Language of document : ECLI:EU:C:2020:1019

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

apresentadas em 10 de dezembro de 2020 (1)

Processo C950/19

A

sendo interveniente

Patentti ja rekisterihallituksen tilintarkastuslautakunta

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Helsingin hallinto‑oikeus (Tribunal Administrativo de Helsínquia, Finlândia)]

«Reenvio prejudicial — Revisores oficiais de contas — Diretiva 2006/43/CE — Artigo 22.o‑A — Período de incompatibilidade para o recrutamento de antigos revisores oficiais de contas pela sociedade auditada — Violação da proibição de assunção de posições de gestão fundamentais na entidade auditada — Independência dos revisores oficiais de contas»






1.        A Diretiva 2006/43/CE (2) prevê que os revisores oficiais de contas devem ser independentes relativamente à entidade auditada e não se devem encontrar envolvidos na tomada de decisões dessa entidade.

2.        Uma das prescrições legais estabelecidas para assegurar essa independência foi adotada em 2014, pela Diretiva 2014/56/UE (3), ao inserir na Diretiva 2006/43 uma nova disposição, o artigo 22.o‑A, por força do qual os que têm a qualidade de «sócio principal responsável pelo trabalho de revisão ou auditoria» (4) não podem assumir posições de gestão fundamentais na entidade auditada, durante um determinado período (5).

3.        Desde 2014, essa proibição, que até essa data era aplicável, naturalmente, enquanto o responsável pelo trabalho de revisão legal das contas exercia essas funções relativamente às contas da empresa auditada, estende‑se ao período subsequente (durante um ou dois anos, consoante se trate de entidades de interesse público ou não) (6) à cessação das funções referidas.

4.        Neste processo, um «sócio principal» de uma sociedade de revisores oficiais de contas foi recrutado, antes da cessação das suas funções como sócio principal que realiza uma revisão legal de contas em nome de uma sociedade de revisores oficiais de contas, para ocupar uma importante posição de gestão na sociedade auditada.

5.        Na sequência da punição desta conduta pelo órgão competente (a Comissão de Revisão Legal de Contas) (7), o revisor oficial de contas contestou a coima que lhe tinha sido aplicada no órgão jurisdicional de reenvio. Este submete ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial com vista a obter a interpretação do artigo 22.o‑A, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2006/43.

6.        A resposta do Tribunal de Justiça permitirá determinar se a assunção da posição, pelo responsável pela revisão, na empresa auditada ocorre com a celebração do respetivo contrato de trabalho ou com o início efetivo das suas funções de gestão.

I.      Quadro jurídico

A.      Direito da União: Diretiva 2006/43

7.        O artigo 2.o («Definições») prevê:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

2)      “Revisor oficial de contas”, uma pessoa singular aprovada pelas autoridades competentes de um Estado‑Membro, de acordo com a presente diretiva, para realizar revisões legais das contas;

3)      “Sociedade de revisores oficiais de contas”, uma pessoa coletiva ou qualquer outra entidade, independentemente da sua forma jurídica, aprovada pelas autoridades competentes de um Estado‑Membro, de acordo com a presente diretiva, para realizar revisões legais das contas;

[…]

16)      “Sócio ou sócios principais”:

a)      O revisor ou revisores oficiais de contas designados por uma sociedade de revisores oficiais de contas para um trabalho de revisão ou auditoria particular como primeiros responsáveis pela execução da revisão legal das contas em nome da sociedade de revisores oficiais de contas; ou

b)      No caso da revisão ou auditoria de um grupo, pelo menos o revisor ou revisores oficiais de contas designados por uma sociedade de revisores oficiais de contas como primeiros responsáveis pela execução da revisão legal das contas a nível do grupo e o revisor ou revisores oficiais de contas designados como primeiros responsáveis ao nível das filiais significativas; ou

c)      O revisor ou revisores oficiais de contas que assinam o relatório de auditoria ou certificação legal das contas;

[…]

8.        O artigo 22.o («Independência e objetividade») dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros asseguram que, aquando da realização de uma revisão legal de contas, os revisores oficiais de contas ou as sociedades de revisores oficiais de contas, bem como quaisquer pessoas singulares em posição de influenciar direta ou indiretamente o resultado da revisão legal de contas, sejam independentes relativamente à entidade auditada e não se encontrem envolvidos na tomada de decisões dessa entidade.

A independência é exigida pelo menos durante o período abrangido pelas demonstrações financeiras a auditar e o período durante o qual é realizada a revisão legal de contas.

Os Estados‑Membros asseguram que os revisores oficiais de contas ou as sociedades de revisores oficiais de contas tomam todas as medidas razoáveis para garantir que, quando realizam uma revisão legal de contas, a sua independência não é afetada por conflitos de interesses existentes ou potenciais nem por relações comerciais ou outras relações diretas ou indiretas que envolvam o revisor oficial de contas ou a sociedade de revisores oficiais de contas que realizam essa revisão legal de contas e, se aplicável, a sua rede, os seus gestores, auditores, empregados, qualquer outra pessoa singular cujos serviços estejam à disposição ou sob o controlo do revisor oficial de contas ou da sociedade de revisores oficiais de contas ou qualquer pessoa ligada direta ou indiretamente ao revisor oficial de contas ou à sociedade de revisores oficiais de contas por uma relação de controlo.

Os revisores oficiais de contas ou as sociedades de revisores oficiais de contas não realizam uma revisão legal de contas se houver qualquer ameaça de autoavaliação, interesse próprio, representação, familiaridade ou intimidação criado por relações financeiras, pessoais, comerciais, de trabalho ou outras entre:

–        o revisor oficial de contas ou a sociedade de revisores oficiais de contas, a sua rede e qualquer pessoa singular em posição de influenciar o resultado da revisão legal de contas, e

–        a entidade auditada,

em resultado da qual uma parte terceira objetiva, razoável e informada possa, tendo em conta as medidas de salvaguarda aplicadas, concluir que a independência do revisor oficial de contas ou da sociedade de revisores oficiais de contas está comprometida.

2.      Os Estados‑Membros asseguram que os revisores oficiais de contas ou as sociedade de revisores oficiais de contas, os seus sócios principais, os seus empregados e quaisquer outras pessoas singulares cujos serviços estejam à disposição ou sob o controlo desses revisores oficiais de contas ou sociedades de revisores oficiais de contas e que estejam diretamente envolvidas nas atividades de revisão legal de contas, bem como as pessoas que lhes estejam estreitamente associadas na aceção do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2004/72/CE da Comissão, [de 29 de abril de 2004, relativa às modalidades de aplicação da Diretiva 2003/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho no que diz respeito às práticas de mercado aceites, à definição da informação privilegiada em relação aos instrumentos derivados sobre mercadorias, à elaboração de listas de iniciados, à notificação das operações efetuadas por pessoas com responsabilidades diretivas e à notificação das operações suspeitas (JO 2004, L 162, p. 70)], não detêm nem têm um interesse económico material e direto nem participam na transação de qualquer dos instrumentos financeiros emitidos, garantidos ou de qualquer outra forma apoiados por qualquer entidade auditada que recaia no domínio das suas atividades de revisão legal de contas, com exceção de interesses que indiretamente possuam através de organismos de investimento coletivo diversificado, incluindo fundos sob gestão, nomeadamente fundos de pensões ou seguros de vida.

3.      Os Estados‑Membros devem assegurar que o revisor oficial de contas ou a sociedade de revisores oficiais de contas registe nos documentos de trabalho da revisão ou auditoria todas as ameaças importantes que possam comprometer a sua independência, bem como as medidas de salvaguarda aplicadas para limitar esses riscos.

4.      Os Estados‑Membros asseguram que as pessoas ou sociedades a que se refere o n.o 2 não participam nem influenciam de qualquer modo o resultado da revisão legal de contas de uma determinada entidade auditada caso:

a)      Detenham instrumentos financeiros da entidade auditada, com exceção de interesses que indiretamente detenham através de organismos de investimento coletivo diversificado;

b)      Detenham instrumentos financeiros de qualquer entidade associada a uma entidade auditada, cuja propriedade possa causar ou ser geralmente considerada como causadora de um conflito de interesses, com exceção de interesses que indiretamente detenham através de organismos de investimento coletivo diversificado;

c)      Tenham tido, durante o período a que se refere o n.o 1, uma relação de trabalho, comercial ou de outro tipo com a entidade auditada, que possa causar ou ser geralmente considerada como causadora de um conflito de interesses.

5.      As pessoas ou sociedades a que se refere o n.o 2 não podem solicitar nem aceitar ofertas pecuniárias ou não pecuniárias nem favores da entidade auditada ou de qualquer entidade associada a uma entidade auditada, exceto se uma parte terceira objetiva, razoável e informada pudesse considerar o seu valor insignificante ou inconsequente.

6.      Se, durante o período abrangido pelas demonstrações financeiras, uma entidade auditada for adquirida por outra entidade, fundida com outra entidade, ou adquirir outra entidade, o revisor oficial de contas ou a sociedade de revisores oficiais de contas identificam e avaliam quaisquer interesses ou relações atuais ou recentes, incluindo a prestação de serviços a essa entidade que não sejam de auditoria, com essa entidade que, tendo em conta as salvaguardas disponíveis, possa comprometer a independência do auditor e a sua capacidade de continuar a revisão legal de contas após a data efetiva da fusão ou da aquisição.

Logo que possível, e em todo o caso no prazo de três meses, o revisor oficial de contas ou a sociedade de revisores oficiais de contas tomam todas as medidas necessárias para pôr termo a quaisquer interesses ou relações atuais suscetíveis de comprometer a sua independência e, sempre que possível, adotam medidas de salvaguarda para minimizar qualquer ameaça à sua independência decorrente de interesses e relações prévios e atuais.»

9.        O artigo 22.o‑A («Contratação pelas entidades auditadas de antigos revisores oficiais de contas ou de empregados de revisores oficiais de contas ou de sociedades de revisores oficiais de contas») tem a seguinte redação:

«1.      Os Estados‑Membros asseguram que o revisor oficial de contas ou o sócio principal que realiza uma revisão legal de contas em nome de uma sociedade de revisores oficiais de contas, antes de decorrido um prazo mínimo de um ano ou, no caso de uma revisão legal de contas de entidades de interesse público, um prazo mínimo de dois anos desde a sua cessação das suas funções enquanto revisor oficial de contas ou sócio principal responsável pelo trabalho de revisão ou auditoria:

a)      Não assume posições de gestão fundamentais na entidade auditada;

b)      Se aplicável, não se torna membro do comité de auditoria da entidade auditada ou, caso esse comité não exista, do órgão que desempenhe funções equivalentes a um comité de auditoria;

c)      Não se torna membro não executivo do órgão de administração ou de membro do órgão de fiscalização da entidade auditada.

2.      Os Estados‑Membros asseguraram que os empregados e os sócios, com exceção dos sócios principais, de um revisor oficial de contas ou de uma sociedade de revisores oficiais de contas que realize uma revisão legal de contas, bem como qualquer outra pessoa singular cujos serviços estejam à disposição ou sob o controlo desse revisor oficial de contas ou sociedade de revisores oficiais de contas, não podem, quando forem pessoalmente aprovados como revisores oficiais de contas, assumir qualquer das funções referidas no n.o 1, alíneas a), b) e c), antes de decorrido um período mínimo de um ano após terem estado diretamente envolvidos nos referidos trabalhos de revisão legal de contas.»

10.      O artigo 22.o‑B («Preparação para a revisão legal de contas e avaliação das ameaças à independência») dispõe:

«Os Estados‑Membros asseguram que, antes de aceitar ou continuar um trabalho de revisão legal de contas, o revisor oficial de contas ou uma sociedade de revisores oficiais de contas avalia e documenta o seguinte:

–        se preenche os requisitos do artigo 22.o da presente diretiva,

[…]».

B.      Direito finlandês: Tilintarkastuslaki 1141/2015, de 18 de setembro de 2015 (8)

11.      Por força do artigo 11.o, n.o 1, do capítulo 4 da Lei Relativa à Revisão Legal de Contas, um revisor oficial de contas ou o responsável por uma revisão legal de contas em nome de uma sociedade de revisores oficiais de contas não está autorizado, antes de decorrido um prazo mínimo de um ano desde o trabalho de revisão legal das contas:

1)      a assumir uma posição de gestão fundamental na entidade auditada;

2)      a tornar‑se membro do comité de auditoria da entidade auditada ou dos órgãos que desempenhem funções equivalentes às de um comité de auditoria;

3)      a tornar‑se membro não executivo do órgão de administração ou membro dos órgãos de fiscalização da entidade auditada.

12.      O artigo 11.o, n.o 2, do capítulo 4 desta lei alarga o prazo para dois anos, quando a entidade auditada é uma entidade de interesse público.

13.      Ao abrigo do artigo 5.o, n.o 1, do capítulo 10 da referida lei, o Comité de Auditoria pode aplicar uma coima quando um revisor oficial de contas viola os prazos previstos no artigo 11.o, quanto ao seu recrutamento por uma entidade auditada. Ao abrigo do artigo 5.o, n.o 2, o montante máximo da coima é de 50 000 euros.

14.      O artigo 7.o, n.o 1, do capítulo 10 desta lei dispõe que, para determinar o montante da coima, há que tomar em consideração todas as circunstâncias relevantes. Essas circunstâncias são as seguintes:

1)      a gravidade e a duração da infração;

2)      o grau de responsabilidade do revisor oficial de contas;

3)      o nível de cooperação da pessoa responsável com a autoridade competente;

4)      as coimas anteriormente aplicadas ao revisor oficial de contas; e

5)      o montante da perda ou dano ocasionado pelo ato ou pela omissão.

15.      Além das circunstâncias referidas no n.o 1 do artigo 7.o, o n.o 2 prevê que sejam tidas em conta as seguintes circunstâncias na determinação do montante da coima:

1)      a situação financeira do revisor oficial de contas;

2)      o montante dos benefícios recebidos pelo revisor oficial de contas.

II.    Matéria de facto e questão prejudicial

16.      KHT A (a seguir «responsável pela revisão») trabalhava desde 2014 como sócio principal da sociedade de revisores oficiais de contas Y Oy (a seguir «sociedade de revisores oficiais de contas»).

17.      Em 5 de fevereiro de 2018, no âmbito da prestação de serviços da sociedade de revisores oficiais de contas à sociedade X Oyj (a seguir «sociedade auditada») relativa a 2017, o responsável pela revisão assinou o relatório de auditoria das contas anuais desta entidade.

18.      Em 12 de julho de 2018, o responsável pela revisão celebrou um contrato de trabalho com a sociedade auditada para ser diretor financeiro e membro do órgão de direção.

19.      Uma das cláusulas desse contrato previa que o responsável pela revisão não ocuparia efetivamente essas posições de gestão até fevereiro de 2019. A celebração do contrato foi tornada pública por um comunicado da Bolsa.

20.      Em 31 de agosto de 2018, o responsável pela revisão cessou as suas funções na sociedade de revisores oficiais de contas, facto que foi comunicado em nota dirigida no mesmo dia ao Comité de Auditoria.

21.      A sociedade auditada confirmou por escrito que o responsável pela revisão não exerceria funções fundamentais na sua gestão, nem em nenhum lugar de responsabilidade na área financeira ou de contabilidade, antes da publicação do relatório de auditoria relativo a 2018.

22.      Por Decisão de 13 de novembro de 2018, o Comité de Auditoria condenou o responsável pela revisão no pagamento de uma coima no montante de 50 000 euros com fundamento na inobservância do período de incompatibilidade previsto no artigo 11.o do capítulo 4 da Lei Relativa à Revisão Legal de Contas.

23.      Em fevereiro de 2019, uma vez assinadas as contas anuais da sociedade auditada relativas a 2018, o responsável pela revisão iniciou o exercício das suas funções de gestão nessa sociedade, em conformidade com os termos do contrato.

24.      O responsável pela revisão impugnou a decisão de aplicação da coima no Helsingin hallinto‑oikeus (Tribunal Administrativo de Helsínquia, Finlândia).

25.      Decorre do despacho de reenvio que, no recurso, não se põe em causa a inobservância do período de incompatibilidade, mas sim a gravidade da infração e o montante da sanção aplicada. No entender do responsável pela revisão, essa sanção devia ser reduzida para, pelo menos, metade.

26.      O recorrente invocou os argumentos seguintes em apoio do seu pedido (9):

–        A sua cooperação com as autoridades administrativas e a sua atuação transparente no que diz respeito às circunstâncias essenciais da sanção.

–        A assunção da posição ocorreu com o início das suas funções na sociedade auditada (fevereiro de 2019) e não com a celebração do contrato. Por conseguinte, só teria infringido o período de incompatibilidade a partir de fevereiro de 2019.

–        Com a assinatura do relatório de auditoria relativo a 2017 (fevereiro de 2018), o recorrente deixou de ter influência na fiscalização das contas anuais da sociedade auditada. É, portanto, nesse momento que se deve considerar iniciado o período de incompatibilidade.

–        A mudança de sociedade de revisores oficiais de contas para 2018, como resulta da inscrição no registo comercial, conjugada com o facto de o responsável pela revisão não ter assumido as funções de diretor financeiro na sociedade auditada até à assinatura das contas anuais desta relativas a 2018, demonstra que a nomeação como diretor financeiro desta sociedade não prejudicou a independência da revisão legal das contas.

27.      O Comité de Auditoria opôs‑se ao recurso alegando que (10):

–        O período de incompatibilidade não teve início com a assinatura das contas anuais relativas ao ano de 2017, mas sim em 12 de julho de 2018, com a celebração do contrato.

–        O responsável pela revisão assumiu a posição quando celebrou o contrato com a empresa auditada. O período de incompatibilidade em causa visa, particularmente, assegurar a independência do revisor oficial de contas, que deve igualmente ser apreciada no plano externo.

–        A celebração do contrato é uma circunstância visível do exterior e influi também diretamente no comportamento e nas atitudes da pessoa em causa, do seu empregador e dos acionistas.

–        Na aplicação da sanção, foram ponderadas todas as circunstâncias previstas na Lei Relativa à Revisão Legal de Contas.

28.      Neste contexto, o Helsingin hallinto‑oikeus (Tribunal Administrativo de Helsínquia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 22.o‑A, n.o 1 (inserido pela Diretiva 2014/56/UE), da Diretiva [2006/43] ser interpretado no sentido de que um responsável pela revisão assume uma posição como a referida nessa disposição com a celebração do respetivo contrato de trabalho?

2)      Em caso de resposta negativa à primeira questão, deve o artigo 22.o‑A, n.o 1, ser interpretado no sentido de que um responsável pela revisão assume uma posição como a referida nessa disposição com o início das suas funções na posição em questão?»

III. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

29.      O pedido de decisão prejudicial deu entrada no Tribunal de Justiça em 17 de dezembro de 2019.

30.      Só a Comissão apresentou observações escritas. Não foi considerada necessária a realização de uma audiência de alegações.

IV.    Apreciação

A.      Clarificação preliminar

31.      O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre o modo como deve ser interpretada a expressão utilizada pelo artigo 22.o‑A, n.o 1, alínea a), para definir uma das proibições impostas aos revisores oficiais de contas.

32.      Como já foi referido, esta disposição proíbe que, após a cessação das suas funções, o responsável pelo trabalho de revisão ou auditoria «assum[a] posições de gestão fundamentais» na empresa auditada, durante um determinado período (11).

33.      A questão prejudicial (ainda que dividida em dois aspetos, na verdade reflete apenas uma dúvida) é bem precisa e limita‑se à determinação da data relevante para se considerar a posição assumida: quando foi celebrado o contrato do responsável pela revisão com a sociedade auditada (julho de 2018) ou quando este iniciou o exercício das suas funções nessa sociedade (fevereiro de 2019).

34.      Segundo as indicações do despacho de reenvio, a escolha de uma ou de outra data não tem impacto no reconhecimento da existência de uma infração punível. O responsável pela revisão não pede a anulação da coima aplicada, mas sim a sua redução, admitindo implicitamente que a infração terá de facto ocorrido.

35.      Por conseguinte, parece que a determinação da data pertinente releva apenas enquanto fator na graduação do montante da coima, em conformidade com o artigo 7.o, n.o 1, do capítulo 10 da Lei Relativa à Revisão Legal de Contas.

B.      Contexto geral da Diretiva 2006/43

36.      A regulamentação harmonizada da revisão legal de contas tem origem no Tratado da Comunidade Económica Europeia, em que se determinou que o Conselho e a Comissão exercem as suas funções para coordenar garantias que, para proteção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados‑Membros às sociedades, na medida em que tal seja necessário (12).

37.      Foi com esta base jurídica que foram adotadas a Quarta (13), Sétima (14) e Oitava (15) Diretivas do Conselho, em que se regula, respetivamente, o conteúdo mínimo harmonizado das contas anuais, das contas consolidadas e das condições para a aprovação no mercado interno das pessoas habilitadas a efetuar a revisão legal de contas.

38.      Na Oitava Diretiva foram estabelecidas as primeiras regras relativas à independência dos revisores oficiais de contas: as pessoas habilitadas a efetuar a fiscalização legal dos documentos contabilísticos tinham de ser «independentes e idóneas» (16).

39.      Nos anos seguintes, a Comissão fomentou a independência dos revisores oficiais de contas, mediante diversas comunicações, iniciativas e instrumentos não vinculativos (17), criando o contexto apropriado à promulgação da Diretiva 2006/43 (18).

40.      Na sua versão inicial, a Diretiva 2006/43 já continha uma regulamentação pormenorizada da independência do revisor oficial de contas, a que dedicava parte do seu capítulo IV («Deontologia profissional, independência, objetividade, confidencialidade e sigilo profissional») (19).

41.      Nessa versão inicial, a Diretiva 2006/43 previa o período de incompatibilidade em causa neste processo, mas no capítulo X («Disposições especiais relativas à revisão legal das contas de entidades de interesse público») (20).

42.      A versão atual da Diretiva 2006/43 resulta da reforma efetuada pela Diretiva 2014/56, que altera o artigo 22.o e acrescenta um novo artigo 22.o‑A, cuja interpretação é pedida pelo órgão de reenvio (21). Além disso, a par de regras destinadas a garantir a reputação dos revisores oficiais de contas, contém outras que visam especificamente salvaguardar a sua independência.

C.      Artigo 22.oA da Diretiva 2006/43

43.      O artigo 22.o‑A materializa a previsão do considerando 8 da Diretiva 2014/56, nos termos do qual «os revisores oficiais de contas […] deverão estar impedidos de exercer funções de gestão ou administração na entidade auditada durante um período adequado após a cessação do trabalho de auditoria».

44.      O catálogo de proibições do artigo 22.o‑A, n.o 1, da Diretiva 2006/43 inclui a proibição de que o revisor oficial de contas «assum[a] posições de gestão fundamentais na entidade auditada» [alínea a)]. O pedido de decisão prejudicial pretende dissipar as dúvidas quanto ao momento em que ocorre esta assunção da posição de gestão.

1.      Interpretação literal

45.      Do ponto de vista literal, a interpretação da disposição, cujas diferentes versões linguísticas divergem consideravelmente nos termos utilizados, não apresenta resultados conclusivos.

46.      A redação de algumas dessas versões apontaria para uma interpretação centrada no exercício efetivo das funções da posição de gestão, e não no momento em que o revisor oficial de contas aceita, aquando da celebração do seu contrato com a sociedade auditada, trabalhar para esta (22).

47.      Em contrapartida, outras versões apontam no sentido da tese oposta, uma vez que parecem não exigir o exercício efetivo das funções da posição de gestão na empresa auditada, sendo suficiente a simples aceitação da posição por via contratual (23).

48.      Por conseguinte, a divergência entre as versões linguísticas não permite a utilização da redação de apenas uma delas para deduzir o verdadeiro significado da disposição (24).

49.      Consequentemente, importa fazer referência aos outros critérios hermenêuticos usuais no trabalho interpretativo do Tribunal de Justiça (25), ou seja, à finalidade da norma e ao contexto em que se insere.

2.      Interpretação teleológica

50.      A Comissão (26) e o Comité de Auditoria (27) estão de acordo quanto à importância da perspetiva externa da independência dos revisores de contas e propõem uma interpretação essencialmente teleológica do artigo 22.o‑A da Diretiva 2006/43.

51.      Salientam que o período de incompatibilidade visa assegurar essa independência, relevante na sua dimensão interna (relações entre o revisor oficial de contas e a sociedade auditada) e externa: o público confia na independência do auditor, o que não ocorreria se, durante a revisão legal de contas ou após a cessação das suas funções como responsável pela revisão, pudesse assumir imediatamente (ou num período próximo no tempo) uma posição de gestão na empresa auditada.

52.      Na minha opinião, a proibição em causa pretende evitar que o revisor oficial de contas (ou a sociedade de revisores oficiais de contas de que é sócio principal) seja tentado a emitir um relatório complacente com a sociedade auditada, que esta premeie, num futuro próximo, recompensando‑o com uma posição de gestão.

53.      Assim entendida, a norma antecipa o risco de o revisor oficial de contas ter interesses próprios, atuais ou num futuro próximo, nas sociedades submetidas ao seu escrutínio contabilístico, que poderiam influenciar a sua atividade profissional.

54.      O conflito de interesses entre a obrigação do revisor oficial de contas e as suas perspetivas (futuras) ao serviço da empresa auditada pode ocorrer quando a relação contratual entre ambos se desenvolve ou é preparada durante o exercício das funções de revisão legal de contas. É previsível que, se for esse o caso, o trabalho do responsável pela revisão esteja condicionado pelos seus deveres fiduciários para com o seu futuro empregador.

55.      Por conseguinte, a norma pretende eliminar, na medida do possível, o incentivo que o revisor oficial de contas poderia ter em considerar, ou mesmo efetivar, uma relação contratual com a entidade auditada enquanto mantém a qualidade de sócio principal responsável pelo trabalho de revisão ou auditoria (28).

56.      Além disso, a proibição de o responsável pela revisão assumir, enquanto exerça essa função e durante um determinado período posterior, posições de gestão na sociedade auditada protege, como afirmam a Comissão e o Comité de Auditoria, a confiança de terceiros no facto de a revisão legal de contas decorrer de forma fiável. Nessa mesma medida, contribui para o funcionamento ordenado dos mercados, como refere o considerando 9 da Diretiva 2006/43 (29).

57.      A confiança pública no facto de as contas anuais refletirem a imagem fiel de uma sociedade constitui um elemento essencial para todos aqueles que com ela se possam relacionar, quer sejam investidores, credores, empregados ou terceiros.

58.      De outro ponto de vista, a confiança na fiabilidade das auditorias das demonstrações financeiras constitui um mecanismo de proteção do valor da participação dos sócios ou dos acionistas e um instrumento eficaz para a boa gestão social. A sua ausência contribui para a perda de valor da participação, tanto em razão da desconfiança do mercado em relação à situação da sociedade como devido à incapacidade dos administradores para a gerirem sem informação fiável.

59.      O n.o 1, ponto 1, da Recomendação da Comissão salienta que «a principal forma de um revisor oficial de contas demonstrar ao público que uma revisão legal de contas foi efetuada de acordo com os princípios referidos consiste em agir, e mostrar que age, com independência» (30).

60.      Estas considerações são válidas mesmo que se admita que o sócio principal responsável pela sociedade de revisores oficiais de contas pode, num determinado caso, não ter o poder real de influenciar o resultado da análise das demonstrações financeiras da sociedade auditada.

61.      Com efeito, a salvaguarda da independência e da imparcialidade do seu trabalho profissional exige, em todas as circunstâncias, que o sócio principal responsável pela revisão não possa assumir, antes e durante o período de incompatibilidade, uma posição de gestão na sociedade auditada.

3.      Interpretação sistemática

62.      A idoneidade dos revisores oficiais de contas (31) e a confiança do público na integridade (e na qualidade) do seu trabalho (32) são elementos que as sucessivas regras da União na matéria procuraram proteger.

63.      O artigo 22.o, n.o [1, quarto parágrafo], da Diretiva 2006/43 previne contra as ameaças de conflitos de interesses entre o revisor oficial de contas (ou a sociedade de revisores oficiais de contas) e a sociedade auditada. Essas ameaças podem ser criadas por «[…] relações financeiras, pessoais, comerciais, de trabalho ou outras» entre ambos, em resultado da qual «uma parte terceira objetiva, razoável e informada possa, tendo em conta as medidas de salvaguarda aplicadas, concluir que a independência do revisor oficial de contas ou da sociedade de revisores oficiais de contas está comprometida».

64.      Este mesmo artigo, no seu n.o 4, exclui que um revisor oficial de contas ou uma sociedade de revisores oficiais de contas possam exercer a sua atividade profissional ao serviço de uma sociedade auditada com a qual «[t]enham tido, durante o período a que se refere o n.o 1, uma relação de trabalho, comercial ou de outro tipo […] que possa causar ou ser geralmente considerada como causadora de um conflito de interesses».

65.      Estas precauções evidenciam que, no plano sistemático, a interpretação da Diretiva 2006/43 deve preservar um dos elementos essenciais da idoneidade ou da reputação dos revisores de contas, sem o qual a confiança do público desapareceria: a inexistência de conflitos de interesses, reais ou razoavelmente potenciais, que afetem ou possam afetar a sua atividade profissional.

66.      Para o legislador da União, a independência do revisor oficial de contas no seu plano externo é tão importante como no seu plano interno, devendo afastar‑se, aos olhos do público, qualquer suspeita de que haja excessiva proximidade entre o revisor oficial de contas e a entidade auditada (33).

67.      Estas precauções são lógicas quando se atenta quer no sentido e na justificação das revisões legais de contas, quer na própria função que a publicidade das demonstrações financeiras das sociedades tem numa economia de mercado.

68.      A perceção de terceiros, neste contexto, é igualmente referida no artigo 22.o, n.o 1, in fine, da Diretiva 2006/43: as relações entre o revisor oficial de contas (ou a sociedade de revisores oficiais de contas) e a empresa auditada não pode ter como resultado que «um terceiro objetivo, racional e informado, tendo em conta as medidas de salvaguarda aplicadas, concluiria que a independência do revisor oficial de contas ou da sociedade de revisores oficiais de contas estava comprometida».

69.      Em suma, tão indesejável é uma relação que resulte num conflito de interesses como a que for razoavelmente entendida como eventual causa de um conflito de interesses.

4.      Aplicação destes critérios ao caso em apreço

70.      A premissa de partida deve consistir no facto de que, neste processo, o responsável pela revisão não podia assumir uma posição de gestão fundamental na empresa auditada enquanto exercia essas funções nem durante um período posterior de dois anos após a cessação das mesmas.

71.      Como foi já referido, esta proibição foi violada, facto que é reconhecido, pelo menos implicitamente, pelo próprio interessado, que apenas pede a redução (e não a anulação) da coima que lhe foi aplicada.

72.      O facto de o sócio principal de uma sociedade de revisores oficiais de contas celebrar um contrato de trabalho (para o exercício de funções de gestão fundamentais) com a sociedade auditada, enquanto desempenha as suas funções na primeira, revela um potencial conflito de interesses, suficiente para afetar a sua independência.

73.      Esta conclusão não é posta em causa pelo facto de os efeitos da relação contratual, acordada quando o interessado não tinha ainda perdido a qualidade de responsável pela revisão (o que ocorreu em 31 de agosto de 2018), serem protelados por vários meses, até à publicação do relatório de auditoria relativo a 2018.

74.      O que é determinante (e o que um terceiro «objetivo, razoável e informado» poderia deduzir) é que, ainda que o contrato tenha sido celebrado em 12 de julho de 2018, após a assinatura do relatório de auditoria, persistia ainda a relação profissional entre o responsável pela revisão (ou a sua sociedade de revisores oficiais de contas) e a sociedade auditada.

75.      Além disso, é razoável deduzir que o processo de negociação das condições de trabalho com a empresa auditada ocorreu não apenas quando era sócio principal da empresa de revisores oficiais de contas mas também quando era responsável pelas funções de revisão legal de contas da sociedade submetida ao seu escrutínio. Tal poderia ser deduzido igualmente por um terceiro «objetivo, razoável e informado».

76.      Por conseguinte, o momento determinante nessa apreciação não ocorre com o início efetivo das suas funções na posição de gestão da sociedade auditada, mas sim com a contratualização com esta da assunção dessas funções.

77.      Desse contrato decorrem obrigações recíprocas, incompatíveis com a manutenção do responsável pela revisão como responsável na sociedade de revisores oficiais de contas que tinha sido encarregada da revisão legal das contas da sociedade auditada.

78.      Além disso, esse contrato reflete os seus efeitos no passado, pelo que será razoavelmente entendido, no plano externo, como exprimindo um conflito real ou potencial, contrário à independência e à imparcialidade do próprio responsável pela revisão e da sociedade de revisores oficiais de contas, que poderá ter condicionado a fiabilidade da revisão legal das contas da sociedade auditada.

V.      Conclusão

79.      Atendendo ao exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda ao Helsingin hallinto‑oikeus (Tribunal Administrativo de Helsínquia, Finlândia) nos seguintes termos:

O artigo 22.o‑A, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2006/43/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de maio de 2006, relativa à revisão legal das contas anuais e consolidadas, que altera as Diretivas 78/660/CEE e 83/349/CEE do Conselho e que revoga a Diretiva 84/253/CEE do Conselho, na sua versão alterada pela Diretiva 2014/56/UE, deve ser interpretado no sentido de que o sócio principal de uma sociedade de revisores oficiais de contas assume uma posição de gestão fundamental na sociedade auditada com a celebração do respetivo contrato de trabalho, mesmo que a sua incorporação efetiva na sociedade auditada ocorra alguns meses após a celebração desse contrato.


1      Língua original: espanhol.


2      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de maio de 2006, relativa à revisão legal das contas anuais e consolidadas, que altera as Diretivas 78/660/CEE e 83/349/CEE do Conselho e que revoga a Diretiva 84/253/CEE do Conselho (JO 2006, L 157, p. 87).


3      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, que altera a Diretiva 2006/43/CE relativa à revisão legal das contas anuais e consolidadas (JO 2014, L 158, p. 196).


4      O artigo 22.o‑A prevê duas categorias de sujeitos: a) os revisores oficiais de contas e os sócios principais de uma sociedade de revisores oficiais de contas; e b) os outros sócios das sociedades de revisores oficiais de contas e os empregados. O sujeito em causa pertencia à primeira dessas categorias.


5      A disposição já constava da redação inicial da Diretiva 2006/43 (artigo 42.o, n.o 3), mas apenas para as entidades de interesse público. É aplicável às outras entidades cujas contas são objeto de revisão a partir de 2014.


6      Segundo o despacho de reenvio, no caso em apreço, o período era de dois anos, facto que sugere que a empresa auditada era de interesse público.


7      Esta comissão é um órgão oficial da Patentti‑ ja rekisterihallituksen tilintarkastuslautakunta (Comissão da Revisão Legal de Contas do Instituto de Patentes e Registo, Finlândia).


8      Lei Relativa à Revisão Legal de Contas n.o 1141/2015, de 18 de setembro de 2015; a seguir «Lei Relativa à Revisão Legal de Contas».


9      N.os 4, 5 e 6 do despacho de reenvio.


10      N.os 7, 8 e 9 do despacho de reenvio.


11      As partes discutiram o momento da «cessação das suas funções enquanto revisor oficial de contas ou sócio principal», enquanto dies a quo para a contabilização do período de incompatibilidade, mas o órgão jurisdicional de reenvio não se detém neste aspeto, que não é visado pelo pedido de decisão prejudicial.


12      Artigo 54.o, n.o 3, alínea g).


13      Diretiva 78/660/CEE do Conselho, de 25 de julho de 1978, Quarta Diretiva baseada no artigo 54.o, n.o 3, alínea g), do Tratado e relativa às contas anuais de certas formas de sociedades (JO 1978, L 222, p. 11; EE 17 F01 p. 55).


14      Diretiva 83/349/CEE do Conselho, de 13 de junho de 1983, Sétima Diretiva baseada no n.o 3, alínea g), do artigo 54.o do Tratado e relativa às contas consolidadas (JO 1983, L 193, p. 1; EE 17 F01 p. 119).


15       Diretiva 84/253/CEE do Conselho, de 10 de abril de 1984, Oitava Diretiva fundada no n.o 3, alínea g), do artigo 54.o do Tratado CEE, relativa à aprovação das pessoas encarregadas da fiscalização legal dos documentos contabilísticos (JO 1984, L 126, p. 20; EE 17 F01 p. 136).


16      Esta referência do considerando terceiro encontra‑se refletida no artigo 3.o (quanto à idoneidade) e nos artigos 24.o e 27.o (quanto à independência) da Oitava Diretiva.


17      Pode ver‑se o Livro Verde de 24 de julho de 1996 da Comissão, intitulado «Papel, estatuto e responsabilidade do revisor oficial de contas na União Europeia» (JO 1996, C 321, p. 1); a Comunicação da Comissão relativa ao futuro da revisão oficial de contas na União Europeia (JO 1998, C 143, p. 12); a Recomendação da Comissão, de 16 de maio de 2002, a independência dos revisores oficiais de contas na UE: um conjunto de princípios fundamentais (JO 2002, L 191, p. 22; a seguir «Recomendação da Comissão»); ou a Comunicação de 21 de maio de 2003 — Reforçar a revisão oficial de contas na UE (JO 2003, C 236, p. 2).


18      Assim o justificava a Comissão na proposta de Diretiva 2006/43 [proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à revisão legal das contas individuais e consolidadas e que altera as Diretivas 78/660/CEE e 83/349/CEE do Conselho (COM/2004/0177)].


19      A nova legislação reorientou a política de revisão legal de contas na sequência da «série de escândalos ocorrida recentemente nos Estados Unidos e na União [que] puseram em evidência o facto de a revisão legal das contas constituir um elemento importante para assegurar a credibilidade e a fiabilidade das demonstrações financeiras das empresas». Esses escândalos tinham conduzido à aprovação, nos Estados Unidos da América, do «Sarbanes‑Oxley Act of 2002», que confere um conteúdo de regulação e supervisão mais intenso à prestação de serviços de revisão legal de contas. Entre as suas medidas figura o estabelecimento de um período de incompatibilidade («cooling‑off period») análogo ao que aqui está em causa.


20      Nos termos do artigo 42.o, n.o 3, da Diretiva 2006/43 «[o] revisor oficial de contas ou o sócio principal que realiza a revisão legal das contas em nome de uma sociedade de revisores oficiais de contas não pode assumir posições de gestão fundamentais na entidade examinada durante um período mínimo de dois anos após a cessação das suas funções enquanto revisor oficial de contas ou de sócio principal responsável pelo trabalho de revisão ou auditoria».


21      A versão alterada do artigo 22.o exige a independência do revisor oficial de contas «durante o período abrangido pelas demonstrações financeiras a auditar e o período durante o qual é realizada a revisão legal de contas» e detalha em maior profundidade os deveres dos revisores oficiais de contas face a eventuais ameaças à sua independência.


22      É o caso da versão francesa («occuper un poste»).


23       Especialmente, a versão italiana («accettare una funzione dirigenziale di rilievo nell’ente sottoposto a revisione») salienta que seria suficiente a aceitação da posição, e não necessariamente o exercício efetivo das respetivas funções. O termo «asuma» da versão espanhola ou da portuguesa («assume posições de gestão fundamentais na entidade auditada») poderia também ser interpretado como simples aceitação da posição. O verbo utilizado na versão finlandesa «vastaanottaa» admitiria igualmente o significado de aceitar, numa aceção mais próxima das versões alemã («übernehmen») e inglesa («take up a key management position»).


24      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma interpretação puramente literal de uma ou de várias versões linguísticas de um texto plurilingue do direito da União não pode prevalecer, sem mais, sobre as outras, dado que a aplicação uniforme das disposições do direito da União exige que sejam interpretadas à luz das versões redigidas em todas as línguas. Neste sentido, entre muitos outros, o Acórdão de 26 de setembro de 2013, Comissão/Espanha (C‑189/11, EU:C:2013:587, n.o 56).


25      «Em conformidade com jurisprudência constante, para interpretar uma disposição de direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte» [Acórdão de 3 de setembro de 2020, NIKI Luftfahrt (C‑530/19, EU:C:2020:635), n.o 23].


26      N.o 13 das observações escritas da Comissão.


27      N.o 9 do despacho de reenvio.


28      Quanto aos outros revisores oficiais de contas envolvidos, a norma diz respeito ao momento em que intervêm diretamente na elaboração do relatório de auditoria.


29      «A função de interesse público dos revisores oficiais de contas significa que uma comunidade mais vasta de pessoas e instituições confia na qualidade do seu trabalho. A boa qualidade da auditoria contribui para o funcionamento ordenado dos mercados, melhorando a integridade e a eficiência das demonstrações financeiras.»


30      Os considerandos 1 e 2 dessa recomendação enunciam: «[a]independência dos revisores oficiais de contas é fundamental para assegurar a confiança do público na fiabilidade dos seus relatórios, conferindo maior credibilidade às informações financeiras publicadas e representando um valor acrescentado para os investidores, credores, trabalhadores e outros detentores de interesses nas sociedades da UE. Isto é válido, em particular, para sociedades que sejam entidades de interesse público (por exemplo, sociedades cotadas na bolsa, instituições de crédito, empresas de seguros, OICVM e empresas de investimento). […] A independência constitui, também, a principal forma de o setor demonstrar ao público e às entidades reguladoras que os revisores oficiais e as sociedades de revisores oficiais de contas estão a exercer a sua atividade de acordo com padrões que satisfazem os princípios deontológicos estabelecidos, em particular os da integridade e da objetividade».


31      Segundo o artigo 4.o da Diretiva 2006/43, «[a]s autoridades competentes de um Estado‑Membro só podem aprovar as pessoas singulares ou sociedades com idoneidade». O artigo 3.o da Oitava Diretiva pronunciava‑se, em termos semelhantes, referindo‑se às «pessoas idóneas».


32      Considerando 9 da Diretiva 2006/43: «[a] função de interesse público dos revisores oficiais de contas significa que uma comunidade mais vasta de pessoas e instituições confia na qualidade do seu trabalho. A boa qualidade da auditoria contribui para o funcionamento ordenado dos mercados, melhorando a integridade e a eficiência das demonstrações financeiras».


33      A abordagem norte americana é semelhante. Segundo o Supremo Tribunal Federal dos Estados Unidos, «the SEC requires the filing of audited financial statements to obviate the fear of loss from reliance on inaccurate information, thereby encouraging public investment in the Nation’s industries. It is therefore not enough that financial statements be  accurate; the public must also perceive them as being accurate. Public faith in the reliability of a corporation’s financial statements depends on the public perception of the outside auditor as an independent professional... If investors were to view the auditor as an advocate for the corporate client, the value of the audit function itself might well be lost» (sublinhado no original). United States v. Arthur Young and Co., 465 US 805, 819 n.o 15 (1984).