Language of document : ECLI:EU:C:2000:628

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

16 de Novembro de 2000 (1)

«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância - Concorrência - Artigo 85.°, n.° 1, do Tratado CE (actual artigo 81.°, n.° 1, CE) - Fundamentação - Princípio da igualdade de tratamento - Despesas»

No processo C-282/98 P,

Enso Española SA, com sede em Castellbisbal (Espanha), representada por A. Creus Carreras, advogado no foro de Barcelona, e E. Contreras Ynzenga, advogado no foro de Madrid, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Cuatrecasas, avenue d'Auderghem, 78, 1040 Bruxelas,

recorrente,

que tem por objecto um recurso do acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (Terceira Secção Alargada) de 14 de Maio de 1998, Enso Española/Comissão (T-348/94, Colect., p. II-1875), em que se pede a anulação desse acórdão,

sendo a outra parte no processo:

Comissão das Comunidades Europeias, representada por R. Lyal e E. Gippini Fournier, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no gabinete de C. Gómez de la Cruz, membro do mesmo serviço, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: A. La Pergola, presidente de secção, M. Wathelet (relator), D. A. O. Edward, P. Jann e L. Sevón, juízes,

advogado-geral: J. Mischo,


secretário: R. Grass,

visto o relatório do juiz-relator,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 18 de Maio de 2000,

profere o presente

Acórdão

1.
    Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 23 de Julho de 1998, a Enso Española SA interpôs, nos termos do artigo 49.° do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, recurso do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio 1998,Enso Española/Comissão (T-348/94, Colect., p. II-1875, a seguir «acórdão recorrido»), pelo qual este anulou parcialmente a Decisão 94/601/CE da Comissão, de 13 de Julho de 1994, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (IV/C/33.833 - Cartão) (JO L 243, p. 1, a seguir «decisão»), e julgou improcedente o recurso quanto ao restante.

Os factos

2.
    Pela decisão, a Comissão aplicou coimas a 19 produtores fornecedores de cartão na Comunidade, com fundamento em violações do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado CE (actual artigo 81.°, n.° 1, CE).

3.
    Resulta do acórdão recorrido que essa decisão surgiu na sequência de queixas informais apresentadas, em 1990, pela British Printing Industries Federation, organização profissional representativa da maioria dos impressores de cartão do Reino Unido, e pela Fédération française du cartonnage e ainda de investigações efectuadas, sem aviso prévio, em Abril de 1991 por agentes da Comissão, actuando ao abrigo do n.° 3 do artigo 14.° do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, primeiro regulamento de aplicação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), nas instalações de diversas empresas e associações profissionais do sector do cartão.

4.
    Os elementos obtidos no âmbito destas investigações e na sequência de pedidos de informações e de documentos levaram a Comissão a concluir que as empresas em causa tinham participado, entre meados de 1986 e Abril de 1991 pelo menos (na maior parte dos casos), numa infracção ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. Em consequência, decidiu dar início a um procedimento em aplicação desta última disposição e, por carta de 21 de Dezembro de 1992, enviou uma comunicação de acusações a cada uma das empresas em causa a que todas responderam por escrito. Nove das empresas pediram para ser ouvidas.

5.
    No termo do procedimento, a Comissão adoptou a decisão, que inclui as seguintes disposições:

«Artigo 1.°

As empresas Buchmann GmbH, Cascades SA, Enso-Gutzeit Oy, Europa Carton AG, Finnboard-the Finnish Board Mills Association, Fiskeby Board AB, Gruber & Weber GmbH & Co. KG, Kartonfabriek 'de Eendracht‘ NV (com denominação comercial 'BPB de Eendracht NV‘), NV Koninklijke KNP BT NV (anteriormente Koninklijke Nederlandse Papierfabrieken NV), Laakmann Karton GmbH & Co. KG, Mo Och Domsjö AB (MoDo), Mayr-Melnhof Gesellschaft mbH, Papeteries de Lancey SA, Rena Kartonfabrik A/S, Sarrió SpA, SCA Holding Ltd [anteriormente Reed Paper & Board (UK) Ltd], Stora Kopparbergs Bergslags AB, Enso Española SA (anteriormenteTampella Española SA) e Moritz J. Weig GmbH & Co. KG infringiram o disposto no n.° 1 do artigo 85.° do Tratado CE ao participarem,

-    no caso da Buchmann e da Rena desde, aproximadamente, Março de 1988 até, pelo menos, final de 1990,

-    no caso da Enso Española desde, pelo menos, Março de 1988 até, pelo menos, final de Abril de 1991,

-    no caso da Gruber & Weber desde, pelos menos, 1988 até finais de 1990,

-    noutros casos, a partir de meados de 1986 até, pelo menos, Abril de 1991,

num acordo e prática concertada com início em meados de 1986, através do qual os fornecedores de cartão na Comunidade:

-    se reuniram regularmente numa série de reuniões secretas e institucionalizadas para debater e acordar um plano comum do sector destinado a restringir a concorrência,

-    acordaram aumentos de preços regulares para cada qualidade do produto em cada moeda nacional,

-    planearam e aplicaram aumentos de preços simultâneos e uniformes em toda a Comunidade,

-    chegaram a um acordo quanto à manutenção das quotas de mercado dos principais produtores a níveis constantes, sujeitas a modificações ocasionais,

-    adoptaram, principalmente a partir do início de 1990, medidas concertadas por forma a controlar o fornecimento do produto na Comunidade e a assegurar a aplicação dos referidos aumentos concertados de preços,

-    procederam ao intercâmbio de informações comerciais sobre os fornecimentos, preços, suspensões de actividade, cadernos de encomendas e taxas de utilização das máquinas em apoio às medidas supracitadas.

...

Artigo 3.°

São aplicadas as seguintes coimas às empresas a seguir designadas relativamente à infracção referida no artigo 1.°:

...

xviii)    Enso Española, coima de 1 750 000 ecus;

...»

6.
    Por outro lado, resulta dos factos, tal como descritos no acórdão recorrido:

«13    Nos termos da decisão, a infracção foi praticada no âmbito de um organismo denominado 'Product Group Paperboard‘ (grupo de estudos do produto cartão, a seguir 'PG Paperboard‘), composto por diversos grupos ou comités.

14    Em meados de 1986, foi criado, no âmbito deste organismo, um 'Presidents Working Group‘ (grupo de trabalho dos presidentes, a seguir 'PWG‘), de que fazem parte representantes de alto nível dos principais produtores de cartão da Comunidade (cerca de oito).

15    O PWG tinha nomeadamente como actividades a discussão e a concertação sobre os mercados, as quotas de mercado, os preços e a utilização das capacidades. Em especial, adoptou decisões gerais relativamente ao calendário e ao nível dos aumentos de preços a pôr em prática pelos fabricantes.

16    O PWG apresentava relatórios à 'President Conference‘ (a seguir 'PC‘ ou 'conferência de presidentes‘), na qual participava (mais ou menos regularmente) a quase totalidade dos directores executivos das empresas envolvidas. A PC reuniu-se duas vezes por ano durante o período em causa.

17    No fim do ano de 1987, foi criado o 'Joint Marketing Committee‘ (comité conjunto de marketing, a seguir 'JMC‘). A sua principal atribuição consistia, por um lado, em determinar se os aumentos de preços podiam entrar em vigor e, em caso afirmativo, de que modo e, por outro, em fixar as modalidades de aplicação das iniciativas em matéria de preços decididas pelo PWG relativamente a cada país e aos principais clientes, com vista a estabelecer um sistema de preços equivalente na Europa.

18    Finalmente, o comité económico (a seguir 'COE‘) debatia sobre matérias como as flutuações de preços nos mercados nacionais e os cadernos de encomendas e apresentava as suas conclusões ao JMC ou, até finais de 1987, ao predecessor do JMC, o Marketing Committee. O COE era composto pelos directores comerciais da maior parte das empresas em causa e reunia-se várias vezes por ano.

19    Além disso, resulta da decisão que a Comissão considerou que as actividades do PG Paperboard eram apoiadas por um intercâmbio de informações por intermédio da sociedade de auditores Fides, com sede em Zurique (Suíça). Segundo a decisão, a maior parte dos membros do PG Paperboard fornecia à Fides relatórios periódicos sobre as encomendas, a produção, as vendas e autilização das capacidades. Estes relatórios eram tratados no quadro do sistema Fides e os dados resultantes eram enviados aos participantes.

20    A recorrente Enso Española SA (a seguir 'Enso Española‘), antiga Tampella Española SA, participou, segundo a decisão, em algumas reuniões do JMC (entre Fevereiro de 1989 e Abril de 1991), da PC (de Maio de 1988 a Maio de 1989), e do COE (de Fevereiro de 1987 a Maio de 1989).»

7.
    Dezasseis das dezoito empresas consideradas responsáveis pela infracção bem como quatro empresas finlandesas, membros do grupo profissional Finnboard e, por esse facto, consideradas solidariamente responsáveis pelo pagamento da coima aplicada ao grupo, recorreram da decisão (processos T-295/94, T-301/94, T-304/94, T-308/94 a T-311/94, T-317/94, T-319/94, T-327/94, T-334/94, T-337/94, T-338/94, T-347/94, T-352/94 e T-354/94, bem como processos apensos T-339/94 a T-342/94).

O acórdão recorrido

8.
    No que respeita ao pedido de anulação da decisão, o Tribunal de Primeira Instância anulou, relativamente à recorrente, o artigo 1.° da referida decisão, na medida em que se considerou provado que a mesma participou numa infracção ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado durante o período entre o mês de Março de 1988 e o mês de Fevereiro de 1989, e o artigo 1.°, oitavo travessão, dessa mesma decisão segundo o qual o acordo e a prática concertada em que participou tiveram por objecto a «manutenção das quotas de mercado dos principais produtores a níveis constantes, sujeitas a modificações ocasionais» durante o período entre o mês de Março de 1989 e o mês de Abril de 1991.

9.
    Quanto ao restante, o Tribunal de Primeira Instância negou provimento ao recurso.

10.
    Por outro lado, a recorrente tinha invocado no Tribunal de Primeira Instância seis fundamentos relativos à fixação da coima. O presente recurso refere-se precisamente aos fundamentos do acórdão recorrido relativos a essa fixação. Tendo em conta os fundamentos invocados pela recorrente em apoio do mesmo, apenas serão adiante resumidas as partes do acórdão recorrido que respondem aos vícios relativos à violação do artigo 190.° do Tratado CE (actual artigo 253.° CE) e do princípio da igualdade de tratamento, em particular o não se ter tomado em consideração a desvalorização da peseta espanhola.

Quanto ao fundamento assente em violação do artigo 190.° do Tratado

11.
    A recorrente, no essencial, acusava a Comissão de não ter indicado nem o exercício de referência escolhido para aplicar a percentagem do volume de negócios, nem a percentagem do volume de negócios escolhida como taxa de base antes da tomada em consideração das circunstâncias atenuantes e agravantes, nem mesmo do volume de negócios escolhido. Entendia que a simples enumeração das circunstâncias que aComissão teve alegadamente em conta para determinar o montante das coimas não constituía uma fundamentação suficiente.

12.
    O Tribunal de Primeira Instância respondeu:

«109    Segundo jurisprudência constante, o dever de fundamentar uma decisão individual tem por finalidade permitir ao juiz comunitário exercer a fiscalização da legalidade da decisão e fornecer ao interessado uma indicação suficiente para saber se a decisão é fundada ou se está eventualmente afectada por um vício que permita contestar a sua validade, esclarecendo-se que o alcance dessa obrigação depende da natureza do acto em causa e do contexto em que o mesmo foi adoptado (v., nomeadamente, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Dezembro de 1996, Van Megen Sports/Comissão, T-49/95, Colect., p. II-1799, n.° 51). Embora, por força do artigo 190.° do Tratado, a Comissão seja obrigada a mencionar os elementos de facto e de direito de que depende a justificação legal da decisão e as considerações que a levaram a adoptá-la, não se exige que discuta todos os pontos de facto e de direito suscitados no procedimento administrativo (v., nomeadamente, acórdão Van Landewyck e o./Comissão, já referido, n.° 66).

    ...

244    No que respeita a uma decisão que, como no presente caso, aplica coimas a diversas empresas por uma infracção às regras comunitárias da concorrência, há que determinar o alcance da obrigação de fundamentação, tendo em conta, designadamente, que a gravidade das infracções deve ser apreciada em função de um grande número de elementos tais como, nomeadamente, as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o carácter dissuasivo das coimas, e isto sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração (despacho do Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1996, SPO e o./Comissão, C-137/95 P, Colect., p. I-1611, n.° 54).

245    Além disso, ao fixar o montante de cada coima, a Comissão dispõe de um poder de apreciação e não pode ser obrigada a aplicar, para esse efeito, uma fórmula matemática precisa (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Abril de 1995, Martinelli/Comissão, T-150/89, Colect., p. II-1165, n.° 59).

246    Na decisão, os critérios tomados em conta para determinar o nível geral das coimas e o montante das coimas individuais figuram, respectivamente, nos n.os 168 e 169 dos considerandos. Além disso, no que respeita às coimas individuais, a Comissão explica, no n.° 170 dos considerandos, que as empresas que participaram nas reuniões do PWG foram, em princípio, consideradas líderes do cartel, ao passo que as outras empresas foramconsideradas 'membros normais‘ deste. Finalmente, nos n.os 171 e 172 dos considerandos, indica que os montantes das coimas aplicadas à Rena e ao grupo Stora devem ser substancialmente reduzidos, a fim de ter em conta a sua cooperação activa com a Comissão, e que oito outras empresas, entre as quais a recorrente, podem igualmente beneficiar de uma redução, numa proporção inferior, pelo facto de, nas respostas que apresentaram à comunicação de acusações, não terem negado as principais alegações de facto em que a Comissão baseava as suas acusações.

247    Nas peças processuais apresentadas ao Tribunal e na resposta que deu a uma pergunta escrita deste, a Comissão explicou que as coimas foram calculadas com base no volume de negócios realizado por cada uma das empresas destinatárias da decisão no mercado comunitário do cartão em 1990. Coimas de um nível de base de 9% ou de 7,5% deste volume de negócios individual foram assim aplicadas, respectivamente, às empresas consideradas líderes do cartel e às outras empresas. Finalmente, a Comissão tomou em consideração a eventual atitude cooperante de certas empresas ao longo do procedimento administrativo. Duas empresas beneficiaram, por esse facto, de uma redução de dois terços do montante das suas coimas, enquanto outras empresas beneficiaram de uma redução de um terço.

248    De resto, resulta de um quadro fornecido pela Comissão, e que contém indicações quanto à fixação do montante de cada uma das coimas individuais, que, embora não tenham sido determinadas aplicando de forma estritamente matemática apenas os dados numéricos acima mencionados, os referidos dados foram sistematicamente tomados em conta para efeitos do cálculo das coimas.

249    Ora, a decisão não precisa que as coimas foram calculadas com base no volume de negócios realizado por cada uma das empresas no mercado comunitário do cartão, em 1990. Além disso, as taxas de base de 9% e de 7,5% aplicadas para calcular as coimas a pagar, respectivamente, pelas empresas consideradas líderes e pelos 'membros normais‘ não figuram na decisão. Também não constam da decisão as taxas das reduções concedidas à Rena e ao grupo Stora, por um lado, e a oito outras empresas, por outro.

250    No caso vertente, importa considerar, em primeiro lugar, que, interpretados à luz da exposição pormenorizada que é feita, na decisão, das alegações de facto formuladas em relação a cada destinatário da decisão, os n.os 169 a 172 dos considerandos desta contêm uma indicação suficiente e pertinente dos elementos de apreciação tomados em consideração para determinar a gravidade e a duração da infracção cometida por cada uma das empresas em causa (v., neste sentido, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Outubro de 1991, Petrofina/Comissão, T-2/89, Colect., p. II-1087, n.° 264). De igual modo, o n.° 168 dos considerandos, que deve ser lido à luz das considerações gerais sobre as coimas que constam do n.° 167, contém uma indicaçãosuficiente dos elementos de apreciação tidos em conta para determinar o nível geral das coimas.

251    Em segundo lugar, quando o montante de cada coima é, como no presente caso, determinado com base na tomada em consideração sistemática de certos dados precisos, a indicação, na decisão, de cada um desses factores permite às empresas apreciar mais correctamente se a Comissão cometeu algum erro ao fixar o montante da coima individual e se o montante de cada coima individual se justifica relativamente aos critérios gerais aplicados. No caso vertente, a indicação, na decisão, dos factores em causa, isto é, o volume de negócios de referência, o ano de referência, as taxas de base consideradas e a taxa de redução do montante das coimas, não incluiu a divulgação implícita do volume de negócios preciso das empresas destinatárias da decisão, divulgação que poderia ter constituído uma violação do artigo 214.° do Tratado. Efectivamente, o montante final de cada coima individual não resulta, como a própria Comissão sublinhou, de uma aplicação estritamente matemática dos referidos factores.

252    Aliás, a Comissão reconheceu, na audiência, que nada a impediu de indicar, na decisão, os factores tomados sistematicamente em conta e que tinham sido divulgados numa conferência de imprensa que teve lugar no dia em que a decisão foi adoptada. A este propósito, deve recordar-se que, segundo jurisprudência constante, a fundamentação de uma decisão deve figurar no próprio corpo dessa decisão e que explicações posteriores fornecidas pela Comissão não podem, salvo circunstâncias excepcionais, ser tomadas em consideração (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 2 de Julho de 1992, Dansk Pelsdyravlerforening/Comissão, T-61/89, Colect., p. II-1931, n.° 131, e, no mesmo sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 1991, Hilti/Comissão, T-30/89, Colect., p. II-1439, n.° 136).

253    Não obstante o que acaba de se afirmar, deve sublinhar-se que a fundamentação relativa à fixação do montante das coimas, contida nos n.os 167 a 172 dos considerandos da decisão, é, pelo menos, tão pormenorizada como as constantes das decisões anteriores da Comissão sobre infracções semelhantes. Ora, embora o fundamento baseado num vício de fundamentação seja de ordem pública, no momento da adopção da decisão nenhuma crítica tinha ainda sido feita pelo juiz comunitário quanto à prática seguida pela Comissão em matéria de fundamentação das coimas aplicadas. Só no acórdão de 6 de Abril de 1995, Tréfilunion/Comissão, já referido (n.° 142), e em dois outros acórdãos proferidos no mesmo dia, Société métallurgique de Normandie/Comissão (T-147/89, Colect., p. II-1057, publicação sumária), e Société des treillis et panneaux soudés/Comissão (T-151/89, Colect., p. II-1191, publicação sumária), é que o Tribunal de Primeira Instância sublinhou, pela primeira vez, ser desejável que as empresas pudessem conhecer em pormenor o modo decálculo da coima que lhes foi aplicada, sem serem obrigadas, para tal, a interpor um recurso jurisdicional contra a decisão da Comissão.

254    Daqui resulta que, quando uma decisão conclui pela existência de uma infracção às regras da concorrência e aplica coimas às empresas que nela participaram, a Comissão deve, se tiver sistematicamente tomado em conta certos elementos de base para fixar o montante das coimas, indicar esses elementos no corpo da decisão, a fim de permitir aos destinatários desta verificar as razões que levaram à fixação do nível da coima e apreciar a existência de uma eventual discriminação.

255    Nas circunstâncias excepcionais salientadas no n.° 253 supra, e tendo em conta que a Comissão se mostrou disposta a fornecer, na fase contenciosa do processo, qualquer informação pertinente relativa ao modo de cálculo das coimas, a falta de fundamentação específica na decisão quanto ao modo de cálculo das coimas não deve, neste caso, ser considerada uma violação da obrigação de fundamentação, susceptível de justificar a anulação total ou parcial das coimas aplicadas.

256    Consequentemente, o presente fundamento não pode ser acolhido.»

Quanto ao fundamento assente na falta de tomada em conta da desvalorização da peseta espanhola

13.
    A recorrente defendia que o facto de não se ter tido em conta, ao expressar as coimas em ecus, os efeitos das desvalorizações sofridas por certas moedas europeias, no caso em apreço a peseta espanhola, de Janeiro de 1991 a Julho de 1994 constituía uma discriminação entre pessoas que se encontravam na mesma situação.

14.
    O Tribunal de Primeira Instância considerou a esse respeito:

«334    O artigo 4.° da decisão dispõe que as coimas aplicadas são pagáveis em ecus.

335    Nada impede a Comissão de expressar o montante da coima em ecus, unidade monetária convertível em moeda nacional. De resto, isso permite às empresas comparar mais facilmente os montantes das coimas aplicadas. Além disso, a conversão possível do ecu em moeda nacional diferencia esta unidade monetária da 'unidade de conta‘ mencionada no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, que o Tribunal de Justiça reconheceu expressamente que, não sendo um meio de pagamento, implicava necessariamente a determinação do montante da coima em moeda nacional (acórdão Société anonyme générale sucrière e o./Comissão, já referido, n.° 15).

336    Quanto à legalidade do método da Comissão, que consiste em converter em ecus o volume de negócios de referência das empresas à taxa de câmbio médiado ano em causa (1990), as críticas formuladas pela recorrente não podem ser acolhidas.

337    Em primeiro lugar, a Comissão deve normalmente utilizar um único e mesmo método de cálculo das coimas aplicadas às empresas sancionadas por terem participado na mesma infracção (v. acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, já referido, n.° 122).

338    Em seguida, a fim de poder comparar os diferentes volumes de negócios comunicados, expressos nas moedas nacionais respectivas das empresas em causa, a Comissão deve converter esses volumes de negócios numa única e mesma unidade monetária. Sendo o valor do ecu determinado em função do valor de cada moeda nacional dos Estados-Membros, a Comissão agiu correctamente ao converter em ecus o volume de negócios de cada uma das empresas.

339    Também procedeu correctamente ao basear-se no volume de negócios do ano de referência (1990) e ao converter esse volume de negócios em ecus com base nas taxas de câmbio médias do mesmo ano. Por um lado, a tomada em consideração do volume de negócios realizado por cada uma das empresas no decurso do ano de referência, isto é, o último ano completo do período de infracção objecto da decisão, permitiu à Comissão apreciar a dimensão e o poder económico de cada empresa bem como a extensão da infracção cometida por cada uma delas, sendo estes elementos pertinentes para apreciar a gravidade da infracção cometida por cada empresa (v. acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, já referido, n.os 120 e 121). Por outro lado, a tomada em consideração, para efeitos da conversão em ecus dos volumes de negócios em causa, das taxas de câmbio médias do ano de referência considerado permitiu à Comissão evitar que as eventuais flutuações monetárias ocorridas desde a cessação da infracção afectassem a apreciação da dimensão e o poder económico relativos das empresas, bem como a extensão da infracção cometida por cada uma delas e, portanto, a apreciação da gravidade da infracção. A apreciação da gravidade da infracção deve, efectivamente, ter em conta a realidade económica tal como existia na época em que a infracção foi cometida.

340    Consequentemente, o argumento segundo o qual o volume de negócios do ano de referência deveria ter sido convertido em ecus com base na taxa de câmbio à data da adopção da decisão não pode ser acolhido. O método de cálculo da coima que consiste em utilizar a taxa de câmbio média do ano de referência permite evitar os efeitos aleatórios das alterações dos valores reais das moedas nacionais que podem ocorrer, e neste caso ocorreram de facto, entre o ano de referência e o ano de adopção da decisão. Se este método pode significar que determinada empresa deve pagar um montante, expresso em moeda nacional, nominalmente superior ou inferior ao que pagaria na hipótese de ser aplicadaa taxa de câmbio da data de adopção da decisão, isso é apenas a consequência lógica das flutuações dos valores reais das diferentes moedas nacionais.

341    Importa acrescentar que diversas empresas destinatárias da decisão possuem fábricas de cartão em mais de um país (v. n.os 7, 8 e 11 dos considerandos da decisão). Além disso, as empresas destinatárias da decisão exercem geralmente as suas actividades em mais do que um Estado-Membro, por intermédio de representantes locais. Operam, assim, em diversas divisas nacionais. A própria recorrente realiza mais de um terço do seu volume de negócios nos mercados de exportação. Ora, quando uma decisão, como a decisão controvertida, aplica sanções em relação a violações do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado e as empresas destinatárias da decisão exercem geralmente as suas actividades em diversos Estados-Membros, o volume de negócios do ano de referência convertido em ecus à taxa de câmbio média utilizada nesse ano é composto pela soma dos volumes de negócios realizados em cada um dos países em que a empresa actua. Por conseguinte, exprime perfeitamente a realidade da situação económica das empresas em causa ao longo do ano de referência.»

15.
    O Tribunal de Primeira Instância, consequentemente, julgou o fundamento improcedente.

16.
    Por último, a recorrente pedia, no Tribunal de Primeira Instância, que a Comissão fosse condenada nas despesas, incluindo os custos e juros relativos à constituição de uma garantia bancária ou ao pagamento eventual da coima.

17.
    No entanto, o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 370 do acórdão recorrido, que, face à jurisprudência assente, «as despesas provocadas pela constituição de uma garantia bancária para evitar a execução da decisão não constituem despesas suportadas para efeitos do processo, na acepção da alínea b) do artigo 91.° do Regulamento de Processo (v. despacho do Tribunal de Justiça de 20 de Novembro de 1987, Krupp/Comissão, 183/83, Colect., p. 4611, n.° 10, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Julho de 1994, Parker Pen/Comissão, T-77/92, Colect., p. II-549, n.° 101). O mesmo se aplica às despesas ocasionadas por um eventual pagamento da coima.»

18.
    Em conclusão, o Tribunal de Primeira Instância declarou:

«1)    O artigo 1.° da Decisão 94/601/CE da Comissão, de 13 de Julho de 1994, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (IV/C/33.833 - Cartão), é anulado em relação à recorrente na medida em que a data do início da infracção que lhe é censurada foi fixada antes do mês de Fevereiro de 1989.

2)    O artigo 1.°, oitavo travessão, da Decisão 94/601 é anulado em relação à recorrente.

3)    O montante da coima aplicada à recorrente pelo artigo 3.° da Decisão 94/601 é fixado em 1 200 000 ecus.

4)    Quanto ao restante, é negado provimento ao recurso.

5)    Cada parte suportará as suas próprias despesas.»

O recurso do acórdão do Tribunal de Primeira Instância

19.
    No recurso para o Tribunal de Justiça, a recorrente pede a anulação do acórdão recorrido e da decisão, bem como a anulação ou, pelo menos, a redução da coima que lhe foi aplicada.

20.
    A recorrente invoca, em apoio do seu recurso, três fundamentos assentes na aplicação e interpretação erradas do artigo 190.° do Tratado, violação do princípio da não discriminação e incoerência na fundamentação.

Quanto ao primeiro fundamento

21.
    No seu primeiro fundamento, a recorrente alega que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao não concluir que a decisão se encontrava insuficientemente fundamentada, e, por isso, ao não a anular apesar de ter verificado, no n.° 249 do acórdão recorrido, que a Comissão não tinha revelado na decisão os factores que tinha sistematicamente tido em conta para fixar o montante das coimas.

22.
    A recorrente acrescenta que esses dados, segundo jurisprudência constante lembrada pelo Tribunal de Primeira Instância no n.° 252 do acórdão recorrido, devem figurar no próprio corpo da decisão sem que as explicações posteriores fornecidas pela Comissão à imprensa ou no processo no Tribunal de Primeira Instância possam, salvo circunstâncias excepcionais, ser tomadas em consideração. Ora, o Tribunal de Primeira Instância referiu precisamente, no mesmo n.° 252, que a Comissão tinha reconhecido na audiência que nada a tinha impedido de indicar na decisão os elementos em causa.

23.
    O Tribunal de Primeira Instância não podia, nestas condições, ter em conta o facto de que «a Comissão se [tinha mostrado] disposta a fornecer, na fase contenciosa do processo, qualquer informação pertinente relativa ao modo de cálculo das coimas» (n.° 255 do acórdão recorrido). Aliás, o facto de o Tribunal de Primeira Instância ter tido que pedir explicações à Comissão sobre o cálculo da coima provaria que a fundamentação contida na decisão era insuficiente, pois não permitia ao Tribunal de Primeira Instância exercer a sua fiscalização. Assim, foi só no momento em que recebeu os esclarecimentos da Comissão que a recorrente pôde verificar a existência de um erro na imputação da duração da infracção, erro esse de que não poderia ter tomado conhecimento se não tivesse interposto recurso.

24.
    A recorrente critica igualmente o Tribunal de Primeira Instância por se ter baseado no facto de a fundamentação da decisão ser análoga à de outras decisões anteriormente tomadas pela Comissão, a propósito de infracções semelhantes, e que, até aos acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Abril de 1995, Tréfilunion/Comissão (T-148/89, Colect., p. II-1063), Société métallurgique de Normandie/Comissão e Société des treillis et panneaux soudés/Comissão, já referidos (a seguir «acórdãos rede electrossoldada para betão»), não tinham sido criticadas pelo Tribunal de Primeira Instância (v. n.° 253 do acórdão recorrido). Segundo a recorrente, a coerência e o carácter suficiente da fundamentação de um acto devem ser apreciados de forma objectiva pela análise, em cada caso concreto, da questão de saber se permitiu às partes conhecer as razões da sua adopção e ao Tribunal de Primeira Instância exercer a sua fiscalização da legalidade. Assim, o Tribunal de Primeira Instância não podia, no caso em apreço, depois de ter verificado a insuficiência de fundamentação, conceder à Comissão um prazo de graça para que esta possa alterar a sua prática no futuro, e isto em prejuízo das empresas a quem foram aplicadas coimas.

25.
    Por último, a recorrente sublinha o carácter de ordem pública do dever de fundamentação, cuja importância é ainda maior tratando-se de actos para cuja adopção as instituições detêm um amplo poder de apreciação, como em matéria de direito da concorrência, em que as empresas podem ser condenadas em coimas severas.

26.
    A Comissão refere, a título preliminar, que a fixação das coimas implica o exercício de um poder de apreciação não só pela Comissão, quando fixa, em função da gravidade e da duração da infracção, o montante da coima, mas também pelo Tribunal de Primeira Instância quando, no exercício da sua plena jurisdição, fixa o montante que se lhe afigura apropriado [artigos 172.° do Tratado CE (actual artigo 229.° CE) e 17.° do Regulamento n.° 17]. A Comissão acrescenta, a propósito do papel do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância, que não cabe ao Tribunal de Justiça, quando se pronuncia sobre questões de direito no âmbito de um recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância, substituir, por motivos de equidade, pela sua própria apreciação a apreciação do Tribunal de Primeira Instância que se pronunciou, no exercício da sua plena jurisdição, sobre o montante das coimas aplicadas a empresas devido à violação por estas do direito comunitário. Em contrapartida, o Tribunal de Justiça é competente para examinar se o Tribunal de Primeira Instância respondeu correctamente a todos os argumentos invocados pela recorrente tendentes à supressão ou à redução da coima (acórdãos do Tribunal de Justiça de 6 Abril de 1995, BPB Industries e British Gypsum/Comissão, C-310/93 P, Colect., p. I-865, n.° 34, e de 17 de Julho de 1997, Ferriere Nord/Comissão, C-219/95 P, Colect., p. I-4411, n.° 31).

27.
    Ora, a esse respeito, a Comissão alega que o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 250 do acórdão recorrido, que os n.os 169 a 172 dos considerandos da decisão continham precisamente «uma indicação suficiente e pertinente dos elementos de apreciação tomados em consideração para determinar a gravidade e a duração da infracção cometida por cada uma das empresas em causa».

28.
    Os n.os 251 a 255 do acórdão recorrido seriam, para a Comissão, redundantes, na medida em que lembram as consequências dos acórdãos rede electrossoldada para betão. A Comissão entende, aliás, que a leitura que a recorrente faz destes acórdãos é errada. Nestes acórdãos, o Tribunal de Primeira Instância teria, tal como no acórdão recorrido, concluído pelo carácter suficiente da fundamentação da decisão da Comissão, manifestando ainda ser desejável uma maior transparência no método seguido para o cálculo. Ao decidir deste modo, o Tribunal de Primeira Instância não tinha erigido a falta de transparência em falta de fundamentação da decisão. Quando muito, a posição do Tribunal de Primeira Instância decorreria do princípio da boa administração, no sentido de que os destinatários de decisões não deveriam ter que accionar um processo no Tribunal de Primeira Instância para conhecer todos os pormenores do método de cálculo utilizado pela Comissão. Porém, essas considerações não podem constituir só por si um fundamento de anulação da decisão.

29.
    Em primeiro lugar, importa expor os diferentes passos do raciocínio do Tribunal de Primeira Instância em resposta ao fundamento assente na violação do dever de fundamentação quanto ao cálculo das coimas.

30.
    O Tribunal de Primeira Instância lembrou, desde logo, no n.° 109 do acórdão recorrido, a jurisprudência constante segundo a qual o dever de fundamentar uma decisão individual tem por finalidade permitir ao juiz comunitário exercer a sua fiscalização da legalidade da decisão e fornecer ao interessado uma indicação suficiente para saber se a decisão é fundada ou se está eventualmente afectada por um vício que permita contestar a sua validade, esclarecendo-se que o alcance dessa obrigação depende da natureza do acto em causa e do contexto em que o mesmo foi adoptado (v., nomeadamente, além da jurisprudência referida pelo Tribunal de Primeira Instância, o acórdão de 15 de Abril de 1997, Irish Farmers Association e o., C-22/94, Colect., p. I-1809, n.° 39).

31.
    Em seguida, o Tribunal de Primeira Instância especificou, no n.° 244 do acórdão recorrido, que, no que respeita a uma decisão que, como no presente caso, aplica coimas a diversas empresas por uma infracção às regras comunitárias da concorrência, o alcance da obrigação de fundamentação deve ser determinado, designadamente, à luz do facto de que a gravidade das infracções depende de um grande número de elementos, tais como as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o carácter dissuasivo das coimas, e isto sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração (despacho SPO e o./Comissão, já referido, n.° 54).

32.
    A esse respeito, o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 250 do acórdão recorrido,

«que, interpretados à luz da exposição pormenorizada que é feita, na decisão, das alegações de facto formuladas em relação a cada destinatário da decisão, os n.os 169 a 172 dos considerandos desta contêm uma indicação suficiente e pertinente doselementos de apreciação tomados em consideração para determinar a gravidade e a duração da infracção cometida por cada uma das empresas em causa (v., neste sentido, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Outubro de 1991, Petrofina/Comissão, T-2/89, Colect., p. II-1087, n.° 264). De igual modo, o n.° 168 dos considerandos, que deve ser lido à luz das considerações gerais sobre as coimas que constam do n.° 167, contém uma indicação suficiente dos elementos de apreciação tidos em conta para determinar o nível geral das coimas».

33.
    Contudo, nos n.os 251 a 255 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância reduziu, não sem ambiguidade, o alcance da afirmação contida no n.° 250.

34.
    Com efeito, resulta dos n.os 251 e 252 do acórdão recorrido que a decisão não contém a indicação de dados específicos tomados em conta sistematicamente pela Comissão na fixação do montante das coimas, que, no entanto, estava em condições de divulgar e que teriam permitido às empresas apreciar melhor se a Comissão tinha cometido erros na fixação do montante da coima individual e se esse montante era justificado relativamente aos critérios gerais aplicados. O Tribunal de Primeira Instância acrescentou, no n.° 253 do acórdão recorrido, que, segundo os acórdãos rede electrossoldada para betão, é desejável que as empresas possam conhecer em pormenor o modo de cálculo da coima que lhes foi aplicada, sem serem obrigadas, para tal, a interpor um recurso contencioso da decisão da Comissão.

35.
    Por último, no n.° 255 do acórdão recorrido, concluiu por uma «falta de fundamentação específica na decisão quanto ao modo de cálculo das coimas», que se justificava pelas circunstâncias particulares do caso, concretamente, a divulgação dos elementos de cálculo no processo contencioso e o carácter inovador da interpretação do artigo 190.° do Tratado contida nos acórdãos rede electrossoldada para betão.

36.
    Antes de analisar, relativamente aos argumentos invocados pela recorrente, o bem fundado das apreciações do Tribunal de Primeira Instância relativas às consequências sobre o respeito do dever de fundamentação que poderiam decorrer da divulgação dos elementos de cálculo na fase contenciosa e do carácter inovador dos acórdãos rede electrossoldada para betão, há que verificar se o respeito do dever de fundamentação, previsto no artigo 190.° do Tratado, impunha à Comissão que fizesse constar da decisão, para além dos elementos de apreciação que lhe permitiram determinar a gravidade e a duração da infracção, uma descrição mais detalhada do modo de cálculo das coimas.

37.
    A esse respeito, cabe destacar que, no que toca a recursos de decisões da Comissão que aplicam coimas a empresas por violação das regras da concorrência, o Tribunal de Primeira Instância tem uma dupla competência.

38.
    Por um lado, cabe-lhe fiscalizar a respectiva legalidade, nos termos do artigo 173.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 230.° CE). Neste quadro, deve, nomeadamente, fiscalizar o respeito do dever de fundamentação, previsto no artigo 190.° do Tratado, cuja violação torna a decisão anulável.

39.
    Por outro lado, o Tribunal de Primeira Instância tem competência para apreciar, no âmbito do poder de plena jurisdição que lhe é reconhecido pelos artigos 172.° do Tratado e 17.° do Regulamento n.° 17, o carácter apropriado do montante das coimas. Esta última apreciação pode justificar a apresentação e a tomada em consideração de elementos complementares de informação cuja menção na decisão não é como tal exigida nos termos do dever de fundamentação previsto no artigo 190.° do Tratado.

40.
    No que respeita à fiscalização do dever de fundamentação, há que lembrar que o artigo 15.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 17 dispõe que, «Para determinar o montante da multa, deve tomar-se em consideração, além da gravidade da infracção, a duração da mesma.»

41.
    Nestas condições, tendo em conta a jurisprudência referida nos n.os 109 e 244 do acórdão recorrido, os requisitos da formalidade essencial que constitui o dever de fundamentação estão preenchidos quando a Comissão indica, na sua decisão, os elementos de apreciação que lhe permitiram medir a gravidade e a duração da infracção. Na falta de tais elementos, a decisão está ferida do vício de falta de fundamentação.

42.
    Ora, o Tribunal de Primeira Instância considerou correctamente no n.° 250 do acórdão recorrido, que a Comissão tinha satisfeito esses requisitos. Com efeito, há que verificar, tal como fez o Tribunal de Primeira Instância, que os n.os 167 a 172 dos considerandos da decisão enunciam os critérios utilizados pela Comissão para calcular as coimas. Assim, o n.° 167 refere-se, nomeadamente, à duração da infracção; contém igualmente, tal como o n.° 168, as considerações em que a Comissão se baseou para avaliar a gravidade da infracção e o montante geral das coimas; o n.° 169 inclui os elementos levados em conta pela Comissão para determinar a coima a aplicar a cada empresa; o n.° 170 designa as empresas que devem ser consideradas «líderes» do cartel, detentoras de uma responsabilidade particular face às outras empresas; por último, os n.os 171 e 172 extraem as consequências, quanto ao montante das coimas, da cooperação de diversos fabricantes com a Comissão nas investigações com vista ao apuramento dos factos ou na resposta à comunicação de acusações.

43.
    O facto de terem sido comunicadas posteriormente, numa conferência de imprensa ou durante a fase contenciosa, informações mais precisas, tais como os volumes de negócios realizados pelas empresas ou as taxas de redução fixadas pela Comissão, não é susceptível de pôr em causa a conclusão contida no n.° 250 do acórdão recorrido. Com efeito, os esclarecimentos prestados pelo autor de uma decisão impugnada, que completam uma fundamentação já em si mesma suficiente, não se integram, em rigor, no respeito do dever de fundamentação, mesmo que possam ser úteis à fiscalização interna dos fundamentos da decisão, exercida pelo juiz comunitário, na medida em que permitem à instituição explicar as razões que estão na base da sua decisão.

44.
    Certamente a Comissão não pode, pelo recurso exclusivo e mecânico a fórmulas aritméticas, privar-se do seu poder de apreciação. Contudo, é-lhe permitido fazeracompanhar a sua decisão de uma fundamentação que vá para além dos requisitos lembrados no n.° 41 deste acórdão, entre outros, indicando os elementos numéricos que orientaram, nomeadamente quanto ao efeito dissuasivo pretendido, o exercício do seu poder de apreciação na fixação das coimas aplicadas a várias empresas que participaram, com intensidade variável, na infracção.

45.
    Com efeito, pode ser desejável que a Comissão faça uso dessa faculdade para permitir às empresas conhecerem em pormenor o modo de cálculo da coima que lhes é aplicada. De uma forma mais geral, isso pode servir a transparência da acção administrativa e facilitar o exercício pelo Tribunal de Primeira Instância da sua competência de jurisdição plena, que lhe deve permitir apreciar, para além da legalidade da decisão impugnada, o carácter apropriado da coima aplicada. No entanto, esta faculdade, tal como referiu a Comissão, não é susceptível de modificar a extensão das exigências que decorrem do dever de fundamentação.

46.
    Em consequência, o Tribunal de Primeira Instância não podia, sem violar o alcance do artigo 190.° do Tratado, considerar, no n.° 254 do acórdão recorrido, que «a Comissão deve, se tiver sistematicamente tomado em conta certos elementos de base para fixar o montante das coimas, indicar esses elementos no corpo da decisão». De igual modo, não podia, sem se contradizer na fundamentação, depois de ter concluído, no n.° 250 do acórdão recorrido, que a decisão continha «uma indicação suficiente e pertinente dos elementos de apreciação tomados em consideração para determinar a gravidade e a duração da infracção cometida por cada uma das empresas em causa», declarar, no n.° 255 do acórdão recorrido, a «falta de fundamentação específica na decisão quanto ao modo de cálculo das coimas».

47.
    Contudo, o erro de direito desse modo cometido pelo Tribunal de Primeira Instância não é susceptível de implicar a anulação do acórdão recorrido uma vez que, tendo em conta o que precede, o Tribunal de Primeira Instância julgou validamente improcedente, não obstante os n.os 251 a 255 do acórdão recorrido, o fundamento assente na violação do dever de fundamentação quanto ao cálculo das coimas.

48.
    Uma vez que não cabia à Comissão, por força do dever de fundamentação, indicar na decisão os elementos numéricos relativos ao modo de cálculo das coimas, não há que analisar os diferentes vícios alegados pela recorrente e que assentam nessa premissa errada.

49.
    Em consequência, há que julgar improcedente o primeiro fundamento.

Quanto ao segundo fundamento

50.
    Pelo seu segundo fundamento, a recorrente criticava o Tribunal de Primeira Instância por não ter dado acolhimento ao fundamento assente na violação pela Comissão do princípio da igualdade de tratamento por não ter tomado em consideração os efeitos da desvalorização da peseta na fixação da coima que lhe foi aplicada.

51.
    Em primeiro lugar, a recorrente entende errada a afirmação do Tribunal de Primeira Instância segundo a qual a utilização do ecu permite às empresas compararem mais facilmente os montantes das coimas aplicadas, bem como os diversos volumes de negócios comunicados (v. n.os 335 e 338 do acórdão recorrido), enquanto que a única comparação relevante seria a relativa às percentagens aplicadas sobre os volumes de negócios.

52.
    Em segundo lugar, devido à utilização da taxa de câmbio correspondente ao ano de 1990, sendo o ano de referência utilizado o último ano completo do período da infracção, a recorrente entende ter sofrido uma discriminação relativamente a outras empresas envolvidas na infracção, devido à desvalorização que a peseta sofreu entre 1990 e 1994.

53.
    Em terceiro lugar, a recorrente rejeita o argumento do Tribunal de Primeira Instância segundo o qual ela teria realizado mais de um terço do seu volume de negócios nos mercados de exportação, pelo que o volume de negócios do ano de referência, convertido em ecus à taxa de câmbio média utilizada nesse ano, era composto pela soma dos volumes de negócios realizados em cada um dos países em que a empresa exercia as suas actividades e, por conseguinte, exprimia perfeitamente a realidade da situação económica das empresas em causa ao longo do ano de referência (v. n.° 341 do acórdão recorrido).

54.
    Segundo a recorrente, este método de cálculo levou-a a ter que pagar uma coima superior por meio de recursos expressos em moeda desvalorizada e tendo em conta um volume de negócios inferior ao que era o seu anteriormente às desvalorizações sucessivas, o que constituiria um resultado incompatível como princípio da não discriminação. De qualquer forma, mesmo supondo que pudesse ter sido tomado em conta pelo Tribunal de Primeira Instância um terço do volume de negócios realizado nos mercados de exportação, o Tribunal de Primeira Instância deveria ter aplicado um mecanismo corrector aos dois terços restantes a fim de evitar o efeito das desvalorizações sobre a coima.

55.
    A Comissão entende que as alegações formuladas pela recorrente contra o raciocínio do Tribunal de Primeira Instância assentam mais em considerações de equidade do que de direito. Assim sendo, a expressão dos volumes de negócios e das coimas numa unidade monetária única oferece vantagens incontestáveis em termos de transparência e de comparabilidade, nomeadamente quanto à dimensão económica das empresas em causa, e seria dificilmente concebível a utilização, para esse fim, de outra referência que não o ecu.

56.
    A Comissão refere-se ao n.° 340 do acórdão recorrido, o qual conteria toda a fundamentação necessária da improcedência do fundamento assente na violação do princípio da igualdade. As outras considerações, por interessantes que sejam, contidas nos n.os 335 a 341 do acórdão recorrido teriam um carácter redundante.

57.
    A este respeito, basta verificar que, nos referidos n.os 335 a 341, o Tribunal de Primeira Instância fundamentou suficientemente a sua conclusão segundo a qual havia que rejeitar as críticas formuladas pela recorrente quer à utilização do ecu na fixação do montante das coimas quer ao método que consiste em converter em ecus o volume de negócios de referência das empresas à taxa de câmbio média desse mesmo ano e, em particular, a alegação de violação do princípio da não discriminação.

58.
    Não se pode, pois, criticar a Comissão por ter utilizado um único e mesmo método de cálculo das coimas aplicadas às empresas sancionadas por terem participado na mesma infracção, método que lhe permitiu apreciar a dimensão e o poder económico de cada empresa bem como a amplitude da infracção cometida em função da realidade económica tal como se revelava à época da infracção.

59.
    Por último, no que respeita às flutuações monetárias, trata-se de uma álea que tanto pode gerar vantagens como desvantagens, que as empresas que efectuam uma parte das suas vendas nos mercados de exportação são habitualmente chamadas a enfrentar no âmbito das suas actividades comerciais e cuja existência, enquanto tal, não é susceptível de tornar inapropriado o montante de uma coima legalmente fixada em função da gravidade da infracção e do volume de negócios realizado durante o ano de referência. De qualquer forma, o montante máximo da coima fixado, nos termos do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, em função do volume de negócios realizado durante o exercício social anterior à adopção da decisão constitui um limite às eventuais consequências prejudiciais das flutuações monetárias.

60.
    Cabe, por conseguinte, julgar improcedente o segundo fundamento.

Quanto ao terceiro fundamento

61.
    Pelo terceiro fundamento, a recorrente critica o Tribunal de Primeira Instância por não ter condenado a Comissão no pagamento dos custos e juros relativos à constituição da garantia bancária ou ao pagamento da coima e considerado que os juros só começariam a contar a partir da prolação do acórdão recorrido.

62.
    Tal como referiu a Comissão, este fundamento é duplamente inadmissível. Por um lado, não preenche os requisitos do artigo 112.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça na medida em que não se refere às disposições ou princípios de direito comunitário que teriam sido violados pelo Tribunal de Primeira Instância. Por outro lado, deve ser analisado como pedido novo, não susceptível de ser deduzido pela primeira vez em sede de recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância. Com efeito, no Tribunal de Primeira Instância, a recorrente pedia que a Comissão fosse condenada nas despesas e incluía no conceito de despesas determinados montantes em relação aos quais o Tribunal de Primeira Instância rejeitou com razão essa qualificação (v. n.° 370 do acórdão recorrido). No seu recurso do acórdão do Tribunal de Primeira Instância, a recorrente pede que a Comissão seja condenada no pagamento desses mesmos montantes sem que sejam qualificados como despesas naacepção do artigo 91.°, alínea b), do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância.

63.
    Resulta de tudo o que antecede que o recurso deve ser julgado improcedente na íntegra.

Quanto às despesas

64.
    Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, aplicável ao recurso de decisões do Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 118.°, a parte vencida é condenada nas despesas, se tal tiver sido requerido. Como a Comissão pediu a condenação da recorrente, que foi vencida em todos os seus fundamentos, há que condenar esta última nas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

decide:

1)    O recurso é julgado improcedente.

2)    A Enso Española SA é condenada nas despesas.

La Pergola
Wathelet
Edward

Jann

Sevón

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 16 de Novembro de 2000.

O secretário

O presidente da Quinta Secção

R. Grass

A. La Pergola


1: Língua do processo: espanhol.