Language of document : ECLI:EU:C:2000:632

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

16 de Novembro de 2000 (1)

«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância - Artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 - Responsabilidade solidária pelo pagamento da coima»

No processo C-294/98 P,

Metsä-Serla Oyj, anteriormente Metsä-Serla Oy, com sede em Espoo (Finlândia),

UPM-Kymmene Oyj, anteriormente United Paper Mills Ltd, com sede em Helsínquia (Finlândia),

Tamrock Oy, anteriormente Tampella Corporation, com sede em Tampere (Finlândia),

Kyro Oyj Abp, anteriormente Oy Kyro Ab, com sede em Tampere,

representadas por H. Hellmann, advogado em Colónia, e H.-J. Hellmann, advogado em Mannheim, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório dos advogados Loesch e Wolter, 11, rue Goethe,

recorrentes,

que tem por objecto um recurso do acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (Terceira Secção Alargada) de 14 de Maio de 1998, Metsä-Serla e o./Comissão (T-339/94 a T-342/94, Colect., p. II-1727), em que se pede a anulação desse acórdão,

sendo a outra parte no processo:

Comissão das Comunidades Europeias, representada por R. Lyal, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, assistido por D. Schroeder, advogado em Colónia, com domicílio escolhido no gabinete de C. Gómez de la Cruz, membro do mesmo serviço, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: A. La Pergola, presidente de secção, M. Wathelet (relator), D. A. O. Edward, P. Jann e L. Sevón, juízes,

advogado-geral: J. Mischo,


secretário: R. Grass,

visto o relatório do juiz-relator,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 18 de Maio de 2000,

profere o presente

Acórdão

1.
    Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 29 de Julho de 1998, as sociedades Metsä-Serla Oyj, UPM-Kymmene Oyj, Tamrock Oy e Kyro Oyj ABP interpuseram, nos termos do artigo 49.° do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, recurso do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio 1998, Metsä-Serla e o./Comissão (T-339/94 a T-342/94, Colect., p. II-1727, a seguir «acórdão recorrido»), pelo qual este julgou improcedentes os recursos da Decisão 94/601/CE da Comissão, de 13 de Julho de 1994, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (IV/C/33.833 - Cartão) (JO L 243, p. 1, a seguir «decisão»).

Os factos

2.
    Pela decisão, a Comissão aplicou coimas a 19 produtores fornecedores de cartão na Comunidade, com fundamento em violações do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado CE (actual artigo 81.°, n.° 1, CE).

3.
    Resulta do acórdão recorrido que essa decisão surgiu na sequência de queixas informais apresentadas, em 1990, pela British Printing Industries Federation, organização profissional representativa da maioria dos impressores de cartão do Reino Unido, e pela Fédération française du cartonnage e ainda de investigações efectuadas, sem aviso prévio, em Abril de 1991 por agentes da Comissão, actuando ao abrigo do n.° 3 do artigo 14.° do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, primeiro regulamento de aplicação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), nas instalações de diversas empresas e associações profissionais do sector do cartão.

4.
    Os elementos obtidos no âmbito destas investigações e na sequência de pedidos de informações e de documentos levaram a Comissão a concluir que as empresas em causa tinham participado, entre meados de 1986 e Abril de 1991 pelo menos (na maior parte dos casos), numa infracção ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. Em consequência, decidiu dar início a um procedimento em aplicação desta última disposição e, por carta de 21 de Dezembro de 1992, enviou uma comunicação de acusações a cada uma das empresas em causa a que todas responderam por escrito. Nove das empresas pediram para ser ouvidas.

5.
    No termo do procedimento, a Comissão adoptou a decisão controvertida, que inclui as seguintes disposições:

«Artigo 1.°

As empresas Buchmann GmbH, Cascades SA, Enso-Gutzeit Oy, Europa Carton AG, Finnboard-the Finnish Board Mills Association, Fiskeby Board AB, Gruber & WeberGmbH & Co KG, Kartonfabriek 'de Eendracht‘ NV (com denominação comercial 'BPB de Eendracht NV‘), NV Koninklijke KNP BT NV (anteriormente Koninklijke Nederlandse Papierfabrieken NV), Laakmann Karton GmbH & Co KG, Mo Och Domsjö AB (MoDo), Mayr-Melnhof Gesellschaft mbH, Papeteries de Lancey SA, Rena Kartonfabrik A/S, Sarrió SpA, SCA Holding Ltd [anteriormente Reed Paper & Board (UK) Ltd], Stora Kopparbergs Bergslags AB, Enso Española SA (anteriormente Tampella Española SA) e Moritz J. Weig GmbH & Co KG infringiram o disposto no n.° 1 do artigo 85.° do Tratado CE ao participarem,

-    no caso da Buchmann e da Rena desde, aproximadamente, Março de 1988 até, pelo menos, final de 1990,

-    no caso da Enso Española desde, pelo menos, Março de 1988 até, pelo menos, final de Abril de 1991,

-    no caso da Gruber & Weber desde, pelos menos, 1988 até finais de 1990,

-    noutros casos, a partir de meados de 1986 até, pelo menos, Abril de 1991,

num acordo e prática concertada com início em meados de 1986, através do qual os fornecedores de cartão na Comunidade:

-    se reuniram regularmente numa série de reuniões secretas e institucionalizadas para debater e acordar um plano comum do sector destinado a restringir a concorrência,

-    acordaram aumentos de preços regulares para cada qualidade do produto em cada moeda nacional,

-    planearam e aplicaram aumentos de preços simultâneos e uniformes em toda a Comunidade,

-    chegaram a um acordo quanto à manutenção das quotas de mercado dos principais produtores a níveis constantes, sujeitas a modificações ocasionais,

-    adoptaram, principalmente a partir do início de 1990, medidas concertadas por forma a controlar o fornecimento do produto na Comunidade e a assegurar a aplicação dos referidos aumentos concertados de preços,

-    procederam ao intercâmbio de informações comerciais sobre os fornecimentos, preços, suspensões de actividade, cadernos de encomendas e taxas de utilização das máquinas em apoio às medidas supracitadas.

...

Artigo 3.°

São aplicadas as seguintes coimas às empresas a seguir designadas relativamente à infracção referida no artigo 1.°:

...

v)    Finnboard - the Finnish Board Mills Association, coima de 20 000 000 de ecus, relativamente à qual a Oy Kyro AB é solidariamente responsável com a Finnboard pelo montante de 3 000 000 de ecus, a Metsä-Serla Oy pelo montante de 7 000 000 de ecus, a Tampella Corporation pelo montante de 5 000 000 de ecus e a United Paper Mills Ltd pelo montante de 5 000 000 de ecus;

...»

6.
    Resulta ainda dos factos tal como descritos no acórdão recorrido:

«9    Os recorrentes, destinatários da decisão, são fabricantes finlandeses de cartão. Comercializam os seus produtos na Comunidade bem como noutros mercados através da Finnish Board Mills Association - Finnboard (a seguir 'Finnboard‘). A Finnboard é uma associação profissional de direito finlandês que tinha, em 1991, seis sociedades membros, entre as quais as sociedades recorrentes.

10    Conclui-se do n.° 174 dos considerandos da decisão que a Comissão aplicou uma coima à Finnboard pelo facto de ter sido ela, e não as sociedades recorrentes, que participou activa e directamente no cartel. No entanto, considerou as sociedades recorrentes como solidariamente responsáveis com a Finnboard pelo pagamento da parte da coima correspondente aproximadamente às vendas de cartão realizadas por conta de cada uma delas pela Finnboard.»

7.
    A decisão foi igualmente objecto de 17 outros recursos (processos T-295/94, T-301/94, T-304/94, T-308/94 a T-311/94, T-317/94, T-319/94, T-327/94, T-334/94, T-337/94, T-338/94, T-347/94, T-348/94, T-352/94 e T-354/94), interpostos por todos os outros destinatários da referida decisão, com excepção de dois. O processo T-301/94, Laakmann Karton/Comissão, foi cancelado no registo do Tribunal por despacho de 18 de Julho de 1996, por desistência da recorrente.

O acórdão recorrido

Quanto ao pedido de anulação da decisão

8.
    No Tribunal de Primeira Instância, as recorrentes tinham invocado um fundamento único de violação dos artigos 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

9.
    Alegavam, no essencial, que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 não habilitava a Comissão a adoptar uma decisão que impunha a uma empresa a responsabilidade do pagamento de uma coima na qual tinha sido condenada outra empresa. Esta disposição permitiria apenas aplicar coimas às empresas que cometeram elas próprias uma infracção às regras de concorrência. Ora, a Comissão tinha optado por uma responsabilidade por facto de terceiro, noção distinta da responsabilidade por facto pessoal.

10.
    As recorrentes contestavam também que a Comissão pudesse considerá-las solidariamente responsáveis pelo pagamento da coima ao provar a existência de uma unidade económica e que pudesse afirmar que a Finnboard tinha actuado «como alter ego e no interesse» das recorrentes.

11.
    A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância respondeu:

«42    [O artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17] não esclarece expressamente se uma empresa que não é considerada directa e formalmente responsável pelo comportamento ilícito detectado pela Comissão pode ser declarada solidariamente responsável com uma outra empresa, autora do comportamento ilícito detectado e penalizada a esse título, pelo pagamento de uma coima aplicada a esta última.

43    No entanto, há que considerar que a referida disposição deve ser interpretada no sentido de que uma empresa pode ser declarada solidariamente responsável com uma outra empresa pelo pagamento de uma coima aplicada a esta última, que cometeu uma infracção deliberadamente ou por negligência, desde que a Comissão prove, no mesmo acto, que essa infracção poderia também ser detectada no contexto da empresa que deve responder solidariamente pela coima.

44    No caso em apreço, não obstante a Finnboard ser a empresa directa e formalmente considerada responsável pela infracção ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado (artigo 1.° da decisão), e não obstante a coima prevista pelo artigo 3.°, alínea v), da decisão lhe ser portanto aplicada, cada uma das recorrentes é, no entanto, solidariamente responsável com a Finnboard pelo pagamento de uma parte dessa coima, uma vez que a Comissão considerou que a Finnboard tinha actuado como o seu alter ego e no seu interesse (n.° 174, segundo parágrafo, dos considerandos da decisão).

45    É conveniente portanto examinar se existiram entre a Finnboard e as recorrentes nexos económicos e jurídicos tais que a Comissão pudesse considerar cada uma destas últimas directa e formalmente responsáveis pela infracção.

46    Quanto a isto, conclui-se da decisão que a Comissão considerou que as recorrentes eram responsáveis pelos actos da Finnboard (n.° 174, segundo parágrafo, já referido).

47    Para apreciar a correcção desta afirmação, há que ter em consideração as principais informações, conforme resultam dos autos, designadamente a resposta das recorrentes às perguntas escritas do Tribunal, relativas às modalidades de funcionamento da Finnboard e às relações jurídicas e factuais que a Finnboard desenvolvia com as suas sociedades membros, e nomeadamente com as recorrentes.

48    Nos termos dos estatutos de 1 de Janeiro de 1987 (n.° 2), a Finnboard é uma associação que comercializa o cartão produzido pelas recorrentes, bem como produtos do sector do papel produzidos por outros membros.

49    Nos termos dos n.os 10 e 11 dos referidos estatutos, cada um dos membros nomeia um representante para o 'Board of Directors‘, encarregado, nomeadamente, de adoptar as regras de conduta das operações da associação, de confirmar o orçamento, o plano de financiamento e os princípios de repartição das despesas entre as sociedades membros, e de nomear o 'Managing Director‘.

50    O n.° 20 dos estatutos dispõe:

    'Os membros são conjunta e solidariamente responsáveis pelos compromissos assumidos em nome da associação, como se tivessem sido contraídos a título pessoal.

    A responsabilidade por dívidas e compromissos é repartida na proporção da facturação líquida dos membros no exercício em curso e nos dois exercícios anteriores.‘

51    No que respeita à venda dos produtos do cartão, resulta da resposta das recorrentes às perguntas escritas do Tribunal que tinham, na época dos factos, mandatado a Finnboard para efectuar o conjunto das suas vendas de cartão, com a única excepção das vendas internas ao grupo de cada sociedade recorrente e das vendas de pequeno volume a clientes ocasionais na Finlândia (v. igualmente o n.° 14 dos estatutos da Finnboard). Além disso, a Finnboard fixava e anunciava tabelas idênticas para as recorrentes.

52    As recorrentes explicam igualmente que, nas vendas individuais, os clientes faziam as suas encomendas à Finnboard indicando geralmente a fábrica preferida, explicando-se essas preferências, nomeadamente, por diferenças de qualidade entre os produtos de cada uma das recorrentes. Na hipótese de não ser manifestada nenhuma preferência, as encomendas eram repartidas entre osmembros da Finnboard, em conformidade com o n.° 15 dos seus estatutos, nos termos do qual:

    'As encomendas entradas devem ser repartidas de forma equitativa e justa para efeitos da produção pelos membros, tendo em conta a capacidade de produção de cada um e os princípios de repartição fixados pelo conselho de administração.‘

53    A Finnboard estava autorizada a negociar as condições de venda, incluindo o preço, com cada cliente potencial, tendo as recorrentes estabelecido linhas directrizes gerais relativas a tais negociações individuais. No entanto, cada encomenda devia ser submetida à sociedade recorrente em causa, que decidia aceitá-la ou não.

54    O processamento das vendas individuais e os princípios contabilísticos aplicados em relação a tais vendas são descritos numa declaração de 4 de Junho de 1997 do perito contabilístico da Finnboard:

    'A Finnboard actua como mandatária, a favor dos mandantes, facturando 'em nome próprio por conta de cada mandante'.

    1.    Cada encomenda é confirmada pela fábrica do mandante.

    2.    No momento da expedição, a fábrica envia uma factura inicial à Finnboard ('Mill invoice'). A factura é inscrita na conta mandantes como crédito e no registo das compras da Finnboard como dívida à fábrica.

    3.    A factura emitida pela fábrica (deduzidos os custos estimados de transporte, armazenagem, fornecimento e financiamento) é paga antecipadamente pela Finnboard no prazo acordado (10 dias em 1990/1991). A Finnboard financia, assim, as existências alheias e os créditos clientes da fábrica, sem se tornar proprietária das mercadorias expedidas.

    4.    Por ocasião do fornecimento ao cliente, a Finnboard emite uma factura cliente por conta da fábrica. A factura é registada como venda na conta mandantes e como crédito no registo de vendas da Finnboard.

    5.    Os pagamentos efectuados pelos clientes são inscritos nas contas mandantes e as eventuais diferenças entre os preços e os custos estimados e os preços e os custos reais (ver ponto 3) são saldadas pela conta mandantes.‘

55    Conclui-se assim em primeiro lugar que, ainda que a Finnboard estivesse autorizada a negociar, com os clientes finais e respeitando as linhas directrizes fixadas pelas recorrentes, os preços e as outras condições de venda, nenhumavenda se podia efectuar sem a aprovação prévia do preço e das outras condições de venda pela sociedade recorrente em questão.

56    Em segundo lugar, é ponto assente que o direito de propriedade passava directamente da sociedade recorrente em questão para o cliente final.

57    Por fim, o Tribunal verifica que as comissões recebidas pela Finnboard, que figuram como volume de negócios nos seus relatórios anuais, apenas cobrem as despesas ligadas às vendas que efectuou por conta das suas sociedades membros, como as despesas de transporte ou de financiamento. Daqui resulta que a Finnboard não teve nenhum interesse económico próprio em participar na colusão sobre os preços, uma vez que os aumentos de preços anunciados e aplicados pelas empresas reunidas no âmbito dos órgãos do PG Paperboard não lhe trouxeram nenhum benefício. Em contrapartida, a participação da Finnboard nessa colusão revestia um interesse económico directo para as recorrentes.

58    Nas circunstâncias do caso em apreço, os nexos económicos e jurídicos entre a Finnboard e cada uma das recorrentes eram portanto tais que, ao comercializar o cartão em benefício das recorrentes, a Finnboard só agia enquanto órgão auxiliar de cada uma dessas sociedades. Tendo em conta esses nexos e o facto de que era obrigada a seguir as directivas dadas por cada uma das recorrentes e não podia adoptar no mercado um comportamento independente de cada uma delas, a Finnboard constituía, na realidade, uma unidade económica com cada uma dessas sociedades membros produtoras de cartão (v., por analogia, acórdãos Suiker Unie e o./Comissão, já referido, n.os 538 a 540).

59    Assim, a Comissão considerou correctamente, nos fundamentos da decisão, que as recorrentes eram responsáveis pelos comportamentos anticoncorrenciais da Finnboard, pelo que teria sido possível detectar, no contexto de cada uma delas, uma violação, cometida deliberadamente, do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. Podia portanto, em vez de aplicar uma coima directamente a cada uma das sociedades recorrentes, optar pela responsabilidade solidária de cada uma destas com a Finnboard pelo pagamento de uma parte da coima aplicada a esta associação profissional.

60    Tendo em vista as considerações precedentes, o fundamento deve ser considerado improcedente.»

Quanto aos pedidos de redução do montante da coima

12.
    O Tribunal de Primeira Instância julgou inadmissíveis os pedidos de redução do montante da coima, apresentados pelas recorrentes, pelo facto de estas não terem invocado qualquer fundamento em apoio desses pedidos.

13.
    Em conclusão, o Tribunal de Primeira Instância julgou os recursos improcedentes.

O recurso do acórdão do Tribunal de Primeira Instância

Quanto à regularidade da apresentação do recurso do acórdão do Tribunal de Primeira Instância

14.
    A título preliminar, a Comissão questiona a admissibilidade do presente recurso referindo que, excepto no caso da sociedade Kyro Oyj Abp, as certidões do registo comercial foram apresentadas apenas sob a forma de tradução, que a procuração da Kyro Oyj Abp contém, entre outras, a assinatura de uma pessoa que, de acordo com a certidão do registo comercial apresentada, não teria poderes para assinar e que o outro signatário dessa procuração não teria poderes para representar só por si a sociedade.

15.
    A este respeito, basta observar que o artigo 38.°, n.° 5, alínea b), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, que dispõe que uma pessoa colectiva de direito privado deve juntar à petição «a prova de que o mandato conferido ao advogado foi regularmente outorgado por um representante com poderes para o efeito», não é, nos termos do artigo 112.°, n.° 1, do mesmo regulamento, o qual remete apenas para os n.os 2 e 3 do artigo 38.°, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal de Primeira Instância.

16.
    Portanto, improcede a questão prévia de inadmissibilidade suscitada pela Comissão.

Quanto ao mérito

17.
    Em apoio do seu recurso, as recorrentes invocam dois fundamentos. Por um lado, criticam o Tribunal de Primeira Instância por não ter considerado que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 não podia servir de base jurídica para ser decidida a sua responsabilidade solidária pelo pagamento de uma coima aplicada a outra empresa. Por outro lado, consideram que foi erradamente que o Tribunal de Primeira Instância se referiu aos princípios desenvolvidos pelo Tribunal de Justiça para a determinação das coimas a aplicar a empresas que formam uma unidade económica uma vez que, segundo as recorrentes, o Tribunal de Justiça não deduziu desses princípios uma responsabilidade pelo pagamento de uma coima aplicada a outrem.

Quanto ao primeiro fundamento

18.
    As recorrentes alegam que a decisão de lhes aplicar coimas, apesar de nem a Comissão nem o Tribunal de Primeira Instância terem demonstrado que elas tinham infringido, deliberadamente ou por negligência, o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, não tem qualquer base jurídica. Pelo contrário, resultaria do artigo 1.° da decisão que elas não tinham violado o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

19.
    As recorrentes referem que, no n.° 43 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância considerou que uma empresa pode ser declarada solidariamente responsável com uma outra empresa pelo pagamento de uma coima aplicada a esta última, que cometeu uma infracção deliberadamente ou por negligência, «desde que a Comissão prove, no mesmo acto, que essa infracção poderia também ser detectada no contexto da empresa que deve responder solidariamente pela coima». Esta interpretação seria contrária à redacção clara do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 que impõe o apuramento de uma infracção ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado relativamente ao destinatário da decisão. Seria igualmente contrária ao princípio elementar da legalidade e seria permitir que a Comissão aplicasse sanções a empresas, nos termos do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, sem ter que suportar o ónus da prova de uma infracção ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado e sem ter que tomar em consideração o caso concreto de cada empresa (nomeadamente as circunstâncias atenuantes) na apreciação da gravidade ou da duração da infracção ao fixar o montante da coima. Por último, a interpretação do Tribunal de Primeira Instância seria contrária ao princípio da presunção da inocência, reconhecido no direito comunitário (v. acórdão de 18 de Outubro de 1989, Orkem/Comissão, 347/87, Colect., p. 3283, n.os 30 a 35).

20.
    A Comissão entende que o primeiro fundamento é inadmissível, uma vez que mais não faz do que repetir, em grande parte, os argumentos de facto e de direito invocados na primeira instância.

21.
    Quanto ao mérito, a Comissão entende que a interpretação do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 feita pelo Tribunal de Primeira Instância no n.° 43 do acórdão recorrido está em conformidade com a redacção dessa disposição. Uma empresa comete uma infracção ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado se o comportamento de outra empresa, que viola essa mesma disposição, lhe puder precisamente ser imputado (v., nomeadamente, acórdãos de 14 de Julho de 1972, ICI/Comissão, 48/69, Recueil, p. 619, n.os 132 e segs., Colect., p. 205; Geigy/Comissão, 52/69, Recueil, p. 787, n.os 44 e segs., Colect., p. 293; e de 25 de Outubro de 1983, AEG/Comissão, 107/82, Recueil, p. 3151, n.os 49 e segs.).

22.
    Além disso, não é verdade que, seguindo-se a interpretação do Tribunal de Primeira Instância, as circunstâncias particulares das empresas que poderão ser solidariamente responsabilizadas não seriam tomadas em consideração. Estas empresas só poderão ser solidariamente responsabilizadas se a infracção puder ser igualmente considerada provada relativamente a elas, o que implica que sejam tomadas em consideração as respectivas circunstâncias particulares. Foi isso que se verificou no caso em apreço, visto cada uma das recorrentes ter sido solidariamente responsabilizada pela coima aplicada à Finnboard por um montante diferente. Acresce que as recorrentes não alegaram a existência de circunstâncias individuais que a Comissão ou o Tribunal de Primeira Instância não tivessem tido em conta.

23.
    Por último, o princípio da presunção da inocência também não teria sido desrespeitado. A Comissão tinha apurado elementos que justificavam a aplicação de coimasdirectamente às recorrentes, que foram as destinatárias da comunicação de acusações e das quais puderam, portanto, defender-se sem qualquer restrição.

24.
    A esse respeito, cabe, em primeiro lugar, julgar improcedente o fundamento de inadmissibilidade suscitado pela Comissão. Com efeito, resulta do acima exposto que as recorrentes contestam o mérito do n.° 43 do acórdão recorrido na medida em que este estaria ferido de erro de direito.

25.
    Em seguida, há que lembrar que, no caso em apreço, foi aplicada à Finnboard uma coima de 20 000 000 de ecus, pela qual cada uma das recorrentes foi considerada solidariamente responsável até ao limite de determinado montante situado entre 3 000 000 e 7 000 000 de ecus e correspondente ao valor aproximado das vendas de cartão por conta de cada uma delas pela Finnboard (n.° 10 do acórdão recorrido).

26.
    Isto significa, tal como observou o Tribunal de Primeira Instância no n.° 44 do acórdão recorrido, que a Finnboard foi considerada directamente responsável pela infracção ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. Mas, uma vez que a Comissão considerou que a mesma tinha agido por conta e no interesse das recorrentes, de uma forma tal que o seu comportamento anticoncorrencial lhes podia ser imputado, cada uma das recorrentes foi julgada solidariamente responsável pelo pagamento de uma parte da coima.

27.
    O Tribunal de Primeira Instância analisou e confirmou a possibilidade de imputação do comportamento da Finnboard às recorrentes nos n.os 45 a 59 do acórdão recorrido. O entendimento do Tribunal de Primeira Instância a esse respeito não pode ser considerado ferido de erro uma vez que é de jurisprudência constante que o comportamento anticoncorrencial de uma empresa pode ser imputado a outra quando aquela não determinou de forma autónoma o seu comportamento no mercado, mas aplica no essencial as instruções que lhe são dadas por esta última, em particular, tendo em conta os laços económicos e jurídicos que as unem (v., nomeadamente, acórdão AEG/Comissão, já referido, n.° 49).

28.
    Nestas condições, a interpretação que o Tribunal de Primeira Instância deu ao artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 não pode ser considerada contrária ao princípio da legalidade, uma vez que as recorrentes, às quais foram imputados os comportamentos anticoncorrenciais da Finnboard, foram condenadas numa coima, nos termos desse artigo, por uma infracção cuja prática lhes é atribuída a elas próprias por força dessa imputação. Isto deixa claro que, ao contrário do que alegam as recorrentes, as respectivas circunstâncias particulares foram tomadas em consideração pela Comissão, aliás tal como observou o Tribunal de Primeira Instância no n.° 10 do acórdão recorrido, e que as recorrentes foram destinatárias da comunicação de acusações, em relação às quais não se demonstrou que não tivessem podido defender-se.

29.
    Também por este motivo, o fundamento de violação do princípio da presunção da inocência deve ser julgado improcedente.

30.
    Por último, quanto à questão de saber se as condições de imputabilidade estavam efectivamente reunidas no caso presente, essa análise, que assenta numa apreciação dos factos, não pode ser, como tal, contestada em sede de recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância.

31.
    Decorre do exposto que o primeiro fundamento deve improceder por parcialmente não fundado e parcialmente inadmissível.

Quanto ao segundo fundamento

32.
    Segundo as recorrentes, o Tribunal de Justiça exige sempre, para que uma sociedade-mãe possa ser considerada responsável por uma infracção cometida pela sua filial, que seja demonstrada uma violação pessoal das regras da concorrência pela primeira e que lhe seja aplicada uma coima (v., neste sentido, acórdãos de 6 de Março de 1974, Istituto Chemioterapico Italiano e Commercial Solvents/Comissão, 6/73 e 7/73, Colect., p. 119, n.os 37 e 41; ICI/Comissão, já referido, n.os 132 a 141; Geigy/Comissão, já referido, n.° 45; e do Tribunal de Primeira Instância de 1 de Abril de 1993, BPB Industries e British Gypsum/Comissão, T-65/89, Colect., p. II-389, n.os 149 e 153). A existência de uma unidade económica, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, não pode, pois, ser invocada como apoio da responsabilidade das recorrentes por facto de outrem para pagamento de uma coima aplicada à Finnboard, quando não foi considerada provada qualquer infracção relativamente a elas.

33.
    As recorrentes acrescentam que a posição defendida pela Comissão não encontra apoio na sua própria prática administrativa em que apenas surgem dois casos em que se colocou em causa a responsabilidade solidária, que se distinguiam fundamentalmente do caso presente, de facto e de direito, na medida em que as empresas, que tinham cometido uma infracção em comum, eram acusadas no processo de infracção como co-autoras e punidas com uma coima única [v. decisões da Comissão 72/457/CEE, de 14 de Dezembro de 1972, relativa a um processo de aplicação do artigo 86.° do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia (IV/26.911 - ZOJA/CSC - ICI) (JO L 299, p. 51), e 80/1283/CEE, de 25 de Novembro de 1980, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CEE (IV/29.702: Johnson & Johnson) (JO L 377, p. 16, nomeadamente p. 25)].

34.
    A esse respeito, basta observar que a argumentação das recorrentes assenta numa premissa errada, segundo a qual nenhuma infracção foi apurada em relação a elas e nenhuma coima lhes foi aplicada pessoalmente. Pelo contrário, resulta dos n.os 27 a 30 do presente acórdão que as recorrentes foram pessoalmente condenadas por uma infracção que se considerou terem cometido elas próprias por força dos laços económicos e jurídicos que as uniam à Finnboard e que lhes permitiam determinar o comportamento desta última no mercado.

35.
    A título subsidiário, as recorrentes alegam que as condições que permitem estabelecer a existência de uma unidade económica não estavam reunidas no caso em apreço.

36.
    A esse respeito, há que observar que os n.os 45 a 58 do acórdão recorrido contêm os fundamentos que dão apoio à conclusão segundo a qual, nas negociações com os compradores de cartão, a Finnboard devia seguir as directivas emanadas de cada uma das recorrentes e não podia adoptar no mercado um comportamento independente de cada uma delas, de tal forma que constituía efectivamente uma unidade económica com cada um dos seus membros produtores de cartão.

37.
    Tais considerações assentam numa série de elementos de natureza factual que não são susceptíveis de discussão em sede de recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância, salvo em caso de desnaturação dos elementos de prova ou de violação de princípios gerais e das regras processuais aplicáveis em matéria de ónus e administração da prova, o que as recorrentes não tentam demonstrar.

38.
    Em consequência, há que julgar improcedente o segundo fundamento.

39.
    Resulta de tudo o que antecede que o recurso deve ser julgado improcedente na íntegra.

Quanto às despesas

40.
    Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, aplicável ao recurso de decisões do Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 118.°, a parte vencida é condenada nas despesas, se tal tiver sido pedido. Como a Comissão pediu a condenação das recorrentes, que foram vencidas em todos os seus fundamentos, há que condenar estas últimas nas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

decide:

1)    O recurso é julgado improcedente.

2)    A Metsä-Serla Oyj, a UPM-Kymmene Oyj, a Tamrock Oy e a Kyro Oyj ABP são condenadas nas despesas.

La Pergola
Wathelet
Edward

Jann

Sevón

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 16 de Novembro de 2000.

O secretário

O presidente da Quinta Secção

R. Grass

A. La Pergola


1: Língua do processo: alemão.