Language of document : ECLI:EU:C:2023:21

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

NICHOLAS EMILIOU

apresentadas em 12 de janeiro de 2023 (1((i))

Processo C638/22 PPU

T.C.,

Rzecznik Praw Dziecka,

Prokurator Generalny

sendo interveniente:

M.C.,

Prokurator Prokuratury Okręgowej we Wrocławiu

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Apelacyjny w Warszawie (Tribunal de Recurso de Varsóvia, Polónia)]

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Matéria matrimonial e de responsabilidade parental — Rapto internacional de crianças — Convenção da Haia de 1980 Artigos 11.o a 13.o Regulamento (CE) n.o 2201/2003 — Artigo 11.o — Imperativo de celeridade do procedimento de regresso Suspensão da execução de uma decisão de regresso transitada em julgado, concedida por força da lei a pedido de uma entidade pública com legitimidade ativa, a fim de permitir a essa entidade interpor recurso de cassação da decisão e a sua apreciação pelo órgão jurisdicional competente — Incompatibilidade com o direito da União»






I.      Introdução

1.        Os casos de rapto de crianças estão certamente entre os casos mais delicados que um órgão jurisdicional pode ser chamado a decidir. Com efeito, surgem num contexto particularmente pesado em termos emocionais e jurídicos, em que o ressentimento mútuo dos pais, os seus sentimentos em relação ao(s) filho(s) e os direitos fundamentais de uns e de outros se misturam, centrados no superior interesse da(s) criança(s).

2.        O procedimento estabelecido a este respeito pela Convenção sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída na Haia em 25 de outubro de 1980 (porá seguir «Convenção da Haia de 1980»), e complementada na União Europeia por certas disposições do Regulamento (CE) n.o 2201/2003 relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental (2) (a seguir «Regulamento Bruxelas II‑A»), que visa garantir o regresso imediato da criança ao Estado da sua residência habitual, é já objeto de vasta jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (a seguir «TEDH»). Contudo, a sua implementação permanece controversa, pelo menos em alguns Estados.

3.        O pedido de decisão prejudicial em apreço, apresentado pelo Sąd Apelacyjny w Warszawie (Tribunal de Recurso de Varsóvia, Polónia), convida o Tribunal de Justiça a debruçar‑se sobre a obrigação de os Estados‑Membros da União preverem, na sua legislação nacional, procedimentos céleres para tratar os pedidos de regresso, com base nos instrumentos referidos no ponto anterior. Em concreto, aquele órgão jurisdicional procura esclarecer se, em conformidade com tais instrumentos, um Estado‑Membro pode prever nesta matéria, além de duas instâncias de jurisdição comum, a possibilidade de interposição de um recurso de cassação, através de um mero pedido não fundamentado de uma das entidades públicas com legitimidade processual para a interposição de recurso, com efeito suspensivo da decisão transitada em julgado que ordena o regresso. Nas presentes conclusões, explicarei as razões pelas quais considero que tal não pode acontecer.

II.    Quadro jurídico

A.      Convenção da Haia de 1980

4.        O artigo 1.o, alínea a), da Convenção da Haia de 1980 tem nomeadamente por objeto «assegurar o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente».

5.        O artigo 2.o desta Convenção prevê que os Estados Contratantes da Convenção «deverão tomar todas as medidas convenientes que visem assegurar, nos respetivos territórios, a concretização dos objetivos da Convenção. Para o efeito, deverão recorrer a procedimentos de urgência».

6.        O artigo 11.o da referida Convenção dispõe:

«As autoridades judiciais ou administrativas dos Estados Contratantes deverão adotar procedimentos de urgência com vista ao regresso da criança. Se a respetiva autoridade judicial ou administrativa não tiver tomado uma decisão no prazo de seis semanas a contar da data da participação, o requerente ou a autoridade central do Estado requerido, por sua própria iniciativa ou a solicitação da autoridade central do Estado requerente, pode pedir uma declaração sobre as razões da demora. […]»

7.        Nos termos do artigo 12.o da mesma Convenção:

«Quando uma criança tenha sido ilicitamente transferida ou retida nos termos do [a]rtigo 3.o e tiver decorrido um período de menos de 1 ano entre a data da deslocação ou da retenção indevidas e a data do início do processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado contratante onde a criança se encontrar, a autoridade respetiva deverá ordenar o regresso imediato da criança.

[…]»

8.        O artigo 13.o da Convenção da Haia de 1980 dispõe:

«Sem prejuízo das disposições contidas no [a]rtigo anterior, a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigada a ordenar o regresso da criança se a pessoa, instituição ou organismo que se opuser ao seu regresso provar:

[…]

b)      Que existe um risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, […] ficar numa situação intolerável.

[…]»

B.      Regulamento Bruxelas IIA

9.        O artigo 11.o do Regulamento Bruxelas II‑A, sob a epígrafe «Regresso da criança», dispõe:

«1.      Os n.os 2 a 8 são aplicáveis quando uma pessoa […] titular do direito de guarda pedir às autoridades competentes de um Estado‑Membro uma decisão, baseada na [Convenção da Haia de 1980] a fim de obter o regresso de uma criança que tenha sido ilicitamente deslocada ou retida num Estado‑Membro que não o da sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas.

[…]

3.      O tribunal ao qual seja apresentado um pedido de regresso de uma criança, nos termos do disposto no n.o 1, deve acelerar a tramitação do pedido, utilizando o procedimento mais expedito previsto na legislação nacional.

Sem prejuízo do disposto no primeiro parágrafo, o tribunal deve pronunciar‑se o mais tardar no prazo de seis semanas a contar da apresentação do pedido, exceto em caso de circunstâncias excecionais que o impossibilitem.

[…]»

C.      Direito polaco

10.      O artigo 5191.o, § 21, do Kodeks postępowania cywilnego (Código de Processo Civil), que resulta da ustawa o wykonywaniu niektórych czynności organu centralnego w sprawach rodzinnych z zakresu obrotu prawnego na podstawie prawa Unii Europejskiej i umów międzynarodowyc (Lei que Regula Certas Atividades da Autoridade Central em matéria de Direito da Família com base no Direito da União e nas Convenções Internacionais) de 26 de janeiro de 2018 (Dz. U. de 2018, posição 416, a seguir «Lei de 2018»), dispõe:

«Também é possível interpor recurso de cassação em processos relativos à retirada de uma pessoa sujeita à autoridade parental ou que esteja ao cuidado de outrem, conduzidos com base na Convenção da Haia de 1980.»

11.      Nos termos do artigo 5191.o, § 22, do Código de Processo Civil, igualmente resultante da Lei de 2018:

«O recurso de cassação referido no § 21 pode ser interposto pelo Prokurator Generalny (Procurador‑Geral), pelo Rzecznik Praw Dziecka (Provedor da Criança) ou pelo Rzecznik Praw Obywatelskich (Provedor de Justiça) no prazo de quatro meses a contar da data em que o despacho transitou em julgado.»

12.      A ustawa z dnia 7 kwietnia 2022 r. o zmianie ustawy Kodeks postępowania cywilnego [Lei de 7 de abril 2022 que Altera o Código de Processo Civil (Dz. U. de 2022, posição 1098, a seguir «Lei de 2022»], que entrou em vigor em 24 de junho de 2022, introduziu no Código de Processo Civil o artigo 3881.o, que dispõe:

«§ 1.      Em processos relativos à retirada de uma pessoa sujeita a autoridade parental ou ao cuidado de outrem conduzidos com base na [Convenção da Haia de 1980], a pedido de uma das entidades referidas no artigo 5191.o, § 22, apresentado ao órgão jurisdicional a que se refere o artigo 5182.o, § 1, no prazo máximo de duas semanas a contar da data em que o despacho relativo à retirada de uma pessoa sujeita a autoridade parental ou ao cuidado de outrem transitou em julgado, a execução desse despacho suspende‑se por força da lei.

§ 2.      A suspensão da execução do despacho referido no § 1 cessa se a entidade referida no artigo 5191.o, § 22, não interpuser recurso de cassação no prazo de dois meses a contar da data em que o despacho transitou em julgado.

§ 3.      Caso a entidade referida no artigo 5191.o, § 22, interponha recurso de cassação no prazo de dois meses a contar da data em que o despacho referido no § 1 transitou em julgado, a suspensão da execução desse despacho é prorrogada por força da lei até ao termo do processo de cassação.

§ 4.      Uma entidade que tenha apresentado um pedido de suspensão da execução do despacho referido no § 1 pode revogá‑lo no prazo de dois meses a contar da data em que o despacho transitou em julgado, a menos que a entidade referida no artigo 5191.o, § 22, tenha interposto recurso de cassação.

§ 5.      Em resultado da desistência do pedido de suspensão da execução do despacho referido no § 1, esse despacho torna‑se executório.»

III. Litígio no processo principal e questão prejudicial

13.      T.C. (a seguir «o pai») e M.C. (a seguir «a mãe»), cidadãos polacos, são os progenitores de dois filhos, nomeadamente N., nascido a 8 de junho de 2011, e M., nascido a 1 de janeiro de 2017 (a seguir, designados conjuntamente, «as crianças»). A família residiu na Irlanda durante vários anos. As crianças nasceram aí e também têm nacionalidade irlandesa. Além disso, ambos os pais têm um emprego estável nesse país, embora a mãe esteja de baixa médica por um período longo.

14.      No verão de 2021, a mãe, com o acordo do pai, foi de férias para a Polónia com os filhos. Em setembro, informou o marido de que aí iria permanecer permanentemente. O pai nunca consentiu na mudança da residência habitual dos filhos nem, portanto, no seu não regresso à Irlanda.

15.      Em 18 de novembro de 2021, o pai apresentou no Sąd Okręgowy we Wrocławiu (Tribunal Regional de Wrocław, Polónia) um pedido para o regresso das crianças à Irlanda, com base na Convenção da Haia de 1980. A mãe interveio no processo e pediu o indeferimento desse pedido. O Prokurator Okręgowy we Wrocławiu (Procurador Regional de Wrocław), por seu turno, interveio em apoio do referido pedido.

16.      Por Despacho de 15 de junho de 2022, o Sąd Okręgowy we Wrocławiu (Tribunal Regional de Wrocław) deferiu o pedido do pai. Em substância, este órgão jurisdicional considerou tratar‑se, in casu, de uma «retenção ilícita das crianças», na aceção da Convenção da Haia de 1980e que o motivo de recusa de regresso previsto no artigo 13.o, primeiro parágrafo, alínea b), da referida Convenção não era aplicável. Assim, ordenou à mãe que assegurasse o regresso das crianças à Irlanda no prazo de 7 dias a contar da data do trânsito em julgado do despacho proferido.

17.      Subsequentemente, a mãe recorreu deste despacho para o Sąd Apelacyjny w Warszawie (Tribunal de Recurso de Varsóvia). O pai e o Procurador Regional de Wrocław, por seu lado, defenderam a improcedência do recurso.

18.      Por Despacho de 21 de setembro de 2022, o Sąd Apelacyjny w Warszawie (Tribunal de Recurso de Varsóvia) negou provimento ao recurso, julgando‑o improcedente. Em substância, a instância de recurso confirmou a apreciação do tribunal de primeira instância, particularmente no que diz respeito à inaplicabilidade do fundamento de recusa de regresso previsto artigo 13.o, primeiro parágrafo, alínea b), da Convenção da Haia de 1980.

19.      O Despacho do Sąd Apelacyjny w Warszawie (Tribunal de Recurso de Varsóvia) transitou em julgado no dia em que foi proferido, ou seja, em 21 de setembro de 2022. O despacho do Sąd Okręgowy we Wrocławiu (Tribunal Regional de Wrocław) de 15 de junho de 2022 também transitou em julgado nesta data.

20.      Em 28 de setembro de 2022, o prazo de sete dias concedido à mãe no Despacho de 15 de junho de 2022 do Sąd Okręgowy we Wrocławiu (Tribunal Regional de Wrocław), para a execução voluntária do despacho de regresso transitado em julgado terminou sem que ela tivesse assegurado o regresso das crianças à Irlanda.

21.      Em 29 de setembro de 2022, com vista à execução coerciva da decisão transitada em julgado que ordenava o regresso, o pai submeteu um pedido ao Sąd Apelacyjny w Warszawie (Tribunal de Recurso de Varsóvia) para que o tribunal acrescentasse ao despacho proferido uma menção à sua força executória e que lhe fosse fornecida uma cópia do despacho com a referida certidão.

22.      Em 30 de setembro de 2022, o Provedor da Criança apresentou um pedido para a suspensão da execução dos despachos dos tribunais de primeira e de segunda instância, ao abrigo do artigo 3881, § 1, do Código de Processo Civil polaco. Em 5 de outubro de 2022, o Procurador‑Geral apresentou pedido idêntico.

23.      Nestas circunstâncias, o Sąd Apelacyjny w Warszawie (Tribunal de Recurso de Varsóvia) decidiu suspender a instância e apresentar ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 11.o, n.o 3, do [Regulamento Bruxelas II‑A] e os artigos 22.o, 24.o, 27.o, n.o 6, e 28.o, n.os 1 e 2, do [Regulamento Bruxelas II‑B], em conjugação com o artigo 47.o da [Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta)], opõem‑se à aplicação de uma disposição do direito nacional segundo a qual, em processos relativos à retirada de uma pessoa sujeita a responsabilidade parental, ou que esteja ao cuidado de outrem, conduzidos com base na [Convenção da Haia de 1980] se suspende por força da lei a execução do despacho relativo à retirada de uma pessoa sujeita a responsabilidade parental ou que esteja ao cuidado de outrem, mediante pedido do Procurador‑Geral, do Provedor da Criança ou do Provedor de Justiça, apresentado ao Sąd Apelacyjny w Warszawie (Tribunal de Recurso de Varsóvia) no prazo máximo de duas semanas a contar da data em que o referido despacho transitou em julgado?»

IV.    Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

24.      O órgão jurisdicional de reenvio solicitou que o presente pedido fosse submetido à tramitação prejudicial urgente prevista no artigo 107.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

25.      Como fundamento deste pedido, aquele órgão jurisdicional alegou que as crianças já residiam na Polónia há mais de um ano e que o prolongamento desta situação instável mais alguns meses em razão da tramitação processual poderia, por um lado, prejudicar seriamente a relação das crianças com o pai e, por outro, afetar o seu bem‑estar e, nomeadamente, complicar o seu potencial regresso e reintegração na Irlanda.

26.      Tendo em conta estes fatores, a Terceira Secção do Tribunal de Justiça decidiu a 26 de outubro de 2022 deferir o referido pedido.

27.      O pai, o Provedor da Criança, o Procurador‑Geral, a mãe, o Governo polaco e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas ao Tribunal de Justiça. O pai, o Procurador‑Geral, a mãe, os Governos polaco, belga, francês e holandês, e a Comissão estiveram representados na audiência realizada a 8 de dezembro de 2022.

V.      Análise

28.      Importa recordar, a título preliminar, que a Convenção da Haia de 1980, da qual todos os Estados‑Membros são parte(3), se destina a dar uma resposta civil ao «rapto internacional de crianças» ou, mais precisamente, à «deslocação ou retenção ilícitas». Estão aqui em causa as situações em que um menor é «deslocado», geralmente por um dos progenitores, do Estado Contratante onde reside habitualmente para outro Estado Contratante, ou não é «devolvido» ao Estado de origem, em violação do direito de guarda concedido ao abrigo da lei desse Estado, normalmente quando, de acordo com essa lei, tal deslocação ou retenção deveria ter sido mas não foi autorizada pelo outro progenitor (4).

29.      Partindo do princípio de que, regra geral, tal situação lesa fortemente os interesses da criança raptada ‑ que é assim retirada do ambiente em que vivia antes do rapto e, em muitos casos, privada do contacto com o seu outro progenitor ‑ e de que, em princípio, o interesse superior da criança dita que o status quo ante e a continuidade das suas condições de vida e desenvolvimento devem ser restabelecidos o mais rapidamente possível (5), esta Convenção prevê um procedimento específico, cujo objetivo é assegurar o regresso imediato da criança ao Estado da sua residência habitual.

30.      Quando um «pedido de regresso» é apresentado com base na Convenção da Haia de 1980 geralmente pelo progenitor que se vê privado da presença da criança a uma autoridade competente do Estado onde a criança raptada se encontra (Estado requerido), a Convenção prevê, no artigo 12.o, o princípio de que essa autoridade deve ordenar o «regresso imediato» da criança ao Estado da sua residência habitual. No entanto, a título excecional, a autoridade pode não ordenar o regresso da criança em determinadas situações, limitativamente enumeradas na referida convenção, em que o restabelecimento do status quo ante não seja do interesse da criança. Veja‑se, particularmente, em conformidade com o artigo 13.o, primeiro parágrafo, alínea b), da mesma Convenção, quando existe um « risco grave» de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável..

31.      Quando ocorre um rapto de crianças na União, como acontece no processo principal, as regras da Convenção da Haia de 1980 são complementadas pelas disposições do artigo 11.o do Regulamento Bruxelas II‑A ou, para os pedidos de regresso apresentados após 1 de agosto de 2022, pelos artigos 22.o a 29.o do Regulamento Bruxelas II‑B (6). No essencial, estes regulamentos reforçam, nas relações entre os Estados‑Membros, o princípio do regresso imediato da criança, tal como previsto no artigo 12.o da Convenção, regulando, com mais rigor do que a própria Convenção, a utilização dos fundamentos de recusa de regresso previstos no artigo 13.o

32.      Abordados os contornos gerais, e no seguimento do que indiquei na introdução das presentes conclusões, o caso em apreço diz respeito, especificamente, aos recursos disponíveis ao abrigo da lei polaca para apreciação dos pedidos de regresso de crianças e, por conseguinte, para aplicação dos trâmites processuais acima descritos. Também me parece útil, nesta fase preliminar da minha análise, detalhar brevemente os seus aspetos relevantes.

33.      A este respeito, resulta da decisão de reenvio e das observações apresentadas ao Tribunal de Justiça que um pedido de regresso apresentado às autoridades polacas com base na Convenção da Haia de 1980, complementada pelos Regulamentos de Bruxelas II‑A e Bruxelas‑B, particularmente num caso de rapto envolvendo dois Estados‑Membros, pode dar lugar a duas instâncias judiciais comunss.

34.      O pedido de regresso é, em primeiro lugar, apreciado por um dos tribunais regionais competentes. As partes e os eventuais intervenientes podem recorrer da decisão de regresso ‑ ou de não ordenar o regresso ‑ tomada no final do processo em primeira instância. Quando considerado necessário, o caso é reapreciado pelo Sąd Apelacyjny w Warszawie (Tribunal de Recurso de Varsóvia), que tem competência exclusiva nesta matéria (7).

35.      O acórdão do recurso transita em julgado no dia em que é proferido. Normalmente, torna‑se executório na ordem jurídica interna no mesmo dia. O mesmo se aplica à decisão proferida na primeira instância, em caso de confirmação desta. Quando o regresso da criança é determinado judicialmente, pode assim, em princípio, sob reserva do cumprimento de certas formalidades (8), ser executado pelas autoridades competentes.

36.      No entanto, ao adotar a Lei de 2018, o legislador polaco previu a possibilidade anteriormente inexistente de recurso de cassação para o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia) de uma decisão de regresso (9). No entanto, este recurso extraordinário não pode ser interposto pelos progenitores da(s) criança(s) deslocada(s). Com efeito, apenas três entidades públicas ‑ o Ministério Público, o Provedor da Criança e o Provedor de Justiça ‑ têm legitimidade para acionar esta via de recurso, quer tenham ou não intervindo anteriormente no processo, e no prazo de quatro meses após a data em que a decisão de regresso em questão transitou em julgado. (10)

37.      Como regra geral, segundo a lei polaca, a interposição de um recurso de cassação não tem efeito suspensivo. No entanto, em conformidade com uma disposição geral do Código de Processo Civil, nomeadamente o artigo 388.o, n.o 1, deste código, as partes podem requerer ao tribunal de recurso que proferiu a decisão transitada em julgado que é recorrida a atribuição de efeito suspensivo a essa decisão na pendência do recurso de cassação, quando a execução da decisão recorrida seja de molde a causar danos irreparáveis a uma das partes ficando a apreciação deste requisito e, portanto, a atribuição do efeito suspensivo, ao critério do tribunal de recurso.

38.      Apesar de, entre 2018 e 2022, estas regras gerais serem também aplicáveis às decisões de regresso, o legislador polaco introduziu, pela Lei de 2022, uma disposição especial especificamente relativa a esta categoria de decisões a partir de 24 de junho de 2022, (11).

39.      De facto, de acordo com o novo artigo 3881, § 1, do Código de Processo Civil, a execução da decisão de regresso transitada em julgado fica suspensa por força da lei quando uma das entidades públicas com legitimidade para interpor recurso de cassação contra tal decisão apresentar um pedido nesse sentido no Sąd Apelacyjny w Warszawie (Tribunal de Recurso de Varsóvia), no prazo de duas semanas a contar da data do trânsito em julgado da decisão (12). Ao contrário do disposto no artigo 388.o do Código de Processo Civil, tal pedido não requer fundamentação ou avaliação por parte deste tribunal. Quando este tipo de pedido é apresentado, a execução da decisão de regresso fica suspensa por força da lei por um período de dois meses a contar da data do trânsito em julgado da decisão. Se a entidade que pediu a suspensão não apresentar um recurso de cassação dentro deste período, cessa a suspensão (13). Em contrapartida, se tal recurso for interposto, a suspensão é prolongada até à conclusão do recurso de cassação (14).

40.      No processo principal, em conformidade com estas disposições processuais, o pedido de regresso das crianças apresentado pelo pai foi apreciado em primeira instância e, seguidamente, no recurso interposto pela mãe, pelo órgão jurisdicional de reenvio. Os dois tribunais envolvidos deferiram o pedido de regresso. Os despachos proferidos por cada uma das instâncias transitaram em julgado no dia da prolação da segunda decisão. No entanto, o Procurador‑Geral e o Provedor da Criança, a pedido da mãe, apresentaram ao órgão jurisdicional de reenvio pedidos para a suspensão da sua execução, com base no artigo 3881, § 1, do Código de Processo Civil. Ambas as entidades interpuseram posteriormente recursos de cassação no prazo legal. Em princípio, tais pedidos de suspensão devem impedir, por força da lei, a execução da decisão transitada em julgado que dita o regresso das crianças, enquanto está pendente o recurso de cassação no Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal).

41.      O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas sobre se esse resultado é compatível com a Convenção da Haia de 1980 e com os Regulamentos Bruxelas II‑A e Bruxelas II‑B, bem como com o direito a uma tutela jurisdicional efetiva, garantido pelo artigo 47.o da Carta. Partilho desta dúvida, como explicarei em pormenor nos parágrafos seguintes (secção B). No entanto, antes de o fazer, irei abordar com brevidade a sua admissibilidade (secção A).

A.      Quanto à admissibilidade

42.      Nas respetivas alegações, o Procurador‑Geral e a mãe arguem a inadmissibilidade da questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio, dado o caráter hipotético da mesma. A este respeito, defendem que não existe uma «causa» ou «processo» pendente no órgão jurisdicional de reenvio, no qual seja necessário «para o julgamento da causa», na aceção do artigo 267.o TFUE, tomar em conta uma possível decisão prejudicial do Tribunal de Justiça (15).

43.      Tal como o pai e a Comissão, sou de opinião de que a questão levantada é claramente admissível, pelo que a exceção invocada deve ser julgada improcedente.

44.      A este respeito, em primeiro lugar, gostaria de referir que esta questão está ligada a um processo judicial de regresso que decorreu, nomeadamente, perante o órgão jurisdicional de reenvio. Como salientado pela mãe, esse órgão formulou esta questão após a prolação do seu Despacho de 21 de setembro de 2022 (16), encerrando definitivamente este processo quanto ao mérito. No entanto, as dúvidas levantadas pelo órgão jurisdicional de reenvio não estão relacionadas com o mérito do pedido de regresso, mas coma executoriedade da decisão que o concede, relativamente à qual o órgão jurisdicional de reenvio ainda não decidiu, ponderando, por um lado, o pedido do pai de que o tribunal certifique essa executoriedade (17) e, por outro lado, os pedidos do Procurador‑Geral e do Provedor da Criança para que, pelo contrário, seja suspensa a execução.

45.      Ora, recordo que o Tribunal de Justiça interpreta a expressão «julgamento da causa», utilizada no artigo 267.o TFUE, de forma ampla (18). Embora a certificação judicial da executoriedade de uma decisão de regresso só tenha lugar necessariamente depois de a decisão ter sido proferida no âmbito do julgamento da causa, o facto é que, como o pai explicou, segundo a lei polaca, esta formalidade é indispensável para se poder requerer, subsequentemente, a execução às autoridades competentes. Esta certificação surge assim, de um ponto de vista funcional, como a fase final do processo judicial anterior, necessária para assegurar a eficácia da decisão de regresso (19).

46.      Em segundo lugar, observo que, mesmo que se considere a certificação de executoriedade da decisão de regresso isoladamente, não há dúvida de que o órgão jurisdicional de reenvio é chamado neste contexto a fazer o «julgamento da causa», na aceção do artigo 267.o A este respeito, o pai explicou na audiência, sem ser contestado, que esta certidão para a emissão da qual esse órgão jurisdicional tem competência, como admitido na audiência pela mãe e pelo Procurador‑Geral (20) é, em si mesma, um procedimento judicial previsto na lei polaca. A «menção» à executoriedade assume a forma de um despacho específico, emitida pelo referido tribunal, anexo ao despacho da decisão de regresso, e que ordena às autoridades competentes que a executem. (21) Além disso, como defendido pelo pai, existe uma contradição óbvia entre os pedidos formulados pelo pai, por um lado, e o Procurador‑Geral e o Provedor da Criança, por outro, o que reflete a existência de uma «controvérsia» em torno desta problemática, que deve ser «resolvida» pelo órgão jurisdicional de reenvio no contexto desse processo.

47.      A este respeito, carece de pertinência o argumento do Procurador‑Geral de que estes vários pedidos não requerem apreciação por parte do órgão jurisdicional de reenvio, com o fundamento de que, de acordo com o artigo 3881 do Código de Processo Civil, a suspensão ocorre por força da lei, implicando assim a rejeição automática do pedido do pai. Com efeito, recordo que a questão submetida por aquele órgão jurisdicional diz respeito, em substância e especificamente, à compatibilidade com o direito da União de que tal suspensão possa ser atribuída por força da lei quando requerido, sem nenhum controlo judicial da sua necessidade e proporcionalidade. Este argumento decorre, portanto, do mérito desta questão e, por esse motivo, não pode levar à sua inadmissibilidade (22).

48.      Nesse contexto, uma resposta do Tribunal de Justiça a esta questão pode não só ser tomada em consideração pelo órgão jurisdicional de reenvio no processo principal mas afigura‑se mesmo, como argumenta o pai, «necessária» para poder decidir o litígio em torno da executoriedade da decisão de regresso. Com efeito, se o Tribunal de Justiça responder que o direito da União é incompatível com uma disposição como o artigo 3881 do Código de Processo Civil, este tribunal teria de considerar ineficazes os pedidos de suspensão e, por conseguinte, deferir o pedido apresentado pelo pai. Caso contrário, terá de declarar a suspensão da execução dessa decisão e indeferir este último pedido.

49.      Feita esta precisão, o Procurador‑Geral alega também que a questão prejudicial é inadmissível, porquanto diz respeito à interpretação do Regulamento Bruxelas II‑B, e este não é aplicável aos factos do processo principal.

50.      É verdade que, ratione temporis, só o Regulamento Bruxelas II‑A é aplicável a este caso (23)‑ estando, de resto, o órgão jurisdicional de reenvio ciente disso. Portanto, tendo em conta a lógica inerente ao pedido de decisão prejudicial, o Tribunal de Justiça não pode pronunciar‑se diretamente, no presente processo, sobre a interpretação a dar ao Regulamento Bruxelas II‑B. No entanto, este problema requer apenas uma reformulação da questão prejudicial, por forma a circunscrevê‑la ao primeiro instrumento. Porém, na análise desta questão, o Regulamento Bruxelas II‑B pode ser tido em conta como um elemento de contexto. (24)

B.      Quanto ao mérito

51.      Com a questão submetida, o órgão jurisdicional de reenvio procura esclarecer, em substância, se por um lado, o artigo 11.o, n.o 3, do Regulamento Bruxelas II‑A, em conjugação com os artigos 2.o e 11.o da Convenção da Haia de 1980, e, por outro lado, com os artigos 7.o e 47.o da Carta opõe‑se a uma legislação nacional como o artigo 3881 do Código de Processo Civil, que suspende por força da lei, por um período inicial de dois meses, mediante simples pedido não fundamentado de certas entidades públicas com legitimidade ativa, a execução de uma decisão de regresso transitada em julgado proferida por duas instâncias judiciais comuns, para permitir a essas entidades interpor um recurso de cassação, mantendo‑se a suspensão, sendo caso disso, enquanto durar esse recurso.

52.      Como salientado pela mãe, pelo Procurador‑Geral e pelo Governo polaco, a Convenção da Haia de 1980 e o Regulamento Bruxelas II‑A não unificam as regras processuais aplicáveis aos pedidos de regresso apresentados com base na referida Convenção. Estes instrumentos não contêm, nomeadamente, disposições sobre as vias de recurso eventualmente disponíveis para contestar uma decisão de regresso proferida por um órgão jurisdicional do Estado‑Membro requerido, no momento a partir do qual essa decisão se torna executória, ou sobre o efeito suspensivo de tal recurso sobre a execução dessa decisão. Todas estas questões são remetidas para o direito processual do Estado‑Membro requerido.

53.      O estabelecimento destas regras processuais é, portanto, da competência de cada Estado‑Membro. No entanto, resultam destes instrumentos, bem como dos Tratados, da Carta e da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), certas obrigações, detalhadas nas secções seguintes, que estes Estados devem respeitar no exercício desta competência (25)‑ a qual não é, portanto, ilimitada, mas, pelo contrário, enquadrada.

54.      Ora, tal como o pai, os Governos belga, francês e holandês e a Comissão, considero que, ao adotar o artigo 3881 do Código de Processo Civil, o legislador polaco excedeu precisamente os limites da sua competência. De facto, com esta disposição, o legislador tornou o procedimento de regresso ineficaz (secção 1). Ao fazê‑lo, também limitou o direito fundamental do pai ao respeito pela vida familiar e o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva (secção 2), sem que tal limitação e respetivas consequências negativas se justifiquem (secção 3).

1.      Sobre a eficácia do procedimento de regresso

55.      Como mencionado acima, o procedimento de regresso, tal como previsto na Convenção da Haia de 1980 e complementado pelo Regulamento Bruxelas II‑A, tem um objetivo simples em casos de rapto de crianças: o regresso «imediato» (26) ou, por outras palavras, «sem demora» (27) da(s) criança(s) ao Estado da sua residência habitual.

56.      De facto, o tempo é um fator crucial nesta matéria. Como regra geral, quanto mais cedo a perturbação causada pela mudança de ambiente for resolvida, menos traumatizante será para a criança. Pelo contrário, quanto mais tempo a criança tiver para se integrar no seu novo ambiente, mais difícil será para ela regressar ao seu Estado de origem (28). A relação da criança com o pai que se vê privado da sua presença também depende disso. A intensidade desta relação diminui à medida que os meses passam sem contacto. Além destas considerações, quanto mais jovem for a criança, mais rapidamente a sua estrutura intelectual e psicológica evolui, e mais a passagem do tempo é suscetível de a afetar e de prejudicar essa relação (29).

57.      O objetivo do regresso «imediato» ou «sem demora» da criança implica, evidentemente, um imperativo de celeridade, sublinhado em várias disposições da Convenção da Haia de 1980 e no Regulamento Bruxelas II‑A. Especialmente, o artigo 2.o, segunda frase, daquela Convenção obriga as autoridades dos Estados‑Membros a recorrer a «procedimentos de urgência» para o tratamento de um pedido de regresso, e o seu artigo 11.o, primeiro parágrafo, exige‑lhes que adotem «procedimentos de urgência com vista ao regresso da criança». O artigo 11.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento repete essencialmente as mesmas obrigações, exigindo que os tribunais desses Estados, perante um pedido de regresso, acelerem «a tramitação do pedido, utilizando o procedimento mais expedito previsto na legislação nacional».

58.      Este imperativo de celeridade é, além disso, expresso concretamente no segundo parágrafo do artigo 11.o, segundo parágrafo, da Convenção da Haia de 1980, de onde resulta que as autoridades nacionais devem, idealmente (30), decidir sobre um pedido de regresso no prazo de seis semanas a contar da data da participação. Além disso, como assinala a Comissão, o legislador da União tornou este prazo obrigatório para os raptos intracomunitários de crianças. Com efeito, de acordo com o artigo 11.o, n.o 3, segundo parágrafo, do Regulamento Bruxelas II‑A, o tribunal onde foi apresentado o pedido deve «pronunciar‑se o mais tardar no prazo de seis semanas a contar da apresentação do pedido, exceto em caso de circunstâncias excecionais que o impossibilitem».

59.      Por outro lado, como salientado pelo Ministério Público e pelo Governo polaco, embora seja verdade que estas várias obrigações dizem respeito à adoção de uma decisão de regresso, e não à execução desta, o mesmo imperativo de eficiência e celeridade é aplicável às autoridades nacionais a este respeito. Com efeito, se uma decisão de regresso emitida com a devida celeridade pudesse permanecer letra morta ou ser executada tardiamente pelas autoridades nacionais, as obrigações em questão ficariam privadas de qualquer efeito útil (31).

60.      Neste contexto, os legisladores dos Estados‑Membros, ao abrigo do artigo 2.o da Convenção da Haia de 1980 (32) e do princípio da cooperação leal consagrado no artigo 4.o, n.o 3, TUE (33), devem prever um quadro normativo que assegure celeridade e eficácia no procedimento de regresso, garantindo assim a realização do objetivo que prossegue, e permitindo às autoridades requeridas tramitarem os pedidos de regresso e executarem as decisões proferidas com a devida celeridade.

61.      Ora, tal como o pai, os Governos belga, francês e holandês e a Comissão, acredito que, ao adotar o artigo 3881 do Código de Processo Civil, o legislador polaco fez precisamente o contrário.

62.      A este respeito, recordo que, segundo a lei polaca, um pedido de regresso pode ser analisado em duas instâncias judiciais comuns, tendo um eventual recurso da decisão da primeira instância efeito suspensivo. Neste contexto, o legislador polaco tinha certamente a possibilidade do recurso de cassação ‑ aliás, tal possibilidade existe noutros Estados‑Membros. No entanto, ao associar a este recurso extraordinário um mecanismo de efeito suspensivo por força da lei da decisão transitada em julgado contestada, como o previsto no artigo 3881, não tomando simultaneamente medidas suficientes para assegurar a celeridade do recurso, o legislador comprometeu, a nível sistémico (34), a celeridade e a eficácia do procedimento de regresso.

63.      Em primeiro lugar, recordo que logo que uma das entidades públicas com legitimidade para interpor um recurso de cassação — o Procurador‑Geral, o Provedor da Criança ou o Provedor de Justiça apresente um pedido com base neste mesmo artigo 3881, dispõe, por força da lei, de um primeiro prazo suspensivo de dois meses, calculado a partir do dia da prolação da decisão final, para interpor tal recurso, se assim o desejar (35). Embora, como alegaram a mãe, o Procurador‑Geral, o Provedor da Criança e o Governo polaco, este prazo seja mais curto do que o prazo geralmente previsto na lei polaca para a interposição desse recurso — que, ao que parece, é de seis meses a sua duração afigura‑se, no entanto, desconcertante no contexto da tramitação de um pedido de regresso. A título ilustrativo, este prazo que, repito, é concedido para a eventual preparação de um recurso ‑ é superior às seis semanas normalmente impostas aos órgãos jurisdicionais para decidir um pedido de regresso.

64.      Além disso, recordo que, no caso de ser interposto um recurso de cassação dentro do mesmo prazo, o efeito suspensivo se prolonga até à conclusão do processo no Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal). Ora, como admitiu o Governo polaco na audiência, a lei nacional não prevê nenhum prazo para o julgamento de tal recurso. Este Governo referiu também que um processo perante aquele órgão jurisdicional dura em média onze meses, o que ultrapassa em muito o período de seis semanas previsto no artigo 11.o, segundo parágrafo, da Convenção da Haia de 1980 e no artigo 11.o, n.o 3, do Regulamento Bruxelas II‑A (36). Além disso, o referido órgão jurisdicional não parece dispor, nas suas regras internas, de institutos processuais como o da tramitação prejudicial urgente, utilizado pelo Tribunal de Justiça no caso vertente, que o obriguem a usar de celeridade ao julgar este recurso (37).

65.      Em segundo lugar, contrariamente ao que a mãe, o Procurador‑Geral e o Governo polaco sugerem, o mecanismo controvertido é suscetível de afetar não apenas alguns, mas muitos processos de regresso submetidos aos tribunais polacos.

66.      A este respeito, embora na Polónia o recurso de cassação seja limitado a questões de direito, refira‑se que abrange a alegada «má aplicação da lei» (38) pelo tribunal de recurso, incluindo a má aplicação dos fundamentos legais para a recusa em ordenar o regresso, previstos no artigo 13.o da Convenção da Haia de 1980. Estes fundamentos são frequentemente invocados pelos pais raptores para se oporem ao regresso da criança e devem, se necessário, ser apreciados por esse órgão jurisdicional, o que significa que a quase totalidade das decisões de regresso pode vir a ser objeto desse recurso. Aliás, o Procurador‑Geral declarou na audiência ter alegado precisamente este fundamento no seu recurso no processo principal (39).

67.      Por outro lado, o facto de o legislador polaco ter limitado o círculo de pessoas com legitimidade para interpor tal recurso de cassação ao Procurador‑Geral, ao Provedor de Justiça e ao Provedor da Criança evita certamente a interposição de recursos abusivos pelo progenitor raptor para fins puramente dilatórios, a fim de frustrar a eficácia das disposições da Convenção da Haia de 1980 e do Regulamento Bruxelas II‑A (40). No entanto, a verdade é que, por um lado, o número de entidades com legitimidade ativa aumenta as hipóteses de tal recurso ser interposto e, por outro, estes podem, se necessário, mediante petição do progenitor em questão, abusar deste procedimento ‑ tema que voltarei a abordar (41).

68.      Sobre este último ponto, a mãe, o Procurador‑Geral e o Governo polaco replicaram que, na prática, o número de recursos de cassação interpostos pelas entidades com legitimidade ativa em casos de rapto internacional de crianças é baixo. Contudo, mesmo partindo do princípio de que é verdade, a mera possibilidade de tal recurso suspensivo é suscetível de levantar sérias dúvidas quanto à capacidade das autoridades polacas, em caso de rapto de crianças para esse Estado‑Membro, assegurarem o regresso imediato da(s) criança(s) (42).

69.      Em terceiro lugar, como salienta o órgão jurisdicional de reenvio, a contradição de tal mecanismo de efeito suspensivo automático com o espírito das regras da Convenção da Haia de 1980 e do Regulamento Bruxelas II‑A é ainda mais flagrante já que esse mecanismo foi previsto unicamente no que respeita aos pedidos de regresso baseados nesta Convenção. Assim, em vez de prever a aplicação dos «procedimentos mais céleres previstos na legislação nacional» para o tratamento de tais pedidos, como estabelecido no artigo 11.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento, o legislador polaco parece, pelo contrário, ter‑lhes reservado um dos procedimentos mais morosos disponíveis no direito polaco.

70.      Em último lugar, um outro aspeto, menos discutido perante o Tribunal de Justiça, é, no entanto, digno de menção. Resulta da decisão de reenvio que, findo o processo de cassação, as entidades públicas em questão dispõem de mais uma via de recurso contra a decisão de regresso, no caso de esta ser confirmada: um «recurso extraordinário», previsto no artigo 89.o da Ustawa z dnia 8 grudnia 2017 r. o Sądzie Najwyższym (Lei de 8 de dezembro de 2017 do Supremo Tribunal) (43), sujeita à apreciação da Izba Kontroli Nadzwyczajnej i Spraw Publicznych Sądu Najwyższego (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Assuntos Públicos do Supremo Tribunal). Tal recurso pode ser interposto no prazo de um ano a contar da data em que seja negado provimento ao recurso de cassação, e teria novamente efeito suspensivo (44).

71.      É certo que, como argumentaram o Procurador‑Geral e o Governo polaco, a interposição de tal «recurso extraordinário» é ainda hipotética na fase em que se encontra o processo principal. Por outro lado, segundo eles, tal «recurso» só poderia basear‑se num número limitado de fundamentos (45), diferentes dos já apreciados no contexto do recurso de cassação, e este recurso nunca foi utilizado em casos de rapto de crianças até agora. No entanto, a meu ver, a mera existência deste recurso confirma, numa perspetiva global do sistema processual nacional, o impacto que uma disposição como o artigo 3881 do Código de Processo Civil é suscetível de causar em termos de celeridade e eficácia dos processos de regresso.

2.      Sobre os direitos do pai ao respeito pela sua vida familiar e à tutela jurisdicional efetiva

72.      Tanto quanto me é dado ver, uma disposição como a do artigo 3881 do Código de Processo Civil também restringe seriamente o direito fundamental de um progenitor, como o pai no caso em apreço, ao respeito pela sua vida familiar, bem como o seu direito à tutela jurisdicional efetiva, garantidos, o primeiro deles, no artigo 7.o da Carta e, o outro, no artigo 47.o desse instrumento (46). Esclareço que, uma vez que estes direitos correspondem aos previstos no artigo 8.o e no artigo 6.o da CEDH, respetivamente, devem ser interpretados à luz da jurisprudência pertinente do TEDH (47).

73.      A este respeito, decorre da referida jurisprudência que, em caso de rapto internacional de uma criança, o direito de um progenitor solicitar o regresso do seu filho está abrangido pelo direito ao respeito pela sua vida familiar (48). Neste contexto, o TEDH tem afirmado reiteradamente que os Estados‑Membros têm obrigações positivas ao abrigo do artigo 8.o da CEDH nesta matéria, as quais esse órgão jurisdicional interpreta à luz da Convenção da Haia de 1980. Cabe aos Estados‑Membros dotarem‑se de meios adequados e eficazes, incluindo um quadro legislativo apropriado, para assegurar o respeito pelo direito ao regresso da criança do progenitor que se vê privado da presença da criança. Segundo o TEDH, a adequação destes meios pode ser avaliada pela sua rapidez, tendo em conta as consequências que a passagem do tempo pode ter neste âmbito (49).

74.      Assim, por um lado, por força do artigo 8.o da CEDH, os Estados‑Membros têm a obrigação de prever um quadro legislativo que assegure que os pedidos de regresso são decididos num «prazo razoável» em todas as instâncias, sendo exigida às autoridades nacionais «diligência excecional» nos casos internacionais de rapto de crianças. Esta obrigação é imposta a estas autoridades também à luz do direito a um processo equitativo, previsto no artigo 6.o da referida Convenção (50).

75.      Ora, resulta da jurisprudência do TEDH que o facto de um Estado‑Membro permitir numerosos recursos recursos em segunda instância, recursos de cassação e outros «recursos extraordinários» contra decisões de regresso, possivelmente com efeito suspensivo, constitui uma falha sistémica, uma vez que estes múltiplos recursos são suscetíveis de prolongar irrazoavelmente a apreciação de qualquer pedido de regresso — que se aproxima, até, da denegação de justiça (51).

76.      Por outro lado, à luz dos artigos 6.o e 8.o da CEDH, em caso de decisão de regresso definitiva, os Estados‑Membros são igualmente obrigados a tomar todas as medidas adequadas e necessárias para facilitar a sua execução (52). No entanto, como defendido pelo pai e pela Comissão, o direito ao respeito pela vida familiar e o direito à tutela jurisdicional efetiva do progenitor que se vê privado da presença da criança não passariam de uma ilusão se certas autoridades públicas pudessem obter, por força da lei, a suspensão da execução de tal decisão, sem terem de dar nenhuma explicação ou mesmo de interpor um recurso de cassação, daí resultando que a decisão permaneceria inoperante, em detrimento do referido progenitor, durante um período de tempo significativo (53).

3.      Quanto à falta de justificação para tal mecanismo

77.      No entanto, a mãe, o Procurador‑Geral, o Provedor da Criança e o Governo polaco alegam que um mecanismo como o previsto no artigo 3881 do Código de Processo Civil tem por objetivo — e é necessário para assegurar, em conformidade com o artigo 47.o da Carta, uma tutela judicial efetiva da criança, cujo interesse superior, protegido nomeadamente no seu artigo 24.o, é primordial na interpretação e aplicação da Convenção da Haia de 1980 e do Regulamento Bruxelas II‑A (54).

78.      Embora reconhecendo que estes últimos instrumentos foram elaborados precisamente com o objetivo de servir o interesse superior da criança deslocada e que, regra geral, é do interesse superior desta regressar o mais rapidamente possível ao Estado da sua residência habitual (55), as referidas partes e interessados salientam que nem sempre isto acontece. Particularmente, quando o progenitor raptor alega como fez a mãe no caso em apreço que existe um «risco grave» de que a criança, no seu regresso, fique sujeita a perigos de ordem física ou psíquica ou, de qualquer outro modo, fique numa situação intolerável, na aceção do artigo 13.o, primeiro parágrafo, alínea b), da Convenção da Haia de 1980. Tais alegações, por incidirem sobre o bem‑estar e a dignidade da criança, devem dar origem a uma fiscalização jurisdicional exaustiva, como exigido pelo TEDH, e, para o efeito, devem poder ser objeto de um recurso de cassação, se necessário, em detrimento da celeridade do processo de regresso.

79.      Neste contexto, a suspensão, por força da lei, da execução da decisão de regresso transitada em julgado, como previsto no artigo 3881 do Código de Processo Civil, que impede o regresso coercivo da criança ao seu Estado de origem antes da interposição do recurso e, se for caso disso, da apreciação do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), seria indispensável para assegurar a utilidade prática do recurso de cassação, bem como para evitar que o alegado «risco grave» se materialize e que, consequentemente, a criança sofra danos irreparáveis.

80.      À semelhança do pai, dos Governos belga, francês e holandês e da Comissão, não partilho dessa opinião. Embora o objetivo declarado seja louvável, a medida controvertida vai, a meu ver, além do necessário para o alcançar e, além disso, não é proporcional.

81.      É verdade que decorre da jurisprudência do TEDH que, quando são apresentadas alegações defensáveis de «risco grave», na aceção do artigo 13.o, primeiro parágrafo, alínea b), da Convenção da Haia de 1980, em processos de regresso, o respeito pelo interesse superior da criança exige que as autoridades judiciais apreciem devidamente tais alegações, a fim de garantir, em cada caso, que o regresso da criança seja efetivamente do seu interesse superior ou, não o sendo, seja aplicado o fundamento de recusa a ordenar o regresso previsto nessa disposição. Tais alegações devem portanto ser «verdadeiramente tomadas em consideração» por estas autoridades — podendo esta apreciação justificar, em certos casos, a ultrapassagem do prazo de seis semanas que lhes é normalmente imposto (56) e dar lugar a decisões «especialmente» e «suficientemente» fundamentadas, tendo em conta as circunstâncias de cada caso (57).

82.      No entanto, não se pode inferir, como fazem os defensores do artigo 3881 do Código de Processo Civil, que as mesmas alegações de «risco grave» para a criança em caso de regresso devem imperativamente poder ser reapreciadas em várias instâncias. Com efeito, a proteção judicial da criança contra esse «risco» já está, em princípio, assegurada, ao nível exigido pelo direito da União e pela CEDH, pela existência de um recurso para uma instância jurisdicional (58).

83.      O caso no processo principal é, a meu ver, ilustrativo a este respeito. In casu, a proteção judicial das crianças já foi assegurada não numa, mas em duas instâncias, como imposto pelos artigos 24.o e 47.o da Carta. Embora os recursos de cassação apresentados pelo Procurador‑Geral e pelo Provedor da Criança, a pedido da mãe, assentem, ao que parece, na alegada violação, pelas instâncias inferiores, do artigo 13.o, primeiro parágrafo, alínea b). da Convenção da Haia de 1980, importa notar que o regresso das crianças não foi ordenado de forma mecânica ou automática por estes tribunais. Pelo contrário, parecem ter «tomado verdadeiramente em consideração» a alegação da mãe quanto à existência de um «risco grave» para as crianças em caso de regresso. Particularmente, está assente que o tribunal de primeira instância realizou a este respeito uma produção de prova minuciosa a este respeito — o que permite explicar os sete meses que levou para decidir solicitando, sobretudo, o parecer de um perito, cujas conclusões terão permitido excluir que o regresso exporia as crianças a tal «risco» (59). É também pacífico que estes mesmos tribunais tenham fundamentado detalhada e especificamente as suas decisões sobre este ponto nas circunstâncias do caso (60).

84.      A meu ver, decorre do que precede que, mesmo atendendo às alegações de «risco grave» para a criança em caso de regresso, na aceção do artigo 13.o, primeiro parágrafo, alínea b), da Convenção da Haia de 1980, o respeito pelo interesse superior da criança e o seu direito à tutela judicial, previstos nos artigos 24.o e 47.o da Carta, não impunham ao legislador polaco que introduzisse um recurso de cassação contra as decisões de regresso, e muito menos que lhe atribuísse efeito suspensivo por força da lei, mediante simples pedido, sem necessidade de fundamentação (61). O artigo 3881 do Código de Processo Civil vai, portanto, além do que é necessário a este respeito.

85.      É verdade que podem surgir situações excecionais em que uma decisão de regresso transitada em julgado, proferida na sequência da submissão a uma ou mesmo a duas instâncias judiciais, exporia a criança em causa, em caso de execução da decisão, a um perigo físico ou psíquico (etc.), como previsto no artigo 13.o, primeiro parágrafo, alínea b) da Convenção da Haia de 1980. Isto poderia acontecer se esse perigo já existisse no momento em que o pedido de regresso é apreciado, sem que dele tivesse sido dado conhecimento ao ou aos órgãos jurisdicionais ‑ por exemplo, porque o progenitor raptor não o tinha alegado ‑ ou, por alguma razão inexplicável, ignoraram essa alegação, em clara violação das obrigações processuais decorrentes da jurisprudência do TEDH. Tal situação poderia também resultar de uma alteração das circunstâncias após a prolação da decisão que ordenou o regresso, o que criou um novo perigo para a criança (62).

86.      Nesses casos, um mecanismo de suspensão da execução da decisão de regresso, eventualmente enquanto se aguarda por um recurso com o fim de declarar a revogação ou constatação de caducidade da decisão, é, a meu ver, essencial para proteger o interesse superior da criança.

87.      Contudo, o mecanismo previsto no artigo 3881 do Código de Processo Civil, mesmo que se destine a tais casos excecionais, como afirma o Governo polaco, não prevê, como já referi, nenhuma garantia que assegure a sua aplicação, na prática, apenas nesses casos.

88.      Recordo, a este respeito, que com base nesta disposição, a suspensão da execução de uma decisão de regresso transitada em julgado não está sujeita a nenhum requisito além da apresentação formal de um pedido nesse sentido por uma das entidades com legitimidade ativa para a interposição de recurso, e não exige necessidade de fundamentação por parte destes. Assim, essas entidades não são obrigadas a apresentar o mais pequeno elemento que indique que a execução desta decisão possa resultar em danos físicos ou psíquicos para a criança, na aceção do artigo 13.o, primeiro parágrafo, alínea b) da Convenção da Haia de 1980 (63). Tal mecanismo não permite, portanto, nenhuma fiscalização judicial para evitar a sua utilização indevida ou mesmo abusiva pelas referidas entidades (64).Em termos absolutos, como referido pelo pai, nada impede as três entidades públicas em questão de apresentarem automaticamente tal pedido em relação a qualquer decisão de regresso proferida em recurso. Este mecanismo encoraja‑as mesmo a fazê‑lo. Com efeito, não têm nada a perder, enquanto ganham o luxo de poder rever tranquilamente as decisões de recurso.

89.      Tal mecanismo também não é proporcional em sentido estrito. Com efeito, não concilia adequadamente os vários direitos e interesses em jogo. O legislador polaco não manteve um «justo equilíbrio» entre o objetivo de proteger a criança contra qualquer «risco grave» e a celeridade e eficácia do processo de regresso (65). Inclinou excessivamente a balança a favor do primeiro objetivo, mesmo que isso signifique, na prática, a inversão do principio (regresso) e da exceção (recusa em ordenar o regresso).

90.      A este respeito, não se pode ignorar o impacto decisivo que a suspensão da decisão de regresso é suscetível de ter no resultado do processo de regresso, enquanto decorre um recurso de cassação. De facto, como indiquei no n.o 56 destas conclusões, o tempo é um fator decisivo nesta matéria. Quanto mais a criança se integrar no Estado para onde foi levada, mais difícil será para ela regressar ao seu Estado de origem, e menos justificação haverá para tal regresso. Assim, mesmo que a decisão recorrida seja confirmada no final do processo de cassação, é provável que não seja executada, no interesse superior da criança, para que esta permaneça no que se terá tornado, entretanto, o seu novo ambiente. Assim, sob o pretexto de estabilizar a situação da criança, como defendido pelos adeptos do artigo 3881 do Código de Processo Civil, uma suspensão com base nesta disposição poderia sobretudo servir para consolidar a situação de facto resultante da deslocação ou retenção ilícitas, reforçando a posição do progenitor raptor (66).

91.      O caráter desproporcionado do artigo 3881 torna‑se ainda mais evidente sobretudo porque existe outra disposição na lei polaca que permite a proteção adequada da criança contra qualquer «risco grave» de perigo físico ou psíquico em caso de regresso, equilibrando ao mesmo tempo todos os direitos e interesses em jogo. Com efeito, o artigo 3881 do Código de Processo Civil já permite às entidades com legitimidade ativa para interpor um recurso de cassação contra uma decisão de regresso solicitar a sua suspensão, sempre que a execução da decisão seja suscetível de causar danos irreparáveis à criança. É crucial que a fiscalização judicial efetuada pelo Sąd Apelacyjny w Warszawie (Tribunal de Recurso de Varsóvia) neste âmbito assegure que tal suspensão só possa ser obtida quando o interesse superior da criança a exija verdadeiramente.

92.      Neste contexto, o argumento da mãe, do Procurador‑Geral e do Provedor da Criança de que o legislador polaco previu um mecanismo de suspensão automática, mediante um simples pedido das entidades interessadas, precisamente com base no facto de o Sąd Apelacyjny w Warszawie (Tribunal de Recurso de Varsóvia) ter indeferido a maioria dos pedidos de suspensão baseados no artigo 3881 do Código de Processo Civil é, a meu ver, altamente problemático. De facto, uma de duas: ou o legislador polaco estava plenamente consciente do facto de que o novo artigo 3881 desse código tornaria possível frustrar as decisões de regresso que na realidade não representam um «risco grave» para a criança em caso de regresso ‑ uma vez que, de outra forma, esse órgão jurisdicional aceitaria os pedidos de suspensão correspondentes ‑ em violação das obrigações impostas à República da Polónia pelo direito internacional e pelo direito da União; ou o legislador considerou que um membro do executivo polaco e duas autoridades administrativas estão mais bem colocados do que um órgão jurisdicional polaco para avaliar, em cada caso, a existência de tal «risco», sem nenhuma fiscalização. Em qualquer caso, tal argumento não é admissível num Estado de Direito.

4.      Conclusão intermédia

93.      À luz das considerações precedentes, sugiro que o Tribunal de Justiça responda à questão submetida no sentido de que, por um lado, o artigo 11.o, n.o 3, do Regulamento Bruxelas II‑A, em conjugação com os artigos 2.o e 11.o da Convenção da Haia de 1980, e, por outro, os artigos 7.o e 47.o da Carta, opõem‑se a uma legislação nacional que suspende, ipso iure, por um período inicial de dois meses, mediante simples pedido não fundamentado de certas entidades públicas com legitimidade ativa, a execução de uma decisão de regresso transitada em julgado proferida por duas instâncias judiciais comuns, para permitir a essas entidades interpor um recurso de cassação, mantendo‑se a suspensão, sendo caso disso, enquanto durar esse recurso.

94.      Saliento também uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio questiona expressamente o Tribunal de Justiça sobre este ponto que, se o Tribunal de Justiça seguir a minha sugestão, o órgão jurisdicional de reenvio deverá, no processo principal, garantir a plena eficácia das disposições pertinentes do direito da União, excluindo, oficiosamente, a aplicação do artigo 3881 do Código de Processo Civil (67).

95.      A titulo de postscriptum, precisa de ser abordado um último ponto. Como mencionei acima, o Regulamento Bruxelas II‑B é aplicável a partir de 1 de agosto de 2022 aos pedidos de regresso de crianças. Este novo regulamento confirmou as soluções previstas no Regulamento Bruxelas II‑A (68), introduzindo ao mesmo tempo disposições inovadoras, destinadas a reforçar ainda mais a eficácia e a celeridade do procedimento de regresso. Especialmente, o artigo 27.o, n.o 6, do novo regulamento prevê a possibilidade de uma decisão que ordene o regresso de uma criança ser declarada executória a título provisório, não obstante qualquer recurso, se o superior interesse da criança o exigir. Além disso, resulta do seu considerando 42 que os Estados‑Membros «deverão também considerar a possibilidade de limitar a um único o número de recursos possíveis» contra tal decisão. O facto de o legislador polaco, após a entrada em vigor deste novo regulamento, mas antes da respetiva produção de efeitos, ter adotado uma disposição como o artigo 3881 do Código de Processo Civil, levanta, também deste ponto de vista, sérias questões em termos de cooperação leal (69).

VI.    Conclusão

96.      Tendo em conta todas as considerações anteriores, sugiro que o Tribunal de Justiça responda à questão submetida pelo Sąd Apelacyjny w Warszawie (Tribunal de Recurso de Varsóvia, Polónia) da seguinte forma:

Por um lado, o artigo 11.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1347/2000, conjugado com os artigos 2.o e 11.o da Convenção sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia em 25 de outubro de 1980, e, por outro, os artigos 7.o e 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,

devem ser interpretados no sentido de que:

se opõem a uma legislação nacional que suspende, ipso iure, por um período inicial de dois meses, mediante simples pedido não fundamentado de certas entidades públicas com legitimidade ativa, a execução de uma decisão de regresso transitada em julgado proferida por duas instâncias judiciais comuns, para permitir a essas entidades interpor um recurso de cassação, mantendo‑se a suspensão, sendo caso disso, enquanto durar esse recurso.



1      Língua original: francês.


i      Na sequência de uma verificação de texto por parte da Unidade Portuguesa, houve necessidade de corrigir o texto nos n.os 10, 11, 12, 22, 39, 40 e nas notas de rodapé 7, 9, 10, 12, 13, 14, 15, 35, 38 e 59, posteriormente à sua primeira publicação em linha.


2      Regulamento do Conselho, de 27 de novembro de 2003, que revoga o Regulamento (CE) n.o 1347/2000 (JO 2003, L 338, p. 1). Este regulamento foi substituído pelo Regulamento (UE) 2019/1111 do Conselho, de 25 de junho de 2019, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e ao rapto internacional de crianças (reformulação) (JO 2019, L 178, p. 1, a seguir «Regulamento Bruxelas II‑B»). Não obstante, o Regulamento Bruxelas II‑A é aplicável ratione temporis ao processo principal (v. n.o 50 das presentes conclusões).


3      A União Europeia não é, em si mesma, parte desta Convenção, uma vez esta não permite a adesão de organizações internacionais.


4      V. definições análogas de «deslocação ou retenção ilícitas de uma criança» no artigo 3.o da Convenção da Haia de 1980 e no artigo 2.o, n.o 11, do Regulamento Bruxelas II‑A. V. também, neste sentido, artigo 11.o, n.o 1, do referido Regulamento.


5      V. preâmbulo da Convenção da Haia de 1980, considerandos 12 e 33 do Regulamento Bruxelas II‑A, bem como Acórdãos de 22 de dezembro de 2010, Aguirre Zarraga (C‑491/10 PPU, EU:C:2010:828, n.o 44), e de 8 de junho de 2017, OL (C‑111/17 PPU, EU:C:2017:436, n.o 61)


6       Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a Convenção da Haia de 1980 e os Regulamentos Bruxelas II constituem um «corpo jurídico indivisível» [Parecer 1/13 (Adesão de Estados terceiros à Convenção da Haia) de 14 de outubro de 2014 (EU:C:2014:2303 n.o 78)) aplicável aos processos de regresso de crianças ilicitamente deslocadas dentro da União.


7      Ver artigo 5182, § 1, do Código de Processo Civil polaco.


8      V. n. 45 das presentes conclusões.


9      V. artigo 5191, § 21, do Código de Processo Civil.


10      V. artigo 5191, § 22, do Código de Processo Civil.


11      Em conformidade com o artigo 2.o, § 1, da Lei de 2022, esta alteração legislativa aplica‑se imediatamente aos processos de regresso que tinham sido instaurados e relativamente aos quais não foi proferida decisão transitada em julgado até essa data. Por conseguinte, no que respeita ao processo principal, aplica‑se ao processo instaurado pelo pai em novembro de 2021.


12      O artigo 3882 do Código de Processo Civil deixa claro que esta nova base legal para a suspensão não substitui, mas é adicional ao artigo 388, § 1, do referido Código. Existem assim duas possibilidades de pedir a suspensão da execução de uma decisão de regresso: uma, automática e incondicional, reservada às entidades com legitimidade para interpor recurso de cassação nos processos de regresso; a outra, sujeita ao requisito de verificação de risco de danos irreparáveis e à apreciação judicial, pode ser requerida também pelas partes no processo geralmente os pais.


13      V. artigo 3881, § 2, do Código de Processo Civil.


14      Artigo 3881, § 3, do Código de Processo Civil.


15      Ver, a propósito deste requisito, particularmente, o Acórdão de 6 de outubro de 2021, W.Ż. (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público do Supremo Tribunal — Nomeação) (C‑487/19, EU:C:2021:798, n.o 84 e jurisprudência referida), e Despacho de 5 de março de 1986, Greis Unterweger (318/85, EU:C:1986:106, n.o 4).


16      V. n.o18 das presentes conclusões.


17      V. n.o21 das presentes conclusões.


18      Ver, entre outros, o Acórdão de 21 de novembro de 2019, ProcureurGeneraal bij de Hoge Raad der Nederlanden (C‑678/18, EU:C:2019:998, n.o 25, e jurisprudência referida).


19      V., mutatis mutandis, Acórdãos de 16 de junho de 2016, Pebros Servizi (C‑511/14, EU:C:2016:448, n.o27 a 29); de 28 de fevereiro de 2019, Gradbeništvo Korana (C‑579/17, EU:C:2019:162, n.o39), e de 4 de setembro de 2019, Salvoni (C‑347/18, EU:C:2019:661, n.o30).


20      O procedimento para o reconhecimento da executoriedade do processo, que no processo principal é da competência do órgão jurisdicional de reenvio, deve ser distinguido do procedimento de execução (ou seja, as medidas concretas para implementar o regresso), que parece ser da competência de outro tribunal.


21      V. Pawliczak, J., «Reformed Polish court proceedings for the return of a child under the 1980 Hague Convention in the light of the Brussels IIb Regulation», Journal of Private International Law, vol. 17, n.o 3, p. 581. Além do mais, o artigo 267.o TFUE refere‑se ao «julgamento da causa» pelo juiz nacional sem prever um regime especial em função da natureza eventualmente declarativa da mesma (v. Acórdão de 16 de dezembro de 1981, Foglia (244/80, EU:C:1981:302, n.o 33)].


22      V., entre outros, Acórdão de 6 de outubro de 2021, W.Ż. (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público do Supremo Tribunal — Nomeação) (C‑487/19, EU:C:2021:798, n.o 90).


23      À luz do artigo 100.o, n.o1, do Regulamento Bruxelas II‑B, o este regulamento é aplicável, inter alia, às ações judiciais intentadas após 1 de agosto de 2022. Além disso, em conformidade com o n.o2 desse artigo, o Regulamento Bruxelas II‑A continua a ser aplicável, nomeadamente, às decisões proferidas em ações judiciais intentadas antes dessa data e que sejam abrangidas pelo âmbito de aplicação do referido regulamento. Ora, recordo que o pai apresentou o pedido de regresso dos filhos em 18 de novembro de 2021 (v. n.o15 das presentes conclusões).


24      V. n.o 95 das presentes conclusões.


25      V., por analogia, Acórdão de 6 de outubro de 2021, W.Ż. (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público do Supremo Tribunal — Nomeação) (C‑487/19, EU:C:2021:798, n.o 75).


26      V. preâmbulo e artigo 1.o, alínea a) da Convenção da Haia de 1980.


27      V. considerando 17 do Regulamento Bruxelas II‑A.


28      Por este motivo, o artigo 12.o da Convenção da Haia de 1980 prevê que, quando tiver decorrido um período de menos de um ano desde a deslocação ou retenção da criança no momento do pedido de regresso, a autoridade ordenará o seu regresso imediato. Por outro lado, se tiver decorrido mais de um ano, o regresso não deve ser ordenado se for provado que a criança se encontra integrada no seu novo ambiente.


29      V., neste sentido, Acórdão de 11 de julho de 2008, Rinau (C‑195/08 PPU, EU:C:2008:406, n.o 81).


30      Na Convenção da Haia de 1980, este prazo não é perentório. Com efeito, a única consequência prevista no seu artigo 11.o, segundo parágrafo, em caso de ultrapassagem do prazo, é a de o requerente ou a autoridade central do Estado requerido poderem pedir à autoridade administrativa ou judicial em questão que explique o seu atraso.


31      Acórdão de 11 de julho de 2008, Rinau (C‑195/08 PPU, EU:C:2008:406, n.o 82).


32      Segundo esta disposição, os Estados Contratantes ‑ incluindo as suas autoridades legislativas ‑ devem tomar «todas as medidas adequadas que visem assegurar […] a concretização dos objetivos da Convenção».


33      De acordo com a jurisprudência constante do Tribunal, o princípio da cooperação leal obriga os Estados‑Membros mais uma vez, incluindo as suas autoridades legislativas a tomarem todas as medidas adequadas para garantir o alcance e a eficácia do direito da União [V., entre outros, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Amoena (C‑677/18, EU:C:2019:1142, n.o 55 e jurisprudência referida)].


34      Saliento que um problema de ordem sistémica desse tipo é ainda mais problemático quando seja suscetível de pôr em causa a confiança mútua entre os Estados‑Membros no que respeita à execução da Convenção da Haia de 1980 e o Regulamento Bruxelas II‑A.


35      Simplifico, para efeitos da análise: na verdade, o prazo para apresentar um recurso de cassação é de quatro meses (v. artigo 5191, § 22, do Código de Processo Civil). No entanto, sempre que tenha sido apresentado um pedido de suspensão, essa suspensão cessa por força da lei se tal recurso não for apresentado no prazo de dois meses (V. artigo 3881, § 2, do referido Código).


36      Gostaria de salientar que, embora estas duas disposições não o prevejam expressamente, não há dúvida de que, quando os Estados‑Membros preveem várias instâncias para a apreciação de um pedido de regresso, este período de seis semanas se aplica a cada uma delas. De facto, se um tribunal de primeira instância for obrigado a proferir uma decisão dentro deste prazo, mas os tribunais de recurso ou de cassação puderem «levar o seu tempo» a reexaminá‑la, as referidas disposições ficariam privadas do seu efeito útil. V., a este respeito, TEDH, 12 de março de 2015, Adžić c. Croácia (EC:ECHR:2015:0312JUD002264314, § 97, e TEDH, 14 de janeiro de 2020, Rinau c. Lituânia (EC:ECHR:2020:0114JUD001092609, § 194); Conclusões e Recomendações da Quarta Reunião da Comissão Especial para a Revisão do Funcionamento da Convenção da Haia, de 25 de outubro de 1980, sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças (22 a 28 de março de 2001)», pontos 3.3 e 3.4, disponível no seguinte endereço: https://assets.hcch.net/upload/concl28sc4_f.pdf.


37      O Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) dispõe de um simples mecanismo de tratamento prioritário, que apenas permite dar prioridade a um processo em relação a outros e que, além disso, é deixado ao critério do juiz‑relator do processo em questão. A aplicação de tal mecanismo aos recursos de decisões de regresso não é, portanto, garantida.


38      Ver artigo 3983, § 1, do Código de Processo Civil.


39      V., a este respeito, n.os 78 e 81 das presentes conclusões.


40      Acórdão de 11 de julho de 2008, Rinau (C‑195/08 PPU, EU:C:2008:406, n.o 85).


41      V. n.o 88 das presentes conclusões. A este respeito, o Governo polaco referiu na audiência, em resposta às perguntas do Tribunal de Justiça, que existe um mecanismo de filtragem de recursos no Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal). Antes de admitir um recurso, é realizada uma apreciação preliminar, na qual é verificado, entre outros aspetos, se o mesmo levanta algum problema jurídico pertinente/importante. No entanto, mesmo supondo que um recurso dilatório seja rejeitado na fase de apreciação preliminar, não invalida que a previsão, em primeiro lugar, do prazo para a interposição do recurso e, segundo, do prazo antes de a filtragem ser efetuada e o recurso ser rejeitado já atrasa significativamente o regresso da criança.


42      Neste ponto, remeto para a minha observação na nota de rodapé n.o 34 das presentes conclusões.


43      Dz. U. de 2021, posição 1904, conforme alterada.


44      V. artigo 3883 do Código de Processo Civil, introduzido pela Lei de 2022.


45      Esta via de recurso foi prevista, nomeadamente, em relação a decisões transitadas em julgado que violem os princípios ou direitos e liberdades do Homem e do cidadão, definidos na Constituição da República da Polónia, ou que violem flagrantemente a lei, caso seja impossível anular ou revogar tais decisões através de outros recursos extraordinários previstos pela lei nacional.


46      Sublinho que a Carta é aplicável numa situação como a do processo principal. Uma vez que o rapto de crianças envolve dois Estados‑Membros, o Regulamento Bruxelas II‑A é aplicável ao pedido de regresso. Há lugar, portanto, à «aplicação do direito da União» na aceção do artigo 51.o, n.o 1 da Carta.


47      Nos termos do artigo 52.o, n.o 3, da Carta.


48      V., inter alia, TEDH, 3 de junho de 2014, Lopez Guio c. Eslováquia (EC:ECHR:2014:0603JUD001028012, § 82).


49      V., inter alia, TEDH, 7 de março de 2013, Raw e o. c. França (CE:ECHR:2013:0307JUD001013111, §§ 78‑79 e jurisprudência referida); V. igualmente n.o 56 das presentes conclusões.


50      V., inter alia, TEDH, 13 de janeiro de 2015, Hoholm c. Eslováquia (EC:ECHR:2015:0113JUD003563213, § 44; TEDH, 14 de janeiro de 2020, Rinau c. Lituânia, EC:ECHR:2020:0114JUD001092609, § 152).


51      V., inter alia, TEDH, 3 de junho de 2014, Lopez Guio c. Eslováquia (EC:ECHR:2014:0603JUD001028012, §§107‑109); TEDH, 13 de janeiro de 2015, Hoholm c. Eslováquia (CE:ECHR:2015:0113JUD003563213, §§ 49, 52 e 53). V., por analogia, Acórdão de 11 de julho de 2008, Rinau (C‑195/08 PPU, EU:C:2008:406, n.o 87). Além disso, remeto, também aqui, para a minha observação na nota de rodapé n.o 34 das presentes conclusões.


52      V., inter alia, TEDH, 7 de março de 2013, Raw e o. c. França (EC:ECHR:2013:0307JUD001013111, § 84 e jurisprudência referida).


53      V., mutatismutandis, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Deutsche Umwelthilfe (C‑752/18, EU:C:2019:1114, n.os 35‑37 e jurisprudência referida), e TEDH, 6 de setembro de 2005, Săcăleanu c. Roménia (EC:ECHR:2005:0906JUD007397001, § 5).


54      V., inter alia, Acórdão de 23 de dezembro de 2009, Detiček (C‑403/09, EU:C:2009:810, n.o 34 e jurisprudência referida).


55      V. n.o 29 das presentes conclusões.


56      Ver, inter alia, TEDH, 14 de janeiro de 2020, Rinau c. Lituânia (EC:ECHR:2020:0114JUD001092609, § 194). No entanto, como o Governo belga e a Comissão argumentaram, este prazo de seis semanas assegura teoricamente um equilíbrio entre o imperativo de celeridade e a necessidade de realizar um exame concreto das circunstâncias de cada processo, o que justifica que seja geralmente seguido pelos órgãos jurisdicionais. No entanto, a impossibilidade de um desses órgãos num determinado caso cumprir os requisitos da CEDH dentro desse prazo é, a meu ver, uma questão de «circunstâncias excecionais», tal como referido no artigo 11.o, n.o 3, segundo parágrafo, do Regulamento Bruxelas II‑A.


57      Ver, inter alia, TEDH, 26 de novembro de 2013, X c. Letónia (EC:ECHR:2013:1126JUD002785309, §§ 106‑107).


58      V., sobre o facto de o direito fundamental a uma tutela jurisdicional efetiva não exigir, em geral, a existência de vários níveis de jurisdição, particularmente, o Acórdão de 26 de setembro de 2018, Belastingdienst/Toeslagen (Efeito suspensivo do recurso) (C‑175/17, EU:C:2018:776, n.o 34 e jurisprudência referida), e TEDH, 5 de abril de 2018, Zubac c. Croácia, CE:ECHR:2018:0405JUD004016012, § 82.


59      V. THDH, 26 de novembro de 2013, X c. Letónia (EC:ECHR:2013:1126JUD002785309, §§ 112‑114); TEDH, 14 de janeiro de 2020, Rinau/Lituânia (CE:ECHR:2020:0114JUD001092609, §§ 190‑195).


60      V., inter alia, TEDH, 26 de novembro de 2013, X c. Letónia (EC:ECHR:2013:1126JUD002785309, § 107).


61      V., por analogia, Acórdão de 26 de setembro de 2018, Belastingdienst/Toeslagen (Efeito suspensivo do recurso) (C‑175/17, EU:C:2018:776, n.o 36 e jurisprudência referida).


62      O exemplo típico a este respeito é a morte do progenitor que devia cuidar da criança no Estado‑Membro de origem, ou a ocorrência de um conflito armado nesse Estado.


63      Não me convence o argumento do Governo polaco de que não é necessária uma fundamentação para que as entidades possam reagir e apresentar um pedido de suspensão o mais rapidamente possível, dado que muitas vezes não têm conhecimento pormenorizado das circunstâncias dos casos de regresso, não sendo partes no processo de regresso. Na realidade, é pacífico que, pelo menos, o Ministério Público e o Provedor da Criança possam intervir em tais processos, e isto logo na primeira instância. Além disso, este argumento tende precisamente a sublinhar que o mecanismo do artigo 3881 do Código de Processo Civil pode ser utilizado pelas entidades em questão mesmo antes de terem tomado conhecimento das circunstâncias de um caso e de analisarem se se justifica uma suspensão.


64      Embora, como argumentou o Governo polaco, as entidades em questão sejam consideradas como agindo no interesse da lei e da criança, eu salientaria que uma delas o Procurador‑Geral faz parte do executivo polaco. A este respeito, o risco de que o Executivo possa interferir em certos recursos em curso, particularmente mediatizados, para outros fins que não o estrito interesse da lei não pode ser ignorado. V., a este respeito, TEDH, 14 de janeiro de 2020, Rinau c. Lituânia (EC:ECHR:2020:0114JUD001092609, §§ 195‑223).


65      V., neste sentido, TEDH 13 de janeiro de 2015, Hoholm c. Eslováquia (EC:ECHR:2015:0113JUD003563213, §§ 45‑47).


66      V., por analogia, Acórdão de 23 de dezembro de 2009, Detiček (C‑403/09 PPU, EU:C:2009:810, n.o 49).


67      V., entre outros, Acórdão de 27 de novembro de 2007 C (C‑435/06, EU:C:2007:714, n.o 57 e jurisprudência referida).


68      Especialmente, o artigo 24.o do Regulamento Bruxelas II‑B ainda prevê um prazo de seis semanas para tramitar pedidos de regresso, confirmando expressamente que se aplica a cada instância eventual.


69      V., mutatismutandis, Acórdão de 18 de dezembro de 1997, InterEnvironnement Wallonie (C‑129/96, EU:C:1997:628, n.o 45).