Language of document : ECLI:EU:T:2013:295

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

5 de junho de 2013 (*)

«União aduaneira ― Importação de concentrados de lactoglobulina provenientes da Nova Zelândia ― Cobrança a posteriori de direitos de importação ― Pedido de dispensa do pagamento de direitos de importação ― Artigo 220.°, n.° 2, alínea b), e artigo 236.° do Regulamento (CEE) n.° 2913/92»

No processo T‑65/11,

Recombined Dairy System A/S, com sede em Horsens (Dinamarca), representada por T. Kristjánsson e T. Gønge, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por A.‑M. Caeiros, L. Keppenne e B.‑R. Killmann, na qualidade de agentes, assistidos por P. Dyrberg, advogado,

recorrida,

que tem por objeto um pedido de anulação parcial da Decisão C (2010) 7692 final da Comissão, de 12 de novembro de 2010, que declara que o registo de liquidação a posteriori de certos direitos de importação era justificado e que a dispensa de pagamento desses direitos não era justificada (processo REC 03/08),

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção),

composto por: N. J. Forwood, presidente, F. Dehousse (relator) e J. Schwarcz, juízes,

secretário: C. Kristensen, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 6 de dezembro de 2012,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        A recorrente, Recombined Dairy System A/S, importou na União Europeia concentrados de lactoglobulina (a seguir «LGC») provenientes da Nova Zelândia. Existem diversas formas de LGC, caracterizadas pelo seu teor em proteínas de soro de leite.

2        Em 1993 e em 1994, a recorrente apresentou às autoridades aduaneiras pedidos destinados a obter informações pautais vinculativas (a seguir «IPV») para dez LGC, entre os quais os LGC 312, 392 e 472. As IPV relativas a esses três produtos foram emitidas a favor da recorrente com base nas informações recebidas e sem proceder à análise dos produtos. As informações transmitidas pela recorrente e retomadas nas IPV referiam, nomeadamente, uma taxa de proteínas de soro de leite calculada sobre matéria seca superior a 80% e uma composição de 75% de betalactoglobulina e imunoglobulina e de 25% de outras proteínas de soro de leite. Os LGC em questão foram classificados na posição pautal 3504 da Nomenclatura Combinada que figura no Anexo I do Regulamento (CEE) n.° 2658/87 do Conselho, de 23 de julho de 1987, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum (JO L 256, p. 1), conforme alterado (a seguir «nomenclatura»). A posição pautal 3504 da nomenclatura abrange, nomeadamente, os «concentrados de proteínas de leite». As IPV para estes três produtos eram válidas de 13 de abril de 1994 a 12 de abril de 2000.

3        Em 1995, a recorrente apresentou às autoridades aduaneiras dinamarquesas um pedido destinado a obter uma IPV relativa ao LGC 450. Estas autoridades informaram a recorrente de que não era necessária uma nova IPV, na medida em que o LGC 450 era em larga medida idêntico ao LGC 472 para o qual já tinha sido emitida uma IPV. A recorrente retirou o seu pedido. Por conseguinte, não obteve a IPV para o LGC 450.

4        Para outros tipos de produtos, concretamente os LGC 131 e 8471, a recorrente não apresentou pedido destinado a obter uma IPV.

5        Na sequência da análise realizada numa amostra, que revelava um teor em proteínas de soro de leite inferior ao declarado inicialmente (a saber, um teor em proteínas de soro de leite inferior a 80%), as autoridades aduaneiras dinamarquesas procederam a uma análise do conjunto dos LGC importados pela recorrente. Com base nesta análise, decidiram, em 27 de novembro de 2000, classificar os LGC 131, 312, 392, 450 e 8471 na posição pautal 0404 da nomenclatura e proceder ao registo de liquidação a posteriori dos direitos de importação relativos a esses produtos. A referida posição pautal abrangia, nomeadamente, o «soro de leite, mesmo concentrado». As autoridades indicaram também, nessa decisão, que, se o teor em proteínas de soro de leite declarado inicialmente pela recorrente tivesse sido correto (concretamente, um teor em proteínas de soro de leite superior a 80%), teriam classificado os produtos em questão na posição pautal 3502 da nomenclatura. A referida posição pautal abrangia, designadamente, os «concentrados de várias proteínas de soro de leite, que contenham, em peso, calculado sobre matéria seca, mais de 80% de proteínas de soro de leite». Renunciaram assim a classificar os produtos em causa na posição pautal 3504 da nomenclatura.

6        Tendo a recorrente contestado a classificação pautal e o método de análise utilizado, as autoridades aduaneiras dinamarquesas modificaram o seu método e finalmente concluíram que o teor em proteínas dos LGC declarado inicialmente pela recorrente estava correto (concretamente, uma taxa de proteínas de soro de leite, calculado sobre matéria seca, superior a 80%). Decidiram reexaminar a classificação pautal efetuada e modificaram a sua decisão, classificando os LGC 131, 312, 392, 450 e 8471 na posição pautal 3502 da nomenclatura. Essa alteração na classificação pautal não teve incidência na decisão destas autoridades de proceder ao registo de liquidação dos direitos de importação devidos pelos produtos em causa.

7        Em 13 de junho de 2005, a recorrente apresentou às autoridades aduaneiras dinamarquesas um pedido de dispensa de pagamento dos direitos de importação com base, por um lado, no artigo 220.°, n.° 2, alínea b), em conjugação com o artigo 236.°, e, por outro, no artigo 239.° do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho, de 12 de outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO L 302, p. 1, a seguir «código aduaneiro»). O seu pedido tinha por objeto a importação de LGC, durante o período de 1 de setembro de 1997 a 2 de agosto de 2000, para os quais nunca tinha sido emitida uma IPV ou o período de validade das IPV anteriormente emitidas já tinha expirado no momento da importação. As autoridades aduaneiras dinamarquesas indeferiram esse pedido por decisão de 1 de agosto de 2005.

8        Em 22 de setembro de 2005, a recorrente interpôs recurso dessa decisão no Landsskatteretten (Tribunal Fiscal Nacional, Dinamarca).

9        Em 13 de setembro de 2007, o Landsskatteretten intimou as autoridades aduaneiras dinamarquesas a submeterem o pedido da recorrente à Comissão das Comunidades Europeias, para decisão. O Landsskatteretten considerou, nomeadamente, que não podia excluir‑se, tendo em conta as circunstâncias do caso em apreço, que as condições fixadas no artigo 220.°, n.° 2, alínea b), ou no artigo 239.° do código aduaneiro estivessem preenchidas.

10      Em 6 de outubro de 2008, as autoridades dinamarquesas solicitaram à Comissão que decidisse, ao abrigo do artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do código aduaneiro, se se justificava não proceder ao registo de liquidação a posteriori dos direitos de importação e, subsidiariamente, se, ao abrigo do artigo 239.° do código aduaneiro, a dispensa de pagamento dos direitos de importação era justificada.

11      Com a Decisão C (2010) 7692 final, de 12 de novembro de 2010, concluindo que o registo de liquidação a posteriori de certos direitos de importação era justificado e que a dispensa de pagamento desses direitos não era justificada (processo REC 03/08) (a seguir «decisão impugnada»), em primeiro lugar, a Comissão considerou que se justificava, nos termos do artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do código aduaneiro, não proceder ao registo de liquidação a posteriori dos direitos de importação relativos às importações de LGC 450 anteriores a 13 de abril de 2000. Quanto às importações de outros produtos, concretamente os LGC 131, 312, 392 e 8471, bem como os LGC 450 importados após 13 de abril de 2000, a Comissão considerou que se justificava proceder ao registo de liquidação a posteriori dos direitos de importação. Em segundo lugar, a Comissão considerou, com fundamento no artigo 239.° do código aduaneiro, que a dispensa de pagamento dos direitos de importação se justificava para as importações de LGC 312 e 392, bem como para as importações de LGC 450 realizadas após 13 de abril de 2000. Em contrapartida, concluiu que não se justificava a dispensa de pagamento dos direitos de importação quanto às importações de LGC 131 e 8471. Indicou, a este respeito, que não existia nenhuma situação especial, na aceção do artigo 239.° do código aduaneiro, na medida em que a recorrente nunca tinha requerido uma IPV para estes produtos.

 Tramitação processual e pedidos das partes

12      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 28 de janeiro de 2011, a recorrente interpôs o presente recurso.

13      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Segunda Secção) decidiu dar início à fase oral do processo.

14      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões orais colocadas pelo Tribunal Geral na audiência de 6 de dezembro de 2012.

15      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular o artigo 1.°, n.os 2 e 4, da decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

16      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

17      A título preliminar, há que salientar que, como a recorrente confirmou na audiência, o presente recurso visa obter a anulação do artigo 1.°, n.os 2 e 4, da decisão impugnada, na medida em que diz respeito às importações de LGC 131 e 8471.

18      A recorrente invoca dois fundamentos em apoio do recurso. O primeiro fundamento, invocado a título principal, é relativo à violação do artigo 220.°, n.° 2, alínea b), e do artigo 236.° do código aduaneiro. O segundo fundamento, invocado a título subsidiário, assenta na violação do artigo 239.° do código aduaneiro.

19      O Tribunal considera que é oportuno começar por examinar o primeiro fundamento da recorrente.

20      A recorrente alega, no essencial, que a classificação dos LGC em causa na posição pautal 3504 da nomenclatura constitui um erro imputável às autoridades aduaneiras dinamarquesas, independentemente do facto de os referidos LGC terem ou não beneficiado de uma IPV.

21      A Comissão contesta os argumentos da recorrente. Indica, nomeadamente, que, em geral, nem todos os LGC são idênticos no plano pautal. Alega também que não foi emitida nenhuma IPV para os produtos em causa no presente litígio. Além disso, o número de importações de LGC 131 e 8471 não era importante. Por último, nenhuma documentação foi apresentada indicando que a designação da mercadoria nas declarações aduaneiras correspondia às especificações da nomenclatura.

22      A título preliminar, há que recordar que os procedimentos previstos nos artigos 220.° e 239.° do código aduaneiro prosseguem o mesmo objetivo, a saber, limitar o pagamento a posteriori de direitos de importação ou de exportação aos casos em que tal pagamento se justifica e é compatível com um princípio fundamental como o princípio da proteção da confiança legítima. Por outro lado, o reembolso ou a dispensa do pagamento dos direitos de importação ou dos direitos de exportação, que só podem ser concedidos em certas condições e em casos especificamente previstos, constituem uma exceção ao regime normal das importações e das exportações e, consequentemente, as disposições que preveem esse reembolso ou essa dispensa de pagamento são de interpretação estrita (v. despacho do Tribunal de Justiça de 1 de outubro de 2009, Agrar‑Invest‑Tatschl/Comissão, C‑552/08 P, Colet., p. I‑9265, n.os 52, 53 e jurisprudência referida).

23      Há que recordar que, no que respeita ao artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do código aduaneiro, segundo esta disposição, as autoridades competentes só não procedem ao registo de liquidação a posteriori dos direitos de importação se estiverem reunidas três condições cumulativas. Em primeiro lugar, se os direitos não tiverem sido cobrados devido a um erro das próprias autoridades competentes, em seguida, se o erro cometido por estas for de natureza tal que não pudesse razoavelmente ser detetado por um devedor de boa‑fé e, por último, se este tiver observado todas as disposições previstas pela regulamentação em vigor no que respeita à sua declaração aduaneira. Desde que estas condições estejam satisfeitas, o devedor tem direito a que não se proceda à cobrança a posteriori (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de outubro de 2007, Agrover, C‑173/06, Colet., p. I‑8783, n.° 30 e jurisprudência referida).

24      Relativamente à primeira destas condições, importa recordar que o artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do código aduaneiro tem por objetivo proteger a confiança legítima do devedor quanto ao caráter justificado de todos os elementos tomados em conta na decisão de cobrar ou não cobrar os direitos aduaneiros. A confiança legítima do devedor só é digna da proteção prevista neste artigo se tiverem sido «as próprias» autoridades competentes a criar a base em que assentou essa confiança. Assim, só os erros imputáveis a um comportamento ativo das autoridades competentes conferem o direito à não cobrança a posteriori dos direitos aduaneiros (v. acórdão Agrover, referido no n.° 23 supra, n.° 31 e jurisprudência referida).

25      Esta condição não se pode, em princípio, considerar preenchida se as autoridades competentes tiverem sido induzidas em erro por declarações inexatas do exportador, cuja validade não têm de verificar ou apreciar. Em tal caso, é o devedor que suporta os riscos resultantes de um documento comercial que se revele falso aquando de um controlo posterior (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de novembro de 2002, Ilumitrónica, C‑251/00, Colet., p. I‑10433, n.os 43, 44 e jurisprudência referida). Em contrapartida, segundo a jurisprudência, pode considerar‑se que as autoridades competentes cometeram um erro quando não formularam nenhuma objeção sobre a classificação pautal das mercadorias efetuada pelo agente económico nas suas declarações aduaneiras e as referidas declarações continham todos os dados de facto necessários à aplicação da regulamentação em causa, de tal modo que um controlo posterior que pudesse ser efetuado pelas autoridades competentes não fosse suscetível de revelar um novo elemento. É o que acontece, designadamente, quando todas as declarações aduaneiras apresentadas pelo agente económico estavam completas, na medida em que mencionavam, nomeadamente, a designação das mercadorias de acordo com as especificações da nomenclatura juntamente com a posição pautal declarada e quando as importações em questão tenham alcançado um determinado número e decorrido durante um período relativamente longo sem que a posição pautal tenha sido contestada (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de abril de 1993, Hewlett Packard France, C‑250/91, Colet., p. I‑1819, n.os 19, 20 e jurisprudência referida).

26      No caso em apreço, a Comissão considerou, na decisão impugnada e no que respeita às importações de LGC 131 e 8471, que as autoridades aduaneiras dinamarquesas não tinham cometido um erro, na medida em que não tinha sido emitida à recorrente uma IPV para esses produtos (considerando 31 da decisão impugnada). A Comissão concluiu por outro lado que a recorrente tinha agido de boa‑fé e em conformidade com todas as disposições em vigor no que respeita à declaração aduaneira (considerando 39 da decisão impugnada).

27      Em primeiro lugar, há que começar por rejeitar os argumentos que a Comissão expôs na decisão impugnada e que reiterou perante o Tribunal, nos quais considera, no essencial, que a falta de emissão de IPV não permitia concluir ter existido um erro das autoridades aduaneiras. Com efeito, o facto de a recorrente não ter pedido a IPV para os produtos em causa não significa que as autoridades aduaneiras não tenham cometido um erro. Qualquer outra interpretação esvaziaria de sentido o artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do código aduaneiro. Além disso, a jurisprudência reconheceu que as autoridades aduaneiras podiam ter cometido um erro em situações em que a recorrente não era titular ou não tinha solicitado a IPV (acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de outubro de 1987, Foto‑Frost, 314/85, Colet., p. 4199).

28      Em segundo lugar, há que salientar que, como resulta da decisão impugnada, as autoridades aduaneiras dinamarquesas cometeram um erro de classificação pautal ao emitirem as IPV (considerandos 24 e 33 da decisão impugnada).

29      Em terceiro lugar, a Comissão indica, no considerando 45 da decisão impugnada, que, desde o mês de novembro de 1999, isto é, antes do final do período de importação controvertido de LGC 131 e 8471, que decorreu de 1 de setembro de 1997 a 2 de agosto de 2000, as autoridades aduaneiras sabiam que a posição pautal dos produtos que tinham beneficiado de uma IPV estava errada, sem todavia revogarem as referidas IPV. Resulta igualmente da decisão impugnada que as análises realizadas pelas autoridades aduaneiras dinamarquesas diziam respeito não apenas aos produtos que tinham beneficiado de uma IPV mas também ao LGC 131, que não beneficiava de IPV (considerandos 9 e 10 da decisão impugnada). Por conseguinte, as autoridades aduaneiras dinamarquesas sabiam, desde o mês de novembro de 1999, que a posição pautal de um dos dois produtos em causa no presente litígio estava errada. Esperaram, porém, até 27 de novembro de 2000 para desencadearem um processo de cobrança (considerando 13 da decisão impugnada). Também não revogaram, embora tivessem essa possibilidade, as IPV em vigor e que expiravam em 12 de abril de 2000. Por outro lado, há que salientar que, entre novembro de 1999 e novembro de 2000, a recorrente importou sob a posição pautal 3504 da nomenclatura cerca de 240 toneladas de LGC 131, em 13 operações de importação, e 40 toneladas de LGC 8471, em duas operações de importação, embora as autoridades aduaneiras dinamarquesas soubessem que a classificação pautal dos LGC, em sentido lato, e em particular do LGC 131, estava errada. Por último, no que respeita especificamente ao LGC 131, há que salientar que, contrariamente ao que indica a Comissão nas suas peças processuais, as importações deste produto pela recorrente foram significativas durante o período de importação controvertido, pois representaram várias centenas de toneladas e 45 operações de importação. Acresce que as partes concordam, como foi confirmado durante a audiência, que os produtos em causa, na medida em que eram constituídos por proteínas de soro de leite, não podiam ser classificados na posição pautal 3504 da nomenclatura, como fizeram as autoridades aduaneiras nas IPV. As autoridades aduaneiras dinamarquesas, aliás, reconheceram esse facto pois, na sua decisão de 27 de novembro de 2000 de registo de liquidação a posteriori dos direitos de importação, indicavam que «[a] classificação no código de mercadorias 3504 [estava] excluída, dado que não se trata[va] de proteínas de leite, mas de proteínas de soro de leite». Daqui resulta que, tendo em conta a descrição dos produtos em causa nas declarações de importação, que visava especificamente uma proteína de soro de leite, concretamente a «lactoglobulina», as autoridades aduaneiras deveriam ter sido capazes de identificar o erro de classificação pautal.

30      Em quarto lugar, há que salientar que nem as autoridades aduaneiras dinamarquesas nem a Comissão na decisão impugnada puseram em causa o caráter completo de todas as declarações aduaneiras apresentadas pela recorrente. Em particular, a Comissão considerou, na decisão impugnada, que «resulta[va] do pedido que se devia considerar que o interessado tinha agido de boa‑fé e observado todas as disposições em vigor no que respeita à sua declaração aduaneira» (considerando 39 da decisão impugnada). A afirmação da Comissão, nas suas peças processuais, segundo a qual «a designação das mercadorias na declaração não estava completa» não é, assim, confirmada na decisão impugnada. De resto, na audiência, a Comissão não conseguiu indicar uma base jurídica que permitisse considerar que as declarações aduaneiras efetuadas pela recorrente não estavam completas. Além disso, quanto à afirmação da Comissão segundo a qual a recorrente não apresentou uma documentação técnica respeitante aos LGC 131 e 8471 que permitisse determinar a sua classificação pautal, há que recordar que o LGC 131 fazia parte dos produtos que foram objeto de uma análise técnica por parte das autoridades aduaneiras em 1999 (considerando 9 da decisão impugnada). Por outro lado, é pacífico que os LGC 131 e 8471 foram classificados, pelas autoridades aduaneiras dinamarquesas, após fiscalização, na mesma posição pautal que os outros LGC, inclusive os LGC que tinham beneficiado de uma IPV. Por último, há que recordar que as partes estão de acordo quanto ao facto de que os produtos em causa, na medida em que eram constituídos por proteínas de soro de leite, não podiam ser classificados na posição pautal 3504 da nomenclatura. Assim, há que considerar que a designação das mercadorias nas declarações de importação da recorrente, concretamente «lactoglobulina», isto é, uma proteína de soro de leite, era suficientemente precisa para permitir às autoridades aduaneiras determinar, pelo menos, que os produtos em causa não deviam ser classificados na referida posição pautal.

31      Em quinto lugar, numa conversa telefónica com a recorrente em 2 de novembro de 1995, as autoridades aduaneiras dinamarquesas precisaram que não era necessário obter uma IPV para um produto, no caso em apreço o LGC 450, que era, nos termos do pedido apresentado pela recorrente, «em larga medida idêntico» a um produto que beneficiava de uma IPV, concretamente o LGC 472. Esta conversa telefónica foi confirmada por uma carta dirigida pela recorrente às autoridades aduaneiras dinamarquesas em 3 de novembro de 1995, sem que o teor dessa carta tenha sido posteriormente posto em causa, como salienta a Comissão no considerando 35 da decisão impugnada. As próprias autoridades aduaneiras, reiterando os argumentos que a recorrente lhes tinha apresentado, mencionam a existência e o teor dessa conversa telefónica no pedido que enviaram à Comissão. Esta situação de facto, aliás, levou a Comissão a concluir, no mesmo considerando da decisão impugnada, que as autoridades aduaneiras dinamarquesas tinham cometido um erro quanto às importações de LGC 450 anteriores a 13 de abril de 2000.

32      Quanto aos produtos em causa no presente litígio, a Comissão salienta, no considerando 24 da decisão impugnada, que, segundo o pedido apresentado pelas autoridades aduaneiras dinamarquesas, a falta de registo de liquidação e a dispensa do pagamento de direitos de importação se justificavam na medida em que «os produtos não abrangidos por uma IPV eram, do ponto de vista da classificação pautal, idênticos aos produtos para os quais tinha sido emitida uma IPV». Esta constatação de facto não foi posta em causa pela Comissão na decisão impugnada.

33      Além disso, há que sublinhar que, seja qual for a posição pautal escolhida pelas autoridades aduaneiras dinamarquesas no seu aviso de cobrança, o conjunto dos LGC em causa sempre foi classificado na mesma posição pautal. Daqui decorre que, para as autoridades aduaneiras dinamarquesas, os LGC 131 e 8471 eram produtos idênticos, no plano pautal, aos outros LGC importados, incluindo os que beneficiaram de uma IPV. Esta apreciação é também suportada pelo pedido das autoridades aduaneiras dinamarquesas dirigido à Comissão, no qual era precisado que «todas as amostras tinham um teor global em proteínas de pelo menos 80%, em peso calculado sobre matéria seca» ou que os produtos em causa eram «constituídos por concentrados de várias proteínas de soro de leite que continham mais de 80% de proteínas de soro de leite em peso». Esta conclusão de facto é igualmente retomada pelo Landsskatteretten na sua decisão de 13 de setembro de 2007. Ora, tendo em conta as explicações fornecidas pelas partes nas suas peças processuais, é feita uma única distinção, com vista à classificação pautal dos produtos em causa, entre produtos que têm um teor em proteínas de soro de leite superior a 80% e produtos que têm um teor em proteínas de soro de leite inferior a 80%. Daqui resulta que os produtos em causa, segundo as explicações dadas pelas autoridades aduaneiras dinamarquesas, eram efetivamente idênticos do ponto de vista da classificação pautal, o que a Comissão reconheceu na audiência. Em particular, a Comissão não conseguiu indicar, na audiência, elementos de diferenciação pertinentes entre os LGC em causa que permitissem considerar que os referidos LGC não constituíam um único tipo de mercadoria, na aceção da regulamentação aduaneira (acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de dezembro de 2010, Schenker, C‑199/09, Colet., p. I‑12311, n.° 24). Por outro lado, a Comissão nunca pôs em causa a afirmação das autoridades aduaneiras dinamarquesas quanto à identidade dos produtos do ponto de vista pautal, nem formulou pedidos de informações complementares. Há que sublinhar, quanto a este aspeto, que, nos termos do artigo 871.°, n.° 5, do Regulamento (CEE) n.° 2454/93 da Comissão, de 2 de julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do código aduaneiro (JO L 253, p. 1), quando se verificar que as informações comunicadas pelo Estado‑Membro são insuficientes para que a Comissão possa decidir, com todo o conhecimento de causa, sobre o caso que lhe é apresentado, esta pode solicitar a este ou a qualquer outro Estado‑Membro que lhe sejam comunicadas informações complementares. Resulta do exposto que, no caso em apreço, a recorrente podia considerar que os LGC 131 e 8471, ainda que não beneficiassem de uma IPV, deviam ser classificados na mesma posição pautal que os produtos que beneficiavam ou tinham beneficiado de uma IPV.

34      Tendo em conta o conjunto destes elementos, há que considerar que as autoridades aduaneiras dinamarquesas cometeram um erro, na aceção do artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do código aduaneiro, quanto à classificação pautal dos LGC 131 e 8471. A decisão impugnada padece, portanto, de uma ilegalidade a este respeito na medida em que se baseia na inexistência desse erro.

35      Por conseguinte, sem que seja necessário examinar o segundo fundamento invocado pela recorrente a título subsidiário, há que acolher o primeiro fundamento do recurso e anular, consequentemente, o artigo 1.°, n.os 2 e 4, da decisão impugnada, na medida em que respeita às importações de LGC 131 e 8471.

 Quanto às despesas

36      Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com os pedidos da recorrente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

decide:

1)      O artigo 1.°, n.os 2 e 4, da Decisão C (2010) 7692 final da Comissão, de 12 de novembro de 2010, que declara que o registo de liquidação a posteriori de certos direitos de importação era justificado e que a dispensa de pagamento desses direitos não era justificada (processo REC 03/08), é anulado, na medida em que respeita às importações de concentrados de lactoglobulina 131 e 8471.

2)      A Comissão Europeia suportará as suas próprias despesas e as despesas efetuadas pela Recombined Dairy System A/S.

Forwood

Dehousse

Schwarcz

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 5 de junho de 2013.

Assinaturas


* Língua do processo: dinamarquês.