entrado em funcionamento no momento da adopção da decisão impugnada, a saber [90 a 100]%. A recorrente não contesta, no contexto dos aviões regionais de grande porte, a utilização de números relativos aos aviões que ainda não estão em funcionamento e invoca‑os especificamente no contexto dos seus argumentos relativos aos efeitos da concentração neste mercado. Importa observar que, de qualquer forma, justificava‑se ter estes números em consideração, em especial, no que diz respeito ao mercado dos aviões regionais de grande porte, tendo em conta o rápido crescimento do mercado dos aviões regionais de grande porte indicado no considerando 431 da decisão impugnada.

541    Quanto aos argumentos da recorrente, segundo os quais a P & W e a Rolls‑Royce são concorrentes credíveis no mercado dos aviões regionais de grande porte, basta observar que estes fabricantes de motores não realizavam nenhuma venda de motores no mercado dos aviões regionais de grande porte no momento da adopção da decisão impugnada. A sua participação em concursos para equipar com motores determinados aviões regionais de grande porte não foi, aparentemente, coroada de êxito. Por conseguinte, a Comissão pôde considerar, sem cometer qualquer erro manifesto de apreciação a este respeito, não obstante o facto de o mercado dos motores para aviões regionais de grande porte ser um mercado caracterizado por concursos pouco frequentes, que a potencial concorrência, no futuro, dos fabricantes de motores que não realizavam nenhuma venda nesse mercado, na época dos factos, não constituía uma pressão séria e actual susceptível de justificar a conclusão de que a recorrente não estava em posição dominante nesse mercado.

542    Tendo em conta a esmagadora quota de mercado da recorrente antes da concentração, a Comissão pôde validamente declarar que a recorrente estava posição dominante nesse mercado, nos considerandos 86 e 87 da decisão impugnada, sem que o Tribunal de Primeira Instância deva examinar a influência dos diferentes factores que, segundo a Comissão, contribuem para esta posição dominante antes da operação de concentração (considerandos 107 a 229 da decisão impugnada; v., a este respeito, n.os 114 e segs. supra).

 Quanto ao reforço da posição dominante

543    A recorrente sustenta que, de qualquer modo, o reforço de uma posição dominante preexistente resultante do acréscimo de uma quota de mercado de [10 a 20]% nas plataformas existentes actualmente em produção, medido em termos de encomendas, é pouco significativo, baseando‑se, a este respeito, no facto de a própria Comissão ter reconhecido, no considerando 429 da decisão impugnada, que este aumento era «relativamente reduzido». Importa recordar, em primeiro lugar, que o aumento da quota de mercado, uma vez que representa [30 a 40]% do referido mercado, no que diz respeito à base instalada de motores nos aviões ainda em produção, é significativamente superior ao valor acima mencionado de [10 a 20]%. Por outro lado, o aumento das quotas de mercado, uma vez que representa cerca de [10 a 20]% do mercado, no que diz respeito à carteira de encomendas das plataformas existentes actualmente em produção, deve ser considerado significativo, dado que se refere à quota de mercado da entidade resultante da fusão a 100% (v. considerandos 428 e 429). O mesmo se diga em relação ao aumento que representa [0 a 10]% do mercado observado em relação às encomendas dos aviões que ainda não entraram em funcionamento (n.° 539, supra). De qualquer forma, o conceito de um reforço de tipo de minimis, no contexto do artigo 2.° do Regulamento n.° 4064/89, está abrangido pela segunda condição, mais ampla, segundo a qual a criação ou o reforço de uma posição dominante deve ter como consequência um entrave significativo à concorrência efectiva no mercado comum ou numa parte substancial deste. No contexto dos aviões regionais de grande porte, esta condição será examinada a seguir, sob o título «Efeitos sobre a concorrência».

544    À luz das observações anteriores, há que concluir que a Comissão não cometeu um erro de direito nem um erro manifesto de apreciação ao concluir, no caso vertente, que a concentração reforçaria a posição dominante preexistente da recorrente no mercado dos aviões regionais de grande porte.

 Quanto aos efeitos do reforço da posição dominante sobre a concorrência

545    Na medida em que a recorrente critica a Comissão por não ter examinado os efeitos da concentração no mercado dos motores para aviões regionais de grande porte, em conformidade com as exigências resultantes do segundo critério enunciado no artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89 (v. n.os 84 a 91 supra), refira‑se, em primeiro lugar, que a Comissão considera explicitamente, no que diz respeito à sobreposição horizontal no mercado dos motores a reacção para aviões regionais de grande porte, que esta teria um efeito anticoncorrencial imediato relativamente às plataformas existentes. Refere, em especial, no considerando 429 da decisão impugnada, que «embora o aumento da quota de mercado resultante da concentração seja relativamente reduzido [10 a 20]% com base na carteira de encomendas)», os clientes serão privados dos benefícios da concorrência dos preços dos motores no que diz respeito aos aviões regionais de grande porte disponíveis actualmente no mercado. Uma vez que a Comissão já tinha observado, nos considerandos 84 a 87 da decisão impugnada, que a entidade resultante da fusão teria uma quota de mercado de 100% em relação aos motores que equipam as plataformas actualmente em produção, calculada em termos de base instalada, bem como em relação aos motores que equipam as plataformas para as quais o motor já tinha sido seleccionado mas que ainda não estavam em funcionamento, esta afirmação significa que a referida privação dos benefícios da concorrência seria absoluta.

546    Conforme atrás referido nos n.os 502 e seguintes a propósito da definição do mercado dos aviões regionais de grande porte, deve ser rejeitado o argumento da recorrente de que qualquer concorrência dos preços entre os motores é impossível na prática, uma vez que cada plataforma é equipada, a título exclusivo, por um único motor e que o preço do avião já foi fixado. Com efeito, resulta das provas documentais (v., em especial, n.° 504 supra) que, mesmo numa situação em que foi seleccionado um único tipo de motor para um modelo de avião e o preço do motor foi fixado pelo fabricante de estruturas, o fabricante do motor pode ainda propor descontos, designadamente nos serviços de assistência e nas peças sobresselentes, a fim de promover a venda do avião e, portanto, do seu motor (v. igualmente considerando 391 da decisão impugnada). Assim, contrariamente ao que alega a recorrente, a Comissão não incorreu em erro de facto ao declarar a existência de uma possibilidade real de concorrência indirecta nos preços entre os motores que equipam os aviões regionais de grande porte, já no mercado, possibilidade que deixaria de existir se a concentração se realizasse.

547    Além disso, a Comissão referiu, no considerando 9 da decisão impugnada, que a concorrência de segundo grau nos diferentes mercados de motores se manifesta através de uma rivalidade «em termos técnicos e comerciais para serem seleccionados pela companhia aérea». Ora, a Comissão refere no Tribunal de Primeira Instância que, antes da concentração, a Honeywell tinha todas as razões para atrair os clientes para o Avro RJ e RJX, garantido ao seu motor, tanto em termos de preço, como de evolução tecnológica, uma posição concorrencial, tanto quanto possível, em relação aos aviões regionais de grande porte equipados com motores GE, mas que, com a concentração, esse incentivo desapareceria. Assim, resulta da decisão impugnada que, para além dos efeitos relativos à concorrência dos preços declarados no considerando 429 desta decisão, a sobreposição horizontal no mercado dos motores a reacção para aviões regionais de grande porte também teria tido efeitos negativos na concorrência nesse mercado de uma forma mais geral.

548    A argumentação da recorrente segundo a qual o impacto da concentração no mercado em questão não teria sido significativo deve ser rejeitada. A este respeito, se o aumento da quota de mercado é relativamente insignificante em comparação com a quota de mercado já detida pela recorrente, é precisamente porque a recorrente já tinha uma quota de mercado muito elevada e beneficiava, por este motivo, da posição dominante preexistente forte, atrás descrita, e porque a Honeywell era o único concorrente que vendia motores nesse mercado no momento da adopção da decisão impugnada. O facto, acertadamente referido pela Comissão, de que a concentração teria eliminado, num futuro imediato, qualquer concorrência dos preços, devido à criação de um monopólio por parte da entidade resultante da fusão no que diz respeito aos aviões actualmente em produção ou aos que ainda não estavam em funcionamento mas para os quais o fabricante de estruturas já tinha seleccionado motor, significa que o impacto da operação nesse mercado teria superado o que normalmente resultaria de um aumento das quotas de mercado de [10 a 20]% a partir de uma quota de mercado inferior. Com efeito, o desaparecimento definitivo da Honeywell do mercado, enquanto fabricante de motores independente, alteraria não só a relação de forças mas também a própria qualidade da situação concorrencial no mercado, modificando a estrutura do mercado de forma duradoura, ou até mesmo permanente. A única concorrência, puramente potencial, que subsistiria seria a concorrência para equipar as futuras plataformas dos aviões regionais de grande porte, entre os fabricantes de motores que actualmente realizam vendas unicamente noutros mercados próximos. Tendo em conta a duração do processo de desenvolvimento de um avião, tal concorrência só teria podido produzir efeitos positivos para os compradores de aviões regionais de grande porte, por hipótese, no final de um período de vários anos após a adopção da decisão impugnada.

549    Recorde‑se, além disso, que, segundo jurisprudência assente em matéria de aplicação do artigo 82.° CE, a conclusão de que uma empresa está em posição dominante não constitui, em si mesma, nenhuma censura a essa empresa, mas significa apenas que incumbe a esta última, independentemente das causas dessa posição, a responsabilidade especial de não atentar, através do seu comportamento, contra uma concorrência efectiva e não falseada no mercado comum (v., por exemplo, acórdão do 9 de Novembro de 1983, Michelin/Comissão, n.° 114 supra, n.° 57, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão, T‑191/98, T‑212/98 e T‑214/98, Colect., p. II‑3275, n.° 1109). Além disso, o conceito de exploração abusiva, na acepção do artigo 82.° CE, é um conceito objectivo que abrange os comportamentos de uma empresa em posição dominante susceptíveis de influenciar a estrutura de um mercado no qual, precisamente devido à presença da empresa em questão, o grau de concorrência já está enfraquecido e que têm por efeito impedir, através de meios diferentes daqueles que regem uma competição normal de produtos ou serviços com base em prestações dos operadores económicos, a manutenção do grau de concorrência ainda existente no mercado ou o desenvolvimento desta concorrência (acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão, n.° 101 supra, n.° 91).

550    Ora, numa situação como a que existia no caso vertente, em que a única concorrência imediata num dado mercado é indirecta e já relativamente reduzida, o facto de uma empresa adquirir o único concorrente que ainda realiza vendas nesse mercado é particularmente nefasto. Há que aplicar, por analogia, os princípios acima mencionados, elaborados no contexto da proibição dos abusos de posição dominante, ao quadro jurídico próximo do controlo das concentrações, considerando que quanto mais importante for o domínio de uma empresa maior é a sua responsabilidade especial de se abster de qualquer acção susceptível de enfraquecer ainda mais ou, por maioria de razão, de eliminar a concorrência ainda existente no mercado.

551    Por conseguinte, deve, em princípio, rejeitar‑se a argumentação de que o facto de uma empresa em posição dominante adquirir o seu único concorrente real num mercado não reforçaria esta posição dominante de maneira a impedir de forma significativa a concorrência efectiva no mercado comum porque a posição do concorrente no mercado já é frágil, e a sua concorrência meramente indirecta, ou seja de segundo nível. Nestas circunstâncias, cabe às partes na concentração apresentar provas que demonstrem a inexistência de qualquer concorrência efectiva no mercado antes da operação. Na falta de tais provas, o juiz comunitário não pode concluir que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao basear‑se no desaparecimento do último concorrente real, para considerar que a concorrência efectiva seria impedida de forma significativa no mercado comum.

552    No considerando 431 da decisão impugnada, a Comissão referiu a existência de um forte crescimento do mercado dos aviões regionais de grande porte e para a importância deste mercado para o futuro da aviação. Observou igualmente a este respeito, no considerando 20, que estes aviões constituíam 14% da frota europeia em 1992, mas 33% desta em 1998. Como é óbvio, este crescimento no mercado dos aviões repercute‑se directamente no dos motores que os propulsam. Ao considerar que a fusão teria efeitos nefastos significativos para a concorrência no mercado comum, a Comissão podia observar e ter em conta a importância crescente, no contexto mais amplo dos mercados de aviões e de motores em geral, do mercado específico no qual seria criado um monopólio pela fusão.

553    Tendo em conta as considerações anteriores, há que observar que a Comissão expôs de maneira adequada, na decisão impugnada, os efeitos anticoncorrenciais que teria tido a concentração no mercado dos motores para aviões regionais de grande porte, sobretudo de modo imediato, em razão da sobreposição horizontal entre as actividades das partes na concentração nesse mercado. A este respeito, a decisão impugnada não está ferida de um erro de direito relativo à aplicação dos dois critérios enunciados no artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89, nem de falta de fundamentação. A Comissão também não cometeu um erro de facto nem um erro manifesto de apreciação ao concluir que a concorrência nesse mercado teria sido, em consequência, impedida de forma significativa.

554    Assim, não é necessário examinar os considerandos 432 a 434 da decisão impugnada dedicados aos efeitos – designadamente de conglomerado – da concentração sobre os futuros concursos relativos ao mercado em questão. Com efeito, uma vez que a Comissão demonstrou de maneira distinta na decisão impugnada, que os dois critérios do artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89 estavam preenchidos no que diz respeito ao mercado dos motores para aviões regionais de grande porte devido ao impacto imediato da sobreposição horizontal resultante da concentração, esse exame seria supérfluo no presente processo.

 Quanto à rejeição pela Comissão do compromisso relativo aos aviões regionais de grande porte

555    Refira‑se que, no âmbito do Regulamento n.° 4064/89, a Comissão apenas está habilitada a aceitar compromissos susceptíveis de tornarem a operação notificada compatível com o mercado comum (v., neste sentido, acórdão Gencor/Comissão, n.° 85 supra, n.° 318). Há que considerar, a este respeito, que compromissos estruturais propostos pelas partes só preenchem este critério na medida em que a Comissão possa concluir, com segurança, que a sua execução será possível e que as novas estruturas comerciais resultantes serão suficientemente viáveis e duradouras para que a criação ou o reforço de uma posição dominante, ou os entraves a uma concorrência efectiva, que os compromissos têm por finalidade impedir, não poderão produzir‑se num futuro relativamente próximo.

556    No caso vertente, a Comissão refere, no considerando 519 da decisão impugnada, que, se a alienação da actividade de fabrico de motores para aviões regionais de grande porte da Honeywell, proposta pelas partes, pudesse ser realizada, seria suficiente, em princípio, para resolver o problema concorrencial identificado no que respeita a este mercado.

557    Contudo, conclui que uma alienação seria difícil de realizar essencialmente porque […] se lhe opõem razões práticas e comerciais relativas, designadamente, à falta de viabilidade da empresa que resultaria da alienação prevista […]

558    A Comissão refere a este respeito, no considerando 520 da decisão impugnada, […] e que não é certo que a medida de correcção proposta permita, efectivamente, eliminar o problema de concorrência identificado. Observa igualmente que o compromisso não prevê solução alternativa para a alienação. No considerando 522, a Comissão enumera, aparentemente a título subsidiário, um determinado número de problemas práticos que de qualquer forma, não são regulados de modo satisfatório no compromisso.

559    Uma vez que a recorrente se limita a afirmar, no Tribunal de Primeira Instância, que as supostas dificuldades colocadas por este compromisso, suscitadas pela Comissão, são totalmente destituídas de fundamento, há que concluir que não apresentou argumentos concretos nem provas susceptíveis de pôr em causa o fundado da apreciação da Comissão sobre o carácter irrealizável da alienação proposta.

560    Importa sublinhar, em especial, a circunstância referida pela Comissão no considerando 520 da decisão impugnada, sem ser desmentida a este respeito pela recorrente, segundo a qual […] Com efeito, resulta do n.° […] do documento que expõe os compromissos propostos em 14 de Junho de 2001 que […] Daí resulta que, na hipótese de […], a entidade resultante da fusão teria sido liberada da sua obrigação para com a Comissão, sem que a alienação se realizasse, na condição de ter […]

561    Resulta do exposto que a Comissão pôde legitimamente considerar que o compromisso, conforme foi proposto, não podia ser aceite. Por conseguinte, este compromisso não deve ser tido em conta no âmbito do presente processo.

 Conclusão sobre a sobreposição horizontal que afecta o mercado dos motores a reacção para aviões regionais de grande porte

562    Quanto à afirmação da Comissão de que os elementos da sua decisão se reforçam mutuamente pelo que seria artificial apreciar cada mercado de modo isolado (v. n.os 40 e 48 supra), refira‑se que esta afirmação genérica não tem, em todo o caso, nenhuma aplicação no contexto dos elementos examinados na presente secção do acórdão. Em especial, na medida em que o Tribunal de Primeira Instância assinalou erros que viciam as apreciações da Comissão acerca da sobreposição vertical entre os dispositivos de arranque e os motores a reacção para aviões comerciais de grande porte, assim como os que se referem aos diferentes efeitos de conglomerado, nenhum destes erros tem incidência na sua conclusão relativa ao reforço da posição dominante da recorrente no mercado dos motores a reacção para aviões regionais de grande porte devido à sobreposição horizontal resultante da concentração, em consequência do qual seria impedida de forma significativa à concorrência efectiva no mercado comum.

563    Há que concluir, no contexto do presente processo, que o pilar da decisão impugnada, relativo ao reforço da posição dominante da recorrente, resultante da sobreposição horizontal existente no mercado dos motores a reacção para aviões regionais de grande porte entre as actividades de fabrico das duas partes na concentração, em consequência do qual seria impedida de forma significativa a concorrência efectiva no mercado comum, está suficientemente demonstrado.

2.     2. Quanto aos motores a reacção para aviões executivos

a)     Argumentos das partes

564    A recorrente considera que a análise da Comissão relativa à definição do mercado dos motores a reacção para aviões executivos contém os mesmos vícios que a relativa aos motores a reacção para aviões regionais de grande porte. Refere que os motores da GE e da Honeywell não são substituíveis, em razão de diferenças ao nível da propulsão e da concepção, e não o são actualmente nem no futuro. Assim, a Comissão fundamentou‑se nos efeitos, não demonstrados, da integração vertical no que respeita à GECCAG. Além disso, a Comissão rejeitou, erradamente, os compromissos relativos ao mercado dos motores a reacção para aviões executivos.

565    A Comissão remete, mutatis mutandis, para a sua análise relativa aos motores a reacção de aviões regionais de grande porte e reafirma que a concentração criaria uma posição dominante no mercado dos motores a reacção para aviões executivos devido, em especial, à diferença entre as quotas de mercado da entidade resultante da concentração e as dos seus concorrentes. A Comissão observa igualmente que as críticas da recorrente relativas à rejeição dos compromissos respeitantes a este mercado se limitam a simples alegações e não conduzem a nenhuma conclusão quanto à validade da decisão impugnada.

b)     Apreciação do Tribunal

566    No caso vertente, a Comissão definiu um mercado único que inclui todos os aviões executivos, ao mesmo tempo que constata, no considerando 32 da decisão impugnada, que, «ao nível da procura, as três categorias de aviões [pesados, médios e ligeiros] não são intersubstituíveis. Isto deve‑se à diferença de preço e de custo de exploração, bem como aos diferentes perfis de missão de cada categoria». Embora a Comissão divida este mercado em três «categorias» (sectores), precisa que não é necessário adoptar uma posição definitiva sobre a questão de saber se estas três categorias constituem mercados distintos, uma vez que a apreciação da concorrência não será afectada.

567    No considerando 436 da decisão impugnada, a Comissão rejeita os argumentos das partes na concentração, relativos à definição do mercado, afirmando que estes se baseiam no pressuposto de que a concorrência se verifica em relação a cada plataforma. A Comissão refere que «não é assim que os mercados do produto têm sido definidos no caso dos jactos executivos, uma vez que isso não é compatível com os princípios de definição do mercado, na medida em que não leva em conta a substituibilidade [ao nível] da oferta e da procura».

568    A principal argumentação da recorrente no Tribunal de Primeira Instância consiste numa repetição das mesmas críticas apresentadas em relação à definição do mercado dos aviões regionais de grande porte, relativas, essencialmente, ao facto de a Comissão ter definido os mercados dos motores em função dos aviões que estes propulsam e não em função das suas próprias características. Como foi anteriormente referido nos n.os 492 e seguintes no contexto dos aviões regionais de grande porte, a Comissão expôs, no considerando 9 da decisão impugnada, os motivos pelos quais a concorrência entre os aviões deve ser tida em conta na definição dos mercados dos motores que os propulsam.

569    Importa observar que a recorrente não apresentou no Tribunal de Primeira Instância nenhuma alegação precisa relativa à definição do mercado dos aviões executivos. Ora, uma vez que o alcance material do controlo efectuado pelo órgão jurisdicional comunitário é determinado, em princípio, pelos fundamentos e argumentos apresentados pela recorrente na sua petição, não é necessário examinar esta questão no caso vertente. Na falta do mínimo elemento específico que ponha em causa a aplicação aos aviões executivos da análise da Comissão respeitante à concorrência de segundo nível, há que considerar, para efeitos do presente processo, que a Comissão não cometeu um erro de facto nem um erro manifesto de apreciação ao definir o mercado dos motores a reacção para aviões executivos. Na medida em que a recorrente remete de modo global para os argumentos por ela apresentados em relação à definição do mercado dos motores a reacção para aviões regionais de grande porte, estes argumentos devem ser rejeitados pelas mesmas razões mutatis mutandis (v. n.os 492 e segs. supra).

570    Quanto à criação de uma posição dominante no mercado dos motores a reacção para aviões executivos, no considerando 435 da decisão impugnada, a Comissão baseia‑se exclusivamente nos números relativos às quotas de mercado da entidade resultante da fusão, para concluir que será criada uma posição dominante no mercado. Refere, nesse considerando, que «[o] efeito imediato da concentração proposta no mercado dos motores para jactos executivos será a criação de uma sobreposição horizontal que levará à criação de uma posição dominante». Invoca, a este respeito, o valor de [50 a 60]% (GE: [10 a 20]%, Honeywell: [40 a 50]%) para o total da base instalada dos motores nesse mercado, assim como o de [80 a 90]% (GE: [10 a 20]%, Honeywell: [70 a 80]%) para a base instalada dos motores dos únicos aviões executivos de categoria média ainda em fabrico, sendo esta medida da quota de mercado adequada, segundo a Comissão, para apreciar o poder comercial dos fabricantes de motores neste mercado.

571    Refira‑se, a este respeito, que o valor de [50 a 60]% para o total da base instalada dos motores no mercado dos aviões executivos é indicativo, em princípio, de uma posição dominante. Com efeito, segundo jurisprudência assente, embora o significado das quotas de mercado possa ser diferente de um mercado para o outro, quotas de mercado extremamente importantes constituem por si só, e salvo circunstâncias excepcionais, a prova da existência de uma posição dominante (acórdãos Hoffmann‑La Roche/Comissão, n.° 101 supra, n.° 41, e Endemol/Comissão, n.° 115 supra, n.° 134). Além disso, o Tribunal de Justiça decidiu, no seu acórdão AKZO/Comissão, n.° 115 supra (n.° 60), que esse era o caso, nesse processo, de uma quota de mercado de 50%.

572    A recorrente não demonstrou, nem sequer alegou, a existência de «circunstâncias excepcionais» na acepção do acórdão AKZO/Comissão, n.° 115 supra, no que diz respeito ao mercado dos aviões executivos, susceptíveis de infirmar a conclusão a que chegou a Comissão na decisão impugnada, baseando‑se na quota de mercado que teria tido a entidade resultante da concentração relativamente ao parque global de motores instalados, quanto à criação de uma posição dominante nesse mercado.

573    Refira‑se, para todos os efeitos pertinentes, que o valor de [80 a 90]% mencionado no n.° 88 da decisão impugnada para a base instalada dos motores dos únicos aviões executivos de categoria média ainda em fabrico, medida especialmente pertinente para apreciar o poder comercial de um fabricante de motores segundo a Comissão (considerando 41 da decisão impugnada), indica claramente que a entidade resultante da concentração teria dominado este sector na sequência da operação. Uma vez que a Comissão não qualificou esta categoria de aviões de mercado distinto, essa afirmação não demonstra a existência de uma posição dominante, enquanto tal, num mercado distinto na acepção do artigo 2.° do Regulamento n.° 4064/89. Esta quota de mercado indica, no entanto que, em determinados sectores do mercado em causa, a entidade resultante da fusão seria ainda mais forte do que no mercado em geral, o que reforça a conclusão da Comissão quanto à existência, após a fusão, de uma posição dominante da entidade resultante da concentração no mercado, apreciado globalmente.

574    À luz do exposto, há que observar que não foi demonstrado, no âmbito do presente processo, que a Comissão tenha cometido um erro manifesto de apreciação ao concluir que a operação de concentração teria criado uma posição dominante em virtude da sobreposição horizontal entre a actividade de fabrico de motores para aviões executivos da recorrente e as actividades da Honeywell.

575    Quanto ao resto, a recorrente critica explicitamente o raciocínio da Comissão relativo ao mercado dos aviões executivos no que diz respeito à suposta influência da GECCAG enquanto compradora, em razão de uma política de compra preferencial. Observe‑se que os elementos empíricos essenciais que suportam a análise da Comissão sobre o comportamento passado da GECAS (considerandos 121 e segs. da decisão impugnada assim como n.os 182 e segs. supra) não existem no que diz respeito à GECCAG. Na falta de uma análise aprofundada, na decisão impugnada, que demonstre que seria do interesse comercial da entidade resultante da fusão, a adopção de uma política de aquisições especulativas de aviões, pela GECCAG, com uma forte preferência, ou até uma política de compra exclusiva de aviões equipados por ela própria e que, consequentemente, a adopção de uma política era provável, há que considerar que esta parte do raciocínio da Comissão carece de fundamento no caso vertente.

576    No que diz respeito à análise, nos considerandos 443 e 444 da decisão impugnada, da possibilidade das vendas de produtos por pacotes que afectam os aviões executivos, igualmente criticada pela recorrente, há que observar que tais vendas já eram possíveis, antes como depois da concentração, uma vez que a Honeywell já possuía uma posição de força no mercado dos aviões executivos, assim como em vários mercados de produtos aviónicos e não aviónicos para estas aeronaves. Em contrapartida, a quota de mercado da GE relativa aos motores a reacção para aviões executivos antes da concentração era reduzida. Por conseguinte, mesmo supondo que se demonstre que a prática de vendas de produtos por pacotes é provável no sector dos aviões executivos no futuro, não está demonstrado que a concentração seria disso a causa principal, nem que provocaria efeitos significativos a este respeito.

577    De qualquer forma, refira‑se que, pelos motivos expostos supra nos n.os 399 e seguintes, a Comissão não reuniu provas sólidas susceptíveis de demonstrar que a entidade resultante da fusão teria provavelmente recorrido a tais práticas. Por conseguinte, há que concluir que esta parte da tese da Comissão, relativa à futura prática de vendas de produtos por pacotes que afectariam os aviões executivos, não pode ser considerada uma consequência da operação notificada que teria contribuído para a criação da posição dominante da entidade resultante da fusão nesse mercado.

578    Resulta inequivocamente da secção da decisão impugnada dedicada à análise dos efeitos sobre a concorrência no mercado dos aviões executivos (considerandos 435 a 444) e, em especial, do teor do seu considerando 437, que cada uma das três secções distintas dedicadas respectivamente à sobreposição horizontal (considerandos 435 a 437), à integração vertical (considerandos 438 a 442) e às vendas de produtos por pacotes (n.os 443 e 444) é autónoma e suficiente, por si só, segundo a análise da Comissão, para fundamentar a sua conclusão quanto à criação de uma posição dominante nesse mercado devido à operação de concentração. Por conseguinte, a conclusão constante, do n.° 574 supra, segundo a qual a análise da Comissão sobre a sobreposição horizontal nesse mercado tem fundamento, não é invalidada pelas conclusões constantes dos n.os 575 a 577 supra.

579    No que diz respeito à questão de saber se a posição dominante assim criada teria tido por consequência impedir de forma significativa a concorrência efectiva no mercado comum, basta referir que, embora a recorrente tenha insistido na autonomia do segundo critério de uma forma abstracta (v. n.os 84 e segs. supra), não apresentou nenhum argumento para contestar os efeitos significativos no mercado resultantes da sobreposição horizontal anteriormente descrita.

580    De qualquer forma, decorre da conclusão geral que consta do considerando 567 da decisão impugnada, que menciona explicitamente cada um dos mercados aos quais diz respeito a operação notificada, que a Comissão considerou não só que seria criada ou reforçada uma posição dominante em cada um destes mercados, mas também que, consequentemente, «iria prejudicar significativamente a eficácia da concorrência no mercado comum» (v. n.° 90 supra). Tendo em conta os termos deste considerando, a Comissão concluiu necessariamente que de a criação de uma posição dominante no mercado dos aviões executivos, devido ao facto de a entidade resultante da fusão ter uma quota de mercado de [50 a 60]% no que diz respeito à base instalada dos motores (considerando 88 da decisão impugnada), impediria de forma significativa a concorrência efectiva no mercado comum. Na falta de argumentos específicos ou de provas que indicassem a inexistência desse entrave, deve considerar‑se, para efeitos do presente processo, que esta conclusão não está ferida de um erro manifesto de apreciação.

581    Quanto aos compromissos propostos pela recorrente em 14 de Junho de 2001, refira‑se que o compromisso que previa a alienação da actividade de fabrico dos motores ALF502/507 da Honeywell é igualmente pertinente para a apreciação do mercado dos aviões executivos, como confirmado pelas duas partes principais antes da audiência, em resposta a uma pergunta escrita do Tribunal de Primeira Instância, na medida em que equipam com motores não só os aviões regionais de grande porte da BAe Systems, mas também um avião executivo […]

582    Basta referir, a este respeito, que a recorrente se limitou, mais uma vez, a afirmar que as críticas ao compromisso em causa, formuladas pela Comissão na decisão impugnada, carecem de fundamento. Assim, pelos motivos expostos nos n.os 555 e seguintes supra, a Comissão podia rejeitar este compromisso.

c)     Conclusão sobre a sobreposição horizontal relativa à afectação do mercado dos motores a reacção para aviões executivos

583    Refira‑se que, não obstante a afirmação da Comissão de que os elementos da sua decisão se reforçam mutuamente, de forma que seria artificial apreciar cada mercado de forma isolada (v. n.os 40 e 48 supra), esta afirmação genérica não tem, em todo o caso, aplicação no contexto dos elementos examinados na presente secção do acórdão. Em especial, na medida em que o Tribunal de Primeira Instância assinalou anteriormente erros que viciam as apreciações da Comissão relativas à sobreposição vertical entre os dispositivos de arranque e os motores a reacção para aviões comerciais de grande porte, assim como os que se referem aos diferentes efeitos de conglomerado, nenhum destes erros tem incidência sobre sua conclusão relativa à criação da posição dominante da recorrente no mercado dos motores a reacção para aviões executivos devido à sobreposição horizontal resultante da concentração, que tem por consequência impedir de forma significativa a concorrência efectiva no mercado comum.

584    Por conseguinte, há que concluir, no contexto do presente processo, que o pilar da decisão impugnada relativo à criação de uma posição dominante da entidade resultante da concentração, devido à sobreposição horizontal existente no mercado dos motores para aviões executivos entre as actividades de fabrico das duas partes na concentração, que tem por consequência impedir de forma significativa a concorrência efectiva no mercado comum, está suficientemente demonstrado.

3.     3. Quanto às pequenas turbinas de gás marítimas

a)     Quanto à definição do mercado

 Argumentos das partes

585    Segundo a recorrente, a afirmação da Comissão relativa à criação de uma posição dominante neste sector está viciada por uma definição errada do mercado. As turbinas da GE e da Honeywell não são substituíveis. A Comissão não apresentou nenhuma prova de um exemplo de concorrência entre a GE e a Honeywell.

586    A Comissão recorda que a decisão impugnada, nos considerandos 472 a 474, já contém a resposta aos argumentos da recorrente sobre este ponto e mantém que estes argumentos não são conformes com a realidade. A Comissão considera que os mercados das turbinas de gás devem ser definidos unicamente através da potência, neste caso inferior a 10/15 megawatts (MW), e através da sua aplicação industrial ou marítima. O mercado identificado não pode ser mais fraccionado e a concentração teria feito surgir um actor muito maior do que o seu primeiro concorrente.

 Apreciação do Tribunal

587    Importa recordar, em primeiro lugar, que o alcance material do controlo efectuado pelo juiz comunitário é determinado, em princípio, pelos fundamentos e argumentos apresentados pela recorrente na sua petição. O único elemento do raciocínio da Comissão respeitante às pequenas turbinas de gás marítimas contestado na petição é a definição do mercado. Há que examinar se os argumentos que a recorrente apresenta a este respeito demonstram a existência de um erro de facto ou de um erro manifesto de apreciação da Comissão no que diz respeito à sua definição do mercado pertinente.

588    Em contrapartida, na medida em que, na carta de 21 de Julho de 2004, a recorrente procurou alargar o debate ao comentar aspectos desta parte do raciocínio da Comissão, diferentes da definição do mercado pertinente, as suas observações constituem um fundamento novo na acepção do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo e são, consequentemente, inadmissíveis, conforme a Comissão, de resto, acertadamente refere nas suas observações de 17 de Setembro de 2004.

589    Na decisão impugnada, a Comissão expõe, nos considerandos 460 a 467, as razões que a levaram a considerar que o mercado pertinente era o mercado mundial das pequenas turbinas de gás, a saber, as que têm uma potência de 0,5 MW a 10 MW, destinadas às aplicações marítimas. Em seguida, nos considerandos 472 a 474, explica por que razão os argumentos específicos suscitados pelas partes na concentração, durante o procedimento administrativo, não invalidam esta conclusão.

590    Segundo a recorrente, as suas turbinas e as da Honeywell não são mutuamente substituíveis e defende que não há concorrência entre estas turbinas na acepção de uma participação das duas empresas nos mesmos concursos.

591    Para alicerçar a sua tese, a recorrente remete, na nota de rodapé n.° 185 da petição, para o anexo 22 da sua resposta à CA, a qual figura, com todos os seus anexos, em anexo à petição.

592    Na medida em que a recorrente remete para o referido anexo na sua petição, importa recordar que, segundo jurisprudência consolidada, a fim de garantir a segurança jurídica e uma boa administração da justiça, é necessário, para que uma acção seja admissível, que os elementos essenciais de facto e de direito em que assenta resultem, pelo menos sumariamente, mas de uma maneira coerente e compreensível, do texto da própria petição (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Janeiro de 2003, Itália/Comissão, C‑178/00, Colect., p. I‑303, n.° 6; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Maio de 1997, Guérin automobiles/Comissão, T‑195/95, Colect., p. II‑679, n.° 20; de 24 de Fevereiro de 2000, ADT Projekt/Comissão, T‑145/98, Colect., p. II‑387, n.° 66; despacho do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Julho de 2000, RJB Mining/Comissão, T‑110/98, Colect., p. II‑2971, n.° 23, e jurisprudência referida; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Abril de 2003, Travelex Global and Financial Services e Interpayment Services/Comissão, T‑195/00, Colect., p. II‑1677, n.° 26, e de 16 de Março de 2004, Danske Busvognmænd/Comissão, T‑157/01, Colect., p. II‑917, n.° 45; v. igualmente, neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 1961, Fives Lille Cail e o./Alta Autoridade, 19/60, 21/60, 2/61 e 3/61, Recueil, p. 559, 588, e de 5 de Março de 1991, Grifoni/CEEA, C‑330/88, Colect., p. I‑1045, n.os 17 e 18). A este respeito, embora o corpo da petição possa ser baseado e completado, em pontos específicos, por remissões para passagens de documentos a ela juntos, uma remissão global para outros escritos, ainda que anexos à petição, não pode suprir a inexistência dos elementos essenciais da argumentação jurídica, que, por força das disposições atrás recordadas, devem constar da própria petição (despacho do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Maio de 1999, Asia Motor France e o./Comissão, T‑154/98, Colect., p. II‑1703, n.° 49). Por conseguinte, na medida em que as críticas apresentadas pela recorrente no documento em causa possam ser consideradas acusações autónomas dirigidas contra aspectos da análise da CA diferentes da definição do mercado pertinente, estas acusações não devem ser tomadas em consideração.

593    Por outro lado, a recorrente pôs em causa, na audiência, a fiabilidade dos números da quota de mercado da recorrente, utilizados pela Comissão na decisão impugnada, referindo que o valor de [10 a 20]% para um mercado que seria, sendo caso disso, definido em função de uma potência de 0,5 a 5 MW, invocada no considerando 470 da decisão impugnada, é impossível de conciliar com o valor de 25 a 30% para um mercado mais amplo que vai de 0,5 a 10 MW (considerando 470 igualmente, in fine), uma vez que a recorrente fabrica uma única turbina, a LM 500, pertencente a estes dois mercados, com uma potência de 4,5 MW.

594    Basta referir que esta argumentação é distinta do fundamento suscitado na petição que põe em causa a definição do mercado das pequenas turbinas de gás, e que não se encontra, nem sequer de forma embrionária, na petição. Constitui, por conseguinte, um fundamento autónomo. Este fundamento, suscitado pela primeira vez na audiência é, assim, inadmissível ao abrigo do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, que proíbe às partes suscitarem novos fundamentos no decurso da instância. De qualquer forma, a Comissão não se contradiz, no considerando 470 da decisão impugnada, uma vez que atribui expressamente a afirmação relativa ao valor de 25 a 30% de um mercado de 0,5 a 10 MW às concorrentes da Honeywell.

595    Em contrapartida, pode‑se considerar que os elementos invocados no anexo 22 à resposta à CA, relacionados com a definição do mercado, suportam e complementam o fundamento invocado na petição a respeito deste mercado.

596    A fim de pôr em causa a definição do mercado acolhida pela Comissão na CA, as partes na concentração sublinharam, no anexo 22 à sua resposta a esta comunicação, as diferenças entre o modelo de turbina da GE, a LM 500, e as turbinas da Honeywell em termos de preço, de dimensão, de peso e de potência.

597    Decorre do considerando 473 da decisão impugnada que a Comissão se baseou, em especial, no seu estudo de mercado para rejeitar os argumentos da recorrente relativos às diferenças entre as turbinas das partes na concentração. Refere em especial, no considerando 473, o seguinte:

«No entanto, o estudo de mercado mostrou claramente que tanto a GE como a [Honeywell] competem no mercado, tal como este foi definido anteriormente. O estudo de mercado não indica que as diferenças entre as pequenas turbinas de gás marítimas (de menos de 10 MW) da GE e da [Honeywell] sejam suficientemente importantes para permitir que se definam mercados do produto diferentes.»

598    Uma vez que a conclusão baseada neste estudo é contestada no presente processo, incumbe ao Tribunal verificar que, no caso presente, a Comissão não cometeu um erro de facto, nem um erro manifesto de apreciação ao inferir dos resultados do seu estudo que estas diferenças não invalidavam a sua definição do mercado. Para este efeito, o Tribunal de Primeira Instância solicitou à Comissão, através de uma medida de organização do processo, que apresentasse os documentos do seu dossier, aos quais a recorrente teve acesso, que apoiam ou que são, de outro modo, pertinentes para as duas frases citadas no número anterior.

599    A Comissão apresentou três documentos em resposta a esta questão, a saber, respectivamente, as respostas da Rolls‑Royce, da UTC e da Solar Turbinas. Sustenta que estas respostas são «representativas» dos resultados do seu estudo de mercado, uma vez que reflectem as opiniões dos três principais concorrentes das partes na concentração no mercado em causa. A recorrente não pôs em causa o carácter representativo destas respostas, limitando‑se a referir as divergências entre elas e a criticar o seu valor probatório. Em especial, não se referiu às respostas de outros concorrentes que pudessem invalidar esta afirmação da Comissão.

600    A resposta da Rolls‑Royce, pelo menos na sua versão não confidencial apresentada no Tribunal de Primeira Instância, é ambígua na medida em que indica, em resposta à questão com o n.° 38 deste documento, que apenas a recorrente e ela própria estão presentes no mercado em causa. Ora, está assente que a Honeywell estava presente, ou até que tinha uma quota de mercado importante no mercado das pequenas turbinas de gás marítimas. Trata‑se, portanto, de uma omissão manifesta da Rolls‑Royce. Quanto à sua resposta à questão n.° 40 no mesmo documento, indica a existência de uma concorrência entre a recorrente e a Honeywell exclusivamente no mercado das pequenas turbinas de gás industriais. Deve considerar‑se que as respostas da Rolls‑Royce a estas duas questões não permitem resolver a questão de saber se a recorrente e a Honeywell estavam em concorrência no mercado das pequenas turbinas de gás marítimas.

601    Contudo, resulta igualmente das respostas da Rolls‑Royce às questões n.os 32, 34 e 36 da Comissão, que a definição de um mercado das pequenas turbinas de gás marítimas, com uma potência de 0,5 a 10 MW, proposta pela Comissão, era razoável e que, segundo esta sociedade, nenhum «outro factor» nem nenhum «outro elemento» era pertinente para efeitos da definição do mercado em causa. Estes elementos da resposta da Rolls‑Royce corroboram, portanto, a tese da Comissão.

602    A resposta da UTC, sociedade‑mãe da P & W, corrobora a tese da Comissão na medida em que confirma a existência de concorrência entre as partes na concentração. Em resposta à questão n.° 50, afirmou explicitamente que a recorrente e a Honeywell estavam em concorrência, directa e indirectamente, no que diz respeito às turbinas de gás marítimas e industriais com uma potência de 0,5 a 15 MW.

603    Quanto à definição adequada do mercado, a UTC indica, em resposta à questão n.° 43, que as turbinas industriais não podem ser utilizadas em aplicações marítimas e, em resposta à questão n.° 44, que, não obstante o facto de qualquer limiar destinado a distinguir as pequenas das grandes turbinas de gás marítimas ser relativamente subjectivo e algo arbitrário, foi, por vezes, utilizado, o valor de cerca de 13 MW. Em resposta à questão n.° 46, relativa aos eventuais «outros elementos» que podem influenciar a definição do mercado, sustenta que os critérios indicados pela Comissão relativos à utilização final e à potência das turbinas são pertinentes para efeitos da definição do mercado. Assim, estas respostas são base da distinção entre as pequenas turbinas de gás marítimas e as turbinas de gás industriais e confirmam a oportunidade de uma distinção entre as pequenas e as grandes turbinas marítimas em função da sua potência, sendo um limiar adequado o que se situa precisamente acima de 10 MW.

604    Por último, a resposta da Solar Turbinas é incompatível com a definição do mercado adoptada pela Comissão, na medida em que esta empresa considera que não se deve distinguir entre as turbinas de gás marítimas e as turbinas de gás industriais (página com o número 03812), nem em função da potência das turbinas (página com o número 03809). Em contrapartida, deve concluir‑se que, na medida em que a Solar Turbinas se pronuncia a favor de uma definição muito ampla do mercado, a sua tese é igualmente incompatível com a da recorrente, segundo a qual resulta das diferenças de dimensão e de peso entre as pequenas turbinas da recorrente e as da Honeywell que estes produtos não pertencem ao mesmo mercado.

605    Além disso, a Solar Turbinas afirmou, em resposta à questão n.° 8 colocada pela Comissão, que a recorrente e a Honeywell estavam em concorrência para a venda de turbinas de gás destinadas às aplicações industriais e marítimas. Quanto ao argumento da recorrente, apresentado na audiência, baseado no facto de que, ao enumerar as diferentes turbinas das duas partes na concentração, a Solar Turbinas omitiu a única pequena turbina a gás marítima da recorrente, a saber, a LM 500, basta referir que esta lista de produtos é explicitamente não exaustiva uma vez que termina com as palavras «entre outros produtos». Assim, não se pode inferir desta omissão que, contrariamente ao que afirma explicitamente, a Solar Turbinas se referia exclusivamente a turbinas diferentes das qualificadas pela Comissão como pequenas turbinas de gás marítimas.

606    Resulta, por outro lado, do anexo 22 À resposta à CA acima referida que, nos últimos cinco anos, a recorrente e a Honeywell participaram uma vez no mesmo concurso, tendo, no entanto, a oferta da recorrente sido rejeitada pelo facto de não corresponder às condições técnicas indicadas. Importa referir, a este respeito, que há poucos concursos no mercado em causa uma vez que, segundo este anexo, a Honeywell participou num total de seis concursos durante este período e ganhou dois. Por conseguinte, o facto de as partes apenas terem participado uma única vez no mesmo concurso não indica, por si só, neste contexto, que os respectivos produtos não pertençam ao mesmo mercado.

607    À luz do conteúdo das três respostas examinadas supra, apreciadas globalmente, assim como do documento que consta do anexo 22 à resposta à CA, não está demonstrado, no caso vertente, que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar, com base nos elementos que constam do seu processo, que existia um mercado mundial para as turbinas de gás marítimas com uma potência de 0,5 a 10 MW e que a recorrente e a Honeywell estavam ambas activas nesse mercado.

608    Na sequência de uma questão colocada na audiência pelo Tribunal de Primeira Instância, e de troca de articulados no âmbito da reabertura da fase oral do processo, apurou‑se que o único cliente de cada uma das partes na concentração, no mercado mundial das pequenas turbinas de gás, situado no EEE, não tinha sido interrogado pela Comissão, não obstante o facto de a recorrente ter indicado a sua existência no formulário de notificação «CO». Contudo, esta circunstância, referida pela recorrente após a audiência, não invalida a conclusão constante do número anterior, uma vez que não está demonstrado, nem sequer alegado pela recorrente, que o facto de o seu cliente ou de o cliente da Honeywell não terem sido consultados tenha podido falsear a definição do mercado utilizada pela Comissão na decisão impugnada.

609    No caso vertente, não está demonstrado que a Comissão tenha cometido um erro manifesto de apreciação devido à forma como conduziu o seu estudo com vista à definição do mercado das pequenas turbinas de gás marítimas.

b)     Quanto aos compromissos

 Argumentos das partes

610    A recorrente propôs a alienação da quota da Honeywell na Vericora, empresa que comercializa as turbinas da Honeywell. No Tribunal de Primeira Instância, limitou‑se a afirmar a este respeito, na sua petição, que as críticas ao compromisso suscitadas pela Comissão na decisão impugnada careciam de fundamento. No entanto, não explica os motivos pelos quais estas críticas não são fundadas, e não apresenta nenhuma prova a este respeito.

611    A Comissão observa que as críticas da GE relativas à rejeição dos compromissos se limitam a simples alegações e não conduzem a nenhuma conclusão quanto à validade da decisão impugnada.

 Apreciação do Tribunal

612    Conforme referido no n.° 555 supra, compromissos estruturais propostos pelas partes só podem ser aceites na medida em que a Comissão possa concluir que a sua execução será possível.

613    No que diz respeito às pequenas turbinas de gás, as partes na concentração notificada propuseram‑se, na primeira série de compromissos de 14 de Junho de 2001, vender a participação de 50% da Honeywell na Vericora, a empresa comum com participações iguais, por intermédio da qual a Honeywell comercializa as suas pequenas turbinas de gás marítimas, e em que a MTU detém os restantes 50% (v. considerando 494 da decisão).

614    Uma vez que as objecções suscitadas pela Comissão no que diz respeito a este compromisso são exclusivamente de ordem prática, importa observar que a Comissão aceita implicitamente, no considerando 518 da decisão impugnada, que o facto de a Honeywell ceder à MTU o controlo exclusivo da empresa que comercializa as suas turbinas permitiria evitar a criação de uma posição dominante no mercado com consequências nefastas para a concorrência. A este respeito, a argumentação apresentada pela Comissão na audiência, segundo a qual este compromisso não permitia eliminar a sobreposição horizontal nesse mercado, não pode modificar esta análise do conteúdo da própria decisão.

615    Contudo, a Comissão refere, no considerando 518 da decisão impugnada, que a alienação prevista no compromisso está sujeita a «todas as autorizações necessárias» no contexto do regime americano de controlo das exportações. Considera, por conseguinte, que não podia aceitar o compromisso tal como foi apresentado, porque na hipótese de recusa de autorização da parte das autoridades americanas competentes este seria cumprido porque a entidade resultante da fusão teria feito tudo o que estava obrigada a fazer, não obstante o facto de a alienação não se realizar. A Comissão refere, além disso, que o compromisso não precisa a natureza das disposições que regulam a concessão da aprovação em questão e, designadamente, se se trata de uma competência vinculada ou de um poder discricionário. Acrescenta que existe igualmente um problema relacionado com «o aumento esperado dos custos de produção para a actividade alienada se o comprador não produzir motores para helicópteros», ao contrário da Honeywell.

616    Uma vez que a recorrente se limita a afirmar, no Tribunal de Primeira Instância, que as supostas dificuldades colocadas por compromisso suscitadas pela Comissão são inteiramente destituídas de fundamento, deve concluir‑se que não apresentou argumentos concretos nem provas susceptíveis de pôr em causa o fundado da apreciação da Comissão sobre a possibilidade de concretização da alienação proposta.

617    Em especial, há que considerar que a Comissão podia recusar o compromisso proposto pelas partes na concentração, uma vez que este não tem nenhum valor prático devido ao seu carácter hipotético, pois a sua realização depende inteiramente da decisão das autoridades de um Estado terceiro. Se a recorrente não podia garantir a realização da condição, deveria ter proposto um compromisso subsidiário para o caso de a alienação não ser realizável.

618    À luz das observações anteriores, não está demonstrado, no caso vertente, que a Comissão tenha cometido um erro manifesto de apreciação ao considerar que o compromisso, tal como foi proposto pelas partes na operação notificada, não podia ser aceite nas circunstâncias do caso vertente. Consequentemente, este compromisso não deve ser tomado em consideração e o facto de ter sido proposto não pode, assim, influenciar a análise do mercado das pequenas turbinas de gás marítimas, efectuada pela Comissão na decisão impugnada.

c)     Conclusão sobre a sobreposição horizontal relativa à afectação do mercado das pequenas turbinas de gás marítimas

619    Refira‑se que, não obstante a afirmação da Comissão de que os elementos da sua decisão se reforçam mutuamente, de forma que seria artificial apreciar cada mercado de forma isolada (v. n.os 40 e 48 supra), esta afirmação genérica não tem, em todo o caso, nenhuma aplicação no contexto dos elementos examinados na presente secção do acórdão. Em especial, na medida em que o Tribunal de Primeira Instância assinalou anteriormente erros que viciam as apreciações da Comissão relativas à sobreposição vertical entre os dispositivos de arranque e os motores a reacção para aviões comerciais de grande porte, assim como os que se referem aos diferentes efeitos de conglomerado, nenhum destes erros tem incidência sobre a sua conclusão relativa à criação da posição dominante da recorrente no mercado das pequenas turbinas de gás marítimas devido à sobreposição horizontal resultante da concentração, que tem como consequência impedir de forma significativa a concorrência efectiva no mercado comum.

620    Há que concluir, no contexto do presente processo, que o pilar da decisão impugnada relativo à criação de uma posição dominante da recorrente, devido à sobreposição horizontal existente no mercado das pequenas turbinas de gás marítimas entre as actividades de fabrico das duas partes na concentração, que tem como consequência impedir de forma significativa a concorrência efectiva no mercado comum, está suficientemente demonstrado.

F –  Quanto aos fundamentos relativos aos vícios processuais

621    A recorrente formula quatro acusações distintas no presente contexto baseadas, respectivamente, na alegada violação do seu direito de acesso a determinados documentos, no acesso tardio a determinados documentos, na brevidade do prazo de que dispôs para responder à CA e nos alegados vícios processuais relativos ao mandato do auditor.

1.     Considerações preliminares

a)     Argumentos das partes

622    Em primeiro lugar, a recorrente recorda que, ao abrigo da legislação comunitária, da jurisprudência e da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada em 7 de Dezembro de 2000 em Nice (JO C 364, p. 1, a seguir «Carta»), o respeito dos direitos de defesa é um princípio fundamental do direito comunitário, que deve ser garantido em todos os processos, incluindo nos processos perante a Comissão em matéria de concentrações. O respeito destes direitos exige que a empresa interessada tenha tido possibilidade, desde a fase do procedimento administrativo, de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a realidade e pertinência dos factos, acusações e circunstâncias alegados pela Comissão.

623    O acesso ao processo constitui uma das garantias processuais destinadas a assegurar o exercício efectivo do direito de ser ouvido. Além disso, o princípio da igualdade das armas pressupõe que a empresa em questão tenha um conhecimento do processo igual àquele de que dispõe a Comissão, na medida em que não é a esta última que cabe decidir quais são os documentos potencialmente úteis à defesa.

624    As garantias processuais têm uma importância fundamental em matéria de concentrações. Em primeiro lugar, um processo desta natureza põe em causa o direito fundamental de propriedade. Em segundo lugar, a decisão da Comissão tem, de facto, implicações definitivas que decorrem da eficácia limitada de uma acção judicial devido aos prazos e ao facto de a decisão da Comissão determinar, na prática, o êxito de uma operação de concentração. Em terceiro lugar, ao suspender uma concentração, um processo nesta matéria afecta negativamente os interesses das partes. Em quarto lugar, as partes numa operação de concentração são vulneráveis às acusações das concorrentes que defendem os seus interesses individuais. Em quinto lugar, as perdas devidas a uma proibição ilegal de uma operação de concentração não podem ser inteiramente recuperadas. Em sexto lugar, não está disponível, na prática, nenhuma medida provisória, uma vez que as empresas não se podem fundir provisoriamente.

625    As decisões adoptadas em violação destas garantias processuais essenciais devem ser anuladas se as partes tiverem sofrido um prejuízo potencial (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Abril de 1999, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, T‑305/94 a T‑307/94, T‑313/94 a T‑316/94, T‑318/94, T‑325/94, T‑328/94, T‑329/94 e T‑335/94, Colect., p. II‑931), sob pena de violação do artigo 6.° da Convenção Europeia de Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH). Com efeito, por um lado, em matéria de concentração, a Comissão não pode ser considerada independente e imparcial uma vez que é, ao mesmo tempo, legislador, órgão executivo, denunciante e juiz em causa própria. Por outro lado, as irregularidades processuais não podem ser regularizadas no Tribunal de Primeira Instância, cujo papel se limita a uma fiscalização jurisdicional (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Junho de 1995, Solvay/Comissão, T‑30/91, Colect., p. II‑1775, n.° 98).

626    Em resposta à contestação da Comissão, a GE sublinha a natureza particular dos processos em matéria de concentrações que pode exigir um nível de protecção diferente, mas não necessariamente superior ou inferior ao nível oferecido em matéria de infracções. Em especial, sustenta que a Comissão não apreciou correctamente os interesses em causa no que diz respeito ao momento em que os interessados directos podem ser ouvidos e ao equilíbrio que deve ser encontrado na protecção dos segredos comerciais.

627    A Comissão reconhece a importância dos direitos de defesa nos processos em matéria de concorrência. No entanto, refere que a recorrente parece estar mais preocupada com o próprio processo de controlo das concentrações e com o processo de fiscalização jurisdicional, do que com a forma como a Comissão conduziu o procedimento administrativo no caso vertente.

628    Segundo a Comissão, a GE invoca erradamente o artigo 6.° da CEDH. Por um lado, os princípios inscritos na CEDH são garantidos pelos princípios gerais de direito comunitário. Por outro lado, o direito de realizar uma operação de concentração não constitui um direito fundamental e, se deve ser feita uma distinção, esse direito não exige um grau de protecção superior ao que é oferecido num processo que culmina em sanções.

b)     Apreciação do Tribunal

629    Refira‑se, a título preliminar, que, nos processos de concorrência, o procedimento de acesso ao processo tem como objecto permitir aos destinatários de uma comunicação de acusações tomar conhecimento das provas que constam do dossier da Comissão, a fim de poderem pronunciar‑se utilmente sobre as conclusões a que a Comissão chegou com base nesses elementos. O direito de acesso ao processo justifica‑se pela necessidade de garantir às empresas em causa a possibilidade de se defenderem utilmente das acusações contra elas formuladas na referida comunicação (acórdão Endemol/Comissão, n.° 115 supra, n.° 65).

630    Contudo, o acesso a determinados documentos pode ser recusado, o que sucede nomeadamente com os documentos, ou partes destes, que contenham segredos comerciais de outras empresas, os documentos internos da Comissão, as informações que permitem identificar os denunciantes que não queiram ver a sua identidade revelada, assim como as informações comunicadas à Comissão na condição de respeitar o seu carácter confidencial (acórdão BPB Industries e British Gypsum/Comissão, n.° 306 supra, n.° 29, confirmado em recurso pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Abril de 1995, BPB Industries e British Gypsum/Comissão, C‑310/93 P, Colect., p. I‑865, n.os 26 e 27).

631    Em contrapartida, o Tribunal de Primeira Instância já declarou que, embora as empresas tenham direito à protecção dos seus segredos de negócios, este direito deve ser, no entanto, ponderado juntamente com a garantia dos direitos de defesa (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Junho de 1995, ICI/Comissão, T‑36/91, Colect., p. II‑1847, n.° 98). Assim, a Comissão pode ter de conciliar interesses opostos através da preparação de versões não confidenciais de documentos que contêm segredos de negócios ou outros dados sensíveis (acórdão ICI/Comissão, já referido, n.° 103). O Tribunal considera que os mesmos princípios são aplicáveis ao acesso aos dossiers nos processos de concentração examinados no âmbito do Regulamento n.° 4064/89, mesmo que a aplicação destes princípios possa razoavelmente ser condicionada pelo imperativo de celeridade que caracteriza a economia geral do referido regulamento (acórdãos Kaysersberg/Comissão, n.° 84 supra, n.° 113, e Endemol/Comissão, n.° 115 supra, n.os 67 e 68). Contrariamente ao que alega a recorrente, não há que aplicar um nível de protecção diferente ou mais extensivo dos direitos de defesa em matéria de controlo das concentrações do que em matéria de infracções.

632    Além disso, decorre da jurisprudência que os direitos de defesa só são violados devido a uma irregularidade processual se e na medida em que esta tenha tido uma incidência concreta sobre a possibilidade de as empresas em causa se defenderem (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Março de 2000, Cimenteries CBR e o./Comissão, dito «Cimento», T‑25/95, T‑26/95, T‑30/95 a T‑32/95, T‑34/95 a T‑39/95, T‑42/95 a T‑46/95, T‑48/95, T‑50/95 a T‑65/95, T‑68/95 a T‑71/95, T‑87/95, T‑88/95, T‑103/95 e T‑104/95, Colect., p. II‑491, n.os 852 a 860). Assim, o desrespeito das regras em vigor destinadas a proteger os direitos de defesa só pode viciar o procedimento administrativo se se demonstrar que este teria podido conduzir a um resultado diferente se esse desrespeito não se tivesse verificado (v., neste sentido, acórdão do 17 de Dezembro de 1991, Hercules Chemicals/Comissão, n.° 516 supra, n.° 56, e acórdão Atlantic Container Line e o./Comissão, n.° 549 supra, n.os 340 e 430).

633    Na medida em que as violações dos direitos de defesa invocadas no caso vertente são relativas aos pilares do raciocínio da Comissão que o Tribunal de Primeira Instância considerou anteriormente não terem sido suficientemente demonstrados, tais violações não podem afectar o desenlace do presente processo. Com efeito, mesmo supondo que tais violações dos direitos de defesa estivessem demonstradas, elas só poderiam abalar os pilares da argumentação da Comissão aos quais se referem e que o Tribunal de Primeira Instância já afastou por outros motivos. Deve, portanto, determinar‑se a que aspecto do raciocínio da Comissão se refere cada alegação apresentada pela recorrente.

2.     2. Quanto ao acesso a determinados documentos

a)     Argumentos das partes

634    Segundo a recorrente, a Comissão não permitiu o acesso a documentos cruciais ou a determinados elementos destes pelo facto de serem confidenciais. Baseou a decisão impugnada em documentos não divulgados ou não permitiu o acesso a documentos potencialmente úteis à defesa da GE (acórdão AEG/Comissão, n.° 506 supra, n.os 24 a 30, e acórdão Ciment, n.° 632 supra). A Comissão estava obrigada a elaborar uma lista completa de todos os documentos obtidos. Ora, não obstante os pedidos da recorrente, a Comissão não conseguiu, em nenhum momento, certificar que o processo estava completo. Não é admissível que a Comissão só permita o acesso aos documentos em que se baseia e recuse o acesso aos documentos que, potencialmente, podem ser úteis à defesa.

635    Em especial, em primeiro lugar, a Comissão só revelou a existência de denúncias após a CA e só permitiu o acesso ao seu conteúdo através de um resumo de onze linhas que reproduzia as preocupações de determinadas companhias aéreas, mas não dos outros operadores no sector. Esta síntese de depoimentos anónimos, supostamente de acusação, não permitiu à GE contestar o seu conteúdo ou utilização. Ora, o papel crucial destas denúncias na decisão final resulta claramente das declarações da Comissão e do considerando 391 da decisão impugnada. Além disso, estas denúncias podiam conter elementos potencialmente úteis para a defesa da GE. A GE precisa que é impossível, para ela ou para o Tribunal de Primeira Instância, determinar o papel preciso que estas provas desempenharam na decisão impugnada. Consequentemente, a decisão impugnada deve ser anulada por este único motivo (acórdão Solvay/Comissão, n.° 625 supra, n.os 93 e segs.).

636    Em segundo lugar, a GE não pôde ter acesso às observações apresentadas por terceiros à Comissão, em especial a Rolls‑Royce, em 2 de Abril de 2001, e a UTC, em 30 de Janeiro, 21 de Fevereiro e 22 de Março de 2001. Ao que parece, outros terceiros apresentaram observações sem que a GE disso tivesse sido informada.

637    Em terceiro lugar, a Comissão atribuiu, demasiado extensivamente, natureza confidencial a uma série de observações de terceiros comunicadas à recorrente que estavam a tal ponto ocultadas que, na prática, era impossível era impossível à recorrente examinar ou apreciar esses documentos de maneira útil. Em especial, tratou‑se da resposta da Rolls‑Royce à carta da Comissão do 21 de Março de 2001, as observações da UTC de 24 de Abril de 2001 e as observações da ILFC. É muito duvidoso que todas estas informações ocultadas pudessem efectivamente ser qualificadas como segredos comerciais.

638    Em quarto lugar, a GE não teve acesso completo ao relatório do Professor Choi, em que se baseou a teoria da Comissão sobre as vendas de produtos por pacotes mistas. O facto de a Comissão ter finalmente abandonado este modelo não desculpa tal comportamento. Em primeiro lugar, a Comissão manteve, na decisão impugnada, as conclusões baseadas neste modelo (considerandos 349 a 355), embora não tenha fornecido nenhuma outra prova alternativa às mesmas. Em segundo lugar, devido a este acesso limitado, embora a recorrente tivesse conseguido convencer a Comissão a abandonar este modelo, não conseguiu convencê‑la da inaplicabilidade da teoria das vendas de produtos por pacotes mistas, teoria essencial da decisão impugnada. Em terceiro lugar, o modelo Choi serviu de base às questões enviadas aos terceiros.

639    Não obstante os pedidos repetidos e a sugestão de que os seus economistas fossem obrigados a respeitar a confidencialidade, a recorrente não conseguiu, em momento nenhum, obter a divulgação dos dados utilizados neste modelo devido à recusa da Rolls‑Royce, comanditária do referido modelo. No entanto, a Comissão tinha a obrigação, em conformidade com a sua comunicação relativa às regras de procedimento interno para o tratamento dos pedidos de consulta do processo nos casos de aplicação dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado CE, dos artigos 65.° e 66.° do Tratado CECA e do Regulamento (CEE) n.° 4064/89 (JO 1997, C 23, p. 3, a seguir «comunicação sobre o acesso ao processo»), em especial os seus n.os I A 2, II A 1.3 e I B, de não ter em conta o pedido de confidencialidade da Rolls‑Royce, a fim de garantir os direitos de defesa.

640    Além disso, a recorrente não conseguiu obter a comunicação da identidade dos economistas externos mandatados pela Comissão para examinar o modelo Choi, nem a dos seus relatórios, cuja existência resultava da nota de rodapé n.° 175 e dos n.os 567 e 568 da CA. Em resposta a uma questão do Tribunal de Primeira Instância, a Comissão apresentou, no âmbito das suas respostas de 26 de Abril de 2004, o relatório de um economista, o Professor Vives, por ela contratado para a aconselhar no âmbito do procedimento administrativo no presente processo, assim como correios electrónicos trocados entre o Professor Vives e funcionários da Comissão e o contrato com base no qual este último foi contratado pela Comissão. A recorrente referiu na audiência que estes documentos poderiam ter sido utilizados na sua defesa, em especial na medida em que o Professor Vives criticou determinados aspectos do raciocínio da Comissão.

641    A Comissão também recusou à GE, repetidamente, o acesso aos dados (ou aos estudos de mercado) resultantes de questões colocadas às concorrentes com base no modelo Choi, em que aparentemente se baseiam os n.os 567 e 568 da CA, ou mesmo um determinado acesso aos dados que expunham informações sensíveis eventualmente através de intervalos de valores.

642    Em quinto lugar, a GE não pôde exercer correctamente o direito de acesso em relação a documentos qualificados como documentos internos. Entre os 96 documentos que a Comissão qualificou como inacessíveis por este motivo, verifica‑se que dez destes são descritos como telecópias provenientes de terceiros pelo que era ilegal considerá‑los confidenciais. Ora, a Comissão apresentou, em 18 de Maio de 2004, em resposta a uma questão do Tribunal de Primeira Instância, onze documentos não confidenciais e resumos não confidenciais de três documentos confidenciais que tinham sido erradamente classificados como documentos internos. A recorrente fez referência a determinados destes documentos na audiência e referiu que o facto de não ter tido acesso aos mesmos, na fase do procedimento administrativo, constituiu uma violação inadmissível dos seus direitos de defesa que deve conduzir à anulação da decisão impugnada.

643    Em sexto lugar, a recorrente não pôde apresentar as suas observações sobre as observações apresentadas por terceiros, durante a avaliação do mercado, com base nas quais a Comissão rejeitou os compromissos estruturais, designadamente no que diz respeito aos motores a reacção para os aviões regionais de grande porte, as pequenas turbinas de gás marítimas e os dispositivos de arranque. Sublinha, a este respeito, que todas as alienações foram rejeitadas com base em alegações feitas pelos seus concorrentes.

644    A Comissão afirma que a GE pôde conhecer todas as acusações formuladas contra ela pelos seus serviços, em especial graças à CA, o que teria bastado, de resto, para lhe permitir defender‑se utilmente no caso vertente.

645    No que respeita às denúncias recebidas pela Comissão, a recorrente foi informada do conteúdo das acusações formuladas. A Comissão recorda que, de qualquer modo, só pode apoiar‑se nas provas que menciona. A comunicação da identidade dos seus autores e do conteúdo das denúncias não teria, de resto, acrescentado nada de significativo ao conhecimento do processo pelas partes e à sua possibilidade de se defenderem. Isso é especialmente verdade quanto à menção de uma companhia aérea no considerando 391 da decisão impugnada, no qual apenas tinha interesse o conteúdo da afirmação.

646    No que respeita ao modelo Choi, a Comissão recusou‑se a basear‑se neste modelo, cujos dados numéricos constituíam segredos comerciais, precisamente devido aos problemas processuais suscitados pela GE.

647    Quanto às observações de terceiros, as exposições da Rolls‑Royce e da UTC visadas pela recorrente eram apenas uma síntese de preocupações que já tinham expresso e não continham nenhum elemento que pudesse ser posto à disposição da GE. No que diz respeito à supressão de determinadas passagens confidenciais, a Comissão recorda que as relações de concorrência entre as partes na concentração, por um lado, e a ILFC, a Rolls‑Royce e a UTC, por outro, explicam o facto de as informações constituírem segredos comerciais.

648    No que respeita à avaliação do mercado, tendo em conta a insuficiência dos compromissos, a Comissão refere que procedeu a uma simples verificação técnica, em especial junto de terceiros, e que os resultados desta foram comunicados à GE. Além disso, a recorrente não tinha que responder às preocupações dos terceiros mas às da Comissão.

b)     Apreciação do Tribunal

649    A Comissão refere, acertadamente, que, no que diz respeito ao acesso ao dossier, deve distinguir‑se entre os elementos exclusivamente de acusação e os documentos de defesa, ou que contêm elementos de defesa. Os elementos de acusação só são pertinentes na medida em que a Comissão neles se baseie, caso em que a sua comunicação é essencial; mas se não tiverem sido considerados, a sua não comunicação não tem qualquer repercussão na licitude do processo. Em contrapartida, se se verificar que um recorrente não teve acesso, na fase do procedimento administrativo, a um documento de defesa, ou seja, a um elemento que poderia ter sido útil para a sua defesa e que poderia, por conseguinte, ter conduzido o procedimento administrativo a um resultado diferente se o recorrente o tivesse podido invocar, o raciocínio na decisão impugnada afectado por este documento deve, em princípio, ser considerado ferido de um vício.

650    Recorde‑se igualmente que, segundo a jurisprudência, um pedido de tratamento confidencial pode justificar a recusa de acesso a documentos provenientes de terceiros, tais como denúncias, num processo em matéria de concorrência. Com efeito, o Tribunal de Justiça referiu no seu acórdão do 6 de Abril de 1995, BPB Industries e British Gypsum/Comissão, n.° 630 supra, que uma empresa em posição dominante no mercado é susceptível de adoptar medidas de retaliação contra concorrentes, fornecedores ou clientes que tenham colaborado na instrução levada a cabo pela Comissão e que, nessas condições, as empresas terceiras que entregam à Comissão, no decurso das investigações por ela realizadas, documentos cuja entrega julgam poder dar origem a represálias contra elas, só podem fazê‑lo sabendo que o seu pedido de confidencialidade será tomado em consideração. Concluiu, assim, que foi com razão que o Tribunal de Primeira Instância considerou que a Comissão pôde recusar o acesso a esses documentos invocando o seu carácter confidencial (v. igualmente, a este respeito, acórdão Endemol/Comissão, n.° 115 supra, n.os 66 e segs.).

651    Há que examinar, em seguida, as faltas de acesso específicas alegadas pela recorrente.

652    Em primeiro lugar, no que diz respeito às denúncias das companhias aéreas, refira‑se, em primeiro lugar, que elas deviam conter, pela sua natureza, elementos de acusação. Assim, em conformidade com a distinção atrás estabelecida só na medida em que a Comissão tiver reproduzido o seu conteúdo na CA é que as mesmas eram pertinentes. Além disso, a Comissão afirma no Tribunal de Primeira Instância, em especial nas suas respostas escritas de 26 de Abril de 2004 às questões deste último, que todas estas companhias aéreas, sem excepção, tinham pedido anonimato. Consequentemente, só foi concedido o acesso a um resumo destas informações (v. n.° 3 do relatório do auditor).

653    Na medida em que as companhias aéreas pediram especificamente o anonimato e a confidencialidade das suas denúncias, há que considerar que a Comissão podia permitir às partes notificantes o acesso a estes documentos em forma de resumo. Com efeito, este acesso limitado representa uma solução equilibrada, confirmada, aliás, pela jurisprudência, que permite conciliar, na medida do possível, os interesses opostos das partes notificantes, por um lado, e os da Comissão e dos denunciantes, por outro (v., por analogia, acórdão «Ciment», n.° 632 supra, n.os 142 a 144 e 147, e jurisprudência referida). Na medida em que a recorrente alega que estas denúncias podiam conter elementos pontuais susceptíveis de serem invocados em sua defesa, mencionados entre os elementos de acusação, há que concluir que não se poderia verificar o fundado desta alegação sem violar a confidencialidade das denúncias em causa e, consequentemente, o equilíbrio acima mencionado, uma vez que a sua apresentação no Tribunal de Primeira Instância exigia igualmente, em princípio, a sua comunicação à recorrente, em conformidade com o artigo 67.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo.

654    O simples facto de a recorrente alegar que as denúncias em causa podiam conter elementos pontuais que ela poderia ter invocado em sua defesa não pode pôr em causa a solução equilibrada adoptada pela Comissão, no caso vertente, que consiste em permitir o acesso a um resumo dos problemas suscitados pelos denunciantes. De igual modo, na medida em que a recorrente põe em causa o carácter adequado do resumo de onze linhas a que teve acesso no caso vertente, em 24 de Maio de 2001, importa recordar que, na hipótese de a Comissão ter eventualmente omitido outras acusações formuladas nas referidas denúncias, não teria podido basear‑se nestas últimas porque não as tinha incluído no resumo. Assim, nada se opunha, no caso vertente, a que a Comissão recusasse o acesso, por razões de confidencialidade, às denúncias das companhias aéreas, que continham, em princípio, elementos de acusação, sem que o próprio juiz comunitário verifique ele mesmo o seu conteúdo.

655    À luz do exposto, o breve resumo fornecido pela Comissão, das preocupações expressas pelas companhias aéreas nas suas denúncias, cumpriu as exigências em matéria de direitos de defesa das partes numa operação de concentração notificada, tendo em conta, em especial, a necessidade de equilibrar, numa situação deste tipo, os interesses opostos destas e dos terceiros.

656    Contudo, a recorrente apresenta críticas específicas relativas à denúncia de uma companhia aérea que importa examinar separadamente. Com efeito, a recorrente refere que a Comissão se baseou expressamente, no considerando 391 da decisão impugnada, nas afirmações de uma grande companhia aérea europeia (a major European airline), contidas num documento que não pôde consultar, segundo as quais «sempre que a Boeing fixa o preço de um B737, a GE intervém com ofertas atraentes de produtos e serviços ligados ao motor, peças sobresselentes, assistência financeira e outros produtos da GE a fim de a convencer a seleccionar a aeronave equipada com o motor GE». Uma vez que a Comissão optou por utilizar esta afirmação na decisão impugnada, deveria, em princípio, ter fornecido às partes notificantes, na fase do procedimento administrativo, uma versão não confidencial ou um resumo específico do documento do qual retirou esta informação.

657    De qualquer forma, refira‑se que, em resposta a uma questão escrita do Tribunal de Primeira Instância, a Comissão apresentou, no âmbito das seus respostas de 26 de Abril de 2004, uma versão não confidencial da acta redigida por um funcionário da Comissão da reunião na qual a afirmação em causa foi feita por representantes da companhia aérea em questão. Ora, a recorrente, convidada a indicar em que medida o facto de não ter tido acesso a este resumo afectou a sua capacidade de se defender no caso presente, referiu na audiência que este documento é muito menos afirmativo do que a alegação que supostamente nele assenta.

658    Com efeito, deve observar‑se, que a Comissão exagerou a importância deste elemento de prova na decisão impugnada, na medida em que dele inferiu que a recorrente intervinha junto das companhias aéreas «sempre» que a Boeing comunicava um preço a uma delas, propondo ofertas atractivas relativamente a toda uma série de produtos e de serviços. Na realidade, da referida acta decorre unicamente que a CFMI fez uma proposta atractiva à companhia aérea em questão, relativa a produtos e serviços auxiliares não especificados, quando é feita uma encomenda relacionada com o B737 e que a existência da exclusividade ao nível do motor não impede necessariamente que o fabricante de motores faça concessões ou uma oferta respeitante a elementos auxiliares quando é feita uma encomenda.

659    À luz deste exagero, há que observar que o acesso a este documento durante o procedimento administrativo teria permitido à recorrente afirmar que a Comissão não podia fazer esta afirmação específica em relação ao B737.

660    No entanto, há que concluir que a referida afirmação é completamente marginal no contexto mais amplo da decisão impugnada no seu todo e não constitui, de forma alguma, o alicerce necessário da sua parte decisória, tanto mais que na decisão impugnada se indica explicitamente que a mesma se baseia num único elemento de prova e constitui, portanto, um exemplo, mais do que uma constatação de aplicação geral. Assim, sem que seja necessário que o Tribunal de Primeira Instância se pronuncie sobre a questão de saber se o facto de não ter existido um acesso mais amplo a este elemento era susceptível de constituir uma violação dos direitos de defesa nas circunstâncias do caso vertente, refira‑se que uma tal violação não teria podido alterar nem o curso do procedimento administrativo, nem, sobretudo, o seu resultado.

661    Quanto à alegação da recorrente de que existem igualmente observações feitas por «outros operadores no sector» (other industry players) às quais não teve acesso, a Comissão confirmou, nas suas respostas escritas de 26 de Abril de 2004 às questões do Tribunal de Primeira Instância, que todas estes observações foram disponibilizadas às partes notificantes, pelo menos numa versão não confidencial, salvo no que diz respeito a um único documento, a saber, as explicações relativas à apresentação de determinado operador que recusou fornecer uma versão não confidencial desta. A Comissão referiu no Tribunal de Primeira Instância que não se baseou de forma específica nas preocupações manifestadas pela empresa em causa, as quais estavam, de qualquer forma, abrangidas pelas preocupações manifestadas pelas companhias aéreas, e que forneceu, nas referidas respostas de 26 de Abril de 2004, um resumo acerca dessas preocupações. A recorrente não indicou, à luz deste resumo, em que medida o facto de não ter tido acesso ao mesmo na fase do procedimento administrativo teria podido alterar o decurso deste, nem, por maioria de razão, o seu resultado.

662    Em segundo lugar, no que diz respeito ao acesso às observações feitas à Comissão por terceiros, em especial pela Rolls‑Royce, em 2 de Abril de 2001, e pela UTC, em 30 de Janeiro, 21 de Fevereiro e 22 de Março de 2001, a Comissão afirma no Tribunal de Primeira Instância que estas apresentações orais não continham elementos suplementares relativamente às outras observações das mesmas empresas às quais a recorrente teve acesso, sendo estas apresentações um simples resumo das preocupações também manifestadas nas suas observações escritas. A Comissão reitera que, de qualquer forma, a recorrente só estava obrigada a responder às acusações formuladas na CA. Refira‑se, com efeito, que estas apresentações não foram invocadas na CA nem na decisão impugnada. Além disso, resulta explicitamente da carta da UTC de 3 de Maio de 2001, invocada pela recorrente, que esta solicitou explicitamente o tratamento confidencial dessas apresentações.

663    Atentas todas as circunstâncias do caso vertente, indicadas no número anterior, e tendo em conta o facto de que as duas empresas em causa são concorrentes da recorrente, que formularam as respectivas observações escritas para se oporem firmemente à operação, não há nenhuma razão para pôr em causa a afirmação da Comissão de que estas apresentações são resumos que nada acrescentam aos elementos a que a recorrente teve acesso. Além disso, não há nenhuma razão para se entender que estes documentos poderiam conter elementos de defesa, em vez de elementos unicamente de acusação. Com efeito, a recorrente não apresenta tal alegação, afirmando, pelo contrário, na sua réplica, que estas apresentações poderiam causar‑lhe prejuízo. Assim, nas circunstâncias do caso vertente, e tendo em conta, designadamente, o facto de que a produção de determinados documentos em causa teria violado a confidencialidade solicitada à Comissão pelos seus autores, a afirmação pela Comissão relativa ao conteúdo destes elementos pode ser aceite pelo Tribunal de Primeira Instância como exacta, no presente processo. Em conformidade com a distinção entre os documentos de acusação e de defesa estabelecida no n.° 649 supra, a recorrente não necessitava de ter acesso a estes elementos para se poder defender utilmente perante a Comissão, uma vez que esta não os invocou nem na CA nem posteriormente na decisão impugnada.

664    Quanto à alegação de que outros terceiros fizeram observações similares sem que a GE disso tivesse sido informada, tal alegação assenta unicamente numa referência não especificada a um anexo à petição, que contém mais de 30 documentos diferentes, pelo que o Tribunal de Primeira Instância não pode, assim, identificar a base desta alegação, nem as empresas a que se refere. Esta alegação, que não assenta em provas específicas, não pode ser acolhida.

665    Em terceiro lugar, em relação às observações de terceiros às quais a Comissão permitiu o acesso, de forma não confidencial, em especial a resposta da Rolls‑Royce à carta da Comissão do 21 de Março de 2001, as observações da UTC de 24 de Abril de 2001 e as observações da ILFC, importa observar, em primeiro lugar, que a Comissão afirmou explicitamente, na contestação, que as apresentações orais da Rolls‑Royce e da UTC (sociedade‑mãe da P & W) se referiam às preocupações destas empresas e constituem, portanto, elementos de acusação. Além disso, a Comissão referiu igualmente na sua contestação que estas três sociedades, todas concorrentes da recorrente, tinham solicitado o tratamento confidencial dos dados ocultados.

666    Há que considerar que a jurisprudência resultante do acórdão BPB Industries e British Gypsum/Comissão, n.° 630 supra, assim como o raciocínio atrás exposto, nos n.os 650 e 652 e seguintes, levam à conclusão de que a Comissão podia restringir o acesso aos elementos em causa, do modo como o fez. Por conseguinte, também não violou os direitos de defesa das partes notificantes devido ao tratamento que reservou ao acesso a estas apresentações e a outros documentos provenientes de terceiros.

667    Em quarto lugar, na medida em que a recorrente alega não ter tido acesso completo ao relatório do Professor Choi em que se baseia a teoria da Comissão sobre as vendas de produtos por pacotes mistas, basta constatar, como fez o auditor no seu relatório de 28 de Junho de 2001, que a Comissão decidiu não se basear no modelo Choi, precisamente porque não podia revelar à recorrente os dados utilizados devido à sua natureza confidencial para a sua concorrente Rolls‑Royce [v. n.° 2 do relatório do auditor de 28 de Junho de 2001 (JO 2004, C 42, p. 11)]. Nestas condições, importa observar que a recusa da Comissão, baseada num pedido de confidencialidade da Rolls‑Royce, de permitir o acesso aos dados em que se baseava este modelo não teve qualquer repercussão sobre o resultado do procedimento administrativo. De qualquer forma, uma vez que o Tribunal de Primeira Instância considerou anteriormente que a vertente da argumentação da Comissão respeitante ao modelo Choi não foi demonstrada, a presente alegação, mesmo admitindo que esteja suficientemente demonstrada, não pode conduzir à anulação da decisão impugnada (v. n.° 633 supra).

668    A recorrente alegou no Tribunal de Primeira Instância que não conseguiu obter a comunicação da identidade dos economistas externos mandatados pela Comissão no presente processo, nem a dos seus relatórios, cuja existência resulta da nota de rodapé n.° 175 e dos n.os 567 e 568 da CA. Em resposta a uma questão do Tribunal de Primeira Instância, a Comissão apresentou, no âmbito das suas respostas de 26 de Abril de 2004, o relatório de um economista, o Professor Vives, contratado por ela para a aconselhar no âmbito do procedimento administrativo no presente processo, assim como correios electrónicos trocados entre o Professor Vives e funcionários da Comissão e o contrato com base no qual este último foi contratado pela Comissão.

669    A recorrente referiu, na audiência, que estes documentos poderiam ter sido utilizados em sua defesa, designadamente na medida em que o Professor Vives criticou determinados aspectos do raciocínio da Comissão. Nesta medida, estes documentos constituíam elementos de defesa.

670    Contudo, resulta do conteúdo e do tom dos correios electrónicos em causa, assim como do contrato através do qual a Comissão contratou o Professor Vives, e em especial do anexo III deste, que o papel deste último não era fornecer provas susceptíveis de serem invocadas autonomamente pela Comissão ou até, sendo o caso, por uma parte no procedimento administrativo, mas antes o de comentar as outras provas económicas assim como conclusões de natureza económica contidas na CA. Conforme referido pela Comissão na audiência, este papel é desempenhado, desde então, pelo seu economista‑chefe, um economista interno que trabalha na Comissão mas que, não existindo este cargo na época dos factos, a Comissão recorreu a um economista externo para desempenhar essa função. A Comissão sustenta, com razão, que seria formalista fazer depender o estatuto do aconselhamento prestado no caso vertente, da simples questão de saber se o economista que o prestou era externo ou interno à Comissão.

671    Há que considerar, a este respeito, que a Comissão pode recolher diferentes pareceres, incluindo pareceres de peritos externos, a fim de verificar a exactidão da sua análise. Na medida em que, na CA e na decisão final, a Comissão apenas se baseia no parecer deste perito enquanto elemento que suporta uma tese acolhida contra uma empresa, esse parecer não é mais do que uma simples opinião manifestada por uma só pessoa e não reveste nenhum significado particular no contexto do procedimento administrativo. Essa opinião, mesmo expressa por um perito, não pode, assim, ser considerada um elemento de acusação ou de defesa.

672    De qualquer forma, se os documentos em causa tivessem sido considerados parte do processo da Comissão propriamente dito, teriam sido classificados como documentos internos, visto o seu estatuto e o seu conteúdo, pelo que a recorrente não teria tido acesso aos mesmos. Além disso, os únicos argumentos que a recorrente baseou nos documentos relativos à intervenção do Professor Vives no Tribunal de Primeira Instância consistem, no essencial, no facto de este ter feito eco de determinados argumentos que ela própria já tinha invocado no procedimento administrativo e no Tribunal de Primeira Instância. O facto de a recorrente ter tido acesso a estes documentos teria, assim, permitido apresentar argumentos substancialmente diferentes daqueles que apresentou efectivamente. De qualquer modo, a maior parte destes argumentos referem‑se ao modelo Choi, que foi abandonado pela Comissão e, além disso, dizem respeito à parte da decisão impugnada relativa às vendas de produtos por pacotes, que o Tribunal de Primeira Instância já considerou não demonstrada no presente processo (v., a este respeito, o n.° 633 supra).

673    Tendo em conta todas estas considerações, há que entender que os direitos de defesa da recorrente não foram violados devido ao facto de os documentos relativos às tomadas de posição do Professor Vives contidas nessa troca de correspondência com os funcionários da Comissão, incluindo o seu relatório, não lhe terem sido comunicados na fase do procedimento administrativo.

674    Em quinto lugar, quanto aos documentos internos alegadamente constituídos por comunicações recebidas de terceiros, a Comissão apresentou, em 18 de Maio de 2004, em resposta a uma questão do Tribunal de Primeira Instância, onze documentos não confidenciais e resumos não confidenciais de três documentos confidenciais, que tenham sido todos erradamente classificados como documentos internos. Os três documentos confidenciais eram elementos de acusação na medida em que são provenientes de terceiros que se opunham à concentração. Quanto aos onze documentos não confidenciais, a Comissão admitiu que alguns destes documentos poderiam ser qualificados como elementos de defesa, na medida em que se trata de cartas enviadas por fabricantes de estruturas e por companhias aéreas que exprimem o ponto de vista segundo o qual a concentração não teria efeitos nefastos para a concorrência. Contudo, refere que estes documentos não assentam em elementos específicos susceptíveis de demonstrar, em concreto, a inexistência de tais efeitos, sendo a maior parte delas cartas muito breves redigidas de forma quase idêntica.

675    Na audiência, o Tribunal de Primeira Instância pediu à recorrente que indicasse quais os argumentos que teria podido apresentar na fase do procedimento administrativo se tivesse tido acesso aos documentos em causa. Esta referiu que, salvo uma única excepção, não se baseava nos argumentos que teria podido apresentar, mas no facto de a Comissão não ter tido em conta os documentos, como os que estão em causa no caso vertente, que eram militavam contra a sua tese sobre a incompatibilidade da concentração com o mercado comum. Em especial, a recorrente referiu na audiência […], contrariamente à impressão dada pela Comissão […], no considerando […] da decisão impugnada.

676    Basta constatar, a este respeito, que os documentos em questão faziam parte do processo da Comissão e a alegação da recorrente de que a Comissão não os teve em conta não assenta em nenhuma prova. Com efeito, não se pode inferir do facto de estes documentos terem sido classificados como documentos internos, e não como documentos provenientes de terceiros, na fase da constituição do processo a que foi concedido acesso, que a Comissão não os tomou em consideração. Embora este erro de classificação possa eventualmente ter privado a recorrente da possibilidade de apresentar determinados argumentos, não privou a própria Comissão da oportunidade de considerar estes documentos da mesma forma que todos os outros documentos que constam do processo. Por conseguinte, esta argumentação da recorrente não demonstra que foram violados os direitos de defesa.

677    A afirmação específica que consta do considerando […] da decisão impugnada refere‑se ao facto, cuja exactidão não é negada pela recorrente, de que […]. O facto […], conforme refere a recorrente, […] não invalida a forma de actuação da Comissão que consiste em citar o artigo em questão, na decisão impugnada, para fundamentar a parte da sua tese relativa a […]

678    Em contrapartida, a recorrente alega, em relação a um único documento, a carta de […] dirigida ao membro da Comissão então responsável pela concorrência, que este documento teria, concretamente, ajudado a recorrente na sua defesa na fase do procedimento administrativo. Refere que, nesta carta, um cliente importante da recorrente e da Honeywell exprime o ponto de vista de que o compromisso de comportamento aceite pela Comissão no âmbito da concentração entre a Allied Signals e a Honeywell, em 1999, impediu realmente a Honeywell de praticar vendas de produtos por pacotes na sequência dessa operação.

679    A este respeito, basta recordar que, no n.° 470 supra, foi considerado que a parte do raciocínio da Comissão relativa às vendas de produtos por pacotes não está, em geral, demonstrada. Assim, uma vez que se considerou que o raciocínio da Comissão em relação ao qual a recorrente alega que poderia impugnar se tivesse tido acesso à carta de […], a violação dos direitos de defesa invocada pela recorrente a este respeito não pode afectar o resultado do presente processo.

680    Em sexto lugar, a recorrente alega que não teve acesso às observações dos terceiros recolhidas durante a verificação técnica dos compromissos e a avaliação do mercado destes, com base nas quais a Comissão rejeitou os compromissos estruturais, designadamente no que diz respeito aos motores dos aviões regionais de grande porte, as pequenas turbinas de gás marítimas e os dispositivos de arranque. Afirma que não teve, assim, oportunidade de responder às alegações das suas concorrentes no âmbito das suas respostas, segundo as quais, designadamente, as empresas que teriam sido criadas devido à execução de determinados compromissos estruturais não teriam sido viáveis.

681    Refira‑se, em primeiro lugar, que a Comissão se limitou a proceder a uma simples verificação técnica dos compromissos e não a um inquérito de mercado porque considerava que os compromissos eram, no seu conjunto, claramente insuficientes para resolver os problemas concorrenciais resultantes da operação de concentração notificada.

682    Além disso, a Comissão refere que comunicou à recorrente, por correio electrónico de 22 de Junho de 2001, um resumo, anexo à contestação no presente processo, que expunha os resultados da sua verificação técnica que afectavam os diferentes compromissos propostos pelas partes na operação notificada e, em especial, os compromissos estruturais respeitantes às sobreposições horizontais. A recorrente sustenta, a este respeito, que respondeu ao referido correio electrónico através de um documento de dezasseis páginas, em 26 de Junho de 2001, e que também respondeu às questões que lhe foram colocadas pela Comissão no âmbito da sua verificação técnica, através de documentos de 14 e 22 de Junho de 2001.

683    Nestas circunstâncias, refira‑se que a recorrente teve, efectivamente, a oportunidade de responder às críticas aos compromissos formulados por terceiros que foram tomadas em consideração pela Comissão, antes de esta as reproduzir na decisão impugnada. Como a Comissão correctamente observa, tais críticas só são pertinentes na medida em que sejam reproduzidas e utilizadas pela Comissão, se for o caso, para justificar a rejeição dos compromissos.

684    Além disso, tendo em conta a fase tardia do processo em que as observações em questão foram apresentadas, depois da última data para a apresentação de compromissos, há que considerar que a Comissão não estava obrigada a permitir o acesso a novos elementos do processo nesta fase do processo. Com efeito, em conformidade com o calendário estrito previsto no Regulamento n.° 4064/89 e tendo em conta o imperativo de celeridade que caracteriza os processos regidos por este regulamento, a imposição de tal obrigação, depois da última data para a apresentação dos compromissos, comportaria o risco de não ser deixado à Comissão um prazo de reflexão suficiente para analisar todo o processo e redigir a sua decisão final. Ao fornecer às partes o resumo acima mencionado, a Comissão deu às partes na operação a oportunidade de defenderem os seus interesses de forma adequada, nas circunstâncias do caso vertente e, por conseguinte, respeitou plenamente os direitos de defesa.

685    Refira‑se, além disso, que a recorrente não apresentou no Tribunal de Primeira Instância nenhum dos três documentos mencionados no n.° 682 supra, que afirma ter apresentado na fase do procedimento administrativo. Além disso, conforme anteriormente referido (v., em especial, n.os 555 e segs., 581 e segs. e 612 e segs.), não apresentou no Tribunal de Primeira Instância argumentos susceptíveis de indicar em que medida não tinha fundamento a rejeição dos compromissos estruturais, designadamente os relativos aos mercados dos motores a reacção para aviões regionais de grande porte, às pequenas turbinas de gás marítimas e aos dispositivos de arranque, limitando‑se simplesmente a afirmar, a este respeito, que esta rejeição era completamente injustificada.

686    Nestas condições, há que observar, para efeitos do presente processo, que o facto de não ter tido acesso às referidas observações de terceiros não afectou a capacidade da recorrente de se defender, uma vez que, no Tribunal de Primeira Instância, nem sequer apresenta argumentos que ponham em causa as razões apresentadas no resumo da verificação técnica e reproduzidos, no essencial, na decisão impugnada para rejeitar os compromissos estruturais em questão.

687    Por conseguinte, no caso vertente, não foi demonstrada nenhuma violação dos direitos de defesa que possa ter tido repercussão sobre o resultado do procedimento administrativo devido às falhas alegadas pela recorrente relativas ao seu acesso ao dossier administrativo da Comissão.

3.     3. Quanto ao acesso tardio ao dossier

a)     Argumentos das partes

688    A recorrente precisa, a título preliminar, que o Regulamento n.° 4064/89, designadamente o seu artigo 18.°, n.os 1 e 3, prevê o direito de ser ouvido e, portanto, de ter acesso ao dossier, em todas as fases do processo, ou seja, desde a instauração do processo, por força do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do referido regulamento. A este respeito, recorda que a decisão de instaurar um processo não é um simples acto preparatório, mas uma decisão jurídica que produz efeitos jurídicos. Este direito legal de ser ouvido em todas as fases do processo corresponde à obrigação que incumbe à Comissão, por força do artigo 10.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89, de não prolongar o processo para além do estritamente necessário, ao princípio geral de direito comunitário relativo às decisões lesivas e ao princípio da igualdade das armas.

689    A recusa, por parte da Comissão, dos pedidos de acesso da GE nos dois meses que precederam a adopção da CA constituiu uma violação dos direitos da GE, com efeitos potencialmente negativos importantes. Em primeiro lugar, houve uma desigualdade das armas, em especial durante a primeira fase do procedimento após a sua instauração, que impediu a GE de apresentar provas adequadas ou compromissos que permitissem um encerramento rápido do procedimento. Em segundo lugar, esta desigualdade das armas foi agravada pela exigência da Comissão de que a recorrente fornecesse uma resposta completa à decisão de instauração sem ter tido acesso ao dossier e pelo facto de a Comissão não ter respondido às questões da recorrente. Em terceiro lugar, o desconhecimento da posição da Comissão e do conteúdo do dossier não permitiu à GE apresentar compromissos adequados destinados a pôr fim ao procedimento. Em quarto lugar, durante o período crucial que abrangeu os meses de Março e de Abril de 2001, as concorrentes tiveram relações directas com a Comissão, embora os seus direitos sejam mais limitados do que os das partes por força do artigo 18.°, n.° 4, do Regulamento n.° 4064/89. Em quinto lugar, a CA baseou‑se na resposta da GE à decisão de instauração, adoptada apesar de a GE não ter tido acesso ao dossier. Ora, esta CA era, na realidade, no caso vertente, uma decisão final, como confirma a sua quase‑identidade com a decisão final. Por conseguinte, verificou‑se que as garantias processuais oferecidas à GE constituíram o simples respeito de uma condição técnica e não se configura, de facto, como uma oportunidade real de modificar a opinião da Comissão.

690    Embora a Comissão dispusesse de um grande número de documentos fornecidos por terceiros antes da adopção da decisão de instauração, só divulgou estes documentos depois de 8 de Maio de 2001, não obstante os pedidos anteriores da GE. A este respeito, a Comissão não pode invocar a sua comunicação sobre o acesso ao dossier, nos termos da qual «qualquer pedido de consulta apresentado em data anterior à data de comunicação das acusações é, em princípio, inadmissível», uma vez que está obrigada a respeitar as disposições do Regulamento n.° 4064/89.

691    A Comissão considera que a tese da GE não atende à natureza e à finalidade do acesso ao dossier nos processos de concentração. Tanto nos textos regulamentares, como na jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância, o direito de ser ouvido só diz respeito às objecções que a Comissão tem intenção de acolher. Uma decisão de instauração não tem por finalidade dirigir objecções às partes, mas simplesmente enunciar, de forma provisória, as dúvidas sérias da Comissão que a levam a lançar a segunda fase da investigação.

b)     Apreciação do Tribunal

692    Para rejeitar este fundamento, basta recordar, como fez a Comissão, que, segundo jurisprudência consolidada, o direito de ser ouvido nos processos em matéria de concorrência só diz respeito às objecções que a Comissão tem intenção de acolher (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Dezembro de 1992, Cimenteries CBR e o./Comissão, T‑10/92 a T‑12/92 e T‑15/92, Colect., p. II‑2667, n.° 38, e Endemol/Comissão, n.° 115 supra, n.° 65).

693    Assim, uma vez que uma decisão de instauração ao abrigo do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 4064/89, não tem por finalidade dirigir objecções às partes, mas simplesmente enunciar, de modo provisório, as dúvidas sérias da Comissão que a levam a lançar a segunda fase da investigação, a recorrente não pode afirmar que a falta de acesso ao dossier antes do envio da comunicação das acusações a privou da possibilidade de se defender. Com efeito, o facto de a recorrente ter tido a oportunidade de apresentar as suas observações escritas e orais sobre a CA no caso vertente, após ter tido acesso ao dossier administrativo da Comissão, permitiu‑lhe exprimir, em tempo útil, o seu ponto de vista sobre as acusações acolhidas.

694    Há que rejeitar o argumento da recorrente baseado no facto de que, segundo o artigo 18.°, n.os 1 e 3, do Regulamento n.° 4064/89 e o acórdão Kaysersberg/Comissão, n.° 84 supra (n.os 105 a 107), as partes numa operação de concentração podem pronunciar‑se em todas as fases do processo de controlo da concentração. Embora os termos do artigo 18.°, n.° 1, do referido regulamento signifiquem, efectivamente, que deve ser dada a oportunidade a essas partes de apresentarem observações desde a instauração do processo, os mesmos não implicam que a Comissão deva permitir o acesso ao seu procedimento administrativo nesta fase mais prematura. A necessidade que as partes têm de aceder ao dossier administrativo da Comissão a fim de se poderem defender, definitivamente, das acusações suscitadas pela Comissão na sua CA não deve ser interpretada no sentido de que obriga a Comissão a permitir‑lhes o acesso parcelar ao seu dossier ao longo de todo o procedimento, o que representaria um ónus desproporcionado para a instituição.

695    Quanto às semelhanças observadas pela recorrente entre a CA e a decisão impugnada, não se pode inferir desta circunstância que a CA fosse, na realidade, uma decisão final. Com efeito, tal presunção equivaleria a defender que a Comissão nunca pode considerar, no momento da adopção da sua decisão final, que há que manter a sua posição adoptada provisoriamente na fase de envio da CA.

696    No que diz respeito ao argumento da recorrente, de que, a inexistência de acesso ao dossier numa fase mais prematura a privou da possibilidade de apresentar compromissos adequados destinados a pôr fim ao procedimento, refira‑se, em primeiro lugar, que a recorrente já estava informada, sobretudo após a adopção da decisão de instauração ao abrigo do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), das principais dúvidas da Comissão quanto à compatibilidade da operação com o mercado comum, pelo que já podia começar a preparar, ou até a apresentar propostas de compromissos. De resto, a recorrente afirma que apresentou, efectivamente, tais propostas num estado prematuro do procedimento. Por outro lado, a recorrente teve a oportunidade de apresentar compromissos depois de ter recebido a CA e de ter tido acesso ao procedimento administrativo, dispondo, para tal, de um prazo suplementar de treze dias segundo os seus próprios articulados, após a data da audição.

4.     Quanto à brevidade do prazo concedido à GE para o exame do dossier

a)     Argumentos das partes

697    Segundo a recorrente, o prazo fixado para a sua resposta à comunicação das acusações era inaceitavelmente curto atendendo à concessão tardia do acesso ao dossier, ao volume dos documentos a examinar e ao alcance do procedimento. A Comissão concedeu à GE apenas onze dias úteis, acrescidos de um, para examinar as observações de terceiros que constam do dossier da Comissão, que eram constituídos por mais de 3 500 páginas, de quatro dias úteis suplementares para se preparar para a audiência e de treze dias suplementares para apresentar compromissos adequados. A efectividade deste prazo foi ainda reduzida pelo tempo perdido para obter o acesso completo ao dossier, pela recusa da Comissão em conceder tal acesso, pela falta de correspondência entre o índice dos documentos e estes últimos, assim como pelo grande número de páginas que faltavam no dossier e pela inobservância pela Comissão do seu próprio procedimento interno relativo à classificação dos documentos, descrito na comunicação sobre o acesso ao processo, incluindo o não fornecimento de um resumo descritivo do conteúdo de documentos pertencentes à categoria dos documentos não acessíveis.

698    Segundo a GE, este prazo foi insuficiente para lhe permitir responder à CA, para se preparar para a audição e para apresentar compromissos adequados. Em seu entender, a brevidade deste prazo constitui uma prática desleal e contrária ao princípio da igualdade das armas, na medida em que não permitiu à recorrente exercer os seus direitos de defesa em cada fase do procedimento. A este respeito, a GE considera que a Comissão não justificou a brevidade do prazo em causa no Tribunal de Primeira Instância.

699    A Comissão recorda o imperativo de celeridade que caracteriza o processo em matéria de concentração. As duas semanas concedidas à GE, acrescidas de um dia a seu pedido, devem ser apreciadas nesta perspectiva e este prazo não constitui uma violação dos direitos de defesa. A sugestão da GE, de que a Comissão devia ter comunicado mais cedo as suas acusações, não é conciliável com o facto de uma grande parte das preocupações da Comissão já ser conhecida antes da notificação e de a GE ter respondido à decisão de instauração.

b)     Apreciação do Tribunal

700    Refira‑se que o Regulamento n.° 4064/89 impõe prazos estritos à Comissão para tomar uma decisão definitiva sobre cada operação notificada. Em especial, nos termos do artigo 10.°, n.° 1, do referido regulamento, as decisões referidas no n.° 1 do artigo 6.°, de instaurar ou não um processo «fase II» em relação a uma operação notificada, devem ser tomadas no prazo máximo de um mês. Além disso, as decisões tomadas no final desse processo, em aplicação do artigo 8.°, n.° 3, devem ser tomadas no prazo máximo de quatro meses a contar da data em que o processo foi instaurado.

701    Para que a Comissão possa respeitar o calendário assim previsto no Regulamento n.° 4064/89 é necessário que os prazos intermédios fixados para cada fase do processo sejam igualmente curtos. Esta circunstância torna menos favoráveis, por definição, as condições nas quais devem trabalhar todos os participantes no processo, mas o ganho em termos de celeridade do processo no seu conjunto foi considerado pelo legislador como justificativo destes sacrifícios, designadamente para ter em conta o interesse comercial das partes numa operação notificada em levar a cabo o seu projecto tão rapidamente quanto possível. A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância já teve a ocasião de referir que, ao apreciar as alegadas violações dos direitos de defesa, no contexto de um processo nos termos do Regulamento n.° 4064/89, é necessário ter em conta o imperativo de celeridade que caracteriza a economia geral do referido regulamento (v., neste sentido, acórdãos Kaysersberg/Comissão, n.° 84 supra, n.° 113, e Endemol/Comissão, n.° 115 supra, n.° 68).

702    Refira‑se, igualmente que, nos termos do artigo 21.° do Regulamento n.° 447/98, aplicável, designadamente, ao prazo para responder a uma comunicação das acusações fixado nos termos do artigo 13.° do mesmo regulamento, a Comissão tomará em consideração o tempo necessário para a elaboração das declarações e a urgência do caso. Por conseguinte, cabe à Comissão conciliar, na medida do possível, os direitos de defesa das partes notificantes com a necessidade acima referida de adoptar rapidamente uma decisão definitiva.

703    Nestas condições, as partes numa operação notificada só podem invocar a brevidade dos prazos de que dispuseram no âmbito desse processo na medida em que estes prazos não sejam proporcionados à duração do processo no seu conjunto.

704    No caso vertente, está assente que as partes na operação dispuseram de um prazo de onze dias úteis, mais um dia suplementar concedido a seu pedido, para preparar a sua resposta escrita à CA. Refira‑se, igualmente, a este respeito, o facto de a recorrente ter disposto de quatro dias úteis suplementares para preparar os seus argumentos antes da audição de 29 e 30 de Maio de 2001. Caso esta se desse conta, neste período suplementar, de que lhe tinha escapado um elemento essencial no momento da redacção da sua resposta escrita à CA, poderia tê‑lo invocado oralmente.

705    Além disso, conforme refere a Comissão, uma parte significativa das preocupações da Comissão já eram conhecidas antes da notificação ou, pelo menos, após a adopção da decisão ao abrigo do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 4064/89. Assim, a recorrente pôde apreciá‑las, num primeiro momento, na sua resposta a esta decisão, um documento pormenorizado com mais de 100 páginas, com base nos documentos de que dispunha na época. Daí resulta que o prazo de doze dias úteis para responder à CA deve ser apreciado como a continuação de um debate iniciado entre a Comissão e a recorrente havia já algum tempo, e não como um prazo de resposta a acusações totalmente desconhecidas e inesperadas antes do envio deste documento.

706    Tendo em conta todas estas circunstâncias, há que considerar que estes prazos não eram desproporcionados em relação ao prazo total de quatro meses durante o qual devia estar concluída a fase II do processo.

707    Além disso, a recorrente não explicou, de forma concreta e específica, de que modo a brevidade do prazo de que dispôs a impediu de se defender utilmente no caso presente.

708    Em especial, não indicou nos seus articulados escritos quais os aspectos da CA que não pôde comentar utilmente na sua resposta a este documento. De novo, em resposta a uma questão oral do Tribunal de Primeira Instância destinada a apurar os aspectos concretos sobre os quais a recorrente tinha sido privada da possibilidade de se defender, limitou‑se a afirmar na audiência que o seu fundamento se referia ao carácter insuficiente, em termos gerais, do prazo em questão.

709    Importa ainda observar, a este respeito, que a resposta à CA das partes na concentração é um documento pormenorizado, de 47 páginas, acompanhado de anexos volumosos, incluindo vários documentos que contêm argumentos suplementares das partes na concentração sobre mercados particulares. Em princípio, e na falta de alegações específicas susceptíveis de demonstrar o contrário, esta circunstância é incompatível com a afirmação de que a recorrente não pôde responder de forma adequada à CA.

710    No que diz respeito aos argumentos respeitantes a uma alegada má organização pela Comissão do acesso ao dossier, a recorrente também não apresenta exemplos ou argumentação específica para apoiar as suas alegações de que a falta de correspondência entre o índice dos documentos e estes últimos e o «grande número de páginas que faltavam no dossier» reduziram, de facto, o período de que dispunha para responder à CA.

711    Quanto aos argumentos relativos ao acesso ao dossier e à falta de um resumo do conteúdo dos documentos não acessíveis, estes só são pertinentes no âmbito do presente fundamento, na medida em que a recorrente infere deste facto que perdeu tempo precioso devido às suas tentativas para resolver estes problemas, quando deveria poder dedicá‑lo ao estudo do próprio processo. Mas, se o facto de escrever as diferentes cartas e correios electrónicos referidos pela recorrente, certamente ocupou um dos seus advogados durante um determinado tempo, isso não a impediu de examinar, em simultâneo, sendo o caso, por intermédio de outros advogados, os numerosos documentos aos quais já tinha acesso.

712    O único documento que a recorrente invoca especificamente, a este respeito, é a declaração […] apenas que recebeu em 17 de Maio de 2001, ou seja três dias antes da data‑limite para a apresentação da sua resposta à CA. Ora, para além do facto de a recorrente ter podido comentar de forma útil este documento, eventualmente na sua resposta à CA e, pelo menos, na audição perante a Comissão, basta constatar que este documento não foi invocado pela Comissão na decisão impugnada. Assim, mesmo supondo que fosse demonstrado que a recorrente não dispôs de um prazo suficiente para examiná‑lo antes de responder à CA, esta circunstância não teve um impacto negativo, do seu ponto de vista, sobre o resultado do procedimento administrativo.

713    Assim, refira‑se, mais uma vez, que a recorrente não explicou, de forma concreta, quais os elementos ou argumentos que não pôde apresentar utilmente na fase do procedimento administrativo devido aos alegados entraves à sua defesa invocados neste contexto. Assim, não demonstrou que os seus direitos de defesa tivessem sido violados nas circunstâncias do caso vertente devido à brevidade do prazo que lhe foi fixado para responder à CA.

5.     5. Quanto ao respeito do mandato do auditor

a)     Argumentos das partes

714    A recorrente considera que as novas regras relativas ao auditor, adoptadas pela Comissão em 23 de Maio de 2001, na sua Decisão 2001/462/CE, CECA relativa às funções do auditor em determinados processos de concorrência (JO L 162, p. 21), eram aplicáveis no caso vertente, conforme reconheceu o auditor na sua carta de 19 de Junho de 2001. A aplicação concreta destas novas regras teria permitido à recorrente melhor defender os seus direitos, não só em termos de objectividade do processo, mas também no que diz respeito a um acesso adequado a todos os documentos necessários. O fundamento da inadmissibilidade suscitado, a este respeito, pela Comissão não tem qualquer base jurídica e deve, por conseguinte, ser afastado.

715    O facto de o auditor ter actuado ao abrigo das antigas regras e, designadamente, de ter sido designado ao abrigo destas regras, torna ilegais e nulas as suas decisões. Tal irregularidade implica a inexistência da decisão impugnada ou, pelo menos, a sua anulação. A aplicação das antigas regras privou a GE da protecção da Carta e da CEDH que garantem o seu direito de ser ouvido.

716    A Comissão considera que o presente fundamento é inadmissível na medida em que a GE não identifica as regras que não foram aplicadas, nem indica de que modo estas regras lhe teriam permitido defender‑se de forma mais eficaz. De qualquer modo, as novas regras em causa eram aplicáveis e foram aplicadas. A adopção da Decisão n.° 2001/462 não pôs fim aos mandatos dos auditores responsáveis por um processo. De qualquer forma, o auditor deve assegurar o respeito das regras materiais e uma violação, a este respeito, deve ser demonstrada, o que não acontece no presente processo. Na realidade, este erro foi provocado pela omissão, no último momento, de uma cláusula, na Decisão 2001/462, que previsse a sua entrada em vigor no dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial. Consequentemente, a decisão entrou em vigor no momento da sua adopção, ao contrário do que tinha sido previsto pelos serviços da Comissão.

b)     Apreciação do Tribunal

717    Refira‑se de imediato que o presente fundamento preenche os requisitos do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo e não pode ser julgado inadmissível. Com efeito, embora a apresentação do fundamento na petição seja, efectivamente, pouco detalhada, o conteúdo do fundamento é claro e este foi completado, designadamente por um número limitado de alegações factuais, na fase da réplica.

718    Está assente, no caso vertente, que a Decisão 2001/462 entrou em vigor no dia da sua adopção, em 23 de Maio de 2001, e a Decisão 94/810 CECA, CE da Comissão, de 12 de Dezembro de 1994, relativa às funções do auditor em processos de concorrência perante a Comissão (JO L 330, p. 67) foi, portanto, revogada nessa mesma data. Embora a Decisão 2001/462 preveja no seu artigo 1.°, que a Comissão «nomeará um ou mais auditores», o seu artigo 2.°, n.° 1, precisa que «qualquer interrupção ou cessação das suas funções ou a sua eventual transferência, independentemente do processo seguido […] [será] objecto de decisão fundamentada da Comissão». Esta decisão não previu explicitamente medidas transitórias relativas ao auditor em funções no momento da sua entrada em vigor.

719    Embora o estatuto do auditor tenha sido modificado pela entrada em vigor da Decisão n.° 2001/462, em especial na medida em que, em conformidade com o artigo 2.°, n.° 2, desta decisão, o auditor passa a ficar adstrito, para efeitos administrativos, ao membro da Comissão responsável pela concorrência, e não à Direcção‑Geral da Concorrência, como acontecia anteriormente, resulta claramente desta decisão que a nova função de auditor substitui directamente a antiga função do mesmo nome ao abrigo da Decisão n.° 94/810. Nestas condições, há que considerar que, na falta de uma decisão que pusesse fim ao seu mandato, nos termos do artigo 2.°, n.° 1, da Decisão 2001/462, o anterior auditor permaneceu em funções após a entrada em vigor desta decisão, contrariamente à argumentação da recorrente.

720    Esta interpretação dos textos acima mencionados é reforçada pela necessidade objectiva que existia, quanto à função de auditor, de assegurar uma continuidade funcional em conformidade com o princípio da boa administração. Refira‑se que a Decisão 2001/462 entrou necessariamente em vigor quando já estavam em curso determinadas processos. Se o efeito da entrada em vigor da Decisão 2001/462, conjugado com a falta de nomeação de um novo auditor, fosse que nenhuma pessoa estava habilitada a assegurar esta função, esses processos não poderiam prosseguir, o que teria privado de efeito útil tanto as disposições do Regulamento n.° 4064/89 como as da Decisão 2001/462 no que diz respeito a estes processos. Por conseguinte, há que considerar que o auditor em funções no momento da entrada em vigor da Decisão 2001/462 continuou a poder assegurar esta função até nova ordem, pelo menos para efeitos de concluir os processos, como o do caso vertente, que já lhe tinham sido submetidos.

721    No que diz respeito à aplicação das disposições da Decisão 2001/462, a Comissão não nega que o auditor cometeu, a este respeito, um erro de direito, quanto às regras em vigor no momento da audição. Em contrapartida, baseia‑se na falta de consequências jurídicas ou concretas deste erro, uma vez que o procedimento aplicado, na prática, pelo auditor estava em conformidade tanto com as antigas regras, que julgava aplicar, como com as novas regras que devia aplicar.

722    A Comissão refere, com razão, que a recorrente não pôde identificar a disposição específica da Decisão 2001/462 que o auditor violou, nem a disposição com base na qual este poderia ter adoptado uma posição diferente da que adoptou de facto se tivesse tido conhecimento de que devia aplicar a Decisão 2001/462.

723    As únicas questões concretas suscitadas pela recorrente, a este respeito, dizem respeito à recusa do auditor de ordenar a apresentação integral do modelo Choi e dos dados aí utilizados assim como das denúncias e observações recebidas de terceiros. Ora, há que concluir que, pelos motivos expostos supra nos n.os 649 e seguintes, o acesso ao dossier foi considerado suficiente, nas circunstâncias do caso vertente, no que diz respeito às denúncias e observações em causa. Por conseguinte, a posição tomada pelo auditor a este respeito não impediu, de forma alguma, a recorrente de se defender no caso vertente. Quanto ao modelo Choi, o auditor referiu, no seu relatório do 28 de Junho de 2001, que a Comissão já não se baseava, nesta data, no referido modelo (v. igualmente, a este respeito, n.os 2 e 3 do relatório do auditor de 28 de Junho de 2001). De qualquer forma, importa recordar, a este respeito, que o Tribunal de Primeira Instância já julgou improcedente, nos n.os 399 e seguintes supra, o raciocínio da Comissão relativo às vendas de produtos por pacotes, pelo que a eventual constatação de uma irregularidade relativa ao acesso a este modelo não pode afectar o resultado do presente processo.

724    A recorrente refere que a Decisão 2001/462 afirma, no seu considerando 2, que «a Comissão deve assegurar o referido direito nos processos de concorrência que correm perante ela, tendo em conta especialmente a [Carta]». Invoca, a este respeito, em especial, o direito de ser ouvido nos termos do artigo 41.°, n.° 2, da Carta, o direito de acesso aos documentos nos termos dos artigos 41.° e 42.°, o direito a um processo equitativo nos termos do artigo 47.° e, por último, a obrigação expressa de respeitar o princípio da proporcionalidade em qualquer limitação dos direitos fundamentais, nos termos do artigo 52.°

725    Basta referir, a este respeito, que o conteúdo efectivo de todos os direitos específicos mencionados no número anterior já eram protegidos pelo direito comunitário antes da adopção da Carta, que, segundo o seu próprio preâmbulo, se limita a reafirmá‑los. Com efeito, segundo uma jurisprudência assente, os direitos fundamentais são parte integrante dos princípios gerais de direito cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça (v., em especial, Parecer do Tribunal de Justiça 2/94, de 28 de Março de 1996, Colect., p. I‑1759, n.° 33, e acórdão de 29 de Maio de 1997, Kremzow, C‑299/95, Colect., p. I‑2629, n.° 14). Para este efeito, o Tribunal de Justiça inspira‑se nas tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, bem como nas indicações fornecidas pelos instrumentos internacionais relativos à protecção dos direitos do homem para os quais os Estados‑Membros cooperam ou a que aderiram. A Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais reveste, a este propósito, um significado particular (acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Maio de 1986, Johnston, 222/84, Colect., p. 1651, n.° 18, e Kremzow, já referido, n.° 14). Além disso, nos termos do artigo F, n.° 2, do Tratado da União Europeia (actual artigo 6.°, n.° 2, UE) «A União respeita os direitos fundamentais tal como os garante a Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950, e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, enquanto princípios gerais do direito comunitário».

726    De igual modo, o princípio da proporcionalidade, que faz parte dos princípios gerais do direito comunitário e exige que os actos das instituições comunitárias não ultrapassem os limites do adequado e necessário à realização dos objectivos legitimamente prosseguidos pela regulamentação em causa, entendendo‑se que, quando exista uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos rígida e os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objectivos pretendidos, está bem estabelecido no direito comunitário (v., por exemplo, acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Novembro de 1990, Fedesa e o., C‑331/88, Colect., p. I‑4023, n.° 13; 5 de Outubro de 1994, Crispoltoni e o., C‑133/93, C‑300/93 e C‑362/93, Colect., p. I‑4863, n.° 41, e 5 de Maio de 1998, National Farmers’ Union e o., C‑157/96, Colect., p. I‑2211, n.° 60).

727    Assim, no caso vertente, não se pode inferir da referência à Carta, no considerando 2 da Decisão 2001/462, que o auditor devia aplicar os direitos invocados pela recorrente de uma forma diferente após a entrada em vigor deste Acto.

728    A recorrente invoca igualmente afirmações gerais da Comissão relativas ao reforço dos direitos de defesa que devem resultar da reforma do mandato do auditor, em especial no Livro Verde que antecedeu a adopção da Decisão 2001/462. Ora, não decorre destas afirmações que o auditor teria tido um comportamento diferente, no momento da audição perante a Comissão, daquela que teve de facto. O próprio auditor afirmou, na sua carta à recorrente, de 19 de Junho de 2001, que a audição foi organizada em observância das exigências da Decisão 2001/462 em matéria de respeito dos direitos de defesa. Refira‑se, em especial, que o auditor deu às partes na concentração a oportunidade de apresentarem observações escritas na sequência da audição, em conformidade com o previsto no artigo 12.°, n.° 4, da Decisão 2001/462.

729    A única alegação específica, apresentada pela recorrente a este respeito, refere‑se à possibilidade de o auditor ter podido considerar que era necessário excluir o modelo Choi dos debates na fase da audição perante a Comissão, pelo facto de as partes na concentração não terem podido examinar os dados utilizados nesta fase. Na falta de uma referência a disposições específicas da Decisão 2001/462 que modifiquem os critérios que o auditor devia aplicar para adoptar a sua decisão a este respeito, este argumento não pode ser acolhido. De qualquer modo, conforme recordado no n.° 719 supra, a Comissão abandonou o modelo Choi antes de adoptar a decisão impugnada.

730    Embora, no momento da audição no presente processo, em 29 e 30 de Maio de 2001, o auditor se tenha equivocado efectivamente quanto às regras aplicáveis, não se pode considerar, no caso vertente, que este erro tenha tido sobre a capacidade de a recorrente de se defender um impacto tal que o decurso do processo teria podido sido diferente.

731    No que diz respeito ao desenrolar do procedimento administrativo, após a audição, o auditor aplicou as novas disposições da Decisão 2001/462 no momento em que elaborou o seu relatório de 28 de Junho de 2001. Assim, ao tomar uma posição definitiva sobre as diferentes questões processuais suscitadas pelas partes da operação notificada, teve em conta as regras processuais realmente aplicáveis. Uma vez que, no referido relatório, examinou, mais uma vez, a questão de saber se os direitos de defesa tinham sido respeitados no caso vertente e, em especial, a de saber se o acesso ao dossier tinha sido conforme com as regras aplicáveis, há que concluir que sanou os eventuais vícios resultantes do seu erro anterior, antes da adopção da decisão impugnada.

 Conclusão geral

732    Há que observar, no âmbito do presente processo, que a Comissão concluiu validamente na decisão impugnada que, na sequência da concentração, a posição dominante preexistente da recorrente no mercado dos motores a reacção para aviões regionais de grande porte seria reforçada e que seriam criadas posições dominantes por parte da entidade resultante da fusão nos mercados dos motores para aviões executivos e das pequenas turbinas de gás marítimas (v., respectivamente, n.os 489 e segs., 566 e segs. e 587 e segs.). Resulta igualmente da decisão impugnada que, em cada um destes mercados, a criação ou o reforço de uma posição dominante teria por consequência impedir de forma significativa a concorrência efectiva no mercado comum. Além disso, nenhuma destas conclusões é afectada pelas acusações de natureza processual apresentadas pela recorrente no caso vertente (n.os 621 a 731 supra).

733    Em contrapartida, embora a Comissão tenha considerado validamente, na decisão impugnada, que a recorrente estava em posição dominante, antes da concentração, no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte, não demonstrou suficientemente que seriam criadas ou reforçadas posições dominantes para a entidade resultante da fusão em razão da sobreposição vertical entre os dispositivos de arranque da Honeywell e os motores a reacção para aviões comerciais de grande porte da recorrente, nem devido à combinação dos produtos aviónicos e não aviónicos da Honeywell com o poder financeiro e comercial do grupo GE, nem, por último, em razão das possibilidades das vendas por pacotes dos motores da recorrente com os produtos aviónicos e não aviónicos da Honeywell (v., respectivamente, n.os 286 e segs., 325 e segs., e 399 e segs.).

734    Importa recordar, a este respeito, que não há que anular uma decisão que declara a incompatibilidade com o mercado comum de uma operação de concentração notificada pelo facto de a recorrente ter demonstrado a existência de um ou vários erros que viciam a análise efectuada no que diz respeito a um ou vários mercados, se, desta mesma decisão, resultar, no entanto, claro que a concentração notificada preenchia os critérios de incompatibilidade do artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89 relativos a um ou vários outros mercados (v., designadamente, n.os 45 a 48 supra). Assim, uma vez que a Comissão constatou validamente, na decisão impugnada, que os referidos critérios estavam preenchidos para três mercados diferentes, a saber, o dos motores a reacção para aviões regionais de grande porte, o dos motores a reacção para aviões executivos e o das pequenas turbinas de gás marítimas, a decisão impugnada no caso vertente não deve ser anulada. Por conseguinte, deve ser negado provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

735    Por força do disposto no n.° 2 do artigo 87.°, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida e tendo a recorrida, bem como os intervenientes, a Rolls‑Royce e a Rockwell Collins, pedido a condenação da recorrente nas despesas, há que condenar esta última nas suas próprias despesas e nas despesas efectuadas pela recorrida e pelos intervenientes.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção Alargada)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A recorrente suportará as suas próprias despesas, bem como as despesas efectuadas pela Comissão e pelos intervenientes.

Pirrung

Tiili

Meij

Vilaras

 

      Forwood

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 14 de Dezembro de 2005.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      J. Pirrung

Índice

Quadro jurídico

Antecedentes do litígio

Decisão impugnada

Tramitação processual

Pedidos das partes

Questão de direito

A –  Questões preliminares

1.  Quanto ao pedido de apensação

2.  Quanto à articulação entre os diferentes pilares que justificam a conclusão da Comissão sobre a incompatibilidade da concentração com o mercado comum

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal

3.  Quanto aos compromissos assumidos

4.  Quanto ao nível da prova e ao âmbito do controlo efectuado pelo órgão jurisdicional comunitário

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal

Considerações gerais

Tratamento dos efeitos de conglomerado

Tratamento dos factores susceptíveis de dissuadir a entidade resultante da fusão de adoptar determinados comportamentos previstos na decisão impugnada

5.  Quanto à falta de demonstração relativa ao entrave significativo a uma concorrência efectiva

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal

B –  Quanto à posição dominante preexistente no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte

1.  Introdução

2.  Argumentos das partes

3.  Apreciação do Tribunal

a)  Observações preliminares

b)  Quanto às quotas de mercado

Quanto à atribuição das quotas de mercado da CFMI à recorrente

–  Introdução

–  Análise da organização interna da CFMI

–  Análise da posição concorrencial da GE, da CFMI e da Snecma

–  Síntese e conclusão quanto à atribuição das quotas de mercado da CFMI à recorrente

Quanto às quotas de mercado em que a Comissão se baseou para apreciar o poder dos fabricantes presentes no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte

–  Considerações relativas à natureza do mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte

–  Considerações relativas aos mercados de assistência (aftermarkets)

–  Considerações relativas ao conceito de «uniformização» no mercado dos motores para aviões comerciais de grande porte

–  Quanto à medida das quotas de mercado consideradas pela Comissão para efeitos de apreciação do poder da recorrente no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte

–  Tratamento do Boeing 737

Conclusão sobre as quotas de mercado

c)  Integração vertical – GE Capital e GECAS

Introdução

Influência comercial da GECAS

–  Quanto à política «GE‑only» da GECAS

–  Quanto à posição comercial da GECAS

Poder financeiro da GE Capital

Considerações relativas à influência exercida pela GECAS e pela GE Capital sobre os clientes da recorrente no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte

–  Quanto à influência exercida pela GE resultante do poder das suas filiais sobre os fabricantes de estruturas

–  Quanto à influência exercida pela GE resultante do poder das suas filiais sobre as companhias aéreas

–  Conclusão sobre a influência exercida pela GE resultante do poder das suas filiais

Considerações relativas aos valores respeitantes à evolução das quotas de mercado da recorrente após o início pela GECAS da sua actividade de compra e de locação financeira de aviões

Conclusão sobre a integração vertical

d)  Situação concorrencial no mercado dos motores a reacção para aviões comerciais de grande porte

e)  Pressão concorrencial e comercial inexistente ou fraca

Pressão exercida pelos concorrentes

–  Quanto à posição da P & W

–  Quanto à posição da Rolls‑Royce

Pressão exercida pelos compradores

f)  Conclusão sobre a posição dominante

C –  Quanto à sobreposição vertical

1.  Argumentos das partes

2.  Apreciação do Tribunal

3.  Conclusão

D –  Quanto aos efeitos de conglomerado

1.  Quanto ao poder financeiro e à integração vertical

a)  Argumentos das partes

Quanto ao poder financeiro

Quanto à integração vertical

b)  Apreciação do Tribunal

Introdução

Quanto à probabilidade do comportamento futuro previsto pela Comissão

–  Quanto aos produtos SFE‑standard

–  Quanto aos produtos BFE e SFE‑opção

Quanto à criação de posições dominantes nos mercados dos produtos aviónicos e não aviónicos no futuro

Conclusão

2.  Quanto às vendas de produtos por pacotes

a)  Argumentos das partes

Observações preliminares

Quanto à existência de vendas de produtos por pacotes puras ou técnicas

Quanto à existência de vendas de produtos por pacotes mistas

b)  Apreciação do Tribunal

Observações preliminares

Quanto às vendas de produtos por pacotes em geral

Quanto às vendas de produtos por pacotes puras

Quanto às vendas de produtos por pacotes técnicas

Quanto às vendas de produtos por pacotes mistas

–  Quanto às práticas anteriores

–  Quanto às análises económicas

–  Quanto ao carácter estratégico dos comportamentos previstos

Conclusão

E –  Quanto às sobreposições horizontais

1.  Quanto aos motores a reacção para aviões regionais de grande porte

a)  Argumentos das partes

Quanto à definição do mercado e à existência de uma posição dominante preexistente no mercado pertinente

Quanto aos efeitos da concentração no mercado em causa

Quanto à rejeição do compromisso estrutural relativo aos motores para aviões regionais de grande porte

b)  Apreciação do Tribunal

Quanto à definição do mercado

Quanto à posição dominante preexistente da recorrente

Quanto ao reforço da posição dominante

Quanto aos efeitos do reforço da posição dominante sobre a concorrência

Quanto à rejeição pela Comissão do compromisso relativo aos aviões regionais de grande porte

Conclusão sobre a sobreposição horizontal que afecta o mercado dos motores para aviões regionais de grande porte

2.  2. Quanto aos motores a reacção para aviões executivos

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal

c)  Conclusão sobre a sobreposição horizontal relativa à afectação do mercado dos motores para aviões executivos

3.  3. Quanto às pequenas turbinas de gás marítimas

a)  Quanto à definição do mercado

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

b)  Quanto aos compromissos

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

c)  Conclusão sobre a sobreposição horizontal relativa à afectação do mercado das pequenas turbinas de gás marítimas

F –  Quanto aos fundamentos relativos aos vícios processuais

1.  Considerações preliminares

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal

2.  2. Quanto ao acesso a determinados documentos

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal

3.  3. Quanto ao acesso tardio aos autos

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal

4.  Quanto à brevidade do prazo concedido à GE para o exame do dossier

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal

5.  5. Quanto ao respeito do mandato do auditor

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal

Conclusão geral

Quanto às despesas



* Língua do processo: inglês.


1 – Dados confidenciais ocultados.