Language of document : ECLI:EU:T:2000:242

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção Alargada)

26 de Outubro de 2000 (1)

«Concorrência - Importações paralelas - Artigo 85.°, n.° 1, do Tratado CE (actual artigo 81.°, n.° 1, CE) - Conceito de acordo entre empresas - Prova da existência de um acordo - Mercado de produtos farmacêuticos»

No processo T-41/96,

Bayer AG, estabelecida em Leverkusen (Alemanha), representada por J. Sedemund, advogado em Colónia, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado A. May, 398, route d'Esch,

recorrente,

apoiada por

European Federation of Pharmaceutical Industries' Asso ciations, estabelecida em Genebra (Suíça), inicialmente representada por C. Walker, solicitor, e em seguida por T. Woodgate, solicitor, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado A. May, 398, route d'Esch,

interveniente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por W. Wils e K. Wiedner, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de C. Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

apoiada por

Bundesverband der Arzneimittel-Importeure eV, estabelecida em Mülheim an der Ruhr (Alemanha), representada por W. A. Rehmann e U. Zinsmeister, advogados no foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório dos advogados Bonn e Schmitt, 62, avenue Guillaume,

interveniente,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão 96/478/CE da Comissão, de 10 de Janeiro de 1996, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (IV/34.279/F3 - ADALAT) (JO L 201, p. 1),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção Alargada),

composto por: J. D. Cooke, presidente, R. García-Valdecasas, P. Lindh, J. Pirrung e M. Vilaras, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 28 de Outubro de 1999,

profere o presente

Acórdão

Factos na origem do litígio

1.
    A recorrente, Bayer AG (a seguir «Bayer» ou «grupo Bayer»), é a sociedade-mãe de um dos principais grupos químicos e farmacêuticos europeus e está presente em todos os Estados-Membros da Comunidade através das suas filiais nacionais. Produz e comercializa há muitos anos, sob a marca «Adalat» ou «Adalate», uma gama de medicamentos cujo princípio activo é a nifedipina, destinada a tratar doenças cardiovasculares.

2.
    Na maioria dos Estados-Membros, o preço do Adalat é, directa ou indirectamente, fixado pelas autoridades sanitárias nacionais. De 1989 a 1993, os preços fixados pelos serviços de saúde espanhol e francês eram, em média, 40% inferiores aos aplicados no Reino Unido.

3.
    Em razão destas diferenças de preços, grossistas estabelecidos em Espanha começaram, a partir de 1989, a exportar Adalat com destino ao Reino Unido. A partir de 1991, foram seguidos nesta atitude por grossistas estabelecidos em França. Segundo a recorrente, de 1989 a 1993, as vendas de Adalat efectuadas pela sua filial britânica, Bayer UK teriam baixado quase para metade em razão das importações paralelas, provocando assim uma perda de volume de negócios de 230 milhões de marcos alemães (DEM) para a sua filial britânica, representando para a Bayer uma perda de receitas de 100 milhões de DEM.

4.
    Face a esta situação, o grupo Bayer alterou a sua política de fornecimento e começou a deixar de satisfazer a totalidade das encomendas, cada vez mais importantes, feitas pelos grossistas estabelecidos em Espanha e em França às suas filiais espanhola e francesa. Esta alteração ocorreu em 1989 quanto às encomendas recebidas pela Bayer Espanha e no quarto trimestre de 1991 quanto às recebidas pela Bayer França.

5.
    Na sequência das queixas apresentadas por alguns dos grossistas em causa, a Comissão deu início a um procedimento administrativo de inquérito respeitante a pretensas infracções ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado CE (actual artigo 81.°, n.° 1, CE) cometidas pelo grupo Bayer em França e em Espanha.

6.
    Em 10 de Janeiro de 1996, a Comissão adoptou a Decisão 96/478/CE objecto do presente recurso, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (IV/34.279/F3 - ADALAT) (JO L 201, p. 1, a seguir «decisão»).

7.
    Nos termos do artigo 1.° da decisão, «A proibição de exportar os produtos ADALATE e ADALATE 20 mg LP de França e os produtos ADALAT e ADALAT-RETARD de Espanha para outros Estados-Membros, acordada, no âmbito de relações comerciais continuadas, entre a Bayer França e os seus grossistas desde 1991 e desde pelo menos 1989 entre a Bayer Espanha e os seus grossistas, constitui uma infracção ao n.° 1 do artigo 85.° do Tratado, imputável à Bayer AG».

8.
    Nos termos do artigo 2.° da decisão:

«A Bayer AG porá termo à infracção descrita no artigo 1.° e, nomeadamente:

-    enviará, no prazo de dois meses a contar da notificação da presente decisão, uma circular aos grossistas em França e em Espanha precisando que as exportações são permitidas na Comunidade Europeia e não são sancionadas,

-    indicará, no prazo de dois meses a contar da notificação da presente decisão, esses elementos de forma clara nas condições gerais de venda aplicáveis em França e em Espanha».

9.
    O artigo 3.° da decisão aplica à Bayer uma coima no montante de três milhões de ecus.

10.
    O artigo 4.° fixa uma sanção pecuniária compulsória no valor de 1 000 ecus por cada dia de atraso na execução das obrigações específicas referidas no artigo 2.°

Tramitação processual e pedidos das partes

11.
    Através de petição registada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 22 de Março de 1996, a Bayer pediu a anulação da decisão.

12.
    Por requerimento separado registado na Secretaria do Tribunal no mesmo dia, a recorrente apresentou igualmente um pedido de suspensão de execução do artigo 2.° da decisão. Por despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 3 de Junho de 1996, foi suspensa a execução do artigo 2.° da decisão e reservou-se para final a decisão quanto às despesas.

13.
    Em 1 de Agosto de 1996, uma associação alemã de importadores de medicamentos, a Bundesverband der Arzneimittel-Importeure eV (a seguir «BAI»), pediu para ser autorizada a intervir em apoio dos pedidos da Comissão.

14.
    Em 26 de Agosto de 1996, a European Federation of Pharmaceutical Industries' Associations (a seguir «EFPIA»), uma associação profissional europeia que representa os interesses de dezasseis associações profissionais nacionais relativas aos sectores dos medicamentos, pediu para ser autorizada a intervir em apoio dos pedidos da recorrente.

15.
    Por despachos de 8 de Novembro de 1996, o Presidente da Quinta Secção Alargada do Tribunal de Primeira Instância autorizou as intervenções. Os intervenientes apresentaram os memorandos de intervenção em 12 de Fevereiro de 1997. As partes apresentaram as suas observações sobre os memorandos de intervenção em 11 de Abril de 1997.

16.
    Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal decidiu dar início à fase oral do processo e, no quadro das medidas de organização do processo, previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo, colocar por escrito uma série de questões à recorrente e à Comissão, convidando-as a responder às mesmas na audiência.

17.
    As partes foram ouvidas em alegações e nas suas respostas às questões escritas e orais colocadas pelo Tribunal, na audiência de 28 de Outubro de 1999. Na audiência, em apoio de algumas das suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal, a Comissão pediu para juntar aos autos alguns anexos da Comunicação das Acusações enviada à recorrente quando do procedimento administrativo. Dado que a recorrente não se opôs a tal e tendo assinalado que os documentos em questão não continham informações confidenciais que lhe dissessem respeito, todas as partes, incluindo os intervenientes, receberam uma cópia dos referidos anexos e tiveram oportunidade de se pronunciar sobre os mesmos no decurso da audiência.

18.
    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão;

-    a título subsidiário, anular a coima de 3 000 000 ecus que lhe foi aplicada;

-    a título ainda mais subsidiário, reduzir a coima;

-    condenar a Comissão nas despesas.

19.
    A EFPIA, interveniente em apoio da recorrente, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão;

-    condenar a Comissão nas despesas da sua intervenção.

20.
    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    negar provimento ao recurso;

-    condenar a recorrente nas despesas.

21.
    A BAI, interveniente em apoio da Comissão, conclui pedindo que o Tribunal se digne negar provimento ao recurso.

A decisão

22.
    A decisão diz respeito ao Adalat, um produto pertencente a uma categoria de medicamentos conhecidos por «antagonistas do cálcio», e serve para tratar determinadas doenças cardiovasculares (insuficiência coronária, hipertensão arterial e insuficiência cardíaca congestiva) [considerando (8)]. Todavia, o alcance da decisão limita-se a dois modos de apresentação da gama Adalat: a cápsula de 10 mg (comercializada no Reino Unido e em Espanha sob o nome «Adalat», em França sob o nome «Adalate») e o comprimido de efeito retardado (ou de acção prolongada) de 20 mg (comercializado no Reino Unido e em Espanha sob o nome «Adalat Retard», em França sob o nome «Adalate 20 mg LP») [considerando (4)].

23.
    No que diz respeito ao mercado geográfico, a decisão considerou que se tratava no caso sub judice de mercados nacionais [considerandos (150) a (152], tendo em conta que, na altura dos factos incriminados, a actividade da indústria farmacêutica era concebida num contexto essencialmente nacional, sendo a autorização de comercialização de um medicamento exclusivamente da competência dos Estados-Membros. Além disso, a venda dos medicamentos é influenciada pelas políticas administrativas, nomeadamente de abastecimento, adoptadas nos Estados-Membros, especialmente em França e em Espanha onde os preços são directamente fixados pela administração nacional competente. Por fim, a decisão sublinha que as diferenças nos mecanismos de fixação dos preços e as modalidades de reembolso provocam fortes disparidades entre os preços dos medicamentos nos Estados-Membros.

24.
    Quanto ao mercado do produto, a decisão afirma [considerando (153)] que o mesmo é definido por referência ao critério de utilização terapêutica idêntica dos diversos produtos concorrentes.

25.
    Por fim, no que diz respeito ao mercado relevante relativo ao comportamento examinado na decisão, resulta do considerando (154) que foram escolhidos, em primeiro lugar, o mercado do Reino Unido, «na medida em que o efeito dos acordos é exercido directamente nesse mercado, protegendo-o das importações paralelas», e, «em segundo lugar, os mercados de partida das importações paralelas, a França e a Espanha», «na medida em que esses mercados são artificialmente fechados pela obstrução às exportações paralelas».

26.
    Quanto às partes de mercado detidas pela Bayer com a comercialização do produto Adalat, a decisão [considerando (23)] precisa que as mesmas são indicadas por referência às indicações terapêuticas principais do produto. A Comissão considerou que, no que respeita à França, o Adalate representa uma parte de mercado de 5,1% no mercado da insuficiência coronária e de 4,1% no mercado da hipertensão. Em Espanha, no mercado da insuficiência coronária, o Adalat representa 7,4%, ao passo que no mercado da hipertensão representa 8,7% do mercado. No Reino Unido, as partes de mercado são de 19,6% no mercado da insuficiência coronária e de 16,6% no da hipertensão. Por fim, na Comunidade (dos Doze), o Adalat representa 7,6% do mercado da insuficiência coronária e 5,8% do da hipertensão [considerandos (24) a (27)].

27.
    A decisão descreve o comportamento do grupo Bayer face ao fenómeno das exportações paralelas de Adalate de Espanha e de França para o Reino Unido, bem como as reacções dos grossistas e clientes da Bayer Espanha e da Bayer França a este respeito.

28.
    Quanto à apreciação jurídica destes comportamentos, a decisão afirma [considerandos (155) a (159)] que a Bayer França e a Bayer Espanha cometeram uma infracção ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado ao preverem uma proibição de exportar que se insere no âmbito das suas relações comerciais com os seus grossistas, que estes últimos conheciam as motivações reais da Bayer França e da Bayer Espanha e que alinharam o seu comportamento pelas exigências da Bayer França e da Bayer Espanha. A decisão considera que tal constitui um acordo que restringe sensivelmente a concorrência e afecta de modo significativo o comércio entre Estados-Membros.

Quanto ao mérito

29.
    A recorrente suscita, a título principal, o fundamento assente numa violação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado na medida em que o seu comportamento, como visado pela decisão, foi planeado unilateralmente e adoptado por ela própria e não cai no âmbito de aplicação desta disposição na ausência de qualquer acordo entre ela e os seus grossistas quanto às exportações dos produtos fornecidos para o Reino Unido. A título subsidiário, a recorrente alega que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao aplicar esta disposição a um comportamento legítimo em conformidade com o artigo 47.° do Acto de adesão de Espanha às Comunidades Europeias, relativo à protecção das patentes. A título ainda mais subsidiário, invoca um fundamento, assente na violação dos princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade pelo facto de impor uma coima ao abrigo de uma aplicação inovadora do artigo 85.° do Tratado e na violação do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro regulamento de execução dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22).

Quanto ao fundamento, invocado a título principal, assente numa violação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, na medida em que a Comissão considera o mesmo aplicável aos factos do caso sub judice

I- Argumentos das partes

30.
    Segundo a recorrente, os elementos de facto aqui relevantes podem resumir-se do seguinte modo: um fabricante que não domina o mercado só aceita, num Estado-Membro onde os preços foram fixados pelas autoridades sanitárias nacionais largamente abaixo dos preços praticados nos outros Estados-Membros, encomendas da parte de grossistas relativamente a um volume correspondente às quantidades normalmente escoadas nas suas zonas de fornecimento tradicionais.A razão pela qual as encomendas de produtos são parcialmente recusadas reside no facto de que os grossistas aumentaram de maneira desproporcionada as quantidades normalmente encomendadas a fim de exportarem o excedente para beneficiar das diferenças de preços. A recorrente considera que tal prática é inoportuna porque provoca importantes perdas de volume de negócios para as suas próprias filiais estabelecidas nos outros Estados, o que compromete a sua existência económica. A fim de não cometer uma violação do artigo 85.° do Tratado, dá ao seu pessoal encarregado da venda a instrução estrita de resolver o problema unicamente por um contingentamento unilateral das quantidades encomendadas e invocar exclusivamente em relação aos grossistas as «rupturas de stocks». Com o decorrer do tempo, apesar de tudo, os grossistas descobrem as verdadeiras razões do fabricante. Dado que este só aceita as encomendas se as mesmas se situam ao nível das quantidades anteriormente encomendadas, os grossistas adaptam aparentemente as suas encomendas em consequência obtendo simultaneamente fornecimentos mais importantes destinados às exportações encarregando outros grossistas de comprar os produtos por eles. De facto, as exportações paralelas continuam, assumindo até maior envergadura.

31.
    A recorrente observa que o Adalat, tem, na maioria dos Estados-Membros, o seu preço fixado de modo directo ou indirecto pelos serviços de saúde do Estado, o que, tendo em conta a utilização de critérios muito diversos, provoca enormes diferenças de preços de um Estado-Membro para outro. Em especial, durante o período controvertido de 1989 a 1993, em Espanha e em França, os serviços de saúde estatais fixaram os preços, em média, 40% abaixo do nível do preço no Reino Unido, onde os preços dos produtos farmacêuticos sofrem um controlo diferente por parte do Estado, baseado nos lucros das empresas farmacêuticas.

32.
    Foi por causa de tais diferenças de preços que os grossistas espanhóis, que tradicionalmente se ocupam do abastecimento das farmácias na sua zona espanhola de venda e que compram o Adalat à filial espanhola da recorrente, começaram, em 1989, a exportar este produto em grandes quantidades para o Reino Unido beneficiando, assim, de lucros muito mais importantes que os realizados ao abastecerem os seus clientes tradicionais em Espanha [por exemplo, um só grossista teria encomendado repentinamente uma quantidade que representava quase metade do consumo total de Espanha, v. considerando (114) da decisão]. A recorrente acrescenta que, devido aos enormes lucros obtidos com as exportações, uma parte dos grossistas espanhóis renunciou mesmo completamente a abastecer as farmácias espanholas que forneciam normalmente para revender quase todo o seu Adalat para o Reino Unido. Esta situação provocou em certas regiões de Espanha importantes penúrias de abastecimento das farmácias e obrigou a Bayer, para proteger os doentes, a fornecer directamente às farmácias negligenciadas pelo grossistas espanhóis.

33.
    No que diz respeito aos grossistas franceses, a recorrente sublinha que ocorrências semelhantes verificaram-se em França, a partir de Setembro/Outubro de 1991,quando estes últimos começaram, por seu turno, a exportar grandes quantidades de Adalat para o Reino Unido.

34.
    A recorrente afirma que foi perante esta situação e considerando os problemas que se iriam colocar a longo prazo para a Bayer UK, que quis reagir contra este fenómeno das importações paralelas, que foi examinado ao seu nível mais elevado de decisão e de responsabilidade. Depois de discussões aprofundadas e de uma análise jurídica minuciosa das diversas medidas possíveis, tendo em conta a prática decisória da Comissão e a jurisprudência comunitária na matéria, foi decidido que em vez de deixar completamente de fornecer os grossistas e de se encarregar, ela mesma, da distribuição convinha escolher um meio «mais ligeiro» contentando-se em reduzir as quantidades fornecidas. Assim, a recorrente teria decidido só aceitar as encomendas dos grossistas com base nas suas encomendas do ano precedente, permitindo no entanto aumentá-las de cerca de 10% por ano, em conformidade com o aumento do consumo.

35.
    A recorrente admite que tem um sistema de informação interna para tentar detectar as importações paralelas mas contesta tanto o seu alcance como exposto na decisão como as afirmações sobre a sua aplicação efectiva em relação aos grossistas franceses e espanhóis, circunstâncias das quais a Comissão deduz erradamente a existência de uma «proibição de exportar». Assim, precisa que o sistema consistia unicamente em verificar as quantidades fornecidas a cada grossista durante os anos precedentes e, com base nestas «quantidades de referência», aumentadas, razoavelmente, de cerca de 10% por ano tendo em conta igualmente a inflação e o aumento dos índices gerais dos preços, em fixar, antecipadamente, as quantidades a fornecer anual e mensalmente.

36.
    Além disso, nega ter posto em prática uma política de fornecimento condicionada ao respeito de um pretensa proibição de exportar, tese sustentada pela Comissão, e precisa que o sistema introduzido não envolve a realização de controlos ulteriores para verificar se as quantidades fornecidas tinham sido exportadas.

37.
    Por fim, a recorrente salienta a liberdade de os grossistas exportarem os produtos fornecidos, liberdade que decorreria do facto de que, conhecendo a inexistência, da sua parte, de todo e qualquer controlo do destino final dos produtos fornecidos, não podiam recear «sanções» se o destino final dos referidos produtos fosse o Reino Unido. De facto, os grossistas gozaram «de facto» desta liberdade, exportando largamente os produtos que lhe tinham sido fornecidos bem como os fornecidos a outros grossistas ou agentes locais.

38.
    A recorrente alega que a Comissão não demonstrou a existência de um acordo entre a Bayer e os seus grossistas e afirma que não houve vontade de instituir um acordo nem da sua parte, porque considerou legal pôr em prática uma política unilateral de fornecimento limitada a fim de tornar mais difíceis as exportações paralelas, nem da dos grossistas, que demonstraram pelo seu comportamento a suatotal oposição à aplicação de tal política. Para a recorrente, a tese adoptada pela Comissão equivale a dizer que a condição da existência de um acordo entre empresas na acepção do artigo 85.° do Tratado está satisfeita mesmo se o autor da encomenda só em aparência altera o seu comportamento e se o seu comportamento de facto demonstra claramente que não quer justamente concluir o pretenso acordo. Tal abordagem é contrária ao teor e à finalidade do artigo 85.°, porque a concordância das vontades, ou seja, o elemento central do conceito de acordo, deixaria de ser necessária nesse conceito de acordo.

39.
    Além disso, a recorrente sustenta que, para justificar a adopção desta nova abordagem, a Comissão não podia recorrer aos precedentes em matéria de decisões e de jurisprudência atendendo às diferenças existentes entre os factos do presente caso e os das decisões anteriores relativas a entraves às exportações paralelas.

40.
    A recorrente alega que, até ao presente, é incontestável que a recusa parcial ou total de fornecimento constitui um acto unilateral que não pode cair no âmbito do artigo 85.° do Tratado. Na ausência de um acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado esta disposição não pode ser aplicada ao caso concreto. Para a recorrente, a tese defendida pela Comissão alarga o âmbito de aplicação do artigo 85.° do Tratado a uma recusa unilateral de fornecimento que só pode cair no âmbito do artigo 86.° do Tratado, de modo a suprimir a delimitação sistemática existente entre o âmbito de aplicação do artigo 85.° e o do artigo 86.°

41.
    Segundo a recorrente, ao adoptar a decisão, a Comissão iniciou uma experiência nova para testar a viabilidade de uma abordagem política baseada num regime jurídico especial e novo para as importações paralelas e as suas problemáticas em matéria de concorrência. Esta política extravasa o âmbito do Tratado actual, que, se tem por objectivo estabelecer um mercado interno, não vai ao ponto de proibir, através das disposições relativas à concorrência, um comportamento unilateral na ausência de posição dominante pelo simples motivo de que este tem por finalidade impedir as exportações paralelas.

42.
    Além disso, a decisão de princípio que a decisão comporta tem um alcance que excede largamente o presente caso e implica, para as empresas que não dominam o mercado, uma obrigação muito lata de contratar dado que um fabricante não se poderia recusar a executar encomendas pelas razões já referidas sem infringir o artigo 85.° do Tratado. Este resultado é diametralmente oposto ao teor e à economia dos artigos 85.° e 86.° do Tratado.

43.
    Em seguida, a recorrente acusa a Comissão de ignorar o facto de que a concorrência em relação aos produtos farmacêuticos é fortemente alterada pelas regulamentações dos preços, que são diferentes nos Estados-Membros. A recorrente considera que estas regulamentações são dificilmente compatíveis com o artigo 30.° do Tratado CE (actual artigo 28.° CE). Alega igualmente que os sistemas nacionais de fixações directas e indirectas dos preços dos produtosfarmacêuticos, muito diferentes uns dos outros, falseiam largamente o jogo da concorrência e infringem, deste modo, o artigo 3.°, alínea g), do Tratado CE [que passou, após alteração, a artigo 3.°, alínea g), CE].

44.
    Além do mais, verifica que, no domínio farmacêutico, a Comunidade está ainda longe de ter realizado um mercado interno e critica o facto de as empresas serem tratadas como se o mesmo já estivesse concluído quando a Comunidade não tomou qualquer medida efectiva para harmonizar os sistemas nacionais de fixação dos preços a fim de as condições de concorrência não serem falseadas.

45.
    Contesta igualmente a tese da Comissão segundo a qual não é necessária uma regulamentação comunitária porque, a longo prazo, as importações paralelas conduzirão à harmonização dos preços dos medicamentos.

46.
    A recorrente propõe que sejam ouvidas certas testemunhas para provar, em primeiro lugar, que o comportamento de certos grossistas espanhóis, que tinham exportado todas as suas caixas de Adalat, tinha feito perigar o abastecimento de numerosas farmácias espanholas; em segundo lugar, que a decisão de deixar de satisfazer a integralidade das encomendas tinha sido precedida de um exame jurídico minucioso da compatibilidade desta decisão com o direito comunitário; e em terceiro lugar, que a Comissão tinha renunciado a prosseguir um inquérito anterior ao que deu origem ao presente recurso, no qual já teria sido examinado o comportamento da Bayer em relação aos importadores paralelos.

47.
    A EFPIA, interveniente em apoio da recorrente, subscreve os argumentos desta última.

48.
    A Comissão considera que a infracção é constituída pelo acordo entre a recorrente e os grossistas espanhóis e franceses quanto à proibição de exportar o produto Adalate para outros Estados-Membros.

49.
    Sustenta que a Bayer França e a Bayer Espanha previram e impuseram uma proibição de exportar e que, para a pôr em prática, o grupo Bayer instaurou um sistema de controlo das importações paralelas que consiste em identificar os grossistas exportadores, em reduzir de modo drástico os fornecimentos, em controlar o destino final das quantidades fornecidas e em aplicar sanções, mediante a redução ulterior dos fornecimentos, aos grossistas que os exportaram. Considera provado que a Bayer implementou este sistema, que os grossistas conheciam os objectivos da recorrente e que consentiram na proibição de exportar porque sabiam que, caso contrário, deviam esperar que as suas encomendas só fossem cumpridas ao nível das necessidades do mercado nacional, ou até mesmo a um nível inferior fixado pela recorrente.

50.
    Segundo a Comissão, é falso considerar que a Bayer decidiu, de forma generalizada, fornecer a todos os grossistas quantidades equivalentes pelo menosà quantidade de referência, ou seja, a quantidade do ano anterior acrescida de 10%. Assim, as reduções de fornecimentos relativamente às encomendas não teriam sido aplicadas a todos os grossistas segundo o pretenso nível único de referência [v. considerando (96) da decisão]. Relativamente a determinados grossistas, as encomendas teriam sido reduzidas ao nível do ano anterior sem aplicação da majoração de 10% [caso da CERP Lorraine, referido nos considerandos (87) e (165) da decisão, e da Hefame, referido nos considerandos (122) a (124) e (168) da decisão], ao passo que, noutros casos, a envergadura da redução podia mesmo prejudicar a capacidade de os grossistas em causa abastecerem em quantidade suficiente o seu mercado tradicional [caso da Hufasa, referido nos considerandos (114), (127) e (166) da decisão, bem como da Cofares, referido nos considerandos (121) e (169) da decisão].

51.
    Daqui resultaria que os grossistas consideravam que as restrições impostas estavam ligadas às exportações e que, tendo em conta possíveis medidas de retaliação, tinham todo o interesse em respeitar formalmente a proibição de exportar, o que teriam feito. Os grossistas ter-se-iam posto de acordo com a recorrente para não exportarem Adalate a fim de em troca obterem abastecimentos suficientes.

52.
    A Comissão alega que, para a implementação desta proibição de exportar, a recorrente contou com a aquiescência dos grossistas e sustenta que a concordância de vontades não é posta em causa pelo facto de as duas partes não terem o mesmo interesse em concluir o acordo. Um acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado pressupõe unicamente que as duas partes tenham um interesse na sua conclusão, sem que seja necessário que este interesse seja idêntico. Tendo os grossistas interesse em evitar as restrições de fornecimentos e tendo a recorrente interesse em impedir as exportações paralelas ou pelo menos em limitá-las, existe uma concordância das vontades para que as exportações paralelas sejam impedidas ou pelo menos reduzidas.

53.
    A Comissão considera que o facto de os grossistas não terem renunciado completamente às exportações não pode pôr em dúvida a existência, no caso concreto, de um acordo ou de uma aquiescência da sua parte quanto à proibição de exportar. Embora reconheça que os grossistas espanhóis e franceses teriam preferido continuar as suas operações de exportação para o Reino Unido, alega que eles tinham reduzido as quantidades encomendadas para um nível tal que a Bayer devia ter a impressão de que eles respondiam à sua vontade declarada de os ver limitarem-se deste modo apenas às necessidades dos seus mercados tradicionais.

54.
    Alega que a decisão corresponde manifestamente à sua prática decisória e à jurisprudência do Tribunal de Justiça, tendo o conceito de acordo sido objecto de uma interpretação semelhante, nomeadamente nos acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de Fevereiro de 1990, Sandoz prodotti farmaceutici/Comissão (C-277/87, Colect., p. I-45, publicação sumária, a seguir «acórdão Sandoz») e de 8 deFevereiro de 1990, Tipp-Ex/Comissão (C-279/87, Colect., p. I-261, publicação sumária).

55.
    A Comissão contesta ter posto em causa a delimitação entre os âmbitos de aplicação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado precisando que, no caso concreto, os factos caem efectivamente no âmbito do artigo 85.° que se refere aos acordos, porque os grossistas decidiram eles próprios vergar-se à vontade da recorrente e garantir um abastecimento suficiente aceitando limitar as exportações. Por conseguinte, segundo a Comissão, as considerações de política jurídica adiantadas pela recorrente fundam-se em premissas erradas, razão pela qual não é necessário examiná-las mais em profundidade.

56.
    A Comissão não subscreve a afirmação da recorrente segundo a qual o sector farmacêutico constitui um mercado específico ao qual as regras de concorrência só se devem aplicar de forma limitada. Reconhece que numerosos Estados-Membros continuam a intervir no mercado dos produtos farmacêuticos e que, dadas as diferenças de abordagem existentes, os preços médios e os hábitos de consumo são diferentes. Todavia, a Comissão recorda que foi decidido que não se pode opor a sistemas de controlo dos preços enquanto tais através das regras da livre circulação de mercadorias, mas apenas lutar contra eventuais repercussões discriminatórias à luz do artigo 30.° do Tratado. Foi por esta razão que, posteriormente, a Comissão só atacou as medidas estatais que privilegiavam claramente a indústria ou a investigação farmacêutica nacional.

57.
    Sustenta que o facto de os Estados-Membros terem sistemas diferentes de regulação dos preços não significa que o objectivo do estabelecimento de um mercado interno não se aplique ao domínio farmacêutico. Alega que, dado que os sistemas de regulação dos preços deixam, de qualquer forma, às empresas uma margem de manobra suficiente, as importações paralelas não devem ser entravadas nem por medidas estatais nem por um comportamento restritivo da concorrência por parte das empresas. E mais, se as medidas estatais que obstam às exportações paralelas são proibidas, medidas tomadas por empresas que prossigam o mesmo objectivo, como seria aqui o caso, deviam igualmente sê-lo. Por conseguinte, segundo a Comissão, o próprio facto de entravar importações paralelas de medicamentos viola o artigo 85.° do Tratado, como resulta nomeadamente do acórdão Sandoz.

58.
    Acrescenta que, nos seus acórdãos de 31 de Outubro de 1974, Centrafarm e de Peijper (15/74, Colect., p. 475), e de 20 de Janeiro de 1981, Musik-Vertrieb membran e K-tel International (55/80 e 57/80, Recueil, p. 147), o Tribunal de Justiça declarou já que as regras relativas à implementação da livre circulação de mercadorias são aplicáveis a um sector independentemente do facto de as disposições nacionais em causa terem, ou não, sido objecto de uma harmonização. Deste modo, a Comissão conclui que as proibições de exportar podem igualmente ser combatidas mesmo no sector farmacêutico, como resulta claramente dajurisprudência do Tribunal de Justiça. Refere-se, nomeadamente, no que respeita ao artigo 30.° do Tratado, aos acórdãos do Tribunal de Justiça de 20 de Maio de 1976, de Peijper (104/75, Colect., p. 263), de 23 de Maio de 1978, Hoffmann-La Roche (102/77, Colect., p. 2063) e, no que respeita ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado ao acórdão Sandoz.

59.
    Em seguida, a Comissão afirma que parte do princípio que, a longo prazo, as importações paralelas conduzirão à harmonização dos preços dos medicamentos e não considera aceitável que as importações paralelas sejam entravadas para que as empresas farmacêuticas possam impor, em países que não aplicam qualquer controlo dos preços, tabelas excessivas para compensar lucros mais baixos nos Estados-Membros que têm uma intervenção mais ampla ao nível dos preços.

60.
    A BAI assinala que, por um lado, no mercado dos medicamentos, as farmácias encontram-se na impossibilidade tanto económica como logística de manter em reserva, em quantidades suficientes, uma gama completa dos medicamentos mais correntes e, por outro, em razão da sua posição e da sua função neste mercado, os grossistas são obrigados a ter em reserva tal gama, de modo a estarem em condições de fornecer rapidamente a uma farmácia todos os medicamentos que esta última encomendou, sob pena de a ver recorrer a um grossista que disponha das reservas necessárias. Nestas circunstâncias e tendo em conta a estrutura do mercado farmacêutico e do sistema de controlo da distribuição introduzido pela Bayer, a BAI considera que os grossistas só podiam vergar-se a este controlo, reduzir sensivelmente as encomendas e, deste modo, as exportações, sem que o fabricante tenha tido necessidade de os ameaçar expressamente.

61.
    Quanto à prova da proibição de exportar, para a BAI, a existência de sanções contra os grossistas exportadores não pode ser contestada, porque a Bayer controlou de modo constante a distribuição dos seus produtos e adaptou-se sempre às evoluções do mercado. Em apoio desta tese, alega que o quadro das encomendas de «Adalat 20 mg» constante do considerando (87) da decisão prova de modo manifesto que o grossista que procedia a exportações devia esperar uma redução ulterior dos volumes fornecidos e que a Bayer reagia sempre ao volume das encomendas dos grossistas e aplicava sanções aos grossistas exportadores fazendo reduções muito importantes dos fornecimentos.

II - Apreciação do Tribunal

A. Observações preliminares

62.
    Segundo jurisprudência assente, quando lhe seja submetido um recurso de anulação de uma decisão de aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, o Tribunal deve exercer de forma geral um controlo completo sobre a questão de saber se estão ou não reunidas as condições de aplicação do artigo 85.°, n.° 1 (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1985, Remia e o./Comissão,42/84, Recueil, p. 2545, n.° 34, e de 17 de Novembro de 1987, BAT e Reynolds/Comissão, 142/84 e 156/84, Colect., p. 4487, n.° 62).

63.
    Nos termos do artigo 85.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Tratado:

«São incompatíveis com o mercado comum e proibidos todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que sejam susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados-Membros e que tenham por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado comum...»

64.
    Resulta dos termos deste artigo que esta proibição respeita exclusivamente a comportamentos coordenados bilateral ou multilateralmente, sob forma de acordos entre empresas, de decisões de associações de empresas ou de práticas concertadas.

65.
    No presente caso, a decisão declara verificada a existência de um «acordo entre empresas» na acepção desse artigo. Todavia, a recorrente sustenta que na decisão é aplicada uma sanção a um comportamento unilateral da sua parte, que escapa ao âmbito de aplicação desse artigo. Afirma que a Comissão fez do conceito de acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado uma interpretação que excede os precedentes jurisprudenciais e que a sua aplicação ao caso concreto viola a referida disposição do Tratado. A Comissão considera que seguiu plenamente a jurisprudência na apreciação deste conceito e pensa que esta última foi aplicada de modo adequado ao caso sub judice. Há portanto que determinar se, tendo em conta a definição jurisprudencial deste conceito, a Comissão podia ver nos comportamentos estabelecidos na sua decisão os elementos constitutivos de um acordo entre empresas na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

B. Quanto ao conceito de acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado

66.
    Resulta da jurisprudência que, quando uma decisão por parte do fabricante constitui um comportamento unilateral da empresa, esta decisão escapa à proibição do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 1983, AEG/Comissão, 107/82, Recueil, p. 3151, n.° 38, e de 17 de Setembro de 1985, Ford e Ford Europe/Comissão, 25/84 e 26/84, Recueil, p. 2725, n.° 21, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Julho de 1994, Dunlop Slazenger/Comissão, T-43/92, Colect., p. II-441, n.° 56).

67.
    Resulta igualmente de jurisprudência constante que, para que haja acordo, na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, basta que as empresas em causa tenham expresso a sua vontade comum de se comportarem no mercado de uma forma determinada (acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1970, ACF Chemiefarma/Comissão, 41/69, Colect., 1969-1970, p. 447, n.° 112, e de 29 de Outubro de 1980, Van Landewyck e o./Comissão, 209/78 a 215/78 e 218/78, Recueil, p. 3125, n.° 86; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 deDezembro de 1991, Hercules Chemicals/Comissão, T-7/89, Colect., p. II-1711, n.° 256).

68.
    No que respeita ao modo de expressão da referida vontade comum, basta que uma estipulação seja a expressão da vontade de as partes se comportarem no mercado de acordo com os seus termos (v., nomeadamente, acórdãos ACF Chemiefarma/Comissão, n.° 112, e Van Landewyck/Comissão, n.° 86, já referidos), sem que seja necessário que a mesma constitua um contrato obrigatório e válido segundo o direito nacional (acórdão Sandoz, n.° 13).

69.
    Daqui resulta que o conceito de acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, como foi interpretado pela jurisprudência, baseia-se na existência de uma concordância de vontades entre duas partes pelo menos, cuja forma de manifestação não é importante desde que constitua a expressão fiel das mesmas.

70.
    Em circunstâncias determinadas, medidas adoptadas ou impostas de maneira aparentemente unilateral pelo fabricante no quadro das relações continuadas que mantém com os seus distribuidores foram consideradas constitutivas de um acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 1979, BMW Belgium e o./Comissão, 32/78, 36/78 a 82/78, Recueil, p. 2435, n.os 28 a 30; AEG/Comissão, já referido, n.° 38; Ford e Ford Europe/Comissão, já referido n.° 21; de 22 de Outubro de 1986, Metro/Comissão, dito «Metro II», 75/84, Colect., p. 3021, n.os 72 e 73; Sandoz, já referido, n.os 7 a 12, e de 24 de Outubro de 1995, Bayerische Motorenwerke, C-70/93, Colect., p. I-3439, n.os 16 e 17).

71.
    Resulta desta jurisprudência que há que distinguir as hipóteses em que uma empresa adoptou uma medida verdadeiramente unilateral e portanto sem a participação expressa ou tácita de uma outra empresa, daquelas em que o carácter unilateral é unicamente aparente. Se as primeiras não são abrangidas pelo artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, as segundas devem ser vistas como revelando um acordo entre empresas e podem cair, deste modo, no âmbito de aplicação desse artigo. Tal é o caso, nomeadamente, das práticas e medidas restritivas da concorrência que, adoptadas aparentemente de modo unilateral pelo fabricante no quadro das suas relações contratuais com os seus revendedores, recebem todavia a aquiescência, pelo menos tácita, destes últimos.

72.
    Ora, resulta igualmente desta jurisprudência que a Comissão não pode julgar que um comportamento unilateral por parte de um fabricante, adoptado no quadro das relações contratuais que mantém com os seus revendedores, está na realidade na origem de um acordo entre empresas, na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, se não provar a existência de um consentimento, expresso ou tácito, por parte dos outros parceiros, em relação à atitude adoptada pelo fabricante (v., neste sentido, acórdãos BMW Belgium e o./Comissão, n.os 28 a 30; AEG/Comissão, n.° 38; Ford e Ford Europe/Comissão, n.° 21; Metro II, n.os 72 e 73; Sandoz, n.os 7 a 12 e Bayerische Motorenwerke, n.os 16 e 17, já referidos).

C. Quanto à aplicação, ao caso sub judice, do conceito de acordo

73.
    No caso sub judice, na ausência de prova documental directa da conclusão de um acordo entre as partes relativo à limitação ou à redução das exportações, a Comissão julgou que a concordância de vontades confirmando o referido acordo resulta dos comportamentos respectivos da recorrente e dos grossistas, referidos na decisão.

74.
    Assim, na decisão, a Comissão expõe [considerando (155)] que a «Bayer França e a Bayer Espanha cometeram uma infracção ao n.° 1 do artigo 85.° do Tratado» e que as condições de aplicabilidade deste artigo estavam reunidas porque estas filiais previram «uma proibição de exportar, que se insere no âmbito das suas relações comerciais contínuas com os seus clientes». Em seguida, enuncia [considerando (156)] que «[a] análise do comportamento adoptado pela Bayer França e pela Bayer Espanha em relação aos respectivos grossistas permite caracterizar neste caso uma proibição de exportar imposta pela Bayer França e pela Bayer Espanha no âmbito das relações comerciais estabelecidas com os grossistas» e apresenta como provado [considerando (176)] que os grossistas adoptaram um «comportamento implícito de aquiescência à proibição de exportar».

75.
    Deste modo, quando a Comissão, na decisão, se refere à «proibição de exportar», concebe a mesma como uma exigência unilateral que foi objecto de um acordo entre a recorrente e os grossistas. Se a Comissão concluiu no sentido da existência de um acordo contrário ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, foi porque julgou estabelecido que a recorrente procurou e obteve um acordo com os seus grossistas em Espanha e em França, acordo cujo objectivo era impedir ou limitar as importações paralelas.

76.
    A recorrente admite que adoptou uma política unilateral destinada a reduzir as importações paralelas. Contesta todavia que tenha previsto e imposto uma proibição de exportar. A este respeito, alega nunca ter discutido e, ainda menos ter celebrado um acordo, com os grossistas para os impedir de exportar ou limitá-los na exportação das quantidades fornecidas. Além disso, afirma que os grossistas de forma alguma aderiram à sua política unilateral e que não tiveram qualquer vontade de o fazer.

77.
    Nestas circunstâncias, a fim de determinar se a Comissão demonstrou de modo suficiente a existência de uma concordância de vontades entre as partes quanto à limitação das exportações paralelas há que examinar se, como a recorrente sustenta, a Comissão apreciou erradamente as vontades respectivas da Bayer e dos grossistas.

1. Quanto à pretensa vontade de a recorrente impor uma proibição de exportar

a) Observações preliminares

78.
    A decisão apresenta como estabelecido que as filiais francesa e espanhola da recorrente impuseram respectivamente aos grossistas franceses e espanhóis uma proibição de exportar, que foi introduzida identificando os grossistas exportadores e aplicando-lhes reduções sucessivas dos volumes fornecidos se se afigurasse que exportavam a totalidade ou parte desses produtos. Com efeito, nos termos do segundo parágrafo do considerando (156) da decisão, a proibição de exportar «depreende-se dos elementos complementares seguintes: sistema de detecção dos grossistas exportadores (a), reduções sucessivas dos volumes fornecidos pela Bayer França e pela Bayer Espanha, caso os grossistas exportem total ou parcialmente esses produtos (b)».

79.
    Na decisão, a Comissão enuncia [considerandos (160) a (170)] as razões pelas quais considera provado que a recorrente procedia a «reduções sucessivas dos volumes fornecidos pela Bayer França e pela Bayer Espanha, caso os grossistas export[assem] total ou parcialmente esses produtos» e que, deste modo «o fornecimento [estava] subordinado ao respeito de uma proibição de exportar.» Em especial, a Comissão afirma [considerando (160), primeiro parágrafo]: «Sempre que os grossistas exportam uma parte dos produtos fornecidos, expõem-se a uma redução, por parte da Bayer França e Bayer Espanha das remessas relativas a encomendas posteriores.» Acrescenta [considerando (163)]: «Os elementos de que a Comissão dispõe demonstram que o fornecimento das quantidades admitidas pela Bayer Espanha é subordinado ao respeito de uma proibição de exportar. A redução dos volumes fornecidos pela Bayer França e pela Bayer Espanha é modulada por estas em função do comportamento que os grossistas adoptem em relação a essa proibição de exportar. Se os grossistas violarem a proibição de exportar, sofrerão uma nova redução automática das remessas encomendadas.»

80.
    A Comissão conclui [considerando (170)]: «Todos estes elementos do comportamento da Bayer França e da Bayer Espanha permitem demonstrar que estas expuseram os seus grossistas a uma ameaça permanente de redução dos fornecimentos, ameaça concretizada repetidamente quando aqueles não respeitaram a proibição de exportar».

b) Quanto à extensão do sistema de controlo da distribuição de Adalat posto em prática pela recorrente

81.
    A recorrente admite que, a fim de aplicar a sua política que consiste em cumprir as encomendas apenas na medida em que estas correspondiam às necessidades tradicionais dos grossistas, dispunha de um sistema geral de controlo da distribuição de Adalat. Admite igualmente ter tido interesse em conhecer os grossistas que podiam exportar a fim de poder aplicar correctamente esta política. Mas alega que este sistema de informação não permitia efectuar controlos posteriores ao fornecimento destinados a saber se os produtos fornecidos tinham sido, ou não, efectivamente exportados. Este sistema teria apenas consistido em verificar asquantidades fornecidas aos grossistas durante os anos anteriores e, nesta base, em fixar antecipadamente as quantidades que queria fornecer a cada grossista. Deste modo, a recorrente sustenta que a tese da Comissão segundo a qual a Bayer teria submetido os fornecimentos a cada grossista à verificação de que as quantidades fornecidas segundo a nova política não tinham finalmente sido exportadas para o Reino Unido e teria introduzido um sistema de sanção dos grossistas que continuavam a exportar depois da introdução desta política, carece de provas factuais.

82.
    Para descrever o sistema de controlo da distribuição de Adalat posto em prática pela recorrente, a Comissão apoia-se no documento reproduzido no considerando (109) da decisão, proveniente da Bayer Espanha, que os seus serviços encontraram nas instalações da Bayer França. Este documento consiste numa série de transparentes de conferência utilizados por um responsável da filial espanhola para expor, quando de uma reunião realizada nas instalações da Bayer França, o sistema de controlo da distribuição de Adalat em Espanha. Segundo a Comissão, este documento faz uma descrição completa do sistema utilizado pela recorrente para identificar, entre os seus clientes, os que exportam.

83.
    A recorrente admitiu, na audiência, que estes transparentes descrevem correctamente o sistema que aplicava. Tratando-se de um documento que, pela sua natureza, se destinava a ser utilizado exclusivamente no seio do grupo Bayer, há que considerá-lo ilustrativo do modo como a Bayer decidiu fazer face às importações paralelas.

84.
    O Tribunal assinala que estes transparentes começam com uma exposição do problema, indicando que o volume das encomendas de Adalat aumentou até 300% nalgumas semanas, que este aumento provocou rupturas de stocks, que o mesmo põe em perigo uma distribuição uniforme em todo o país e que provoca um descontentamento generalizado tanto no seio dos grossistas como no da «organização interna e externa de vendas» e junto das farmácias e, por fim, que perturba o ritmo de produção devido a necessidades urgentes de Adalat.

85.
    Em seguida, demonstram que a recorrente considerou que a solução mais adequada para fazer face aos problemas provocado pelo aumento súbito e exorbitante das encomendas de Adalat era definir, antecipadamente, um limite de fornecimento para cada grossista tendo em conta um leque de considerações, entre as quais, nomeadamente, a «identificação de eventuais exportadores». Além disso, resulta deste documento que, para a aplicação deste sistema de controlo em Espanha o grupo Bayer tinha-se preparado para ter que discutir os limites de volume de fornecimento atribuídos a cada grossista. Para o efeito, o grupo tinha previsto, por um lado, um argumento único a apresentar pelos níveis hierárquicos de base do seu departamento de distribuição, ou seja, uma «ruptura de stocks», e, por outro, a determinação de um responsável pelos contactos directos com osgrossistas que, previsivelmente, iam insistir para obter uma revisão dos limites fixados.

86.
    Os transparentes demonstram que, a fim de aplicar o limite fixado para cada cliente, o sistema introduzido permitia bloquear automaticamente a encomenda do cliente excedendo a quantidade atribuída, a fim de permitir um controlo «manual» desta encomenda. Além disso, é precisado que este sistema tem, entre outras vantagens, a de permitir o «conhecimento dos grossistas suspeitos». Por fim, quanto ao seguimento a dar às encomendas controladas manualmente, resulta destes transparentes que o sistema conduz a «reduzir a quantidade em vez de anular a encomenda».

87.
    A aplicação prática deste sistema de controlo é ilustrada de modo tópico pelo quadro, intitulado «Resultado», contido nestes transparentes e retomado no final do considerando (109) da decisão. Resulta deste quadro que a Bayer Espanha fixava antecipadamente limites mensais e anuais para as encomendas de cada grossista e que controlava, em cada nota de encomenda, se o grossista tinha ultrapassado os referidos limites.

88.
    Todavia, estes transparentes não contêm qualquer indício de uma vontade de a Bayer proibir as exportações ou controlar as quantidades realmente exportadas por cada um dos grossistas examinados e reagir em consequência.

89.
    Assim, e contrariamente à interpretação defendida pela Comissão, não se pode considerar que este documento interno demonstre que a recorrente tinha baseado a sua estratégia no controlo dos destinos finais dos produtos fornecidos e na aplicação de sanções aos grossistas exportadores.

90.
    Há que examinar, em seguida, os diversos exemplos de grossistas franceses e espanhóis a que a Comissão se refere para afirmar que as reduções dos fornecimentos não tinham sido preestabelecidos de modo unilateral, mas constituíam a reacção ao comportamento dos grossistas em matéria de encomendas, o que provaria a existência da política de controlo sistemático das exportações e de aplicação de sanções aos grossistas que tivessem exportado os produtos fornecidos.

91.
    Quanto ao caso da CERP Lorraine, a Comissão refere-se ao quadro das encomendas feitas por este grossista francês, constante do considerando (87) da decisão. Este quadro demonstra que este grossista, enquanto tinha feito entre Junho de 1991 e Fevereiro de 1992 encomendas mensais de 50 000 a 70 000 embalagens de Adalat em média, e enquanto recebeu da Bayer França 69 000 embalagens em Julho de 1991, só teria recebido 35 000 em Setembro de 1991, e em seguida 15 000 por mês durante os três meses seguintes e 7 500 apenas em Fevereiro de 1992. A Comissão sustenta que estas diminuições nos fornecimentos provam que a Bayer não aplicou sempre o mesmo critério, o das quantidades de referência fixadas em função das encomendas do ano anterior.

92.
    Resulta do teor do considerando (87) da decisão que, a partir de Setembro de 1991, a Bayer diminuiu notoriamente os seus fornecimentos a este grossista relativamente aos meses anteriores e que invocou problemas de ruptura de stocks no mercado francês. Todavia, não é feita qualquer referência às exportações eventuais das quantidades fornecidas. Deste modo, a Comissão não pode invocar este quadro de encomendas para fundar a sua tese do fornecimento condicionado. Pelo contrário, este considerando da decisão reproduz igualmente uma carta da Bayer França à CERP Lorraine na qual, segundo a Comissão, a Bayer França recorda que «as necessidades mensais (em média) da CERP Lorraine eram de 9 000 caixas por mês, razão por que a Bayer França se veria na impossibilidade de satisfazer o aumento de pedidos no ano seguinte». Esta afirmação deve ser interpretada como uma confirmação de que, como a recorrente invoca, a sua nova política de fornecimento assentava nas necessidades tradicionais de cada grossista que, no caso da CERP Lorraine, eram sete a oito vezes menos elevadas que as quantidades encomendadas nos meses anteriores à introdução da nova política. A tese da recorrente é confirmada pelo considerando (165) da decisão que expõe que a Bayer França controlava estreitamente as encomendas da CERP Lorraine e que só aceitava fornecê-la ao nível estrito do ano anterior.

93.
    O caso do grossista francês OCP exige a mesma apreciação. O considerando (91) da decisão expõe a situação deste grossista que tinha proposto à Bayer França um plano de encomendas prevendo o fornecimento de 50 000 embalagens de Adalat para Março, Abril e Maio de 1992. É mencionado um telex enviado por este grossista à Bayer França e acusando esta última de lhe só ter fornecido 15 000 embalagens em Fevereiro e 5 000 em Março. Ora, na ausência de qualquer menção ou referência a uma proibição de exportar, a Comissão não pode invocar este telex para fundar a sua tese do fornecimento condicionado.

94.
    Quanto ao grossista espanhol Hefame, a Comissão alega que ele tinha igualmente sido identificado como exportador paralelo. No considerando (120) da decisão, que reproduz as explicações que a Hefame teria dado a clientes descontentes no Reino Unido, a Comissão invoca, em especial, que a observação segundo a qual «... o volume das exportações paralelas [era] demasiado elevado, tal como o controlo multinacional» (por referência à Bayer segundo a Comissão), prova que a recorrente controlava efectivamente a situação, sabia perfeitamente que grossistas faziam exportações paralelas e que em consequência lhes aplicava sanções. Verifica-se que, embora este documento prove que a Bayer tinha aplicado restrições de fornecimento à Hefame que provocavam problemas para os seus clientes, o mesmo não é susceptível de apoiar a tese da Comissão segundo a qual os fornecimentos seriam condicionados pelo destino final dos produtos fornecidos, não podendo nenhum destes elementos ser interpretado como a prova de uma tentativa por parte da Bayer de proibir as exportações dos produtos fornecidos e de aplicar sanções a tal prática. Pelo contrário, o facto de a Bayer se ter limitado a introduzir uma política de fornecimento restrito consoante as necessidades nacionais parece ser corroborada pelas frases seguintes, constantes do documentoreproduzido no considerando (120) da decisão: «Percebo que não estejam satisfeitos com esta informação, mas num ano tudo mudou, o volume de exportações paralelas é demasiado elevado, tal como o controlo multinacional... desde há algum tempo, temos vindo a defrontar sérias dificuldades para obter quantidades suficientes de [Adalat], (...) e (...) a partir de Espanha. [...] Aparentemente, mais uma vez, a Bayer e (...) estão a fazer os possíveis para disponibilizarem os seus produtos à medida das suas prováveis necessidades em Espanha, impedindo assim a liberdade de comércio na CE. Pode tomar alguma iniciativa contra estas empresas?»

95.
    Ainda no que diz respeito à Hefame, os considerandos (122) a (124) da decisão expõem os acordos concluídos por este grossista com certos pequenos grossistas. Nos termos de um destes acordos, que consta do processo da Comissão, um pequeno grossista comprometia-se «a apoiar, mediante o fornecimento dos produtos, ou de quantidades dos mesmos de que possa dispor, para em conjunto com os produtos da Hefame, possibilitar o fornecimento normal e habitual, nas quantidades necessárias, aos clientes estrangeiros da Hefame». A Comissão sustenta que se a Hefame concluiu estes acordos, foi porque sabia que enquanto exportador paralelo identificado pela recorrente não obteria novos fornecimentos de Adalat. Tal demonstra que os fornecimentos não ocorriam tendo em conta valores ou limiares fixados antecipadamente, tendo alguns grossistas não suspeitos recebido sem dificuldade quantidades mais importantes, e que a recorrente fazia uma distinção clara entre os grossistas que eram suspeitos de proceder a exportações paralelas e os que não eram conhecidos como sendo exportadores paralelos. Por fim, a decisão expõe [considerando (124)] que a recorrente rapidamente pôs de parte tal repartição entre grossistas, porque identificou também os pequenos grossistas como exportadores paralelos e reduziu igualmente em consequência os fornecimentos que lhes eram destinados.

96.
    O Tribunal observa que estes extractos de documentos revelam efectivamente acordos instituídos por este grossista com outros grossistas locais para tentar obter mais embalagens de Adalat do que as fornecidas directamente pela recorrente. Todavia, não constituem material probatório em apoio da afirmação segundo a qual a recorrente condicionava a sua política de fornecimento para cada grossista ao comportamento efectivo deste quanto ao destino final dos produtos fornecidos. Contrariamente ao que a Comissão pretende, não resulta dos documentos expostos no considerando (122) da decisão que os fornecimentos segundo a nova política não se realizavam em função de valores ou de limiares fixados antecipadamente com base em necessidades passadas. Além disso, a própria Comissão afirma nos, considerandos (124) e (168) da decisão, que a Bayer, ao pôr em prática a sua nova política de se manter nas necessidades passadas, quando verificou que os pequenos grossistas encomendavam quantidades excepcionalmente elevadas relativamente à suas necessidades «normais» no mercado local, decidiu só os abastecer até ao nível das suas necessidades habituais.

97.
    No que respeita ao caso Cofares, a Comissão, no considerando (121) da decisão, cita uma declaração que este grossista teria feito quando da verificação efectuada pela Comissão nas suas instalações.

98.
    Esta declaração refere-se, por um lado, de modo geral, às dificuldades suscitadas por vários laboratórios para fornecer produtos destinados à exportação e, por outro, mais especialmente às discussões entre a Cofares e a Bayer Espanha quanto à amplitude das necessidades do seu mercado nacional. Todavia, embora se refira às dificuldades de abastecimento, não menciona qualquer proibição de exportar imposta pela Bayer nem qualquer tentativa desta para controlar o destino efectivo dos produtos fornecidos em Espanha para reagir em consonância se os mesmos fossem exportados. Deste modo, a Comissão também não pode apoiar-se em tal para demonstrar a sua tese dos fornecimentos condicionados.

99.
    Quanto à Hufasa, o considerando (127) da decisão reproduz a acta, redigida por este grossista, de uma reunião com os dirigentes da Bayer Espanha para tentar obter fornecimentos mais importantes, documento a que a Comissão atribui valor especial [v. considerandos (166) e (167) da decisão] para efeitos de provar a proibição de exportar.

100.
    Todavia, verifica-se que este documento da Hufasa não contém qualquer referência a uma proibição de exportar imposta pela recorrente nem à pretensa adopção por esta de uma política de controlo sistemático a posteriori dos destinos efectivos dos produtos fornecidos. Contrariamente ao que sustenta a Comissão, nada neste documento justifica a pretensa necessidade de a Hufasa convencer a Bayer de que não efectuaria exportações.

101.
    Assinala-se, além disso, que a própria decisão expõe elementos de facto [considerandos (96) e (159)] que confirmam a tese da recorrente quanto à política de fornecimento posta em prática. Assim, quando no considerando (96) expõe que «a Bayer França aceita uma variação, considerada normal, de mais ou menos 10% das necessidades francesas», a própria decisão contradiz a tese da Comissão de que a Bayer não teria aplicado tal abordagem. A mesma observação pode ser feita quanto ao considerando (159), que, referindo-se aos considerandos (78) e (79), afirma que «a Comissão dispõe de documentos sob a forma de listagens que indicam, por mês, as quantidades encomendadas e o aumento, posto em evidência, do seu montante em relação às estatísticas do ano anterior».

102.
    Por fim, no presente caso, a Comissão não pode contrapor à afirmação da recorrente, segundo a qual as quantidades de produtos a fornecer eram fixadas antecipadamente consoante as necessidades passadas do interessado aumentadas de 10% abstraindo de toda e qualquer eventual exportação dos produtos, o facto de esta política poder não ter sido sempre aplicada de modo exacto ou automático. A este respeito, observe-se que, como a recorrente esclareceu na audiência, tendo a introdução da sua nova política de fornecimento sofrido alguns meses de atraso,é possível que grossistas que tinham recebido quantidades muito significativas de produtos depois da sua adopção tenham tido, posteriormente, os fornecimentos reduzidos ao nível correspondente às suas necessidades tradicionais determinadas pelas estatísticas internas do grupo Bayer. Teria sido esse nomeadamente o caso da CERP Lorraine [exposto no considerando (87) da decisão] que, no início de 1991, recebeu a totalidade das encomendas de mais de 60 000 caixas de Adalat por mês e que, posteriormente, só obteve 9 000, quantidade correspondente às suas encomendas anteriores ao desenvolvimento do fenómeno das importações paralelas. Além disso, a circunstância de os grossistas que a recorrente não considerava exportadores terem podido obter quantidades suplementares mais facilmente que os grossistas identificados como exportadores, hipótese que a recorrente não parece contestar enquanto tal, não pode pôr em causa a análise anterior quanto à falta de provas da pretensa política de controlo das exportações efectivamente realizadas e de sanção dos seus autores.

103.
    No que diz respeito aos documentos pretensamente probatórios expostos em detalhe nos considerandos (83) a (85) e (96) a (103) da decisão, no que diz respeito à França, e nos considerandos (110) a (131) relativamente a Espanha, para os quais remete o considerando (160) da decisão para apoiar a tese da Comissão, verifica-se que, como os documentos constantes dos considerandos que acabam de ser examinados, não são de modo algum demonstrativos de uma adopção, pela Bayer, de uma política de fornecimento sujeita ao respeito efectivo de uma pretensa proibição de exportar.

104.
    Na audiência e em resposta a uma questão do Tribunal, a Comissão referiu-se aos considerandos (80), (110), (140) e (147) da decisão para apoiar a sua tese do fornecimento subordinado ao respeito da proibição de exportar.

105.
    Estes considerandos da decisão reproduzem correspondência trocada entre responsáveis das filiais britânica e francesa, entre a filial espanhola e a casa-mãe, do grupo Bayer, entre a filial britânica e a referida casa-mãe bem como uma nota interna do comité de direcção da Bayer França. Todos estes documentos dizem respeito à introdução pelo grupo Bayer da sua nova política de fornecimento e do sistema de controlo da distribuição do Adalat para fazer face ao fenómeno das importações paralelas. Estes documentos provam que o grupo Bayer teve interesse em identificar os grossistas susceptíveis de exportar. Apesar disso, na ausência de qualquer referência nos referidos documentos a uma vontade de controlar o comportamento de cada grossista e de o punir em caso de exportação dos produtos fornecidos, a Comissão não podia basear-se nos mesmos para defender a sua tese.

106.
    Por fim, os argumentos invocados pela Comissão baseando-se na percepção subjectiva da situação pelos grossistas não são susceptíveis de alterar as conclusões anteriores quanto à pretensa vontade de a recorrente impor uma proibição de exportar e de aplicar sanções ao não respeito da mesma.

107.
    A Comissão alega que os grossistas conheciam as motivações da recorrente e que, deste modo, consideravam as restrições impostas pela Bayer ligadas às exportações. Acrescenta que os grossistas tinham todo o interesse em respeitar formalmente a proibição de exportar e que portanto aceitavam esta proibição para obterem um abastecimento suficiente de Adalat. Por fim, alega que os grossistas que não obedecessem à proibição de exportar expunham-se a ameaças e a sanções da parte da Bayer.

108.
    Todavia, como foi apreciado, a Comissão não demonstrou que a recorrente pôs em prática uma política de controlo do destino final dos produtos fornecidos a coberto da nova política e de fornecimento condicionado ao referido destino. Assim, o argumento segundo o qual os grossistas tinham todo o interesse em respeitar formalmente a proibição de exportar para obterem um abastecimento suficiente de Adalat não é corroborado por factos. Por outro lado, a Comissão não demonstrou de forma suficiente a existência de sanções contra os grossistas que decidiram exportar as caixas de Adalat e de ameaças da Bayer a este respeito. A Comissão não produziu também qualquer prova que demonstre, mesmo a título de indício, que a Bayer «exigiu» aos grossistas que não exportassem os produtos fornecidos ou que um grossista tenha dado «garantias» à Bayer no que diz respeito às exportações. Pelo contrário, como sustenta a recorrente, na ausência de qualquer controlo do destino final dos produtos fornecidos, os grossistas não deviam recear sanções e não as receavam, conforme resulta da declaração do grossista citada no considerando (185) da decisão: «O importante é o que se obtém, não o que se encomenda.» Em tais circunstâncias, o conhecimento pelos grossistas da vontade de a recorrente impedir as importações paralelas não é susceptível de estabelecer a pretensa relação entre a restrição dos fornecimentos e o comportamento dos grossistas em matéria de exportação.

109.
    Atendendo ao que precede, conclui-se que a Comissão não demonstrou suficientemente nem que a Bayer França e a Bayer Espanha impuseram uma proibição de exportar aos seus grossistas respectivos, nem que a Bayer pôs em prática um controlo sistemático do destino final efectivo das caixas de Adalat fornecidas depois da adopção da sua nova política de fornecimento, nem que a recorrente aplicou uma política de ameaças e de sanções em relação aos grossistas exportadores, nem que subordinou os fornecimentos deste produto ao respeito dessa pretensa proibição de exportar.

110.
    Por fim, também não resulta dos documentos reproduzidos na decisão que a recorrente tenha tentado obter qualquer acordo da parte dos grossistas relativamente à adopção da sua política destinada a reduzir as importações paralelas.

2. Quanto à pretensa vontade de os grossistas aderirem à política da recorrente de reduzir as importações paralelas

a) Observações preliminares

111.
    A recorrente admite, no presente caso, ter adoptado e posto em prática unilateralmente uma nova política de fornecimento destinada a tornar as exportações paralelas mais difíceis para os grossistas. Como foi evocado, segundo a jurisprudência, um comportamento aparentemente unilateral da parte do fabricante, adoptado no âmbito das relações contratuais que mantém com os seus revendedores, pode estar, na realidade, na origem de um acordo entre empresas, na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, se se provar a aquiescência, expressa ou tácita, dos outros contratantes quanto à atitude adoptada pelo fabricante.

112.
    A Comissão sustenta que, para a introdução da sua política de restrição dos fornecimentos, a recorrente contou com a aquiescência dos grossistas.

113.
    Assim, nas circunstâncias do caso concreto, há que examinar se a Comissão demonstrou de modo suficiente a adesão expressa ou tácita dos grossistas à política unilateral de proibição das importações paralelas adoptada pela Bayer.

b) Quanto à prova do «comportamento implícito de aquiescência» da parte dos grossistas

114.
    A Comissão afirma no considerando (176) da decisão que os grossistas adoptaram um «comportamento implícito de aquiescência à proibição de exportar», comportamento, que é descrito mais em pormenor nos considerandos (181) a (185). Chegou a esta conclusão perante uma série de elementos de facto que considera estabelecidos.

115.
    Em primeiro lugar, a Comissão recorda [considerando (180)], por um lado, que os grossistas tinham conhecimento da proibição de exportar, circunstância que «estava igualmente presente no processo Sandoz» e perante a qual, segundo a Comissão, a «simples ausência de reacção [dos grossistas] perante essa proibição de exportação permitiu considerar que aqueles a aceitavam e que estavam reunidos os elementos constitutivos necessários à existência de um acordo», e, por outro, que, como no referido processo, a proibição de exportar inseria-se no âmbito das relações comerciais continuadas entre a Bayer França ou a Bayer Espanha e respectivos grossistas.

116.
    Em segundo lugar, assinala [considerando (180)] que, no caso presente, como elemento suplementar relativamente aos elementos considerados pertinentes no processo que deu origem ao acórdão Sandoz, «o comportamento dos grossistas» revela «que não só tinham compreendido que uma proibição de exportar se aplicava às mercadorias fornecidas, como também que [adaptaram] o seu comportamento em função dessa proibição».

117.
    A Comissão considera provado o referido «alinhamento do comportamento dos grossistas com as exigências da Bayer França e da Bayer Espanha» a partir daverificação de que, uma vez entendidas as verdadeiras intenções da Bayer França e da Bayer Espanha, os grossistas mostraram a sua adesão, «pelo menos aparente... à condição de proibição de exportação imposta pelo seu fornecedor no âmbito das relações comerciais recíprocas» [considerando (181)]. Com efeito, adaptaram-se na apresentação das suas encomendas à exigência da Bayer França e da Bayer Espanha, como provado pelos diferentes sistemas utilizados para obterem fornecimentos, em especial o sistema de repartição pelas diferentes agências das encomendas destinadas à exportação e a encomenda feita a pequenos grossistas [considerando (182)].

118.
    Segundo a decisão [considerandos (183) e (184)], os grossistas «[respeitaram] as 'quotas‘ nacionais impostas pelo seu parceiro, negociando o melhor possível para as inflacionar ao máximo, na medida em que se submeteram à aplicação estrita e ao respeito dos valores considerados normais pela Bayer França e Bayer Espanha para o abastecimento do mercado nacional». Esta atitude mostra que os grossistas «[tinham] conhecimento dos verdadeiros motivos da Bayer França e Bayer Espanha e dos mecanismos criados por aquelas sociedades para contrariar as exportações paralelas: [adaptaram-se] ao sistema criado pelo seu co-contratante para respeitar as exigências do mesmo».

119.
    Todavia, recorde-se, em primeiro lugar, que, como já foi dito, a Comissão não provou de forma suficiente nem a adopção pela Bayer de uma política sistemática de vigilância do destino final das caixas de Adalat fornecidas, nem a aplicação de uma política de ameaças e de sanções em relação aos grossistas que as exportaram, nem, deste modo, que a Bayer França e a Bayer Espanha tenham imposto uma proibição de exportar aos seus grossistas, nem, por último, que os fornecimentos foram subordinados ao respeito da pretensa proibição de exportar.

120.
    Em segundo lugar, não resulta de nenhum elemento dos autos que a Bayer França ou a Bayer Espanha tenham exigido qualquer comportamento da parte dos grossistas quanto ao destino final das caixas de Adalat fornecidas ou o respeito por uma certa maneira de fazer as encomendas, tendo a sua política consistido apenas em limitar unilateralmente os fornecimentos fixando antecipadamente as quantidades a fornecer com base nas necessidades tradicionais.

121.
    Por fim, a Comissão não demonstrou que a recorrente tenha feito uma tentativa para obter o acordo ou a aquiescência dos grossistas para a aplicação da sua prática. Nem sequer defendeu que a Bayer tentou que os grossistas mudassem de método de formulação das encomendas.

122.
    Daqui resulta que as afirmações constantes dos considerandos (181) a (185) da decisão, com base nas quais a Comissão considera que os grossistas se alinharam pela pretensa proibição de exportar não são apoiadas por factos, porque se baseiam em circunstâncias factuais que não foram estabelecidas.

123.
    A Comissão, não dispondo, no caso concreto, de qualquer documento referindo-se expressamente a um acordo entre a Bayer e os seus grossistas respeitante às exportações a fim de provar a concordância de vontades, afirma ter seguido a abordagem jurisprudencial consistente em examinar o comportamento efectivo dos grossistas para determinar a existência da sua aquiescência. Com efeito, conforme indicou no considerando (180) da decisão: «No caso presente, ... o comportamento dos grossistas revela que [eles] não só tinham compreendido que uma proibição de exportar se aplicava às mercadorias fornecidas, como também que [adaptaram] o seu comportamento em função dessa proibição.» Em contrapartida, segundo a recorrente, é precisamente o seu comportamento que é a melhor prova da ausência de concordância de vontades.

124.
    Assim, nestas circunstâncias, cabe examinar se, perante os comportamentos efectivos dos grossistas na sequência da adopção pela recorrente da sua nova política de restrição dos fornecimentos, a Comissão podia concluir haver da sua parte uma aquiescência a esta política.

i) O comportamento dos grossistas franceses

125.
    A título liminar, há que recordar o considerando (96) da decisão, no qual a Comissão faz uma descrição geral do modo como os três grossistas franceses se organizaram para tentar ser fornecidos:

«Os três grossistas utilizaram o mesmo método: deixaram de fazer encomendas para exportação e organizaram-se no plano interno para aumentar as encomendas oficialmente destinadas ao mercado francês.

A Bayer França aceita uma variação, considerada normal, de mais ou menos 10 % das necessidades francesas. Os grossistas organizaram-se com um certo número de agências locais repartidas pelo território nacional e que aprovisionam em tempo normal a nível local.

As encomendas França efectuadas por cada uma das agências aumentam e não contêm, nos documentos para a Bayer França, qualquer indicação de destino. Trata-se de fazer crer à Bayer França que a procura em França aumentou, repartindo-a pelas diferentes agências. Os montantes destinados na realidade à exportação são posteriormente canalizados no plano interno para o grossista, a fim de serem exportados.»

126.
    Os considerandos (97) a (101) da decisão, consagrados à estratégia posta em prática pelo grossista CERP Rouen para contornar a política de restrição dos fornecimentos instaurada pela Bayer, reproduzem vária correspondência trocada, entre Outubro de 1991 e Janeiro de 1992, entre o serviço central de compras da CERP Rouen e os directores das agências locais do grupo a fim de obter as embalagens suplementares de Adalat de que necessitava a agência de Boulogne, encarregada no seio do grupo da exportação para o Reino Unido. Todavia,contrariamente ao que a Comissão afirma, as passagens destes documentos não são susceptíveis de provar que este grossista tenha aceite deixar de exportar, reduzir as suas encomendas ou limitar as suas exportações, nem que tenha tentado dar a impressão à Bayer de que o ia fazer. A única coisa que reflectem é a reacção de uma empresa para tentar continuar, na medida do possível, as suas actividades de exportação. Não há qualquer menção directa ou qualquer indício evocando a vontade de subscrever a política da Bayer destinada a entravar as exportações, que o grossista conhecia perfeitamente, conforme assinalado no considerando (94) da decisão.

127.
    A análise dos documentos referidos nos considerandos (102) e (103) da decisão quanto aos casos da CERP Lorraine e da OCP mais não faz do que confirmar esta análise. Além disso, observe-se que o considerando (102) demonstra que a CERP Lorraine conseguiu, apesar das dificuldades criadas pela atitude da Bayer, obter quantidades não desprezíveis para a exportação. Com efeito, este considerando contém um excerto de um relatório interno da CERP Lorraine em que o autor afirma:

«Apesar de não poder antever um desfecho favorável a curto prazo no que se refere aos abastecimentos da Bayer (conseguimos obter certas quantidades mínimas do produto através das agências), penso que o orçamento deverá poder ser realizado no final do exercício.»

128.
    Os documentos reproduzidos nos considerandos (105), (106) e (107) vão no sentido oposto ao da tese defendida pela Comissão, porque demonstram que os grossistas CERP Lorraine e CERP Rouen não adaptaram verdadeiramente as suas encomendas à nova política de restrição dos fornecimentos posta em prática pela Bayer. Com efeito, os mesmos afirmam que a Bayer faz «obstrução aos fornecimentos de Adalat» pedidos pela CERP Lorraine [considerando (105)]; que para a CERP Rouen, a procura, em princípios de 1992, elevava-se a um total atingindo «50 000 caixas por mês» mas que apenas teve possibilidade de satisfazer essa procura «a nível de 7 000 caixas» [considerando (106)], e que a OCP tinha enviado à Bayer uma primeira estimativa de encomendas de cerca de 50 000 caixas por mês, para Fevereiro e Março de 1992, mas só obteve a remessa de 15 000 caixas em Fevereiro e 5 000 caixas em Março [considerandos (91) e (107)].

129.
    Daqui resulta que as passagens reproduzidas nos considerandos (96) a (107) da decisão não são susceptíveis de apoiar a tese da aquiescência expressa ou tácita dos grossistas franceses à política posta em prática pela Bayer. Estas passagens não revelam qualquer predisposição para uma eventual adesão à política de impedimento das exportações paralelas posta em prática pela Bayer. Pelo contrário, as mesmas confirmam a adopção por estes grossistas de um comportamento que demonstra uma vontade firme e persistente de reacção contra uma política intrinsecamente contrária aos seus interesses.

ii) O comportamento dos grossistas espanhóis

130.
    Quanto aos grossistas espanhóis, também não resulta do conteúdo dos considerandos (113) a (130) da decisão qualquer elemento susceptível de apoiar a tese da aquiescência tácita, adiantada pela Comissão.

131.
    Em contrapartida, assinale-se que os considerandos (115), (118), (119) e (120) vão no sentido contrário dessa tese. Com efeito, resulta destes considerandos, por um lado, que a Bayer Espanha manteve de modo constante a sua política de restrição dos fornecimentos ao nível das necessidades tradicionais e, por outro, que os grossistas estavam muito desolados com as perdas causadas pela impossibilidade de obter as quantidades necessárias para satisfazer os pedidos dos seus clientes britânicos. Há que sublinhar, em especial, o considerando (115), que reproduz passagens de documentos trocados entre a CERP Rouen e a sua filial espanhola Comercial Genové: «Quero dispor todas as semanas, em relação ao ADALATE e (...), de cópia das notas de encomenda aos laboratórios, bem como as notas de entrega que correspondem a essas encomendas. Tento constituir um dossier sólido contra os laboratórios (...). ...; em resposta ao vosso fax de hoje relativo aos laboratórios (...) e à Bayer, posso dar a minha palavra de que estou a tentar o impossível para conseguir um abastecimento superior às nossas necessidades. Estes laboratórios recusam todo e qualquer tipo de argumentação. Sabem que as quantidades que nos entregam são suficientes para cobrir amplamente as necessidades do mercado espanhol.» De igual modo, as citações contidas no considerando (118) - «não nos fornecem todas as quantidades de que necessitamos. Só dispomos de um 'stock‘ para o nosso mercado» - e no considerando (119) - «a [Bayer] não nos entrega as quantidades que encomendamos» - demonstram que, contrariamente ao que a Comissão afirma, os grossistas não adaptaram a sua política de encomendas à nova situação e continuaram a pedir quantidades superiores às suas necessidades tradicionais.

132.
    Há que examinar o caso de cada um dos grossistas espanhóis abrangidos pela decisão.

133.
    Quanto à Cofares, o principal grossista de Espanha, a decisão enuncia no considerando (121) que a prova da sua aquiescência se encontra na declaração feita pelos responsáveis desta empresa quando de uma inspecção efectuada pela Comissão nas suas instalações. O dirigente da Cofares teria afirmado que «a actividade exportadora da Cofares é negligenciável relativamente à sua facturação global, tendo em conta as dificuldades colocadas por determinados laboratórios (entre os quais a Bayer) a nível de entregas de produtos para exportação» e que, «na sua qualidade de director de compras, quando a Bayer estabeleceu um contingente de Adalat para a Cofares que no início era manifestamente insuficiente para cobrir as necessidades do seu mercado nacional, os advertiu da possibilidade de denúncia devido a essas restrições das vendas. A partir desse momento, a Bayer passou a fornecer à Cofares uma quantidade suficiente para o consumo nacional do referido produto».

134.
    Contrariamente ao que a Comissão afirma, não se pode deduzir deste documento «que a Cofares cedeu à exigência da Bayer Espanha de se cingir ao seu mercado nacional».

135.
    O primeiro período, segundo o qual a parte diminuta das exportações relativamente ao volume de negócios seria devida às dificuldades suscitadas por determinados laboratórios a nível de entregas de produtos para exportação, não constitui em si uma prova directa de um acordo entre este grossista e a Bayer Espanha para que as embalagens de Adalat recebidas não fossem exportadas. O facto de as exportações serem diminutas não pode levar a que se considere que as mesmas não existiam ou que tinham cessado. Pelo contrário, esta afirmação pode demonstrar que, pelo menos em parte, a Cofares continuou a exportar. O facto de, contrariamente ao caso dos outros grossistas, não resultar da decisão que a Cofares tenha posto em prática uma estratégia de evasão à política da Bayer não inverte o ónus da prova da sua aquiescência à nova política da Bayer, que continua a incumbir à Comissão. Ora, tratando-se do grossista mais importante de Espanha, com 20,6% do mercado [segundo o considerando (112) da decisão], a Comissão não pode julgar que a declaração reproduzida no considerando (121) prova que a Cofares cedeu à exigência da Bayer Espanha de se cingir ao seu mercado nacional, sem ter verificado se a Cofares tinha uma tradição exportadora importante e sem considerar a possibilidade de que, simplesmente, a Cofares tenha decidido encarar as exportações de forma muito secundária; tal decisão podia com efeito ser a mais razoável uma vez verificada a dificuldade em obter quantidades adicionais de produtos relativamente às necessidades habituais, e isso tanto mais que a decisão não menciona a importância relativa do Adalat no conjunto das vendas da Cofares.

136.
    Além disso, esta afirmação do dirigente da Cofares, mais do que um indício de uma pretensa adesão a uma pretensa proibição de exportar, implica antes a verificação de que a política de restrição dos fornecimentos da Bayer, conjuntamente com as dificuldades suscitadas por outros laboratórios, tinha conduzido este grossista a só pensar na exportação uma vez assegurado o abastecimento adequado do mercado nacional. Esta interpretação parece mais plausível do que a da Comissão, tendo em conta, em especial, que os grossistas são obrigados a garantir a distribuição dos produtos no mercado nacional de um modo adequado e estável e que se trata aqui do primeiro grossista nacional.

137.
    Segundo o considerando (137) da decisão, os números correspondentes às vendas para exportação entre 1989 e 1993, fornecidos pela Cofares a pedido da Comissão, demonstram que as vendas para exportação «se (mantinham) a um nível mínimo» e tal prova que «a Cofares aceitou o regime imposto pela Bayer Espanha, limitando-se estritamente ao mercado nacional espanhol».

138.
    Todavia, da análise destes números resulta antes o contrário porque, embora se trate, é um facto, de uma percentagem mínima da totalidade das vendas da Cofares, a percentagem correspondente às exportações de Adalat nunca deixou deaumentar durante estes anos, segundo uma tendência irregular mas constante, como demonstra o facto de a percentagem mais fraca dos cinco anos considerados ser precisamente a do primeiro ano, ou seja, 1989. Por fim, cabe acrescentar que a Comissão podia dificilmente chegar à referida conclusão sem conhecer os dados correspondentes aos anos anteriores a 1989, ou seja, o período imediatamente anterior à instauração pela Bayer Espanha da sua política de restrição dos fornecimentos. Sem estas informações, é impossível determinar se a Cofares mudou a sua tendência para a exportação em relação a este produto na sequência da introdução da referida política pela Bayer.

139.
    Quanto à passagem da declaração relativa às discussões entre o dirigente da Cofares e a Bayer Espanha, há que examinar se, na ausência de qualquer referência directa ou indirecta à liberdade de exportar as quantidades recebidas, o facto de as partes se terem posto de acordo para aumentar as quantidades a fornecer inicialmente atribuídas pela Bayer a este grossista a fim de assegurar as suas necessidades nacionais demonstra a aquiescência do grossista à política da recorrente de dificultar as exportações paralelas. O considerando (143) da decisão contém uma passagem de um documento que, se bem que não tenha sido invocado directamente pela Comissão no quadro desta questão, deve ser assinalado porque se trata de um memorando interno da Bayer Espanha referindo-se igualmente ao contingente concedido inicialmente à Cofares pela recorrente para cobrir as suas necessidades no mercado nacional.

140.
    Resulta deste memorando interno que a Bayer Espanha e a Cofares discutiram as quantidades mínimas a fornecer para permitir a este grossista satisfazer as suas necessidades de crescimento e de penetração no mercado nacional e que acordaram nos números correspondentes às referidas necessidades. Parece incontestável que a Bayer Espanha garantiu à Cofares que os fornecimentos correspondiam, pelo menos, às referidas quantidades. Daí também resulta claramente que a Bayer Espanha estava disposta a encarar a revisão dos níveis de fornecimento reduzidos adoptados inicialmente se surgissem problemas de abastecimento do mercado nacional, tendo em conta a sua obrigação legal e moral de assegurar a distribuição adequada dos seus produtos no mercado espanhol.

141.
    Todavia, nada neste memorando interno se refere ao menor atentado à liberdade de a Cofares destinar à exportação produtos recebidos depois das conversações sobre o nível das necessidades nacionais. É portanto sem fundamento que a Comissão alega que a Cofares só foi abastecida depois de ter garantido à recorrente que os fornecimentos se destinavam unicamente ao mercado interno. Por fim, há que assinalar que, no decurso da negociação, a Bayer Espanha alegou que as farmácias espanholas não abastecidas pelos grossistas eram-no directamente pelo fabricante. Ora, tal circunstância, em vez de indicar que os grossistas eram impedidos ou alvo de sanções por parte da Bayer Espanha quando decidiam exportar estes produtos mesmo à custa do abandono de partes do mercado nacional, parece antes demonstrar que gozaram, a este respeito, da cobertura do fabricante.

142.
    Nestas circunstâncias, conclui-se que nem o documento a que se refere o considerando (143) da decisão, nem a declaração do dirigente da Cofares retomada no considerando (121) da decisão, podem ser interpretados como a prova nem da pretensa «exigência» da parte da Bayer Espanha de se cingir ao mercado nacional, nem de qualquer aceitação da referida exigência por parte da Cofares.

143.
    Em seguida, a decisão expõe [considerando (122)] a forma como o grossista espanhol Hefame tinha organizado um sistema para se abastecer em embalagens de Adalat destinadas à exportação. Descreve em pormenor um acordo tipo denominado «Protocolo de colaboração para os mercados externos» que a Hefame concluiu com vários pequenos grossistas a fim de obter maiores quantidades de medicamentos que interessavam para a exportação, entre os quais o Adalat. Ora, nada neste documento mostra que o comportamento da Hefame tenha sido favorável à ideia de aquiescência à nova política da Bayer.

144.
    Quanto às filiais espanholas da CERP Rouen, a descrição do comportamento da Comercial Genové, da Hufasa e da Disdasa constante dos considerandos (125) a (129) da decisão, confirma a inexistência de prova de qualquer concordância de vontades ou de aquiescência à política de impedimento das importações paralelas.

145.
    Com efeito, a própria Comissão sublinha no considerando (126) da decisão: «Nas instalações da Comercial Genové foram encontrados documentos que revelam que a CERP Rouen utilizou as suas filiais espanholas, Comercial Genové, Hufasa e Disdasa para satisfazer a procura britânica. A CERP Rouen comportou-se, pois, como um grupo internacional que utilizava todas as possibilidades, tanto em França como em Espanha, para obter a entrega das quantidades necessárias para os seus clientes britânicos. Nesse sistema, as filiais espanholas foram utilizadas do mesmo modo que as agências regionais francesas: foi-lhes solicitado que aumentassem de maneira plausível as suas encomendas para o mercado espanhol e os montantes assim reunidos foram fornecidos aos clientes britânicos por conta da CERP Rouen.»

146.
    Em seguida, a decisão refere-se ao grossista Hufasa [considerando (127)], mencionando uma acta de uma reunião entre este grossista e a Bayer Espanha que demonstra que «a Hufasa aceita então inteiramente os argumentos da Bayer Espanha: há que se concentrar nas vendas nacionais». A este respeito, a Comissão invoca, nomeadamente, a citação seguinte: «... tínhamos chegado a acordo com a Bayer com vista a manter entregas mais importantes de Adalat, não convinha apresentar valores que não seriam aceites como possíveis para a Hufasa e que denunciavam o interesse em realizar um volume importante de exportações.»

147.
    Resulta desta acta que houve um encontro entre um representante da Hufasa e dirigentes da Bayer Espanha, durante o qual os dirigentes da Bayer recusaram fornecer as quantidades encomendadas porque as mesmas representavam 50% do mercado nacional e eram muito superiores às de outras empresas da mesma zona;que o representante da Hufasa reagiu sublinhando que esta empresa tinha necessidade de quantidades mais significativas de Adalat nomeadamente porque a estimativa das necessidades para o mercado nacional tinha sido feita a partir das necessidades ocorridas num ano atípico durante o qual esta companhia tinha atravessado uma crise reflectida pelo nível anormalmente baixo de compras de Adalat e que, na sequência deste encontro, a Bayer comprometeu-se a rever os números-limite de fornecimento e a aumentá-los para o nível de um outro grossista não identificado.

148.
    Ora, esta acta demonstra claramente que as verdadeiras intenções e o comportamento efectivo das filiais espanholas do grupo CERP Rouen se afastam totalmente da vontade de se vergar ou de se alinhar pela política da Bayer de impedimento das importações paralelas. Basta aqui citar a parte que se segue à referida passagem daquele documento e lê-la no contexto da estratégia de grupo adoptada pela CERP Rouen: «... considerei mais importante obter um volume de Adalat para exportação através de valores altamente credíveis do que manter um volume muito elevado de encomendas, a que não fosse dado seguimento. O importante é o que se obtém, não o que se encomenda. Esta é sem dúvida a razão pela qual a (...) encomenda menos do que o previsto.» Além disso, se é um facto que a acta reproduzida demonstra que esta sociedade negociou duramente com a Bayer Espanha para a convencer de que as suas necessidades nacionais tradicionais eram mais elevadas e que era preciso satisfazê-las, esta circunstância só pode servir para apoiar a seguinte afirmação da Comissão: «A Hufasa aceita... inteiramente os argumentos da Bayer Espanha: há que se concentrar nas vendas nacionais.»

149.
    Por último, embora o dirigente da Hufasa se refira nessa acta a um «acordo com a Bayer com vista a manter entregas mais importantes de Adalat», acordo que o grossista espanhol teria concluído com a Bayer Espanha, resulta claramente do teor literal desta afirmação e do contexto em que a mesma se insere que as partes se limitaram a negociar a determinação exacta das quantidades que o grossista pedia tradicionalmente, critério segundo o qual a recorrente tinha decidido modular a sua nova política de fornecimento, e a revisão no sentido da alta dos números das necessidades nacionais e, por conseguinte, as quantidades a que a Hufasa devia ter direito em aplicação do referido critério. Sendo a frase «Este acto fá-los supor que uma importante proporção dos produtos se destinava à exportação» uma mera apreciação subjectiva da parte do dirigente da Hufasa, não pode ser considerada demonstrativa de uma intenção da parte da Bayer de abordar a questão das exportações ou dos destinos efectivos dos produtos fornecidos. Além disso, de qualquer forma, não é susceptível de contrariar o sentido geral da acta, que mais não faz que reflectir as dificuldades com que a Bayer Espanha deparou na implementação da sua nova política de redução dos fornecimentos e na qual, de resto, nada é susceptível de provar que a Bayer Espanha e a Hufasa tenham concluído um acordo a fim de limitar ou de impedir de qualquer forma as exportações paralelas das caixas de Adalat fornecidas. A ausência de concordância de vontades a respeito das exportações é, aliás, corroborada pelo próprio texto deste considerando da decisão em que a Comissão afirma: «Contudo, a acta éexplícita: essa negociação realizada com a Bayer Espanha, com utilização de argumentos do mercado interno, é apenas um meio para a Hufasa obter montantes destinados à exportação.»

150.
    Os considerandos (128) e (129) da decisão expõem o conteúdo de uma carta da CERP Rouen às suas filiais e de uma carta dirigida a esta pela sua filial Comercial Genové, respeitando igualmente ao mecanismo criado por este grupo para tentar obter mais produtos da recorrente em Espanha e realçando a dificuldade em obter caixas suplementares de Adalat. A Comissão também não se pode basear nestes documentos para provar que as filiais da CERP Rouen em Espanha quiseram aderir à nova política da Bayer Espanha a fim de limitar, sob qualquer forma, as exportações paralelas dos produtos fornecidos.

151.
    Resulta da análise da atitude e do comportamento efectivo dos grossistas que é sem fundamento que a Comissão pretende que os mesmos se alinharam pela política da recorrente destinada a reduzir as importações paralelas.

152.
    O argumento assente no facto de que os grossistas em causa tinham reduzido as suas encomendas para um nível determinado, a fim de dar à Bayer a impressão de que satisfaziam a sua vontade declarada de só cobrir as necessidades do seu mercado tradicional e que agiam desta forma para escaparem às suas sanções deve ser rejeitado, porque a Comissão não provou que a recorrente tenha exigido ou negociado a adopção de qualquer comportamento da parte dos grossistas quanto ao desvio para a exportação das caixas de Adalat fornecidas, e que tenha aplicado sanções aos grossistas exportadores ou ameaçado fazê-lo.

153.
    Pelas mesmas razões, a Comissão não pode afirmar que a redução das encomendas só podia ser entendida pela Bayer como um sinal de que os grossistas tinham aceite as suas exigências, nem sustentar que foi porque satisfizeram as exigências da recorrente que tiveram de obter quantidades suplementares destinadas à exportação junto dos grossistas que não eram «suspeitos» aos olhos daquela e cujas encomendas mais importantes seriam cumpridas sem dificuldade.

154.
    Além disso, resulta claramente dos considerandos da decisão examinados supra que os grossistas continuaram a tentar obter caixas de Adalat para a exportação e persistiram nesta linha de actuação, mesmo se, para o efeito, consideraram mais útil utilizar diferentes sistemas para serem fornecidos, ou seja, por um lado, o sistema de repartição das encomendas destinadas à exportação pelas diferentes agências e, por outro, o que consiste em fazer indirectamente as encomendas passando pelos pequenos grossistas. Nestas circunstâncias, o facto de os grossistas terem mudado de política quanto às encomendas e instaurado diversos sistemas de discriminação ou de diversificação das encomendas, fazendo-as de modo indirecto, não pode ser interpretado como uma prova da sua vontade de satisfazer a Bayer nem como uma resposta a um eventual pedido ou petição desta. Pelo contrário, talfacto podia ser considerado demonstrativo da firme intenção por parte dos grossistas de continuarem a praticar exportações paralelas de Adalat.

155.
    Na ausência de prova de qualquer exigência da recorrente quanto ao comportamento dos grossistas em relação às exportações das caixas de Adalat fornecidas, o facto de os mesmos terem adoptado medidas para obter quantidades suplementares só pode ser interpretado como um desmentido da sua pretensa aquiescência. Por estas mesmas razões, deve ser rejeitado o argumento da Comissão segundo o qual, nas presentes circunstâncias, é normal que certos grossistas tenham tentado obter por outras vias fornecimentos suplementares dado que se deviam comprometer perante a Bayer a não exportar e por conseguinte a encomendar quantidades reduzidas, não susceptíveis de ser exportadas.

156.
    Por fim, verifica-se que a Comissão não provou que os grossistas tenham querido prosseguir os objectivos da Bayer, nem querido fazer-lho crer. Os documentos supra examinados demonstram pelo contrário que os grossistas adoptaram um comportamento para contornar a nova política da Bayer de restrição dos fornecimentos ao nível das encomendas tradicionais.

157.
    Assim, foi erradamente que a Comissão considerou que o comportamento efectivo dos grossistas prova suficientemente a sua aquiescência à política da recorrente de impedir as importações paralelas.

3. Quanto aos precedentes jurisprudenciais invocados pela Comissão

158.
    A Comissão considera que a decisão corresponde à sua prática decisória e à jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre o conceito de acordo e afirma que, no caso vertente, como em certos casos anteriores, teria havido uma proibição de exportar inserida num conjunto de relações comerciais continuadas entre o fornecedor e os seus clientes, como demonstrado pelo facto de que os grossistas faziam encomendas, eram regularmente abastecidos e recebiam as facturas correspondentes, e teria havido um consentimento tácito da parte dos grossistas comprovado pela redução das encomendas.

159.
    Todavia, não pode invocar utilmente os precedentes jurisprudenciais invocados para pôr em causa a análise que precede, que leva o Tribunal a concluir que, no caso vertente, a aquiescência dos grossistas à nova política da Bayer não foi estabelecida, e que, por conseguinte, a Comissão não provou a existência de um acordo.

160.
    A Comissão invoca, em primeiro lugar, o processo que deu origem ao acórdão Sandoz, no qual, em sua opinião, como se verifica aqui, por um lado, os distribuidores consentiram tacitamente na proibição de exportar para manterem as suas relações comerciais (n.° 11 do referido acórdão) e, por outro, se bem que não tivessem nenhum interesse em abandonar as exportações, teriam aceite a proibição de exportar do fabricante porque queriam continuar a obter as mercadorias.

161.
    Esse processo dizia respeito, à aplicação, pela Comissão, de sanções a uma filial de uma empresa farmacêutica multinacional, Sandoz, culpada de ter inserido nas facturas que enviava aos clientes (grossistas, farmácias e hospitais) a menção expressa «exportação proibida». A Sandoz não tinha contestado a existência desta menção nas suas facturas, mas tinha posto em questão a existência de um acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. O Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso depois de ter respondido a cada um dos argumentos suscitados pela recorrente. O Tribunal de Justiça considerou que o envio das facturas com a referida menção não era um comportamento unilateral mas inseria-se, pelo contrário, no quadro geral das relações comerciais que a empresa tinha com os seus clientes. Chegou a esta conclusão depois de ter examinado o modo como a empresa procedia antes de autorizar um novo cliente a comercializar os seus produtos e tendo em conta as práticas reiteradas e aplicadas de modo uniforme e sistemático a cada operação de venda (n.° 10 do acórdão). Foi nesta fase do seu raciocínio que o Tribunal de Justiça tratou a questão da aquiescência dos parceiros comerciais à proibição de exportar, mencionada na factura, nos seguintes termos:

«Há que salientar, além disso, que os clientes da Sandoz PF receberam a mesma factura tipo depois de cada encomenda individual ou, consoante o caso, depois do fornecimento dos produtos. As encomendas reiteradas de produtos e os pagamentos sucessivos sem protestos pelo cliente dos preços indicados nas facturas, com a menção 'exportação proibida‘, constituíam da parte deste uma aquiescência tácita às cláusulas estipuladas na factura e ao tipo de relações comerciais subjacentes às relações de negócios entre a Sandoz PF e a sua clientela. O acordo inicialmente dado pela Sandoz PF fundava-se assim na aceitação tácita por parte dos clientes da linha de conduta adoptada pela Sandoz PF a seu respeito.»

162.
    Ora cabe assinalar que, só depois destas verificações, o Tribunal de Justiça concluiu que a Comissão podia considerar que «o conjunto de relações comerciais continuadas, de que a cláusula de 'exportação proibida‘ fazia parte integrante, estabelecidas entre a Sandoz PF e os seus clientes, eram regidas por um acordo geral prévio aplicável às inúmeras encomendas individuais de produtos Sandoz. Tal acordo é abrangido pelas disposições do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado».

163.
    Embora os dois processos sejam semelhantes na medida em que visam atitudes de grupos farmacêuticos destinadas a impedir as importações paralelas de medicamentos, as circunstâncias concretas que os caracterizam são muito diferentes. Em primeiro lugar, contrariamente ao presente caso, no processo Sandoz, o fabricante tinha introduzido expressamente em todas as suas facturas uma cláusula restritiva da concorrência, que, figurando reiteradamente nos documentos relativos a todas as transacções, constituía, assim, parte integrante das relações contratuais entre ele e os seus grossistas. Em segundo lugar, o comportamento efectivo destes em relação à cláusula, que a tinham de facto respeitado e sem a discutir, demonstrava a sua aquiescência tácita à referidacláusula e ao tipo de relações comerciais subjacentes. Em contrapartida, no caso vertente, não se verifica nenhuma das duas circunstâncias principais do processo Sandoz; não há nem cláusula formal de proibição de exportar nem comportamento de não contestação ou de aquiescência, nem na forma, nem na realidade.

164.
    Em segundo lugar, a Comissão invoca o acórdão Tipp-Ex/Comissão, já referido, no qual o Tribunal de Justiça confirmou a sua decisão que aplicava sanções a um acordo destinado a impedir as exportações e onde, diferentemente do acórdão Sandoz, não teria havido estipulação escrita respeitante à proibição de exportar. Alega que a Tipp-Ex, como faz a recorrente no presente caso, tinha igualmente argumentado no Tribunal de Justiça que se tratava de uma medida unilateral que não caía no âmbito de aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, e que, dado que os fornecimentos do distribuidor ao exportador paralelo tinham efectivamente ocorrido, não havia portanto interesse comum em que cessassem as exportações paralelas.

165.
    Nesse processo, tratava-se de um contrato de distribuição exclusiva entre a Tipp-Ex e o seu distribuidor francês, DMI, que se tinha conformado à exigência do fabricante de aumentar tanto quanto necessário os preços pedidos a um cliente para lhe tirar todo e qualquer interesse económico em importações paralelas. Além disso, fora demonstrado que o fabricante efectuava controlos posteriores de modo a incitar o distribuidor exclusivo a adoptar efectivamente este comportamento [considerando (58) da Decisão 87/406/CEE da Comissão, de 10 de Julho de 1987, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CEE (JO L 222, p. 1)]. Os n.os 18 a 21 do acórdão mostram o raciocínio seguido pelo Tribunal de Justiça que, depois de ter verificado a existência de um acordo verbal de distribuição exclusiva para a França entre a Tipp-Ex e a DMI, e de ter recordado os factos principais, quis examinar a reacção e, portanto, o comportamento adoptado pelo distribuidor na sequência da atitude de penalização adoptada pelo fabricante. O Tribunal de Justiça verificou então que o distribuidor «reagiu aumentando de 10 a 20% os preços da empresa ISA France. Depois da interrupção, durante todo o ano de 1980, das compras da ISA France à DMI, esta última sociedade recusou, no início de 1981, fornecer ela própria produtos Tipp-Ex à ISA France». Foi apenas depois destas verificações em relação ao comportamento do fabricante e do distribuidor que o Tribunal de Justiça chegou à sua conclusão sobre a existência de um acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado: «Está portanto provado que a DMI deu seguimento ao pedido da Tipp-Ex de não vender a clientes que revendem os produtos Tipp-Ex noutros Estados-Membros» (n.° 21 do acórdão).

166.
    Por conseguinte, contrariamente ao que aqui se verifica, no processo que deu origem ao acórdão Tipp-Ex/Comissão, já referido, não havia dúvidas quanto ao facto de que a política consistente em impedir as exportações paralelas tinha sido organizada pelo fabricante com a cooperação dos distribuidores. Como indicado nesse acórdão, tal vontade era já manifesta nos contratos verbais e escritos existentes entre as duas partes (v. n.os 19 e 20 do acórdão quanto ao distribuidorDMI, e n.os 22 e 23 quanto ao distribuidor Beiersdorf) e, se pudessem subsistir quaisquer dúvidas, a análise do comportamento dos distribuidores, pressionados pelo fabricante, provava muito claramente a sua aquiescência às intenções restritivas da concorrência da Tipp-Ex. A Comissão tinha provado não só que os distribuidores tinham reagido às ameaças e às pressões do fabricante, mas também que pelo menos um de entre eles tinha enviado ao fabricante as provas da sua cooperação. Há que acrescentar, por fim, que a própria Comissão observa aqui que, no acórdão Tipp-Ex, para julgar da existência de um acordo, o Tribunal de Justiça seguiu a abordagem consistente em analisar a reacção dos distribuidores ao comportamento do fabricante contra as exportações paralelas e que foi ao considerar esta reacção do distribuidor que o Tribunal de Justiça concluiu que devia existir entre ele e a Tipp-Ex um acordo destinado a impedir as exportações paralelas.

167.
    Daqui resulta que este acórdão, como o acórdão Sandoz, mais não faz do que confirmar a jurisprudência segundo a qual, se comportamentos do fabricante aparentemente unilaterais podem estar na origem de um acordo entre empresas na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, tal só se verifica se o comportamento ulterior dos grossistas ou clientes puder ser interpretado como uma aquiescência de facto. Não estando essa condição aqui satisfeita, a Comissão não pode invocar a pretensa similitude entre estes dois processos para apoiar a sua tese da existência de uma aquiescência no presente processo.

168.
    Pelas mesmas razões, nem a Comissão nem a BAI podem invocar utilmente as apreciações efectuadas pelo Tribunal de Justiça nos seus acórdãos BMW Belgium e o./Comissão, AEG/Comissão e Ford Europe/Comissão, já referidos, para reforçarem a sua tese sobre a existência, no presente caso, de uma aquiescência dos grossistas.

169.
    Com efeito, no acórdão BMW Belgium e o./Comissão, já referido, para determinar se tinha havido um acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, entre a BMW Belgium e os seus concessionários belgas, o Tribunal de Justiça examinou os actos susceptíveis de demonstrar a existência de um acordo, na ocorrência circulares dirigidas aos concessionários BMW, «tanto quanto ao seu teor como em relação ao contexto material e jurídico em que se inserem e em relação ao comportamento das partes» e concluiu que as circulares em questão «eram constitutivas de uma manifestação de vontade destinada a fazer cessar toda e qualquer exportação de veículos BMW novos a partir da Bélgica» (n.° 28). Acrescentou que «ao dirigir estas circulares a todos os concessionários belgas, a BMW Belgium tinha-se tornado o promotor da conclusão com estes concessionários de um acordo destinado à cessação total destas exportações» (n.° 29). Ora, resulta do n.° 30 desse acórdão que o Tribunal de Justiça quis confirmar a existência de uma aquiescência dos concessionários.

170.
    No acórdão AEG/Comissão, já referido, em que as respectivas vontades do fabricante e dos distribuidores não eram evidentes e no qual o recorrente invocava expressamente o carácter unilateral do seu comportamento, o Tribunal de Justiça considerou que, no quadro de um sistema de distribuição selectiva, uma prática por força da qual o fabricante, a fim de manter um nível de preços elevado ou de excluir certas vias de comercialização modernas, recusa aprovar distribuidores que satisfazem os critérios qualitativos do sistema «não constitui um comportamento unilateral da empresa que, como sustenta a AEG, escape à proibição do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. Insere-se, em contrapartida, nas relações contratuais que a empresa mantém com os revendedores» (n.° 38). Ora, em seguida, o Tribunal de Justiça quis verificar a existência da aquiescência dos distribuidores precisando que «Com efeito, no caso de admissão de um distribuidor, a aprovação funda-se na aceitação, expressa ou tácita, pelos contraentes, da política prosseguida pela AEG exigindo, nomeadamente, a exclusão da rede de distribuidores com as qualidades para serem admitidos na mesma, mas não estando dispostos a aderir a esta política» (n.° 38). Esta abordagem foi confirmada nos outros casos de distribuição selectiva julgados pelo Tribunal de Justiça (v. acórdãos Ford e Ford Europe/Comissão, já referido, n.° 21, Metro II, já referido, n.os 72 e 73, e Bayerische Motorenwerke, já referido, n.os 16 e 17).

171.
    Do que precede resulta que a Comissão não pode invocar os precedentes jurisprudenciais que invocou para demonstrar a existência de um acordo no caso sub judice.

4. Quanto à tese da Comissão de que, para provar a existência de um acordo, basta verificar que as partes mantêm as suas relações comerciais

172.
    Resulta do raciocínio da Comissão que ela sustenta, embora de forma ambígua [v. a estrutura da decisão resumida nos considerandos (155) e (156) e desenvolvida nos considerandos (171) a (188)], que a mera constatação do facto de que os grossistas não interromperam as suas relações comerciais com a Bayer depois da introdução da nova política desta última destinada a restringir as exportações permite-lhe considerar estabelecida a existência de um acordo entre empresas na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

173.
    Não cabe acolher tal tese. A prova de um acordo entre empresas na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado deve assentar na verificação directa ou indirecta do elemento subjectivo que caracteriza o próprio conceito de acordo, ou seja, uma concordância de vontades entre operadores económicos sobre a introdução de uma política, a prossecução de um objectivo ou a adopção de um comportamento determinado no mercado, abstraindo da maneira como é expressa a vontade das partes se comportarem no mercado em conformidade com os termos do referido acordo (v., neste sentido, nomeadamente, acórdãos ACF Chemiefarma/Comissão, já referido, n.° 112, e Van Landewyck e o./Comissão, já referido, n.° 86). A Comissão ignora o referido conceito de concordância de vontades ao considerar que a prossecução das relações comerciais com o fabricante quando este adoptauma nova política, que põe em prática unilateralmente, equivale a uma aquiescência dos grossistas à mesma, quando o seu comportamento de facto é claramente contrário à referida política.

174.
    Além disso, segundo a sistemática do Tratado, uma empresa só pode ser alvo de sanções nos termos do direito comunitário da concorrência na sequência de uma infracção da sua parte às proibições contidas nos artigos 85.°, n.° 1, ou 86.° do Tratado. Ora, há que verificar que a aplicabilidade do artigo 85.°, n.° 1, assenta em várias condições: a) que exista um acordo entre pelo menos duas empresas ou um caso similar como uma decisão de associação de empresas ou uma prática concertada entre empresas, b) que estes sejam susceptíveis de afectar o comércio intracomunitário e c) que tenham por objectivo ou efeito a restrição sensível da concorrência. Daqui resulta que, no âmbito deste artigo, os efeitos do comportamento de uma empresa sobre a concorrência no mercado comum só podem ser examinados quando esteja já estabelecida a existência de um acordo, de uma decisão de associação de empresas ou de uma prática concertada na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado (acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Junho de 1966, Société technique minière, 56/65, Colect. 1965-1968, p. 381, pp. 386 e seguintes). Daqui resulta que a finalidade desta disposição não é «eliminar» de um modo geral os obstáculos ao comércio intracomunitário; é mais limitado porque só os obstáculos à concorrência introduzidos por uma vontade conjunta entre pelo menos duas partes são proibidos por essa disposição.

175.
    Esta interpretação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado foi seguida pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 24 de Outubro de 1996, Viho/Comissão (C-73/95 P, Colect., p. I-5457, n.os 15 a 17), quando, confirmando um acórdão do Tribunal de Primeira Instância, julgou que a circunstância de a política implementada por uma sociedade-mãe e que consiste principalmente em repartir diferentes mercados nacionais entre as suas filiais poder produzir efeitos no exterior da esfera do grupo, susceptíveis de afectar a posição concorrencial de terceiros, não pode ser susceptível de tornar o artigo 85.°, n.° 1, aplicável, mesmo interpretado em conjugação com os artigos 2.° e 3.°, alíneas c) e g), do Tratado CE. Em contrapartida, esse comportamento unilateral pode ser abrangido pelo artigo 86.° do Tratado se as condições de aplicação que este impõe estiverem preenchidas.

176.
    Atendendo ao que precede, contrariamente ao que a Comissão e a BAI parecem defender, o direito de um fabricante que se encontre, como o do caso sub judice, face a um evento nocivo para os seus interesses, recorrer à solução que lhe pareça ser a melhor, só está sujeito, pelas disposições do Tratado em matéria de concorrência, ao respeito das proibições previstas nos artigos 85.° e 86.° Assim, desde que o faça sem abusar de uma posição dominante, na ausência de qualquer concordância de vontades com os seus grossistas, um fabricante pode adoptar a política de fornecimentos que considere necessária, mesmo se, pela própria natureza do seu objectivo, como o de entravar as importações paralelas, aintrodução desta política puder comportar restrições de concorrência e afectar o comércio entre Estados-Membros.

177.
    A este respeito, a Comissão invoca o acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Dezembro de 1996, Merck e Beecham (C-267/95 e 268/95, Colect., p. I-6285), para argumentar a necessidade de proteger em todas as circunstâncias as importações paralelas. Sustenta que, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça pôs termo às especulações relativas ao alcance da solução dada no acórdão de 14 de Julho de 1981, Merck, já referido (n.° 36), ao afirmar que um controlo dos preços em certos Estados-Membros não justificava nenhuma derrogação ao princípio da livre circulação de mercadorias e que a possibilidade de impedir as importações paralelas originaria um encerramento indesejável dos mercados nacionais. Assim, segundo a Comissão, mesmo no sector farmacêutico, as importações paralelas não podem ser entravadas nem por medidas nacionais nem por acordos entre empresas.

178.
    Todavia, verifica-se que, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça limita-se a responder à questão relativa, por um lado, à data do termo de certas disposições transitórias constantes do Acto de adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa (artigo 47.° e 209.° do Acto de adesão) que permitiam impedir as importações paralelas de produtos farmacêuticos destes países para outras partes da Comunidade e, por outro, ao regime jurídico aplicável às importações paralelas depois do termo dos períodos transitórios relevantes, bem como à questão de saber se o alcance da solução dada no acórdão Merck de 14 de Julho de 1981, já referido, devia ser reconsiderado. Ora, o raciocínio desenvolvido pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 5 de Dezembro de 1996, Merck e Beecham, já referido, não diz respeito à questão objecto do presente caso, que não é do âmbito do direito da livre circulação de mercadorias consagrado nos artigos 30.°, 34.° e 36.° do Tratado CE (que passaram, após alteração, a artigos 28.° CE, 29.° CE e 30.° CE) e, contrariamente ao que pretende a Comissão, não pressupõe de modo algum uma proibição geral de impedir as exportações paralelas que se aplicaria não só aos Estados-Membros mas também, e em todos os casos, às empresas.

179.
    Na realidade, esse acórdão, em vez de apoiar a tese da Comissão, mais não faz do que confirmar que, no sistema do Tratado, ela não pode tentar chegar a um resultado, como o da harmonização dos preços no mercado dos medicamentos, ampliando ou forçando o âmbito de aplicação da Secção 1 (As regras aplicáveis às empresas) do capítulo 1 do título VI do Tratado, tanto mais que o referido Tratado lhe proporciona vias específicas para procurar tal harmonização, quando é sabido que as fortes disparidades de preços dos medicamentos nos Estados-Membros são criadas pelas diferenças existentes entre os mecanismos estatais de fixação dos preços e as modalidades de reembolso, como é aqui o caso [v. considerandos (151) e (152) da decisão]. Com efeito, como o Tribunal de Justiça recordou no n.° 47 do acórdão Merck e Beecham, já referido, resulta de jurisprudência constante que se deve obviar às distorções causadas por uma diferente regulamentação dos preços num Estado-Membro através de medidas tomadas pelas autoridades comunitárias(v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 31 de Outubro de 1974, Centrafarm e de Peijper, 16/74, Colect., p. 499, n.° 17, Musik-Vertrieb membran e K-tel International, já referido, n.° 24, e de 11 de Julho de 1996, Bristol-Myers Squibb e o., C-427/93, C-429/93 e C-436/93, Colect., p. I-3457, n.° 46, e Merck e Beecham, já referido, n.° 47).

180.
    Uma ampliação do âmbito de aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, como proposta pela Comissão, conduziria a uma situação paradoxal em que a recusa de venda seria mais penalizada no âmbito do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, do que no do artigo 86.°, porque a proibição do artigo 85.°, n.° 1, atingiria o fabricante que decide recusar ou restringir os seus fornecimentos futuros, sem todavia rescindir completamente as suas relações comerciais com os seus clientes, ao passo que, no âmbito do artigo 86.°, a recusa de fornecimento, mesmo total, só é proibida se for abusiva. Com efeito, a jurisprudência do Tribunal de Justiça reconhece indirectamente a importância da liberdade de empresa na aplicação das regras de concorrência do Tratado quando admite expressamente que mesmo uma empresa em posição dominante pode, em certos casos recusar-se a vender ou a mudar a sua política de fornecimento ou de abastecimento sem cair sob a proibição do artigo 86.° (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 1978, United Brands/Comissão, 27/76, Colect., p. 77, n.os 182 a 191).

181.
    Por fim, em apoio da sua tese, a Comissão não pode invocar a sua convicção, aliás destituída de qualquer base, segundo a qual, a longo prazo, as importações paralelas provocarão a harmonização do preço dos medicamentos. O mesmo acontece quanto à sua afirmação de que «não é aceitável que as importações paralelas sejam entravadas para que as empresas farmacêuticas possam impor, em países que não aplicam qualquer controlo dos preços, tarifas excessivas para compensar benefícios menores nos Estados-Membros com maior intervenção ao nível dos preços».

182.
    Resulta do que precede que a Comissão não podia legitimamente considerar estabelecido um acordo entre os grossistas e o fabricante a partir da simples verificação da continuidade das relações comerciais preexistentes.

D. Conclusão

183.
    De tudo o que precede resulta que a Comissão fez uma apreciação errada dos factos do caso concreto e cometeu um erro na sua apreciação jurídica, ao considerar estabelecida uma concordância de vontades entre a Bayer e os grossistas referidos na decisão, permitindo concluir no sentido da existência de um acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, destinado a impedir ou a limitar as exportações de Adalat de França e de Espanha para o Reino Unido.

184.
    Por conseguinte, o fundamento invocado a título principal neste recurso deve ser julgado procedente. Assim, a decisão deve ser anulada, sem que seja necessárioproceder à audição das testemunhas proposta pela recorrente nem examinar os fundamentos invocados a título subsidiário, assentes numa pretensa aplicação errada do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, a comportamentos legítimos em conformidade com o artigo 47.° do Acto de adesão de Espanha às Comunidades Europeias, e de uma aplicação errada do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 na aplicação de uma coima à recorrente.

Quanto às despesas

185.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrida sido vencida e tendo a recorrente pedido a sua condenação, há que condená-la a suportar as suas próprias despesas e as feitas pela recorrente, incluindo as efectuadas por esta última no processo das medidas provisórias.

186.
    Por força do artigo 87.°, n.° 4, terceiro parágrafo, o Tribunal pode determinar que um interveniente diferente dos mencionados no parágrafo precedente desse número suporte as suas próprias despesas. No caso vertente, a EFPIA, interveniente em apoio da recorrente, e a BAI, interveniente em apoio da recorrida, suportarão, respectivamente, as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção Alargada)

decide:

1)    A Decisão 96/478/CE da Comissão, de 10 de Janeiro de 1996, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (IV/34.279/F3 - ADALAT) é anulada.

2)    A Comissão suportará as suas próprias despesas e as despesas efectuadas pela recorrente, incluindo as efectuadas por esta última no processo de medidas provisórias.

3)    A European Federation of Pharmaceutical Industries' Associations e a Bundesverband der Arzneimittel-Importeure eV suportarão, respectivamente, as suas próprias despesas.

Cooke
García-Valdecasas
Lindh

Pirrung

Vilaras

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 26 de Outubro de 2000.

O secretário

O presidente

H. Jung

J. D. Cooke

Índice

     Factos na origem do litígio

II - 2

     Tramitação processual e pedidos das partes

II - 4

     A decisão

II - 5

     Quanto ao mérito

II - 7

     Quanto ao fundamento, invocado a título principal, assente numa violação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, na medida em que a Comissão considera o mesmo aplicável aos factos do caso sub judice

II - 7

         I- Argumentos das partes

II - 7

         II - Apreciação do Tribunal

II - 14

             A. Observações preliminares

II - 14

             B. Quanto ao conceito de acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado

II - 15

             C. Quanto à aplicação, ao caso sub judice, do conceito de acordo

II - 16

                 1. Quanto à pretensa vontade de a recorrente impor uma proibição de exportar

II - 17

                     a) Observações preliminares

II - 17

                    b) Quanto à extensão do sistema de controlo da distribuição de Adalat posto em prática pela recorrente

II - 18

                 2. Quanto à pretensa vontade de os grossistas aderirem à política da recorrente de reduzir as importações paralelas

II - 25

                     a) Observações preliminares

II - 25

                     b) Quanto à prova do «comportamento implícito de aquiescência» da parte dos grossistas

II - 26

                     i) O comportamento dos grossistas franceses

II - 28

                     ii) O comportamento dos grossistas espanhóis

II - 29

                 3. Quanto aos precedentes jurisprudenciais invocados pela Comissão

II - 36

                 4. Quanto à tese da Comissão de que, para provar a existência de um acordo, basta verificar que as partes mantêm as suas relações comerciais

II - 40

             D. Conclusão

II - 43

     Quanto às despesas

II - 44


1: Língua do processo: alemão.