Language of document : ECLI:EU:C:2000:629

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

16 de Novembro de 2000 (1)

«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância - Concorrência - Artigo 85.°, n.° 1, do Tratado CE (actual artigo 81.°, n.° 1, CE) - Coima - Determinação do montante - Fundamentação - Competência de jurisdição plena»

No processo C-283/98 P,

Mo och Domsjö AB, com sede em Örnsköldsvik (Suécia), representada por A. Woodgate e M. Smith, solicitors, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório dos advogados Arendt e Medernach, 8-10, rue Mathias Hardt,

recorrente,

que tem por objecto um recurso do acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (Terceira Secção Alargada) de 14 de Maio de 1998, Mo och Domsjö/Comissão (T-352/94, Colect., p. II-1989), em que se pede a anulação desse acórdão,

sendo a outra parte no processo:

Comissão das Comunidades Europeias, representada por R. Lyal, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, assistido por J. Flynn, barrister, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de C. Gómez de la Cruz, membro do mesmo serviço, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: A. La Pergola, presidente de secção, M. Wathelet (relator), D. A. O. Edward, P. Jann e L. Sevón, juízes,

advogado-geral: J. Mischo,


secretário: R. Grass,

visto o relatório do juiz-relator,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 18 de Maio de 2000,

profere o presente

Acórdão

1.
    Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 24 de Julho de 1998, a Mo och Domsjö AB interpôs, nos termos do artigo 49.° do Estatuto (CE) do Tribunal deJustiça, recurso do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio 1998, Mo och Domsjö/Comissão (T-352/94, Colect., p. II-1989, a seguir «acórdão recorrido»), pelo qual este anulou parcialmente a Decisão 94/601/CE da Comissão, de 13 de Julho de 1994, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (IV/C/33.833 - Cartão) (JO L 243, p. 1, a seguir «decisão»), e julgou improcedente o recurso quanto ao restante.

Os factos

2.
    Pela decisão, a Comissão aplicou coimas a 19 produtores fornecedores de cartão na Comunidade, com fundamento em violações do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado CE (actual artigo 81.°, n.° 1, CE).

3.
    Resulta do acórdão recorrido que essa decisão surgiu na sequência de queixas informais apresentadas, em 1990, pela British Printing Industries Federation, organização profissional representativa da maioria dos impressores de cartão do Reino Unido, e pela Fédération française du cartonnage e ainda de investigações efectuadas, sem aviso prévio, em Abril de 1991 por agentes da Comissão, actuando ao abrigo do n.° 3 do artigo 14.° do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, primeiro regulamento de aplicação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), nas instalações de diversas empresas e associações profissionais do sector do cartão.

4.
    Os elementos obtidos no âmbito destas investigações e na sequência de pedidos de informações e de documentos levaram a Comissão a concluir que as empresas em causa tinham participado, entre meados de 1986 e Abril de 1991 pelo menos (na maior parte dos casos), numa infracção ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. Em consequência, decidiu dar início a um procedimento em aplicação desta última disposição e, por carta de 21 de Dezembro de 1992, enviou uma comunicação de acusações a cada uma das empresas em causa a que todas responderam por escrito. Nove das empresas pediram para ser ouvidas.

5.
    No termo do procedimento, a Comissão adoptou a decisão, que inclui as seguintes disposições:

«Artigo 1.°

As empresas Buchmann GmbH, Cascades SA, Enso-Gutzeit Oy, Europa Carton AG, Finnboard-the Finnish Board Mills Association, Fiskeby Board AB, Gruber & Weber GmbH & Co. KG, Kartonfabriek 'de Eendracht‘ NV (com denominação comercial 'BPB de Eendracht NV‘), NV Koninklijke KNP BT NV (anteriormente Koninklijke Nederlandse Papierfabrieken NV), Laakmann Karton GmbH & Co KG, Mo Och Domsjö AB (MoDo), Mayr-Melnhof Gesellschaft mbH, Papeteries de Lancey SA, Rena Kartonfabrik A/S, Sarrió SpA, SCA Holding Ltd [anteriormente Reed Paper & Board (UK) Ltd], Stora Kopparbergs Bergslags AB, Enso Española SA (anteriormenteTampella Española SA) e Moritz J. Weig GmbH & Co KG infringiram o disposto no n.° 1 do artigo 85.° do Tratado CE ao participarem,

-    no caso da Buchmann e da Rena desde, aproximadamente, Março de 1988 até, pelo menos, final de 1990,

-    no caso da Enso Española desde, pelo menos, Março de 1988 até, pelo menos, final de Abril de 1991,

-    no caso da Gruber & Weber desde, pelos menos, 1988 até finais de 1990,

-    noutros casos, a partir de meados de 1986 até, pelo menos, Abril de 1991,

num acordo e prática concertada com início em meados de 1986, através do qual os fornecedores de cartão na Comunidade:

-    se reuniram regularmente numa série de reuniões secretas e institucionalizadas para debater e acordar um plano comum do sector destinado a restringir a concorrência,

-    acordaram aumentos de preços regulares para cada qualidade do produto em cada moeda nacional,

-    planearam e aplicaram aumentos de preços simultâneos e uniformes em toda a Comunidade,

-    chegaram a um acordo quanto à manutenção das quotas de mercado dos principais produtores a níveis constantes, sujeitas a modificações ocasionais,

-    adoptaram, principalmente a partir do início de 1990, medidas concertadas por forma a controlar o fornecimento do produto na Comunidade e a assegurar a aplicação dos referidos aumentos concertados de preços,

-    procederam ao intercâmbio de informações comerciais sobre os fornecimentos, preços, suspensões de actividade, cadernos de encomendas e taxas de utilização das máquinas em apoio às medidas supracitadas.

Artigo 2.°

As empresas designadas no artigo 1.° porão termo imediatamente à referida infracção, se o não fizeram já. Renunciarão no futuro, no que se refere às suas actividades no sector do cartão, a quaisquer acordos ou práticas concertadas susceptíveis de terem um objecto ou efeito idêntico ou semelhante, incluindo o intercâmbio de qualquer informação comercial:

a)    através da qual os participantes sejam directa ou indirectamente informados da produção, vendas, cadernos de encomendas, taxas de utilização das máquinas, preços de venda, custos ou planos de marketing de outros produtores;

b)    através da qual, mesmo que não sejam divulgadas quaisquer informações individuais, possa ser promovida, facilitada ou incentivada uma resposta comum do sector às condições económicas no que se refere aos preços ou ao controlo de produção;

    ou

c)    através da qual possam controlar a adesão a qualquer acordo expresso ou tácito relativo a preços ou à repartição de mercados na Comunidade, bem como o respectivo cumprimento.

Qualquer sistema de intercâmbio de informações gerais que subscrevam, tal como o sistema Fides ou o que o substituir, será explorado por forma a excluir não só quaisquer informações a partir das quais se possa identificar o comportamento de cada produtor, mas também quaisquer dados relativos ao estado actual do fluxo de encomendas e cadernos de encomendas, à taxa prevista de utilização das capacidades de produção (em ambos os casos, mesmo global) ou à capacidade de produção de cada máquina.

Qualquer sistema de intercâmbio de informações limitar-se-á à recolha e divulgação global de estatísticas de produção e vendas que não podem ser utilizadas para promover ou facilitar um comportamento comum do sector.

As empresas renunciarão também a qualquer intercâmbio de informações relevante em termos de concorrência, para além do intercâmbio de informações permitido, bem como a quaisquer reuniões ou qualquer outro tipo de contacto destinado a discutir a importância das informações trocadas ou a reacção possível ou plausível do sector ou de produtores individuais a essas informações.

Será concedido um período de três meses a partir da data de comunicação da presente decisão para que possam ser introduzidas as necessárias alterações ao sistema de intercâmbio de informações.

Artigo 3.°

São aplicadas as seguintes coimas às empresas a seguir designadas relativamente à infracção referida no artigo 1.°:

...

xii)    Mo och Domsjö AB, coima de 22 750 000 ecus;

...»

6.
    Resulta ainda dos factos, tal como descritos no acórdão recorrido:

«13    Nos termos da decisão, a infracção foi praticada no âmbito de um organismo denominado 'Product Group Paperboard‘ (grupo de estudos do produto cartão, a seguir 'PG Paperboard‘), composto por diversos grupos ou comités.

14    Em meados de 1986, foi criado, no âmbito deste organismo, um 'Presidents Working Group‘ (grupo de trabalho dos presidentes, a seguir 'PWG‘), de que fazem parte representantes de alto nível dos principais produtores de cartão da Comunidade (cerca de oito).

15    O PWG tinha nomeadamente como actividades a discussão e a concertação sobre os mercados, as quotas de mercado, os preços e a utilização das capacidades. Em especial, adoptou decisões gerais relativamente ao calendário e ao nível dos aumentos de preços a pôr em prática pelos fabricantes.

16    O PWG apresentava relatórios à 'President Conference‘ (a seguir 'PC‘ ou 'conferência de presidentes‘), na qual participava (mais ou menos regularmente) a quase totalidade dos directores executivos das empresas envolvidas. A PC reuniu-se duas vezes por ano durante o período em causa.

17    No fim do ano de 1987, foi criado o 'Joint Marketing Committee‘ (comité conjunto de marketing, a seguir 'JMC‘). A sua principal atribuição consistia, por um lado, em determinar se os aumentos de preços podiam entrar em vigor e, em caso afirmativo, de que modo e, por outro, em fixar as modalidades de aplicação das iniciativas em matéria de preços decididas pelo PWG relativamente a cada país e aos principais clientes, com vista a estabelecer um sistema de preços equivalente na Europa.

18    Finalmente, o comité económico (a seguir 'COE‘) debatia sobre matérias como as flutuações de preços nos mercados nacionais e os cadernos de encomendas e apresentava as suas conclusões ao JMC ou, até finais de 1987, ao predecessor do JMC, o Marketing Committee. O COE era composto pelos directores comerciais da maior parte das empresas em causa e reunia-se várias vezes por ano.

19    Além disso, resulta da decisão que a Comissão considerou que as actividades do PG Paperboard eram apoiadas por um intercâmbio de informações por intermédio da sociedade de auditores Fides, com sede em Zurique (Suíça). Segundo a decisão, a maior parte dos membros do PG Paperboard fornecia à Fides relatórios periódicos sobre as encomendas, a produção, as vendas e a utilização das capacidades. Estes relatórios eram tratados no quadro do sistema Fides e os dados resultantes eram enviados aos participantes.

20    A decisão precisa as razões pelas quais a recorrente Mo och Domsjö AB (a seguir 'MoDo‘) é dela destinatária (n.os 151 e seguintes dos considerandos). Conclui-se que a Thames Board Ltd (a seguir 'TBM‘), produtor de cartão GC que possui uma fábrica de cartão em Workington (Reino Unido), participou nas reuniões dos órgãos do PG Paperboard, incluindo as reuniões do PWG, desde meados de 1986. Com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1988, a TBM foi comprada a 100% pela AB Iggesunds Bruk (a seguir 'Iggesunds Bruk‘), empresa associada da MoDo, de que a MoDo detinha 49,9% dos direitos de voto. A denominação social da TBM foi a seguir alterada para Iggesund Paperboard (Workington) Ltd.

21    Até à aquisição da TBM, a Iggesund Bruk produzia principalmente cartão SBS; produzia também, em menor proporção, cartão GC. A MoDo assumiu o controlo da Iggesund Bruk a 100% no início do ano de 1989 e fez dela uma divisão do grupo, denominada Iggesund Paperboard AB (a seguir 'Iggesund Paperboard‘). Representantes desta divisão assistiram às reuniões do PWG e do JMC. Quadros e empregados da Workington também assistiram às reuniões do JMC.»

7.
    Dezasseis das dezoito empresas consideradas responsáveis pela infracção bem como quatro empresas finlandesas, membros do grupo profissional Finnboard e, por esse facto, consideradas solidariamente responsáveis pelo pagamento da coima aplicada ao grupo, recorreram da decisão (processos T-295/94, T-301/94, T-304/94, T-308/94 a T-311/94, T-317/94, T-319/94, T-327/94, T-334/94, T-337/94, T-338/94, T-347/94, T-348/94 e T-354/94, bem como processos apensos T-339/94 a T-342/94).

O acórdão recorrido

8.
    No que respeita ao pedido de anulação da decisão, o Tribunal de Primeira Instância apenas anulou, no que se refere à recorrente, o artigo 2.°, primeiro a quarto parágrafos, da referida decisão, com excepção das seguintes passagens:

«As empresas designadas no artigo 1.° porão termo imediatamente à referida infracção, se o não fizeram já. Renunciarão no futuro, no que se refere às suas actividades no sector do cartão, a quaisquer acordos ou práticas concertadas susceptíveis de terem um objecto ou efeito idêntico ou semelhante, incluindo o intercâmbio de qualquer informação comercial:

a)    através da qual os participantes sejam directa ou indirectamente informados da produção, vendas, cadernos de encomendas, taxas de utilização das máquinas, preços de venda, custos ou planos de marketing de outros produtores.

Qualquer sistema de intercâmbio de informações gerais que subscrevam, tal como o sistema Fides ou o que o substituir, será explorado por forma a excluir quaisquer informações a partir das quais se possa identificar o comportamento de cada produtor.»

9.
    Quanto ao restante, o Tribunal de Primeira Instância negou provimento ao recurso.

10.
    Por outro lado, a recorrente tinha invocado, no Tribunal de Primeira Instância, oito fundamentos relativos à fixação da coima. O presente recurso refere-se precisamente aos fundamentos do acórdão recorrido relativos a essa fixação. Tendo em conta os fundamentos invocados pela recorrente em suporte do mesmo, apenas serão adiante descritas as partes do acórdão recorrido que respondem aos vícios relativos à violação do dever de fundamentação quanto ao cálculo das coimas, de erro de apreciação do relatório do London Economics (a seguir «relatório LE») e de o nível da coima ser desproporcionado.

Quanto ao fundamento baseado em violação do dever de fundamentação relativamente ao cálculo das coimas

11.
    A recorrente, no essencial, criticava a Comissão por não ter exposto na decisão a base de cálculo das coimas.

12.
    A esse respeito, o Tribunal de Primeira Instância respondeu o seguinte:

«266    Segundo jurisprudência constante, o dever de fundamentar uma decisão individual tem por finalidade permitir ao juiz comunitário exercer a sua fiscalização da legalidade da decisão e fornecer ao interessado uma indicação suficiente para saber se a decisão é fundada ou se está eventualmente afectada por um vício que permita contestar a sua validade, esclarecendo-se que o alcance dessa obrigação depende da natureza do acto em causa e do contexto em que o mesmo foi adoptado (v., nomeadamente, o acórdão do Tribunal Van Megen Sports/Comissão, já referido, n.° 51).

267    No que respeita a uma decisão que, como no presente caso, aplica coimas a diversas empresas por uma infracção às regras comunitárias da concorrência, há que determinar o alcance da obrigação de fundamentação, tendo em conta, designadamente, que a gravidade das infracções deve ser apreciada em função de um grande número de elementos, tais como, nomeadamente, as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o carácter dissuasivo das coimas, e isto sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração (despacho do Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1996, SPO e o./Comissão, C-137/95 P, Colect., p. I-1611, n.° 54).

268    Além disso, ao fixar o montante de cada coima, a Comissão dispõe de um poder de apreciação e não pode ser obrigada a aplicar, para esse efeito, uma fórmula matemática precisa (v., neste sentido, acórdão Tribunal de Primeira Instância de 6 de Abril de 1995, Martinelli/Comissão, T-150/89, Colect., p. II-1165, n.° 59).

269    Na decisão, os critérios tomados em conta para determinar o nível geral das coimas e o montante das coimas individuais figuram, respectivamente, nos n.os 168 e 169 dos considerandos. Além disso, no que respeita às coimas individuais, a Comissão explica, no n.° 170 dos considerandos, que as empresas que participaram nas reuniões do PWG foram, em princípio, consideradas 'líderes‘ de cartel, ao passo que as outras empresas foram consideradas 'membros normais‘ deste. Finalmente, nos n.os 171 e 172 dos considerandos, indica que os montantes das coimas aplicadas à Rena e à Stora devem ser substancialmente reduzidos, a fim de ter em conta a sua cooperação activa com a Comissão, e que oito outras empresas podem igualmente beneficiar de uma redução, numa proporção inferior, pelo facto de, nas respostas à comunicação de acusações, não terem negado as principais alegações de facto em que a Comissão baseava as suas acusações.

270    Nas peças processuais apresentadas ao Tribunal e na resposta que deu a uma pergunta escrita deste, a Comissão explicou que as coimas foram calculadas com base no volume de negócios realizado por cada uma das empresas destinatárias da decisão no mercado comunitário do cartão em 1990. Coimas de um nível de base de 9% ou de 7,5% deste volume de negócios individual foram assim aplicadas, respectivamente, às empresas consideradas 'líderes‘ do cartel e às outras empresas. Finalmente, a Comissão tomou em consideração a eventual atitude cooperante de certas empresas ao longo do procedimento administrativo na Comissão. Duas empresas beneficiaram, por esse facto, de uma redução de dois terços do montante das suas coimas, enquanto outras empresas beneficiaram de uma redução de um terço.

271    De resto, resulta de um quadro fornecido pela Comissão e que contém indicações quanto à fixação do montante de cada uma das coimas individuais que, embora não tenham sido determinadas aplicando de forma estritamente matemática apenas os dados numéricos acima mencionados, os referidos dados foram sistematicamente tomados em conta para efeitos do cálculo das coimas.

272    Ora, a decisão não precisa que as coimas foram calculadas com base no volume de negócios realizado por cada uma das empresas no mercado comunitário do cartão em 1990. Além disso, as taxas de base de 9% e de 7,5% aplicadas para calcular as coimas a pagar, respectivamente, pelas empresas consideradas 'líderes‘ e pelos 'membros normais‘ não figuram na decisão. Também não constam da decisão as taxas das reduções concedidas à Rena e à Stora, por um lado, e a oito outras empresas, por outro.

273    No caso vertente, importa considerar, em primeiro lugar, que, interpretados à luz da exposição pormenorizada que é feita, na decisão, das alegações de facto formuladas em relação a cada destinatário da decisão, os n.os 169 a 172 dos considerandos desta contêm uma indicação suficiente e pertinente dos elementos de apreciação tomados em consideração para determinar a gravidade e aduração da infracção cometida por cada uma das empresas em causa (v., neste sentido, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Outubro de 1991, Petrofina/Comissão, T-2/89, Colect., p. II-1087, n.° 264).

274    Em segundo lugar, quando aprecia a gravidade de uma infracção para determinar o montante da coima, a Comissão deve nomeadamente atender ao carácter dissuasivo da sua acção, uma vez que o direito comunitário lhe impõe prosseguir uma política geral para orientar, no sentido dos princípios fixados pelo Tratado, o comportamento das empresas (acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, já referido, n.os 105 e 106). Daqui resulta que o carácter dissuasivo da sua acção é inerente ao exercício do seu poder de aplicar coimas, pelo que a Comissão não é obrigada a recordar especificamente este objectivo na decisão.

275    Em terceiro lugar, quando o montante de cada coima é, como no presente caso, determinado com base na tomada em consideração sistemática de certos dados precisos, a indicação, na decisão, de cada um desses factores permite às empresas apreciar mais correctamente se a Comissão cometeu algum erro ao fixar o montante da coima individual e se o montante de cada coima individual se justifica relativamente aos critérios gerais aplicados. No caso vertente, a indicação na decisão dos factores em causa, isto é, o volume de negócios de referência, o ano de referência, as taxas de base consideradas e a taxa de redução do montante das coimas, não incluiu a divulgação implícita do volume de negócios preciso das empresas destinatárias da decisão, divulgação que poderia ter constituído uma violação do artigo 214.° do Tratado. Efectivamente, o montante final de cada coima individual não resulta, como a própria Comissão sublinhou, de uma aplicação estritamente matemática dos referidos factores.

276    Aliás, a Comissão reconheceu, na audiência, que nada a impediu de indicar, na decisão, os factores tomados sistematicamente em conta e que tinham sido divulgados numa conferência de imprensa que teve lugar no dia em que a decisão foi adoptada. A este propósito, deve recordar-se que, segundo jurisprudência constante, a fundamentação de uma decisão deve figurar no próprio corpo dessa decisão e que explicações posteriores fornecidas pela Comissão não podem, salvo circunstâncias excepcionais, ser tomadas em consideração (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 2 de Julho de 1992, Dansk Pelsdyravlerforening/Comissão, T-61/89, Colect., p. II-1931, n.° 131, e, no mesmo sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 1991, Hilti/Comissão, T-30/89, Colect., p. II-1439, n.° 136).

277    Não obstante o que acaba de se afirmar, deve sublinhar-se que a fundamentação relativa à fixação do montante das coimas, contida nos n.os 167 a 172 dos considerandos da decisão, é, pelo menos, tão pormenorizada como as constantes das decisões anteriores da Comissão sobre infracções semelhantes.Ora, embora o fundamento baseado num vício de fundamentação seja de ordem pública, no momento da adopção da decisão, nenhuma crítica tinha ainda sido feita pelo juiz comunitário quanto à prática seguida pela Comissão em matéria de fundamentação das coimas aplicadas. Só no acórdão de 6 de Abril de 1995, Tréfilunion/Comissão (T-148/89, Colect., p. II-1063, n.° 142) e em dois outros acórdãos proferidos no mesmo dia, Société métallurgique de Normandie/Comissão (T-147/89, Colect., p. II-1057, publicação sumária) e Société des treillis et panneaux soudés/Comissão (T-151/89, Colect., p. II-1191, publicação sumária), é que o Tribunal de Primeira Instância sublinhou, pela primeira vez, ser desejável que as empresas pudessem conhecer em pormenor o modo de cálculo da coima que lhes foi aplicada, sem serem obrigadas, para tal, a interpor um recurso jurisdicional contra a decisão da Comissão.

278    Daqui resulta que, quando uma decisão conclui pela existência de uma infracção às regras da concorrência e aplica coimas às empresas que nela participaram, a Comissão deve, se tiver sistematicamente tomado em conta certos elementos de base para fixar o montante das coimas, indicar esses elementos no corpo da decisão, a fim de permitir aos destinatários desta verificar as razões que levaram à fixação do nível da coima e apreciar a existência de uma eventual discriminação.

279    Nas circunstâncias excepcionais salientadas no n.° 277, supra, e tendo em conta que a Comissão se mostrou disposta a fornecer, na fase contenciosa do processo, qualquer informação pertinente relativa ao modo de cálculo das coimas, a falta de fundamentação específica na decisão quanto ao modo de cálculo das coimas não deve, neste caso, ser considerada uma violação da obrigação de fundamentação, susceptível de justificar a anulação total ou parcial das coimas aplicadas. Finalmente, a recorrente não demonstrou ter sido impedida de fazer utilmente uso dos seus direitos de defesa.

280    Consequentemente, o presente fundamento não pode ser acolhido.»

Quanto ao fundamento baseado em erro de apreciação do relatório LE

13.
    A recorrente contestava que o cartel tivesse alcançado «com êxito os seus objectivos» (n.° 168, sétimo travessão, dos considerandos da decisão). No essencial, alegava que o único elemento de prova de que dispunha a Comissão no que se refere aos efeitos, sobre os preços de transacção, dos anúncios de aumento dos preços era o relatório LE, onde se tinham em conta todos os factores susceptíveis de influenciar os preços de transacção num mercado sujeito à concorrência, tais como as características da procura e os custos de produção. Ora, nesse relatório, concluiu-se que os preços de transacção não eram diferentes dos que teriam resultado do jogo da concorrência. A Comissão ter-se-ia centrado nos anúncios de aumento de preços sem ter em conta os verdadeiros factores que estavam na origem dos aumentos dos preços de transacção e não tinha tidosuficientemente em conta as negociações individuais com os clientes. Além disso, a recorrente referia que a decisão continha erros na descrição da evolução dos preços de transacção.

14.
    A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância considerou:

«292    Nos termos do n.° 168, sétimo travessão, dos considerandos da decisão, a Comissão determinou o montante geral das coimas tomando nomeadamente em consideração que 'o cartel alcançou com êxito os seus objectivos‘. É ponto assente que esta consideração se refere aos efeitos no mercado da infracção imputada no artigo 1.° da decisão.

293    Para efeitos de fiscalização da apreciação feita pela Comissão sobre os efeitos da infracção, o Tribunal considera que basta analisar a apreciação dos efeitos da colusão sobre os preços. De facto, como também salientou a recorrente, a análise dos efeitos da colusão sobre os preços permite apreciar, de modo geral, o êxito do cartel, dado que as colusões sobre os períodos de suspensão e sobre as quotas de mercado tiveram por objectivo garantir o êxito das iniciativas concertadas em matéria de preços.

294    No que respeita à colusão sobre os preços, a Comissão apreciou os respectivos efeitos gerais. Por conseguinte, mesmo admitindo que os dados individuais fornecidos pela recorrente na sua resposta à comunicação de acusações demonstram, como ela própria afirma, que a colusão sobre os preços teve para ela efeitos menos importantes do que os verificados no mercado europeu do cartão, encarado globalmente, esses dados individuais não são, por si só, suficientes para pôr em causa a apreciação da Comissão.

295    De igual modo, nestas condições, não se pode acusar a Comissão de não ter examinado especificamente os efeitos da colusão sobre os preços relativamente ao cartão SBS, constituindo as vendas desse cartão menos de 10% das vendas globais dos três tipos de cartão visados na decisão (v. n.° 5, quinto parágrafo, dos considerandos).

296    Resulta da decisão, como a Comissão confirmou na audiência, que foi estabelecida uma distinção entre três tipos de efeitos. Além disso, a Comissão baseou-se no facto de as iniciativas em matéria de preços terem sido globalmente consideradas um êxito pelos próprios produtores.

297    O primeiro tipo de efeitos tomado em conta pela Comissão, e não contestado pela recorrente, consistiu no facto de os aumentos de preços acordados terem sido efectivamente anunciados aos clientes. Os novos preços serviram assim de referência nas negociações individuais dos preços de transacção com os clientes (v., designadamente, n.os 100 e 101, quinto e sexto parágrafos, dos considerandos da decisão). A este respeito, a recorrente entrou em contradição ao contestar que os preços anunciados tenham constituído um preço dereferência para o mercado admitindo ao mesmo tempo que se tinham em conta esses preços para negociar os preços de transacção com os clientes.

298    O segundo tipo de efeitos consistiu no facto de a evolução dos preços de transacção ter seguido a dos preços anunciados. A este propósito, a Comissão considera que 'os produtores não só anunciavam os aumentos de preços acordados como também, salvo raras excepções, [que] tomavam medidas firmes no sentido de os impor aos clientes‘ (n.° 101, primeiro parágrafo, dos considerandos da decisão). Admite que, por vezes, os clientes obtiveram concessões sobre a data de entrada em vigor dos aumentos, descontos ou reduções individuais, designadamente em caso de grandes encomendas, e que 'a média líquida de aumento alcançada após todos os descontos, reduções e outras concessões era sempre inferior ao montante total do aumento anunciado‘ (n.° 102, último parágrafo, dos considerandos). No entanto, referindo-se aos gráficos contidos no relatório LE, afirma que existiu, ao longo do período que é objecto da decisão, uma 'estreita relação linear‘ entre a evolução dos preços anunciados e a evolução dos preços de transacção expressos em moedas nacionais ou convertidos em ecus. E conclui: '... Os aumentos de preços líquidos alcançados seguem de perto os anúncios de preços embora com algum atraso. O próprio autor do relatório reconheceu durante a audição que tal acontecia relativamente a 1988 e 1989‘ (n.° 115, segundo parágrafo, dos considerandos).

299    Deve admitir-se que, na apreciação deste segundo tipo de efeitos, a Comissão teve razão em considerar que a existência de uma relação linear entre a evolução dos preços anunciados e a evolução dos preços de transacção constituía a prova de um efeito produzido sobre estes últimos pelas iniciativas em matéria de preços, em conformidade com o objectivo prosseguido pelos produtores. De facto, é ponto assente que, no mercado em causa, a prática de negociações individuais com os clientes implica que os preços de transacção não são, regra geral, idênticos aos preços anunciados. Consequentemente, não se pode esperar que os aumentos dos preços de transacção sejam idênticos aos aumentos de preços anunciados.

300    No que respeita à própria existência de uma correlação entre os aumentos de preços anunciados e os aumentos dos preços de transacção, a Comissão fez acertadamente referência ao relatório LE, uma vez que este constitui uma análise da evolução dos preços do cartão ao longo do período abrangido pela decisão, baseada em dados fornecidos por diversos produtores, entre os quais a própria recorrente.

301    No entanto, este relatório só parcialmente confirma, no tempo, a existência de uma 'estreita relação linear‘. Efectivamente, a análise do período compreendido entre 1987 e 1991 revela três subperíodos distintos. A este propósito, na audição levada a efeito pela Comissão, o autor do relatório LE resumiu as suasconclusões do seguinte modo: 'Não há correlação estreita, mesmo com um desfasamento, entre o aumento de preços anunciado e os preços do mercado, durante o período considerado, entre 1987 e 1988. Em contrapartida, tal correlação existe em 1988/1989, deteriorando-se posteriormente para assumir um carácter singular [oddly] no período de 1990/1991‘ (acta da audição, p. 28). Sublinhou igualmente que essas variações no tempo estavam intimamente relacionadas com as variações da procura (v., nomeadamente, a acta da audição, p. 20).

302    Estas conclusões orais do autor do relatório estão em conformidade com a análise desenvolvida no seu documento, designadamente com os gráficos que comparam a evolução dos preços anunciados e a evolução dos preços de transacção (relatório LE, gráficos 10 e 11, p. 29). Há que reconhecer que a Comissão só parcialmente provou a existência da 'estreita relação linear‘ que invoca.

303    Na audiência, a Comissão indicou ter igualmente tomado em conta um terceiro tipo de efeitos da colusão sobre os preços e que consistiu no facto de o nível dos preços de transacção ter sido superior ao nível que teriam alcançado se não se tivesse verificado a colusão. A este respeito, a Comissão, sublinhando que as datas e a ordem dos anúncios dos aumentos de preços tinham sido programadas pelo PWG, considera, na decisão, que 'é inconcebível em tais circunstâncias que os anúncios concertados de aumentos de preços não produzissem quaisquer efeitos sobre os níveis de preços efectivamente registados‘ (n.° 136, terceiro parágrafo, dos considerandos da decisão). Todavia, o relatório LE (secção 3) estabeleceu um modelo que permite prever o nível de preços resultante das condições objectivas do mercado. Segundo este relatório, o nível dos preços, conforme determinados por factores económicos objectivos durante o período compreendido entre 1975 e 1991, terá evoluído, com pequenas variações, de modo idêntico ao dos preços de transacção praticados, incluindo durante o período que é objecto da decisão.

304    Apesar destas conclusões, a análise feita no relatório não permite concluir que as iniciativas concertadas em matéria de preços não permitiram aos produtores alcançar um nível de preços de transacção superior ao que teria resultado do livre jogo da concorrência. A este respeito, como sublinhou a Comissão na audiência, é possível que os factores tomados em conta na referida análise tenham sido influenciados pela existência da colusão. Assim, a Comissão alegou com razão que o comportamento de colusão poderá, por exemplo, ter limitado a iniciativa de as empresas reduzirem os custos. Ora, a Comissão não invocou a existência de nenhum erro directo na análise contida no relatório LE e também não apresentou as suas próprias análises económicas sobre a hipotética evolução dos preços de transacção na falta de concertação. Nestas condições, a sua afirmação de que o nível dos preços de transacção teria sido inferior se não se tivesse verificado uma colusão entre os produtores não pode ser confirmada.

305    Daqui resulta que a existência deste terceiro tipo de efeitos da colusão sobre os preços não foi provada.

306    As afirmações que precedem não são alteradas pela apreciação subjectiva dos produtores em que a Comissão se baseou para considerar que o cartel alcançou com êxito os seus objectivos. Quanto a este ponto, a Comissão baseou-se numa lista de documentos que forneceu na audiência. Ora, mesmo supondo que tenha podido basear a sua apreciação do eventual êxito das iniciativas em matéria de preços em documentos que dão conta de sentimentos subjectivos de certos produtores, há que reconhecer que diversas empresas, entre as quais a recorrente, evocaram na audiência, com razão, numerosos outros documentos dos autos que descrevem os problemas com que os produtores se debateram para a aplicação dos aumentos de preços acordados. Nestas condições, a referência feita pela Comissão às declarações dos próprios produtores não é suficiente para concluir que o cartel alcançou com êxito os seus objectivos.

307    Tendo em conta as considerações que precedem, os efeitos da infracção descritos pela Comissão só foram provados parcialmente. O Tribunal analisará o alcance desta conclusão, no âmbito da sua competência de plena jurisdição em matéria de coimas, quando proceder à análise da gravidade da infracção imputada no presente processo (v., infra, n.° 358).»

Quanto ao fundamento baseado no facto de o nível da coima ser desproporcionado

15.
    A recorrente sublinhou que o membro da Comissão responsável pela política da concorrência tinha declarado, na conferência de imprensa de 13 de Julho de 1994, que as coimas aplicadas se aproximavam do limiar fixado pelo artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17. No entanto, nem a gravidade da infracção alegada nem a sua duração teriam justificado que o nível fosse tão elevado.

16.
    A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância considerou:

«352    Nos termos do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17, a Comissão pode, mediante decisão, aplicar às empresas coimas de mil ecus, no mínimo, a um milhão de ecus, podendo este montante ser superior desde que não exceda dez por cento do volume de negócios realizado, durante o exercício anterior, por cada uma das empresas que tenha participado na infracção, sempre que, deliberada ou negligentemente, cometam uma infracção ao n.° 1 do artigo 85.° do Tratado. Para determinar o montante da coima, deve tomar-se em consideração, além da gravidade da infracção, a duração da mesma. Como já se recordou, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a gravidade das infracções deve ser determinada em função de um grande número de elementos, tais como, nomeadamente, as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o carácter dissuasivo das coimas, e isto sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devamobrigatoriamente ser tomados em consideração (despacho SPO e o./Comissão, já referido, n.° 54).

353    No caso vertente, a Comissão determinou o nível geral das coimas tomando em conta a duração da infracção (n.° 167 dos considerandos da decisão) bem como as seguintes considerações (n.° 168 dos considerandos):

    -    a colusão em matéria de preços e a repartição de mercados constitui, por si só, uma grave restrição à concorrência,

    -    o cartel abrangia praticamente todo o território da Comunidade,

    -    o mercado do cartão da Comunidade é um importante sector industrial que representa anualmente cerca de 2 500 milhões de ecus,

    -    as empresas que participaram na infracção abrangem praticamente a totalidade do mercado,

    -    o cartel funcionou sob a forma de um sistema de reuniões regulares institucionalizadas com o objectivo de regular expressamente e em pormenor o mercado do cartão na Comunidade,

    -    foram adoptadas medidas complexas no sentido de dissimular a verdadeira natureza e extensão da colusão (ausência de quaisquer actas oficiais ou documentação do PWG e do JMC; os participantes eram dissuadidos de tomar notas; encenação das datas e ordenação do anúncio dos aumentos de preços por forma a que pudesse ser alegado que tais aumentos 'seguiam' o primeiro, etc.),

    -    o cartel alcançou com êxito os seus objectivos.

354    Além disso, é ponto assente que coimas de um nível de base de 9% ou de 7,5% do volume de negócios realizado por cada uma das empresas destinatárias da decisão no mercado comunitário do cartão em 1990 foram aplicadas consoante as empresas tenham sido consideradas 'líderes‘ ou 'membros normais‘ do cartel.

355    Importa sublinhar, em primeiro lugar, que, na sua apreciação do nível geral das coimas, a Comissão tem o direito de tomar em conta o facto de as infracções manifestas às regras comunitárias da concorrência serem ainda relativamente frequentes e, portanto, tem perfeitamente legitimidade para aumentar o nível das coimas a fim de reforçar o seu efeito dissuasivo. Consequentemente, o facto de a Comissão ter aplicado, no passado, coimas de certo nível a determinados tipos de infracções não a priva da possibilidade de aumentar esse nível, nos limites indicados no Regulamento n.° 17, se isso for necessário para assegurar a execução da política comunitária da concorrência (v.,nomeadamente, o acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, já referido, n.os 105 a 108, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Março de 1992, ICI/Comissão, T-13/89, Colect., p. II-1021, n.° 385).

356    Em segundo lugar, a Comissão considerou com razão que, dadas as circunstâncias próprias do caso em discussão, não se pode fazer uma comparação directa entre o nível geral das coimas adoptado na presente decisão e os adoptados na prática decisória anterior da Comissão, em especial na decisão polipropileno, considerada pela própria Comissão como a mais comparável à do presente caso. De facto, contrariamente à situação que deu origem à decisão polipropileno, nenhuma circunstância atenuante geral foi tomada em conta neste caso para determinar o nível geral das coimas. Além disto, a adopção de medidas que visam dissimular a existência da colusão demonstra que as empresas em causa estavam perfeitamente conscientes da ilegalidade do seu comportamento. Deste modo, a Comissão pôde ter em conta estas medidas na apreciação da gravidade da infracção, uma vez que constituíam um aspecto particularmente grave da infracção, susceptível de a caracterizar relativamente às infracções anteriormente constatadas pela Comissão.

357    Em terceiro lugar, importa sublinhar a longa duração e o carácter manifesto da infracção ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, que foi cometida apesar da advertência que deveria ter constituído a prática decisória anterior da Comissão, designadamente a decisão polipropileno. Quanto a isto, nada permite considerar que a Comissão, contrariamente às indicações constantes do n.° 167 dos considerandos, tenha tido em conta, para determinar o nível das coimas, uma duração da infracção mais longa do que a efectivamente detectada nos termos do artigo 1.° da decisão.

358    Com base nestes elementos, deve considerar-se que os critérios descritos no n.° 168 dos considerandos da decisão justificam o nível geral das coimas fixado pela Comissão. É certo que o Tribunal já declarou que os efeitos da colusão sobre os preços, considerados pela Comissão para a determinação do nível geral das coimas, só foram provados parcialmente. Todavia, à luz das considerações que precedem, esta conclusão não afecta de forma sensível a apreciação da gravidade da infracção constatada. A este propósito, o facto de as empresas terem efectivamente anunciado os aumentos de preços acordados e de os preços assim anunciados terem servido de base à fixação dos preços de transacção individuais basta, por si só, para concluir que a colusão sobre os preços teve como objectivo e como efeito uma grave restrição da concorrência. Assim, no quadro da sua competência de plena jurisdição, o Tribunal considera que as conclusões a que chegou no que respeita aos efeitos da infracção não justificam a redução do nível geral das coimas fixado pela Comissão.

359    Finalmente, ao fixar o nível geral das coimas, a Comissão não se afastou da sua prática decisória anterior de um modo tal que justificasse uma obrigação de fundamentar de forma mais circunstanciada a sua apreciação da gravidade da infracção (v., nomeadamente, o acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Novembro de 1975, Groupement des fabricants de papiers peints de Belgique e o./Comissão, 73/74, Colect., p. 503, n.° 31).

360    Consequentemente, o presente fundamento não pode ser acolhido.»

17.
    Em conclusão, o Tribunal de Primeira Instância considerou que, não tendo sido acolhido nenhum dos fundamentos invocados em apoio dos pedidos de anulação da coima ou da redução do seu montante, não havia que reduzir o montante da coima aplicada à recorrente.

O recurso do acórdão do Tribunal de Primeira Innstância

18.
    No recurso para o Tribunal de Justiça, a recorrente pede a anulação, «pelo menos em parte» («at least in part»), do acórdão recorrido e da decisão, bem como a anulação ou, pelo menos, a redução da coima que lhe foi aplicada.

19.
    A recorrente invoca dois fundamentos em apoio do seu recurso. Alega que o Tribunal de Primeira Instância cometeu erros de direito ao considerar, por um lado, que o facto de a Comissão não ter indicado na decisão os factores que tinha sistematicamente tomado em conta na fixação do montante da coima aplicada à recorrente não constituía uma violação do dever de fundamentação que justificasse a anulação total ou parcial da coima e, por outro, que a sua própria conclusão de que a Comissão não tinha feito prova de todos os efeitos da infracção alegados não podia afectar sensivelmente a sua apreciação da gravidade da infracção e, desse modo, levar a uma redução da coima.

Quanto à admissibilidade do recurso para o Tribunal de Justiça

20.
    A Comissão contesta a admissibilidade do recurso com base em dois fundamentos.

21.
    Em primeiro lugar, entende que o recurso deveria ser rejeitado por inadmissível na medida em que se dirige à revogação do acórdão recorrido no seu conjunto, uma vez que a recorrente, no seu recurso, impugna apenas os pontos do acórdão recorrido relativos à graduação da coima.

22.
    Se é certo que a recorrente pediu a annulação «pelo menos em parte» do acórdão impugnado, resulta do recurso que os argumentos da recorrente apenas dizem respeito ao nível da coima. Nestas condições, não há que considerar que o recurso se dirige à anulação do acórdão recorrido no seu conjunto.

23.
    Em segundo lugar, a Comissão contesta a admissibilidade do segundo fundamento da recorrente, assente em erro de direito cometido pelo Tribunal de Primeira Instância ao não reduzir o montante da coima após ter considerado que a Comissão não tinhademonstrado integralmente os efeitos da infracção. Segundo a Comissão, decorreria claramente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, no âmbito de um recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância, não lhe cabe analisar a apreciação do Tribunal de Primeira Instância, que decidiu no exercício da sua plena jurisdição, sobre o montante adequado de uma coima.

24.
    A este respeito, basta lembrar que, embora não caiba ao Tribunal de Justiça, quando se pronuncia sobre questões de direito no âmbito de um recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância, substituir, por motivos de equidade, pela sua própria apreciação a apreciação do Tribunal de Primeira Instância que se pronunciou, no exercício da sua plena jurisdição, sobre o montante das coimas aplicadas a empresas devido à violação por estas do direito comunitário (acórdão de 6 Abril de 1995, BPB Industries e British Gypsum/Comissão, C-310/93 P, Colect., p. I-865, n.° 34), o Tribunal de Justiça não é menos competente para examinar se o Tribunal de Primeira Instância respondeu correctamente a todos os argumentos invocados pelo recorrente tendentes à supressão ou à redução da coima (acórdão de 17 de Julho de 1997, Ferriere Nord/Comissão, C-219/95 P, Colect., p. I-4411, n.° 31).

25.
    O segundo fundamento de inadmissibilidade invocado pela Comissão deve, portanto, improceder também.

Quanto ao primeiro fundamento

26.
    No seu primeiro fundamento, a recorrente alega que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao não concluir que a decisão se encontrava insuficientemente fundamentada, e, por isso, ao não a anular apesar de ter verificado, no n.° 272 do acórdão recorrido, que a Comissão não tinha revelado na decisão os factores que tinha sistematicamente tido em conta para fixar o montante das coimas.

27.
    A recorrente acrescenta que esses dados, segundo jurisprudência constante lembrada pelo Tribunal de Primeira Instância no n.° 276 do acórdão recorrido, devem figurar no próprio corpo da decisão sem que as explicações posteriores fornecidas pela Comissão à imprensa ou no processo no Tribunal de Primeira Instância possam, salvo circunstâncias excepcionais, ser tomadas em consideração. Ora, o Tribunal de Primeira Instância referiu precisamente, no próprio n.° 276, que a Comissão tinha reconhecido na audiência que nada a tinha impedido de indicar na decisão os elementos em causa. O Tribunal de Primeira Instância não podia, nestas condições, ter em conta o facto de que «a Comissão se [estava] mostrou disposta a fornecer, na fase contenciosa do processo, qualquer informação pertinente relativa ao modo de cálculo das coimas» (n.° 279 do acórdão recorrido).

28.
    A recorrente critica também o Tribunal de Primeira Instância por ter limitado no tempo a interpretação que deu, em matéria de fixação das coimas, das exigências do artigo 190.° do Tratado CE (actual artigo 253.° CE) nos seus acórdãos Tréfilunion/Comissão, Société métallurgique de Normandie/Comissão e Société destreillis et panneaux soudés/Comissão, já referidos (a seguir «acórdãos rede electrossoldada para betão»), lembrados no n.° 277 do acórdão recorrido, apesar de o Tribunal de Justiça sempre ter considerado que a interpretação que dá a uma regra de direito comunitário esclarece e precisa o significado e o alcance dessa regra tal como ela deve ou deveria ter sido entendida e aplicada desde o início, salvo decisão contrária constante do acórdão interpretativo.

29.
    Por último, a recorrente alega que a afirmação do Tribunal de Primeira Instância, no final do n.° 279 do acórdão recorrido, segundo a qual «a recorrente não demonstrou ter sido impedida de fazer utilmente uso dos seus direitos de defesa», é irrelevante, visto o dever de fundamentação ser uma formalidade essencial directamente imposta pelo artigo 190.° do Tratado. A recorrente não tinha, pois, que demonstrar que a falta de fundamentação lhe tinha sido directamente prejudicial.

30.
    Segundo a Comissão, o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 273 do acórdão recorrido, que os n.os 169 a 172 dos considerandos da decisão continham «uma indicação suficiente e pertinente dos elementos de apreciação tomados em consideração para determinar a gravidade e a duração da infracção cometida por cada uma das empresas em causa».

31.
    Os n.os 274 a 279 do acórdão recorrido seriam, para a Comissão, redundantes na medida em que lembram a necessidade de conferir um carácter dissuasivo ao montante da coima (n.° 274) e as consequências dos acórdãos rede electrossoldada para betão (n.os 275 a 279). A Comissão entende, aliás, que a leitura que a recorrente faz destes acórdãos é errada. Nestes, o Tribunal de Primeira Instância teria, tal como no acórdão recorrido, concluído pelo carácter suficiente da fundamentação da decisão da Comissão, manifestando ainda ser desejável uma maior transparência no método seguido para o cálculo. Ao decidir deste modo, o Tribunal de Primeira Instância não tinha erigido a falta de transparência em falta de fundamentação da decisão. Quando muito, a posição do Tribunal de Primeira Instância decorreria do princípio da boa administração, no sentido de que os destinatários de decisões não deveriam ter que accionar um processo no Tribunal de Primeira Instância para conhecer todos os pormenores do método de cálculo utilizado pela Comissão. Porém, essas considerações não podem constituir só por si um fundamento de anulação da decisão.

32.
    Em primeiro lugar, importa expor os diferentes passos do raciocínio do Tribunal de Primeira Instância em resposta ao fundamento assente na violação do dever de fundamentação quanto ao cálculo das coimas.

33.
    O Tribunal de Primeira Instância lembrou, desde logo, no n.° 266 do acórdão recorrido, a jurisprudência constante segundo a qual o dever de fundamentar uma decisão individual tem por finalidade permitir ao juiz comunitário exercer a sua fiscalização da legalidade da decisão e fornecer ao interessado uma indicação suficiente para saber se a decisão é fundada ou se está eventualmente afectada por um vício que permita contestar a sua validade, esclarecendo-se que o alcance dessa obrigação depende da natureza do acto em causa e do contexto em que o mesmo foi adoptado (v.,nomeadamente, além da jurisprudência referida pelo Tribunal de Primeira Instância, o acórdão de 15 de Abril de 1997, Irish Farmers Association e o., C-22/94, Colect., p. I-1809, n.° 39).

34.
    Em seguida, o Tribunal de Primeira Instância especificou, no n.° 267 do acórdão recorrido, que, no que respeita a uma decisão que, como no presente caso, aplica coimas a diversas empresas por uma infracção às regras comunitárias da concorrência, o alcance da obrigação de fundamentação deve ser determinado, designadamente, à luz do facto que a gravidade das infracções depende de um grande número de elementos, tais como as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o carácter dissuasivo das coimas, e isto sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração (despacho SPO e o./Comissão, já referido, n.° 54).

35.
    A esse respeito, o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 273 do acórdão recorrido,

«que, interpretados à luz da exposição pormenorizada que é feita, na decisão, das alegações de facto formuladas em relação a cada destinatário da decisão, os n.os 169 a 172 dos considerandos desta contêm uma indicação suficiente e pertinente dos elementos de apreciação tomados em consideração para determinar a gravidade e a duração da infracção cometida por cada uma das empresas em causa».

36.
    Contudo, nos n.os 275 a 279 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância reduziu, não sem ambiguidade, o alcance da afirmação contida no n.° 273.

37.
    Com efeito, resulta dos n.os 275 e 276 do acórdão recorrido que a decisão não contém a indicação de dados específicos tomados em conta sistematicamente pela Comissão na fixação do montante das coimas, que, não obstante, estava em condições de divulgar e que teriam permitido às empresas apreciar melhor se a Comissão tinha cometido erros na fixação do montante da coima individual e se esse montante era justificado relativamente aos critérios gerais aplicados. O Tribunal de Primeira Instância acrescentou, no n.° 277 do acórdão recorrido, que, segundo os acórdãos rede electrossoldada para betão, é desejável que as empresas possam conhecer em pormenor o modo de cálculo da coima que lhes foi aplicada, sem serem obrigadas, para tal, a interpor um recurso contencioso da decisão da Comissão.

38.
    Por último, no n.° 279 do acórdão recorrido, concluiu por uma «falta de fundamentação específica na decisão quanto ao modo de cálculo das coimas», que se justificava pelas circunstâncias particulares do caso, concretamente, a divulgação dos elementos de cálculo no processo contencioso e o carácter inovador da interpretação do artigo 190.° do Tratado contida nos acórdãos rede electrossoldada para betão.

39.
    Antes de analisar, relativamente aos argumentos invocados pela recorrente, o bem fundado das apreciações do Tribunal de Primeira Instância relativas às consequênciassobre o respeito do dever de fundamentação que poderiam decorrer da divulgação dos elementos de cálculo na fase contenciosa e do carácter inovador dos acórdãos rede electrossoldada para betão, há que verificar se o respeito do dever de fundamentação, previsto no artigo 190.° do Tratado, impunha à Comissão que fizesse constar da decisão, para além dos elementos de apreciação que lhe permitiram determinar a gravidade e a duração da infracção, uma descrição mais detalhada do modo de cálculo das coimas.

40.
    A esse respeito, cabe destacar que, no que toca a recursos de decisões da Comissão que aplicam coimas a empresas por violação das regras da concorrência, o Tribunal de Primeira Instância tem uma dupla competência.

41.
    Por um lado, cabe-lhe fiscalizar a respectiva legalidade, nos termos do artigo 173.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 230.° CE). Neste quadro, deve, nomeadamente, fiscalizar o respeito do dever de fundamentação, previsto no artigo 190.° do Tratado, cuja violação torna a decisão anulável.

42.
    Por outro lado, o Tribunal de Primeira Instância tem competência para apreciar, no âmbito do poder de plena jurisdição que lhe é reconhecido pelos artigos 172.° do Tratado CE (actual artigo 229.° CE) e 17.° do Regulamento n.° 17, o carácter apropriado do montante das coimas. Esta última apreciação pode justificar a apresentação e a tomada em consideração de elementos complementares de informação cuja menção na decisão não é como tal exigida nos termos do dever de fundamentação previsto no artigo 190.° do Tratado.

43.
    No que respeita à fiscalização do dever de fundamentação, há que lembrar que o artigo 15.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 17 dispõe que, «Para determinar o montante da multa, deve tomar-se em consideração, além da gravidade da infracção, a duração da mesma.»

44.
    Nestas condições, tendo em conta a jurisprudência referida nos n.os 266 e 267 do acórdão recorrido, os requisitos da formalidade essencial que constitui o dever de fundamentação estão preenchidos quando a Comissão indica, na sua decisão, os elementos de apreciação que lhe permitiram medir a gravidade da infracção bem como a respectiva duração. Na falta de tais elementos, a decisão está ferida do vício de falta de fundamentação.

45.
    Ora, o Tribunal de Primeira Instância considerou no n.° 273 do acórdão recorrido, que a Comissão tinha cumprido estas exigências. Com efeito, há que verificar, tal como fez o Tribunal de Primeira Instância, que os n.os 167 a 172 dos considerandos da decisão enunciam os critérios utilizados pela Comissão para calcular as coimas. Assim, o n.° 167 refere-se, nomeadamente, à duração da infracção; contém igualmente, tal como o n.° 168, as considerações em que a Comissão se baseou para avaliar a gravidade da infracção e o montante geral das coimas; o n.° 169 inclui os elementos levados em conta pela Comissão para determinar a coima a aplicar a cada empresa; o n.° 170 designa as empresas que devem ser consideradas «líderes» do cartel, detentorasde uma responsabilidade particular face às outras empresas; por último, os n.os 171 e 172 extraem consequências quanto ao montante das coimas da cooperação de diversos fabricantes com a Comissão nas investigações com vista ao apuramento dos factos ou na resposta à comunicação das acusações.

46.
    O facto de terem sido comunicadas posteriormente, numa conferência de imprensa ou durante a fase contenciosa, informações mais precisas, tais como os volumes de negócios realizados pelas empresas ou as taxas de redução fixadas pela Comissão, não é susceptível de pôr em causa a conclusão contida no n.° 273 do acórdão recorrido. Com efeito, os esclarecimentos prestados pelo autor de uma decisão impugnada, que completam uma fundamentação já em si mesma suficiente, não se integram, em rigor, no respeito do dever de fundamentação, mesmo que possam ser úteis à fiscalização interna dos fundamentos da decisão, exercida pelo juiz comunitário, na medida em que permitem à instituição explicar as razões que estão na base da sua decisão.

47.
    Certamente a Comissão não pode, pelo recurso exclusivo e mecânico a fórmulas aritméticas precisas, privar-se do seu poder de apreciação. Contudo, é-lhe permitido fazer acompanhar a sua decisão de uma fundamentação que vá para além dos requisitos lembrados no n.° 44 deste acórdão, entre outros, indicando os elementos numéricos que orientaram, incluindo quanto ao efeito dissuasivo pretendido, o exercício do seu poder de apreciação na fixação das coimas aplicadas a várias empresas que participaram, com intensidade variável, na infracção.

48.
    Com efeito, pode ser desejável que a Comissão faça uso dessa faculdade para permitir às empresas conhecerem em pormenor o modo de cálculo da coima que lhes é aplicada. De uma forma mais geral, isso pode servir a transparência da acção administrativa e facilitar o exercício pelo Tribunal de Primeira Instância da sua competência de jurisdição plena, que lhe deve permitir apreciar, para além da legalidade da decisão impugnada, o carácter apropriado da coima aplicada. No entanto, esta faculdade, tal como referiu a Comissão, não é susceptível de modificar a extensão das exigências que decorrem do dever de fundamentação.

49.
    Em consequência, o Tribunal de Primeira Instância não podia, sem violar o alcance do artigo 190.° do Tratado, considerar, no n.° 278 do acórdão recorrido, que «a Comissão deve, se tiver sistematicamente tomado em conta certos elementos de base para fixar o montante das coimas, indicar esses elementos no corpo da decisão». De igual modo, não podia, sem se contradizer nos fundamentos, depois de ter concluído, no n.° 73 do acórdão recorrido, que a decisão continha «uma indicação suficiente e pertinente dos elementos de apreciação tomados em consideração para determinar a gravidade e a duração da infracção cometida por cada uma das empresas em causa», declarar, no n.° 279 do acórdão recorrido, a «falta de fundamentação específica na decisão quanto ao modo de cálculo das coimas».

50.
    Contudo, o erro de direito desse modo cometido pelo Tribunal de Primeira Instância não é susceptível de implicar a anulação do acórdão recorrido uma vez que, tendo emconta o que precede, o Tribunal de Primeira Instância julgou validamente improcedente, não obstante os n.os 275 a 279 do acórdão recorrido, o fundamento assente na violação do dever de fundamentação quanto ao cálculo das coimas.

51.
    Uma vez que não cabia à Comissão, por força do dever de fundamentação, indicar na decisão os elementos numéricos relativos ao modo de cálculo das coimas, não há que analisar os diferentes vícios alegados pela recorrente e que assentam nessa premissa errada.

52.
    Em consequência, há que julgar improcedente o primeiro fundamento.

Quanto ao segundo fundamento

53.
    Pelo segundo fundamento, a recorrente critica o Tribunal de Primeira Instância por não ter reduzido o montante da coima após ter considerado que a Comissão não tinha demonstrado todos os efeitos da infracção alegados.

54.
    Segundo a recorrente, foi erradamente que o Tribunal de Primeira Instância considerou que a inexistência de qualquer efeito negativo no nível dos preços de transacção não podia afectar sensivelmente a sua apreciação da gravidade da infracção e, por isso, levar a uma redução da coima (n.° 358 do acórdão recorrido). Ora, os efeitos de uma infracção e, nomeadamente, um aumento efectivo dos preços, que causa um prejuízo directo aos consumidores, seriam da maior importância para determinar a sua gravidade e, logo, para determinar o montante da coima.

55.
    A recorrente entende que aplicar uma sanção igual por uma infracção menos grave do que a Comissão tinha afirmado viola as disposições do Regulamento n.° 17 e os princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento. A recorrente acrescenta que, no caso presente, o Tribunal de Primeira Instância optou por assumir por si mesmo o papel político da Comissão na apreciação do montante das coimas, sem indicar as razões pelas quais entendia ter que tomar uma medida tão excepcional.

56.
    A Comissão alega, pelo contrário, que o Tribunal de Primeira Instância podia, no exercício da sua plena jurisdição, ter a sua própria opinião sobre o montante apropriado da coima. Refere que, no caso presente, foi verificada e provada uma infracção e que a sua gravidade não depende unicamente dos efeitos que produziu, mas também das intenções dos participantes de controlar os mercados e de manter os preços a um nível elevado sabendo efectivamente que as medidas que tomavam eram ilegais e que corriam o risco de lhes serem aplicadas pesadas coimas.

57.
    Resulta do acórdão recorrido que o Tribunal de Primeira Instância lembrou, em primeiro lugar, no n.° 352, os poderes da Comissão ao abrigo do artigo 15.° do Regulamento n.° 17, o dever de, para a determinação do montante da coima, tomar em consideração a gravidade da infracção e a respectiva duração e ainda a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual a gravidade das infracções deve ser determinada em função de um grande número de elementos, tais como,nomeadamente, as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o carácter dissuasivo das coimas, e isto sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração (despacho SPO e o./Comissão, já referido, n.° 54).

58.
    O Tribunal de Primeira Instância enumerou em seguida, no n.° 353 do acórdão recorrido, as considerações contidas na decisão relativas à gravidade da infracção, sobre as quais, por último, exerceu a sua fiscalização jurisdicional.

59.
    A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância considerou que a Comissão decidiu bem ao aumentar o nível geral das coimas relativamente à sua prática decisória anterior a fim de reforçar o seu efeito dissuasivo (n.° 355 do acórdão recorrido) e para ter em conta a adopção por parte das empresas em causa de medidas que visavam dissimular a existência da colusão, o que constitui «um aspecto particularmente grave da infracção, susceptível de a caracterizar relativamente às infracções anteriormente constatadas» (n.° 356 do acórdão recorrido). O Tribunal de Primeira Instância salientou igualmente a longa duração e o carácter manifesto da infracção ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado (n.° 357 do acórdão recorrido).

60.
    O Tribunal de Primeira Instância concluiu, no n.° 358 do acórdão recorrido, que à luz das considerações expostas, o facto da a Comissão apenas ter provado parcialmente os efeitos da colusão sobre os preços não podia «afecta[r] de forma sensível a apreciação da gravidade da infracção constatada». A esse respeito, observou que «o facto de as empresas terem efectivamente anunciado os aumentos de preços acordados e de os preços assim anunciados terem servido de base à fixação dos preços de transacção individuais basta, por si só, para concluir que a colusão sobre os preços teve como objectivo e como efeito uma grave restrição da concorrência».

61.
    Finalmente, o Tribunal de Primeira Instância concluiu no n.° 359 do acórdão recorrido que,

«ao fixar o nível geral das coimas, a Comissão não se afastou da sua prática decisória anterior de um modo tal que justificasse uma obrigação de fundamentar de forma mais circunstanciada a sua apreciação da gravidade da infracção».

62.
    Resulta do exposto que o Tribunal de Primeira Instância entendeu, no âmbito da sua competência de plena jurisdição, que as suas conclusões no que respeita aos efeitos da infracção não eram susceptíveis de modificar a apreciação da gravidade da mesma, tal como tinha sido feita pela própria Comissão, ou, mais exactamente, de diminuir a gravidade da referida infracção medida dessa forma. O Tribunal de Primeira Instância considerou, face às circunstâncias particulares do caso concreto e ao contexto em que a infracção se desenrolou, tal como tomados em conta pela decisão e lembrados nos n.os 57 e 58 do presente acórdão, bem como ao efeito dissuasivo das coimas aplicadas, elementos que podem intervir, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, na apreciação da gravidade da infracção (v. acórdão de 7 de Junho de 1983, MusiqueDiffusion française e o./Comissão, já referido, n.° 106; despacho SPO e o./Comissão, já referido, n.° 54, e acórdão Ferriere Nord/Comissão, já referido, n.° 33), que não havia que reduzir o montante da coima.

63.
    Na medida em que a premissa do segundo fundamento, segundo a qual o Tribunal de Primeira Instância teria agravado a sanção, é errada, cabe julgar improcedente o segundo fundamento.

64.
    Por tudo o exposto, deve ser negado provimento ao recurso na íntegra.

Quanto às despesas

65.
    
66.
    Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, aplicável ao recurso de decisões do Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 118.°, a parte vencida é condenada nas despesas, se tal tiver sido requerido. Como a Comissão pediu a condenação da recorrente, que foi vencida em todos os seus fundamentos, há que condenar esta última nas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

decide:

1)    É negado provimento ao recurso.

2)    A Mo och Domsjö AB é condenada nas despesas.

La Pergola
Wathelet
Edward

Jann

Sevón

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 16 de Novembro de 2000.

O secretário

O presidente da Quinta Secção

R. Grass

A. La Pergola


1: Língua do processo: inglês.