Language of document : ECLI:EU:T:2007:258

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Grande Secção)

12 de Setembro de 2007 (*)

«Acesso aos documentos – Articulados apresentados pela Comissão no âmbito de vários processos no Tribunal de Justiça e no Tribunal de Primeira Instância – Decisão que recusa o acesso»

No processo T‑36/04,

Association de la presse internationale ASBL (API), com sede em Bruxelas (Bélgica), representada por S. Völcker, F. Louis e J. Heithecker, advogados,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por C. Docksey e P. Aalto, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da decisão da Comissão de 20 de Novembro de 2003 que indeferiu um pedido da recorrente destinado a obter o acesso aos articulados apresentados pela Comissão no âmbito de vários processos no Tribunal de Justiça e no Tribunal de Primeira Instância,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Grande Secção),

composto por: B. Vesterdorf, presidente, M. Jaeger, J. Pirrung, M. Vilaras, H. Legal, M. E. Martins Ribeiro, E. Cremona, I. Pelikánová, D. Šváby, K. Jürimäe, N. Wahl, M. Prek e V. Ciucă, juízes,

secretário: E. Coulon,

vistos os autos e após a audiência de 28 de Fevereiro de 2007,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        Nos termos do artigo 255.° CE:

«1.      Todos os cidadãos da União e todas as pessoas singulares ou colectivas que residam ou tenham a sua sede social num Estado‑Membro têm direito de acesso aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, sob reserva dos princípios e condições a definir nos termos dos n.os 2 e 3.

2.      Os princípios gerais e os limites que, por razões de interesse público ou privado, regem o exercício do direito de acesso aos documentos são definidos pelo Conselho, deliberando nos termos do artigo 251.°, no prazo de dois anos a contar da data de entrada em vigor do Tratado de Amesterdão.

[…]»

2        O Regulamento (CE) n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de Maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO L 145, p. 43), define os princípios, as condições e os limites do direito de acesso aos documentos dessas instituições previsto no artigo 255.° CE. Este regulamento passou a ser aplicável a partir de 3 de Dezembro de 2001.

3        Os considerandos 2 e 4 do referido regulamento têm a seguinte redacção:

«(2)      Esta abertura permite assegurar uma melhor participação dos cidadãos no processo de decisão e garantir uma maior legitimidade, eficácia e responsabilidade da Administração perante os cidadãos num sistema democrático. A abertura contribui para o reforço dos princípios da democracia e do respeito dos direitos fundamentais consagrados no artigo 6.° [UE] e na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

[…]

(4)      O presente regulamento destina‑se a permitir o mais amplo efeito possível do direito de acesso do público aos documentos e a estabelecer os respectivos princípios gerais e limites, em conformidade com o disposto no n.° 2 do artigo 255.° [CE].»

4        O artigo 2.°, n.os 1 e 3, do Regulamento n.° 1049/2001 dispõe:

«1.      Todos os cidadãos da União e todas as pessoas singulares ou colectivas que residam ou tenham a sua sede social num Estado‑Membro têm direito de acesso aos documentos das instituições, sob reserva dos princípios, condições e limites estabelecidos no presente regulamento.

[…]

3.      O presente regulamento é aplicável a todos os documentos na posse de uma instituição, ou seja, aos documentos por ela elaborados ou recebidos que se encontrem na sua posse, em todos os domínios de actividade da União Europeia.»

5        Nos termos do artigo 3.°, alínea a), do Regulamento n.° 1049/2001, entende‑se por documento «qualquer conteúdo […] sobre assuntos relativos às políticas, acções e decisões da competência da instituição em causa».

6        O artigo 4.° do Regulamento n.° 1049/2001, relativo às excepções ao direito de acesso, prevê:

«[…]

2.      As instituições recusarão o acesso aos documentos cuja divulgação pudesse prejudicar a protecção de:

–        […]

–        processos judiciais e consultas jurídicas,

–        objectivos de actividades de inspecção, inquérito e auditoria,

excepto quando um interesse público superior imponha a divulgação.

[…]

6.      Quando só algumas partes do documento pedido forem abrangidas por qualquer das excepções, as restantes partes do documento serão divulgadas.

7.      As excepções previstas nos n.os 1 a 3 só são aplicáveis durante o período em que a protecção se justifique com base no conteúdo do documento […]»

7        O artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1049/2001 prevê:

«Os pedidos de acesso a documentos devem ser apresentados sob qualquer forma escrita, na qual se incluem os pedidos sob forma electrónica, numa das línguas referidas no artigo 314.° [CE] e de forma suficientemente precisa para que a instituição possa identificar os documentos. O requerente não é obrigado a declarar as razões do pedido.»

8        Nos termos do artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1049/2001, «[n]o caso de recusa total ou parcial, o requerente pode dirigir à instituição, no prazo de 15 dias úteis a contar da recepção da resposta da instituição, um pedido confirmativo no sentido de esta rever a sua posição».

9        O artigo 8.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 1049/2001, relativo ao processamento dos pedidos confirmativos, enuncia:

«1.      Os pedidos confirmativos devem ser prontamente tratados. No prazo de 15 dias úteis a contar da data de registo do pedido, a instituição concederá acesso ao documento solicitado e facultará, dentro do mesmo prazo, o acesso ao mesmo nos termos do artigo 10.° ou, mediante resposta por escrito, indicará os motivos pelos quais recusa total ou parcialmente o acesso. No caso de a instituição recusar total ou parcialmente o acesso, deve informar o requerente das vias de recurso possíveis, ou seja, a interposição de recurso judicial contra a instituição e/ou a apresentação de queixa ao Provedor de Justiça Europeu, nos termos previstos, respectivamente, nos artigos 230.° [CE] e 195.° [CE].

2.      A título excepcional, por exemplo no caso do pedido de um documento muito extenso ou de um elevado número de documentos, o prazo previsto no n.° 1 pode ser prorrogado por 15 dias úteis, mediante informação prévia do requerente e fundamentação circunstanciada.»

 Antecedentes do litígio

10      A Association de la presse internationale ASBL (API) é uma organização sem fins lucrativos de jornalistas estrangeiros de todas as categorias e especialidades estabelecidos na Bélgica. A API tem por objecto auxiliar os seus membros a prestar informações aos seus países de origem sobre a União Europeia.

11      Por carta de 1 de Agosto de 2003, a API a requereu à Comissão, nos termos do artigo 6.° do Regulamento n.° 1049/2001, o acesso a todos os articulados que tinha apresentado no Tribunal de Primeira Instância ou no Tribunal de Justiça no âmbito dos seguintes processos:

–        Honeywell/Comissão, T‑209/01, e General Electric/Comissão, T‑210/01;

–        MyTravel/Comissão, T‑212/03;

–        Airtours/Comissão, T‑342/99;

–        Comissão/Áustria, C‑203/03;

–        Comissão/Reino Unido, C‑466/98; Comissão/Dinamarca, C‑467/98; Comissão/Suécia, C‑468/98; Comissão/Finlândia, C‑469/98; Comissão/Bélgica, C‑471/98; Comissão/Luxemburgo, C‑472/98; Comissão/Áustria, C‑475/98, e Comissão/Alemanha, C‑476/98 (a seguir «processos Céu aberto»);

–        Köbler, C‑224/01;

–        Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, C‑280/00.

12      Por ofício de 27 de Agosto de 2003, a Comissão, por um lado, informou a API de que o pedido relativo ao processo MyTravel/Comissão, T‑212/03, era prematuro e, por outro, solicitou à API que esclarecesse se o seu pedido se referia apenas aos articulados ou também aos respectivos anexos. No mesmo ofício, a Comissão informou a API de que, tendo em conta as questões de princípio suscitadas pelo seu pedido de acesso aos documentos, o prazo de resposta seria prorrogado de quinze dias úteis. A API esclareceu, por carta de 29 de Agosto de 2003, que o seu pedido abrangia apenas os articulados da Comissão, sem os respectivos anexos.

13      Por ofício de 17 de Setembro de 2003, a Comissão facultou o acesso aos documentos relativos aos processos C‑224/01 e C‑280/00. Já o acesso aos documentos relativos aos processos T‑209/01, T‑210/01, T‑342/99 e C‑203/03, bem como aos processos Céu aberto, foi recusado.

14      Por carta de 6 de Outubro de 2003, a API apresentou, nos termos do artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1049/2001, um pedido confirmativo relativamente aos documentos aos quais a Comissão tinha recusado o acesso. Em resposta a esse pedido, depois de ter procedido a uma prorrogação do prazo por ofício de 28 de Outubro de 2003, a Comissão adoptou a decisão de 20 de Novembro de 2003, que confirmou a recusa do acesso aos documentos em questão (a seguir «decisão impugnada»).

15      Em primeiro lugar, no que diz respeito à recusa de dar acesso aos articulados apresentados pela Comissão no âmbito dos processos Honeywell/Comissão, T‑209/01, e General Electric/Comissão, T‑210/01, a Comissão afirmou, na decisão impugnada, que, estando esses processos ainda pendentes, a divulgação dos seus articulados prejudicaria a sua posição enquanto recorrida no âmbito da sua tramitação. Acrescentou que, como recordou o tribunal comunitário (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Junho de 1998, Svenska Journalisteförbundet/Conselho, T‑174/95, Colect., p. II‑2289), as partes têm o direito, por força do princípio geral de boa administração da justiça, de defender os seus interesses independentemente de qualquer influência externa, designadamente por parte do público. Uma vez que os documentos a que a recorrente pediu para aceder foram exclusivamente redigidos para efeitos dos dois processos em causa, a Comissão considerou que eram abrangidos pela excepção relativa à protecção dos processos judiciais (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Dezembro de 1999, Interporc/Comissão, T‑92/98, Colect., p. II‑3521, a seguir «acórdão Interporc II»). A Comissão esclareceu, além disso, que o facto de ter facultado o acesso às observações que tinha apresentado no âmbito do processo Köbler, C‑224/01, não podia ser invocado como um precedente, tendo em conta o facto de a tramitação processual ter já terminado, apesar de o processo estar ainda pendente, e de se tratar de um processo prejudicial que não era, portanto, comparável aos recursos directos. Por outro lado, salientou que o próprio facto de ter facultado o acesso às referidas observações demonstrava que o pedido da API tinha sido analisado documento por documento.

16      Em segundo lugar, no que diz respeito à recusa de facultar o acesso aos documentos relativos ao processo Airtours/Comissão, T‑342/99, a Comissão referiu que o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Junho de 2002 (Colect., p. II‑2585), proferido no âmbito desse processo, tinha sido seguido de uma acção de indemnização contra a Comissão (processo MyTravel/Comissão, T‑212/03), no âmbito do qual seriam discutidos os argumentos invocados pela Comissão no processo T‑342/99 para justificar a sua decisão. A Comissão considerou que existia uma relação estreita entre os dois processos e que a divulgação dos articulados pedidos pela recorrente prejudicaria a tramitação do processo que está pendente.

17      Em terceiro lugar, no que diz respeito à recusa em facultar o acesso aos documentos relativos ao processo Comissão/Áustria, C‑203/03, a Comissão referiu que o processo estava pendente e afirmou que a divulgação dos seus articulados prejudicaria a sua posição perante o Tribunal de Justiça e as autoridades austríacas. Considerou, consequentemente, que era válida para este processo a mesma fundamentação em que se baseou para recusar o acesso aos articulados dos processos Honeywell/Comissão, T‑209/01, e General Electric/Comissão, T‑210/01. Acrescentou que devia recusar o acesso a qualquer documento relativo a acções por incumprimento no caso de a divulgação prejudicar a preservação do objectivo das actividades de inquérito, que, como declarou o Tribunal de Primeira Instância no acórdão de 11 de Dezembro de 2001, Petrie e o./Comissão (T‑191/99, Colect., p. II‑3677), consiste na resolução amigável do diferendo entre a Comissão e o Estado‑Membro em causa. Esclareceu que, apesar de o referido acórdão se ter debruçado sobre a recusa de facultar o acesso a notificações para cumprir e a pareceres fundamentados, o Tribunal de Primeira Instância não mencionou que a referida recusa, para preservar o objectivo que consistia na resolução amigável do diferendo, se limitava a essas categorias de documentos, de modo que a justificação em que essa recusa se baseou também é pertinente relativamente aos articulados apresentados no Tribunal de Justiça, uma vez que os argumentos invocados para provar os incumprimentos são semelhantes.

18      Em quarto lugar, no que diz respeito à recusa de facultar o acesso aos seus articulados relativos aos processos Céu aberto, a Comissão referiu que, apesar de as acções por incumprimento relacionadas com esses processos terem findado com a prolação dos acórdãos do Tribunal de Justiça de 5 de Novembro de 2002, os Estados‑Membros em causa não tinham dado cumprimento a esses acórdãos, de modo que estavam ainda em curso negociações para esses Estados porem termo ao incumprimento declarado pelo Tribunal de Justiça. Por esta razão, considerou que a divulgação dos articulados apresentados pela Comissão nesses processos prejudicaria a preservação do objectivo do inquérito relativo aos referidos incumprimentos.

19      Em quinto lugar, depois de ter recordado que o artigo 4.°, n.° 2, in fine, do Regulamento n.° 1049/2001 dispõe que o acesso deve ser recusado «excepto quando um interesse público superior imponha a divulgação», a Comissão referiu, na decisão impugnada, que a API não tinha apresentado argumentos que demonstrassem que o interesse público que haveria em divulgar os documentos em causa era superior ao interesse público em garantir uma protecção adequada aos processos judiciais pendentes e aos inquéritos relativos às acções por incumprimento. Acrescentou que o interesse público é prosseguido da melhor maneira quando é garantida a regular tramitação dos processos submetidos ao tribunal comunitário e quando os seus poderes de investigação são protegidos.

20      Em sexto e último lugar, a Comissão confirmou que não era possível facultar um acesso parcial aos documentos pedidos na medida em que todas as suas componentes tinham uma relação estreita entre si e estavam abrangidas pelas excepções acima referidas.

 Tramitação do processo e pedidos das partes

21      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 2 de Fevereiro de 2004, a recorrente interpôs o presente recurso.

22      Em 9 de Novembro de 2006, o Tribunal de Primeira Instância, ouvidas as partes, ordenou a remessa do presente processo para a Grande Secção do Tribunal de Primeira Instância.

23      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal de Primeira Instância (Grande Secção) decidiu dar início à fase oral.

24      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas do Tribunal de Primeira Instância formuladas na audiência de 28 de Fevereiro de 2007.

25      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

26      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

27      A recorrente baseia o recurso num único fundamento, relativo à violação do artigo 2.° e do artigo 4.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1049/2001. Este fundamento subdivide‑se, essencialmente, em duas partes. A primeira parte é relativa à recusa em facultar o acesso aos documentos baseada na excepção relativa à protecção dos processos judiciais prevista no artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão, do Regulamento n.° 1049/2001. A segunda parte diz respeito à recusa em facultar o acesso aos documentos baseada na excepção relativa à protecção dos objectivos das actividades de inquérito prevista no artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001.

 Quanto à recusa em facultar o acesso aos documentos baseada na excepção relativa à protecção dos processos judiciais prevista no artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão, do Regulamento n.° 1049/2001

 Argumentos das partes

28      Em primeiro lugar, a recorrente, depois de ter salientado que o seu pedido de acesso era abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 2.° do Regulamento n.° 1049/2001, que consagra o princípio do acesso mais amplo possível aos documentos das instituições, alega que a excepção relativa à protecção dos processos judiciais não pode servir de fundamento a uma exclusão geral dos articulados da Comissão do princípio do livre acesso aos documentos.

29      A este respeito, sustenta, antes de mais, que essa excepção, segundo a qual só pode ser recusado o acesso a um documento cuja divulgação «pudesse prejudicar» processos judiciais, deve ser objecto de interpretação estrita. Resulta da comparação entre o Regulamento n.° 1049/2001 e a regulamentação anterior, concretamente, a Decisão 94/90/CECA, CE, Euratom da Comissão, de 8 de Fevereiro de 1994, relativa [a]o acesso do público aos documentos da Comissão (JO L 46, p. 58), que adoptou formalmente o Código de conduta em matéria de acesso do público aos documentos do Conselho e da Comissão (JO 1993, L 340, p. 41, a seguir «código de conduta de 1993»), aprovado pelo Conselho e pela Comissão em 6 de Dezembro de 1993, que o legislador comunitário optou deliberadamente por restringir o alcance da excepção relativa aos processos judiciais. Com efeito, enquanto o código de conduta de 1993 previa a possibilidade de subtrair ao acesso qualquer documento cuja divulgação «pourrait porter atteinte» («possa prejudicar» [pudesse prejudicar]) os processos judiciais, o Regulamento n.° 1049/2001 refere‑se aos documentos cuja divulgação «porterait atteinte» («pudesse prejudicar» [prejudicasse]) esses processos. Além disso, o código de conduta de 1993 não previa, ao contrário do Regulamento n.° 1049/2001, a possibilidade de um interesse público superior poder prevalecer sobre o interesse da protecção dos processos judiciais.

30      O objectivo limitado da excepção prevista no artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão, do Regulamento n.° 1049/2001 é também ilustrado pelo considerando 11 do mesmo regulamento, onde está enunciado o princípio segundo o qual todos os documentos das instituições deverão ser acessíveis ao público, bem como pela exposição de motivos da Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão [COM (2000) 30 final‑COD 200/0032, secção 5], em que se refere que as excepções só são aplicáveis para proteger interesses específicos claramente definidos. A recusa generalizada em facultar o acesso a qualquer categoria de documentos não pode, por conseguinte, admitir‑se, tendo a instituição em causa o dever de demonstrar, em relação a cada um dos documentos cuja consulta é pedida, que a sua divulgação causaria um prejuízo de tal gravidade a um dos interesses específicos enumerados no artigo 4.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1049/2001 que o interesse público na divulgação nunca poderia ser‑lhe superior.

31      Em segundo lugar, a recorrente alega que a divulgação dos articulados apresentados pela Comissão nos tribunais comunitários de modo algum prejudicaria a protecção dos processos judiciais, uma vez que tal divulgação não origina o exercício de uma influência abusiva por parte do público nem causa prejuízo à serenidade dos debates perante os tribunais comunitários susceptível de interferir com o funcionamento da tramitação do processo judicial. De qualquer forma, uma fundamentação tão genérica como a da decisão impugnada não pode preencher os requisitos do prejuízo grave e concreto exigido pelo artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão, do Regulamento n.° 1049/2001.

32      A recorrente acrescenta que o interesse público relativo aos trabalhos dos órgãos jurisdicionais que tratam de importantes problemas de políticas públicas é salutar e natural em qualquer sistema baseado nas regras do Estado de Direito e que os próprios tribunais comunitários encorajaram e apoiaram esse fenómeno, tornando acessível ao grande público uma parte cada vez mais significativa das informações relativas aos processos pendentes através da sua página Internet e do seu serviço de imprensa. Por outro lado, as audiências são públicas e o relatório para audiência é acessível ao público a partir do dia da audiência.

33      Por conseguinte, é difícil compreender de que modo a divulgação dos articulados da Comissão poderia causar grave prejuízo à regular tramitação dos processos judiciais de que esses articulados fazem parte. Ao invés, a publicidade destes últimos tem um efeito positivo, uma vez que a completa informação do público demonstra a imparcialidade dos juízes comunitários, o que reforça a aceitação das suas decisões pelo mesmo público. A recorrente refere ainda que os tribunais de vários Estados, bem como o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, ao mesmo tempo que prevêem excepções ao princípio da transparência, por exemplo, para a protecção dos segredos comerciais e para o respeito da vida privada, facultam o acesso aos documentos relativos a processos judiciais, especialmente nos processos em que são partes organismos estatais. Nenhum desses tribunais considerou que o princípio da transparência poderia prejudicar a eficácia da tramitação dos processos judiciais e a boa administração da justiça.

34      Em terceiro lugar, a recorrente sustenta que a divulgação dos articulados apresentados pela Comissão nos tribunais comunitários é de interesse público, uma vez que permite a difusão do ponto de vista da Comissão sobre questões fundamentais de interpretação do Tratado e do direito comunitário derivado. Em matéria de direito da concorrência, por exemplo, essa difusão seria particularmente benéfica tendo em conta os pareceres que a Comissão poderia ser levada a dar aos tribunais nacionais sobre o fundamento do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de Dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO 2003, L 1, p. 1). A recorrente acrescenta que, apesar de as audiências nos tribunais comunitários serem públicas e de estar disponível no dia da audiência um resumo dos argumentos das partes, a imagem dos processos tratados é incompleta, o que impede os jornalistas de dar uma informação exacta e exaustiva. A única maneira de assegurar uma transparência adequada é a divulgação dos articulados apresentados pela Comissão.

35      Em quarto lugar, a recorrente alega que a Comissão não pode basear a sua recusa no estádio actual da jurisprudência na matéria, uma vez que os acórdãos Svenska Journalistförbundet/Conselho e Interporc II, já referidos no n.° 15 supra, fazem referência ao código de conduta de 1993, ao passo que o Regulamento n.° 1049/2001 é objecto de interpretação mais estrita. Por outro lado, o acórdão Svenska Journalistförbundet/Conselho, já referido no n.° 15 supra, debruçou‑se sobre um caso específico, uma vez que a associação em causa tinha difundido na Internet uma versão comentada da resposta do Conselho e convidado o público a enviar os seus próprios comentários directamente para os agentes do Conselho, cujos números de telefone e de fax eram fornecidos, ao passo que a API, que não é parte em nenhum dos processos em causa, não estava a planear agir assim. De igual modo, o acórdão Interporc II, já referido no n.° 15 supra, é irrelevante, uma vez que a afirmação do Tribunal, que consta do n.° 40 desse acórdão, segundo a qual a protecção do interesse público se opõe à divulgação do conteúdo de documentos redigidos pela Comissão unicamente para fins de um processo judicial particular constitui um simples obiter dictum, pois a questão colocada no processo no âmbito do qual foi proferido esse acórdão foi a de saber se o acesso a documentos redigidos no âmbito de um processo administrativo podia ser recusado pelo facto de estarem relacionados com um processo judicial particular. O Tribunal de Primeira Instância declarou ainda que a excepção em causa tinha por objectivo «garantir, por [um] lado, a protecção do trabalho interno da Comissão e, por outro, a confidencialidade e a salvaguarda do princípio do segredo profissional dos advogados» (acórdão Interporc II, já referido no n.° 15 supra, n.° 41).

36      Essa interpretação da excepção relativa aos processos judiciais não constitui um obstáculo ao acesso do público aos articulados da Comissão, já que esses articulados não são documentos supostamente internos e confidenciais sendo, ao invés, transmitidos aos tribunais e às partes contrárias nos processos em causa. A recorrente acrescenta, a este respeito, que a apreciação contida no n.° 40 do acórdão Interporc II, já referido no n.° 15 supra, foi posteriormente infirmada, tendo o Tribunal de Justiça decidido que, no acórdão de 19 de Março de 1998, van der Wal/Comissão (T‑83/96, Colect., p. II‑545, n.° 50), o Tribunal de Primeira Instância tinha cometido um erro de direito ao interpretar a referida excepção no sentido de que obrigava a Comissão a recusar o acesso aos documentos que tinha redigido apenas para efeitos de um processo judicial (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Janeiro de 2000, Países Baixos e van der Wal/Comissão, C‑174/98 P e C‑189/98 P, Colect., p. I‑1, n.° 30).

37      Por conseguinte, segundo a recorrente, a jurisprudência comunitária sobre a matéria não pode ser interpretada como pretende a Comissão e o artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão, do Regulamento n.° 1049/2001 não justifica uma exclusão geral dos articulados das instituições do princípio do livre acesso aos documentos comunitários.

38      Em segundo lugar, a recorrente contesta a decisão impugnada na medida em que a Comissão recusou divulgar determinados articulados baseando‑se na excepção relativa à protecção dos processos judiciais pelo facto de o processo a que diziam respeito ou um processo conexo ainda estarem pendentes.

39      A este respeito, a recorrente refere que uma limitação tão estrita da excepção em causa não pode justificar‑se, pois prejudicaria gravemente o princípio do livre acesso aos documentos precisamente nos casos em que, na falta de um acórdão ou de um relatório para audiência, o interesse público na divulgação dos articulados é maior. A recusa de facultar o acesso é ainda mais inexplicável quando os documentos cuja consulta é pedida dizem respeito a um processo cuja tramitação chegou já ao seu termo, como acontece no processo Airtours/Comissão, T‑342/99, mas está relacionado com outro ainda pendente. A Comissão não explicou, com efeito, de que modo a divulgação dos articulados relativos ao processo findo seria prejudicial ao processo pendente, quando a parte recorrente é a mesma em ambos os processos e tem já conhecimento, portanto, dos argumentos invocados pela Comissão nos seus articulados relativos ao primeiro processo.

40      A Comissão observa, a título preliminar, que, contrariamente às afirmações da recorrente, não recusou de modo «generalizado» a instrução do seu pedido nem a divulgação de uma categoria inteira de documentos. Admite que os seus actos processuais nos tribunais comunitários não estão, enquanto tal, isentos de divulgação, devendo as excepções ao princípio geral do acesso aos documentos ser objecto de interpretação estrita. Alega, no entanto, que, quando uma excepção é aplicável, deve ser respeitada, de modo que, nos casos em que a divulgação de um documento «porterait atteinte» («pudesse prejudicar» [prejudicasse]) a protecção dos processos judiciais ou dos inquéritos, não o deve divulgar. Acrescenta que a utilização do condicional («porterait») (imperfeito do conjuntivo: pudesse), que implica a existência de uma margem de apreciação, significa que pode vir a produzir‑se um efeito negativo e não que é absolutamente certo que tal efeito se produzirá.

41      Quanto à excepção relativa à protecção dos processos judiciais, a Comissão refere, em primeiro lugar, que cada sistema judicial nacional e internacional estabelece uma orientação própria quanto ao modo de tratar os actos processuais submetidos a um órgão jurisdicional. Como a própria recorrente referiu, os tribunais europeus garantem um nível de transparência muito elevado, uma vez que, para além do facto de cada processo ser objecto de uma comunicação no Jornal Oficial da União Europeia, que contém um resumo dos fundamentos e dos principais argumentos invocados nas acções ou nos recursos, a audiência é pública e os argumentos das partes são objecto de síntese e reproduzidos e analisados nas conclusões do advogado‑geral e no acórdão.

42      A Comissão considera que a protecção dos processos judiciais a obriga a levar em conta a orientação seguida a esse respeito por cada órgão jurisdicional. Ora, nem o Tribunal de Justiça nem o Tribunal de Primeira Instância publicam os actos processuais que lhes são apresentados e, no que a este último diz respeito, o acesso de terceiros aos autos é objecto de um controlo estrito, nos termos do artigo 5.°, n.° 3, terceiro parágrafo, das Instruções ao secretário do Tribunal de Primeira Instância, de 3 de Março de 1994 (JO 1994, L 78, p. 32), na redacção dada, em último lugar, em 5 de Junho de 2002 (JO 2002, L 160, p. 1), segundo o qual «os terceiros, quer de natureza privada quer pública, só podem ter acesso ao processo ou às peças processuais com autorização expressa do Presidente» e «[a] autorização só pode ser concedida com base em requerimento escrito, que deve conter uma demonstração pormenorizada do interesse legítimo do requerente na consulta do processo». Por outro lado, o Regulamento n.° 1049/2001 nada prevê sobre a forma como os órgãos jurisdicionais devem gerir os processos submetidos à sua apreciação. A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que não existe uma regra geral relativa à confidencialidade dos actos processuais ou quanto à questão de saber se as partes no processo podem comunicá‑los a terceiros, salientando ao mesmo tempo que devem tecer‑se considerações específicas nos casos «em que a divulgação de um documento possa prejudicar a boa administração da justiça» (despacho do Tribunal de Justiça de 3 de Abril de 2000, Alemanha/Parlamento e Conselho, C‑376/98, Colect., p. I‑2247, n.° 10).

43      O Tribunal de Primeira Instância confirmou e aplicou aos actos processuais o princípio geral da boa administração da justiça, nos termos do qual as partes têm o direito de defender os seus interesses independentemente de qualquer influência externa, designadamente por parte do público (acórdão Svenska Journalistförbundet/Conselho, já referido no n.° 15 supra, n.° 136). O facto de os processos pendentes terem notoriedade pública não deve ser confundido com o direito das partes de não exporem os seus argumentos escritos em público.

44      Segundo a Comissão, o interesse público não impõe a divulgação dos actos processuais na íntegra, o que poderia mesmo revelar‑se nefasto, uma vez que o diálogo escrito entre as partes poder‑se‑ia transformar num debate público por ocasião do qual poderiam ser exercidas pressões sobre os agentes encarregados de um processo e o mérito de determinados argumentos poderia ser exposto a outras pressões externas. A necessidade de proteger a serenidade dos debates é, portanto, superior à necessidade de os jornalistas estarem suficientemente preparados para a audiência. Uma divulgação sistemática poderia, além disso, criar um desequilíbrio entre as instituições e todas ou algumas das outras partes num processo, que não estão obrigadas a facultar o acesso aos seus articulados nas mesmas condições que as aplicáveis às instituições.

45      A Comissão refere, em segundo lugar, que, quando lhe é submetido um pedido de acesso na acepção do Regulamento n.° 1049/2001, verifica primeiro se o processo a que o documento é relativo está na fase da audiência e, em seguida, se, tendo em conta as considerações precedentes, a protecção dos processos judiciais exige que seja recusado o acesso a esse documento. Foi assim que recusou divulgar os seus articulados nos processos General Electric/Comissão, T‑210/01, e Honeywell/Comissão, T‑209/01, que estavam pendentes no Tribunal de Primeira Instância.

46      Podem também existir motivos que imponham que seja recusado o acesso a um documento depois da audiência ou da prolação do acórdão, quando se verifica que é necessário proteger a formulação de uma argumentação escrita idêntica à que consta de um processo conexo ainda pendente. A recusa de facultar o acesso aos articulados relativos ao processo Airtours/Comissão, T‑342/99, processo já findo através da prolação do acórdão pelo Tribunal de Primeira Instância, baseia‑se nesse motivo, uma vez que a mesma recorrente, a seguir, intentou uma acção de indemnização (processo MyTravel/Comissão, T‑212/03), que ainda está pendente. A relação entre os dois processos reside no facto de alguns dos argumentos invocados no âmbito do recurso de anulação poderem também ser debatidos no âmbito da acção de indemnização.

47      No que diz respeito à ponderação dos interesses em causa, a Comissão alega que a existência de um interesse público superior que justifique a divulgação dos documentos cuja consulta foi pedida nunca se pode presumir, seja para que categoria de documentos for, devendo antes ser sempre demonstrada tendo em conta os outros interesses presentes em cada caso concreto. O interesse público superior, conceito que não foi definido pelo Regulamento n.° 1049/2001, só pode ser levado em consideração quando estiver demonstrado que é aplicável uma das excepções.

48      Por outro lado, se a excepção do interesse público superior, que é uma excepção a uma excepção, fosse sistematicamente aplicada para justificar a divulgação dos articulados em qualquer fase do processo, a excepção relativa aos processos judiciais não teria qualquer efeito útil. A ponderação dos interesses em causa também deve levar em conta o facto de as informações relativas a um processo já serem comunicadas ao público, primeiro na fase em que é apresentada a petição inicial (publicação no Jornal Oficial dos principais fundamentos e argumentos da parte recorrente) e depois através do relatório para audiência. No que diz respeito aos documentos cuja consulta foi pedida pela recorrente no presente processo, a Comissão considerou que a melhor maneira de prosseguir o interesse público era através da preservação da regular tramitação dos processos judiciais em causa.

49      O facto de a recorrente não ser parte em nenhum dos processos a que os documentos cuja divulgação foi pedida são relativos e de nem ela nem os seus membros terem intenção de exercer pressões sobre a Comissão em nada anula a relevância do acórdão Svenska Journalistförbundet/Conselho, já referido no n.° 15 supra. No n.° 138 do referido acórdão, o Tribunal de Primeira Instância, com efeito, considerou ilegítimo o objectivo da divulgação dos actos processuais nesse processo. A Comissão acrescenta que, dado que a divulgação de um documento confirma que o mesmo pode ser livremente difundido, o compromisso de não exercer pressões assumido pela recorrente não garante que outros elementos do público terão o mesmo comportamento.

50      Além disso, a Comissão salienta que, no acórdão Interporc II, já referido no n.° 15 supra (n.os 40 e 41), o Tribunal de Primeira Instância esclareceu que a categoria de documentos a que a excepção relativa aos processos judiciais se aplica diz respeito a todos os documentos redigidos pela Comissão apenas para efeitos de um processo judicial particular. O acórdão Interporc II, já referido no n.° 15 supra, definiu, por conseguinte, o âmbito de aplicação da excepção relativa aos processos judiciais, sem todavia subtrair esses documentos, enquanto categoria, ao direito de acesso público, e o acórdão Países Baixos e van der Wal/Comissão, já referido no n.° 36 supra (n.os 27 a 30), confirmou que não existe uma exclusão generalizada desses documentos que imponha à Comissão que os não divulgue. O acórdão Interporc II continua, portanto, a ser relevante do ponto de vista jurídico e foi seguido no caso em apreço já que, longe de impor uma recusa generalizada, a Comissão procedeu a uma análise caso a caso de cada documento.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

–       Observações preliminares

51      Há que recordar, em primeiro lugar, que o artigo 1.° do Regulamento n.° 1049/2001, nomeadamente quando interpretado à luz do seu considerando 4, se destina a conferir o mais amplo efeito possível ao direito de acesso do público aos documentos na posse das instituições (acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de Fevereiro de 2007, Sison/Conselho, C‑266/05 P, Colect., p. I‑0000, n.° 61).

52      Todavia, resulta também do referido regulamento, nomeadamente do seu considerando 11, do seu artigo 1.°, alínea a), e do seu artigo 4.°, que prevê um regime de excepções na matéria, que não é por isso que o direito de acesso aos documentos não está sujeito a determinados limites baseados em razões de interesse público ou privado (acórdão Sison/Conselho, já referido no n.° 51 supra, n.° 62).

53      Na medida em que estabelecem derrogações ao princípio do acesso mais amplo possível do público aos documentos, estas excepções devem ser interpretadas e aplicadas de forma estrita (acórdão Sison/Conselho, já referido no n.° 51 supra, n.° 63; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Julho de 2006, Franchet e Byk/Comissão, T‑391/03 e T‑70/94, Colect., p. II‑2023, n.° 84; v., igualmente, por analogia, relativamente ao código de conduta de 1993, acórdãos do Tribunal de Justiça Países Baixos e van der Wal/Comissão, já referido no n.° 36 supra, n.° 27, e de 6 de Dezembro de 2001, Conselho/Hautala, C‑353/99 P, Colect., p. I‑9565, n.° 25; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Outubro de 1999, Bavarian Lager/Comissão, T‑309/97, Colect., p. II‑3217, n.° 39, e Petrie e o./Comissão, já referido no n.° 17 supra, n.° 66).

54      Há igualmente que recordar que, segundo jurisprudência assente, a análise de um pedido de acesso a documentos deve ser concreta. Com efeito, por um lado, a simples circunstância de um documento respeitar a um interesse protegido por uma excepção não basta para justificar a aplicação desta última (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 26 de Abril de 2005, Sison/Conselho, T‑110/03, T‑150/03 e T‑405/03, Colect., p. II‑1429, n.° 75, e Franchet e Byk/Comissão, já referido no n.° 53 supra, n.° 105). Semelhante aplicação só pode, em princípio, ser justificada na hipótese da instituição ter previamente apreciado, em primeiro lugar, se o acesso ao documento é concreta e efectivamente susceptível de prejudicar um interesse protegido e, em segundo lugar e nas hipóteses referidas no artigo 4.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 1049/2001, se existe um interesse público superior que justifique a divulgação do documento em causa. Por outro lado, o risco de ser prejudicado um interesse protegido deve ser razoavelmente previsível e não puramente hipotético. Por conseguinte, o exame a que deve proceder a instituição a fim de aplicar uma excepção deve ser efectuado de forma concreta e deve resultar dos fundamentos da decisão (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Abril de 2005, Verein für Konsumenteninformation/Comissão, T‑2/03, Colect., p. II‑1121, a seguir «acórdão VKI», n.° 69, e Franchet e Byk/Comissão, já referido no n.° 53 supra, n.° 115).

55      Este exame concreto deve, por outro lado, ser realizado para cada documento a que se refere o pedido. Com efeito, decorre do Regulamento n.° 1049/2001 que todas as excepções mencionadas nos n.os 1 a 3 do seu artigo 4.° são enunciadas no sentido de que devem ser aplicadas «a um documento» (acórdãos VKI, já referido no n.° 54 supra, n.° 70, e Franchet e Byk/Comissão, já referido no n.° 53 supra, n.° 116). Acresce que, no que diz respeito à aplicação ratione temporis dessas mesmas excepções, o artigo 4.°, n.° 7, do referido regulamento dispõe que só são aplicáveis durante o período em que a protecção se justifique com base no «conteúdo do documento».

56      Por conseguinte, um exame concreto e individual é em todo o caso necessário pois que, mesmo na hipótese de ser claro que um pedido de acesso se refere a documentos cobertos por uma excepção, apenas este exame pode permitir à instituição apreciar a possibilidade de conceder um acesso parcial ao requerente, em conformidade com o artigo 4.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1049/2001 (acórdãos VKI, já referido no n.° 54 supra, n.° 73, e Franchet e Byk/Comissão, já referido no n.° 53 supra, n.° 117). No âmbito de aplicação do referido regulamento, o Tribunal de Primeira Instância, aliás, já considerou, em princípio, insuficiente uma apreciação de documentos efectuada por categorias e não com base nos elementos de informação concretos que comportavam estes documentos, devendo o exame que se exige a uma instituição permitir‑lhe apreciar concretamente se uma excepção invocada se aplica realmente ao conjunto das informações constantes nos referidos documentos (acórdão VKI, já referido no n.° 54 supra, n.os 74 e 76; quanto à aplicação do código de conduta de 1993, v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Outubro de 2000, JT’s Corporation/Comissão, T‑123/99, Colect., p. II‑3269, n.os 46 a 48).

57      A obrigação das instituições de procederem a uma apreciação concreta e individual do conteúdo dos documentos a que se refere o pedido de acesso é uma solução de princípio (acórdão VKI, já referido no n.° 54 supra, n.os 74 e 75), que se aplica a todas as excepções mencionadas nos n.os 1 a 3 do artigo 4.° do Regulamento n.° 1049/2001, independentemente do domínio a que pertençam os documentos solicitados. Uma vez que o referido regulamento não contém qualquer disposição específica sobre a excepção relativa à protecção dos processos judiciais, a referida solução de princípio é igualmente aplicável à excepção em causa.

58      Esta solução de princípio não significa, contudo, que se exija semelhante exame em todas as circunstâncias. Com efeito, tendo o exame concreto e individual a que a instituição deve em princípio proceder em resposta a um pedido de acesso formulado com base no Regulamento n.° 1049/2001 por objectivo permitir à instituição em causa, por um lado, apreciar em que medida uma excepção ao direito de acesso é aplicável e, por outro, apreciar a possibilidade de um acesso parcial, o referido exame pode não ser necessário quando, em razão das circunstâncias específicas do caso concreto, seja manifesto que o acesso deve ser recusado ou, pelo contrário, concedido. Poderá ser esse o caso, designadamente, se determinados documentos estiverem, desde logo, manifestamente cobertos na sua integralidade por uma excepção ao direito de acesso ou, pelo contrário, forem manifestamente acessíveis na sua totalidade, ou, por último, tiverem sido já objecto de uma apreciação concreta e individual por parte da instituição em circunstâncias similares (acórdão VKI, já referido no n.° 54 supra, n.° 75).

59      Em segundo lugar, quanto à excepção relativa à protecção dos processos judiciais, há que recordar, antes de mais, que resulta da ampla definição do conceito de documento, como enunciada no artigo 3.°, alínea a), do Regulamento n.° 1049/2001, bem como da formulação e da própria existência de uma excepção relativa à protecção dos processos judiciais, que o legislador comunitário não pretendeu excluir a actividade contenciosa das instituições do direito de acesso dos cidadãos, mas que previu, a este respeito, a possibilidade de elas recusarem divulgar os documentos relativos a um processo judicial nos casos em que essa divulgação prejudique o processo a que se referem esses documentos.

60      Em seguida, o Tribunal de Primeira Instância já declarou que o conceito de «processos judiciais», que foi interpretado, no âmbito do código de conduta de 1993, no sentido de que abrange os articulados ou requerimentos apresentados, os documentos internos respeitantes à instrução do processo em curso e as comunicações relativas ao processo entre a direcção‑geral em causa e o serviço jurídico ou um gabinete de advogados (acórdão Interporc II, já referido no n.° 15 supra, n.° 41), é também pertinente no âmbito do Regulamento n.° 1049/2001 (v. acórdão Franchet e Byk/Comissão, já referido no n.° 53 supra, n.° 90). Os articulados apresentados pela Comissão no tribunal comunitário são, portanto, abrangidos pelo âmbito de aplicação da excepção relativa à protecção dos processos judiciais, no sentido de que estão relacionados com um interesse protegido.

61      Em terceiro lugar, a circunstância de o âmbito de aplicação da referida excepção abranger todos os documentos redigidos apenas para efeitos de um processo judicial particular (acórdãos Interporc II, já referido no n.° 15 supra, n.° 40, e Franchet e Byk/Comissão, já referido no n.° 53 supra, n.os 88 e 89), nomeadamente os articulados apresentados pelas instituições, não justifica, por si só, a aplicação da excepção invocada. Com efeito, como o Tribunal de Justiça já declarou, quanto à aplicação do código de conduta de 1993, a excepção relativa à protecção do interesse público no âmbito de um processo judicial não pode ser interpretada no sentido de que obriga a Comissão a recusar o acesso a todos os documentos que redigiu apenas para efeitos desse processo (acórdão Países Baixos e van der Wal/Comissão, já referido no n.° 36 supra, n.° 30).

62      Esta interpretação impõe‑se necessariamente no âmbito do Regulamento n.° 1049/2001, tanto mais que a excepção relativa à protecção dos processos judiciais, como se encontra prevista no artigo 4.°, n.° 2, segundo travessão, do referido regulamento, é formulada de modo mais estrito em comparação com a formulação que consta do código de conduta de 1993. Com efeito, por um lado, a recusa de facultar o acesso só se justifica, no âmbito do Regulamento n.° 1049/2001, nos casos em que a divulgação do documento em questão «porterait atteinte» («pudesse prejudicar» [prejudicasse]) o interesse em causa e já não, como estava previsto no âmbito do código de conduta de 1993, no caso em que a referida divulgação «pourrait porter atteinte» («possa prejudicar» [pudesse prejudicar]) esse interesse. Isto implica que a instituição em causa está obrigada a apreciar, relativamente a cada documento solicitado, se, à luz das informações de que dispõe, a sua divulgação é efectivamente susceptível de prejudicar um dos aspectos do interesse público protegido pelo regime das excepções (quanto à aplicação do código de conduta de 1993, v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Fevereiro de 1998, Interporc/Comissão, T‑124/96, Colect., p. II‑231, n.° 52, e JT’s Corporation/Comissão, já referido no n.° 56 supra, n.° 64). Por outro lado, o Regulamento n.° 1049/2001, mesmo no caso de a divulgação do documento cuja consulta foi pedida causar prejuízo à protecção do processo judicial em causa, dispõe que o acesso seja facultado se um interesse público superior o justificar, o que não estava previsto no âmbito do código de conduta de 1993.

63      Em quarto lugar, há que esclarecer que a excepção ao princípio geral do acesso aos documentos relativa à protecção dos processos judiciais se destina, nomeadamente, a garantir o respeito do direito de qualquer pessoa a ser ouvida no âmbito de um processo equitativo por um tribunal independente, que é um direito fundamental previsto no artigo 6.° da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (a seguir «CEDH») e que faz parte integrante dos princípios gerais de direito comunitário, cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça, inspirando‑se nas tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros e nas indicações fornecidas, nomeadamente, pela CEDH (acórdãos do Tribunal de Justiça de 2 de Maio de 2006, Eurofood IFSC, C‑341/04, Colect., p. I‑3813, n.° 65, e de 25 de Janeiro de 2007, Salzgitter Mannesmann/Comissão, C‑411/04 P, Colect., p. I‑0000, n.os 40 e 41), bem como a garantir o funcionamento da justiça. Esta excepção abrange, portanto, não só os interesses das partes no âmbito do processo judicial mas também, mais genericamente, a regular tramitação deste último.

64      Consequentemente, compete ao Tribunal de Primeira Instância, à luz dos princípios decorrentes dos n.os 51 a 63 do presente acórdão, verificar se, no caso em apreço, a Comissão não cometeu um erro ao considerar que a recusa de divulgar os articulados por si apresentados no âmbito dos processos Honeywell/Comissão, T‑209/01, General Electric/Comissão, T‑210/01, Comissão/Áustria, C‑203/03, e Airtours/Comissão, T‑342/99, estava abrangida pela excepção relativa à protecção dos processos judiciais.

–       Quanto à recusa de facultar o acesso aos articulados relativos aos processos T‑209/01, T‑210/01 e C‑203/03

65      Em primeiro lugar, há que verificar, no que diz respeito aos documentos especificamente identificados no pedido de acesso, se a Comissão procedeu a uma análise concreta do conteúdo de cada um deles, o que a recorrente contesta, fazendo menção ao carácter genérico da justificação invocada para recusar o acesso.

66      Não se pode deixar de referir que não resulta dos fundamentos da decisão impugnada que a Comissão tenha procedido a essa análise. Com efeito, esta não fez referência, na decisão, nem ao conteúdo dos articulados em causa nem ao objecto específico de cada um dos processos a que eram relativos para demonstrar a existência de uma necessidade de protecção real. Limitou‑se a afirmar, de modo geral, que a recusa de facultar o acesso aos articulados relativos aos processos em curso em que era parte estava abrangida pela excepção relativa à protecção dos processos judiciais, na medida em que a divulgação dos referidos articulados prejudicaria a sua posição enquanto parte, expondo‑a ao risco de sofrer pressões externas. Tal justificação pode igualmente aplicar‑se a todos os articulados da Comissão relativos a processos pendentes em que é parte.

67      Deve observar‑se, a este respeito, que o carácter genérico da fundamentação em que se baseia uma recusa de facultar o acesso assim como a sua brevidade ou o seu carácter estereotipado só constituem um indício de que não foi levada a cabo uma análise concreta nos casos em que é objectivamente possível indicar as razões que justificam a recusa de acesso a cada documento sem divulgar o conteúdo desse documento ou um seu elemento essencial e, portanto, privar a excepção da sua finalidade essencial (v., neste sentido, acórdão de 26 de Abril de 2005, Sison/Conselho, já referido no n.° 54 supra, n.° 84; v., por analogia, quanto ao código de conduta de 1993, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Março de 1997, WWF UK/Comissão, T‑105/95, Colect., p. II‑313, n.° 65). Como o Tribunal de Justiça esclareceu, a necessidade de as instituições não revelarem elementos susceptíveis de, indirectamente, prejudicar os interesses que as referidas excepções têm especificamente por objectivo proteger é sublinhada, nomeadamente, pelos artigos 9.°, n.° 4, e 11.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1049/2001 (acórdão de 1 de Fevereiro de 2007, Sison/Conselho, já referido no n.° 51 supra, n.° 83).

68      No caso vertente, todavia, o facto de não ter sido feita uma análise concreta resulta das razões que a Comissão invocou para justificar a recusa de facultar o acesso, que são completamente alheias ao conteúdo dos articulados cuja consulta foi pedida. A alegada exigência de seguir as orientações dos tribunais comunitários no que diz respeito ao acesso de terceiros às peças processuais assim como a necessidade de assegurar a serenidade dos debates e de evitar qualquer pressão sobre os seus agentes, que, na decisão impugnada, não foi relacionada com a natureza das informações em causa e/ou com o eventual carácter sensível do litígio, demonstram, com efeito, que, segundo a Comissão, não era necessária uma apreciação concreta do conteúdo de cada um dos articulados cuja consulta foi pedida para a apreciação do pedido de acesso apresentado pela recorrente.

69      Esta conclusão não é infirmada pela afirmação da Comissão, contida na decisão impugnada, segundo a qual o facto de ter facultado o acesso às observações apresentadas no âmbito do processo prejudicial Köbler, C‑224/01, ainda pendente no Tribunal de Justiça, demonstra que o pedido da API foi analisado documento a documento. Com efeito, esse facto indica simplesmente que a Comissão fez uma distinção em função da natureza dos processos e a fase em que se encontrava cada um deles. Foi baseando‑se nessa distinção que facultou o acesso às observações que tinha apresentado no âmbito do processo prejudicial findo com o acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, Colect., p. I‑7747), bem como àquelas apresentadas no âmbito do processo Köbler (C‑224/01), ainda pendente no Tribunal de Justiça, mas cuja fase oral já tinha terminado, e recusou esse acesso aos articulados apresentados no âmbito dos recursos directos ainda pendentes no tribunal comunitário.

70      Por outro lado, em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal de Primeira Instância na audiência, a Comissão referiu que, quando adopta uma decisão sobre um pedido de acesso aos articulados apresentados no âmbito de processos pendentes, a data da audiência é um elemento determinante, no sentido de que considera que deve ser dispensado um tratamento confidencial a essas peças, como protecção mínima, pelo menos até à data dos debates perante o juiz. Só depois da data da audiência existe, segundo afirma, uma presunção de acesso e só aí procede, no que diz respeito aos processos prejudiciais, a uma análise caso a caso, levando em conta as informações contidas nos documentos cuja consulta foi pedida e o carácter sensível do litígio. Em contrapartida, relativamente aos recursos directos, considera que a recusa em facultar o acesso se impõe até que seja proferido o acórdão definitivo e, no caso de processos conexos pendentes, até ao termo do processo conexo em causa.

71      Resulta das considerações precedentes não só que a Comissão não procedeu a uma análise concreta de cada um dos documentos cuja consulta foi pedida mas também que considerou que todos os articulados apresentados nos processos em que era parte e que estavam pendentes deviam ser automática e integralmente considerados abrangidos pela excepção relativa à protecção dos processos judiciais, sem que fosse necessária essa análise.

72      Em segundo lugar, há que analisar se, devido a circunstâncias específicas do caso em apreço, a Comissão podia dispensar‑se de proceder a um exame concreto do conteúdo dos articulados relativos aos processos Honeywell/Comissão, T‑209/01, General Electric/Comissão, T‑210/01, e Comissão/Áustria, C‑203/03. Para esse efeito, antes de mais, há que verificar se os documentos em causa faziam todos parte de uma mesma categoria, de modo a que a mesma justificação possa ser‑lhes aplicada. Em seguida, em caso de resposta afirmativa, há que verificar se a excepção relativa à protecção dos processos judiciais, tal como foi aplicada no caso em apreço pela Comissão, abrange manifesta e integralmente os documentos dessa categoria, no sentido de que a necessidade de protecção invocada era real (v., neste sentido, acórdão VKI, já referido no n.° 54 supra, n.os 83 e 84).

73      Em princípio, é devido à natureza das informações contidas nos documentos em causa que a sua divulgação pode prejudicar um interesse protegido, no caso em apreço a protecção dos processos judiciais. Uma apreciação por categoria pressupõe, assim, para que se possam determinar as consequências prováveis do acto de divulgação nos processos judiciais, que os documentos que fazem parte da categoria identificada contenham o mesmo tipo de informação. Com efeito, o facto de não ser feita uma análise concreta só se pode justificar nos casos em que é manifesto que a excepção invocada se aplica realmente a todas as informações contidas nos documentos cuja consulta foi pedida (acórdão VKI, já referido no n.° 54 supra, n.° 75).

74      Todavia, tendo em conta a natureza específica dos interesses que a excepção em causa se destina a proteger, como resulta das observações acima formuladas no n.° 63, e o facto de os documentos cuja consulta foi pedida serem os articulados de uma das partes no processo, não se pode excluir que a não divulgação se possa justificar durante um determinado período por razões independentes do conteúdo de cada documento, desde que essas mesmas razões justifiquem a necessidade de proteger todos os documentos em causa.

75      No presente processo, há que referir, por um lado, que os articulados cuja consulta foi pedida foram redigidos pela Comissão na qualidade de parte em três recursos directos ainda pendentes na data em que foi adoptada a decisão impugnada. Por esta razão, cada um dos articulados relativos aos três processos em causa pode ser considerado compreendido na mesma categoria, de modo que uma única e mesma justificação era suficiente para fundamentar a recusa de facultar o acesso.

76      Por outro lado, a Comissão baseou essencialmente a recusa de facultar o acesso aos articulados apresentados no âmbito dos processos Honeywell/Comissão, T‑209/01, General Electric/Comissão, T‑210/01, e Comissão/Áustria, C‑203/03, na necessidade de salvaguardar a sua posição enquanto parte, independentemente de agir na qualidade de recorrente ou demandante ou de recorrida ou demandada, alegando que a sua divulgação seria susceptível de criar um desequilíbrio entre ela e as outras partes no processo, prejudicaria a serenidade dos debates e contrariaria a orientação seguida a este respeito pelos tribunais comunitários. Consequentemente, há que verificar se esses fundamentos justificam que se considere que os referidos articulados estavam manifesta e integralmente abrangidos pela excepção relativa à protecção dos processos judiciais.

77      Para esse efeito, há que analisar a relevância do facto de a decisão impugnada ter sido adoptada numa data em que os articulados em causa ainda não tinham sido discutidos perante o juiz, recordando‑se que, segundo a Comissão, a data da audiência é um elemento determinante para a decisão a adoptar quanto ao acesso aos articulados cuja consulta foi pedida, na medida em que a recusa de facultar o acesso antes dessa data é indispensável para evitar que os seus agentes sejam sujeitos a pressões externas, nomeadamente por parte do público.

78      Sobre este ponto, há que admitir que a divulgação dos seus articulados antes da audiência poderia colocar a Comissão na situação de ter de fazer face às críticas e objecções que poderiam ser feitas aos argumentos por si esgrimidos nos referidos articulados pelos meios especializados e pela imprensa e a opinião pública em geral. Para além das eventuais pressões sobre os seus agentes, essas críticas e objecções poderiam nomeadamente ter o efeito de impor uma tarefa adicional a essa instituição, uma vez que poderia sentir‑se constrangida a levá‑las em conta na defesa da sua posição perante o juiz, quando as partes no processo que não têm a obrigação de divulgar os seus articulados podem defender os seus interesses independentemente de qualquer influência externa.

79      A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância recorda que o princípio da igualdade das armas, que é um dos elementos do conceito mais amplo de processo equitativo, implica a obrigação de facultar a cada uma das partes uma possibilidade razoável de que a sua causa seja examinada em condições que não a coloquem numa situação de clara desvantagem em relação ao seu adversário (v. TEDH, acórdãos Dombo Beheer BV de 27 de Outubro de 1993, série A, n.° 274, § 33; Ernst e o. c. Bélgica de 15 de Julho de 2003, § 60, e Vezon c. França de 18 de Abril de 2006, § 31). No entanto, embora o facto de divulgar os seus próprios articulados não seja susceptível, por si só, de colocar a instituição em causa numa situação de clara desvantagem na apresentação da sua causa perante o juiz, não é menos certo que a garantia de uma troca de informações e de opiniões livre de qualquer influência externa pode exigir, em nome do funcionamento da justiça, que os articulados das instituições sejam subtraídos ao acesso do público enquanto os argumentos neles contidos não tiverem sido objecto de um debate perante o juiz.

80      Por outro lado, como o Tribunal de Primeira Instância declarou no acórdão Svenska Journalistförbundet/Conselho, já referido no n.° 15 supra (n.os 136 a 138), as partes têm o direito de defender os seus interesses independentemente de qualquer influência externa, designadamente por parte do público. Tal consideração, embora tenha sido tecida pelo Tribunal de Primeira Instância para julgar a utilização abusiva que uma parte tinha feito da resposta da outra parte no processo, deve, no entanto, ser compreendida no sentido de que, até à audiência, o processo deve ser protegido de qualquer influência externa.

81      Com efeito, à semelhança das outras partes no processo, a Comissão deve poder apresentar e discutir a sua posição ao abrigo de toda a influência externa, tanto mais quanto a posição que defende se destina, em princípio, a garantir a correcta aplicação do direito comunitário. A realização desse objectivo, devido à natureza dos interesses acima recordados no n.° 63, que a excepção em causa tem por objectivo proteger, exige que os seus articulados não sejam divulgados antes que ela tenha tido a possibilidade de os discutir perante o juiz na audiência pública e que tenha, consequentemente, o direito de os subtrair ao acesso do público, por causa das eventuais pressões sobre os seus agentes a que poderia dar lugar um debate público despoletado pela sua divulgação, não sendo necessário, para esse efeito, que proceda a uma apreciação concreta do seu conteúdo.

82      Assim, há que concluir que, uma vez que o processo a que são relativos os articulados cuja consulta foi pedida não chegou ainda à fase da audiência, deve considerar‑se que a recusa de divulgar esses articulados abrange a totalidade dos elementos de informação neles contidos. Em contrapartida, depois da audiência, a Comissão tem a obrigação de proceder a uma apreciação concreta de cada um dos documentos cuja consulta foi pedida para verificar, tendo em conta o seu conteúdo específico, se podem ser divulgados ou se a sua divulgação prejudicaria o processo judicial a que dizem respeito.

83      Os argumentos das partes a este respeito não são susceptíveis de infirmar estas conclusões.

84      Em primeiro lugar, a conclusão segundo a qual os articulados devem ser excluídos de modo geral e automático do direito de acesso até à data da audiência não pode ser posta em causa pela circunstância invocada pela recorrente nos seus articulados de a divulgação das peças processuais ser admitida em vários Estados‑Membros e estar também prevista no artigo 40.°, n.° 2, da CEDH, que dispõe que «[o]s documentos depositados na Secretaria ficarão acessíveis ao público, salvo decisão em contrário do presidente do Tribunal». O alcance desta disposição é especificado no artigo 33.° do Regulamento de Processo do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que prevê, no seu n.° 2, a possibilidade de recusar o acesso a um documento por razões relacionadas com determinados interesses públicos ou privados claramente identificados ou, «na medida em que o presidente da secção o considere estritamente necessário, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade seria susceptível de prejudicar os interesses da justiça».

85      A este respeito, basta referir que, ao contrário do que sucede com essas disposições, as normas processuais dos tribunais comunitários não prevêem um direito de acesso de terceiros às peças processuais apresentadas na Secretaria pelas partes.

86      Em segundo lugar, a conclusão segundo a qual é necessário proceder a uma apreciação concreta do conteúdo dos articulados cuja consulta foi pedida quando forem relativos a um processo em que a audiência já tenha tido lugar não pode ser posta em causa pelo facto de a Comissão, como alega, estar obrigada a seguir a orientação do órgão jurisdicional perante o qual o processo está pendente, de modo que estaria obrigada, nos processos pendentes em que é parte, a recusar o acesso aos articulados cuja consulta foi pedida até à prolação do acórdão definitivo.

87      É verdade que os articulados das partes são, em princípio, confidenciais no que diz respeito ao seu processamento pelo juiz comunitário. Com efeito, o artigo 20.°, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça (a seguir «Estatuto»), também aplicável ao Tribunal de Primeira Instância por força do disposto no seu artigo 53.°, apenas exige que sejam comunicados às partes e às instituições das Comunidades cujas decisões estejam em causa. Além disso, o artigo 16.°, n.° 5, segundo parágrafo, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça assim como o artigo 24.°, n.° 5, segundo parágrafo, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância prevêem a possibilidade de obter cópias dos actos processuais apenas pelas partes na instância e o artigo 5.°, n.° 3, terceiro parágrafo, das instruções ao secretário do Tribunal de Primeira Instância sujeita o acesso de terceiros às peças processuais à existência de um interesse legítimo que tem de ser devidamente justificado.

88      Todavia, essas disposições não impedem as partes de divulgar os seus próprios articulados, tendo o Tribunal de Justiça afirmado que nenhuma regra ou disposição autoriza ou impede as partes num processo de divulgar os seus próprios articulados a terceiros e que, salvo casos excepcionais em que a divulgação de um documento poderia prejudicar a boa administração da justiça, o que não acontecia no processo em causa, o princípio é o de que as partes são livres de divulgar os seus próprios articulados (despacho Alemanha/Parlamento e Conselho, já referido no n.° 42 supra, n.° 10). Esta afirmação do Tribunal de Justiça, para além de excluir a existência de um princípio absoluto da confidencialidade, tem igualmente por consequência o facto de a divulgação de articulados relativos a processos pendentes não prejudicar necessariamente o princípio da boa administração da justiça.

89      Essas disposições também não impõem às instituições que sigam, no que diz respeito à aplicação das normas relativas ao acesso aos documentos, a orientação do órgão jurisdicional perante o qual está pendente o processo a que são relativos os articulados cuja divulgação é pedida, tendo o Tribunal de Justiça já declarado, por aplicação do código de conduta de 1993, que não se pode deduzir do direito de qualquer pessoa a ser ouvida no âmbito de um processo equitativo por um tribunal independente que o órgão jurisdicional ao qual é submetido um litígio é necessariamente o único habilitado a facultar o acesso às peças do processo judicial em causa, tanto mais que o risco de atentar contra a independência dos juízes foi suficientemente tomado em consideração pelo referido código e pela protecção judicial a nível comunitário em relação aos actos da Comissão que autorizem o acesso a documentos na sua posse (acórdão Países Baixos e van der Wal/Comissão, já referido no n.° 36 supra, n.os 17 e 19). Por conseguinte, não se pode admitir, na falta de disposições específicas nesse sentido, que o âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1049/2001 possa ser restringido pelo facto de as disposições dos Regulamentos de Processo acima mencionados no n.° 87 não regularem o acesso dos terceiros e de serem aplicáveis enquanto lex specialis (quanto à aplicação do código de conduta de 1993, v., neste sentido, acórdão Interporc II, já referido no n.° 15 supra, n.os 37, 44 e 46).

90      Por último, há que salientar que as únicas disposições processuais que impõem às partes uma proibição de divulgação são as do artigo 56.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça e do artigo 57.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, que dispõem que os debates em audiência à porta fechada não podem ser publicados. Com efeito, nos termos do artigo 31.° do Estatuto, a audiência é pública, salvo se o Tribunal, oficiosamente ou a pedido das partes, por motivos graves, decidir em contrário. Esta disposição sobre a publicidade dos debates é resultado da aplicação de um princípio fundamental consagrado no artigo 6.°, n.° 1, da CEDH. Ora, de acordo com jurisprudência firmada do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (v. TEDH, acórdãos Sutter de 22 de Fevereiro de 1984, série A, n.° 74, § 26; Diennet de 26 de Setembro de 1995, série A, n.° 325‑A, § 33; e Exel c. República Checa de 5 de Julho de 2005, § 45):

«A referida publicidade protege os particulares de uma justiça secreta, que escape ao controlo do público; é também uma das formas de contribuir para preservar a confiança nos tribunais. Através da transparência que dá à administração da justiça, ajuda a atingir o objectivo do artigo 6.°, n.° 1: o processo equitativo, cuja garantia faz parte dos princípios de qualquer sociedade democrática na acepção da Convenção.»

91      Ao prever que é a título excepcional que o juiz decide que a audiência será à porta fechada, o artigo 31.° do Estatuto confirma que, por um lado, a divulgação dos articulados que foram discutidos publicamente na audiência e que também foram objecto de um resumo que fica acessível ao público nessa mesma ocasião, em princípio, não prejudicará a regular tramitação do processo em causa. Por outro lado, uma eventual necessidade de confidencialidade, absoluta ou parcial, só pode ser objecto de uma decisão do juiz antes da audiência, de modo que o facto de a instituição em causa só facultar o acesso a partir da data da audiência salvaguarda o efeito útil de uma eventual decisão do juiz, oficiosa ou a requerimento de uma parte, no sentido de a audiência decorrer à porta fechada.

92      Resulta das considerações precedentes que a Comissão não cometeu qualquer erro de direito por não ter procedido à análise concreta dos articulados relativos aos processos Honeywell/Comissão, T‑209/01, General Electric/Comissão, T‑210/01, e Comissão/Áustria, C‑203/03, e que não cometeu um erro de apreciação ao considerar que existia um interesse público na protecção dos referidos articulados.

93      Nos termos do artigo 4.°, n.° 2, in fine, do Regulamento n.° 1049/2001, o acesso aos articulados pedidos pela recorrente devia, porém, ser facultado, mesmo que a sua divulgação fosse efectivamente susceptível de prejudicar a protecção dos processos judiciais em causa, se um interesse público superior justificasse a sua divulgação.

94      Há que esclarecer que o Regulamento n.° 1049/2001 não define o conceito de interesse público superior. Há que esclarecer igualmente que, relativamente aos interesses protegidos pela excepção em causa e contrariamente aos interesses protegidos pelas excepções previstas no artigo 4.°, n.° 1, do referido regulamento, relativamente aos quais foi o próprio legislador que procedeu a uma ponderação de interesses, incumbe à instituição em causa efectuar a ponderação do interesse público ligado à divulgação com o interesse que seria satisfeito com a recusa de divulgar, à luz, sendo caso disso, dos argumentos invocados pelo requerente a este respeito.

95      No caso em apreço, a recorrente limitou‑se a alegar que o direito do público a ser informado sobre importantes questões de direito comunitário, como as questões em matéria de concorrência, bem como sobre questões que se revestem de um interesse político efectivo, como é o caso das questões levantadas pelas acções por incumprimento, prevalece sobre a protecção dos processos judiciais. A Comissão, por sua vez, sustentou que o artigo 4.°, n.° 2, in fine, do Regulamento n.° 1049/2001 é uma excepção a uma excepção e que, por conseguinte, se fosse aplicada sistematicamente, enquanto expressão do princípio da transparência, a excepção relativa à protecção dos processos judiciais ficaria privada de qualquer efeito útil. Não tendo a recorrente invocado argumentos que atestassem especificamente a existência de uma necessidade imperiosa de informar o público sobre as questões acima referidas, a Comissão considerou, na decisão impugnada, que o interesse público é prosseguido da melhor maneira quando a regular tramitação dos processos judiciais em causa é protegida.

96      Há que referir que não há dúvidas de que a liberdade de imprensa desempenha um papel essencial numa sociedade democrática. Com efeito, incumbe à imprensa transmitir informações sobre todas as questões de interesse geral, incluindo no que diz respeito à redacção de informações e de comentários sobre os processos judiciais, o que contribui para os dar a conhecer e é perfeitamente compatível com a exigência de publicidade da audiência, como foi acima recordado no n.° 90. Também não há dúvidas de que o direito do público a receber essas informações é expressão do princípio da transparência, que é implementado pelas disposições do Regulamento n.° 1049/2001, como resulta do considerando 2 do referido regulamento, segundo o qual a transparência permite assegurar uma maior participação dos cidadãos no processo decisório, bem como garantir uma maior legitimidade, eficácia e responsabilidade da administração perante eles, e contribui para reforçar o princípio da democracia.

97      O interesse público superior previsto no artigo 4.°, n.° 2, in fine, do Regulamento n.° 1049/2001, que é susceptível de justificar a divulgação de um documento que prejudica a protecção dos processos judiciais, deve, em princípio, ser diferente dos princípios acima referidos que servem de base ao referido regulamento. Todavia, o facto de uma pessoa que requer o acesso não invocar, como no caso em apreço, nenhum interesse público distinto desses princípios não implica automaticamente que não seja necessária uma ponderação dos interesses em causa. Com efeito, a invocação desses mesmos princípios pode apresentar, tendo em conta as circunstâncias específicas do caso concreto, uma acuidade tal que ultrapasse a necessidade de protecção dos documentos controvertidos.

98      Ora, não é o que sucede no caso em apreço. Com efeito, por um lado, há que observar que a possibilidade de o público receber informações relativas a processos em curso é assegurada pelo facto de cada acção ou recurso, desde a sua entrada, ser objecto, nos termos do artigo 16.°, n.° 6, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça e do artigo 24.°, n.° 6, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, de uma comunicação no Jornal Oficial, também difundida através da Internet no sítio Eur‑Lex e no sítio do Tribunal de Justiça, com indicação, nomeadamente, do objecto do litígio e dos pedidos formulados na petição inicial, bem como dos fundamentos e principais argumentos invocados. Além disso, o relatório para audiência, que contém um resumo dos argumentos das partes, é tornado público no dia da audiência, durante a qual, aliás, os argumentos das partes são discutidos publicamente.

99      Por outro lado, há que recordar que a aplicação da excepção relativa à protecção dos processos judiciais em causa tem como objectivo, nomeadamente, evitar qualquer influência externa na sua regular tramitação. Ora, como resulta das observações precedentes, o interesse ligado à protecção desse objectivo impõe‑se independentemente do conteúdo dos articulados cuja consulta foi pedida pela recorrente, uma vez que se trata de um interesse cuja protecção é necessária ao funcionamento da justiça.

100    Consequentemente, há que concluir que a Comissão considerou correctamente que o interesse em garantir a protecção dos processos judiciais em causa prevalecia sobre o interesse geral eventualmente ligado à divulgação que é invocado pela recorrente. Por outro lado, há que salientar que essa restrição não é absoluta, na medida em que abrange integralmente os articulados aos quais o acesso foi recusado apenas até à data da audiência.

101    Por conseguinte, a Comissão não cometeu nenhum erro manifesto de apreciação ao considerar que o interesse invocado pela recorrente não era susceptível de justificar a divulgação dos articulados em causa.

102    Em face do exposto, o pedido de anulação da decisão impugnada no que diz respeito à recusa de facultar o acesso aos articulados relativos aos processos Honeywell/Comissão, T‑209/01, General Electric/Comissão, T‑210/01, e Comissão/Áustria, C‑203/03, deve ser julgado improcedente.

–       Quanto à recusa de facultar o acesso aos articulados relativos ao processo T‑342/99

103    Quanto à recusa de facultar o acesso aos articulados apresentados no âmbito do processo Airtours/Comissão, T‑342/99, findo com a prolação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Junho de 2002, ou seja, cerca de um ano e meio antes da adopção da decisão impugnada, a Comissão afirmou, nessa decisão, que se mantinha a exigência de protecção dos processos judiciais, uma vez que o referido acórdão tinha sido seguido de uma acção de indemnização contra si intentada (processo MyTravel/Comissão, T‑212/03). Mencionou, com efeito, que este último processo, ainda pendente no Tribunal de Primeira Instância, tinha relações estreitas com o processo findo com a prolação do referido acórdão, no sentido de que os argumentos por si invocados para defender a tese da legalidade da decisão anulada pelo referido acórdão do Tribunal de Primeira Instância também são objecto de discussão no âmbito do processo pendente.

104    Por outro lado, há que referir que a Comissão apresentou a sua contestação no âmbito do processo MyTravel/Comissão, T‑212/03, em 28 de Fevereiro de 2004, quando a decisão impugnada foi adoptada em 20 de Novembro de 2003. Como a própria Comissão esclareceu na audiência, quando adoptou a decisão impugnada, ainda não tinha decidido quais seriam os argumentos, por entre os vertidos nos articulados apresentados no âmbito do processo já findo, que também invocaria no âmbito do processo pendente. A recusa total de facultar o acesso aos referidos articulados está relacionada, portanto, com a vontade da Comissão de manter a possibilidade de escolher os argumentos a utilizar para defender a sua posição no processo pendente.

105    Ora, essa justificação não é, manifestamente, susceptível de demonstrar que a recusa de facultar o acesso aos articulados em causa era abrangida pela referida excepção, no sentido de que havia necessidade de proteger esses articulados na íntegra, uma vez que a sua divulgação teria prejudicado o processo pendente que está ligado ao processo a que os mesmos articulados são relativos.

106    Em primeiro lugar, importa salientar que os articulados cuja consulta foi pedida pela recorrente são relativos a um processo findo através da prolação de um acórdão do Tribunal de Primeira Instância. Consequentemente, o seu conteúdo foi não só tornado público sob a forma de um resumo através do relatório para audiência redigido pelo Tribunal de Primeira Instância e debatido numa audiência pública mas também foi reproduzido no acórdão do Tribunal de Primeira Instância. Consequentemente, uma vez que se trata de argumentos que são já do domínio público, pelo menos sob forma de um resumo, a necessidade que a Comissão invoca de recusar o acesso à totalidade dos articulados cuja consulta foi pedida, pelo simples facto de que os argumentos que deles constam serão discutidos num processo distinto ainda pendente, é susceptível de retirar o seu conteúdo ao princípio geral que consiste em dar ao público o acesso mais amplo possível aos documentos na posse das instituições. Esta abordagem tem, com efeito, a consequência de operar uma inversão manifesta entre a regra fixada pelo Regulamento n.° 1049/2001, que consiste no direito de acesso, e as excepções a esse direito, que, de acordo com a jurisprudência acima referida no n.° 53, devem ser interpretadas e aplicadas estritamente.

107    Em segundo lugar, há que referir que não é excepcional que a instituição em causa invoque a mesma argumentação em processos que podem ser entre as mesmas partes, mas ter objectos diferentes, ou entre partes diferentes, mas que têm o mesmo objecto. A simples circunstância de ser possível que argumentos já apresentados perante o juiz num processo findo sejam também discutidos no âmbito de um processo semelhante ou no âmbito de uma acção de indemnização intentada pela mesma parte que obteve ganho de causa no recurso de anulação em nada deixa transparecer a natureza do risco de que a tramitação do processo ainda pendente seja prejudicada.

108    Os fundamentos invocados pela Comissão para justificar a recusa de facultar acesso aos articulados relativos ao processo Airtours/Comissão, T‑342/99, também poderiam ser válidos, no caso de serem admitidos, para todos os casos em que a argumentação contida em articulados relativos a um processo findo pode ser também invocada num processo pendente.

109    Por outro lado, no caso em apreço, como foi acima referido no n.° 104, a Comissão decidiu recusar o acesso pelo facto de ter considerado que devia ser livre de escolher, entre os argumentos contidos nos referidos articulados, aqueles que invocaria também no processo pendente. Esta argumentação, que impossibilita também um acesso parcial, constituindo assim uma violação do artigo 4.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1049/2001, confirma que a Comissão não demonstrou que a divulgação do conteúdo dos articulados cuja consulta foi pedida pela recorrente prejudicaria a regular tramitação do processo MyTravel/Comissão, T‑212/03, ainda pendente no Tribunal de Primeira Instância.

110    A alegada necessidade de proteger argumentos que serão eventualmente invocados num processo ainda pendente não é, por conseguinte, um motivo válido para recusar acesso a articulados relativos a um processo já findo através da prolação de um acórdão do Tribunal, se não tiver sido apresentada qualquer fundamentação específica que demonstre que a sua divulgação prejudicaria o processo judicial pendente. Os receios da Comissão não passam de simples afirmações e são, consequentemente, demasiado hipotéticos (v., neste sentido, acórdão VKI, já referido no n.° 54 supra, n.° 84).

111    Resulta das considerações precedentes que a Comissão cometeu um erro de apreciação ao recusar o acesso aos articulados relativos ao processo Airtours/Comissão, T‑342/99. O pedido de anulação da decisão impugnada no que diz respeito a essa recusa deve, consequentemente, ser julgado procedente.

 Quanto à recusa em facultar o acesso aos documentos baseada na excepção relativa à protecção dos objectivos das actividades de inquérito prevista no artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001

 Argumentos das partes

112    A recorrente alega que a Comissão não pode recusar divulgar os seus articulados, baseando‑se na excepção relativa à protecção dos objectivos das actividades de inquérito, pelo facto de terem sido apresentados no âmbito de acções por incumprimento que estão ainda pendentes no Tribunal de Justiça ou que, apesar de findas por um seu acórdão, estão ainda pendentes na Comissão. Salienta que as acções por incumprimento têm uma importância efectiva no plano político, de modo que o interesse público do acesso aos documentos nesta matéria é considerável e aumenta à medida que o inquérito evolui.

113    Pelo facto de a excepção relativa à protecção dos objectivos das actividades de inquérito ter uma forte componente factual e ter principalmente por objectivo impedir a destruição ou alteração das provas, o risco de o interesse público da protecção dos inquéritos ser prejudicado diminui à medida que são obtidas as provas. A recorrente considera que, uma vez que o interesse público na divulgação aumenta constantemente e que o interesse público da protecção dos inquéritos diminui constantemente, os documentos das instituições relativos às acções por incumprimento deviam ser divulgados pelo menos parcialmente ou numa versão não confidencial. A Comissão está obrigada, assim, no caso de recusar o acesso, a fazer prova de um prejuízo sério do interesse público em causa.

114    Segundo a recorrente, o momento a partir do qual o interesse público na divulgação prevalece sobre a protecção dos inquéritos é o da propositura de uma acção no Tribunal de Justiça, já que, nessa fase do processo, os esforços realizados para chegar a uma resolução amigável do litígio fracassaram. Esta posição está em conformidade com o acórdão Petrie e o./Comissão, já referido no n.° 17 supra, em que o Tribunal de Primeira Instância considerou que os documentos redigidos pela Comissão antes da propositura da acção por incumprimento, concretamente, notificações para cumprir e pareceres fundamentados elaborados no âmbito do procedimento pré‑contencioso, estavam excluídos do acesso ao público. Além disso, há que observar que o referido acórdão é relativo ao código de conduta de 1993 e que o artigo 4.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1049/2001 é objecto de interpretação mais estrita no que diz respeito às excepções ao direito de acesso.

115    A Comissão alega que a acção por incumprimento tem por objectivo garantir que o direito nacional seja conforme com o direito comunitário, não «perseguir» os Estados‑Membros. Por conseguinte, enquanto o Tribunal de Justiça não se tiver pronunciado, é possível encontrar uma solução amigável, o que impõe um diálogo protegido pela confidencialidade, como reconheceu o Tribunal de Primeira Instância no acórdão Petrie e o./Comissão, já referido no n.° 17 supra (n.° 68). A este respeito, a argumentação da recorrente segundo a qual esse acórdão diz apenas respeito aos procedimentos pré‑contenciosos, uma vez que os documentos cuja consulta foi pedida nesse processo eram notificações para cumprir e pareceres fundamentados, não tem qualquer fundamento, dado que o Tribunal de Primeira Instância realçou o facto de a exigência de confidencialidade abranger a totalidade do processo por incumprimento, até à fase do acórdão (acórdão Petrie e o./Comissão, já referido no n.° 17 supra, n.° 68).

116    A Comissão acrescenta, fazendo referência ao anexo II do XX Relatório sobre o controlo da aplicação do direito comunitário, que as estatísticas do ano de 2002 mostram a eficácia do diálogo com os Estados‑Membros a respeito das infracções, testemunhando que, em 361 acções intentadas no Tribunal de Justiça, 69 foram objecto de desistência antes da prolação do acórdão e 22 foram arquivadas antes de o Tribunal de Justiça ser novamente chamado a pronunciar‑se nos termos do artigo 228.° CE. Tratando‑se, assim, de um diálogo que se pode prolongar, eventualmente, até que seja proferida uma decisão numa acção posterior intentada nos termos do artigo 228.° CE, a divulgação dos seus argumentos poderia prejudicar o procedimento de infracção, comprometendo o clima de confiança com os Estados‑Membros.

117    É precisamente para não comprometer o objectivo de alcançar uma resolução amigável do diferendo que a opunha às autoridades austríacas que a consulta dos seus actos processuais foi recusada pela Comissão no processo Comissão/Áustria, C‑203/03, ainda pendente. O acesso aos actos processuais nos processos Céu aberto foi recusado por razões semelhantes, uma vez que os Estados‑Membros em causa ainda não deram cumprimento aos acórdãos do Tribunal de Justiça que declararam o incumprimento e que estão ainda pendentes processos conexos contra outros Estados‑Membros.

118    Por último, segundo a Comissão, não há qualquer interesse público superior que exija a divulgação dos actos processuais em todos os processos de infracção, sob pena de destituir de efeito útil a excepção relativa à protecção dos objectivos das actividades de inquérito. A Comissão recorda ter afirmado, na declaração que fez à época da adopção do Regulamento n.° 1049/2001, que estava disposta a aceitar «que os procedimentos de infracção não [fossem] expressamente incluídos entre as excepções previstas no n.° 2 do artigo 4.° do regulamento, porque considera[va] que o texto acordado implica[va] a manutenção da prática actual no que diz[ia] respeito ao exercício das suas responsabilidades em matéria de controlo do respeito do direito comunitário» (acta do Conselho, 6 de Junho de 2001, doc. 9204/01 ADD 1, p. 3). Além disso, o interesse público a proteger reside na possibilidade que tem de persuadir o Estado‑Membro a dar cumprimento ao direito comunitário, o que exige a preservação de um clima de confiança entre eles e que seja recusado o acesso aos documentos enquanto o processo não tiver chegado ao seu termo.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

119    Há que recordar que a excepção relativa à protecção dos objectivos das actividades de inquérito estava já prevista no código de conduta de 1993. Como foi acima referido no n.° 62, relativamente à protecção dos processos judiciais, as diferenças entre o referido código e o Regulamento n.° 1049/2001 consistem, por um lado, no facto de que o primeiro previa a possibilidade de facultar o acesso do público a qualquer documento cuja divulgação «pourrait porter atteinte» («possa prejudicar» [pudesse prejudicar]) as actividades de inquérito, enquanto o segundo tem por objecto o caso em que a divulgação «porterait atteinte» («pudesse prejudicar» [prejudicasse]) as referidas actividades e, por outro, no facto de que o primeiro não previa a possibilidade de um interesse público superior prevalecer sobre o interesse da protecção dos objectivos das actividades de inquérito. Em contrapartida, como o código de conduta de 1993, o Regulamento n.° 1049/2001 não contém qualquer definição das actividades de inquérito.

120    De acordo com a jurisprudência relativa a essa excepção, elaborada na vigência do código de conduta de 1993, esta foi considerada validamente invocada pela Comissão para recusar o acesso a documentos relativos a inquéritos sobre um eventual incumprimento do direito comunitário que teria podido levar à abertura de um processo nos termos do artigo 226.° CE (acórdãos WWF UK/Comissão, já referido no n.° 67 supra, e Bavarian Lager/Comissão, já referido no n.° 53 supra) ou que teria levado efectivamente à abertura desse processo (acórdão Petrie e o./Comissão, já referido no n.° 17 supra). Nestes casos, a recusa de facultar o acesso foi considerada justificada pelo facto de os Estados‑Membros terem o direito de esperar da Comissão que respeite a confidencialidade no que diz respeito aos inquéritos que poderiam eventualmente dar origem a um processo por incumprimento, mesmo depois de decorrido um certo lapso de tempo depois do encerramento desses inquéritos (acórdão WWF UK/Comissão, já referido no n.° 67 supra, n.° 63) e mesmo depois de a questão ter sido submetida à apreciação do Tribunal de Justiça (acórdão Petrie e o./Comissão, já referido no n.° 17 supra, n.° 68).

121    Assim, resulta da jurisprudência que a divulgação de documentos relativos à fase de inquérito, no decurso das negociações entre a Comissão e o Estado‑Membro em causa, poderia prejudicar o bom desenrolar do processo de incumprimento, na medida em que a finalidade deste, que é permitir ao Estado‑Membro cumprir voluntariamente as exigências do Tratado ou, eventualmente, ter ocasião para justificar a sua posição (acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 1998, Comissão/Alemanha, C‑191/95, Colect., p. I‑5449, n.° 44), poderia ser posta em risco (acórdão Bavarian Lager/Comissão, já referido no n.° 53 supra, n.° 46). Esta exigência de confidencialidade, como o Tribunal de Primeira Instância também esclareceu no âmbito da aplicação do código de conduta de 1993, mantém‑se mesmo após o recurso ao Tribunal de Justiça, pelo facto de não se poder excluir que as negociações entre a Comissão e o Estado‑Membro em causa, tendo em vista o cumprimento voluntário, por este último, das exigências do Tratado, possam continuar durante o processo judicial e até à prolação do acórdão. A preservação deste objectivo, que consiste na resolução amigável do diferendo entre a Comissão e o Estado‑Membro antes da prolação do acórdão do Tribunal de Justiça, justifica a recusa de acesso a documentos redigidos no âmbito do processo previsto no artigo 226.° CE (acórdão Petrie e o./Comissão, já referido no n.° 17 supra, n.° 68).

122    Quanto à questão de saber se essa justificação se aplica a todos os articulados apresentados pela Comissão em acções por incumprimento pendentes no Tribunal de Justiça independentemente do conteúdo de cada um dos documentos cuja consulta foi pedida, há que recordar que, como resulta das observações que constam do n.° 73 supra, admite‑se que não seja feita uma análise concreta do conteúdo de cada um dos documentos cuja consulta foi pedida se os documentos em causa estiverem manifestamente abrangidos na íntegra por uma excepção ao direito de acesso.

123    É o que acontece quando os articulados cuja consulta foi pedida contêm o mesmo tipo de informações e quando o incumprimento a que se referem é contestado pelo Estado‑Membro em causa. Com efeito, na medida em que a possibilidade de alcançar uma resolução amigável do diferendo que opõe a Comissão ao Estado‑Membro em causa é um objectivo essencial das actividades de inquérito da Comissão relativas aos incumprimentos pelos Estados‑Membros das obrigações decorrentes do direito comunitário, não se pode deixar de referir que a exigência de confidencialidade das peças processuais, que é necessária para atingir esse objectivo, deve ser salvaguardada até ao momento em que o Tribunal de Justiça se pronuncia sobre a eventual existência do incumprimento em causa, que encerra o processo respeitante às consequências que podem advir do inquérito conduzido pela Comissão. Além disso, na medida em que esses documentos contêm os resultados do inquérito realizado para provar a existência do incumprimento contestado, não podem deixar de ser integralmente abrangidos pela referida excepção.

124    No caso em apreço, a Comissão recusou facultar à recorrente o acesso aos seus articulados relativos, por um lado, a uma acção por incumprimento que estava ainda pendente no momento da adopção da decisão impugnada (processo Comissão/Áustria, C‑203/03), de modo que essa recusa também se baseou na excepção relativa à protecção dos processos judiciais e, por outro, a oito acções por incumprimento idênticas (processos Céu aberto), sobre as quais, no momento da adopção da decisão impugnada, o Tribunal de Justiça já se tinha pronunciado através dos acórdãos de 5 de Novembro de 2002, embora os Estados‑Membros não tenham ainda dado cumprimento a esses acórdãos.

125    Assim, como resulta do n.° 102 supra, a recusa de facultar o acesso aos articulados relativos ao processo Comissão/Áustria, C‑203/03, é abrangida pela excepção relativa à protecção dos processos judiciais, pelo que não há que verificar se podia também basear‑se na excepção relativa à protecção dos objectivos das actividades de inquérito. Assim, apenas há que analisar a aplicação da referida excepção no que diz respeito à recusa de facultar o acesso aos articulados relativos aos processos Céu aberto.

126    Não se pode deixar de referir que todos esses articulados, na medida em que contêm necessariamente os resultados dos inquéritos conduzidos pela Comissão para provar a existência de uma infracção ao direito comunitário, estão relacionados de perto com a abertura dos processos por incumprimento no âmbito dos quais foram apresentados e são, por conseguinte, relativos a actividades de inquérito na acepção do artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001.

127    Todavia, tendo em conta que todas as excepções ao direito de acesso, como foi acima recordado no n.° 53, devem ser objecto de interpretação e de aplicação estritas, a circunstância de os documentos cuja consulta foi pedida respeitarem a um interesse protegido não basta, por si só, para justificar a aplicação da excepção invocada, devendo a Comissão demonstrar que a sua divulgação era efectivamente susceptível de prejudicar a protecção dos objectivos das suas actividades de inquérito relativas aos incumprimentos em causa.

128    Assim, compete ao Tribunal de Primeira Instância verificar se a Comissão não cometeu um erro de apreciação ao considerar que a recusa de divulgar articulados por si apresentados no âmbito das acções por incumprimento em causa estava abrangida pela excepção prevista no artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001.

129    A Comissão afirmou, na decisão impugnada, que não podia autorizar o acesso aos referidos articulados uma vez que, apesar de os processos em causa terem sido encerrados por acórdãos do Tribunal de Justiça, os Estados‑Membros ainda não lhes tinham dado cumprimento, de modo que esses processos estavam ainda pendentes perante si. Segundo a Comissão, as negociações em curso com esses Estados‑Membros para os levar a cumprir voluntariamente as exigências do direito comunitário seriam postas em perigo em caso de divulgação dos articulados cuja consulta foi pedida pela recorrente. Consequentemente, o objectivo da protecção das suas actividades de inquérito mantém‑se enquanto esses Estados não tiverem dado cumprimento aos acórdãos do Tribunal de Justiça. Além disso, como salientou na resposta, foram intentadas acções, conexas aos processos Céu aberto na medida em que têm o mesmo objecto, contra outros Estados‑Membros, ainda pendentes no Tribunal de Justiça.

130    A recorrente contesta a posição da Comissão, alegando, por um lado, que o acórdão Petrie e o./Comissão, já referido no n.° 17 supra, não é pertinente no caso em apreço, uma vez que é relativo a documentos redigidos antes da propositura da acção no Tribunal de Justiça e, por outro, que o recurso ao Tribunal de Justiça significa que os esforços desenvolvidos para alcançar uma resolução amigável fracassaram. Acrescenta que o referido acórdão é relativo à aplicação do código de conduta de 1993 e que o Regulamento n.° 1049/2001 é objecto de interpretação mais estrita quanto às excepções ao direito de acesso.

131    Em primeiro lugar, há que referir que não pode ser deduzido do acórdão Petrie e o./Comissão, já referido no n.° 17 supra, que só os documentos existentes antes do recurso ao Tribunal de Justiça podem ser subtraídos ao acesso do público. Com efeito, documentos como notificações para cumprir e pareceres motivados têm por objectivo circunscrever o objecto do litígio, o que implica que esses documentos e a acção têm necessariamente que se basear nos mesmos fundamentos e argumentos (acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 1988, Comissão/Bélgica, 298/86, Colect., p. 4343, n.° 10, e de 1 de Fevereiro de 2005, Comissão/Áustria, C‑203/03, Colect., p. I‑935, n.° 28). Como alega a Comissão na decisão impugnada, os elementos de prova e os argumentos contidos nos articulados são, portanto, idênticos aos contidos nos actos relativos à fase pré‑contenciosa, de modo que a distinção operada pela recorrente não tem qualquer fundamento.

132    Em segundo lugar, embora seja verdade que o objectivo de alcançar uma solução amigável constitui a razão de ser da fase pré‑contenciosa, não é menos certo que, como demonstram as estatísticas apresentadas pela Comissão, esse resultado é frequentemente atingido apenas depois de a questão já ter sido submetida ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, é contrário à finalidade dos processos de incumprimento, que consiste em levar o Estado‑Membro em causa a dar cumprimento ao direito comunitário, excluir a possibilidade de esse resultado poder ser atingido depois de a acção ter sido intentada. Por outro lado, o Tribunal de Primeira Instância pronunciou‑se neste mesmo sentido, afirmando que a exigência de confidencialidade se mantém mesmo depois do recurso ao Tribunal de Justiça pelo facto de não se poder excluir que as negociações entre a Comissão e o Estado‑Membro em causa, tendo em vista o cumprimento voluntário, por este último, das exigências do Tratado, possam continuar durante o processo judicial e até à prolação do acórdão do Tribunal de Justiça (acórdão Petrie e o./Comissão, já referido no n.° 17 supra, n.° 68).

133    Esta conclusão não é infirmada pelo argumento da recorrente segundo o qual a razão de ser da excepção em causa é evitar a adulteração das provas e esse risco é muito reduzido depois de a Comissão ter intentado a acção no Tribunal de Justiça. Com efeito, a excepção em causa, como resulta da sua formulação, não se destina a proteger as actividades de inquérito enquanto tais, mas sim o objectivo dessas actividades que, como resulta da jurisprudência acima referida nos n.os 120 e 121, consiste, no caso das acções por incumprimento, a levar o Estado‑Membro em causa a dar cumprimento ao direito comunitário. É por esta razão que os diversos actos de inquérito podem permanecer abrangidos pela excepção em causa enquanto esse objectivo não tiver sido atingido, mesmo que o inquérito ou a inspecção específica que deram origem ao documento cuja consulta é pedida tenham terminado (acórdão Franchet e Byk/Comissão, já referido no n.° 53 supra, n.° 110, e, por analogia, quanto à aplicação do código de conduta de 1993, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Setembro de 2000, Denkavit Nederland/Comissão, T‑20/99, Colect., p. II‑3011, n.° 48).

134    No caso em apreço, na data da adopção da decisão impugnada, o Tribunal de Justiça já tinha proferido, havia cerca de um ano, os acórdãos que declaram o incumprimento imputado pela Comissão aos Estados‑Membros em causa. Não se pode, portanto, contestar que, nessa data, não estava em curso nenhuma actividade de inquérito destinada a provar a existência dos incumprimentos em causa que pudesse ter sido posta em perigo pela divulgação dos documentos cuja consulta foi pedida.

135    No entanto, há que verificar se, como alega a Comissão, documentos relacionados com actividades de inquérito podem ser considerados abrangidos pela excepção prevista no artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, quando as actividades em causa já terminaram e conduziram não só à propositura da acção no Tribunal de Justiça mas também à prolação de acórdão por este último. Consequentemente, o que está em causa é determinar se o objectivo de alcançar uma solução amigável, invocado pela Comissão para justificar a recusa de facultar o acesso, se pode manter depois da prolação dos acórdãos que declaram os incumprimentos para demonstração dos quais foram efectuadas as actividades de inquérito da Comissão.

136    A este respeito, há que observar que, na sequência de um acórdão que declara um incumprimento, os Estados‑Membros em causa estão obrigados, por força do artigo 228.°, n.° 1, CE, a tomar as medidas necessárias à execução desse acórdão. Embora o artigo 228.° CE não especifique o prazo no qual deve ser dada execução a um acórdão, resulta de jurisprudência assente que o interesse na aplicação imediata e uniforme do direito comunitário impõe que essa execução seja iniciada imediatamente e concluída no mais breve prazo possível (acórdãos do Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 2000, Comissão/Grécia, C‑387/97, Colect., p. I‑5047, n.os 81 e 82, e de 25 de Novembro de 2003, Comissão/Espanha, C‑278/01, Colect., p. I‑14141, n.os 26 e 27). Depois de o Tribunal de Justiça ter reconhecido que um Estado‑Membro não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado, esse Estado está obrigado a adoptar medidas para dar cumprimento a esse acórdão, não podendo tal resultado depender do das negociações em curso com a Comissão.

137    É verdade que não se pode excluir que o Estado‑Membro em causa persista no incumprimento, incluindo no que diz respeito à execução do acórdão do Tribunal de Justiça, o que pode levar a Comissão, nos termos do artigo 228.°, n.° 2, CE, a intentar uma nova acção por incumprimento. Todavia, face a tal situação, a Comissão deve proceder a um novo inquérito que incluirá uma nova fase pré‑contenciosa e que levará eventualmente a que a questão seja novamente submetida à apreciação do Tribunal de Justiça. As actividades de inquérito que levem à propositura de uma acção com base no artigo 228.° CE são, portanto, novas em relação às que levaram à propositura de uma acção com base no artigo 226.° CE, na medida em que se destinam a provar que o incumprimento declarado pelo acórdão do Tribunal de Justiça persiste depois de o mesmo ter sido proferido.

138    Por outro lado, há que recordar que, pelo facto de ter por objecto a inexecução de um acórdão do Tribunal de Justiça, o artigo 228.°, n.° 2, CE prevê mecanismos que têm por objectivo específico levar um Estado‑Membro inadimplente a executar um acórdão que declara um incumprimento e, desse modo, assegurar a aplicação efectiva do direito comunitário por esse Estado. Com efeito, as medidas previstas por essa disposição, ou seja, as sanções pecuniárias de montante fixo e as sanções pecuniárias compulsórias, têm ambas o mesmo objectivo, que consiste, portanto, em exercer sobre este uma pressão económica que o leve a pôr termo ao incumprimento declarado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 2005, Comissão/França, C‑304/02, Colect., p. I‑6263, n.os 80 e 91, e de 14 de Março de 2006, Comissão/França, C‑177/04, Colect., p. I‑2461, n.os 59 e 60).

139    Por último, admitir que os diversos documentos relacionados com actividades de inquérito são abrangidos pela excepção prevista no artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001 enquanto não tiver sido decidido o seguimento a dar a esses processos, mesmo no caso de ser necessário um novo inquérito que conduzirá eventualmente à propositura de uma acção com base no artigo 228.°, n.° 2, CE, equivaleria a sujeitar o acesso aos referidos documentos a acontecimentos aleatórios, ou seja, o incumprimento pelo Estado‑Membro em causa do acórdão do Tribunal de Justiça que declarou o incumprimento e a propositura de uma acção nos termos do artigo 228.°, n.° 2, CE, que depende do poder discricionário da Comissão. De qualquer forma, trata‑se de acontecimentos futuros e incertos, dependentes da celeridade e da diligência das diversas autoridades intervenientes.

140    Esta solução colide com o objectivo que consiste em garantir o acesso mais amplo possível do público aos documentos das instituições, com a finalidade de dar aos cidadãos a possibilidade de controlar de forma mais efectiva a legalidade do exercício do poder público (v., neste sentido, acórdão Franchet e Byk/Comissão, já referido no n.° 53 supra, n.° 112; v., igualmente, por analogia, quanto à aplicação do código de conduta de 1993, acórdãos Interporc II, já referido no n.° 15 supra, n.° 39, e JT’s Corporation/Comissão, já referido no n.° 56 supra, n.° 50).

141    Quanto à circunstância, invocada na resposta, de os processos que têm o mesmo objecto que os processos Céu aberto estarem ainda pendentes no Tribunal de Justiça, basta referir, por um lado, que a Comissão de modo algum explicou em que é que a possibilidade de chegar a uma resolução amigável com os Estados‑Membros a que esses processos dizem respeito seria comprometida pela divulgação de articulados que apresentou no âmbito de processos contra esses Estados‑Membros e que já chegaram a seu termo através da prolação de acórdãos pelo Tribunal de Justiça. Por outro, como foi acima salientado nos n.os 106 e 107, a simples ligação entre dois ou vários processos, quer sejam as mesmas as partes quer seja o mesmo o objecto, não basta, por si só, para justificar a recusa em facultar o acesso, a menos que se opere uma inversão manifesta entre o princípio do livre acesso aos documentos das instituições e as excepções ao referido princípio previstas no Regulamento n.° 1049/2001.

142    Em face do exposto, a Comissão cometeu um erro de apreciação ao recusar o acesso aos documentos relativos aos processos Céu aberto. O pedido de anulação da decisão impugnada no que diz respeito a essa recusa deve, por conseguinte, proceder.

 Quanto às despesas

143    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, se cada parte obtiver vencimento parcial, ou perante circunstâncias excepcionais, o Tribunal de Primeira Instância pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes ou que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas. Uma vez que, no presente processo, cada uma das partes obteve vencimento parcial, cada uma suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Grande Secção)

decide:

1)      A decisão da Comissão de 20 de Novembro de 2003 é anulada na parte em que recusou o acesso aos articulados apresentados pela Comissão no Tribunal de Justiça no âmbito dos processos Comissão/Reino Unido, C‑466/98; Comissão/Dinamarca, C‑467/98; Comissão/Suécia, C‑468/98; Comissão/Finlândia, C‑469/98; Comissão/Bélgica, C‑471/98; Comissão/Luxemburgo, C‑472/98; Comissão/Áustria, C‑475/98; e Comissão/Alemanha, C‑476/98; e no Tribunal de Primeira Instância no âmbito do processo Airtours/Comissão, T‑342/99.

2)      Quanto ao demais, é negado provimento ao recurso.

3)      Cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.

Vesterdorf

Jaeger

Pirrung

Vilaras

Legal

Martins Ribeiro

Cremona

Pelikánová

Šváby

Jürimäe

 

      Wahl

Prek

 

      Ciucă

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de Setembro de 2007.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      B. Vesterdorf


* Língua do processo: inglês.