Language of document : ECLI:EU:C:2024:277

DESPACHO DO VICE‑PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

27 de março de 2024 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Processo de medidas provisórias — Aproximação das legislações — Regulamento (UE) 2022/2065 — Mercado único dos serviços digitais — Transparência reforçada da publicidade em linha — Decisão que designa uma plataforma em linha de muito grande dimensão — Recurso de anulação»

No processo C‑639/23 P(R),

que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 57.o, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 24 de outubro de 2023,

Comissão Europeia, representada por L. Armati, A. de Gregorio Merino e P.‑J. Loewenthal, na qualidade de agentes,

recorrente,

apoiada por:

Parlamento Europeu, representado por M. Menegatti, E. Ni Chaoimh e L. Taïeb, na qualidade de agentes,

Conselho da União Europeia, representado por N. Brzezinski, M. Moore e E. Sitbon, na qualidade de agentes,

intervenientes no recurso,

sendo a outra parte no processo:

Amazon Services Europe Sàrl, com sede no Luxemburgo (Luxemburgo), representada por A. Conrad e M. Frank, Rechtsanwälte, I. Ioannidis, dikigoros, e R. Spanó, avocat,

recorrente em primeira instância,

O VICE‑PRESIDENTE DO TRIBUNAL,

ouvido o advogado‑geral, M. Szpunar,

profere o presente

Despacho

1        Com o presente recurso, a Comissão Europeia pede a anulação do Despacho do presidente do Tribunal Geral da União Europeia de 27 de setembro de 2023, Amazon Services Europe/Comissão (T‑367/23 R, a seguir «despacho recorrido», EU:T:2023:589), no qual este, por um lado, ordenou a suspensão da execução da Decisão C(2023) 2746 final da Comissão, de 25 de abril de 2023, que designa a Amazon Store como uma plataforma em linha de muito grande dimensão (a seguir «decisão controvertida»), em conformidade com o artigo 33.o, n.o 4, do Regulamento (UE) 2022/2065 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de outubro de 2022, relativo a um mercado único para os serviços digitais e que altera a Diretiva 2000/31/CE (Regulamento dos Serviços Digitais) (JO 2022, L 277, p. 1), uma vez que, por força desta decisão, a Amazon Services Europe Sàrl (a seguir «Amazon») é obrigada a disponibilizar ao público o repositório exigido pelo artigo 39.o do referido regulamento, sem prejuízo da obrigação que incumbe à Amazon de manter esse repositório, e, por outro, indeferiu quanto ao restante o pedido de medidas provisórias apresentado pela Amazon.

 Quadro jurídico

 Diretiva 2000/31/CE

2        A Diretiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2000, relativa a certos aspetos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio eletrónico, no mercado interno («Diretiva sobre o comércio eletrónico») (JO 2000, L 178, p. 1), enuncia no seu artigo 6.o, alínea b):

«Além de outros requisitos de informação constantes da legislação comunitária, os Estados‑Membros assegurarão que as comunicações comerciais que constituam ou sejam parte de um serviço da sociedade da informação respeitem as condições seguintes:

[…]

b)      A pessoa singular ou coletiva por conta de quem a comunicação comercial é feita deve ser claramente identificável.»

 Diretiva 2005/29/CE

3        A Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, as Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e o Regulamento (CE) 2006/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho («Diretiva relativa às práticas comerciais desleais») (JO 2005, L 149, p. 22), dispõe no seu artigo 5.o, n.os 1, 2 e 5:

«1      São proibidas as práticas comerciais desleais.

2.      Uma prática comercial é desleal se:

a)      For contrária às exigências relativas à diligência profissional;

e

b)      Distorcer ou for suscetível de distorcer de maneira substancial o comportamento económico, em relação a um produto, do consumidor médio a que se destina ou que afeta, ou do membro médio de um grupo quando a prática comercial for destinada a um determinado grupo de consumidores. […]

5.      O anexo I inclui a lista das práticas comerciais que são consideradas desleais em quaisquer circunstâncias. A lista é aplicável em todos os Estados‑Membros e só pode ser alterada mediante revisão da presente diretiva.»

4        Nos termos do anexo I dessa diretiva figuram entre as práticas comerciais consideradas desleais em quaisquer circunstâncias, as práticas comerciais enganosas. Segundo o ponto 11 desse anexo, constitui prática comercial enganosa o facto de «[u]tilizar um conteúdo editado nos meios de comunicação social para promover um produto, tendo sido o próprio profissional a financiar essa promoção, sem que tal seja indicado claramente no conteúdo ou através de imagens ou sons que o consumidor possa identificar claramente (publirreportagem)».

 Regulamento (UE) 2016/679

5        O Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados) (JO 2016, L 119, p. 1), prevê no seu artigo 15.o, n.o 1, alíneas b) e h):

«O titular dos dados tem o direito de obter do responsável pelo tratamento a confirmação de que os dados pessoais que lhe digam respeito são ou não objeto de tratamento e, se for esse o caso, o direito de aceder aos seus dados pessoais e às seguintes informações:

[…]

b)      As categorias de dados pessoais em questão;

[…]

h)      A existência de decisões automatizadas, incluindo a definição de perfis, referida no artigo 22.o, n.os 1 e 4, e, pelo menos nesses casos, informações úteis relativas à lógica subjacente, bem como a importância e as consequências previstas de tal tratamento para o titular dos dados.»

 Regulamento (UE) 2019/1150

6        O artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento (UE) 2019/1150 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, relativo à promoção da equidade e da transparência para os utilizadores profissionais de serviços de intermediação em linha (JO 2019, L 186, p. 57), tem a seguinte redação:

«Os prestadores de serviços de intermediação em linha devem estabelecer nas suas cláusulas contratuais gerais os principais parâmetros que determinam a classificação e os motivos da importância particular dos mesmos relativamente a outros parâmetros.»

 Regulamento 2022/2065

7        Os considerandos 75, 76, 95 e 155 do Regulamento 2022/2065 têm a seguinte redação

«(75)      Dada a importância das plataformas em linha de muito grande dimensão, devido ao seu alcance, expresso nomeadamente em número de destinatários do serviço, na facilitação do debate público, das transações económicas e da difusão ao público de informações, opiniões e ideias e na influência que podem exercer sobre a forma como os destinatários obtêm e comunicam informações em linha, é necessário impor aos fornecedores dessas plataformas obrigações específicas, para além das obrigações aplicáveis a todas as plataformas em linha. […]

(76)      As plataformas em linha de muito grande dimensão e os motores de pesquisa em linha de muito grande dimensão podem implicar riscos sociais com um âmbito e impacto diferentes dos causados por plataformas de menor dimensão. Os fornecedores dessas plataformas em linha de muito grande dimensão e desses motores de pesquisa em linha de muito grande dimensão deverão, por conseguinte, suportar os mais elevados níveis de exigência em matéria de obrigações de devida diligência, proporcionados em relação ao seu impacto social. […]

[…]

(95)      Os sistemas de publicidade utilizados por plataformas em linha de muito grande dimensão e por motores de pesquisa em linha de muito grande dimensão implicam riscos específicos e exigem uma maior supervisão pública e regulamentar devido à sua escala e capacidade de visar e alcançar os destinatários do serviço com base no respetivo comportamento dentro e fora da interface em linha da plataforma ou do motor de pesquisa. […]

[…]

(155)      A tendendo a que os objetivos do presente regulamento, a saber, contribuir para o bom funcionamento do mercado interno e garantir um ambiente em linha seguro, previsível e fiável, no qual os direitos fundamentais consagrados na [Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir “Carta”)] sejam devidamente protegidos, não podem ser suficientemente alcançados pelos Estados‑Membros pelo facto de estes, isoladamente, não poderem assegurar a harmonização e a cooperação necessárias, mas pode, em razão do âmbito territorial e pessoal, ser mais bem alcançado ao nível da União [Europeia], a União pode tomar medidas […]»

8        O artigo 26.o, n.o 1, alíneas b) a d), desse regulamento dispõe:

«Os fornecedores de plataformas em linha que exibam anúncios publicitários nas suas interfaces em linha asseguram que, para cada anúncio publicitário específico exibido a cada destinatário individual, os destinatários do serviço possam identificar de forma clara, concisa e inequívoca, e em tempo real, o seguinte:

[…]

b)      A pessoa singular ou coletiva em cujo nome o anúncio publicitário é apresentado;

c)      A pessoa singular ou coletiva que paga o anúncio publicitário, caso seja diferente da pessoa singular ou coletiva referida na alínea b);

d)      Informações pertinentes, direta e facilmente acessíveis a partir do anúncio publicitário, sobre os principais parâmetros utilizados para determinar o destinatário da exibição do anúncio publicitário e, se for caso disso, sobre como alterar esses parâmetros.»

9        Nos termos do artigo 33.o, n.os 1 e 4, do referido regulamento:

«1.      A presente secção aplica‑se às plataformas em linha e aos motores de pesquisa em linha que têm um número médio mensal de destinatários ativos do serviço na União igual ou superior a 45 milhões, […].

[…]

4.      A Comissão, após consulta ao Estado‑Membro de estabelecimento ou após ter em conta as informações fornecidas pelo coordenador dos serviços digitais de estabelecimento […], adota uma decisão que designe como plataforma em linha de muito grande dimensão ou motor de pesquisa em linha de muito grande dimensão para efeitos do presente regulamento a plataforma em linha ou o motor de pesquisa em linha que tenha um número médio mensal de destinatários ativos do serviço igual ou superior ao número referido no n.o 1 do presente artigo. […]»

10      O artigo 38.o do mesmo regulamento enuncia:

«[…] os fornecedores de plataformas em linha de muito grande dimensão e de motores de pesquisa em linha de muito grande dimensão que utilizem sistemas de recomendação oferecem pelo menos uma opção para cada um dos seus sistemas de recomendação que não se baseie na definição de perfis […]»

11      O artigo 39.o, n.os 1 e 2, do Regulamento 2022/2065 prevê:

«1.      Os fornecedores de plataformas em linha de muito grande dimensão ou de motores de pesquisa em linha de muito grande dimensão que exibam anúncios publicitários nas suas interfaces em linha compilam e disponibilizam ao público, numa secção específica da sua interface em linha, através de uma ferramenta pesquisável e fiável que permita efetuar consultas multicritérios e através de interfaces de programação de aplicações, um repositório que contenha as informações referidas no n.o 2, durante todo o período em que exibam um anúncio publicitário e até um ano após o anúncio publicitário ter sido apresentado pela última vez nas suas interfaces em linha. Asseguram que o repositório não contenha quaisquer dados pessoais dos destinatários do serviço a quem o anúncio publicitário tenha ou possa ter sido exibido e envidam os esforços razoáveis para assegurar que as informações sejam exatas e completas.

2      O repositório inclui, pelo menos, todas as seguintes informações:

a)      O conteúdo do anúncio publicitário, incluindo o nome do produto, do serviço ou da marca e o objeto do anúncio publicitário;

b)      A pessoa singular ou coletiva em cujo nome o anúncio publicitário foi exibido;

c)      A pessoa singular ou coletiva que pagou o anúncio publicitário, caso seja diferente da pessoa referida na alínea b);

d)      O período durante o qual o anúncio publicitário foi exibido;

e)      Se o anúncio publicitário se destinava a ser exibido especificamente a um ou mais grupos específicos de destinatários do serviço e, em caso afirmativo, os principais parâmetros utilizados para o efeito, incluindo, se for caso disso, os principais parâmetros utilizados para excluir um ou mais destes grupos específicos;

f)      As comunicações comerciais publicadas nas plataformas em linha de muito grande dimensão […];

g)      O número total de destinatários do serviço alcançados e, quando aplicável, números agregados discriminados por Estado‑Membro relativos ao ou aos grupos de destinatários que o anúncio publicitário visou especificamente.»

12      O artigo 92.o deste regulamento dispõe:

«O presente regulamento é aplicável aos fornecedores de plataformas em linha de muito grande dimensão e de motores de pesquisa em linha de muito grande dimensão designados nos termos do artigo 33.o, n.o 4, quatro meses após a comunicação ao fornecedor em causa […], caso essa data seja anterior a 17 de fevereiro de 2024.»

13      O artigo 93.o, n.o 2, do referido regulamento prevê:

«O presente regulamento é aplicável a partir de 17 de fevereiro de 2024.

No entanto, […] o artigo 33.o, n.os 3 a 6 […] [é aplicável] a partir de 16 de novembro de 2022.»

 Antecedentes do litígio

14      Os antecedentes do litígio são descritos nos n.os 2 a 6 do despacho recorrido. Para efeitos do presente processo, podem ser resumidos da seguinte forma.

15      A Amazon pertence ao Grupo Amazon, que é um grupo multinacional de sociedades. As suas atividades comerciais incluem a venda a retalho em linha e outros serviços, como a computação em nuvem e o streaming digital. Fornece aos vendedores terceiros serviços de mercado que lhes permitem colocar produtos à venda através da Amazon Store. Apoia igualmente os vendedores terceiros, entre outras coisas, fornecendo‑lhes ferramentas para os ajudar a gerir e desenvolver as suas atividades, nomeadamente na Amazon Store.

16      Na decisão controvertida, a Comissão designou, com base no artigo 33.o, n.o 4, do Regulamento 2022/2065, a Amazon Store como uma plataforma em linha de muito grande dimensão.

 Tramitação processual no Tribunal Geral e despacho recorrido

17      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 5 de julho de 2023, a Amazon interpôs um recurso de anulação da decisão controvertida.

18      Por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 6 de julho de 2023, a Amazon apresentou um pedido de medidas provisórias, com vista, nomeadamente, à suspensão da execução daquela decisão até que o Tribunal Geral proferisse uma decisão definitiva no processo principal, uma vez que impõe à Amazon, por um lado, a obrigação de oferecer aos utilizadores uma opção para cada um dos sistemas de recomendação que não assente na definição de perfis, em conformidade com o artigo 38.o do Regulamento 2022/2065, e, por outro, a obrigação de manter e disponibilizar ao público o repositório exigido pelo artigo 39.o desse regulamento.

19      Por Despacho de 28 de julho de 2023, Amazon Services Europe/Comissão (T‑367/23 R), adotado com base no artigo 157.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, o presidente do Tribunal Geral ordenou a suspensão da execução da decisão controvertida até à data da prolação do despacho que pôs termo ao processo de medidas provisórias instaurado no Tribunal Geral.

20      No despacho recorrido, o presidente do Tribunal Geral ordenou, por um lado, a suspensão da execução da decisão controvertida, visto que esta decisão impõe à Amazon a disponibilização ao público do repositório exigido pelo artigo 39.o do Regulamento 2022/2065, sem prejuízo da obrigação da Amazon de manter esse repositório, e, por outro, indeferiu quanto ao restante o pedido de medidas provisórias apresentado pela Amazon.

21      No que respeita, antes de mais, ao requisito relativo à urgência, examinado nos n.os 26 a 69 desse despacho, o presidente do Tribunal Geral considerou, no n.o 55, que a Amazon não tinha demonstrado a existência de um prejuízo grave e irreparável que resultaria do cumprimento do artigo 38.o do Regulamento 2022/2065 pela Amazon Store. Em contrapartida, nos n.os 65 a 69 do referido despacho, o presidente do Tribunal Geral considerou que tinha sido suficientemente demonstrado que o cumprimento, pela Amazon Store, do artigo 39.o do referido regulamento causaria provavelmente um prejuízo grave e irreparável à Amazon.

22      Seguidamente, no que diz respeito ao requisito relativo ao fumus boni juris, o presidente do Tribunal Geral declarou, no n.o 79 do mesmo despacho, que o terceiro fundamento invocado pela Amazon em apoio do seu recurso de anulação da decisão controvertida, relativo à ilegalidade do artigo 39.o do referido regulamento, parece, à primeira vista, não ser desprovido de fundamento sério e merece, portanto, um exame aprofundado que não pode ser efetuado pelo juiz das medidas provisórias.

23      Por último, o presidente do Tribunal de Geral considerou, no n.o 83 do despacho recorrido, que «o interesse num indeferimento do pedido de medidas provisórias deve ceder face ao interesse defendido pela [Amazon]».

 Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

24      Por Despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 13 de dezembro de 2023, Comissão/Amazon Services Europe [C‑639/23 P(R), EU:C:2023:1006], o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia foram admitidos a intervir no presente processo em apoio dos pedidos da Comissão.

25      A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

–        anular o despacho recorrido;

–        decidir definitivamente o litígio, indeferindo o pedido de medidas provisórias e o pedido de medidas provisórias interlocutórias;

–        a título subsidiário, remeter o processo ao Tribunal Geral;

–        a título ainda mais subsidiário, alterar o despacho recorrido para que a obrigação da Amazon de disponibilizar ao público o repositório exigido pelo artigo 39.o do Regulamento 2022/2065 seja suspensa apenas no que respeita às informações enumeradas no artigo 39.o, n.o 2, alíneas d) e g), desse regulamento; e

–        condenar a Amazon nas despesas do processo.

26      A Amazon pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

–        negar provimento ao presente recurso;

–        condenar a Comissão nas despesas do recurso; e

–        no caso de ser dado provimento ao presente recurso, conceder‑lhe um prazo de 28 dias para cumprir a obrigação de disponibilizar ao público o repositório exigido pelo artigo 39.o do referido regulamento.

27      O Parlamento e o Conselho pedem que o Tribunal de Justiça se digne julgar procedentes os pedidos da Comissão.

 Quanto ao presente recurso

28      A Comissão invoca quatro fundamentos de recurso, relativos, em substância, o primeiro, a um erro de direito e a uma aplicação manifestamente errada do requisito relativo ao fumus boni juris, o segundo, a vícios processuais bem como a um erro de direito e a uma aplicação manifestamente errada do requisito relativo à urgência, o terceiro, a um erro de direito e a uma aplicação manifestamente errada do requisito relativo à ponderação dos interesses e, o quarto, à violação do princípio da proporcionalidade.

29      Há que começar por examinar a segunda parte do segundo fundamento.

 Argumentação

30      Com a segunda parte do seu segundo fundamento, a Comissão alega que, ao ter considerado, no n.o 24 do despacho recorrido, que dispunha de «todos os elementos necessários para decidir» quanto ao pedido de medidas provisórias, quando não se tinha pronunciado sobre o pedido de medidas de organização do processo apresentado pela Comissão, o presidente do Tribunal Geral violou o princípio do contraditório, violando assim também os artigos 88.o e 90.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral e o princípio de audi alteram partem.

31      A este respeito, recorda que, em 28 de julho de 2023, o presidente do Tribunal Geral adotou uma medida de organização do processo na sequência da qual a Amazon apresentou um extenso articulado com vista a sustentar a sua alegação de que as informações que o artigo 39.o do Regulamento 2022/2065 lhe impõe divulgar são de natureza confidencial. A Comissão afirma, em contrapartida, que o presidente do Tribunal Geral recusou deferir o pedido de medida de organização do processo subsequente que ela apresentou para poder responder aos novos argumentos apresentados pela Amazon nesse articulado.

32      Ora, o presidente do Tribunal Geral deve respeitar o caráter contraditório do processo e o princípio de audi alteram partem quando aprecia a necessidade de adotar uma medida de organização do processo. Por conseguinte, a Comissão deveria ter tido a oportunidade de responder aos argumentos da Amazon expostos no articulado referido no número anterior, tanto mais que a concessão da suspensão de execução em causa se baseia exclusivamente, no caso em apreço, na alegação de que o respeito do artigo 39.o do Regulamento 2022/2065 obrigaria a Amazon a disponibilizar ao público informações confidenciais, alegação esta que foi formulada unicamente nesse articulado. De resto, as considerações relativas à confidencialidade das informações em causa que figuram nos n.os 76 a 78 do despacho recorrido baseiam‑se, em grande medida, nesses argumentos.

33      O caráter urgente do processo de medidas provisórias não justifica privar a Comissão do seu direito de se defender e, além disso, esta poderia ter apresentado as suas observações num prazo muito curto.

34      A Amazon considera que o presidente do Tribunal Geral não estava obrigado a deferir o pedido de medida de organização do processo apresentado pela Comissão. Com efeito, o princípio do contraditório proíbe apenas o juiz da União de basear a sua decisão em factos e documentos sobre os quais as partes, ou uma delas, não tenham podido tomar posição. Ora, uma vez que a Amazon foi convidada a comentar certas questões jurídicas, este princípio não foi violado. Nenhum princípio obriga o presidente do Tribunal de Geral a conceder a cada uma das partes o mesmo número de articulados sobre uma questão de direito.

35      Em todo o caso, a Comissão não demonstrou que o presidente do Tribunal Geral teria chegado a um resultado diferente se tivesse dado à Comissão a possibilidade de responder à Amazon.

 Apreciação

36      Um pedido de medidas provisórias deve, por si só, permitir ao requerido preparar as suas observações e ao juiz das medidas provisórias decidir do pedido, sendo caso disso, sem necessitar de outras informações, devendo os elementos essenciais de facto e de direito em que o pedido se baseia transparecer do próprio texto do referido pedido [Despacho de 19 de julho de 2012, Akhras/Conselho, C‑110/12 P(R), EU:C:2012:507, n.o 55 e jurisprudência referida].

37      Além disso, tendo em conta a celeridade que caracteriza, pela sua natureza, o processo de medidas provisórias, pode razoavelmente ser exigido à parte que solicita as medidas provisórias a produção, salvo em casos excecionais, desde a fase de apresentação do seu pedido, de todos os elementos de prova disponíveis que o apoiam, para que o juiz das medidas provisórias possa apreciar, com base neles, o mérito do referido pedido (Despacho de 19 de julho de 2012, Akhras/Conselho, C‑110/12 P(R), EU:C:2012:507, n.o 56 e jurisprudência referida].

38      Todavia, nos termos do artigo 157.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, o presidente do Tribunal Geral, na sua qualidade de juiz das medidas provisórias, pode adotar, se for caso disso, medidas de organização do processo e diligências de instrução.

39      Resulta igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça a este respeito que o presidente do Tribunal Geral deve gozar de um amplo poder para apreciar se essas medidas são adequadas [v., neste sentido, Despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 1 de dezembro de 2021, Inivos e Inivos/Comissão, C‑471/21 P(R), EU:C:2021:984, n.o 45 e jurisprudência referida].

40      O poder discricionário de que dispõe deve, no entanto, ser exercido dentro de certos limites, uma vez que o juiz das medidas provisórias está obrigado a respeitar o princípio do contraditório. Com efeito, este princípio aplica‑se a todos os processos suscetíveis de conduzir a decisões de instituições da União que afetem de forma sensível os interesses de uma pessoa e, em especial, aos processos nos órgãos jurisdicionais da União [v., neste sentido, Despacho de 22 de novembro de 2018, Hércules Club de Fútbol/Comissão, C‑334/18 P(R), EU:C:2018:952, n.o 47 e jurisprudência referida].

41      A este respeito, embora seja verdade que o artigo 157.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral permite ao presidente do Tribunal Geral adotar medidas provisórias mesmo antes de a outra parte ter apresentado as suas observações, esta disposição não pode ser entendida no sentido de que autoriza, de uma forma geral, o presidente do Tribunal Geral a decidir sem respeitar o princípio do contraditório. Com efeito, a referida disposição prevê apenas um procedimento derrogatório que permite ao presidente do Tribunal Geral adotar tais medidas a título cautelar, enquanto se aguarda a decisão que deve ser tomada sobre o pedido de medidas provisórias no termo do processo contraditório exigido pelo artigo 157.o, n.o 1, desse Regulamento de Processo [v., neste sentido, Despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 28 de setembro de 2023, Conselho/Mazepin, C‑564/23, P(R), EU:C:2023:727, n.os 60 e 61].

42      Ora, o princípio do contraditório confere nomeadamente a cada parte num processo, independentemente da sua qualidade jurídica, o direito de tomar conhecimento das peças e das observações apresentadas ao juiz pela parte contrária e de as discutir. Para responder às exigências relativas ao direito a um processo equitativo, importa, com efeito, que as partes tenham conhecimento e possam debater, com observância do contraditório, tanto elementos de facto como elementos de direito que sejam decisivos para o desfecho do processo (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de junho de 2014, C‑530/12 P, IHMI/National Lottery Commission, EU:C:2014:186, n.o 54; de 4 de dezembro de 2019, H/Conselho, C‑413/18 P, EU:C:2019:1044, n.os 103 e 104; e de 15 de julho de 2021, Comissão/Landesbank Baden‑Württemberg e CUR, C‑584/20 P e C‑621/20 P, EU:C:2021:601, n.os 58 e 59).

43      Dessas exigências, o Tribunal de Justiça deduziu, nomeadamente, em processos não abrangidos pelo processo de medidas provisórias, que, embora o Tribunal Geral possa decidir livremente colocar uma questão a uma parte no quadro definido pelo seu Regulamento de Processo, está obrigado a conceder às outras partes a possibilidade de tomarem posição sobre a resposta dada a essa questão, pelo menos quando contém elementos decisivos para o desfecho do processo em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de dezembro de 2019, H/Conselho, C‑413/18 P, EU:C:2019:1044, n.os 105 a 116, e de 10 de setembro de 2020, Roménia/Comissão, C‑498/19 P, EU:C:2020:686, n.os 75 e 76).

44      Esta regra aplica‑se igualmente quando o presidente do Tribunal de Geral coloca uma questão a uma parte nos termos do artigo 157.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

45      É certo que, por um lado, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, tendo em conta a celeridade que caracteriza, pela sua natureza, o processo de medidas provisórias, o juiz das medidas provisórias não é obrigado a ouvir sistematicamente os requerentes sobre todos os elementos de informação fornecidos pelos requeridos que pretende tomar em consideração para decidir sobre o pedido de medidas provisórias [Despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 1 de dezembro de 2021, Inivos e Inivos/Comissão, C‑471/21 P(R), EU:C:2021:984, n.o 47].

46      Contudo, esta solução resulta da inexistência de uma norma que preveja a apresentação, em princípio, de uma réplica e de uma tréplica no âmbito do processo de medidas provisórias. Por conseguinte, não se pode deduzir que, quando o presidente do Tribunal Geral autoriza o recorrente a apresentar elementos suplementares em apoio do seu pedido de medidas provisórias, o recorrido não tem o direito de debater esses elementos, embora resulte das considerações expostas nos n.os 36 e 37 do presente despacho, que esse pedido deve conter todos os elementos necessários para que possa ser proferida uma decisão e que o artigo 157.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral garante ao recorrido o direito de apresentar observações sobre o referido pedido.

47      Por outro lado, embora, no Despacho de 17 de dezembro de 2020, Anglo Austrian AAB e Belegging‑Maatschappij «Far‑East»/BCE [C‑207/20 P(R), EU:C:2020:1057], o vice‑presidente do Tribunal de Justiça tenha julgado improcedente a alegação, apresentada pelos recorrentes nesse processo, relativa a uma violação do direito de ser ouvido decorrente da impossibilidade de tomar posição sobre um elemento de prova que não estava disponível no dia da apresentação do pedido de medidas provisórias, deve considerar‑se que a falta de contraditório em causa no processo que deu lugar esse despacho não teve origem na adoção de uma medida de organização do processo pelo presidente do Tribunal Geral. Além disso, para julgar improcedente a referida alegação, o vice‑presidente do Tribunal de Justiça baseou‑se exclusivamente no facto de os requerentes no referido processo terem renunciado a uma garantia processual de que dispunham ao não solicitar ao presidente do Tribunal Geral, nos termos do artigo 88.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, uma medida de organização do processo.

48      No caso vertente, resulta dos autos que o presidente do Tribunal Geral convidou a Amazon, através de uma medida de organização do processo adotada em 28 de julho de 2023, a pronunciar‑se sobre os n.os 109 a 118 das observações escritas apresentadas pela Comissão em primeira instância.

49      Na sua resposta a esta medida de organização do processo, a Amazon apresentou uma série de argumentos destinados a demonstrar que as informações que o artigo 39.o do Regulamento 2022/2065 lhe impõe divulgar são confidenciais, que a divulgação dessas informações lhe causaria um prejuízo significativo e que os interesses que seriam lesados por essa divulgação merecem ser protegidos.

50      Como salienta a Comissão, na sua apreciação do requisito relativo ao fumus boni juris, nos n.os 76 a 78 do despacho recorrido, o presidente do Tribunal Geral baseou‑se numa argumentação que reproduzia, em substância, os argumentos apresentados pela Amazon na sua resposta à medida de organização do processo de 28 de julho de 2023.

51      Por conseguinte, essa resposta continha elementos decisivos para o desfecho do processo.

52      Ora, a Comissão foi privada de qualquer oportunidade de tomar posição sobre os argumentos apresentados pela Amazon na referida resposta.

53      Assim, em primeiro lugar, a resposta da Amazon à medida de organização do processo de 28 de julho de 2023 foi notificada à Comissão em 30 de agosto de 2023, sem que esta tenha sido convidada a tomar posição sobre essa resposta.

54      Em segundo lugar, o presidente do Tribunal Geral não deu seguimento a um pedido de adoção de uma medida de organização do processo, apresentado pela Comissão em 15 de setembro de 2023, nos termos do artigo 88.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, destinado a obter autorização para responder à resposta da Amazon referida no n.o 49 do presente despacho, a fim de preservar a igualdade de armas e permitir ao Tribunal Geral decidir sobre o pedido de medidas provisórias com pleno conhecimento de causa.

55      Em terceiro lugar, o presidente do Tribunal Geral considerou, no n.o 24 do despacho recorrido, que dispunha de todos os elementos necessários para decidir sobre o pedido de medidas provisórias, sem necessidade de ouvir previamente as partes nas suas alegações orais.

56      Por outro lado, uma vez que resulta claramente das observações da Comissão que, se tivesse sido convidada pelo presidente do Tribunal Geral a tomar posição sobre a resposta da Amazon referida no n.o 49 do presente despacho, teria apresentado argumentos adicionais destinados a demonstrar que as informações que o artigo 39.o do Regulamento 2022/2065 obriga a Amazon a divulgar são desprovidas de caráter confidencial, não se pode excluir a priori que o exame desses argumentos pudesse ter levado o presidente do Tribunal Geral a indeferir o pedido de medidas provisórias na sua totalidade.

57      Resulta das considerações anteriores que o presidente do Tribunal Geral violou o princípio do contraditório, pelo que a segunda parte do segundo fundamento deve ser julgada procedente.

58      Uma vez que a apreciação, pelo presidente do Tribunal Geral, do requisito relativo ao fumus boni juris se baseia de forma determinante em elementos que não foram sujeitos ao princípio do contraditório, a violação deste princípio é suficiente, por si só, para justificar a anulação do n.o 1 do dispositivo do despacho recorrido, no qual o presidente do Tribunal Geral ordenou a suspensão da execução da decisão controvertida, uma vez que, por força dessa decisão, a Amazon será obrigada a disponibilizar ao público o repositório exigido pelo artigo 39.o do Regulamento 2022/2065, sem prejuízo da obrigação da Amazon de manter esse repositório.

59      Em contrapartida, esta violação do referido princípio não pode conduzir à anulação do n.o 2 do dispositivo desse despacho, no qual o presidente do Tribunal Geral julgou improcedente o pedido de medidas provisórias quanto ao restante.

60      Com efeito, esse n.o 2 baseia‑se na apreciação do presidente do Tribunal Geral, exposta no n.o 55 do referido despacho, segundo a qual a Amazon não demonstrou a existência de um prejuízo grave e irreparável que resultaria do cumprimento, pela Amazon Store, do artigo 38.o do Regulamento 2022/2065.

61      Ora, por um lado, esta apreciação decorre de um raciocínio, exposto nos n.os 35 a 54 do mesmo despacho, no âmbito do qual o presidente do Tribunal Geral não se baseia de modo nenhum nos elementos apresentados na resposta da Amazon referida no n.o 49 do presente despacho.

62      Por outro lado, as outras partes do segundo fundamento de recurso e os outros fundamentos invocados pela Comissão em apoio do seu recurso não são dirigidos contra os n.os 35 a 54.

63      Assim, sem que seja necessário examinar essas partes e esses fundamentos, há que negar provimento ao recurso visto que se destina à anulação do n.o 2 do dispositivo do despacho recorrido.

 Quanto ao pedido de medidas provisórias apresentado no Tribunal Geral

64      Em conformidade com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, o Tribunal de Justiça pode decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal Geral para julgamento. Esta disposição aplica‑se igualmente aos recursos interpostos em conformidade com o artigo 57.o, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia [Despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 2 de fevereiro de 2024, Mylan Ireland/Comissão, C‑604/23 P(R), EU:C:2024:117, n.o 38].

65      No caso em apreço, uma vez que, por um lado, a Comissão apresentou no Tribunal de Justiça os argumentos que pretendia invocar contra os elementos apresentados na resposta da Amazon referida no n.o 49 do presente despacho, e, por outro, nas conclusões da sua petição de recurso, pediu ao Tribunal de Justiça que decidisse definitivamente sobre o litígio, importa, tendo em conta a celeridade que caracteriza o processo de medidas provisórias, decidir o pedido de medidas provisórias apresentado pela Amazon na parte em que tem por objeto a suspensão da execução da decisão controvertida por esta decisão obrigar a Amazon a manter e a disponibilizar ao público o repositório exigido pelo artigo 39.o do Regulamento 2022/2065.

66      Para este efeito, cabe recordar que o artigo 156.o, n.o 4, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral prevê que os pedidos de medidas provisórias devem especificar o objeto do litígio, as circunstâncias que determinam a urgência, bem como os fundamentos de facto e de direito que, à primeira vista, justificam a concessão da medida provisória requerida. Assim, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a suspensão da execução e as outras medidas provisórias podem ser concedidas pelo juiz das medidas provisórias se se chegar à conclusão que, à primeira vista, a sua concessão é justificada de facto e de direito (fumus boni juris) e que são urgentes, no sentido de que, para evitar causar um prejuízo grave e irreparável para os interesses da parte que as requer, é necessário que sejam decretadas e produzam efeitos antes da decisão sobre o recurso quanto ao mérito. Estes requisitos são cumulativos, de modo que os pedidos de medidas provisórias devem ser indeferidos se um deles não estiver preenchido. O juiz das medidas provisórias também procede, se for caso disso, à ponderação dos interesses em causa [Despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 2 de fevereiro de 2024, Mylan Ireland/Comissão, C‑604/23 P(R), EU:C:2024:117, n.o 40].

 Quanto ao fumus boni juris

 Argumentação

67      A fim de demonstrar o fumus boni juris, a Amazon invoca três fundamentos em apoio do recurso no processo principal.

68      Na sua argumentação relativa ao terceiro desses fundamentos, que cabe examinar em primeiro lugar, a Amazon invoca uma exceção de ilegalidade do artigo 39.o do Regulamento 2022/2065, relativa a uma violação do princípio da igualdade de tratamento e dos artigos 7.o, 16.o e 17.o da Carta.

69      A este respeito, a Amazon alega que a obrigação, prevista nesse artigo 39.o, de publicar, num repositório acessível a todos, uma série de informações sobre os anúncios publicitários exibidos na Amazon Store violaria gravemente o artigo 7.o da Carta e o princípio geral de proteção dos segredos comerciais. Além disso, tendo em conta o caráter estratégico destas informações, a obrigação de as divulgar constituiria um entrave à atividade comercial da Amazon e violaria assim os artigos 16.o e 17.o da Carta.

70      A Amazon especifica que, embora algumas das referidas informações devam efetivamente ser divulgadas em aplicação de vários atos do direito da União, não é esse o caso, em particular, das informações relativas ao período durante o qual determinado anúncio publicitário foi apresentado ou ao número de destinatários do serviço alcançado. Além disso, estes atos da União não obrigam a divulgar as informações ao público em geral, mas apenas aos destinatários dos anúncios publicitários.

71      Ora, por um lado, a aplicação do artigo 39.o do Regulamento 2022/2065 não é adequada, tendo em conta as diferenças entre os mercados em linha e as outras plataformas em linha de muito grande dimensão. Por outro lado, o legislador da União poderia ter alcançado os objetivos que consistem em prevenir o risco de anúncios publicitários ilegais ou de técnicas de manipulação e desinformação com um impacto negativo real e previsível na saúde pública, na segurança pública, no discurso civil, na participação política e na igualdade, através de uma solução alternativa menos prejudicial para os direitos da Amazon, obrigando‑a unicamente a disponibilizar apenas às entidades reguladoras e aos investigadores habilitados um repositório razoavelmente estruturado.

72      A Comissão considera que o terceiro fundamento invocado pela Amazon não é razoavelmente suscetível de prosperar.

73      Em primeiro lugar, este fundamento é manifestamente inadmissível. Com efeito, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, uma exceção de ilegalidade do artigo 39.o do Regulamento 2022/2065, suscitada nos termos do artigo 277.o TFUE, só é admissível na medida em que esse artigo 39.o constitua a base jurídica da decisão controvertida ou apresente um nexo jurídico direto com essa decisão. Ora, não é esse o caso. Em especial, o facto de as disposições do capítulo III, secção 5, do Regulamento 2022/2065 só serem aplicáveis à Amazon depois de a Comissão ter adotado uma decisão como a decisão controvertida, que a designa como uma plataforma em linha de muito grande dimensão ou um motor de pesquisa em linha de muito grande dimensão para efeitos desse regulamento, não é suficiente para constituir um nexo jurídico direto entre essas disposições e essa decisão. Uma solução contrária privaria, de resto, as referidas disposições do seu caráter diretamente executório. Além disso, tendo em conta a natureza do nexo existente entre a decisão controvertida e o artigo 39.o do referido regulamento, a ilegalidade deste artigo não é suscetível de conduzir à anulação dessa decisão.

74      Em segundo lugar, a Amazon não fundamentou de modo algum a alegação de que o artigo 39.o do Regulamento 2022/2065 viola os seus direitos fundamentais. Assim, o pedido de medidas provisórias não contém nenhum argumento que estabeleça o caráter confidencial das informações que o artigo 39.o do Regulamento 2022/2065 obriga a Amazon a divulgar. Em especial, a Amazon não provou que essas informações só são conhecidas por um número limitado de pessoas, que a sua divulgação é suscetível de lhe causar um prejuízo grave e que os interesses suscetíveis de ser lesados pela divulgação são objetivamente dignos de proteção.

75      Em todo o caso, essas informações são desprovidas de caráter confidencial, uma vez que a Amazon já estava obrigada, por força de outros atos do direito da União, a disponibilizar ao publico a maior parte delas. A este respeito, a Comissão remete não apenas para o Regulamento 2022/2065, mas igualmente para as Diretivas 2000/31 e 2005/29 e os Regulamentos 2016/679 e 2019/1150. Algumas dessas informações podem, além disso, ser obtidas a partir de ofertas comerciais ou de métricas publicitárias e de análises de dados oferecidas no mercado.

76      Em terceiro lugar, a distinção feita pela Amazon entre os mercados em linha e as outras plataformas em linha de muito grande dimensão não se justifica à luz dos objetivos do Regulamento 2022/2065.

 Apreciação

77      Decorre de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o requisito relativo ao fumus boni juris se considera preenchido quando pelo menos um dos fundamentos invocados pelo requerente das medidas provisórias para alicerçar a ação principal parece, à primeira vista, não ser desprovido de fundamento sério. É o que sucede, nomeadamente, quando um desses fundamentos revela a existência de questões jurídicas complexas cuja solução não se impõe de imediato e merece, pois, um exame aprofundado, o qual não pode ser efetuado pelo juiz das medidas provisórias, mas deve ser objeto do processo principal, ou quando o debate conduzido entre as partes revela a existência de uma controvérsia jurídica importante cuja solução não se impõe de forma evidente [Despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 24 de maio de 2022, Puigdemont i Casamajó e o./Parlamento e Espanha, e o./Parlamento e Espanha, C‑629/21 P(R), EU:C:2022:413, n.o 188 e jurisprudência referida].

78      As partes discordam, em primeiro lugar, quanto à admissibilidade do terceiro fundamento invocado pela Amazon, relativo à ilegalidade do artigo 39.o do Regulamento 2022/2065.

79      Nos termos do artigo 277.o TFUE, «qualquer parte pode, em caso de litígio que ponha em causa um ato de alcance geral adotado por uma instituição, um órgão ou um organismo da União, recorrer aos meios previstos no segundo parágrafo do artigo 263.o, para arguir, no Tribunal de Justiça da União Europeia, a inaplicabilidade desse ato».

80      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, esta disposição constitui a expressão de um princípio geral que garante a qualquer parte o direito de impugnar, por meio de incidente processual, com o objetivo de obter a anulação de uma decisão que lhe é dirigida, a validade dos atos de alcance geral que constituem a base jurídica dessa decisão (Acórdão de 16 de março de 2023, Comissão/Calhau Correia de Paiva, C‑511/21 P, EU:C:2023:208, n.o 44 e jurisprudência referida).

81      Uma vez que o artigo 277.o TFUE não se destina a permitir a uma parte contestar a aplicabilidade de qualquer ato de alcance geral em apoio de qualquer tipo de recurso, o ato cuja ilegalidade é suscitada deve ser aplicável, direta ou indiretamente, ao caso concreto objeto do recurso (Acórdão de 16 de março de 2023, Comissão/Calhau Correia de Paiva, C‑511/21 P, EU:C:2023:208, n.o 45 e jurisprudência referida).

82      Assim, no âmbito de recursos de anulação interpostos contra decisões individuais, o Tribunal de Justiça admitiu que podem validamente ser objeto de uma exceção de ilegalidade as disposições de um ato de alcance geral que constituam a base das referidas decisões ou que mantenham um nexo jurídico direto com essas decisões (Acórdão de 16 de março de 2023, Comissão/Calhau Correia de Paiva, C‑511/21 P, EU:C:2023:208, n.o 46 e jurisprudência referida).

83      Um nexo jurídico direto pode resultar, nomeadamente, do facto de a disposição cuja ilegalidade é invocada por via de exceção fazer parte da fundamentação de uma decisão controvertida, inclusive quando não seja mencionada na fundamentação formal dessa decisão (v., neste sentido, Acórdão de 16 de março de 2023, Comissão/Calhau Correia de Paiva, C‑511/21 P, EU:C:2023:208, n.o 52).

84      Em contrapartida, o Tribunal de Justiça julgou inadmissível uma exceção de ilegalidade dirigida contra um ato de alcance geral cuja decisão individual impugnada não constitui uma medida de aplicação (Acórdão de 16 de março de 2023, Comissão/Calhau Correia de Paiva, C‑511/21 P, EU:C:2023:208, n.o 47 e jurisprudência referida).

85      No caso em apreço, é consensual que o artigo 39.o do Regulamento 2022/2065 não constitui a base jurídica da decisão controvertida.

86      No entanto, decorre da jurisprudência referida no n.o 82 do presente despacho que uma exceção de ilegalidade pode ser invocada contra qualquer disposição de um ato de alcance geral que mantenha um nexo jurídico direto com a decisão controvertida, mesmo que essa disposição não constitua a base jurídica dessa decisão.

87      No presente processo, a Amazon alega que existe um nexo jurídico suficientemente direto entre o artigo 39.o do Regulamento 2022/2065 e a decisão controvertida, uma vez que este artigo se aplica à Amazon Store em virtude da adoção da referida decisão, circunstância da qual infere, em substância, que o referido artigo e a referida decisão fazem parte de um único regime jurídico cuja legalidade a Amazon pretende pôr em causa.

88      Não se pode excluir, a priori, que um nexo deste tipo possa ser considerado, como sustenta a Comissão, insuficientemente direto para justificar a admissibilidade da exceção de ilegalidade invocada pela Amazon, tendo em conta, nomeadamente, o facto de não ter sido nem alegado nem demonstrado que implicaria que o artigo 39.o do Regulamento 2022/2065 pode estar relacionado com os motivos subjacentes à decisão controvertida ou com os fundamentos desta decisão.

89      No entanto, não se afigura que o Tribunal de Justiça tenha já determinado se esse vínculo pode ser qualificado de «nexo jurídico direto» na aceção da jurisprudência referida no n.o 82 do presente despacho.

90      Além disso, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para garantir uma tutela jurisdicional efetiva, o artigo 277.o TFUE deve ser interpretado para evitar uma cisão artificial dos diferentes aspetos de um mesmo regime jurídico (v., neste sentido, Acórdão de 8 de setembro de 2020, Comissão e Conselho/Carreras Sequeros e o., C‑119/19 P e C‑126/19 P, EU:C:2020:676, n.o 76).

91      Neste contexto, a apreciação, para efeitos da aplicação do artigo 277.o TFUE, da natureza do nexo jurídico entre o artigo 39.o do Regulamento 2022/2065 e a decisão controvertida constitui uma questão jurídica complexa, cuja solução não é imediatamente evidente e que, por conseguinte, merece um exame aprofundado.

92      Em segundo lugar, se a admissibilidade do terceiro fundamento for aceite, a apreciação deste fundamento obriga o juiz que conhece do mérito a determinar se o artigo 39.o do Regulamento 2022/2065 respeita o princípio da igualdade de tratamento, bem como os artigos 7.o, 16.o e 17.o da Carta.

93      Para apreciar os argumentos invocados pela Amazon no que respeita ao requisito relativo ao fumus boni juris, é necessário começar por examinar este fundamento uma vez que diz respeito a uma alegada violação dos artigos 7.o e 16.o da Carta.

94      O artigo 7.o da Carta estabelece que todas as pessoas têm direito ao respeito pela sua vida privada e familiar, pelo seu domicílio e pelas suas comunicações.

95      O artigo 16.o da Carta estabelece que é reconhecida a liberdade de empresa, de acordo com o direito da União e as legislações e práticas nacionais.

96      Decorre do artigo 39.o, n.os 1 e 2, do Regulamento 2022/2065 que a aplicação destas disposições à Amazon exige que esta disponibilize ao público um repositório contendo várias informações relativas a anúncios publicitários apresentados em plataformas em linha de muito grande dimensão. Estas informações incluem, nomeadamente, o conteúdo do anúncio publicitário, a pessoa em cujo nome o anúncio publicitário foi exibido, o período durante o qual o anúncio publicitário foi exibido, os principais parâmetros utilizados para visar determinados destinatários, as comunicações comerciais publicadas nas plataformas em linha de muito grande dimensão e o número total de destinatários do serviço alcançados.

97      Uma vez que, no seu conjunto, estas informações fornecem indicações detalhadas sobre todas as atividades da Amazon no domínio da publicidade em linha, incluindo sobre as suas relações com os seus clientes ou os pormenores precisos das campanhas de comunicação comercial realizadas, não se pode excluir a priori que as obrigações impostas pelo artigo 39.o do Regulamento 2022/2065 possam ser consideradas, como sustenta a Amazon, limitativas dos direitos que lhe são conferidos pelos artigos 7.o e 16.o da Carta, sem que seja necessário, para chegar a esta conclusão preliminar, que a Amazon apresente argumentos adicionais destinados a demonstrar o carácter confidencial das referidas informações.

98      É verdade que já assim não acontece se se considerar, como argumenta a Comissão, que as informações que o artigo 39.o do Regulamento 2022/2065 obriga a Amazon a divulgar já estão, na realidade, disponíveis ao público, independentemente da aplicação deste artigo.

99      A este respeito, parece efetivamente que algumas dessas informações devem ser divulgadas por força de outras disposições do direito da União.

100    Em particular, desde logo, a divulgação da identidade da pessoa em cujo nome o anúncio publicitário é apresentado parece ser exigida por força do artigo 6.o, alínea b), da Diretiva 2000/31 e do artigo 26.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento 2022/2065. Seguidamente, a Comissão parece, a priori, ter razão ao afirmar que os principais parâmetros utilizados para visar determinados destinatários devem ser divulgados nos termos do artigo 15.o, n.o 1, alíneas b) e h), do Regulamento 2016/679, do artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento 2019/1150 e do artigo 26.o, n.o 1, alínea d), do Regulamento 2022/2065. Por último, não se pode excluir que a publicação de uma comunicação comercial numa plataforma em linha de grande dimensão sem informar o consumidor interessado possa ser qualificada de prática comercial desleal, nos termos do artigo 5.o, n.o 5, e do anexo I, ponto 11, da Diretiva 2005/29.

101    No entanto, não resulta dos argumentos da Comissão nem, de um modo mais geral, dos autos submetidos à apreciação do vice‑presidente do Tribunal de Justiça que todas as informações referidas no artigo 39.o, n.o 2, do Regulamento 2022/2065, nomeadamente o período durante o qual o anúncio publicitário é exibido ou o número total de destinatários do serviço alcançado, devam ser divulgadas independentemente da aplicação deste artigo 39.o Além disso, refira‑se que a Comissão sustenta apenas que a maior parte dessas informações está abrangida por essas obrigações de divulgação, e, por conseguinte, não afirma que é esse o caso de todas as referidas informações.

102    Acresce que o caráter equivalente, para efeitos da aplicação dos artigos 7.o e 16.o da Carta, de uma divulgação de informações apenas ao utilizador interessado ou ao público em geral é uma questão nova e de alguma complexidade.

103    Além disso, embora sustente que informações semelhantes às referidas no artigo 39.o, n.o 2, do Regulamento 2022/2065 podem ser obtidas, no que diz respeito à Amazon, a partir de ofertas comerciais, a Comissão não apresenta provas para apoiar esta afirmação.

104    Quanto à alegação de que essas informações poderiam ser recolhidas com base em métricas publicitárias e análises de dados oferecidas no mercado, ela não é suficiente, na falta de mais pormenores sobre as informações em causa, para demonstrar que a Amazon não está obrigada, nos termos do artigo 39.o do referido regulamento, a disponibilizar ao público informações que são atualmente confidenciais.

105    Por outro lado, o argumento da Comissão segundo o qual a Amazon estava obrigada a demonstrar que a divulgação das informações em causa é suscetível de lhe causar um prejuízo grave e que os interesses suscetíveis de ser lesados por essa divulgação são objetivamente dignos de proteção constitui uma interpretação das disposições pertinentes da Carta que não resulta, à primeira vista, nem do teor dessas disposições nem da jurisprudência do Tribunal de Justiça. A bondade deste argumento deve, por conseguinte, ser apreciada pelo juiz do mérito.

106    Nestas circunstâncias, o juiz das medidas provisórias não pode considerar que foi demonstrado de forma suficiente que as informações que o artigo 39.o do Regulamento 2022/2065 obriga a Amazon a divulgar são desprovidas de caráter confidencial, e, por conseguinte, que a aplicação do artigo 39.o à Amazon não conduziria a uma limitação dos direitos que lhe são conferidos pelos artigos 7.o e 16.o da Carta.

107    Tal limitação desses direitos só seria, porém, suscetível de demonstrar a ilegalidade do artigo 39.o do Regulamento 2022/2065 se não respeitasse os requisitos enunciados no artigo 52.o, n.o 1, da Carta.

108    Esta disposição estabelece que podem ser introduzidas limitações ao exercício de direitos, como os consagrados nos artigos 7.o e 16.o da Carta, desde que tais limitações estejam previstas na lei, respeitem o conteúdo essencial desses direitos e liberdades e, na observância do princípio da proporcionalidade, sejam necessárias e correspondam efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros.

109    Ora, a apreciação que deve ser levada a cabo para determinar se estes requisitos estão preenchidos no caso em apreço implica a tomada em consideração de vários fatores, como a medida em que a publicação de todas as informações referidas no artigo 39.o, n.o 2, do Regulamento 2022/2065 contribui para a realização dos objetivos prosseguidos pelo legislador da União, o nível de gravidade da limitação dos direitos previstos nos artigos 7.o e 16.o da Carta ou ainda a eventual existência de soluções alternativas menos lesivas desses direitos.

110    Por conseguinte, mesmo que se reconheça ao legislador da União uma ampla margem de apreciação a este respeito, a questão de saber se excedeu os limites dessa margem de apreciação ao adotar o artigo 39.o do Regulamento 2022/2065 constitui, na falta de precedentes claros, uma importante controvérsia jurídica cuja resolução não é evidente.

111    Tendo em conta as considerações precedentes, não se pode afirmar, na sequência do exame sumário que incumbe ao juiz das medidas provisórias e sem apreciar o mérito do terceiro fundamento invocado pela Amazon, que é da competência exclusiva do juiz do mérito, que este fundamento deve ser considerado, à primeira vista, desprovido de seriedade.

112    Daqui resulta que o requisito relativo ao fumus boni juris está preenchido no que respeita aos argumentos relativos à exceção de ilegalidade do artigo 39.o do Regulamento 2022/2065.

 Quanto à urgência

 Argumentação

113    A fim de estabelecer que o requisito relativo à urgência está preenchido, a Amazon alega que a disponibilização ao público do repositório exigido pelo artigo 39.o do Regulamento 2022/2065 lhe causaria um prejuízo grave e irreparável.

114    Desde logo, a disponibilização ao público desse repositório obrigaria a Amazon a divulgar informações confidenciais sobre a Amazon e os seus anunciantes. Em particular, o referido repositório revelaria os parâmetros de direcionamento que a Amazon pode fornecer e o número de clientes que esses parâmetros podem alcançar. Uma vez divulgada esta informação, os concorrentes da Amazon ficariam a conhecer as estratégias e as tecnologias mais eficazes. Além disso, a divulgação das referidas informações prejudicaria os parceiros publicitários da Amazon ao revelar as suas estratégias. As atividades publicitárias da Amazon seriam séria e irreparavelmente afetadas.

115    Seguidamente, a disponibilização ao público do repositório exigido pelo artigo 39.o do Regulamento (CE) 2022/2065 reduziria irreversivelmente a quota de mercado da Amazon, tanto nas suas atividades gerais de venda a retalho como de publicidade. Com efeito, a disponibilização desse repositório afastaria os vendedores terceiros da Amazon Store e torná‑los‑ia mais relutantes em fazer publicidade na Amazon Store. Além disso, os concorrentes dos operadores que anunciam na Amazon Store poderiam copiar e reproduzir as estratégias de publicidade mais eficazes. A longo prazo, a disponibilização ao público do referido repositório poderia afetar a experiência do consumidor, reduzindo a publicidade e afastando os vendedores da plataforma da Amazon Store.

116    Por último, o prejuízo sofrido pela Amazon não seria apenas de ordem financeira e não poderia ser quantificado apenas nestes termos. A deterioração da sua posição concorrencial poderia, assim, conduzir ao aparecimento de um ciclo de retroação negativa. Além disso, seria provavelmente impossível calcular com precisão o impacto específico da disponibilização ao público do repositório exigido pelo artigo 39.o do Regulamento 2022/2065, especialmente uma vez que essa disponibilização ao público implicaria a divulgação de informações confidenciais.

117    A Comissão considera que a Amazon não demonstrou que o requisito relativo à urgência está preenchido no caso vertente.

118    A Amazon limitou‑se a enunciar, normalmente no tempo condicional, alegações não fundamentadas e sem relação entre elas. Além disso, a Amazon não tinha fornecido informações que demonstrassem que o prejuízo por ela invocado era previsível com um grau de probabilidade suficiente. Por outro lado, o facto de a Amazon ter dificuldade em provar o mérito de um pedido de indemnização em razão do seu prejuízo não é de molde a estabelecer que esse prejuízo não é quantificável.

119    Por outro lado, a Amazon não demonstrou que o requisito relativo ao fumus boni juris está preenchido no que diz respeito à natureza confidencial das informações que seria obrigada a incluir no repositório exigido pelo artigo 39.o do Regulamento 2022/2065. Ora, só quando este requisito está preenchido é que o juiz das medidas provisórias deve presumir, para efeitos da apreciação do requisito relativo à urgência, que determinadas informações têm caráter confidencial. De qualquer modo, essas informações não são confidenciais.

 Apreciação

120    Decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o objetivo do processo de medidas provisórias é garantir a plena eficácia da futura decisão final, a fim de evitar uma lacuna na proteção jurídica concedida pelo Tribunal de Justiça. É para alcançar este objetivo que a urgência deve ser apreciada em função da necessidade de proferir uma decisão provisória, a fim de evitar um prejuízo grave e irreparável para a parte que pede a proteção provisória. Cabe a essa parte provar que não pode aguardar o resultado do processo quanto ao fundo sem sofrer um prejuízo dessa natureza. Embora, para demonstrar a existência de tal prejuízo, não seja necessário exigir que a sua ocorrência e a sua iminência sejam demonstradas com certeza absoluta e baste que o referido prejuízo seja previsível com um grau de probabilidade suficiente, a parte que requer uma medida provisória continua obrigada a provar os factos em que alegadamente se baseia a perspetiva desse prejuízo [Despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 16 de julho de 2021, Symrise/ECHA, C‑282/21 P(R), EU:C:2021:631, n.o 40].

121    No que respeita, em primeiro lugar, à alegação da Amazon de que a disponibilização ao público do repositório exigido pelo artigo 39.o do Regulamento 2022/2065 conduzirá a uma perda da sua quota de mercado e, por conseguinte, lhe causará um prejuízo grave e irreparável, cabe recordar que, quando a parte que pede a medida provisória se baseia na perda da sua quota de mercado, deve demonstrar que obstáculos de natureza estrutural ou jurídica a impedirão de recuperar uma parte apreciável dessa quota de mercado no caso de o seu recurso no processo principal acabar por ser julgado procedente [v., neste sentido, Despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 2 de fevereiro de 2024, Mylan Ireland/Comissão, C‑604/23 P(R), EU:C:2024:117, n.o 84 e jurisprudência referida]‑

122    Ora, apesar de a Amazon sustentar, efetivamente, que a perda de quota de mercado resultante da disponibilização desse repositório será irreversível, não menciona, no seu pedido de medidas provisórias, nenhuns obstáculos específicos que a impeçam de recuperar essa quota de mercado no caso de, posteriormente, deixar de ser obrigada a manter o referido repositório em linha, na sequência da anulação da decisão controvertida.

123    É certo que, a este respeito, a Amazon refere igualmente certos números de um relatório de peritagem, anexo ao seu pedido de medidas provisórias, do qual resulta que a Amazon poderia ter dificuldade em obter o regresso à sua plataforma dos vendedores que a abandonaram, uma vez que estes últimos poderiam ter‑se habituado a utilizar outra plataforma e desejar manter as ligações que tinham adquirido com os seus clientes nesta última plataforma.

124    No entanto, por um lado, esse relatório de peritagem limita‑se a mencionar hipóteses, sem avaliar a probabilidade da sua realização. Por outro lado, o referido relatório não inclui nenhuma prova ou referência suscetíveis de estabelecer que a concretização das referidas hipóteses é efetivamente provável.

125    Por conseguinte, não se pode considerar que a Amazon tenha demonstrado a existência de obstáculos de natureza estrutural ou jurídica que a impeçam, em caso de anulação da decisão controvertida, de recuperar uma parte apreciável da quota de mercado eventualmente perdida devido à disponibilização ao público do repositório exigido pelo artigo 39.o do Regulamento 2022/2065. Daqui resulta que, de qualquer modo, a Amazon não demonstrou que a perda de mercado que resultaria da disponibilização ao público do repositório lhe causaria um prejuízo irreparável.

126    No que respeita, em segundo lugar, aos argumentos relativos à divulgação de informações confidenciais, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, só quando, por um lado, o requerente das medidas provisórias alega que as informações cuja publicação pretende impedir a título provisório constituem segredos comerciais e, por outro, esta alegação preenche o requisito do fumus boni júris é que o juiz das medidas provisórias está, em princípio, obrigado, no âmbito da sua análise do requisito relativo à urgência, a partir da premissa de que essas informações são, respetivamente, segredos de negócios [v., neste sentido, Despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 12 de junho de 2018, Nexans France e Nexans/Comissão, C‑65/18 P(R), EU:C:2018:426, n.o 21].

127    Uma vez que decorre dos n.os 96 a 105 do presente despacho que a alegação da Amazon de que, pelo menos, uma parte das informações referidas no artigo 39.o, n.o 2, do Regulamento 2022/2065 é confidencial preenche o requisito relativo ao fumus boni juris, deve presumir‑se, para efeitos da apreciação do requisito relativo à urgência, que a aplicação desta disposição conduzirá à divulgação de informações confidenciais.

128    O argumento da Comissão de que as informações em causa não são confidenciais não pode, consequentemente, levar a declarar que este último requisito não está preenchido.

129    Neste contexto, embora a Amazon sustente que o prejuízo resultante da disponibilização ao público do repositório exigido pelo artigo 39.o do Regulamento 2022/2065 não pode ser quantificado apenas em termos financeiros, não demonstrou de que forma a disponibilização desse repositório lhe causaria um prejuízo moral.

130    Em contrapartida, a Amazon invoca claramente um prejuízo financeiro devido à disponibilização do referido repositório, quer devido à relutância de vendedores terceiros em publicarem anúncios na Amazon Store, o que poderia, em última análise, levar alguns desses vendedores a abandonar a plataforma, quer devido à aquisição, pelos concorrentes da Amazon, de conhecimentos sobre estratégias que poderiam ser implementadas para melhorar a sua posição concorrencial.

131    Tendo em conta a diversidade das informações comerciais precisas que devem figurar no repositório exigido pelo artigo 39.o do Regulamento 2022/2065, o interesse dos anunciantes em poderem aplicar práticas publicitárias não suscetíveis de ser facilmente reproduzidas pelos seus concorrentes e a vantagem que os concorrentes da Amazon poderiam retirar do pleno acesso a essas informações comerciais, deve considerar‑se que o prejuízo resultante da disponibilização ao público desse repositório apresenta o caráter de gravidade a que está subordinada a concessão de medidas provisórias [v., por analogia, Despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 10 de setembro de 2013, Comissão/Pilkington Group, C‑278/13 P(R), EU:C:2013:558, n.o 47].

132    No que respeita ao caráter irreparável desse dano, importa recordar que é verdade que um prejuízo de ordem financeira não pode, salvo circunstâncias excecionais, ser considerado irreparável, sendo uma compensação pecuniária, regra geral, suscetível de colocar a pessoa lesada na situação anterior à ocorrência do prejuízo. Todavia, a situação é diferente, podendo tal prejuízo ser considerado irreparável, se não puder ser quantificado [Despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 2 de março de 2016, Evonik Degussa/Comissão, C‑162/15 P(R), EU:C:2016:142, n.o 92 e jurisprudência referida].

133    Contudo, a incerteza ligada à reparação de um prejuízo pecuniário no quadro de uma eventual ação de indemnização não pode ser considerada, em si mesma, uma circunstância suscetível de provar o caráter irreparável desse prejuízo, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça. Com efeito, na fase do processo de medidas provisórias, a possibilidade de obter posteriormente a reparação de um prejuízo pecuniário no quadro de uma eventual ação de indemnização, que pode ser intentada no seguimento da anulação do ato impugnado, é necessariamente incerta. Ora, o processo de medidas provisórias não tem por objetivo substituir a ação de indemnização para eliminar essa incerteza, tendo apenas por finalidade garantir a plena eficácia da futura decisão definitiva que será proferida no processo quanto ao mérito no qual o processo de medidas provisórias se encaixa, a saber, no presente caso, um recurso de anulação [v., neste sentido, Despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 2 de março de 2016, Evonik Degussa/Comissão, C‑162/15 P(R), EU:C:2016:142, n.o 93 e jurisprudência referida].

134    Em contrapartida, não é o que se passa quando resulta claramente, desde a apreciação realizada pelo juiz das medidas provisórias, que o prejuízo invocado, tendo em conta a sua natureza e a previsibilidade da sua ocorrência, não será suscetível de ser identificado e quantificado de forma adequada se se produzir e que, consequentemente, uma ação de indemnização não pode, na prática, repará‑lo. Tal pode ocorrer, nomeadamente, no caso da publicação de informações comerciais específicas e alegadamente confidenciais [v., neste sentido, Despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 2 de março de 2016, Evonik Degussa/Comissão, C‑162/15 P(R), EU:C:2016:142, n.o 94 e jurisprudência referida].

135    A este respeito, não se pode deixar de concluir que o prejuízo que a Amazon pode sofrer devido à publicação dos seus alegados segredos comerciais é diferente, no que respeita tanto à sua natureza como à sua extensão, consoante as pessoas que deles tomem conhecimento sejam seus clientes, seus concorrentes, ou ainda analistas financeiros ou membros do grande público. Com efeito, seria impossível identificar o número e a qualidade de todas as pessoas que teriam efetivamente conhecimento das informações publicadas e apreciar assim o impacto concreto que a sua publicação poderia ter sobre os interesses comerciais e económicos da Amazon [v., neste sentido, Despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 2 de março de 2016, Evonik Degussa/Comissão, C‑162/15 P(R), EU:C:2016:142, n.o 95 e jurisprudência referida].

136    Ora, esta incerteza, que também está presente no caso em apreço, é suscetível de demonstrar o caráter irreparável do prejuízo financeiro invocado [v., neste sentido, Despachos do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 2 de março de 2016, Evonik Degussa/Comissão, C‑162/15 P(R), EU:C:2016:142, n.o 96, e de 1 de março de 2017, EMA/MSD Animal Health Innovation e Intervet international, C‑512/16 P(R), EU:C:2017:149, n.os 113 a 118].

137    Por conseguinte, há que considerar que a Amazon demonstrou que o alegado dano tem as características exigidas. Por conseguinte, o requisito relativo à urgência está preenchido.

 Quanto à ponderação de interesses

 Argumentação

138    A Amazon alega que os seus interesses em obter a suspensão da execução da decisão controvertida prevalecem sobre os outros interesses na execução imediata dessa decisão, por três razões.

139    Desde logo, recusar a concessão de medidas provisórias prejudicaria a eficácia de uma futura decisão de anulação da decisão controvertida, uma vez que a Amazon corre o risco de sofrer um prejuízo irreparável mesmo antes de essa decisão de anulação poder ser proferida. As informações divulgadas aquando da disponibilização ao público do repositório exigido pelo artigo 39.o do Regulamento 2022/2065 teriam assim perdido, de forma definitiva, o seu caráter confidencial. Do mesmo modo, essa decisão de anulação não permitiria o regresso à Amazon Store dos vendedores terceiros que já tivessem abandonado essa plataforma.

140    Seguidamente, a única consequência da suspensão da execução da decisão controvertida seria a manutenção do statu quo existente até à adoção da decisão de mérito.

141    Por último, as outras medidas previstas no Regulamento 2022/2065, que serão aplicáveis mesmo em caso de suspensão da execução da decisão controvertida, são suficientes para alcançar os objetivos prosseguidos pelo legislador da União. Por conseguinte, não se pode considerar que o artigo 39.o do referido regulamento constitui uma norma fundamental deste regulamento, uma vez que as obrigações que enuncia não são aplicáveis à grande maioria dos serviços de intermediação.

142    A Comissão é de opinião que as razões apresentadas pela Amazon, consideradas individualmente ou no seu conjunto, não são suficientes para se entender que a ponderação de interesses é favorável à concessão das medidas provisórias solicitadas. Primeiro, a ocorrência de um prejuízo irreparável não é um argumento decisivo, mas uma premissa da ponderação de interesses pelo juiz das medidas provisórias. Segundo, a suspensão da execução da decisão controvertida não preserva o statu quo. Pelo contrário, a concessão dessa suspensão levaria a aplicar à Amazon, durante vários anos, um regime diferente do imposto às outras plataformas em linha de muito grande dimensão. Terceiro, o legislador da União previu um regime específico para este tipo de plataformas precisamente porque as obrigações gerais estabelecidas no Regulamento 2022/2065 não são suficientes para afastar os riscos sistémicos para a sociedade colocados por estas plataformas, como ilustra uma série de exemplos recentes. Ora, é urgente garantir a aplicação deste regime específico para fazer face a estes riscos, como mostra, nomeadamente, o artigo 93.o, n.o 2, desse regulamento.

 Apreciação

143    Afigura‑se que, na maioria dos processos de medidas provisórias, tanto a concessão como a recusa em conceder a suspensão de execução pedida são suscetíveis de produzir, numa certa medida, determinados efeitos definitivos e cabe ao juiz das medidas provisórias, ao qual tenha sido submetido um pedido de suspensão, ponderar os riscos ligados a cada uma das soluções possíveis. Concretamente, isto implica nomeadamente examinar se o interesse da parte que solicita as medidas provisórias em obter a suspensão da execução do ato impugnado prevalece sobre o interesse que apresenta a aplicação imediata deste. Ao proceder a esse exame, há que determinar se a eventual anulação desse ato pelo juiz que conhece do mérito da causa permite a inversão da situação que seria provocada pela sua execução imediata e, inversamente, em que medida a suspensão seria suscetível de obstar aos objetivos prosseguidos pelo ato impugnado, no caso de a ação principal vir a ser julgada improcedente [Despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 24 de maio de 2022, Puigdemont i Casamajó e o./Parlamento e Espanha, C‑629/21 P(R), EU:C:2022:413, n.o 248 e jurisprudência referida).

144    No que diz respeito, em primeiro lugar, ao interesse em conceder as medidas provisórias solicitadas, é importante sublinhar que qualquer decisão que anule a decisão controvertida não seria privada dos seus efeitos se o pedido de medidas provisórias fosse indeferido e se, em consequência, a Amazon fosse obrigada a disponibilizar imediatamente ao público o repositório exigido pelo artigo 39.o do Regulamento 2022/2065.

145    É verdade que as informações publicadas neste repositório na pendência de uma decisão de anulação da decisão controvertida seriam, na prática, definitivamente privadas do seu caráter confidencial, uma vez que deixariam de poder ser subtraídas ao conhecimento de terceiros.

146    No entanto, decorre do artigo 39.o, n.o 1, daquele regulamento que o referido repositório tem de ser atualizado em permanência, visto que deve conter as informações referidas no artigo 39.o, n.o 2, do mesmo regulamento durante todo o período em que o fornecedor da plataforma em linha de muito grande dimensão em causa exiba um anúncio publicitário e até um ano após o anúncio publicitário ter sido apresentado pela última vez nas suas interfaces em linha.

147    Daqui resulta que, se a decisão controvertida for anulada, a Amazon deixará de ser obrigada a manter o repositório exigido pelo artigo 39.o Consequentemente, deixará de ser obrigada a conservar em linha informações relativas aos anúncios exibidos na Amazon Store ou a divulgar informações relativas à evolução das suas campanhas publicitárias ou a novas campanhas publicitárias. Essa anulação seria, por conseguinte, suscetível de assegurar aos anunciantes o regresso a um ambiente comercial mais atrativo e de permitir à Amazon desenvolver novas estratégias na condução da sua atividade publicitária sem que os seus concorrentes possam ter conhecimento delas através do repositório.

148    A anulação da decisão controvertida continuaria, portanto, a ser do interesse da Amazon e a ter uma eficácia real, mesmo em caso de não concessão de medidas provisórias. Esta situação distingue o presente processo daqueles em que o Tribunal de Justiça se baseou de forma decisiva, na sua apreciação da ponderação dos interesses em causa, na circunstância de a divulgação das informações contidas numa decisão ou num relatório privar definitivamente de qualquer efeito uma eventual anulação da decisão que ordena a divulgação dessas informações [v., neste sentido, Despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 2 de março de 2016, Evonik Degussa/Comissão, C‑162/15 P(R), EU:C:2016:142, n.o 105, e Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 1 de março de 2017, EMA/PTC Therapeutics International, C‑513/16 P(R), EU:C:2017:148, n.o 136].

149    Todavia, tal como argumenta a Amazon e decorre dos n.os 126 a 137 do presente despacho, em caso de não concessão de medidas provisórias, é provável que aquela sofra um prejuízo grave e irreparável antes de ser proferida uma decisão de anulação da decisão controvertida.

150    Esta circunstância não pode, contudo, por si só, ser considerada determinante, uma vez que o próprio objeto da ponderação dos interesses em causa consiste em apreciar se, apesar do prejuízo para os interesses do recorrente constituído pelo risco de sofrer um prejuízo grave e irreparável, a ponderação dos interesses ligados à execução imediata da decisão controvertida é suscetível de justificar a recusa das medidas provisórias requeridas [v., neste sentido, Despacho de 12 de julho de 1996, Reino Unido/Comissão, C‑180/96 R, EU:C:1996:308, n.os 90 a 92; Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 11 de abril de 2001, Comissão/Cambridge Healthcare Supplies, C‑471/00 P(R), EU:C:2001:218, n.o 120; e Despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 8 de abril de 2014, Comissão/AnKO, C‑78/14 P(R), EU:C:2014:239, n.o 40].

151    Para efeitos dessa apreciação, importa salientar que, embora resulte do exame do requisito relativo à urgência que, em caso de não concessão de medidas provisórias, a Amazon pode efetivamente sofrer um prejuízo grave e irreparável de ordem financeira, não decorre dos elementos de prova apresentados pela Amazon que a aplicação do artigo 39.o do Regulamento 2022/2065 à Amazon Store, na pendência da decisão do juiz de mérito, tenha como consequência pôr em perigo a existência ou o desenvolvimento a longo prazo da Amazon.

152    Desde logo, não é nem alegado nem a fortiori demonstrado que a Amazon seria exposta a um risco de cessação das suas atividades em caso de não concessão de medidas provisórias.

153    Seguidamente, decorre dos n.os 121 a 125 do presente despacho que a Amazon não demonstrou a existência de um risco significativo e duradouro de perda de quota de mercado no caso de o artigo 39.o do Regulamento 2022/2065 se aplicar à Amazon Store durante o período compreendido entre a data de apreciação do seu pedido de medidas provisórias e a data da decisão de mérito.

154    Por último, resulta claramente do pedido de medidas provisórias que as receitas da Amazon provenientes das suas atividades publicitárias representam apenas 7 % das suas receitas globais. Por conseguinte, a limitação da possibilidade de desenvolver estratégias de publicidade que poderia resultar da aplicação do artigo 39.o do Regulamento 2022/2065 teria um efeito direto apenas numa parte limitada da atividade da Amazon, não tendo sido estabelecido que os efeitos indiretos dessa limitação nas outras atividades da Amazon seriam significativos.

155    Em segundo lugar, no que diz respeito ao interesse na aplicação imediata da decisão controvertida, importa salientar que o Regulamento 2022/2065 constitui um elemento central da política desenvolvida pelo legislador da União no setor digital. No âmbito desta política, o referido regulamento prossegue objetivos de grande importância, uma vez que, como resulta do seu considerando 155, visa contribuir para o bom funcionamento do mercado interno e assegurar um ambiente em linha seguro, previsível e fiável, no qual os direitos fundamentais consagrados na Carta sejam devidamente protegidos.

156    É certo que a Comissão não alegou nem a fortiori demonstrou que a concessão de medidas provisórias que têm por efeito excluir a aplicação à Amazon Store do artigo 39.o do Regulamento 2022/2065 até que seja tomada uma decisão sobre o recurso pode impedir definitivamente a realização desses objetivos.

157    No entanto, importa salientar que a não aplicação de certas obrigações previstas nesse regulamento conduzirá a adiar, potencialmente por vários anos, a realização plena desses objetivos. Esta não aplicação gerará, portanto, o risco de permitir potencialmente a persistência ou o desenvolvimento de um ambiente em linha que ameace os direitos fundamentais consagrados na Carta.

158    Esta conclusão não pode ser contestada pelo argumento da Amazon de que esse risco seria evitado em razão da aplicação à Amazon Store das obrigações impostas pelo regulamento a todos os serviços de intermediação.

159    Com efeito, resulta dos considerandos 75 e 76 do Regulamento 2022/2065 que o legislador da União considerou, com base numa apreciação que não cabe ao juiz das medidas provisórias pôr em causa, que as plataformas em linha de muito grande dimensão desempenham um papel importante no ambiente digital e podem dar origem a riscos para a sociedade, que diferem, em termos de âmbito e de impacto, dos causados por plataformas de menor dimensão.

160    Em particular, o considerando 95 deste regulamento refere que o legislador da União considerou que os sistemas de publicidade utilizados por plataformas em linha de muito grande dimensão implicam riscos específicos e exigem uma maior supervisão pública e regulamentar.

161    Por conseguinte, não se pode considerar, sem ultrapassar o papel do juiz das medidas provisórias mediante a rejeição de apreciações do legislador da União que não foi demonstrado estarem erradas, que a aplicação à Amazon Store apenas das obrigações impostas pelo Regulamento 2022/2065 a todos os serviços de intermediação poderia substituir de forma satisfatória a aplicação a esta plataforma das obrigações decorrentes do artigo 39.o deste regulamento.

162    Ora, o legislador da União atribuiu especial importância à aplicação mais rápida possível do referido regulamento às plataformas em linha de muito grande dimensão. Assim, resulta dos artigos 92.o e 93.o, n.o 2, do regulamento que, embora este apenas seja aplicável a partir de 17 de fevereiro de 2024, pode ser aplicado antecipadamente a plataformas em linha de muito grande dimensão.

163    Cabe ainda sublinhar que, contrariamente ao que a Amazon sustenta, a concessão das medidas provisórias solicitadas não conduziria simplesmente à manutenção do statu quo. Com efeito, a suspensão da execução da decisão controvertida não teria consequências nem sobre a aplicação das obrigações gerais previstas pelo Regulamento 2022/2065 a todos os serviços de intermediação nem sobre a aplicação das obrigações específicas das plataformas em linha de muito grande dimensão a outras plataformas, diferentes da Amazon, que foram designadas como tal pela Comissão nos termos do artigo 33.o, n.o 4, deste regulamento. Daqui decorre que essa suspensão da execução seria suscetível de alterar a situação concorrencial no setor digital de uma forma não prevista pelo legislador da União, sujeitando a Amazon a um regime diferente do regime aplicável a outros intervenientes nesse setor que, à luz dos critérios definidos por esse legislador, apresentam características comparáveis às daquela sociedade.

164    Tendo em conta todos estes elementos, há que considerar que os interesses defendidos pelo legislador da União prevalecem, no caso em apreço, sobre os interesses materiais da Amazon, pelo que a ponderação de interesses é favorável ao indeferimento do pedido de medidas provisórias.

165    Por conseguinte, o pedido de medidas provisórias é indeferido uma vez que visa suspender a execução da decisão controvertida, na parte em que esta obriga a Amazon a manter e a disponibilizar ao público o repositório exigido pelo artigo 39.o do Regulamento 2022/2065.

 Quanto ao pedido apresentado a título subsidiário pela Amazon

 Argumentação

166    A Amazon pede ao Tribunal de Justiça que, em caso de provimento do recurso, lhe conceda um prazo de 28 dias a contar da data do acórdão que porá termo ao presente recurso, para cumprir a obrigação de manter e disponibilizar ao público o repositório exigido pelo artigo 39.o do Regulamento 2022/2065. Sustenta que esse prazo é tecnicamente necessário para dar cumprimento a essa obrigação.

 Apreciação

167    Desde logo, não se pode considerar que o pedido apresentado pela Amazon a título subsidiário seja suscetível de ser apresentado ao abrigo do artigo 174.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, uma vez que esta disposição prevê que os pedidos formulados na resposta devem ter por objeto que seja dado ou negado provimento, total ou parcial, ao recurso.

168    Seguidamente, uma vez que decorre do artigo 170.o, n.o 1, desse Regulamento de Processo que o recorrente no recurso para o Tribunal de Justiça não pode completar o seu pedido formulado em primeira instância, essa prerrogativa também não pode ser conferida ao recorrido, na falta de uma disposição específica para esse efeito.

169    Ora, no seu pedido em primeira instância, a Amazon não pediu ao Tribunal Geral um prazo para o caso de o seu pedido de medidas provisórias ser indeferido.

170    Por conseguinte, mesmo que se entenda que o pedido apresentado pela Amazon a título subsidiário se destina a completar o pedido formulado em primeira instância, deve ser julgado improcedente por constituir um pedido novo [v., por analogia, Despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 20 de março de 2023, Xpand Consortium e o./Comissão, C‑739/22 P(R), EU:C:2023:228, n.o 20].

171    Por último, também não se pode considerar que este pedido constitui um pedido de medidas provisórias apresentado ao abrigo do artigo 160.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, uma vez que o artigo 160.o, n.o 4, deste regulamento subordina a admissibilidade desse pedido à apresentação de um requerimento separado [v., por analogia, Despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 20 de março de 2023, Xpand Consortium e o./Comissão, C‑739/22 P(R), EU:C:2023:228, n.o 21].

172    Por conseguinte, o pedido apresentado pela Amazon a título subsidiário deve ser julgado inadmissível.

 Quanto às despesas

173    Em conformidade com o artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.

174    No que respeita às despesas do processo de recurso para o Tribunal de Justiça, importa recordar, por um lado, que, nos termos do artigo 138.o, n.o 1, deste Regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do seu artigo 184.o, n.o 1, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Uma vez que a Comissão requereu a condenação da Amazon nas despesas do presente recurso e que a Amazon foi vencida, a Amazon deve ser condenada a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão relativamente a este processo.

175    Por outro lado, nos termos do artigo 140.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do seu artigo 184.o, n.o 1, os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas. Consequentemente, o Parlamento e o Conselho suportarão as suas próprias despesas relativas ao presente recurso.

176    No que diz respeito às despesas do processo de medidas provisórias em primeira instância, cabe reservar para final a decisão sobre as despesas da Comissão e da Amazon, em conformidade com o artigo 137.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do seu artigo 184.o, n.o 1.

Pelos fundamentos expostos, o vice‑presidente do Tribunal de Justiça decide:

1)      É anulado o n.o 1 do dispositivo do Despacho do presidente do Tribunal Geral da União Europeia de 27 de setembro de 2023, Amazon Services Europe/Comissão (T367/23 R, EU:T:2023:589).

2)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

3)      O pedido de medidas provisórias é indeferido na parte em que visa a suspensão da execução da Decisão C(2023) 2746 final da Comissão, de 25 de abril de 2023, que designa a Amazon Store como uma plataforma em linha de muito grande dimensão, em conformidade com o artigo 33.o, n.o 4, do Regulamento (UE) 2022/2065 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de outubro de 2022, relativo a um mercado único para os serviços digitais e que altera a Diretiva 2000/31/CE (Regulamento dos Serviços Digitais), na parte em que essa decisão obriga a Amazon Store a manter e a disponibilizar ao público o repositório exigido pelo artigo 39.o deste regulamento.

4)      É indeferido o pedido da Amazon Services Europe Sàrl destinado a que, em caso de provimento do recurso, lhe seja concedido um prazo de 28 dias para dar cumprimento à obrigação de manter um repositório de anúncios publicitários.

5)      A Amazon Services Europe Sàrl suportará, além das suas próprias despesas relativas ao presente recurso, as despesas efetuadas pela Comissão Europeia relativas a este recurso.

6)      O Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia suportarão as suas próprias despesas relativas ao presente recurso.

7)      Reservase para final a decisão quanto às despesas do processo de medidas provisórias em primeira instância.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.