Language of document : ECLI:EU:C:2000:633

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

16 de Novembro de 2000 (1)

«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância - Concorrência - Artigo 85.°, n.° 1, do Tratado CE (actual artigo 81.°, n.° 1, CE) - Imputabilidade do comportamento ilícito - Coima - Fundamentação - Circunstâncias atenuantes»

No processo C-297/98 P,

SCA Holding Ltd, com sede em Aylesford (Reino Unido), representada por J. Pheasant e N. Bromfield, solicitors, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório dos advogados Loesch & Wolter, 11, rue Goethe,

recorrente,

que tem por objecto um recurso do acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (Terceira Secção Alargada) de 14 de Maio de 1998, SCA Holding/Comissão (T-327/94, Colect., p. II-1373), em que se pede a anulação desse acórdão,

sendo a outra parte no processo:

Comissão das Comunidades Europeias, representada por J. Curall, consultor jurídico, e R. Lyal, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo, no gabinete de C. Gómez de la Cruz, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: A. La Pergola, presidente de secção, M. Wathelet (relator), D. A. O. Edward, P. Jann e L. Sevón, juízes,

advogado-geral: J. Mischo,


secretário: R. Grass,

visto o relatório do juiz-relator,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 18 de Maio de 2000,

profere o presente

Acórdão

1.
    Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 29 de Julho de 1998, a SCA Holding Ltd interpôs, nos termos do artigo 49.° do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, recurso do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio 1998, SCA Holding/Comissão (T-327/94, Colect., p. II-1373, a seguir «acórdão recorrido»),pelo qual este julgou improcedente o seu recurso destinado a obter a anulação da Decisão 94/601/CE da Comissão, de 13 de Julho de 1994, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (IV/C/33.833 - Cartão) (JO L 243, p. 1, a seguir «decisão»).

Os factos

2.
    Pela decisão, a Comissão aplicou coimas a 19 produtores fornecedores de cartão na Comunidade, com fundamento em violações do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado CE (actual artigo 81.°, n.° 1, CE).

3.
    Resulta do acórdão recorrido que essa decisão surgiu na sequência de queixas informais apresentadas, em 1990, pela British Printing Industries Federation, organização profissional representativa da maioria dos impressores de cartão do Reino Unido, e pela Fédération française du cartonnage e ainda de investigações efectuadas, sem aviso prévio, em Abril de 1991 por agentes da Comissão, actuando ao abrigo do n.° 3 do artigo 14.° do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, primeiro regulamento de aplicação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), nas instalações de diversas empresas e associações profissionais do sector do cartão.

4.
    Os elementos obtidos no âmbito destas investigações e na sequência de pedidos de informações e de documentos levaram a Comissão a concluir que as empresas em causa tinham participado, entre meados de 1986 e Abril de 1991 pelo menos (na maior parte dos casos), numa infracção ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. Em consequência, decidiu dar início a um procedimento em aplicação desta última disposição e, por carta de 21 de Dezembro de 1992, enviou uma comunicação de acusações a cada uma das empresas em causa a que todas responderam por escrito. Nove das empresas pediram para ser ouvidas.

5.
    No termo do procedimento, a Comissão adoptou a decisão, que inclui as seguintes disposições:

«Artigo 1.°

As empresas Buchmann GmbH, Cascades SA, Enso-Gutzeit Oy, Europa Carton AG, Finnboard-the Finnish Board Mills Association, Fiskeby Board AB, Gruber & Weber GmbH & Co. KG, Kartonfabriek de Eendracht NV (com denominação comercial BPB de Eendracht), NV Koninklijke KNP BT NV (anteriormente Koninklijke Nederlandse Papierfabrieken NV), Laakmann Karton GmbH & Co. KG, Mo Och Domsjö AB (MoDo), Mayr-Melnhof Gesellschaft mbH, Papeteries de Lancey SA, Rena Kartonfabrik A/S, Sarrió SpA, SCA Holding Ltd [anteriormente Reed Paper & Board (UK) Ltd], Stora Kopparbergs Bergslags AB, Enso Española SA (anteriormente Tampella Española SA) e Moritz J. Weig GmbH & Co. KG infringiram o disposto no n.° 1 do artigo 85.° do Tratado CE ao participarem,

-    no caso da Buchmann e da Rena desde, aproximadamente, Março de 1988 até, pelo menos, final de 1990,

-    no caso da Enso Española desde, pelo menos, Março de 1988 até, pelo menos, final de Abril de 1991,

-    no caso da Gruber & Weber desde, pelos menos, 1988 até finais de 1990,

-    noutros casos, a partir de meados de 1986 até, pelo menos, Abril de 1991,

num acordo e prática concertada com início em meados de 1986, através da qual os fornecedores de cartão na Comunidade:

-    se reuniram regularmente numa série de reuniões secretas e institucionalizadas para debater e acordar um plano comum do sector destinado a restringir a concorrência,

-    acordaram aumentos de preços regulares para cada qualidade do produto em cada moeda nacional,

-    planearam e aplicaram aumentos de preços simultâneos e uniformes em toda a Comunidade,

-    chegaram a um acordo quanto à manutenção das quotas de mercado dos principais produtores a níveis constantes, sujeitas a modificações ocasionais,

-    adoptaram, principalmente a partir do início de 1990, medidas concertadas por forma a controlar o fornecimento do produto na Comunidade e a assegurar a aplicação dos referidos aumentos concertados de preços,

-    procederam ao intercâmbio de informações comerciais sobre os fornecimentos, preços, suspensões de actividade, cadernos de encomendas e taxas de utilização das máquinas em apoio às medidas supracitadas.

...

Artigo 3.°

São aplicadas as seguintes coimas às empresas a seguir designadas relativamente à infracção referida no artigo 1.°:

...

xvi)    SCA Holding Limited, coima de 2 200 000 ecus;

...»

6.
    Resulta ainda dos factos tal como descritos no acórdão recorrido:

«13    Nos termos da decisão, a infracção foi praticada no âmbito de um organismo denominado 'Product Group Paperboard‘ (grupo de estudos do produto cartão, a seguir 'PGP‘ ), composto por diversos grupos ou comités.

14    Em meados de 1986, foi criado, no âmbito deste organismo, um 'Presidents Working Group‘ (grupo de trabalho dos presidentes, a seguir 'PWG‘), de que fazem parte representantes de alto nível dos principais produtores de cartão da Comunidade (cerca de oito).

15    O PWG tinha nomeadamente como actividades a discussão e a concertação sobre os mercados, as quotas de mercado, os preços e a utilização das capacidades. Em especial, adoptou decisões gerais relativamente ao calendário e ao nível dos aumentos de preços a pôr em prática pelos fabricantes.

16    O PWG apresentava relatórios à 'President Conference‘ (a seguir 'PC‘ ou 'conferência de presidentes‘), na qual participava (mais ou menos regularmente) a quase totalidade dos directores executivos das empresas envolvidas. A PC reuniu-se duas vezes por ano durante o período em causa.

17    No fim do ano de 1987, foi criado o 'Joint Marketing Committee‘ (comité conjunto de marketing, a seguir 'JMC‘). A sua principal atribuição consistia, por um lado, em determinar se os aumentos de preços podiam entrar em vigor e, em caso afirmativo, de que modo e, por outro, em fixar as modalidades de aplicação das iniciativas em matéria de preços decididas pelo PWG relativamente a cada país e aos principais clientes, com o objectivo de atingir um sistema de preços equivalente na Europa.

18    Finalmente, o comité económico (a seguir 'COE‘) debatia sobre matérias como as flutuações de preços nos mercados nacionais e os cadernos de encomendas e apresentava as suas conclusões ao JMC ou, até finais de 1987, ao predecessor do JMC, o Marketing Committee. O COE era composto pelos directores comerciais da maior parte das empresas em causa e reunia-se várias vezes por ano.

19    Além disso, resulta da decisão que a Comissão considerou que as actividades do PG Paperboard eram apoiadas por um intercâmbio de informações por intermédio da sociedade de auditores Fides, com sede em Zurique (Suíça). Segundo a decisão, a maior parte dos membros do PG Paperboard fornecia à Fides relatórios periódicos sobre as encomendas, a produção, as vendas e a utilização das capacidades. Estes relatórios eram tratados no quadro do sistema Fides e os dados resultantes eram enviados aos participantes.

20    A sociedade Reed Paper & Board Ltd (a seguir 'Reed P & B‘) foi proprietária, durante toda a duração da infracção, da fábrica de cartão Colthrop Mill (a seguir 'Colthrop‘).

21    A Reed P & B foi, até Julho de 1988, uma filial da Reed International plc. Em Julho de 1988, a compra pelos assalariados de várias sociedades do grupo Reed International conduziu à constituição da sociedade Reedpack Ltd (a seguir 'Reedpack‘) e à aquisição, por esta última, da Reed P & B.

22    Em Julho de 1990, o grupo sueco Svenska Cellulosa Aktiebolag (a seguir 'SCA‘) adquiriu a Reedpack e, consequentemente, a Reed P & B e várias fábricas entre as quais a Colthrop. A Reed P & B mudou de denominação uma primeira vez em 1 de Fevereiro de 1991 para SCA Aylesford Ltd (a seguir 'SCA Aylesford‘) depois, uma segunda vez, em 4 de Fevereiro de 1992, para SCA Holding Ltd (a seguir 'SCA Holding‘).

23    Em Maio de 1991, a Colthrop foi cedida à sociedade Field Group Limited, a qual a revendeu em Outubro de 1991 à Mayr-Melnhof AG. Na data desta última operação, a Colthrop tinha já sido constituída em sociedade denominada Colthrop Board Mill Ltd.

24    Segundo a decisão, a Reed P & B participou na infracção em causa, nomeadamente participando em certas reuniões do JMC e da PC. Além disso, sendo a SCA Holding apenas uma denominação diferente da SCA Aylesford e da Reed P & B e sendo consequentemente uma única e mesma entidade, a Comissão considerou que devia ser destinatária da decisão (n.os 155 e seguintes dos considerandos da decisão).»

7.
    Dezasseis das dezoito empresas consideradas responsáveis pela infracção bem como quatro empresas finlandesas, membros do grupo profissional Finnboard e, por esse facto, consideradas solidariamente responsáveis pelo pagamento da coima aplicada ao grupo, recorreram da decisão (processos T-295/94, T-301/94, T-304/94, T-308/94 a T-311/94, T-317/94, T-319/94, T-334/94, T-337/94, T-338/94, T-347/94, T-348/94, T-352/94 e T-354/94, bem como processos apensos T-339/94 a T-342/94).

O acórdão recorrido

8.
    Resulta do acórdão recorrido que a recorrente pedia a anulação dos artigos 1.° e 3.° da decisão, na medida em que são aplicáveis à recorrente, bem como, subsidiariamente, a redução da coima que lhe foi aplicada pela decisão.

Quanto ao pedido de anulação da decisão

9.
    A recorrente tinha invocado três fundamentos em apoio do seu recurso de anulação.

10.
    Estes fundamentos foram julgados improcedentes pelo Tribunal de Primeira Instância. Tendo em conta os fundamentos invocados em apoio do recurso, apenas será seguidamente apresentada a parte do acórdão recorrido que responde à acusação de que a SCA Holding não era a destinatária adequada da decisão e que não deveria ter sido considerada responsável pelo comportamento da Colthrop.

11.
    A este propósito, o Tribunal de Primeira Instância respondeu o seguinte:

«61    É um facto que a Colthrop era a fábrica produtora do cartão e que essa fábrica era propriedade da sociedade Reed P & B, depois da SCA Aylesford Ltd e, por último, da SCA Holding durante todo o período da infracção.

62    Seguidamente, há que declarar que a Reed P & B, a SCA Aylesford Ltd e a SCA Holding (a recorrente) são denominações sociais sucessivas de uma única e mesma pessoa colectiva.

63    As circunstâncias do caso em apreço não envolvem qualquer questão de sucessão. Com efeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância (acórdão Enichem Anic/Comissão, já referido, n.os 236 a 238) que a pessoa colectiva que era responsável pela exploração da empresa no momento em que a infracção foi cometida deve ser responsabilizada pelo seu comportamento infractor. Enquanto essa pessoa colectiva existir, a responsabilidade do comportamento infractor da empresa acompanha essa pessoa colectiva, mesmo que os elementos materiais e humanos que concorreram para cometer a infracção tenham sido cedidos a terceiros depois do período da infracção.

64    Assim, foi justificadamente que a Comissão dirigiu a decisão à pessoa colectiva que era responsável pelos actos anticoncorrenciais verificados durante o período da infracção e que continuou a existir até à adopção da decisão.

65    Conclui-se que, mesmo pressupondo que a Colthrop possa ser considerada uma empresa na acepção do artigo 85.° do Tratado e que essa empresa tenha sido propriedade no dia da adopção da decisão pela pessoa colectiva Colthrop Board Mill Ltd, os pedidos da recorrente só podem ser destinados, no máximo, a demonstrar que a Comissão podia escolher quanto ao destinatário da decisão. A escolha feita pela Comissão não pode, assim, nessas circunstâncias, ser validamente colocada em causa.

66    Além disso, a Reed P & B figurava na lista dos membros do PG Paperboard.

67    Ora, segundo o n.° 143 dos considerandos da decisão, a Comissão em princípio, dirigiu a decisão à entidade mencionada na lista dos membros do PG Paperboard, excepto:

    '1)    quando mais do que uma sociedade de um mesmo grupo participou na infracção

    ou

    2)    quando [existiam] provas específicas de que a sociedade-mãe do grupo estava implicada na participação da sua filial no cartel,

    [casos em que] o grupo (representado pela sociedade-mãe) foi considerado o destinatário do presente processo'.

68    Não tendo a Comissão considerado que estava preenchida uma destas duas condições de excepção ao princípio enunciado no n.° 143 pôde validamente decidir não dirigir a decisão às sociedades-mãe sucessivas da sociedade Reed P & B/SCA Aylesford/SCA Holding.

69    Assim, o presente fundamento deve ser rejeitado.»

Quanto ao pedido de anulação da coima ou de redução do seu montante

12.
    A recorrente tinha invocado cinco fundamentos no Tribunal de Primeira Instância em apoio do seu pedido de anulação da coima ou de redução do seu montante.

13.
    O Tribunal de Primeira Instância julgou esses fundamentos improcedentes. Tendo em conta os fundamentos sustentados no quadro do presente recurso, deve limitar-se a exposição dos fundamentos do acórdão impugnado aos três fundamentos seguintes.

Quanto ao fundamento relativo ao facto de a Comissão não ter aplicado ou aplicado de modo discriminatório à SCA Holding/Colthrop os critérios acolhidos para a fixação das coimas

14.
    No Tribunal de Primeira Instância, a recorrente censurava à Comissão, nomeadamente, o facto de não lhe ter sido concedida uma redução da coima, embora não tenha contestado, na sua resposta à comunicação de acusações, as principais alegações de facto feitas pela Comissão contra a Colthrop.

15.
    A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância julgou o fundamento improcedente observando o seguinte:

«155    ... há que recordar que, na resposta à comunicação das acusações, a recorrente salienta:

    'A defesa da SCA Holding é inferiorizada porque ninguém deste grupo sabe qualquer coisa das actividades do PG Paperboard nem do comportamento exposto na comunicação das acusações. Além disso, a SCA nunca trabalhou no sector do cartão e não tem qualquer conhecimento desse ramo. É por esta razãoque a SCA Holding não pode pronunciar-se - e não se pronuncia - sobre a existência ou o alcance das pretensas infracções‘ (p. 2).

156    A Comissão considerou correctamente que, ao responder desta forma, a recorrente não se comportou de um modo que justificasse uma redução da coima a título de cooperação durante o procedimento administrativo. Com efeito, uma redução a este título só se justifica se o comportamento tiver permitido à Comissão detectar uma infracção com menos dificuldade e, eventualmente, pôr-lhe termo (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Março de 1992, ICI/Comissão, T-13/89, Colect., p. II-1021, n.° 393).

157    Pode considerar-se que uma empresa que declara expressamente que não contesta as alegações de facto em que a Comissão baseia as suas acusações contribui para facilitar a tarefa da Comissão que consiste em detectar e reprimir as infracções às regras comunitárias de concorrência. Nas decisões em que declara uma infracção a estas regras, a Comissão pode considerar um comportamento desse tipo constitutivo de um reconhecimento das alegações de facto e portanto como um elemento de prova da exactidão das alegações em causa. Deste modo, tal comportamento pode justificar uma redução da coima.

158    O mesmo não se passa quando uma empresa se abstém de responder à comunicação de acusações, declara unicamente não tomar posição sobre as alegações de facto da Comissão naquela comunicação e contesta, na sua resposta, como a recorrente, o essencial dessas alegações. Com efeito, ao adoptar tal atitude no procedimento administrativo, a empresa não contribui para facilitar a tarefa da Comissão que consiste em detectar e reprimir as infracções às regras comunitárias da concorrência.

159    Consequentemente, quando a Comissão declara no n.° 172, primeiro parágrafo, dos considerandos da decisão que concedeu reduções de coimas às empresas que, nas suas respostas à comunicação de acusações, não negaram as principais alegações de facto invocadas pela Comissão, há que reconhecer que essas reduções de coimas não podem ser consideradas lícitas, a não ser na medida em que as empresas em causa declararam expressamente que não contestavam as referidas alegações.

160    Mesmo admitindo que a Comissão tenha aplicado um critério ilegal ao reduzir as coimas aplicadas às empresas que não declararam expressamente que não contestavam as alegações de facto, importa recordar que o respeito pelo princípio da igualdade de tratamento deve conciliar-se com o respeito do princípio da legalidade segundo o qual ninguém pode invocar, em seu benefício, uma ilegalidade cometida a favor de terceiro (v., por exemplo, acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 1985, Williams/Tribunal de Contas, 134/84, Recueil, p. 2225, n.° 14). Na medida em que a argumentação da recorrente pretende precisamente que lhe seja reconhecido o direito a umaredução ilegal da coima, esta primeira parte do argumento não pode, por conseguinte, ser acolhida.»

Quanto ao fundamento relativo ao carácter injustificadamente elevado em valor absoluto e desproporcionado da coima aplicada à recorrente relativamente à sua inocência e aos objectivos do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17

16.
    No Tribunal de Primeira Instância, a recorrente sustentou que a percentagem da coima que lhe foi aplicada (7,5% do volume de negócios global da Colthrop no mercado causa e 9% se dele forem deduzidos as vendas internas) era consideravelmente mais elevada que a das coimas aplicadas em casos comparáveis, tendo em conta as características da sociedade, o volume das suas actividades e o grau da sua participação na infracção. Alegou igualmente que a coima aplicada era desproporcionada relativamente às aplicadas às empresas que realizam um volume de negócios apreciável fora do mercado em causa, o que era contrário às exigências impostas pelo Tribunal de Primeira Instância no acórdão de 14 de Julho de 1994, Parker Pen/Comissão (T-77/92, Colect., p. II-549, n.° 94). Sustentou, por fim, remetendo para os argumentos que tinha invocado em apoio do fundamento relativo ao facto de ela não ser a destinatária adequada da decisão, que, no caso em apreço, a coima tinha sido aplicada a um espectador inocente, violando o disposto no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17.

17.
    O Tribunal de Primeira Instância respondeu o seguinte:

«174    Em primeiro lugar, há que apreciar conjuntamente a primeira e a segunda parte do fundamento.

175    Nos termos do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17, a Comissão pode, mediante decisão, aplicar às empresas coimas de mil ecus, no mínimo, a um milhão de ecus, podendo este montante ser superior desde que não exceda dez por cento do volume de negócios realizado, durante o exercício anterior, por cada uma das empresas que tenha participado na infracção, sempre que, deliberada ou negligentemente, cometam uma infracção ao n.° 1 do artigo 85.° do Tratado. Para determinar o montante da coima, deve tomar-se em consideração, além da gravidade da infracção, a duração da mesma. Como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, a gravidade das infracções deve ser determinada em função de um grande número de elementos, tais como, nomeadamente, as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o carácter dissuasivo das coimas, e isto sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração (despacho SPO e o./Comissão, já referido, n.° 54).

176    Entre os elementos de apreciação da gravidade, podem figurar o volume e o valor das mercadorias que são objecto da infracção, a dimensão e o poder económico da empresa e, portanto, a influência que esta pôde exercer no mercado. Conclui-se, por um lado, que é permitido, para a determinação dacoima, ter efectivamente também em consideração o volume de negócios global da empresa, que constitui uma indicação, embora aproximativa e imperfeita, da sua dimensão e do seu poder económico, bem como da parte desse volume que provém das mercadorias objecto da infracção e que é, assim, susceptível de dar uma indicação da sua amplitude. Daqui resulta, por outro lado, que não é necessário atribuir nem a um nem a outro destes números uma importância desproporcionada em relação aos outros elementos de apreciação e que a fixação das coimas não pode ser o resultado de um simples cálculo fundamentado no volume de negócios global (v. acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, já referido, n.os 120 e 121).

177    No caso vertente, a Comissão determinou o nível geral das coimas tomando em conta a duração da infracção (n.° 167 dos considerandos da decisão), bem como as seguintes considerações (n.° 168 dos considerandos):

'-    a colusão em matéria de preços e a repartição de mercados constitui, por si só, uma grave restrição à concorrência,

-    o cartel abrangia praticamente todo o território da Comunidade,

-    o mercado do cartão da Comunidade é um importante sector industrial que representa anualmente cerca de 2 500 milhões de ecus,

-    as empresas que participaram na infracção abrangem praticamente a totalidade do mercado,

-    o cartel funcionou sob a forma de um sistema de reuniões regulares institucionalizadas com o objectivo de regular expressamente e em pormenor o mercado do cartão na Comunidade,

-    foram adoptadas medidas complexas no sentido de dissimular a verdadeira natureza e extensão da colusão (ausência de quaisquer actas oficiais ou documentação relativas às reuniões do PWG e do JMC; os participantes eram dissuadidos de tomar notas; encenação das datas e ordenação do anúncio dos aumentos de preços por forma a que pudesse ser alegado que tais aumentos 'seguiam o primeiro', etc.),

-    o cartel alcançou com êxito os seus objectivos‘.

178    Além disso, o Tribunal recorda que as percentagens de base de 9% e 7,5% desse volume de negócios foram aplicadas para determinar a coima a aplicar, respectivamente, aos «líderes» do cartel e aos «membros normais» deste...

179    Importa sublinhar, em primeiro lugar, que, na sua apreciação do nível geral das coimas, a Comissão tem o direito de tomar em conta o facto de as infracçõesmanifestas às regras comunitárias da concorrência serem ainda relativamente frequentes e, portanto, tem perfeitamente legitimidade para aumentar o nível das coimas a fim de reforçar o seu efeito dissuasivo. Consequentemente, o facto de a Comissão ter aplicado no passado coimas de certo nível a determinados tipos de infracções não a priva da possibilidade de aumentar esse nível, nos limites indicados no Regulamento n.° 17, se isso for necessário para assegurar a execução da política comunitária da concorrência (v., nomeadamente, acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, já referido, n.os 105 a 108, e acórdão ICI/Comissão, já referido, n.° 385).

180    Em segundo lugar, a Comissão considerou com razão que, dadas as circunstâncias próprias do caso em discussão, não se pode fazer uma comparação entre o nível geral das coimas adoptado na presente decisão e os adoptados na prática decisória anterior da Comissão, em especial na decisão polipropileno, considerada pela própria Comissão como a mais comparável ao do presente caso. De facto, contrariamente à situação que deu origem à decisão polipropileno, nenhuma circunstância atenuante geral foi tomada em conta neste caso para determinar o nível geral das coimas. Além disto, a adopção de medidas que visam dissimular a existência da colusão demonstra que as empresas em causa estavam perfeitamente conscientes da ilegalidade do seu comportamento. Deste modo, a Comissão agiu correctamente ao ter em conta estas medidas para a apreciação da gravidade da infracção, uma vez que constituíam um aspecto particularmente grave da infracção, susceptível de a caracterizar relativamente às infracções anteriormente constatadas pela Comissão.

181    Em terceiro lugar, importa sublinhar a longa duração e o carácter manifesto da infracção ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, que foi cometida apesar da advertência que deveria ter constituído a prática decisória anterior da Comissão, designadamente, a decisão polipropileno.

182    Com base nestes elementos, deve considerar-se que os critérios descritos no n.° 168 dos considerandos da decisão justificam o nível geral das coimas fixado pela Comissão.

183    Neste contexto, o argumento da recorrente, segundo o qual não pôde ser tomado em consideração a dimensão e o poder económico da Colthrop, uma vez que o volume de negócios global por esta realizado em 1990 era o mesmo que o volume de negócios realizado no mercado comunitário do cartão no decurso desse mesmo ano, deve ser afastado.

184    Com efeito, por um lado, a Comissão teve em conta os elementos de apreciação da gravidade acima referidos. Por outro, a Comissão não é obrigada a ter em conta, para apreciar a gravidade da infracção, a relação existente entre o volume de negócios global de uma empresa e o volume de negócios proveniente das mercadorias que são objecto da infracção (acórdão MusiqueDiffusion française e o./Comissão, já referido, n.° 121, e despacho SPO e o./Comissão, já referido, n.° 54).

185    Além disso, na medida em que tem que haver uma fundamentação no volume de negócios das empresas implicadas numa mesma infracção a fim de determinar as conexões entre as coimas a aplicar, a Comissão tem o direito de calcular as coimas aplicadas a cada uma desses empresas aplicando a percentagem da coima escolhida a um volume de negócios de referência idêntico para as empresas em causa, de modo que os números obtidos sejam o mais parecidos possível.

186    As primeira e segunda partes do fundamento devem, assim, ser rejeitadas por não fundamentadas.

187    A terceira parte do fundamento, que é baseada no pressuposto de a recorrente ser um 'espectador inocente', deve igualmente ser rejeitada. A este respeito, basta recordar que o Tribunal de Primeira Instância declarou que a Comissão dirigiu justificadamente a decisão à recorrente.

188    Assim, há que rejeitar o fundamento na sua totalidade.»

Quanto ao fundamento relativo à violação do dever de fundamentação quanto às coimas

18.
    No Tribunal de Primeira Instância, a recorrente salientou que só teve conhecimento de certos aspectos essenciais dos fundamentos e dos critérios aplicados pela Comissão para efeitos do cálculo das coimas por uma gravação da conferência de imprensa dada, no próprio dia da adopção da decisão, pelo membro da Comissão encarregado da política da concorrência. Ora, embora a jurisprudência não imponha à Comissão que divulgue os cálculos exactos das coimas aplicadas, isso não significa que o raciocínio seguido não deve ser transparente.

19.
    A este propósito, o Tribunal de Primeira Instância considerou o seguinte:

«195    Segundo jurisprudência constante, o dever de fundamentar uma decisão individual tem por finalidade permitir ao juiz comunitário exercer a sua fiscalização da legalidade da decisão e fornecer ao interessado uma indicação suficiente para saber se a decisão é fundada ou se está eventualmente afectada por um vício que permita contestar a sua validade, esclarecendo-se que o alcance dessa obrigação depende da natureza do acto em causa e do contexto em que o mesmo foi adoptado (v., nomeadamente, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Dezembro de 1996, Van Megen Sports/Comissão, T-49/95, Colect., p. II-1799, n.° 51).

196    No que respeita a uma decisão que, como no presente caso, aplica coimas a diversas empresas por uma infracção às regras comunitárias da concorrência,há que determinar o alcance da obrigação de fundamentação, tendo em conta, designadamente, que a gravidade das infracções deve ser apreciada em função de um grande número de elementos, tais como, nomeadamente, as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o carácter dissuasivo das coimas, e isto sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração (despacho SPO e o./Comissão, já referido, n.° 54).

197    Além disso, ao fixar o montante de cada coima, a Comissão dispõe de um poder de apreciação e não pode ser obrigada a aplicar, para esse efeito, uma fórmula matemática precisa (v., neste sentido, acórdão Tribunal de Primeira Instância de 6 de Abril de 1995, Martinelli/Comissão, T-150/89, Colect., p. II-1165, n.° 59).

198    Na decisão, os critérios tomados em conta para determinar o nível geral das coimas e o montante das coimas individuais figuram, respectivamente, nos n.os 168 e 169 dos considerandos. Além disso, no que respeita às coimas individuais, a Comissão explica, no n.° 170 dos considerandos, que as empresas que participaram nas reuniões do PWG foram, em princípio, consideradas 'líderes‘ do cartel, ao passo que as outras empresas foram consideradas 'membros normais‘ deste. Finalmente, nos n.os 171 e 172 dos considerandos, indica que os montantes das coimas aplicadas à Rena e ao grupo Stora devem ser substancialmente reduzidos, a fim de ter em conta a sua cooperação activa com a Comissão, e que oito outras empresas podem igualmente beneficiar de uma redução numa proporção inferior, pelo facto de, nas respostas que apresentaram à comunicação de acusações, não terem negado as principais alegações de facto em que a Comissão baseava as suas acusações.

199    Como já foi salientado, a Comissão forneceu, durante o processo no Tribunal, indicações suplementares relativas ao modo de cálculo das coimas aplicado no vertente caso... Precisou que tinha tido em conta a eventual atitude cooperante de certas empresas ao longo do procedimento administrativo e que, por esse facto, duas delas tinham beneficiado de uma redução de dois terços do montante das suas coimas, enquanto outras empresas beneficiaram de uma redução de um terço.

200    De resto, resulta de um quadro fornecido pela Comissão, e que contém indicações quanto à fixação do montante de cada uma das coimas individuais, que, embora não tenham sido determinadas aplicando de forma estritamente matemática apenas os dados numéricos acima mencionados, os referidos dados foram sistematicamente tomados em conta para efeitos do cálculo das coimas.

201    Ora, a decisão não precisa que as coimas foram calculadas com base no volume de negócios realizado por cada uma das empresas, no mercado comunitário do cartão, em 1990. Além disso, as taxas de base de 9% e de 7,5% aplicadas para calcular as coimas a pagar, respectivamente, pelas empresas consideradas'líderes‘ e pelos 'membros normais‘ não figuram na decisão. Também não constam da decisão as taxas das reduções concedidas à Rena e ao grupo Stora, por um lado, e a oito outras empresas, por outro.

202    No caso vertente, importa considerar, em primeiro lugar, que, interpretados à luz da exposição pormenorizada que é feita, na decisão, das alegações de facto formuladas em relação a cada destinatário da decisão, os n.os 169 a 172 dos considerandos desta contêm uma indicação suficiente e pertinente dos elementos de apreciação tomados em consideração para determinar a gravidade e a duração da infracção cometida por cada uma das empresas em causa (v., neste sentido, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Outubro de 1991, Petrofina/Comissão, T-2/89, Colect., p. II-1087, n.° 264).

203    Em segundo lugar, quando o montante de cada coima é, como no presente caso, determinado com base na tomada em consideração sistemática de certos dados precisos, a indicação, na decisão, de cada um desses factores permite às empresas apreciar mais correctamente se a Comissão cometeu algum erro ao fixar o montante da coima individual e se o montante de cada coima individual se justifica relativamente aos critérios gerais aplicados. No caso vertente, a indicação, na decisão, dos factores em causa, isto é, o volume de negócios de referência, o ano de referência, as taxas de base consideradas e a taxa de redução do montante das coimas, não incluiu a divulgação implícita do volume de negócios preciso das empresas destinatárias da decisão, divulgação que poderia ter constituído uma violação do artigo 214.° do Tratado. Efectivamente, o montante final de cada coima individual não resulta, como a própria Comissão sublinhou, de uma aplicação estritamente matemática dos referidos factores.

204    Aliás, a Comissão reconheceu, na audiência, que nada a impediu de indicar, na decisão, os factores tomados sistematicamente em conta e que tinham sido divulgados numa conferência de imprensa que teve lugar no dia em que a decisão foi adoptada. A este propósito, deve recordar-se que, segundo jurisprudência constante, a fundamentação de uma decisão deve figurar no próprio corpo dessa decisão e que explicações posteriores fornecidas pela Comissão não podem, salvo circunstâncias excepcionais, ser tomadas em consideração (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 2 de Julho de 1992, Dansk Pelsdyravlerforening/Comissão, T-61/89, Colect., p. II-1931, n.° 131, e, no mesmo sentido, acórdão Hilti/Comissão, já referido, n.° 136).

205    Não obstante o que acaba de se afirmar, deve sublinhar-se que a fundamentação relativa à fixação do montante das coimas, contida nos n.os 167 a 172 dos considerandos da decisão, é, pelo menos, tão pormenorizada como as constantes das decisões anteriores da Comissão sobre infracções semelhantes. Ora, embora o fundamento baseado num vício de fundamentação seja de ordem pública, no momento da adopção da decisão nenhuma crítica tinha ainda sidofeita pelo juiz comunitário quanto à prática seguida pela Comissão em matéria de fundamentação das coimas aplicadas. Só no acórdão de 6 de Abril de 1995, Tréfilunion/Comissão (T-148/89, Colect., p. II-1063, n.° 142), e em dois outros acórdãos proferidos no mesmo dia, Société métallurgique de Normandie/Comissão (T-147/89, Colect., p. II-1057, publicação sumária e Société des treillis et panneaux soudés/Comissão T-151/89, Colect., p. II-1191, publicação sumária), é que o Tribunal de Primeira Instância sublinhou, pela primeira vez, ser desejável que as empresas pudessem conhecer em pormenor o modo de cálculo da coima que lhes foi aplicada, sem serem obrigadas, para tal, a interpor um recurso jurisdicional contra a decisão da Comissão.

206    Daqui resulta que, quando uma decisão conclui pela existência de uma infracção às regras da concorrência e aplica coimas às empresas que nela participaram, a Comissão deve, se tiver sistematicamente tomado em conta certos elementos de base para fixar o montante das coimas, indicar esses elementos no corpo da decisão, a fim de permitir aos seus destinatários verificar as razões que levaram à fixação do nível da coima e apreciar a existência de uma eventual discriminação.

207    Nas circunstâncias excepcionais salientadas no n.° 205 supra, e tendo em conta que a Comissão se mostrou disposta a fornecer, na fase contenciosa do processo, qualquer informação pertinente relativa ao modo de cálculo das coimas, a falta de fundamentação específica, na decisão, quanto ao modo de cálculo das coimas não deve, neste caso, ser considerada uma violação da obrigação de fundamentação, susceptível de justificar a anulação total ou parcial das coimas aplicadas.

208    Por conseguinte, o presente fundamento não pode ser acolhido.»

20.
    Em conclusão, o Tribunal de Primeira Instância negou provimento ao recurso e condenou a recorrente nas despesas.

O recurso do acórdão do Tribunal de Primeira Instância

21.
    No recurso, a recorrente pede a anulação do acórdão recorrido bem como do artigo 1.° da decisão, na parte em que esta lhe diz respeito, e, a título subsidiário, a supressão ou, pelo menos, a redução da coima que lhe foi aplicada.

22.
    Em apoio do recurso, a recorrente invoca dois fundamentos relativos ao facto de o Tribunal de Primeira Instância ter, erradamente, por um lado, julgado improcedentes os argumentos segundo os quais a recorrente não deveria ter sido destinatária da decisão e, por outro, confirmado a coima que lhe foi aplicada.

Quanto ao primeiro fundamento

23.
    O primeiro fundamento subdivide-se em três partes relativas, em primeiro lugar, a uma fundamentação insuficiente e a um erro de direito na medida em que o Tribunal de Primeira Instância considerou que nas circunstâncias do caso vertente não se colocava qualquer questão de sucessão, seguidamente, a um erro de direito na medida em que o Tribunal de Primeira Instância concluiu que a Comissão podia escolher, entre entidades pertencentes a grupos empresariais diferentes, qual a entidade que seria destinatária da decisão e, por último, a um erro de direito na medida em que aquele Tribunal considerou que a escolha operada pela Comissão, mesmo que admitindo que tinha direito de escolher, entre os diferentes grupos empresariais, a entidade destinatária da decisão, não podia ser validamente posta em causa.

24.
    A recorrente censura, no essencial, ao Tribunal de Primeira Instância o facto de este ter considerado que as circunstâncias do caso vertente não envolviam qualquer questão de sucessão, sem ter verificado se a Colthrop era uma empresa, na acepção do artigo 85.° do Tratado, na época da infracção e se existia uma continuidade funcional e económica entre esta empresa e a entidade detida pela Colthrop Board Mill Ltd à data da decisão. Segundo a recorrente, é a pessoa colectiva com a qual a empresa implicada na infracção melhor se identifica que deveria ser considerada responsável pela referida infracção. A referência do Tribunal de Primeira Instância, no n.° 63 do acórdão recorrido, ao seu acórdão de 17 de Dezembro de 1991, Enichem Anic/Comissão (T-6/89, Colect., p. II-1623), é irrelevante, porque não existe qualquer paralelismo entre os factos desse processo e os factos do caso presente.

25.
    A este propósito, deve recordar-se que, nos termos do n.° 63 do acórdão recorrido, que faz referência ao acórdão Enichem Anic/Comissão, já referido, «a pessoa colectiva que era responsável pela exploração da empresa no momento em que a infracção foi cometida deve ser responsabilizada pelo seu comportamento infractor. Enquanto essa pessoa colectiva existir, a responsabilidade do comportamento infractor da empresa acompanha essa pessoa colectiva, mesmo que os elementos materiais e humanos que concorreram para cometer a infracção tenham sido cedidos a terceiros depois do período da infracção».

26.
    Com base neste fundamento, o Tribunal de Primeira Instância concluiu, depois de ter verificado que a Colthrop era a fábrica produtora do cartão (n.° 61 do acórdão recorrido) e que era, durante todo o período da infracção, propriedade da sociedade denominada sucessivamente Reed P & B, SCA Aylesford e SCA Holding (n.° 62 do acórdão recorrido), que foi «justificadamente que a Comissão dirigiu a decisão à pessoa colectiva que era responsável pelos actos anticoncorrenciais verificados durante o período da infracção e que continuou a existir até à adopção da decisão» (n.° 64 do acórdão recorrido).

27.
    O raciocínio assim recordado do Tribunal de Primeira Instância não pode ser posto em causa. Com efeito, deve reconhecer-se que, em princípio, cabe à pessoa singular ou colectiva que dirige a empresa em causa no momento em que a infracção foi cometida responder por ela, mesmo que, na data da adopção da decisão que dá por provada ainfracção, a exploração da empresa já não esteja sob a sua responsabilidade, por exemplo quando, como no caso vertente, a empresa em questão adquiriu uma personalidade colectiva distinta.

28.
    Ora, no caso vertente, o Tribunal de Primeira Instância declarou que a pessoa colectiva que dirigia a exploração da Colthrop enquanto durou a infracção continuava a existir no momento da adopção da decisão, que apenas a sua denominação social tinha mudado várias vezes e que se tratava precisamente da recorrente. Tal conclusão de facto não pode ser posta em causa em sede de recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância.

29.
    Daqui resulta que o Tribunal de Primeira Instância não cometeu um erro de direito ao negar a existência de qualquer problema de sucessão no caso vertente o que, concretamente, supõe que uma pessoa vê ser-lhe imputada a responsabilidade pelo comportamento anticoncorrencial adoptado por outra pessoa, o que não se verifica no caso vertente, e ao considerar que a recorrente, uma vez que tinha dirigido, é certo sob uma denominação diferente, a Colthrop durante o período da infracção, devia ser a destinatária da decisão.

30.
    De resto, esta conclusão é corroborada, como definitivamente declarou o Tribunal de Primeira Instância no n.° 66 do acórdão recorrido, pela circunstância de a Reed & B, isto é, a recorrente sob a sua antiga denominação, figurava na lista dos membros do GEP Carton, organismo no seio do qual o cartel era organizado.

31.
    Nestas condições, não há que analisar as restantes acusações formuladas pela recorrente e relativas mais especialmente ao n.° 65 do acórdão recorrido, uma vez que, mesmo supondo que sejam procedentes, não são susceptíveis de pôr em causa a conclusão do Tribunal de Primeira Instância segundo a qual a actuação anticoncorrencial da Colthrop devia ser imputada à recorrente.

32.
    Em consequência, há que julgar improcedente o primeiro fundamento.

Quanto ao segundo fundamento

33.
    Este segundo fundamento subdivide-se igualmente em três partes. Em primeiro lugar, o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao declarar que a posição tomada pela recorrente ao longo do procedimento administrativo não justificava uma redução da coima. Em segundo lugar, cometeu igualmente um erro de direito ao declarar que a decisão não continha uma fundamentação deficiente que justificasse a anulação ou a redução da coima. Em terceiro lugar, aquele Tribunal cometeu um erro de direito ao não tomar em consideração, quando do seu controlo do nível da coima, a escolha da Comissão de dirigir a decisão à recorrente em vez de a dirigir a outras entidades jurídicas pertencentes a outros grupos de sociedades.

Quanto à primeira parte do segundo fundamento

34.
    Na primeira parte do segundo fundamento, a recorrente acusa o Tribunal de Primeira Instância de ter declarado, no n.° 156 do acórdão recorrido, que a atitude que a recorrente tinha adoptado ao longo do procedimento administrativo não podia ser equiparada à das empresas que não contestaram os factos nos quais assentavam as acusações da Comissão e que, desta forma, beneficiaram de uma redução da coima. Defende que a posição que ela adoptou e que consistia em não se pronunciar sobre a existência dos factos constitutivos da infracção de que era acusada justificava-se pela circunstância de ela não dispor de nenhum elemento que lhe permitisse apreciar se as afirmações da Comissão eram conformes com a realidade. Ao fazer isto, a recorrente considera que facilitou a tarefa da Comissão.

35.
    Contrariamente ao que a Comissão defende, esta acusação não é inadmissível porque, longe de pôr em causa simples conclusões de facto extraídas pelo Tribunal de Primeira Instância, põe em causa a apreciação jurídica deste último, segundo a qual não tem cabimento equiparar, para efeitos de uma eventual redução da coima, a atitude de uma empresa que não contesta os factos invocados contra ela à de uma empresa que se contenta em não se pronunciar sobre a existência desses factos.

36.
    A este propósito, o Tribunal de Primeira Instância considerou correctamente, no n.° 156 do acórdão recorrido, que uma redução da coima a título de cooperação durante o procedimento administrativo só se justifica se o comportamento da empresa em causa tiver permitido à Comissão detectar a existência de uma infracção com menos dificuldade e, eventualmente, pôr-lhe termo.

37.
    Impõe-se concluir, como fez o Tribunal de Primeira Instância, que uma empresa que, à semelhança da recorrente, como resulta do n.° 158 do acórdão recorrido, se contentou, ao longo do procedimento administrativo, em não tomar posição sobre as alegações de facto apresentadas pela Comissão, e se absteve, portanto, de reconhecer a sua veracidade, não contribui para facilitar efectivamente a tarefa desta última. Na ausência de reconhecimento expresso por parte da empresa posta em causa, a Comissão deverá ainda provar os factos, dispondo a empresa de liberdade para apresentar, chegado o momento e nomeadamente na fase contenciosa do processo, todos os fundamentos de defesa que lhe parecerão úteis.

38.
    Consequentemente, a primeira parte do segundo fundamento deve ser julgada improcedente.

Quanto à segunda parte do segundo fundamento

39.
    Na segunda parte do segundo fundamento, a recorrente acusa o Tribunal de Primeira Instância ter cometido um erro de direito ao não concluir que a decisão se encontrava insuficientemente fundamentada e ao não a anular por esta razão, apesar de ter verificado, no n.° 201 do acórdão recorrido, que a Comissão não tinha revelado na decisão os factores que tinha sistematicamente tido em conta para fixar o montante das coimas.

40.
    A recorrente acrescenta que esses dados deviam, segundo jurisprudência constante recordada pelo Tribunal de Primeira Instância no n.° 204 do acórdão recorrido, figurar no próprio corpo da decisão sem que as explicações posteriores fornecidas à imprensa pela Comissão ou quando do processo no Tribunal de Primeira Instância possam, salvo circunstâncias especiais, ser tomadas em consideração. Ora, o Tribunal de Primeira Instância referiu precisamente, no mesmo n.° 204, que a Comissão tinha reconhecido na audiência que nada a tinha impedido de indicar na decisão os elementos em causa. O Tribunal de Primeira Instância não podia, nestas condições, ter em conta o facto de que «a Comissão se [tinha mostrado] disposta a fornecer, na fase contenciosa do processo, qualquer informação pertinente relativa ao modo de cálculo das coimas» (n.° 207 do acórdão recorrido).

41.
    A recorrente critica também o Tribunal de Primeira Instância por ter limitado no tempo a interpretação que ele deu, em matéria de fixação das coimas, às exigências do artigo 190.° do Tratado CE (actual artigo 253.° CE) nos seus acórdãos Tréfilunion/Comissão, Société métallurgique de Normandie/Comissão e Société des treillis et panneaux soudés/Comissão, já referidos (a seguir «acórdãos rede electrossoldada para betão»), lembrados no n.° 205 do acórdão recorrido, apesar de o Tribunal de Justiça sempre ter considerado que a interpretação que dá a uma regra de direito comunitário esclarece e precisa o significado e o alcance dessa regra tal como ela deve ou deveria ter sido entendida e aplicada desde o início, salvo decisão contrária constante do acórdão interpretativo.

42.
    Segundo a Comissão, o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 202 do acórdão recorrido, que os n.os 169 a 172 dos considerandos da decisão continham «uma indicação suficiente e pertinente dos elementos de apreciação tomados em consideração para determinar a gravidade e a duração da infracção cometida por cada uma das empresas em causa».

43.
    Os n.os 203 a 207 do acórdão recorrido seriam, para a Comissão, redundantes, na medida em que lembram as consequências dos acórdãos rede electrossoldada para betão. A Comissão entende, aliás, que a leitura que a recorrente faz destes acórdãos é errada. Nestes acórdãos, o Tribunal de Primeira Instância teria, tal como no acórdão recorrido, concluído pelo carácter suficiente da fundamentação da decisão da Comissão, manifestando ainda ser desejável uma maior transparência no método seguido para o cálculo. Quando muito, a posição do Tribunal de Primeira Instância decorreria do princípio da boa administração, no sentido de que os destinatários de decisões não deveriam ter que accionar um processo no Tribunal de Primeira Instância para conhecer todos os pormenores do método de cálculo utilizado pela Comissão. Porém, essas considerações não podem constituir só por si um fundamento de anulação da decisão.

44.
    Por último, a Comissão assinala que o alcance assim descrito dos acórdãos rede electrossoldada para betão foi recentemente confirmado pelo Tribunal de Primeira Instância. Segundo este, a informação que é desejável que a Comissão comunique ao destinatário de uma decisão não deve ser considerada fundamentação suplementar, masapenas a tradução numérica de critérios enunciados da referida decisão, na medida em que esses critérios são eles próprios susceptíveis de ser quantificados (v., nomeadamente, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Março de 1999, British Steel/Comissão, T-151/94, Colect., p. II-629, n.os 627 e 628, e de 20 de Abril de 1999, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, T-305/94 a T-307/94, T-313/94 a T-316/94, T-318/94, T-325/94, T-328/94, T-329/94 e T-335/94, Colect., p. II-931, n.os 1180 a 1184).

45.
    Em primeiro lugar, importa expor os diferentes passos do raciocínio do Tribunal de Primeira Instância em resposta ao fundamento assente na violação do dever de fundamentação quanto ao cálculo das coimas.

46.
    O Tribunal de Primeira Instância lembrou, desde logo, no n.° 195 do acórdão recorrido, a jurisprudência constante segundo a qual o dever de fundamentar uma decisão individual tem por finalidade permitir ao juiz comunitário exercer a sua fiscalização da legalidade da decisão e fornecer ao interessado uma indicação suficiente para saber se a decisão é fundada ou se está eventualmente afectada por um vício que permita contestar a sua validade, esclarecendo-se que o alcance dessa obrigação depende da natureza do acto em causa e do contexto em que o mesmo foi adoptado (v., nomeadamente, além da jurisprudência referida pelo Tribunal de Primeira Instância, o acórdão de 15 de Abril de 1997, Irish Farmers Association e o., C-22/94, Colect., p. I-1809, n.° 39).

47.
    Em seguida, o Tribunal de Primeira Instância especificou, no n.° 196 do acórdão recorrido, que, no que respeita a uma decisão que, como no presente caso, aplica coimas a diversas empresas por uma infracção às regras comunitárias da concorrência, o alcance da obrigação de fundamentação deve ser determinado, designadamente, à luz do facto que a gravidade das infracções depende de um grande número de elementos, tais como as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o carácter dissuasivo das coimas, e isto sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração (despacho do Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1996, SPO e o./Comissão, C-137/95 P, Colect., p. I-1611, n.° 54).

48.
    A esse respeito, o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 202 do acórdão recorrido,

«que, interpretados à luz da exposição pormenorizada que é feita, na decisão, das alegações de facto formuladas em relação a cada destinatário da decisão, os n.os 169 a 172 dos considerandos desta contêm uma indicação suficiente e pertinente dos elementos de apreciação tomados em consideração para determinar a gravidade e a duração da infracção cometida por cada uma das empresas em causa».

49.
    Contudo, nos n.os 203 a 207 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância reduziu, não sem ambiguidade, o alcance da afirmação contida no n.° 202.

50.
    Com efeito, resulta dos n.os 203 e 204 do acórdão recorrido que a decisão não contém a indicação de dados específicos tomados em conta sistematicamente pela Comissão na fixação do montante das coimas, que, no entanto, estava em condições de divulgar e que teriam permitido às empresas apreciar melhor se a Comissão tinha cometido erros na fixação do montante da coima individual e se esse montante era justificado relativamente aos critérios gerais aplicados. O Tribunal de Primeira Instância acrescentou, no n.° 205 do acórdão recorrido, que, segundo os acórdãos rede electrossoldada para betão, é desejável que as empresas possam conhecer em pormenor o modo de cálculo da coima que lhes foi aplicada, sem serem obrigadas, para tal, a interpor um recurso contencioso da decisão da Comissão.

51.
    Por último, no n.° 207 do acórdão recorrido, concluiu por uma «falta de fundamentação específica na decisão quanto ao modo de cálculo das coimas», que se justificava pelas circunstâncias particulares do caso, concretamente, a divulgação dos elementos de cálculo no processo contencioso e o carácter inovador da interpretação do artigo 190.° do Tratado contida nos acórdãos rede electrossoldada para betão.

52.
    Antes de analisar, relativamente aos argumentos invocados pela recorrente, o bem fundado das apreciações do Tribunal de Primeira Instância relativas às consequências sobre o respeito do dever de fundamentação que poderiam decorrer da divulgação dos elementos de cálculo na fase contenciosa e do carácter inovador dos acórdãos rede electrossoldada para betão, há que verificar se o respeito do dever de fundamentação, previsto no artigo 190.° do Tratado, impunha à Comissão que fizesse constar da decisão, para além dos elementos de apreciação que lhe permitiram determinar a gravidade e a duração da infracção, uma descrição mais detalhada do modo de cálculo das coimas.

53.
    A esse respeito, cabe destacar que, no que toca a recursos de decisões da Comissão que aplicam coimas a empresas por violação das regras da concorrência, o Tribunal de Primeira Instância tem uma dupla competência.

54.
    Por um lado, cabe-lhe fiscalizar a respectiva legalidade, nos termos do artigo 173.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 230.° CE). Neste quadro, deve, nomeadamente, fiscalizar o respeito do dever de fundamentação, previsto no artigo 190.° do Tratado, cuja violação torna a decisão anulável.

55.
    Por outro lado, o Tribunal de Primeira Instância tem competência para apreciar, no âmbito do poder de plena jurisdição que lhe é reconhecido pelos artigos 172.° do Tratado CE (actual artigo 229.° CE) e 17.° do Regulamento n.° 17, o carácter apropriado do montante das coimas. Esta última apreciação pode justificar a apresentação e a tomada em consideração de elementos complementares de informação cuja menção na decisão não é como tal exigida nos termos do dever de fundamentação previsto no artigo 190.° do Tratado.

56.
    No que respeita à fiscalização do dever de fundamentação, há que lembrar que o artigo 15.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 17 dispõe que, «Para determinaro montante da multa, deve tomar-se em consideração, além da gravidade da infracção, a duração da mesma.»

57.
    Nestas condições, tendo em conta a jurisprudência referida nos n.os 195 e 196 do acórdão recorrido, os requisitos da formalidade essencial que constitui o dever de fundamentação estão preenchidos quando a Comissão indica, na sua decisão, os elementos de apreciação que lhe permitiram medir a gravidade e a duração da infracção. Na falta de tais elementos, a decisão está ferida do vício de falta de fundamentação.

58.
    Ora, o Tribunal de Primeira Instância considerou correctamente, no n.° 202 do acórdão recorrido, que a Comissão tinha satisfeito esses requisitos. Com efeito, há que verificar, tal como fez o Tribunal de Primeira Instância, que os n.os 167 a 172 dos considerandos da decisão enunciam os critérios utilizados pela Comissão para calcular as coimas. Assim, o n.° 167 refere-se, nomeadamente, à duração da infracção; contém igualmente, tal como o n.° 168, as considerações em que a Comissão se baseou para avaliar a gravidade da infracção e o montante geral das coimas; o n.° 169 inclui os elementos levados em conta pela Comissão para determinar a coima a aplicar a cada empresa; o n.° 170 designa as empresas que devem ser consideradas «líderes» do cartel, detentoras de uma responsabilidade particular face às outras empresas; por último, os n.os 171 e 172 extraem consequências quanto ao montante das coimas da cooperação de diversos fabricantes com a Comissão nas investigações com vista ao apuramento dos factos ou na resposta à comunicação de acusações.

59.
    O facto de terem sido comunicadas posteriormente, numa conferência de imprensa ou durante a fase contenciosa, informações mais precisas, tais como os volumes de negócios realizados pelas empresas ou as taxas de redução fixadas pela Comissão, não é susceptível de pôr em causa a conclusão contida no n.° 202 do acórdão recorrido. Com efeito, os esclarecimentos prestados pelo autor de uma decisão impugnada, que completam uma fundamentação já em si mesma suficiente, não se integram, em rigor, no respeito do dever de fundamentação, mesmo que possam ser úteis à fiscalização interna dos fundamentos da decisão, exercida pelo juiz comunitário, na medida em que permitem à instituição explicar as razões que estão na base da sua decisão.

60.
    Certamente a Comissão não pode, pelo recurso exclusivo e mecânico a fórmulas aritméticas precisas, privar-se do seu poder de apreciação. Contudo, é-lhe permitido fazer acompanhar a sua decisão de uma fundamentação que vá para além dos requisitos lembrados no n.° 57 deste acórdão, entre outros, indicando os elementos numéricos que orientaram, nomeadamente quanto ao efeito dissuasivo pretendido, o exercício do seu poder de apreciação na fixação das coimas aplicadas a várias empresas que participaram, com intensidade variável, na infracção.

61.
    Com efeito, pode ser desejável que a Comissão faça uso dessa faculdade para permitir às empresas conhecerem em pormenor o modo de cálculo da coima que lhes é aplicada. De uma forma mais geral, isso pode servir a transparência da acçãoadministrativa e facilitar o exercício pelo Tribunal de Primeira Instância da sua competência de jurisdição plena, que lhe deve permitir apreciar, para além da legalidade da decisão impugnada, o carácter apropriado da coima aplicada. No entanto, esta faculdade, tal como referiu a Comissão, não é susceptível de modificar a extensão das exigências que decorrem do dever de fundamentação.

62.
    Em consequência, o Tribunal de Primeira Instância não podia, sem violar o alcance do artigo 190.° do Tratado, considerar, no n.° 206 do acórdão recorrido, que «a Comissão deve, se tiver sistematicamente tomado em conta certos elementos de base para fixar o montante das coimas, indicar esses elementos no corpo da decisão». De igual modo, não podia, sem se contradizer nos fundamentos, depois de ter concluído, no n.° 202 do acórdão recorrido, que a decisão continha «uma indicação suficiente e pertinente dos elementos de apreciação tomados em consideração para determinar a gravidade e a duração da infracção cometida por cada uma das empresas em causa», declarar, no n.° 207 do acórdão recorrido, a «falta de fundamentação específica na decisão quanto ao modo de cálculo das coimas».

63.
    Contudo, o erro de direito desse modo cometido pelo Tribunal de Primeira Instância não é susceptível de implicar a anulação do acórdão recorrido uma vez que, tendo em conta o que precede, o Tribunal de Primeira Instância julgou validamente improcedente, não obstante os n.os 203 a 207 do acórdão recorrido, o fundamento assente na violação do dever de fundamentação quanto ao cálculo das coimas.

64.
    Uma vez que não cabia à Comissão, por força do dever de fundamentação, indicar na decisão os elementos numéricos relativos ao modo de cálculo das coimas, não há que analisar os diferentes vícios alegados pela recorrente e que assentam nessa premissa errada.

65.
    Em consequência, há que julgar improcedente a segunda parte do segundo fundamento.

Quanto à terceira parte do segundo fundamento

66.
    Na terceira parte do seu segundo fundamento, a recorrente acusa o Tribunal de Primeira Instância de não ter tomado em consideração, quando do controlo do nível da coima, o facto de a Comissão ter operado uma escolha entre entidades jurídicas pertencentes a grupos diferentes de sociedades, mesmo supondo que a Comissão tinha o direito de efectuar essa escolha, o que a recorrente contesta.

67.
    A recorrente indica que, ao operar a sua escolha e dirigir a decisão à recorrente em vez de a outra entidade jurídica, a Comissão optou por lhe imputar exclusivamente a responsabilidade da infracção. Este facto deveria ter sido tomado em consideração na apreciação da gravidade e da duração da infracção, bem como do nível da coima, em conformidade com os princípios da equidade e da proporcionalidade. A coima deveria ter sido fixada, no máximo, em função do período de infracção correspondente ao período durante o qual a Colthrop pertenceu à recorrente.

68.
    Resulta dos n.os 25 a 31 do presente acórdão que a actuação anticoncorrencial da Colthrop pôde ser correctamente imputada à recorrente, uma vez que esta dirigiu, ainda que sob outra denominação, a exploração desta fábrica de cartão enquanto durou a infracção. Consequentemente, não pode tratar-se de repartir a responsabilidade da infracção por várias sociedades, pelo que a argumentação da recorrente é irrelevante.

69.
    Em consequência, há que julgar improcedente a terceira parte do segundo fundamento

70.
    Por tudo o exposto, deve ser negado provimento ao recurso na íntegra.

Quanto às despesas

71.
    Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, aplicável ao recurso de decisões do Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 118.°, a parte vencida é condenada nas despesas, se isso tiver sido pedido. Como a Comissão pediu a condenação da recorrente, que foi vencida em todos os seus fundamentos, há que condenar esta última nas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

decide:

1)    É negado provimento ao recurso.

2)    A SCA Holding Ltd é condenada nas despesas.

La Pergola
Wathelet
Edward

Jann

Sevón

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 16 de Novembro de 2000.

O secretário

O presidente da Quinta Secção

R. Grass

A. La Pergola


1: Língua do processo: inglês.