Language of document : ECLI:EU:C:2012:776

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

6 de dezembro de 2012 (*)

«Cidadania da União — Artigo 20.° TFUE — Diretiva 2003/86/CE — Direito ao reagrupamento familiar — Cidadãos da União de tenra idade que residem com as suas mães, nacionais de países terceiros, no território do Estado‑Membro de que esses crianças têm a nacionalidade — Direito de residência permanente, nesse Estado‑Membro, das mães a quem foi concedida a guarda exclusiva dos cidadãos da União — Recomposição das famílias na sequência de um novo casamento das mães com nacionais de países terceiros e do nascimento de filhos, também nacionais de países terceiros, nascidos desses casamentos — Pedidos de reagrupamento familiar no Estado‑Membro de origem dos cidadãos da União — Recusa do direito de residência aos novos cônjuges baseada na inexistência de recursos suficientes — Direito ao respeito da vida familiar — Tomada em consideração do interesse superior das crianças»

Nos processos apensos C‑356/11 e C‑357/11,

que tem por objeto pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentados pelo Korkein hallinto‑oikeus (Finlândia), por decisões de 5 de julho de 2011, entrados no Tribunal de Justiça em 7 de julho de 2011, nos processos

O.,

S.

contra

Maahanmuuttovirasto (C‑356/11),

e

Maahanmuuttovirasto

contra

L. (C‑357/11),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Rosas, exercendo funções de presidente da Segunda Secção, U. Lõhmus, A. Ó Caoimh (relator), A. Arabadjiev e C. G. Fernlund, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: V. Tourrès, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 12 de setembro de 2012,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação de L., por J. Streng, asianajaja,

¾        em representação do Governo finlandês, por J. Heliskoski, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo dinamarquês, por V. Pasternak Jørgensen e C. Vang, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo alemão, por T. Henze e A. Wiedmann, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por W. Ferrante, avvocato dello Stato,

¾        em representação do Governo neerlandês, por C. Wissels e B. Koopman, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo polaco, por M. Szpunar, na qualidade de agente,

¾        em representação da Comissão Europeia, por D. Maidani e E. Paasivirta, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 27 de setembro de 2012,

profere o presente

Acórdão

1        Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 20.° TFUE.

2        Estes pedidos foram apresentados no âmbito de dois litígios que opõem, por um lado, O. e S., ambos nacionais de países terceiros, ao Maahanmuuttovirasto (Serviço de Imigração) (processo C‑356/11) e, por outro, este último a L., também nacional de um país terceiro (processo C‑357/11), relativamente ao indeferimento dos seus pedidos de autorização de residência a título do reagrupamento familiar.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 2003/86/CE

3        Os considerandos 2, 4, 6 e 9 da Diretiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar (JO L 251, p. 12), têm a seguinte redação:

«(2)      As medidas relativas ao [reagrupamento] familiar devem ser adotadas em conformidade com a obrigação de proteção da família e do respeito da vida familiar consagrada em numerosos instrumentos de direito internacional. A presente diretiva respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos, designadamente, no artigo 8.° da [Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950,] e na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia [a seguir ‘Carta’].

[...]

(4)      O reagrupamento familiar é um meio necessário para permitir a vida em família. Contribui para a criação de uma estabilidade sociocultural favorável à integração dos nacionais de países terceiros nos Estados‑Membros, o que permite, por outro lado, promover a coesão económica e social, que é um dos objetivos fundamentais da Comunidade [Europeia] consagrado no Tratado [CE].

[…]

(6)      A fim de assegurar a proteção da família e a manutenção ou a criação da vida familiar, é importante fixar, segundo critérios comuns, as condições materiais necessárias ao exercício do direito ao reagrupamento familiar.

[…]

(9)      O reagrupamento familiar abrangerá de toda a maneira os membros da família nuclear, ou seja, o cônjuge e os filhos menores.»

4        Como decorre do seu artigo 1.°, o objetivo da referida diretiva é «estabelecer as condições em que o direito ao reagrupamento familiar pode ser exercido por nacionais de países terceiros que residam legalmente no território dos Estados‑Membros».

5        Nos termos do artigo 2.° da mesma diretiva:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)      ‘Nacional de um país terceiro’: qualquer pessoa que não seja um cidadão da União na aceção do n.° 1 do artigo 17.° do Tratado;

[…]

c)      ‘Requerente do reagrupamento’: o nacional de um país terceiro com residência legal num Estado‑Membro e que requer, ou cujos familiares requerem, o reagrupamento familiar para se reunificarem;

d)      ‘Reagrupamento familiar’: a entrada e residência num Estado‑Membro dos familiares de um nacional de um país terceiro que resida legalmente nesse Estado, a fim de manter a unidade familiar, independentemente de os laços familiares serem anteriores ou posteriores à entrada do residente.»

6        O artigo 3.°, n.os 1 e 3, da Diretiva 2003/86 prevê:

«1.      A presente diretiva é aplicável quando o requerente do reagrupamento for titular de uma autorização de residência emitida por um Estado‑Membro por prazo de validade igual ou superior a um ano e com uma perspetiva fundamentada de obter um direito de residência permanente, se os membros da sua família forem nacionais de um país terceiro, independentemente do estatuto que tiverem.

[…]

3.      A presente diretiva não é aplicável aos familiares de cidadãos da União.»

7        O artigo 4.°, n.° 1, da referida diretiva dispõe:

«Em conformidade com a presente diretiva e sob reserva do cumprimento das condições previstas no capítulo IV, bem como no artigo 16.°, os Estados‑Membros devem permitir a entrada e residência dos seguintes familiares:

a)      O cônjuge do requerente do reagrupamento;

b)      Os filhos menores do requerente do reagrupamento e do seu cônjuge […],

c)      Os filhos menores […] do requerente do [reagrupamento] à guarda e a cargo do requerente […];

d)      Os filhos menores […] do cônjuge, à guarda e a cargo do cônjuge.»

8        Na análise do pedido de entrada e de residência, os Estados‑Membros devem procurar assegurar, em conformidade com o artigo 5.°, n.° 5, da mesma diretiva, que o interesse superior dos filhos menores seja tido em devida consideração.

9        O artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 2003/86 prevê:

«Por ocasião da apresentação do pedido de reagrupamento familiar, o Estado‑Membro em causa pode exigir ao requerente do reagrupamento que apresente provas de que este dispõe de:

[…]

c)      Recursos estáveis e regulares que sejam suficientes para a sua própria subsistência e para a dos seus familiares, sem recorrer ao sistema de assistência social do Estado‑Membro em causa. Os Estados‑Membros devem avaliar esses recursos por referência às suas natureza e regularidade e podem ter em conta o nível do salário mínimo nacional e das pensões e o número de familiares.»

10      O artigo 17.° da referida diretiva tem a seguinte redação:

«Em caso de indeferimento de um pedido, de retirada ou não renovação de uma autorização de residência, bem como de decisão de afastamento do requerente do reagrupamento ou de familiares seus, os Estados‑Membros devem tomar em devida consideração a natureza e a solidez dos laços familiares da pessoa e o seu tempo de residência no Estado‑Membro, bem como a existência de laços familiares, culturais e sociais com o país de origem.»

 Diretiva 2004/38/CE

11      A Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO L 158, p. 77, e retificação no JO L 229, p. 35), enuncia no seu artigo 1.°:

«A presente diretiva estabelece:

a)      As condições que regem o exercício do direito de livre circulação e residência no território dos Estados‑Membros pelos cidadãos da União e membros das suas famílias;

b)      O direito de residência permanente no território dos Estados‑Membros para os cidadãos da União e membros das suas famílias;

[…]»

12      O artigo 2.° da referida diretiva, intitulado «Definições», dispõe:

«Para os efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

1)      ‘Cidadão da União’: qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado‑Membro;

2)      ‘Membro da família’:

a)      O cônjuge;

[…]

c)      Os descendentes diretos com menos de 21 anos de idade ou que estejam a cargo, assim como os do cônjuge […]

d)      Os ascendentes diretos que estejam a cargo, assim como os do cônjuge […]

3)      ‘Estado‑Membro de acolhimento’: o Estado‑Membro para onde se desloca o cidadão da União a fim de aí exercer o seu direito de livre circulação e residência.»

13      Sob a epígrafe «Titulares», o artigo 3.° da mesma diretiva enuncia no seu n.° 1:

«A presente diretiva aplica‑se a todos os cidadãos da União que se desloquem ou residam num Estado‑Membro que não aquele de que são nacionais, bem como aos membros das suas famílias, na aceção do ponto 2 do artigo 2.°, que os acompanhem ou que a eles se reúnam.»

 Direito finlandês

14      O § 37, n.° 1, da Lei dos estrangeiros (Ulkomaalaislaki) dispõe:

«Para efeitos da presente lei, são considerados membros da família o cônjuge de uma pessoa residente na Finlândia, bem como os filhos solteiros com menos de 18 anos cuja guarda tenha sido confiada a uma pessoa residente na Finlândia. Quando a pessoa que reside na Finlândia for um menor, a pessoa que tem a sua guarda é considerada membro da família […]»

15      O § 39, n.° 1, da referida lei tem a seguinte redação:

«Salvo disposição em contrário da presente lei, a concessão de uma autorização de residência está subordinada à condição de o estrangeiro dispor de meios de subsistência suficientes. Em determinados casos, esta condição pode ser dispensada se circunstâncias excecionalmente graves justificarem essa derrogação ou se tal for exigido pelo interesse superior da criança [...]»

16      O § 47, n.° 3, desta mesma lei enuncia:

«Será concedida uma autorização de residência contínua aos membros da família de um estrangeiro a quem tenha sido concedida uma autorização de residência contínua ou permanente.»

17      O § 66 a da Lei dos estrangeiros prevê:

«Quando uma autorização de residência é pedida com fundamento na existência de um laço familiar, as autoridades competentes devem, no âmbito da sua análise, ter em conta a natureza e a solidez dos laços familiares do estrangeiro e o seu período de residência no Estado‑Membro em causa, bem como a existência de laços familiares, culturais e sociais com o seu país de origem [...]»

 Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

 Processo C‑356/11

18      S., nacional do Gana que reside na Finlândia ao abrigo de uma autorização de residência permanente, casou, em 4 de julho de 2001, com um cidadão finlandês de quem teve um filho nascido em 11 de julho de 2003. Esse filho tem nacionalidade finlandesa e residiu sempre na Finlândia. Desde 2 de junho de 2005, a guarda exclusiva da criança foi confiada a S. O casal divorciou‑se em 19 de outubro de 2005. O pai da criança reside na Finlândia.

19      Resulta da decisão de reenvio que, durante a sua permanência na Finlândia, S. estudou, gozou uma licença de maternidade, seguiu uma formação e exerceu uma atividade profissional.

20      Em 26 de junho de 2008, S. casou com O., nacional da Costa do Marfim. Com base neste casamento, O. apresentou ao Maahanmuuttovirasto um pedido de autorização de residência. Dessa união, nasceu na Finlândia, em 21 de novembro de 2009, uma criança que possui a nacionalidade ganesa e da qual os progenitores têm guarda comum. O. vive com S. e os seus dois filhos.

21      Resulta da decisão de reenvio que, em 1 de janeiro de 2010, O. celebrou um contrato de trabalho por um período de um ano, que prevê oito horas de trabalho por dia e uma remuneração de 7,50 euros por hora. Contudo, não apresentou quaisquer documentos que atestassem que, efetivamente, trabalhou com base nesse contrato.

22      Por decisão de 21 de janeiro de 2009, o Maahanmuuttovirasto indeferiu o pedido de autorização de residência que lhe foi apresentado, pelo facto de O. não dispor de meios de subsistência suficientes. Por outro lado, considerou que não se justificava derrogar a condição relativa aos meios de subsistência, como permite o § 39, n.° 1, da Lei dos estrangeiros em presença de circunstâncias excecionalmente graves ou quando o interesse superior da criança o exija.

23      Por sentença de 27 de agosto de 2009, o Helsingin hallinto‑oikeus (Tribunal Administrativo de Helsínquia) negou provimento ao recurso de anulação interposto por O. da referida decisão de indeferimento.

24      Consequentemente, O. e S. interpuseram recurso dessa sentença para o Korkein hallinto‑oikeus (Supremo Tribunal Administrativo).

 Processo C‑357/11

25      L., nacional da Argélia, reside legalmente na Finlândia desde 2003. Obteve uma autorização de residência permanente na sequência do seu casamento com um cidadão finlandês. Dessa união nasceu, em 2004, uma criança que tem a dupla nacionalidade finlandesa e argelina e que residiu sempre na Finlândia. O casal divorciou‑se em 10 de dezembro de 2004 e L. obteve a guarda exclusiva do filho. O pai da criança reside na Finlândia.

26      Em 19 de outubro de 2006, L. casou com M., de nacionalidade argelina, que chegou legalmente à Finlândia em março de 2006, onde pediu asilo político e onde, segundo as suas alegações, viveu com L. desde abril do mesmo ano. Em outubro de 2006, M. foi repatriado para o seu país de origem.

27      Em 29 de novembro de 2006, L. solicitou ao Maahanmuuttovirasto a concessão de uma autorização de residência na Finlândia ao seu marido, com base no seu casamento.

28      Dessa união nasceu, em 14 de janeiro de 2007, na Finlândia um filho que tem nacionalidade argelina e cuja guarda está confiada conjuntamente aos progenitores. Não se apurou se M. teve contacto com o seu filho.

29      Resulta da decisão de reenvio que L. nunca exerceu qualquer atividade profissional durante a sua residência na Finlândia. Os seus rendimentos provêm de um subsídio de subsistência e de outras prestações. O seu cônjuge não exerceu qualquer atividade profissional conhecida na Finlândia, apesar de ter declarado estar convencido de que poderia trabalhar nesse país tendo em conta os seus conhecimentos linguísticos.

30      Por decisão de 15 de agosto de 2008, o Maahanmuuttovirasto indeferiu o pedido de autorização de residência relativo a M. pelo facto de os seus meios de subsistência não estarem assegurados.

31      Por sentença de 21 de abril de 2009, o Helsingin hallinto‑oikeus deu provimento ao recurso de anulação interposto por L. da referida decisão de indeferimento. Consequentemente, o Maahanmuuttovirasto interpôs recurso de anulação dessa sentença para o órgão jurisdicional de reenvio.

32      Nos seus pedidos de decisão prejudicial, o Korkein hallinto‑oikeus refere que, visto a concessão das autorizações de residência ter sido recusada a O. e a M., é possível que os seus cônjuges e os filhos confiados à guarda destes, incluindo os que têm o estatuto de cidadãos da União, sejam forçados a deixar o território da União Europeia para poderem viver em família. A este respeito, questiona‑se sobre a aplicabilidade dos princípios enunciados pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 8 de março de 2011, Ruiz Zambrano (C‑34/09, Colet., p. I‑1177).

33      Foi nestas circunstâncias que o Korkein hallinto‑oikeus decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

 Processo C‑356/11

«1)      O artigo 20.° TFUE opõe‑se a que uma autorização de residência seja recusada ao nacional de um [país] terceiro por este não [dispor] de meios de subsistência, numa situação familiar em que o seu cônjuge tem a guarda de um menor com a cidadania da União e [esse] nacional de um [país] terceiro não é [o pai biológico] desse menor nem o titular do [respetivo] direito de guarda?

2)      Em caso de resposta negativa à primeira questão, o impacto do artigo 20.° TFUE deve ser apreciado de modo diferente quando o nacional de um [país] terceiro, que não é titular de [uma] autorização de residência, o seu cônjuge e o menor, cuja guarda está confiada a este último e que tem a cidadania da União, vivem em comunhão familiar?»

 Processo C‑357/11

«1)      O artigo 20.° TFUE opõe‑se a que uma autorização de residência seja recusada ao nacional de um [país] terceiro por este não [dispor] de meios de subsistência, numa situação familiar em que o seu cônjuge tem [a] guarda de um menor com a cidadania da União e [esse] nacional de um [país] terceiro não é o pai biológico desse menor, não tem o [respetivo] direito de guarda e já não vive com o seu cônjuge [nem] com esse menor?

2)      Em caso de resposta negativa à primeira questão, o impacto do artigo 20.° TFUE deve ser apreciado de modo diferente quando o nacional de um [país] terceiro, que não é titular de [uma] autorização de residência e não reside na Finlândia, tem, com o seu cônjuge, um filho [com] a cidadania de um [país] terceiro, [que] vive na Finlândia e está confiado à guarda de ambos os progenitores?»

34      Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 8 de setembro de 2011, os pedidos de decisão prejudicial nos processos C‑356/11 e C‑357/11 foram apensados para efeitos da fase escrita, da fase oral e do acórdão. O pedido do órgão jurisdicional de reenvio no sentido de estes dois processos serem submetidos à tramitação acelerada prevista nos artigos 23.°‑A do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e 104.°‑A, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo deste Tribunal, na versão então em vigor, foi indeferido.

 Quanto às questões prejudiciais

35      Com as suas questões, que devem ser analisadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se as disposições do direito da União relativas à cidadania da União devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a que um Estado‑Membro recuse a um nacional de um país terceiro uma autorização de residência a título do reagrupamento familiar, quando esse nacional pretende residir com o seu cônjuge, também nacional de um país terceiro, que reside legalmente nesse Estado‑Membro e é mãe de um filho nascido de um primeiro casamento que é cidadão da União, bem como com o filho nascido da sua própria união, que também é nacional de um país terceiro.

36      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o facto de o requerente da autorização de residência viver com o seu cônjuge, não ser o pai biológico do menor que é cidadão da União e não dispor do direito de guarda desse menor pode ter incidência na interpretação que deve ser dada às disposições relativas à cidadania da União.

37      Os Governos finlandês, dinamarquês, alemão, italiano, neerlandês e polaco, bem como a Comissão Europeia, consideram que o artigo 20.° TFUE não se opõe a que um Estado‑Membro recuse um direito de residência a um nacional de um país terceiro que se encontre numa situação como as que estão em causa nos processos principais.

38      No essencial, esses governos e essa instituição alegam que os princípios enunciados pelo Tribunal de Justiça no acórdão Ruiz Zambrano, já referido, visam situações perfeitamente excecionais, em que a aplicação de uma medida nacional conduziria à privação do gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos pelo estatuto de cidadão da União. Contudo, no caso em preço, os factos na origem dos litígios nos processos principais são substancialmente diferentes dos que deram origem ao referido acórdão. Com efeito, O. e M. não são os pais biológicos das crianças de tenra idade, que são cidadãos da União e das quais essas pessoas pretendem fazer derivar o seu direito a uma autorização de residência. Estes últimos não têm a guarda dessas crianças. Além disso, na medida em que as mães dessas crianças gozam elas próprias de uma autorização de residência permanente na Finlândia, os seus filhos, cidadãos da União, não seriam obrigados a deixar o território da União, contrariamente às crianças em causa no processo que deu origem ao acórdão Ruiz Zambrano, já referido. Se as mães desses cidadãos da União decidissem deixar o território da União para preservar a unidade familiar, não se trataria de uma consequência inevitável da recusa do direito de residência oposta aos seus cônjuges.

39      Os Governos alemão e italiano salientam, nomeadamente, o facto O. e M. não fazerem parte da família nuclear dos cidadãos da União em causa, uma vez que não são os pais biológicos dessas crianças nem as pessoas a quem foi confiada a sua guarda.

40      A título preliminar, importa precisar que, não obstante a questão de saber quem são, em função das disposições do direito nacional, os recorrentes no processo principal, resulta claramente dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que os pedidos de autorização de residência relativos a O. e M. apresentados a título do reagrupamento familiar visam S. e L., que residem legalmente na Finlândia, enquanto requerentes do reagrupamento, ou seja, enquanto pessoas a título das quais o reagrupamento é requerido.

 Quanto às disposições do direito da União relativas à cidadania da União

41      No que se refere, antes de mais, à Diretiva 2004/38, importa recordar que esta diretiva não confere direitos de entrada e de residência num Estado‑Membro a todos os nacionais de países terceiros membros da família de um cidadão da União, mas apenas aos que são membros da família de um cidadão da União que tenha exercido o seu direito de livre circulação ao estabelecer‑se num Estado‑Membro diferente daquele de que é nacional (acórdãos de 25 de julho de 2008, Metock e o., C‑127/08, Colet., p. I‑6241, n.° 73, e de 15 de novembro de 2011, Dereci e o., C‑256/11, Colet., p. I‑11315, n.° 56).

42      No caso em apreço, dado que nunca exerceram o seu direito de livre circulação e que sempre residiram no Estado‑Membro de que são nacionais, há que reconhecer que os cidadãos da União em causa, ambos crianças de tenra idade, não são abrangidos pelo conceito de «titular», na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38, pelo que esta não lhes é aplicável nem é aplicável aos membros das suas famílias (acórdão Dereci e o., já referido, n.° 57).

43      Em seguida, no que se refere ao artigo 20.° TFUE, o Tribunal de Justiça já teve ocasião de declarar que a situação de um cidadão da União que, como as crianças de nacionalidade finlandesa em causa nos processos principais, não fez uso do direito de livre circulação não pode, por esse simples motivo, ser equiparada a uma situação puramente interna, a saber, uma situação que não apresenta nenhum elemento de conexão com qualquer das situações previstas pelo direito da União (v. acórdãos Ruiz Zambrano, já referido; de 5 de maio de 2011, McCarthy, C‑434/09, Colet., p. I‑3375, n.° 46; e Dereci e o., já referido, n.° 61).

44      Com efeito, na medida em que o estatuto de cidadão da União tende a ser o estatuto fundamental dos nacionais dos Estados‑Membros, os filhos nascidos dos primeiros casamentos de S. e L., enquanto cidadãos de um Estado‑Membro, gozam do estatuto de cidadão da União, ao abrigo do artigo 20.°, n.° 1, TFUE, e podem portanto invocar, mesmo relativamente ao Estado‑Membro de que têm a nacionalidade, os direitos relativos a tal estatuto (v. acórdãos, já referidos, McCarthy, n.° 48, e Dereci e o., n.° 63).

45      Com este fundamento, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 20.° TFUE obsta a medidas nacionais, incluindo decisões de recusa de autorização de residência a membros da família de um cidadão da União, que tenham o efeito de privar os cidadãos do gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos pelo seu estatuto de cidadão da União (acórdão Ruiz Zambrano, já referido, n.° 42).

46      Por último, no que se refere ao direito de residência de uma pessoa, nacional de um país terceiro, no Estado‑Membro em que residem os seus filhos de tenra idade, nacionais desse Estado‑Membro, que essa pessoa tem a seu cargo e goza a guarda comum, juntamente com a sua mulher, o Tribunal de Justiça considerou que a recusa da autorização de residência tem a consequência de os referidos filhos, cidadãos da União, se verem obrigados a deixar o território da União para acompanhar os seus progenitores e de esses cidadãos da União ficarem, de facto, impossibilitados de exercer o essencial dos direitos conferidos pelo seu estatuto de cidadão da União (acórdão Ruiz Zambrano, já referido, n.os 43 e 44).

47      O critério relativo à privação do essencial dos direitos conferidos pelo estatuto de cidadão da União referia‑se, nos processos que deram origem aos acórdãos Ruiz Zambrano e Dereci e o., já referidos, a situações caracterizadas pela circunstância de o cidadão da União se ver obrigado, na prática, a abandonar não apenas o território do Estado‑Membro de que é nacional mas também o território de toda a União.

48      Este critério reveste, portanto, um caráter muito particular, na medida em que visa situações nas quais um direito de residência não pode, excecionalmente, ser recusado a um nacional de um país terceiro, membro da família de um nacional de um Estado‑Membro, sob pena de se prejudicar o efeito útil da cidadania da União de que este último nacional goza (acórdão Dereci e o., já referido, n.° 67).

49      No caso em apreço, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se o indeferimento dos pedidos de residência apresentados a título do reagrupamento familiar em circunstâncias como as que estão em causa nos litígios nos processos principais implica, para os cidadãos da União envolvidos, a privação do gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos pelo seu estatuto.

50      No âmbito desta apreciação, deve ser tido em conta o facto de as mães dos cidadãos da União serem detentoras de autorizações de residência permanente no Estado‑Membro em causa, de forma que não existe nenhuma obrigação legal por parte delas nem por parte dos cidadãos da União que têm a seu cargo de abandonarem o território desse Estado‑Membro e o de toda a União.

51      Para efeitos da análise da questão de saber se os cidadãos da União em causa estão impossibilitados de exercer o essencial dos direitos conferidos pelo seu estatuto, são também pertinentes a questão da guarda dos filhos das requerentes do reagrupamento e o facto de esses menores fazerem parte de famílias refeitas. Por um lado, uma vez que S. e L. detêm a guarda exclusiva dos cidadãos da União de tenra idade em causa, a decisão de abandonarem o território do Estado‑Membro de que essas crianças são nacionais, para manter a unidade familiar, teria por efeito privar esses cidadãos da União de qualquer contacto com os seus pais biológicos no caso de esse contacto ter sido mantido até agora. Por outro lado, qualquer decisão de permanecerem no território desse Estado‑Membro para preservar a eventual relação dos cidadãos da União de tenra idade com os seus pais biológicos teria por efeito pôr em causa a relação das outras crianças, nacionais de países terceiros, com os seus pais biológicos.

52      A este respeito, contudo, o simples facto de poder parecer desejável, por razões de ordem económica ou a fim de manter a unidade familiar no território da União, que membros de uma família, composta por nacionais de países terceiros e por um cidadão da União de tenra idade, possam residir com este cidadão no território da União no Estado‑Membro de que este é nacional não basta, por si só, para considerar que o referido cidadão é obrigado a abandonar o território da União, se tal direito de residência não for concedido (v., neste sentido, acórdão Dereci e o., já referido, n.° 68).

53      Com efeito, no âmbito da apreciação, mencionada no n.° 49 do presente acórdão, que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, incumbe‑lhe examinar todas as circunstâncias do caso em apreço para determinar se, de facto, as decisões de recusa de autorizações de residência em causa nos processos principais são suscetíveis de prejudicar o efeito útil da cidadania da União de que gozam os cidadãos da União em causa.

54      O facto de a pessoa para quem é pedida a autorização de residência a título do reagrupamento familiar viver ou não com o requerente do reagrupamento e com os outros membros da família não é determinante para essa apreciação, uma vez que não se pode excluir que determinados membros da família objeto de um pedido de reagrupamento familiar cheguem ao Estado‑Membro em causa independentemente do resto da família.

55      Cabe, além disso, observar que, contrariamente ao que alegam os Governos alemão e italiano, embora os princípios enunciados no acórdão Ruiz Zambrano, já referido, só sejam aplicáveis em circunstâncias excecionais, não resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a sua aplicação esteja reservada a situações em que existe uma relação biológica entre o nacional de um país terceiro para quem é pedida uma autorização de residência e o cidadão da União, que é uma criança de tenra idade, da qual decorreria, eventualmente, o direito de residência do requerente.

56      Em contrapartida, tanto o direito de residência permanente das mães dos cidadãos da União de tenra idade em causa como o facto de os nacionais de países terceiros para os quais foi pedida uma autorização de residência não assumirem o encargo legal, financeiro ou afetivo desses cidadãos devem ser tidos em consideração na análise da questão de saber se esses mesmos cidadãos estariam, em consequência da decisão de recusa de residência, impossibilitados de exercer o essencial dos direitos conferidos pelo seu estatuto. Com efeito, como referiu o advogado‑geral no n.° 44 das suas conclusões, é a relação de dependência entre o cidadão da União de tenra idade e o nacional de um país terceiro a quem um direito de residência é recusado que pode pôr em causa o efeito útil da cidadania da União, dado que é essa dependência que coloca o cidadão da União na obrigação, de facto, de abandonar não só o território do Estado‑Membro de que é nacional mas também o de toda a União, como consequência dessa decisão de recusa (v. acórdãos, já referidos, Ruiz Zambrano, n.os 43 e 45, e Dereci e o., n.os 65 a 67).

57      Sem prejuízo da verificação que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, parece resultar das informações de que o Tribunal de Justiça dispõe que essa dependência pode não existir nos processos principais.

58      Em face do exposto, há que observar que o artigo 20.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado‑Membro recuse a um nacional de um país terceiro uma autorização de residência a título do reagrupamento familiar, quando esse nacional pretende residir com o seu cônjuge, também nacional de um país terceiro que reside legalmente nesse Estado‑Membro e mãe de uma criança, nascida de um primeiro casamento e que é cidadão da União, bem como com o filho nascido da sua própria união, também ele nacional de um país terceiro, desde que essa recusa não implique, para o cidadão da União em causa, a privação do gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos pelo estatuto de cidadão da União, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

59      No caso de esse órgão jurisdicional considerar que, nas circunstâncias dos processos que lhe foram submetidos, essa privação não resulta das decisões de recusa das autorizações de residência em causa nos processos principais, isto não prejudica a questão de saber se existem outros fundamentos, designadamente relacionados com o direito à proteção da vida familiar, que se oponham a que um direito de residência possa ser recusado a O. e a M. Esta questão deve porém ser abordada no quadro das disposições relativas à proteção dos direitos fundamentais e em função da sua aplicabilidade respetiva (v. acórdão Dereci e o., já referido, n.° 69).

60      A este respeito, há que recordar que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, este pode ser levado a tomar em consideração normas do direito da União a que o órgão jurisdicional nacional não fez referência no enunciado da sua questão e que podem ser úteis para decidir o processo que lhe foi submetido (v., designadamente, acórdão de 26 de abril de 2007, Alevizos, C‑392/05, Colet., p. I‑3505, n.° 64).

 Quanto à Diretiva 2003/86

61      No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio fez referência, nos seus pedidos de decisão prejudicial, à Diretiva 2003/86 sem, no entanto, submeter uma questão relativa a esta última.

62      Do mesmo modo, os Governos finlandês, em parte, italiano, neerlandês e polaco, bem como a Comissão, alegam que o direito de residência de O. e M. e a situação das suas famílias foram ou deviam ser examinados à luz das disposições da Diretiva 2003/86.

63      A este respeito, importa recordar que, nos termos do artigo 1.° da referida diretiva, o seu objetivo é estabelecer as condições em que o direito ao reagrupamento familiar pode ser exercido por nacionais de países terceiros que residam legalmente no território dos Estados‑Membros.

64      A definição de membros da família enunciada no artigo 4.°, n.° 1, da mesma diretiva inclui o cônjuge do requerente do reagrupamento, os filhos comuns deste e do seu cônjuge, os filhos menores, respetivamente, do requerente do reagrupamento e do seu cônjuge, quando estes sejam titulares do direito de guarda e tenham a seu cargo os respetivos filhos.

65      Daqui resulta que a família nuclear a que se refere o considerando 9 da Diretiva 2003/86 foi concebida pelo legislador da União de forma ampla.

66      Contudo, segundo o artigo 3.°, n.° 3, da mesma diretiva, esta não é aplicável aos familiares de cidadãos da União.

67      No n.° 48 do acórdão Dereci e o., já referido, o Tribunal de Justiça considerou que, na medida em que, no quadro dos litígios nos processos principais, eram os cidadãos da União quem residia num Estado‑Membro e os membros das suas famílias, nacionais de países terceiros, quem pretendia entrar e residir nesse Estado‑Membro a fim de manter a unidade familiar com os referidos cidadãos, a Diretiva 2003/86 não era aplicável a esses nacionais de países terceiros.

68      Contudo, contrariamente às circunstâncias que caracterizam os processos que deram origem ao acórdão Dereci e o., já referido, S. e L. são nacionais de países terceiros que residem legalmente num Estado‑Membro e que pedem para beneficiar do reagrupamento familiar. Portando, deve ser‑lhes reconhecida a qualidade de «requerente do reagrupamento» na aceção do artigo 2.°, alínea c), da Diretiva 2003/86. Por outro lado, os filhos comuns de S. e L. e dos respetivos cônjuges são eles próprios nacionais de países terceiros e não gozam, portanto, do estatuto de cidadãos da União conferido pelo artigo 20.° TFUE.

69      Tendo em conta o objetivo prosseguido pela Diretiva 2003/86, que é favorecer o reagrupamento familiar (acórdão de 4 de março de 2010, Chakroun, C‑578/08, Colet., p. I‑1839, n.° 43), e a proteção que visa conceder aos nacionais de países terceiros, nomeadamente aos menores, a aplicabilidade desta diretiva não pode ser excluída pelo simples facto de um dos progenitores de um menor, nacional de um país terceiro, ser também o progenitor de um cidadão da União, nascido de um primeiro casamento.

70      O artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 2003/86 impõe aos Estados‑Membros obrigações positivas precisas, às quais correspondem direitos subjetivos claramente definidos. Exige‑lhes, nas hipóteses determinadas pela mesma diretiva, que autorizem o reagrupamento familiar de certos membros da família do requerente do reagrupamento, sem que possam exercer a sua margem de apreciação (v. acórdão de 27 de junho de 2006, Parlamento/Conselho, C‑540/03, Colet., p. I‑5769, n.° 60).

71      No entanto, a referida disposição estabelece como reserva o cumprimento das condições previstas, nomeadamente, no capítulo IV da Diretiva 2003/86. O artigo 7.°, n.° 1, alínea c), desta diretiva faz parte dessas condições e permite que os Estados‑Membros exijam que o requerente do reagrupamento faça prova de que dispõe de recursos estáveis, regulares e suficientes para prover à sua própria subsistência e à dos seus familiares, sem recorrer ao sistema de assistência social do Estado‑Membro em causa. A mesma disposição precisa que os Estados‑Membros devem avaliar esses recursos com referência à sua natureza e à sua regularidade e podem ter em conta o nível das remunerações e das pensões mínimas nacionais, bem como o número de familiares (acórdão Chakroun, já referido, n.° 42).

72      No que respeita ao referido artigo 4.°, n.° 1, importa, antes de mais, salientar que, em princípio, os recursos do requerente do reagrupamento é que são objeto de exame individualizado dos pedidos de reagrupamento exigido pela Diretiva 2003/86 e não os recursos do nacional de um país terceiro para o qual é pedido um direito de residência a título do reagrupamento familiar (v. acórdão Chakroun, já referido, n.os 46 e 47).

73      Além disso, no que se refere aos referidos recursos, a expressão «recorrer ao sistema de assistência social» que figura no artigo 7.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2003/86 não permite a um Estado‑Membro recusar o reagrupamento familiar a um requerente do reagrupamento que prove dispor de recursos estáveis, regulares e suficientes para poder prover às suas próprias necessidades e às dos membros da sua família, mas que, tendo em conta o nível dos seus rendimentos, poderá, no entanto, recorrer à assistência especial em caso de despesas especiais e individualmente determinadas necessárias à sua subsistência ou a medidas de apoio aos rendimentos (v. acórdão Chakroun, já referido, n.° 52).

74      Em seguida, uma vez que a autorização do reagrupamento familiar constitui a regra geral, o Tribunal de Justiça declarou que a faculdade prevista no artigo 7.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2003/86 deve ser interpretada em termos estritos. A margem de manobra reconhecida aos Estados‑Membros não deve, portanto, ser por estes utilizada de forma a prejudicar o objetivo da diretiva e o efeito útil desta (acórdão Chakroun, já referido, n.° 43).

75      Por último, importa recordar, como resulta do considerando 2 da Diretiva 2003/86, que esta respeita os direitos fundamentais e cumpre os princípios consagrados na Carta.

76      O artigo 7.° da Carta, que contém direitos correspondentes aos garantidos pelo artigo 8.°, n.° 1, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, reconhece o direito ao respeito pela vida privada e familiar. Esta disposição da Carta deve, além disso, ser lida em conjugação com a obrigação de tomar em consideração o interesse superior da criança, reconhecido no artigo 24.°, n.° 2, da referida Carta, e tendo em conta a necessidade da criança de manter regularmente relações pessoais com ambos os progenitores, expressa no n.° 3 do mesmo artigo (v. acórdãos Parlamento/Conselho, já referido, n.° 58, e de 23 de dezembro de 2009, Detiček, C‑403/09 PPU, Colet., p. I‑12193, n.° 54).

77      O artigo 7.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2003/86 não pode ser interpretado e aplicado de uma forma tal que essa aplicação conduza a ignorar os direitos fundamentais enunciados nas referidas disposições da Carta.

78      Com efeito, incumbe aos Estados‑Membros não só interpretarem o seu direito nacional em conformidade com o direito da União mas também evitarem basear‑se numa interpretação de um diploma de direito derivado que seja suscetível de entrar em conflito com os direitos fundamentais protegidos pela ordem jurídica da União (v. acórdãos, já referidos, Parlamento/Conselho, n.° 105, e Detiček, n.° 34).

79      Na verdade, os artigos 7.° e 24.º da Carta, ao salientarem a importância da vida familiar para as crianças, não podem ser interpretados no sentido de que privam os Estados‑Membros de uma certa margem de apreciação quando examinam os pedidos de reagrupamento familiar (v., neste sentido, acórdão Parlamento/Conselho, já referido, n.° 59).

80      Contudo, durante esse exame e ao determinar, nomeadamente, se as condições enunciadas no artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 2003/86 estão preenchidas, as disposições desta diretiva devem ser interpretadas e aplicadas à luz dos artigos 7.° e 24.°, n.os 2 e 3, da Carta, como, de resto, decorre dos termos do considerando 2 e do artigo 5.°, n.° 5, desta diretiva, que impõem aos Estados‑Membros a obrigação de examinarem os pedidos de reagrupamento em causa no interesse das crianças em causa e com o intuito de favorecer a vida familiar.

81      Cabe às autoridades nacionais competentes, quando da aplicação da Diretiva 2003/86 e do exame dos pedidos de reagrupamento familiar, proceder a uma apreciação equilibrada e razoável de todos os interesses em jogo, tendo especialmente em conta os das crianças (dos menores) em causa.

82      Em face do exposto, há que responder às questões submetidas que:

¾        O artigo 20.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado‑Membro recuse a um nacional de um país terceiro uma autorização de residência a título do reagrupamento familiar, quando esse nacional pretende residir com o seu cônjuge, também nacional de um país terceiro que reside legalmente nesse Estado‑Membro e mãe de uma criança, nascida de um primeiro casamento e que é cidadão da União, bem como com o filho nascido da sua própria união, também ele nacional de um país terceiro, desde que essa recusa não implique, para o cidadão da União em causa, a privação do gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos pelo estatuto de cidadão da União, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

¾        Os pedidos de autorização de residência a título do reagrupamento familiar como os que estão em causa nos processos principais estão abrangidos pela Diretiva 2003/86. O artigo 7.°, n.° 1, alínea c), da referida diretiva deve ser interpretado no sentido de que, embora os Estados‑Membros tenham a faculdade de exigir a prova de que o requerente do reagrupamento dispõe de recursos estáveis, regulares e suficientes para poder prover às suas próprias necessidades e às dos membros da sua família, essa faculdade deve ser exercida à luz dos artigos 7.° e 24.°, n.os 2 e 3, da Carta, que impõem aos Estados‑Membros a obrigação de examinarem os pedidos de reagrupamento familiar no interesse das crianças em questão e com o intuito de favorecer a vida familiar, bem como evitar prejudicar tanto o objetivo dessa diretiva como o seu efeito útil. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se as decisões de recusa das autorizações de residência em causa nos processos principais foram tomadas respeitando essas exigências.

 Quanto às despesas

83      Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

O artigo 20.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado‑Membro recuse a um nacional de um país terceiro uma autorização de residência a título do reagrupamento familiar, quando esse nacional pretende residir com o seu cônjuge, também nacional de um país terceiro que reside legalmente nesse Estado‑Membro e mãe de uma criança, nascida de um primeiro casamento e que é cidadão da União, bem como com o filho nascido da sua própria união, também ele nacional de um país terceiro, desde que essa recusa não implique, para o cidadão da União em causa, a privação do gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos pelo estatuto de cidadão da União, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Os pedidos de autorização de residência a título do reagrupamento familiar como os que estão em causa nos processos principais estão abrangidos pela Diretiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar. O artigo 7.°, n.° 1, alínea c), da referida diretiva deve ser interpretado no sentido de que, embora os Estados‑Membros tenham a faculdade de exigir a prova de que o requerente do reagrupamento dispõe de recursos estáveis, regulares e suficientes para poder prover às suas próprias necessidades e às dos membros da sua família, essa faculdade deve ser exercida à luz dos artigos 7.° e 24.°, n.os 2 e 3, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que impõem aos Estados‑Membros a obrigação de examinarem os pedidos de reagrupamento familiar no interesse das crianças em questão e com o intuito de favorecer a vida familiar, bem como evitar prejudicar tanto o objetivo dessa diretiva como o seu efeito útil. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se as decisões de recusa das autorizações de residência em causa nos processos principais foram tomadas respeitando essas exigências.

Assinaturas


* Língua do processo: finlandês.