Language of document : ECLI:EU:C:2001:189

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

29 de Março de 2001 (1)

«Concorrência - Direitos exclusivos - Gestão dos aeroportos - Taxas de aterragem - Artigo 90.°, n.° 3, do Tratado CE (actual artigo 86.°, n.° 3, CE)»

No processo C-163/99,

República Portuguesa, representada por L. Fernandes e por M. L. Duarte e F. Viegas, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada inicialmente por K. Leivo e M. Afonso, seguidamente por M. Afonso e M. Erhart, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto a anulação da Decisão 1999/199/CE da Comissão, de 10 de Fevereiro de 1999, relativa a um processo de aplicação do artigo 90.° do Tratado CE (Processo IV/35.703 - Aeroportos portugueses) (JO L 69, p. 31),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: C. Gulmann, presidente de secção, V. Skouris, J.-P. Puissochet (relator), R. Schintgen e F. Macken, juízes,

advogado-geral: J. Mischo,


secretário: H. von Holstein, secretário-adjunto,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações das partes na audiência de 21 de Setembro de 2000,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 19 de Outubro de 2000,

profere o presente

Acórdão

1.
    Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 4 de Maio de 1999, a República Portuguesa solicitou, ao abrigo do artigo 230.°, primeiro parágrafo, CE, a anulação da Decisão 1999/199/CE da Comissão, de 10 de Fevereiro de 1999, relativa a um processo de aplicação do artigo 90.° do Tratado CE (Processo IV/35.703 - Aeroportos portugueses) (JO L 69, p. 31, a seguir «decisão impugnada»).

Legislação portuguesa

2.
    O artigo 18.° do Decreto-Lei n.° 102/90, de 21 de Março de 1990 (Diário da República I, série A, n.° 67, de 21 de Março de 1990), prevê que o quantitativo das taxas aeroportuárias, aplicadas nos aeroportos geridos pela ANA - Aeroportos e Navegação Aérea, E.P. (a seguir «ANA-EP»), é fixado por decreto ministerial. O n.° 3 deste artigo permite taxas diferenciadas em conformidade com a categoria, a funcionalidade e a densidade de utilização de cada aeroporto.

3.
    O Decreto Regulamentar n.° 38/91, de 29 de Julho de 1991 (Diário da República I, série A, n.° 172, de 29 de Julho de 1991), fixa as modalidades das taxas de aterragem. Nos termos do seu artigo 4.°, n.° 1, a taxa de aterragem é devida por cada operação de aterragem e é definida por unidade de tonelada métrica do peso máximo dedescolagem, indicada no certificado de navegabilidade. O artigo 4.°, n.° 5, prevê que os voos domésticos beneficiam de uma redução de 50%.

4.
    Anualmente o governo publica um decreto que actualiza o nível das taxas. Nos termos do sistema de reduções criado pela Portaria n.° 352/98, de 23 de Junho de 1998 (Diário da República I, série B, n.° 142, de 23 de Junho de 1998), adoptada de acordo com o artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 102/90, é aplicada uma redução de 7,2% no aeroporto de Lisboa (18,4% nos outros aeroportos) a partir de cinquenta e uma aterragens mensais. A partir de cento e uma e de cento e cinquenta e uma aterragens, são aplicadas respectivamente no aeroporto de Lisboa reduções de 14,6% e 22,5% (24,4% e 31,4% nos outros aeroportos). As aterragens para além de duzentas têm uma redução de 32,7% (40,6% nos outros aeroportos).

5.
    A ANA-EP é uma empresa pública encarregada da gestão dos três aeroportos continentais (Lisboa, Faro e Porto), dos quatro aeroportos dos Açores, dos aeródromos e da navegação aérea. Os aeroportos da Madeira são geridos por outra empresa pública.

6.
    Nos termos do artigo 3.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 246/79, de 25 de Julho de 1979 (Diário da República I, série A, n.° 170, de 25 de Julho de 1979), que cria a ANA-EP, compete a esta última a exploração e o desenvolvimento em moldes empresariais do serviço público de apoio à aviação civil, com o objectivo de orientar, dirigir e controlar o tráfego aéreo, assegurar a partida e chegada de aeronaves, o embarque, desembarque e encaminhamento de passageiros, carga e correio.

Os factos que estão na origem do recurso e a decisão impugnada

7.
    Por carta de 2 de Dezembro de 1996, a Comissão informou a República Portuguesa de que dera início a um inquérito relativo aos sistemas de reduções de taxas de aterragem nos aeroportos dos Estados-Membros. Pedia às autoridades portuguesas que lhe comunicassem todas as informações sobre a legislação portuguesa aplicável às taxas de aterragem a fim de estar em situação de apreciar a compatibilidade das reduções concedidos com as regras comunitárias da concorrência.

8.
    Após ter tomado conhecimento das informações transmitidas pelas autoridades portuguesas, a Comissão, por carta de 28 de Abril de 1997, advertiu estas últimas de que considerava discriminatório o sistema de reduções de taxa de aterragem em vigor nos aeroportos portugueses geridos pela ANA-EP. A Comissão convidava o Governo português a comunicar-lhe as medidas que pretendia tomar a este respeito e a apresentar as suas observações. O teor desta carta foi comunicado à ANA-EP e às companhias aéreas portuguesas TAP e Portugália a fim de poderem igualmente apresentar as suas observações.

9.
    Na sua resposta de 3 de Outubro de 1997, a República Portuguesa alegou, em primeiro lugar, que as taxas diferenciadas segundo a origem do voo são justificadas pelo factode uma parte dos voos domésticos servirem aeroportos insulares relativamente aos quais não existe qualquer alternativa ao transporte aéreo e de os restantes voos domésticos serem muito curtos e com tarifas pouco elevadas. Em segundo lugar, que o sistema de taxas de aterragem em vigor corresponde a imperativos de coesão económica e social. Por último, no que diz respeito aos voos internacionais, que os aeroportos portugueses enfrentam a concorrência dos aeroportos de Madrid e de Barcelona (Espanha) que praticam este tipo de tarifação. Por outro lado, o sistema em vigor pretende promover as economias de escala resultantes de uma maior utilização dos aeroportos portugueses e de Portugal como destino turístico.

10.
    Na sua resposta à Comissão, a ANA-EP declarou que o sistema de taxas em causa é justificado pela necessidade de aplicar uma política tarifária semelhante à praticada nos aeroportos de Madrid e de Barcelona e pela preocupação de diminuir os custos de exploração das transportadoras que utilizam de forma mais frequente e regular os aeroportos que ela gere.

11.
    Depois de uma nova troca de correspondência entre a República Portuguesa e a Comissão, esta última adoptou a decisão impugnada. Nesta, a Comissão considerou provados, fundamentalmente, os seguintes factos:

-    a ANA-EP é uma empresa pública para efeitos do n.° 1 do artigo 90.° do Tratado que é titular do direito exclusivo de administrar os aeroportos de Lisboa, Porto, Faro e os quatro aeroportos dos Açores;

-    a política tarifária da ANA-EP apoia-se em disposições legislativas e regulamentares que constituem medidas estatais para efeitos do n.° 1 do artigo 90.° do Tratado;

-    os mercados em causa são os dos serviços de acesso às infra-estruturas aeroportuárias de cada um dos sete aeroportos geridos pela ANA-EP;

-    como uma grande maioria do tráfego dos três aeroportos continentais (Lisboa, Porto e Faro) é realizado entre Portugal e os outros Estados-Membros, o sistema de taxas em causa tem efeitos sobre o comércio entre os Estados-Membros; em contrapartida, não é o que se passa no que diz respeito aos quatro aeroportos dos Açores cujo tráfego é totalmente interno ou proveniente de países terceiros;

-    os três aeroportos continentais têm tráfegos importantes e abrangem todo o território de Portugal continental de modo que o conjunto desses aeroportos que efectua ligações intracomunitárias representa uma parte substancial do mercado comum;

-    a ANA-EP que tem um direito exclusivo para cada aeroporto por ela gerido, ocupa uma posição dominante no mercado dos serviços necessários à aterragem e à descolagem das aeronaves relativamente aos quais é paga uma taxa;

-    o sistema de taxas de aterragem em causa tem por efeito que sejam aplicadas às companhias aéreas condições desiguais relativamente a prestações equivalentes colocando-as assim numa situação de desvantagem concorrencial;

-    por um lado, o sistema das reduções concedidas em função do número de aterragens conduz a consentir às companhias portuguesas TAP e Portugália uma taxa média de redução de, respectivamente, 30 e 22% sobre o conjunto dos seus voos, ao passo que essa taxa varia entre 1% e 8% para as companhias dos outros Estados-Membros. Ora, esta diferença de tratamento não é justificada por qualquer motivo objectivo, uma vez que o tratamento de uma aeronave no momento da aterragem ou da descolagem exige o mesmo serviço independentemente do seu proprietário e independentemente do número de aeronaves pertencentes a uma mesma companhia. Por outro, nem a circunstância de os aeroportos concorrentes de Madrid e de Barcelona instaurarem um sistema análogo, nem o objectivo de promover uma grande utilização das infra-estruturas e o turismo em Portugal podem justificar reduções discriminatórias;

-    por outro lado, a redução de 50% de que beneficiam os voos domésticos criou uma desvantagem para as companhias que asseguram voos intracomunitários que nem o objectivo de ajudar os voos que ligam os Açores ao Continente nem a curta distância dos voos domésticos podem justificar. Por um lado, os voos com destino ou a partir dos Açores, de qualquer modo, não são abrangidos pela decisão. Por outro, a taxa é calculada em função do peso do aparelho e não da distância, sem contar com o facto de que os voos internacionais de curta distância não beneficiam da redução em causa;

-    o facto de uma empresa em posição dominante como a ANA-EP aplicar relativamente a parceiros comerciais as condições precedentes constitui um abuso de posição dominante nos termos do artigo 86.°, segundo parágrafo, alínea c), do Tratado CE [actual artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea c), CE];

-    a derrogação prevista no artigo 90.°, n.° 2 do Tratado, que aliás não foi invocada pelas autoridades portuguesas, não se aplica;

-    na medida em que o sistema de taxas em causa é imposto à ANA-EP por uma medida estatal, esta constitui uma infracção ao n.° 1 do artigo 90.° do Tratado em conjugação com o artigo 86.° no que diz respeito à sua aplicação nos aeroportos portugueses continentais.

12.
    Por conseguinte, a Comissão considerou que o sistema de redução das taxas de aterragem e da sua diferenciação consoante a origem do voo, nos termos do Decreto-Lei n.° 102/90, do Decreto Regulamentar n.° 38/91 e da Portaria 352/98, nos aeroportos de Lisboa, Porto e Faro constitui uma medida incompatível com o dispostono n.° 1 do artigo 90.° do Tratado CE em conjugação com o artigo 86.° (artigo 1.° da decisão impugnada). Ordenou à República Portuguesa que pusesse termo a essa infracção e que a informasse, num prazo de dois meses a contar da notificação da decisão impugnada, das medidas tomadas para o efeito (artigo 2.° da decisão impugnada).

13.
    Em 26 de Fevereiro de 1999, a Comissão intentou, no Tribunal de Justiça, uma acção contra a República Portuguesa a propósito de duas outras taxas aeroportuárias, a taxa pelo serviço aos passageiros e a taxa de segurança, cujos quantitativos são mais elevados para os voos internacionais do que para os voos internos. A Comissão considera que essa diferença viola as disposições do Regulamento (CEE) n.° 2408/92 do Conselho, de 23 de Julho de 1992, relativo ao acesso das transportadoras aéreas comunitárias às rotas aéreas intracomunitárias (JO L 240, p. 8), bem como o artigo 59.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 49.° CE). Este processo foi registado na Secretaria do Tribunal de Justiça sob o número C-70/99.

Fundamentos invocados pela República Portuguesa

14.
    A República Portuguesa invoca quatro fundamentos em apoio do seu pedido de anulação. Em primeiro lugar, a decisão impugnada violava o dever de fundamentação na medida em que a Comissão não refere as razões que a levaram a utilizar os poderes que lhe são conferidos pelo artigo 90.°, n.° 3, do Tratado, em vez de intentar uma acção por incumprimento. Em segundo lugar, a decisão impugnada violava o princípio da proporcionalidade na medida em que a Comissão, que dispunha de diversas alternativas, optou pela via menos adequada e a mais gravosa. Em terceiro lugar, a Comissão incorreu no vício de desvio de procedimento ao ter actuado contra a República Portuguesa ao abrigo do artigo 90.°, n.° 3, do Tratado em vez de iniciar o processo por incumprimento. Em quarto lugar, não estavam reunidas as condições para que se verificasse uma violação das disposições conjugadas dos artigos 90.°, n.° 1, e 86.° do Tratado. Com efeito, por um lado, o sistema de taxas de aterragem português não era discriminatório em razão da nacionalidade. Por outro, esse sistema não envolvia um abuso de posição dominante.

15.
    Importa examinar, antes de mais, os fundamentos relativos à violação do princípio da proporcionalidade e ao desvio de procedimento antes de, eventualmente, proceder ao exame da alegada violação do dever de fundamentação de que enferma a decisão impugnada e do último fundamento apresentado pela República Portuguesa.

Quanto à violação do princípio da proporcionalidade

16.
    A República Portuguesa sustenta que a Comissão violou o princípio da proporcionalidade, inscrito no artigo 3.°-B, terceiro parágrafo, do Tratado CE (actual artigo 5.°, terceiro parágrafo, CE), ao optar, de entre as alternativas de que dispunha, pela menos adequada e pela mais gravosa. Com efeito, como a maior parte dos Estados-Membros distinguia entre os voos internos e os voos internacionais para efeitos do cálculo das suas taxas aeroportuárias, cabia à Comissão diligenciar no sentido deo Conselho adoptar a sua Proposta de Directiva 97/C 257/02, de 20 de Junho de 1997, relativa às taxas aeroportuárias (JO C 257, p. 2), baseada no artigo 84.°, n.° 2, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 80.°, n.° 2, CE). Só essa directiva garantiria a harmonização necessária e simultânea das legislações nacionais em causa.

17.
    Para o caso de se considerar que a Comissão podia invocar o artigo 90.°, n.° 3, do Tratado, a República Portuguesa alega, a título subsidiário, que a Comissão devia, pelos mesmos motivos, ter optado pelo instrumento da directiva.

18.
    A Comissão, por seu lado, recorda que o Tribunal de Justiça lhe reconheceu, com base no artigo 90.°, n.° 3, do Tratado, o poder de declarar que determinada medida estatal é incompatível com as regras do Tratado e de indicar as medidas que o Estado destinatário deve adoptar para cumprir as obrigações resultantes do direito comunitário (acórdão de 12 de Fevereiro de 1992, Países Baixos e o./Comissão, C-48/90 e C-66/90, Colect., p. I-565). Ora, o uso desse poder e as modalidades da sua utilização são da sua competência exclusiva.

19.
    Importa recordar que o artigo 90.°, n.° 3, do Tratado confia à Comissão a missão de velar pelo cumprimento, por parte dos Estados-Membros, das obrigações que lhes são impostas, no que respeita às empresas referidas no artigo 90.°, n.° 1, e confere-lhe expressamente competência para intervir nesse sentido através de directivas e de decisões. A Comissão tem, assim, o poder de declarar que determinada medida estatal é incompatível com as regras do Tratado e de indicar as medidas que o Estado destinatário deve adoptar para cumprir as obrigações resultantes do direito comunitário (acórdãos Países Baixos e o./Comissão, já referido, n.os 25 e 28, e de 20 de Fevereiro de 1997, Bundesverband der Bilanzbuchhalter/Comissão, C-107/95 P, Colect., p. I-947, n.° 23).

20.
    Por outro lado, resulta do teor do artigo 90.°, n.° 3, e da sistemática do conjunto das disposições desse artigo que a Comissão goza de um amplo poder de apreciação no domínio abrangido pelos seus n.os 1 e 3, tanto relativamente à acção que considere necessário desenvolver quer aos meios apropriados para esse fim (acórdãos Países Baixos e o./Comissão, n.° 27, e Bundesverband der Bilanzbuchhalter/Comissão, n.° 27, já referidos).

21.
    Este poder da Comissão não é afectado pelo facto de o Conselho ter tido a possibilidade, aqui, de adoptar uma directiva relativa às taxas aeroportuárias com base no artigo 84.°, n.° 2, do Tratado.

22.
    Por um lado, o argumento da República Portuguesa segundo o qual só essa directiva garantiria a harmonização simultânea dos sistemas nacionais de taxas aeroportuárias análogos ao sistema português é irrelevante. Com efeito, este argumento equivale a contestar a obrigação imposta a esse Estado-Membro de modificar o seu sistema de taxas de aterragem para que fique em conformidade com o Tratado, enquanto sistemas do mesmo tipo continuassem em vigor nos outros Estados-Membros. Ora, é certo queum Estado-Membro não pode justificar a falta de cumprimento das obrigações que lhe incumbem por força do Tratado pelo facto de outros Estados-Membros terem deixado de cumprir e de não cumprirem igualmente as respectivas obrigações. Com efeito, na ordem jurídica criada pelo Tratado, a aplicação do direito comunitário pelos Estados-Membros não pode ser sujeita a uma condição de reciprocidade. Os artigos 226.° CE e 227.° CE prevêem as vias de recurso adequadas para fazer face aos incumprimentos (acórdão de 11 de Janeiro de 1990, Blanguernon, C-38/89, Colect., p. I-83, n.° 7).

23.
    Por outro lado, a eventualidade de uma regulamentação adoptada pelo Conselho em aplicação de um poder geral que detenha ao abrigo de outros artigos do Tratado e que comporte disposições em matérias do domínio específico do artigo 90.° não obsta ao exercício da competência que este último artigo confere à Comissão (acórdãos de 6 de Julho de 1982, França e o./Comissão, 188/80 a 190/80, Recueil, p. 2545, n.° 14, e de 19 de Março de 1991, França/Comissão, C-202/88, Colect., p. I-1223, n.° 26).

24.
    Quanto ao argumento subsidiário da República Portuguesa, segundo o qual a Comissão deveria, com base no artigo 90.°, n.° 3, do Tratado, ter adoptado uma directiva em vez de uma decisão, deve também ser julgado improcedente pelas razões expostas no n.° 22 do presente acórdão.

25.
    Além disso, importa recordar que, no acórdão Países Baixos e o./Comissão, já referido, o Tribunal de Justiça distinguiu os poderes que o artigo 90.°, n.° 3, do Tratado autoriza a Comissão a exercer por via de directivas ou de decisões.

26.
    No que concerne às directivas, o Tribunal de Justiça afirmou, no acórdão França/Comissão, já referido, que a Comissão tem o poder de adoptar regras gerais, especificando as obrigações resultantes do Tratado que se impõem aos Estados-Membros no que diz respeito às empresas referidas no n.° 1 desse artigo (acórdão Países Baixos e o./Comissão, já referido, n.° 26).

27.
    Quanto aos poderes que o artigo 90.°, n.° 3, autoriza a Comissão a exercer por via de decisões, o Tribunal de Justiça também afirmou que são diferentes dos que ela pode exercer por via de directivas. Com efeito, adoptada em função de uma situação determinada num ou mais Estados-Membros, a decisão inclui necessariamente uma apreciação dessa situação à luz do direito comunitário e determina as consequências que dela resultam para o Estado-Membro em causa, tendo em conta as exigências inerentes ao cumprimento da missão particular conferida a uma empresa, se esta estiver encarregada da gestão de serviços de interesse económico geral (acórdão Países Baixos e o./Comissão, já referido, n.° 27).

28.
    Do que precede resulta que a opção, oferecida pelo artigo 90.°, n.° 3, do Tratado, pela directiva ou pela decisão não depende, como a República Portuguesa sustenta, do número de Estados-Membros potencialmente afectados. Com efeito, essa escolha depende do objectivo prosseguido pela Comissão, conforme esta pretenda aprovar regras gerais que explanem as obrigações decorrentes do Tratado ou apreciar umasituação determinada, num ou vários Estados-Membros, na perspectiva do direito comunitário e determinar as consequências que daí decorrem para o ou os Estados-Membros em causa.

29.
    Ora, no caso em apreço, é certo que, através da decisão impugnada, a Comissão pretendeu pôr em causa a compatibilidade com o Tratado do sistema específico de reduções das taxas de aterragem e de diferenciação destas consoante a origem do voo, em vigor em determinados aeroportos de Portugal, e ordenar à República Portuguesa que ponha termo a essa infracção. Por conseguinte, a Comissão não pode ser criticada por ter recorrido ao instrumento da decisão.

30.
    Por conseguinte, o fundamento da República Portuguesa relativo à violação do princípio da proporcionalidade não pode ser acolhido.

Quanto ao desvio de procedimento

31.
    A República Portuguesa sustenta que a Comissão incorreu no vício de desvio de procedimento ao agir contra si com base no artigo 90.°, n.° 3, do Tratado em vez de intentar uma acção por incumprimento. É verdade que o Tribunal de Justiça reconheceu à Comissão o poder de, com base no artigo 90.°, n.° 3, declarar que determinada medida estatal é incompatível com as regras do Tratado e de indicar as medidas que o Estado destinatário deve adoptar para cumprir as obrigações resultantes do direito comunitário. Todavia, a Comissão era obrigada a recorrer à acção por incumprimento quando, como no caso em apreço, a infracção em causa é comum a diversos Estados-Membros.

32.
    Segundo a Comissão, pelo contrário, esta última circunstância não a podia privar do poder, que o Tribunal de Justiça lhe reconhece, de apreciar, por via de uma decisão adoptada com base no artigo 90.°, n.° 3, do Tratado, a conformidade com este último das medidas que os Estados tomam ou mantêm em relação às empresas referidas no artigo 90.°, n.° 1, do mesmo diploma.

33.
    Tal como se recordou no n.° 19 do presente acórdão, a Comissão tem o poder, com base no artigo 90.°, n.° 3, do Tratado, de declarar que determinada medida estatal é incompatível com as regras do Tratado e de indicar as medidas que o Estado destinatário deve adoptar para cumprir as obrigações resultantes do direito comunitário.

34.
    Daqui resulta que a Comissão não incorre em vício de desvio de procedimento quando aprecia, por via de uma decisão, a conformidade com o Tratado das medidas que os Estados tomam ou mantêm em relação às empresas referidas no artigo 90.°, n.° 1, do Tratado (acórdão Países Baixos e o./Comissão, já referido, n.os 34 a 37).

35.
    O fundamento da República Portuguesa relativo ao vício de desvio de procedimento também não pode, portanto, ser acolhido.

Quanto à violação do dever de fundamentação

36.
    A República Portuguesa sustenta que a decisão impugnada pretere o dever de fundamentação. Com efeito, a Comissão deveria, antes de mais, ter indicado as razões por que agiu, no caso em apreço, com base no artigo 90.°, n.° 3, do Tratado, quando relativamente à taxa pelo serviço aos passageiros e à taxa de segurança, que, pelas mesmas razões que as taxas de aterragem, são taxas aeroportuárias, recorreu à acção por incumprimento. Em seguida, em seu entender, a Comissão devia explicar a razão pela qual, na decisão impugnada, se colocou no terreno das regras de concorrência e não no da liberdade de prestação de serviços, como na acção por incumprimento. Do mesmo modo, a Comissão não podia calar-se sobre a situação que se verificava nos aeroportos dos outros Estados-Membros. Por último, na medida em que o artigo 90.°, n.° 3, do Tratado, dispõe que a Comissão dirigirá aos Estados-Membros, quando necessário, as directivas ou decisões adequadas, a Comissão era obrigada a justificar a necessidade de uma acção da sua parte e a escolha do instrumento.

37.
    A Comissão retorque que, quando recorre ao artigo 90.°, n.° 3, do Tratado, apenas tem que indicar as razões por que considera que as condições estabelecidas no n.° 1 dessa disposição se encontram satisfeitas. Em contrapartida, não era obrigada a fundamentar nem a necessidade de recorrer a essa disposição nem a escolha do instrumento utilizado, que são da sua competência exclusiva.

38.
    De acordo com uma jurisprudência constante, a fundamentação exigida pelo artigo 190.° do Tratado CE (actual artigo 253.° CE) deve ser adaptada à natureza do acto em causa e deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, a argumentação da instituição, autora do acto, por forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adoptada e ao Tribunal exercer o seu controlo. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso em apreço, designadamente do conteúdo do acto, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas directa e individualmente afectadas pelo acto podem ter em obter explicações. Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um acto satisfaz as exigências do artigo 190.° do Tratado deve ser apreciada à luz não somente do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v., designadamente, acórdãos de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval et Brink's France, C-367/95 P, Colect., p. I-1719, n.° 63, e de 19 de Outubro de 2000, Itália e Sardegna Lines/Comissão, C-15/98 e C-105/99, Colect., p. I-0000, n.° 65).

39.
    Daqui decorre que, quando a Comissão adopta uma decisão com base no artigo 90.°, n.° 3, do Tratado, deve deixar transparecer, de forma suficientemente clara, as razões por que considerou que a medida estatal em causa viola as disposições do n.° 1 dessa disposição e não pode, eventualmente, beneficiar das derrogações referidas no seu n.° 2.

40.
    Em contrapartida, a Comissão não podia ser obrigada a indicar as razões por que considerou ser necessário adoptar uma decisão desse tipo quando, relativamente a uma outra regulamentação do mesmo Estado-Membro, utilizou a acção por incumprimento, colocando-se assim num terreno jurídico diferente. Também não se podia exigir à Comissão que descrevesse, na sua decisão, a situação em vigor nos outros Estados-Membros e indicasse as acções que eventualmente lhes intentou. Além disso, a opção pelo instrumento a decisão não deve ser objecto de uma fundamentação específica pois, tal como o Tribunal de Justiça sublinhou no n.° 28 do presente acórdão, depende do objectivo prosseguido pela Comissão.

41.
    No caso em apreço, forçoso é observar que os fundamentos da decisão impugnada deixam transparecer de forma suficientemente clara as razões por que a Comissão considerou que o sistema de reduções das as taxas de aterragem e de diferenciação destas consoante a origem do voo, em vigor em determinados aeroportos de Portugal, constitui uma medida incompatível com o artigo 90.°, n.° 1, do Tratado, em conjugação com o seu artigo 86.° A República Portuguesa, de resto, não contesta a existência desta fundamentação.

42.
    Por conseguinte, o fundamento da República Portuguesa decorrente da preterição do dever de fundamentação não pode ser acolhido.

Quanto à não reunião das condições exigidas para se verificar uma violação das disposições conjugadas dos artigos 90.°, n.° 1, e 86.° do Tratado

Quanto à ausência de discriminação em razão da nacionalidade

43.
    A República Portuguesa alega que o artigo 90.°, n.° 1, do Tratado, se refere de modo especial aos artigos 6.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 12.° CE), relativo à proibição de qualquer discriminação em razão da nacionalidade, bem como às regras de concorrência enunciadas na terceira parte, título V, capítulo I, do Tratado. Contesta que o sistema de redução em causa viole o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade. A distinção que o legislador português efectua entre voos internos e voos internacionais para efeitos do cálculo das taxas de aterragem não dependia da nacionalidade ou da origem das aeronaves. Com efeito, por um lado, nos termos do artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2408/92, as companhias aéreas dos outros Estados-Membros podiam explorar linhas nacionais portuguesas e, por conseguinte, beneficiar do regime favorável aplicável aos voos internos. Por outro lado, o sistema de redução em função do número de aterragens também não era discriminatório em razão da nacionalidade.

44.
    A Comissão responde nunca ter afirmado que o sistema de redução controvertido efectuava uma discriminação directa das aeronaves em razão da nacionalidade. Sublinha, todavia, que a aplicação do artigo 90.°, n.° 1, do Tratado não está limitada aos casos em que a medida estatal em causa infringe o artigo 6.° deste último diploma. Alega que o artigo 90.°, n.° 1, também remete expressamente para o artigo 86.° doTratado. Ora, esta última disposição de modo algum implicava a existência de uma discriminação em razão da nacionalidade, pois as condições discriminatórias a que se refere a alínea c) do seu segundo parágrafo abrangem todas as diferenças de tratamento que não têm uma justificação objectiva levadas a cabo por uma empresa em posição dominante. No entanto, as reduções progressivas e a redução no que respeita aos voos internos favoreciam, na prática, as companhias aéreas nacionais TAP e Portugália.

45.
    Importa, por um lado, sublinhar que a República Portuguesa não contesta as conclusões da Comissão, expostas nos n.os 11 a 23 dos fundamentos da decisão impugnada, segundo os quais a ANA-EP é titular de um direito exclusivo, como aquele a que se refere o artigo 90.°, n.° 1, do Tratado, relativamente a cada aeroporto que gere e detém, por esse facto, uma posição dominante no mercado dos serviços ligados à aterragem e à descolagem dos aviões.

46.
    Por outro lado, há que observar que o artigo 86.°, segundo parágrafo, alínea c), do Tratado proíbe toda e qualquer discriminação, por parte de uma empresa em situação de posição dominante, que consista em aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equivalentes, colocando-os, por esse facto, em desvantagem na concorrência, independentemente de essa discriminação ser ou não função da nacionalidade.

47.
    Por conseguinte, como as medidas em causa podem integrar o âmbito das disposições conjugadas dos artigos 90.°, n.° 1, e 86.° do Tratado, o argumento da República Portuguesa, segundo o qual as reduções em causa não são discriminatórias em razão da nacionalidade - de resto, a Comissão não se baseou na existência dessa discriminação para tomar a decisão impugnada - não autorizava, mesmo que se revelasse ser verdadeiro, uma tomada de posição, nesta fase da análise, sobre a validade desta decisão. Em contrapartida, há que examinar se as diferentes reduções em causa conduzem a aplicar, a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equivalentes, na acepção do artigo 86.°, segundo parágrafo, alínea c), do Tratado.

Quanto à inexistência de um abuso de posição dominante devido às reduções concedidas em função do número de aterragens

48.
    A República Portuguesa sustenta que o seu sistema de reduções em função do número de aterragens não comporta um abuso de posição dominante. Antes de mais, as reduções de quantidade constituem uma prática comercial a que as empresas em situação de posição dominante têm, perfeitamente, o direito de recorrer. Em seguida, os aeroportos, para amortizarem os seus enormes investimentos, tinham interesse em encorajar as companhias aéreas a utilizar ao máximo as suas infra-estruturas, designadamente para efeitos de escalas técnicas. Por último, o sistema de reduções controvertido estava à disposição de todos os transportadores da Comunidade e, aliás, nenhuma companhia de outro Estado-Membro apresentara qualquer queixa à Comissão.

49.
    A Comissão aceita que uma empresa na situação de posição dominante possa conceder reduções de quantidade. No entanto, era necessário que essas reduções se justificassem por razões objectivas, ou seja, que permitissem à empresa em causa realizar economias de escala. Ora, no caso em apreço, as autoridades portuguesas não invocaram nenhuma economia de escala. Aliás, é incontestável que o tratamento de uma aterragem ou de uma descolagem exige o mesmo serviço, independentemente do número de aviões pertença da mesma companhia.

50.
    Importa recordar que uma empresa na situação de posição dominante pode conceder, aos seus clientes, reduções de quantidade, que são função apenas do volume de compras efectuado (v., designadamente, acórdão de 9 de Novembro de 1983, Michelin/Comissão, 322/81, Recueil, p. 3461, n.° 71). Todavia, os métodos de cálculo dessas reduções não se devem traduzir na aplicação, relativamente a parceiros comerciais, de condições desiguais no caso de prestações equivalentes, em violação do artigo 86.°, segundo parágrafo, alínea c), do Tratado.

51.
    A este propósito, importa observar que faz parte da própria essência de um sistema de reduções de quantidade que os maiores compradores ou utilizadores de um produto ou de um serviço beneficiem de preços médios unitários menores ou, o que é a mesma coisa, de taxas médias de redução superiores às concedidas aos adquirentes ou utilizadores menos importantes desse produto ou serviço. Importa igualmente observar que, mesmo em caso de progressão linear das taxas de redução de quantidade com um desconto máximo, a taxa média de redução aumenta (ou o preço médio diminui) matematicamente, num primeiro momento, em proporção superior ao aumento das compras e, num segundo momento, em proporção inferior ao aumento das compras, antes de se estabilizar na taxa mínima de redução. O simples facto de um sistema de redução de quantidade conduzir a que determinados clientes beneficiem, relativamente a determinadas quantidades, de uma taxa média de redução proporcionalmente maior que outros, por referência à diferença dos respectivos volumes de compra, faz parte deste tipo de sistema e daí não se pode inferir que o sistema seja discriminatório.

52.
    Todavia, quando os limiares dos diferentes escalões de redução, conjugados com as taxas praticadas, conduzem a que as reduções, ou reduções suplementares, só beneficiem determinados parceiros comerciais, concedendo-lhes uma vantagem económica não justificada pelo aumento do volume de actividade que implicam e pelas eventuais economias de escala que permitem ao fornecedor realizar relativamente aos seus concorrentes, um sistema de redução de quantidade acarreta a aplicação de condições desiguais a prestações equivalentes.

53.
    Na falta de justificações objectivas, podem constituir indícios de um tal tratamento discriminatório um limiar de funcionamento do sistema elevado, que só pode interessar a alguns parceiros particularmente importantes da empresa em posição dominante, ou a inexistência de linearidade do aumento das taxas de redução com as quantidades.

54.
    No caso em apreço, a Comissão apurou que a taxa de redução mais elevada (32,7% no aeroporto de Lisboa e 40,6% nos outros aeroportos) só beneficiava as companhias aéreas TAP e Portugália. Os valores indicados pela Comissão na decisão impugnada revelam igualmente que a progressão das taxas é sensivelmente maior no que respeita ao último escalão do que nos anteriores (com excepção do primeiro escalão nos outros aeroportos que não o do Lisboa), o que, na falta de justificação objectiva específica, obriga à conclusão de que a redução concedida relativamente a este último escalão é excessiva comparativamente com as reduções concedidas para os escalões precedentes.

55.
    Ora, forçoso é observar que a República Portuguesa, para justificar o sistema em causa, só apresentou argumentos gerais sobre o interesse, para um aeroporto, de recorrer a uma mecanismo de redução de quantidade sobre as taxas de aterragem e contentou-se em alegar que o mecanismo estava aberto a todas as companhias aéreas.

56.
    Numa situação em que, como a Comissão observou, o sistema de redução é mais favorável a determinadas companhias aéreas, neste caso, efectivamente, as companhias aéreas nacionais, e em que os aeroportos em causa podem dispor, no que respeita a uma grande parte da sua actividade, de um monopólio natural, esses argumentos gerais não bastam para justificar economicamente a escolha das taxas efectuada para cada escalão.

57.
    Nestas condições, há que concluir que o sistema em causa tem natureza discriminatória, beneficiando as companhias TAP e Portugália.

58.
    No entanto, a República Portuguesa sustenta que a decisão impugnada infringe o princípio da neutralidade no que respeita ao regime da propriedade dos Estados-Membros, que figura no artigo 222.° do Tratado CE (actual artigo 295.° CE). Em seu entender, a decisão impugnada impedia as empresas que exploram concessões, ou titulares de direitos exclusivos, ou ainda encarregadas de funções de serviço público, de recorrer às estratégias comerciais habitualmente utilizadas pelas outras empresas.

59.
    Todavia, a Comissão responde, justamente, que as disposições do artigo 86.° do Tratado se impõem a todas as empresas em posição dominante, independentemente de pertencerem a entidades públicas ou privadas, e que, no caso em apreço, de forma alguma infringiu o princípio da neutralidade no que respeita ao regime da propriedade dos Estados-Membros ao aplicar essas disposições à ANA-EP.

60.
    Atento o que precede, o fundamento relativo à inexistência de um abuso de posição dominante devido às reduções concedidas em função do número de aterragens não pode ser acolhido.

Quanto à redução de 50% em favor dos voos internos por referência aos voos internacionais

61.
    Este aspecto da decisão impugnada só é posto em causa pela República Portuguesa no quadro das suas alegações destinadas a demonstrar a inexistência de discriminação em razão da nacionalidade. Com efeito, sustenta que a redução no que respeita aos voos internos é independente da nacionalidade ou da origem das aeronaves e que, em conformidade com o artigo 3.° do Regulamento n.° 2408/92, as companhias aéreas dos outros Estados-Membros têm o direito de explorar as linhas nacionais portuguesas e de, por conseguinte, beneficiar do regime favorável aplicável aos voos internos.

62.
    Como se recordou no n.° 46 do presente acórdão, não é necessário que uma medida seja discriminatória em razão da nacionalidade para ficar sob a alçada da proibição dos abusos de posição dominante enunciada no artigo 86.° do Tratado, em especial quando a discriminação é entre parceiros comerciais.

63.
    No caso em apreço, a Comissão referiu-se, na decisão impugnada, ao acórdão de 14 de Maio de 1994, Corsica Ferries (C-18/93, Colect., p. I-1783, dito «Corsica Ferries II»), em que o Tribunal de Justiça declarou que as disposições dos artigos 90.°, n.° 1, e 86.° do Tratado proíbem a uma autoridade nacional, ao aprovar as tarifas adoptadas por uma empresa titular do direito exclusivo de oferecer serviços de pilotagem obrigatória numa parte substancial do mercado comum, levar esta a aplicar tarifas diferentes às empresas de transporte marítimo, consoante estas últimas efectuem transportes entre Estados-Membros ou entre portos situados no território nacional, na medida em que o comércio entre Estados-Membros é afectado. A Comissão transpôs esta análise para o domínio dos aeroportos, concluindo que o sistema de redução para voos internos em causa tem por efeito directo colocar as companhias que asseguram voos intracomunitários em situação de desvantagem, modificando artificialmente os preços de custo das empresas, conforme efectuem ligações internas ou internacionais.

64.
    A Comissão também se referiu às conclusões do advogado-geral Van Gerven no processo Corsica Ferries II, já referido, que considerou que, sendo os serviços de pilotagem idênticos para os navios provenientes de outro Estado-Membro ou de um porto nacional, a aplicação de condições tarifárias diferentes para os mesmos serviços constitui uma aplicação, relativamente a parceiros comerciais, de condições desiguais no caso de prestações equivalentes, que é proibida pelo artigo 86.° do Tratado pois inflige às empresas de transporte marítimo afectadas uma desvantagem concorrencial.

65.
    No seu recurso, a República Portuguesa não contestou a transposição desta análise para o caso de redução das taxas de aterragem específicas aos voos internos, por referência aos voos internacionais, antes se tendo portanto limitado, para contestar a existência de uma discriminação, a invocar argumentos relativos à inexistência de discriminação em razão da nacionalidade.

66.
    A este propósito, o Tribunal de Justiça considerou expressamente que deve ser considerada como constituindo uma restrição à livre prestação de serviços de transporte marítimo uma legislação nacional que, embora aplicável sem discriminação a todos os navios, quer sejam utilizados por prestadores nacionais ou de outros Estados-Membros,estabeleça uma distinção consoante esses navios efectuem transportes internos ou transportes com destino a outros Estados-Membros e garanta assim um benefício especial ao mercado interno e aos transportes internos do Estado-Membro em questão (acórdão de 5 de Outubro de 1994, Comissão/França, C-381/93, Colect., p. I-5145, n.° 21). Ora, não é de modo algum contestável que esse tipo de medidas também beneficia os transportadores que asseguram, em maior volume que outros, transportes internos, por referência aos transportes internacionais, e acarreta, assim, um tratamento desigual para prestações equivalentes, o que afecta o jogo da concorrência. No caso em apreço, a discriminação resulta da aplicação de taxas diferenciadas para um mesmo número de aterragens com aeronaves de tipo idêntico.

67.
    Todavia, a República Portuguesa invocou argumentos passíveis de justificar, em seu entender, tal tratamento diferenciado das companhias aéreas.

68.
    Os argumentos relativos à justificação da redução no que respeita às ligações com os aeroportos dos Açores devem ser examinadas no que respeita às taxas pagas quando dos movimentos efectuados nos aeroportos de Lisboa, Porto ou Faro para voos com destino ou provenientes dos Açores, pois, embora o dispositivo da decisão impugnada não vise as taxas aplicadas nos aeroportos dos Açores, diz no entanto indistintamente respeito a todas as reduções de taxas de aterragem e à sua diferenciação segundo a origem do voo, aplicáveis em Lisboa, Porto e Faro.

69.
    A este propósito, tanto durante o procedimento administrativo como no recurso que interpôs, o Governo português alegou que, por razões políticas, sociais e económicas, o custo das ligações aéreas com os Açores deve ser moderado, atenta designadamente a inexistência de alternativas ao transporte aéreo, em virtude da insularidade.

70.
    Nos n.os 20 e 36 dos fundamentos da decisão impugnada, a Comissão referiu que, na medida em que excluía os aeroportos dos Açores do âmbito da sua decisão em virtude da inexistência, em seu entender, de efeito suficientemente sensível, no que toca ao comércio entre Estados-Membros, das taxas que aí são aplicáveis, não era necessário responder a este argumento.

71.
    No entanto, o argumento do Governo português aplica-se tanto às taxas cobradas nos aeroportos dos Açores como às exigíveis para os voos provenientes ou com destino aos Açores nos aeroportos de Lisboa, Porto ou Faro.

72.
    Importa, portanto, observar que foi erradamente que a Comissão indicou que não havia que responder ao argumento do Governo português relativo às reduções em causa. Todavia, este erro não põe em causa, sob este aspecto, a legalidade da decisão impugnada.

73.
    Com efeito, como designadamente resulta do n.° 66 do presente acórdão e como a Comissão indicou na decisão impugnada, a aplicação de taxas diferenciadas para um mesmo número de aterragens constitui por si só um tipo de discriminação abrangido pelo artigo 86.°, segundo parágrafo, alínea c), do Tratado. Por conseguinte, estandosatisfeitas todas as condições do artigo 86.°, só podem ser apresentadas eventuais justificações para a aplicação de tal sistema no quadro do artigo 90.°, n.° 2, do Tratado. De acordo com essas disposições, as empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral estão submetidas às regras do Tratado, designadamente às regras de concorrência, na medida em que a aplicação destas regras não constitua obstáculo ao cumprimento, de direito ou de facto, da missão particular que lhes foi confiada e a eventual derrogação das regras do Tratado não deve afectar o desenvolvimento das trocas comerciais de forma contrária aos interesse da Comunidade.

74.
    Todavia, no caso em apreço, como a Comissão sublinhou no n.° 41 dos fundamentos da decisão impugnada, a República Portuguesa não invocou a derrogação prevista no artigo 90.°, n.° 2, do Tratado.

75.
    Nestas condições, a decisão impugnada deve ser confirmada na medida em que incide sobre as reduções de taxas de aterragem ligadas à natureza interna dos voos, aplicáveis nos aeroportos de Lisboa, Porto e Faro no que respeita aos voos provenientes ou com destino aos Açores.

76.
    No que respeita às ligações internas que não as com os Açores, a República Portuguesa sustenta que as reduções ligadas à natureza interna dos voos se justificam pela curta distância destes e pela necessidade de esses voos não terem de suportar custos proporcionalmente muito elevados relativamente às taxas de aterragem, que tornariam o seu custo total excessivo atenta a distância. A República Portuguesa refere-se, a este propósito, ao objectivo de coesão económica e social que figura no artigo 3.°, alínea j), do Tratado CE [que passou, após alteração, a artigo 3.°, alínea k), CE].

77.
    A Comissão responde que se se tivesse de atender ao factor distância, os voos internacionais de distância idêntica à dos voos internos, como os que ligam Portugal a Sevilha, Madrid, Málaga ou Santiago de Compostela, deviam beneficiar das mesmas reduções e alega que, de qualquer modo, as taxas de aterragem são calculadas em função do peso dos aparelhos e não da distância.

78.
    Sem que seja necessário examinar esta argumentação, importa sublinhar que, pelas razões já expostas nos n.os 73 e 74 do presente acórdão, a decisão impugnada também deve ser confirmada na medida em que incide sobre as reduções de taxas de aterragem ligadas à natureza interna dos voos, aplicáveis nos aeroportos de Lisboa, Porto e Faro no que respeita aos voos que não são provenientes ou têm por destino os Açores.

79.
    Do conjunto das considerações que precedem resulta que há que negar provimento ao presente recurso.

Quanto às despesas

80.
    Por força do n.° 2 do artigo 69.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se tal tiver sido requerido. Tendo-o a Comissão requerido e tendo a República Portuguesa sido vencida, há que condená-la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

decide:

1.
    O recurso é julgado improcedente.

2.
    A República Portuguesa é condenada nas despesas.

Gulmann
Skouris
Puissochet

Schintgen

Macken

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 29 de Março de 2001.

O secretário

O presidente da Sexta Secção

R. Grass

C. Gulmann


1: Língua do processo: português.