Language of document : ECLI:EU:C:2022:360

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

5 de maio de 2022 (*)

«Reenvio prejudicial — Política Agrícola Comum (PAC) — Regulamento (UE) n.o 1306/2013 — Anexo II — Requisito legal de gestão 10 — Regulamento (UE) n.o 1107/2009 — Artigo 55.o, primeiro e segundo parágrafos, primeira frase — Regimes de apoio direto — Regras comuns — Redução ou exclusão da totalidade do apoio recebido no âmbito da PAC — Incumprimento das regras de condicionalidade — Utilização de um produto fitofarmacêutico que não está ou já não está autorizado no Estado‑Membro em causa e, neste último caso, cuja data‑limite de utilização tenha sido ultrapassada»

No processo C‑189/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo College van Beroep voor het bedrijfsleven (Tribunal de Recurso do Contencioso Administrativo em Matéria Económica, Países Baixos), por Decisão de 23 de março de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 26 de março de 2021, no processo

R. en R.

contra

Minister van Landbouw, Natuur en Voedselkwaliteit,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

composto por: I. Jarukaitis, presidente de secção, D. Gratsias e Z. Csehi (relator), juízes,

advogado‑geral: P. Pikamäe,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

considerando as observações apresentadas:

–        em representação do Governo neerlandês, por C. S. Schillemans e M. K. Bulterman, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo helénico, por E. Tsaousi e I.‑E. Krompa, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por H. van Vliet, A. Sauka e F. Castilla Contreras, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do requisito legal de gestão 10, conforme previsto no anexo II do Regulamento (UE) n.o 1306/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, relativo ao financiamento, à gestão e ao acompanhamento da Política Agrícola Comum e que revoga os Regulamentos (CEE) n.o 352/78 (CE) n.o 165/94 (CE) n.o 2799/98 (CE) n.o 814/2000 (CE) n.o 1290/2005 e (CE) n.o 485/2008 do Conselho (JO 2013, L 347, p. 549, e retificação no JO 2016, L 130, p. 13) (a seguir «RLG 10»), na parte em que remete para o artigo 55.o, primeiro parágrafo, e segundo parágrafo, primeira frase, do Regulamento (CE) n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de outubro de 2009, relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado e que revoga as Diretivas 79/117/CEE e 91/414/CEE do Conselho (JO 2009, L 309, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe R. en R. ao Minister van Landbouw, Natuur en Voedselkwaliteit (Ministro da Agricultura, da Natureza e da Qualidade Alimentar, a seguir «Ministro»), a respeito da redução do montante dos pagamentos diretos a conceder a R. en R. para 2018 em aplicação do Regulamento (UE) n.o 1307/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, que estabelece regras para os pagamentos diretos aos agricultores ao abrigo de regimes de apoio no âmbito da política agrícola comum e que revoga o Regulamento (CE) n.o 637/2008 do Conselho e o Regulamento (CE) n.o 73/2009 do Conselho (JO 2013, L 347, p. 608).

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Regulamento n.o 1306/2013

3        O Regulamento n.o 1306/2013 tem por objeto o financiamento, a gestão e o acompanhamento da Política Agrícola Comum (PAC).

4        O considerando 53 deste regulamento prevê:

«O Regulamento (CE) n.o 1782/2003 do Conselho[, de 29 de setembro de 2003, que estabelece regras comuns para os regimes de apoio direto no âmbito da política agrícola comum e institui determinados regimes de apoio aos agricultores e altera os Regulamentos (CEE) n.o 2019/93 (CE) n.o 1452/2001 (CE) n.o 1453/2001 (CE) n.o 1454/2001 (CE) n.o 1868/94 (CE) n.o 1251/1999 (CE) n.o 1254/1999 (CE) n.o 1673/2000 (CEE) n.o 2358/71 e (CE) n.o 2529/2001 (JO 2003, L 270, p. 1)], que foi substituído pelo Regulamento (CE) n.o 73/2009 [do Conselho, de 19 de janeiro de 2009, que estabelece regras comuns para os regimes de apoio direto aos agricultores no âmbito da Política Agrícola Comum e institui determinados regimes de apoio aos agricultores, que altera os Regulamentos (CE) n.o 1290/2005 (CE) n.o 247/2006 e (CE) n.o 378/2007 e revoga o Regulamento (CE) n.o 1782/2003 (JO 2009, L 30, p. 16)], estabelecia o princípio de que o pagamento integral aos beneficiários de alguns apoios no âmbito da PAC deverá ser sujeito ao cumprimento de regras relativas à gestão das terras, à produção e à atividade agrícolas. […]

No âmbito deste sistema de condicionalidade, os Estados‑Membros devem impor sanções sob a forma de redução ou exclusão do apoio recebido no âmbito da PAC.»

5        O considerando 54 do Regulamento n.o 1306/2013 precisa:

«Esse sistema de condicionalidade é integrado nas normas básicas da PAC em matéria de ambiente, alterações climáticas, boas condições agrícolas e ambientais dos solos, saúde pública, saúde animal, fitossanidade e bem‑estar dos animais. A condicionalidade visa contribuir para o desenvolvimento de uma agricultura sustentável através de uma maior sensibilização dos beneficiários para a necessidade de cumprirem essas normas básicas. Visa ainda contribuir para tornar a PAC mais compatível com as expectativas da sociedade, mediante o reforço da coerência entre esta política e as políticas no domínio do ambiente, saúde pública, saúde animal, fitossanidade e bem‑estar dos animais. O sistema de condicionalidade é parte integrante da PAC e deve, por conseguinte, ser mantido. No entanto, o seu âmbito, que presentemente consiste em listas separadas dos requisitos legais de gestão e das normas em matéria de boas condições agrícolas e ambientais dos solos, deverá ser racionalizado de modo a assegurar a coerência do sistema de condicionalidade e a aumentar a sua visibilidade. Para o efeito, os requisitos e normas deverão ser organizados numa única lista e agrupados por domínios e questões. […]»

6        As regras elencadas no título VI deste regulamento são relativas à condicionalidade, definindo o capítulo I deste título o seu âmbito de aplicação. O artigo 91.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Princípio geral», prevê, no seu n.o 1:

«No caso de um beneficiário referido no artigo 92.o não cumprir as regras de condicionalidade estabelecidas no artigo 93.o, deve ser‑lhe imposta uma sanção administrativa.»

7        O artigo 91.o, n.o 3, alínea  b), do Regulamento n.o 1306/2013 prevê:
«Para efeitos do presente título, são aplicáveis as seguintes definições:

[…]

b)      “Requisito”, cada um dos requisitos legais de gestão previstos no direito da União a que se refere o Anexo II previstos num determinado ato, e que seja de natureza diferente da de qualquer outro requisito do mesmo ato.»

8        O artigo 92.o, primeiro parágrafo, deste regulamento, sob a epígrafe «Beneficiários abrangidos», prevê:

«O artigo 91.o é aplicável aos beneficiários que recebem pagamentos diretos ao abrigo do Regulamento [n.o 1307/2013] […].»

9        O artigo 93.o do Regulamento n.o 1306/2013, sob a epígrafe «Regras em matéria de condicionalidade», dispõe, no seu n.o 1:

«As regras de condicionalidade são os requisitos legais de gestão estabelecidos pelo direito da União e as normas em matéria de boas condições agrícolas e ambientais das terras estabelecidas a nível nacional, enunciados no Anexo II e relativos aos seguintes domínios:

a)      Ambiente, alterações climáticas e boas condições agrícolas das terras;

b)      Saúde pública, saúde animal e fitossanidade;

c)      Bem‑estar dos animais.»

10      O anexo II do mesmo regulamento, intitulado «Regras de condicionalidade nos termos do artigo 93.o», tem a seguinte redação:

«RLG: Requisitos legais de gestão

[…]

Domínio

Assunto principal

Requisitos e normas

[…]

[…]

[…]

Saúde pública, saúde animal e fitossanidade

Produtos fitofarmacêuticos

RLG 10

Regulamento [n.o 1107/2009]

Artigo 55.o, [primeiro parágrafo, e segundo parágrafo, primeira frase]»

11      O capítulo II do título VI do Regulamento n.o 1306/2013, intitulado «Sistema de controlo e sanções administrativas no âmbito da condicionalidade», contém os artigos 96.o a 101.o

12      O artigo 99.o deste regulamento, sob a epígrafe «Cálculo das sanções administrativas», dispõe:

«1.      A sanção administrativa prevista no artigo 91.o é aplicada mediante redução ou exclusão da totalidade do montante dos pagamentos enunciados no artigo 92.o, concedidos ou a conceder ao beneficiário em causa, no que se refere aos pedidos de ajuda apresentados ou a apresentar pelo beneficiário durante o ano civil em que o incumprimento for detetado.

[…]

2.      […]

Contudo, os casos de incumprimento que constituam um risco direto para a saúde pública ou animal dão sempre origem a redução ou exclusão.

[…]»

 Regulamento n.o 1107/2009

13      O Regulamento n.o 1107/2009 é relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado. Os considerandos 24 e 35 deste regulamento enunciam:

«(24)      As disposições que regulamentam as autorizações deverão ser garantia de um nível elevado de proteção. Em particular, ao conceder autorizações a produtos fitofarmacêuticos, o objetivo de proteger a saúde humana e animal e o ambiente deverá ter primazia sobre o de melhorar a produção vegetal. Assim, antes de os produtos fitofarmacêuticos serem colocados no mercado, deverá demonstrar‑se que apresentam um benefício claro em termos de produção vegetal e que não têm qualquer efeito nocivo na saúde humana ou animal, nomeadamente na dos grupos vulneráveis, nem quaisquer efeitos inaceitáveis no ambiente.

[…]

(35)      Para assegurar um nível elevado de proteção da saúde humana e animal e do ambiente, os produtos fitofarmacêuticos deverão ser utilizados adequadamente, de acordo com a respetiva autorização […]»

14      O artigo 1.o do referido regulamento dispõe:

«1.      O presente regulamento estabelece as regras aplicáveis à autorização dos produtos fitofarmacêuticos sob forma comercial, bem como à sua colocação no mercado, utilização e controlo na Comunidade [Europeia].

[…]

3.      O presente regulamento visa assegurar um elevado nível de proteção da saúde humana e animal e do ambiente e melhorar o funcionamento do mercado interno através da harmonização das normas relativas à colocação no mercado dos produtos fitofarmacêuticos, melhorando simultaneamente a produção agrícola.

[…]»

15      Na subsecção 1, intitulada «Requisitos e conteúdos», da secção 1, por sua vez intitulada «Autorização», do capítulo III do Regulamento n.o 1107/2009, ele próprio intitulado «Produtos fitofarmacêuticos», o artigo 28.o, sob a epígrafe «Autorização de colocação no mercado e de utilização», dispõe, no seu n.o 1:

«Um produto fitofarmacêutico apenas pode ser colocado no mercado ou utilizado se tiver sido autorizado no Estado‑Membro em questão nos termos do presente regulamento.»

16      O artigo 32.o, n.o 1, deste regulamento, sob a epígrafe «Prazo de validade», dispõe:

«1.      O prazo de validade da autorização é definido na autorização.

Sem prejuízo do artigo 44.o, a autorização é válida por um prazo máximo de um ano a contar da data de caducidade da aprovação das substâncias ativas, protetores de fitotoxicidade e agentes sinérgicos contidos no produto fitofarmacêutico, e posteriormente a autorização é válida enquanto for válida a aprovação dos agentes sinérgicos, protetores de fitotoxicidade e substâncias sinérgicos incluídos no produto.

[…]»

17      O artigo 46.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Prazo de tolerância», tem a seguinte redação:

«Caso um Estado‑Membro retire ou altere uma autorização ou não proceda à sua renovação, pode conceder um prazo de tolerância para a eliminação, o armazenamento, a colocação no mercado e a utilização das existências.

Caso as razões da retirada, alteração ou não renovação da autorização não estejam ligadas à proteção da saúde humana e animal ou do ambiente, o prazo de tolerância é limitado e não pode exceder seis meses para a venda e a distribuição e um ano suplementar, no máximo, para a eliminação, o armazenamento e a utilização das existências dos produtos fitofarmacêuticos em causa.»

18      Na secção 2 do capítulo III do Regulamento n.o 1107/2009, intitulada «Utilização e informação», o artigo 55.o deste regulamento, ele próprio sob a epígrafe «Utilização de produtos fitofarmacêuticos», prevê, nos primeiro parágrafo e segundo parágrafo, primeira frase:

«Os produtos fitofarmacêuticos devem ser objeto de uma utilização adequada.

A utilização adequada inclui a aplicação dos princípios de boas práticas fitossanitárias e a observância das condições fixadas nos termos do artigo 31.o e especificadas na rotulagem.»

19      O artigo 83.o, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 1107/2009 dispõe:

«As remissões para as diretivas revogadas devem entender‑se como sendo feitas para o presente regulamento. Em especial, as remissões noutros atos legislativos comunitários, como o Regulamento [n.o 1782/2003], para o artigo 3.o da Diretiva 91/414/CEE [do Conselho, de 15 de julho de 1991, relativa à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado (JO 1991, L 230, p. 1)], devem entender‑se como sendo feitas para o artigo 55.o do presente regulamento.»

 Diretiva 91/414

20      A Diretiva 91/414 foi revogada pelo Regulamento n.o 1107/2009 e era aplicável até 13 de junho de 2011.

21      O artigo 3.o desta diretiva tinha a seguinte redação:

«1.      Os Estados‑Membros determinarão que os produtos fitofarmacêuticos só podem ser colocados no mercado e utilizados no seu território quando tiverem sido autorizados em conformidade com o disposto na presente diretiva, a menos que a utilização pretendida esteja abrangida pelo disposto no artigo 22.o

[…]

3.      Os Estados‑Membros determinarão que os produtos fitofarmacêuticos devem ser objeto de uma utilização adequada. A utilização adequada inclui a observância das condições fixadas em conformidade com o artigo 4.o e mencionadas no rótulo, a aplicação dos princípios de uma boa prática fitossanitária e, sempre que possível, dos princípios da luta integrada.

[…]»

 Direito neerlandês

22      O artigo 20.o da Wet gewasbeschermingsmiddelen en biociden (Lei dos Produtos Fitofarmacêuticos e dos Biocidas), de 17 de fevereiro de 2007 (Stb. 2007, 125), na versão aplicável ao litígio no processo principal, tem a seguinte redação:

«Violações do regulamento

1.      É proibido agir em violação do artigo 28.o, n.o 1, do artigo 52.o, n.os 1 e 5, do artigo 55.o, do artigo 56.o, n.o 1, do artigo 58.o, n.o 1, e do artigo 64.o do Regulamento [n.o 1107/2009] ou dos regulamentos adotados em execução deste. […]»

23      O Uitvoeringsregeling rechtstreekse betalingen GLB nr. WJZ/14194346 (Decreto Ministerial n.o WJZ/14194346, Relativo à Execução da PAC no Que Respeita aos Pagamentos Diretos e Condicionalidade), de 11 de dezembro de 2014 (Stcrt. 2014, 36127), na versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Decreto Ministerial de Execução»), prevê, no seu artigo 3.1, n.o 1:

«Condicionalidade:

1.      O agricultor que tenha apresentado um pedido de pagamentos diretos […] cumpre as seguintes disposições:

a.      os requisitos de gestão a que se refere o artigo 93.o, n.o 1, do Regulamento [n.o 1306/2013], constantes do anexo 3. […]»

24      O anexo 3 do artigo 3.1., n.o 1, alínea  a), do Decreto Ministerial de Execução tem a seguinte redação:

«Requisitos de gestão previstos no artigo 93.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1306/2013

[…]

Assunto principal: produtos fitofarmacêuticos

RLG 10 Artigo 55.o, [primeiro parágrafo e segundo parágrafo,] primeira frase, do Regulamento [n.o 1107/2009]:

10.1

Artigo 55.o, [primeiro parágrafo, e segundo parágrafo, primeira frase], do Regulamento [n.o 1107/2009]»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

25      Em 20 de março de 2018, a R. en R. apresentou ao Ministro uma declaração combinada na qual solicitava pagamentos diretos ao abrigo da PAC.

26      Em 11 de outubro de 2018, um inspetor da Nederlandse Voedsel‑ en Warenautoriteit (Autoridade de Segurança dos Produtos Alimentares e dos Bens de Consumo, Países Baixos) verificou que um dos sócios da R. en R. utilizava o produto fitofarmacêutico MECOP PP‑2 (número de autorização 12678N) para lutar contra a labaça-obtusa (Rumex obtusifolius). Este produto fitofarmacêutico tem como substância ativa o mecoprop‑P. A autorização do referido produto fitofarmacêutico tinha expirado em 30 de janeiro de 2016. A data‑limite para a comercialização do mesmo produto tinha sido fixada em 30 de julho de 2016 e a data‑limite de utilização, em 30 de janeiro de 2017.

27      Em 4 de abril de 2019, com fundamento no Decreto Ministerial de Execução, o Ministro aplicou à R. en R. uma redução de 3 % sobre o montante dos pagamentos diretos a conceder‑lhe para 2018, por incumprimento das regras de condicionalidade, pelo facto de ter utilizado um produto fitofarmacêutico não autorizado.

28      Por Decisão de 21 de agosto de 2019, o Ministro indeferiu a reclamação apresentada pela R. en R contra essa redução. Nessa decisão, o comportamento em causa no processo principal foi analisado como constituindo um caso de incumprimento das regras da condicionalidade pelo facto de a utilização de um produto fitofarmacêutico não autorizado estar abrangida pelo RLG 10, que remete para o artigo 55.o, primeiro parágrafo, e segundo parágrafo, primeira frase, do Regulamento n.o 1107/2009.

29      A R. en R. impugna a referida decisão no órgão jurisdicional de reenvio.

30      Nesse órgão jurisdicional, a R. en R. não contesta ter utilizado um produto fitofarmacêutico que já não estava autorizado, mas alega que isso não constitui uma violação do artigo 55.o do Regulamento n.o 1107/2009, uma vez que este artigo prevê apenas que os produtos fitofarmacêuticos devem ser objeto de uma «utilização adequada». A R. en R. sustenta que a utilização de um produto fitofarmacêutico não autorizado não constitui uma violação do artigo 55.o do Regulamento n.o 1107/2009 mas do seu artigo 28.o, nos termos do qual um produto fitofarmacêutico apenas pode ser colocado no mercado ou utilizado se tiver sido autorizado. Ora, dado que esse artigo 28.o não é mencionado no anexo II do Regulamento n.o 1306/2013, a sua violação não constitui uma violação das regras de condicionalidade. No órgão jurisdicional de reenvio, a R. en R. alega, por conseguinte, que o Ministro concluiu erradamente pela existência de uma violação do RLG 10, pelo que não tinha competência para impor uma redução de 3 % sobre o montante dos pagamentos diretos a conceder‑lhe em 2018, por incumprimento das regras de condicionalidade.

31      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, resulta de uma interpretação literal do artigo 55.o do Regulamento n.o 1107/2009, para o qual remete o RLG 10, que este artigo não se aplica a uma situação em que um produto fitofarmacêutico não autorizado é utilizado. Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que tal interpretação conduziria à consequência «curiosa e talvez não desejada, também» de que, numa situação em que um agricultor utilizou um produto fitofarmacêutico não autorizado, não lhe poderia ser imposta nenhuma redução por incumprimento das regras de condicionalidade, quando isso seria possível em caso de utilização inadequada de um produto fitofarmacêutico autorizado.

32      O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre o caráter conciliável da interpretação exposta no número anterior com os objetivos de proteção da saúde humana, animal e vegetal, bem como do ambiente, prosseguidos pelos Regulamentos n.os 1306/2013 e 1107/2009.

33      O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se igualmente, em substância, sobre as razões que fundamentaram a opção do legislador da União, no artigo 83.o do Regulamento n.o 1107/2009, de prever que as remissões feitas noutros atos legislativos comunitários para o artigo 3.o da Diretiva 91/414 devem entender‑se como sendo feitas unicamente para o artigo 55.o do Regulamento n.o 1107/2009 e não, igualmente, para o artigo 28.o deste regulamento.

34      Foi neste contexto que o College van Beroep voor het bedrijfsleven (Tribunal de Recurso do Contencioso Administrativo em Matéria Económica) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o [RLG 10], que remete para o artigo 55.o [primeiro parágrafo, e segundo parágrafo, primeira frase] do [Regulamento n.o 1107/2009], ser interpretado no sentido de que também se aplica a uma situação em que é utilizado um produto fitofarmacêutico não autorizado no Estado‑Membro em causa nos termos do referido regulamento?»

 Quanto à questão prejudicial

35      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o RLG 10, que remete para o artigo 55.o, primeiro parágrafo, e segundo parágrafo, primeira frase, do Regulamento n.o 1107/2009, deve ser interpretado no sentido de que também se aplica a uma situação em que é utilizado um produto fitofarmacêutico que não está autorizado ou já não está autorizado no Estado‑Membro em causa e, neste último caso, cuja data‑limite de utilização foi ultrapassada.

36      Em conformidade com jurisprudência constante, para a interpretação de uma disposição do direito da União há que ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte (Acórdão de 22 de janeiro de 2020, Ursa Major Services, C‑814/18, EU:C:2020:27, n.o 49 e jurisprudência referida).

37      A título preliminar, importa observar que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, é pacífico entre as partes no processo principal que a autorização do produto fitofarmacêutico em causa tinha caducado em 30 de janeiro de 2016 e que, aquando da utilização deste produto pela recorrente no processo principal, a data‑limite de utilização deste último, fixada em 30 de janeiro de 2017, tinha igualmente sido ultrapassada.

38      Em primeiro lugar, há que observar que, nos termos do considerando 35 do Regulamento n.o 1107/2009, uma utilização adequada de produtos fitofarmacêuticos corresponde a uma utilização «de acordo com a respetiva autorização».

39      A este respeito, o conceito de «utilização adequada», conforme utilizado no artigo 55.o, primeiro parágrafo, e segundo parágrafo, primeira frase, do Regulamento n.o 1107/2009, deve ser entendido, no que respeita à sua primeira componente, no sentido de que remete para o artigo 28.o, n.o 1, deste regulamento, que prevê que um produto fitofarmacêutico apenas pode ser «utilizado» se tiver sido «autorizado» no Estado‑Membro em questão.

40      Por outro lado, resulta do artigo 32.o, n.o 1, primeira frase, do Regulamento n.o 1107/2009 que o prazo de validade da autorização é definido na autorização de um produto fitofarmacêutico, resultando do artigo 46.o do mesmo regulamento que a retirada, a alteração ou a caducidade de uma autorização podem ser acompanhadas de um prazo de tolerância para, nomeadamente, a utilização das existências.

41      Daqui resulta que a «utilização adequada» de que os produtos fitofarmacêuticos devem ser objeto, em conformidade com o artigo 55.o, primeiro parágrafo, e segundo parágrafo, primeira frase, do Regulamento n.o 1107/2009, pressupõe uma utilização abrangida, tanto ratione materiae como ratione temporis, por uma autorização concedida em conformidade com o artigo 28.o, n.o 1, do referido regulamento e que produz os seus efeitos segundo as prescrições do artigo 32.o, n.o 1, e, se for caso disso, do seu artigo 46.o

42      Em segundo lugar, o artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1107/2009 dispõe que este último estabelece as regras aplicáveis à autorização dos produtos fitofarmacêuticos sob forma comercial, bem como, nomeadamente, a sua utilização e controlo na Comunidade Europeia. O artigo 1.o, n.o 3, deste regulamento prevê que o mesmo regulamento visa, especialmente, assegurar um elevado nível de proteção da saúde humana e animal e do ambiente.

43      Como exposto no considerando 24 do Regulamento n.o 1107/2009, as disposições que regulamentam as autorizações deverão ser garantia de um nível elevado de proteção da saúde humana e animal e do ambiente. É este objetivo que, segundo o considerando 35 do mesmo regulamento, é prosseguido pela utilização adequada dos produtos fitofarmacêuticos, de acordo com a respetiva autorização. Importa recordar, neste contexto, que, segundo o anexo II do Regulamento n.o 1306/2013, o RLG 10, relativo ao cumprimento do artigo 55.o, primeiro parágrafo, e segundo parágrafo, primeira frase, do Regulamento n.o 1107/2009, visa precisamente proteger a saúde pública, a saúde animal e a fitossanidade. O RLG 10 faz assim parte das normas básicas da PAC em matéria de saúde pública, de saúde animal e de fitossanidade integradas no sistema de condicionalidade, cujo cumprimento condiciona o pagamento integral aos beneficiários de certos apoios ao abrigo da PAC, em conformidade com os considerandos  53 e 54 do Regulamento n.o 1306/2013.

44      Assim, uma interpretação que excluísse do âmbito de aplicação do RLG 10 a utilização de produtos fitofarmacêuticos que não estão autorizados no Estado‑Membro em causa, ou que já não estão autorizados nesse Estado‑Membro e cuja data‑limite de utilização foi ultrapassada, seria contrária ao objetivo do princípio da condicionalidade, que consiste em garantir um elevado nível de proteção da saúde humana, animal, vegetal e do ambiente. Com efeito, tal interpretação implicaria que um beneficiário que utilizasse um produto fitofarmacêutico não autorizado não seria alvo de uma sanção administrativa de redução do montante dos pagamentos diretos, ao passo que um beneficiário que utilizasse um produto fitofarmacêutico autorizado, mas em violação das respetivas condições, estaria, por sua vez, sujeito à aplicação de tal sanção. Um produto fitofarmacêutico não autorizado estaria, portanto, excluído do âmbito de aplicação do princípio da condicionalidade da PAC, o que é incompatível com os objetivos desta.

45      Daqui resulta que a utilização de um produto fitofarmacêutico que não esteja autorizado, ou cuja autorização e, eventualmente, a data‑limite de utilização, tenham caducado, constitui um caso de incumprimento do RLG 10, que faz parte do anexo II do Regulamento n.o 1306/2013, intitulado «Regras de condicionalidade nos termos do artigo 93.o», que desencadeia uma sanção administrativa nos termos dos artigos 91.o e 99.o do Regulamento n.o 1306/2013.

46      Esta conclusão não é afetada pelo facto de, segundo o artigo 83.o do Regulamento n.o 1107/2009, as remissões noutros atos legislativos, como o Regulamento n.o 1782/2003, para o artigo 3.o da Diretiva 91/414, deverem ser entendidas como sendo feitas para o artigo 55.o do Regulamento n.o 1107/2009, e não para o artigo 28.o do último. Com efeito, o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 91/414 estabeleceu a obrigação de os Estados‑Membros determinarem que os produtos fitofarmacêuticos só podem ser colocados no mercado e utilizados no seu território quando tiverem sido autorizados. Esta disposição corresponde ao artigo 28.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1107/2009. O artigo 3.o, n.o 3, da Diretiva 91/414, por seu turno, estabeleceu a obrigação de os Estados‑Membros determinarem que os produtos fitofarmacêuticos devem ser objeto de uma utilização adequada, e corresponde ao artigo 55.o do Regulamento n.o 1107/2009. Ora, pelos motivos expostos nos n.os 39 e 40, supra, o cumprimento do artigo 55.o, primeiro parágrafo e segundo parágrafo, primeira frase, do Regulamento n.o 1107/2009 pressupõe que o produto fitofarmacêutico utilizado beneficie de uma autorização em vigor, em conformidade com os artigos 28.o e 32.o deste regulamento. Por conseguinte, não era necessária uma remissão expressa para o artigo 28.o do Regulamento n.o 1107/2009 no artigo 83.o do mesmo regulamento.

47      Tendo em conta todas as considerações precedentes, importa responder à questão submetida que o RLG 10, que remete para o artigo 55.o, primeiro parágrafo, e segundo parágrafo, primeira frase, do Regulamento n.o 1107/2009, deve ser interpretado no sentido de que também se aplica a uma situação em que é utilizado um produto fitofarmacêutico que não está autorizado ou já não está autorizado no Estado‑Membro em causa e, neste último caso, cuja data‑limite de utilização foi ultrapassada.

 Quanto às despesas

48      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:

O requisito legal de gestão 10, conforme previsto no anexo II do Regulamento (UE) n.o 1306/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, relativo ao financiamento, à gestão e ao acompanhamento da Política Agrícola Comum e que revoga os Regulamentos (CEE) n.o 352/78 (CE) n.o 165/94 (CE) n.o 2799/98 (CE) n.o 814/2000 (CE) n.o 1290/2005 e (CE) n.o 485/2008 do Conselho, que remete para o artigo 55.o, primeiro parágrafo, e segundo parágrafo, primeira frase, do Regulamento (CE) n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de outubro de 2009, relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado e que revoga as Diretivas 79/117/CEE e 91/414/CEE do Conselho, deve ser interpretado no sentido de que também se aplica a uma situação em que é utilizado um produto fitofarmacêutico que não está autorizado ou já não está autorizado no EstadoMembro em causa e, neste último caso, cuja datalimite de utilização foi ultrapassada.

Assinaturas


*      Língua do processo: neerlandês.