Language of document : ECLI:EU:F:2009:132

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA DA UNIÃO EUROPEIA (Segunda Secção)

29 de Setembro de 2009 (*)

«Função pública – Agentes contratuais – Recrutamento – Procedimento de selecção CAST 27/Relex – Não inscrição na base de dados – Neutralização de questões – Teste de raciocínio verbal e numérico – Igualdade de tratamento»

Nos processos apensos F‑20/08, F‑34/08 e F‑75/08,

que têm por objecto recursos interpostos ao abrigo dos artigos 236.° CE e 152.° EA,

Jorge Aparicio, residente em Antiguo Cuscatlan (El Salvador) e 18 outros agentes contratuais da Comissão das Comunidades Europeias cujos nomes figuram em anexo ao presente acórdão sob os números 1 a 18, representados por S. Orlandi, A. Coolen, J.‑N. Louis e É. Marchal, advogados,

recorrentes no processo F‑20/08,

Anne Simon, agente contratual da Comissão das Comunidades Europeias, residente em Nouakchott (Mauritânia), representada por S. Orlandi, A. Coolen, J.‑N. Louis e É. Marchal, advogados,

recorrente no processo F‑34/08,

Jorge Aparicio, residente em Antiguo Cuscatlan (El Salvador) e 46 outros agentes contratuais da Comissão das Comunidades Europeias cujos nomes figuram em anexo ao presente acórdão, representados por S. Orlandi, A. Coolen, J.‑N. Louis e É. Marchal, advogados,

recorrentes no processo F‑75/08,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por J. Currall e B. Eggers, na qualidade de agentes,

recorrida,

O TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA (Segunda Secção),

composto por: H. Kanninen, presidente, I. Boruta e S. Van Raepenbusch (relator), juízes,

secretário: S. Cidéron, assistente,

vistos os autos e após a audiência de 12 de Março de 2009,

profere o presente

Acórdão

1        Por petições entradas na Secretaria do Tribunal da Função Pública:

–        em 19 de Fevereiro de 2008 por correio electrónico (o original foi entregue em 27 de Fevereiro seguinte) no processo F‑20/08, Aparicio e o./Comissão,

–        em 11 de Março de 2008 por correio electrónico (o original foi entregue em 12 de Março seguinte) no processo F‑34/08, Simon/Comissão, e

–        em 1 de Setembro de 2008 por correio electrónico (o original foi entregue em 8 de Setembro seguinte) no processo F‑75/08, Aparicio e o./Comissão,

os recorrentes pedem a anulação das decisões do Serviço de Selecção do Pessoal das Comunidades Europeias (EPSO), de 25 Outubro de 2007, de não os inscrever na lista de candidatos laureados e na base de dados do procedimento de recrutamento CAST 27/Relex.

2        Os recorrentes no recurso F‑20/08 e a recorrente no recurso F‑34/08 interpuseram, igualmente, o recurso F‑75/08 juntamente com 26 novos recorrentes (a seguir «outros recorrentes no recurso F‑75/08»).

 Quadro jurídico

3        O artigo 82.° do Regime aplicável aos outros agentes das Comunidades Europeias (a seguir «ROA») dispõe:

«[...]

2.      A contratação como agente contratual exige, no mínimo:

a)      Para o grupo de funções I, a conclusão da escolaridade obrigatória;

b)      Nos grupos de funções II e III:

i)      habilitações do nível do ensino pós‑secundário comprovadas por um diploma; ou

ii)      habilitações do nível do ensino secundário comprovadas por um diploma que dê acesso ao ensino pós‑secundário e uma experiência profissional adequada de pelo menos três anos; ou

iii)      sempre que o interesse do serviço o justifique, formação profissional ou experiência profissional de nível equivalente;

c)      Para o grupo de funções IV:

i)      habilitações de um nível que corresponda a estudos universitários completos de pelo menos três anos comprovadas por um diploma; ou

ii)      sempre que o interesse do serviço o justifique, formação profissional de um nível equivalente;

[...]

5.      O [EPSO] prestará assistência às diferentes instituições, a pedido destas, tendo em vista a selecção de agentes contratuais, em especial na definição do conteúdo das provas e na organização dos concursos. O [EPSO] garantirá a transparência dos processos de selecção de agentes contratuais.

6.      Na medida do necessário, cada instituição aprovará disposições gerais relativas aos processos de selecção de agentes contratuais, nos termos do artigo 110.° do Estatuto [dos Funcionários das Comunidades Europeias].»

4        O artigo 5.° das Disposições Gerais de Execução, de 7 de Abril de 2004, relativas aos procedimentos que regulam a contratação e o emprego dos agentes contratuais na Comissão das Comunidades Europeias (Informações Administrativas n.° 49‑2004, de 1 de Junho de 2004, a seguir «DGE‑AC»), prevê:

«1.      O procedimento de selecção dos [agentes contratuais nos termos do artigo 3.°‑A do ROA] inclui as seguintes etapas:

a)      lançamento de convites públicos à manifestação de interesse indicando os critérios mínimos de elegibilidade em matéria de competências gerais e de qualificações essenciais, precisando que, em função do número de candidaturas recebidas, o comité de selecção referido na [alínea] e) pode ser levado a aplicar exigências mais estritas no quadro dos critérios de selecção publicados;

b)      inscrição dos candidatos por via electrónica na base de dados criada para esse fim;

c)      definição, pela [entidade habilitada a celebrar contratos de admissão], dos perfis precisos de competências e das qualificações específicas requeridas, após consulta dos serviços e organismos interessados;

d)      [o]s candidatos que correspondam aos perfis e às qualificações referidas na [alínea] c) são sujeitos a testes centrados nas aptidões gerais dos candidatos, nomeadamente em matéria de raciocínio verbal e numérico, bem como nas suas competências linguísticas. Os candidatos aprovados nos testes são registados na base de dados e os seus processos de candidatura são conservados por um período de dois anos;

[...]

2.      [...] Os testes referidos no n.° 1, [alínea] d), são organizados pelo EPSO ou sob a sua responsabilidade.

3.      Os candidatos são informados dos resultados dos procedimentos descritos no n.° 1, [alíneas] d) a h).»

5        O artigo 3.°, n.° 2, da Decisão 2002/620/CE do Parlamento Europeu, do Conselho, da Comissão, do Tribunal de Justiça, do Tribunal de Contas, do Comité Económico e Social, do Comité das Regiões e do Procurador de Justiça, de 25 de Julho de 2002, que institui o EPSO (JO L 197, p. 53) dispõe:

«O Serviço pode prestar assistência às instituições, órgãos, organismos e agências instituídos pelos Tratados, ou com base nestes, no que respeita à organização de concursos internos e à selecção de outros agentes.»

 Antecedentes do litígio

6        Os recorrentes são agentes afectados, com base em diversos regimes, às delegações da Comissão em países terceiros.

7        Numa nota de 19 de Fevereiro de 2007, o director do «serviço externo» da Direcção‑Geral (DG) «Relações Externas» informou os chefes de delegação que o EPSO organizaria, em 2007, testes destinados aos agentes com contrato (a seguir «nota do serviço externo»). A nota precisava que apenas os candidatos aprovados nesses testes poderiam continuar a sua carreira como agentes contratuais. Os referidos testes deviam incluir três partes: uma prova de raciocínio verbal e numérico, uma outra prova sobre conhecimento da União Europeia e uma última prova de competências. A nota do serviço externo precisava o seguinte:

«Todos os candidatos das delegações [relações externas]/[s]erviço externo dos grupos de funções III e IV serão submetidos aos testes[...]: testes de raciocínio verbal e numérico, conhecimento da União Europeia e teste de competência. Esses testes serão apenas organizados em espanhol, alemão, inglês e francês não podendo a língua escolhida para os testes ser a língua principal dos candidatos […]

[...]

Os testes não são eliminatórios por natureza (como nos concursos para funcionário europeu). Devem, sobretudo, ser entendidos como um teste de conhecimento das qualificações exigidas, incluindo: a capacidade de trabalho numa segunda língua da Comunidade, a compreensão das instituições da UE, bem como do seu trabalho e competências específicas no campo de actuação das delegações [relações externas]/[s]erviço externo.»

8        Em 28 de Março de 2007, o EPSO publicou no seu sítio internet, um convite à manifestação de interesse EPSO/CAST/EU/27/07 (a seguir «convite à manifestação de interesse»), para constituir uma base de dados de candidatos susceptíveis de serem recrutados na qualidade de agentes contratuais. Essa base de dados destinava‑se às instituições e agências comunitárias, bem como às delegações da Comissão em países terceiros. O convite à manifestação de interesse dispunha, nomeadamente:

«Os candidatos que correspondam às condições estabelecidas no presente convite à manifestação de interesse serão convidados, no fim da Primavera/início do Verão de 2007, a realizar provas para avaliar as suas competências gerais e, em particular, as suas capacidades de raciocínio verbal e numérico, bem como o seu conhecimento sobre a União Europeia. Os candidatos realizarão os testes na sua segunda língua, demonstrando assim os seus conhecimentos linguísticos em alemão, inglês ou francês.

[...]

Os candidatos aprovados em todas as provas serão inscritos numa base de dados que será colocada à disposição das instituições e agências para as suas necessidades de recrutamento.»

9        Em 20 de Abril de 2007, o vice‑presidente da Comissão e o membro da Comissão encarregado das relações externas informaram, nomeadamente, os agentes colocados nas delegações do seguinte:

«Os testes não são um concurso – não há limite ao número de laureados [–] no sentido de que não são eliminatórios como num concurso.

Os testes concederão maior relevância às provas de competência, na medida em que se trata do aspecto mais importante para o trabalho em delegação. Contudo, a Comissão espera também dos agentes contratuais que demonstrem o seu conhecimento das instituições europeias e a sua capacidade de trabalhar numa segunda língua da Comunidade […] como exigem as disposições em matéria de pessoal (ROA); assim sendo, esses elementos constituirão igualmente uma parte dos testes do EPSO.»

10      Em 25 de Maio de 2007, o EPSO publicou no seu sítio internet informações gerais sobre a estrutura e avaliação dos testes acima referidos. Previa‑se, nomeadamente:

«Para serem incluídos na base de dados final, todos os candidatos devem realizar um série de testes:

–        aptidão para o raciocínio verbal […] e para o raciocínio numérico […];

–        conhecimento da União Europeia […];

–        conhecimento[s] específicos (no campo de interesse indicado pelo candidato no acto de candidatura)»

11      As informações gerais sobre a estrutura e avaliação dos testes acrescentavam:

«Os resultados dos testes serão somados; cada teste terá o peso relativo seguinte:

i)      [r]aciocínio verbal e numérico            30% do total;

ii)      [c]onhecimento da UE                        20% do total;

iii)      [c]onhecimentos específicos                  50% do total.»

12      Por fim, as informações gerais sobre a estrutura e avaliação dos testes precisavam que os «limiares de aprovação» que permitiam a inscrição na base de dados eram, para o grupo de funções IV:

–        no que respeita ao mínimo exigido nos testes de raciocínio verbal e numérico: 50%;

–        no que respeita ao mínimo exigido no teste de conhecimentos específicos: 55%;

–        no que respeita ao resultado global do conjunto dos testes: 60%.

13      Todos os recorrentes se candidataram a este processo de selecção para o perfil de funções «Relações externas» (a seguir «CAST 27/RELEX»).

14      Os testes do convite à manifestação de interesse desenrolaram‑se no dia 13 de Julho de 2007.

15      Em 25 de Setembro de 2007, cada um dos recorrentes foi informado de que tinham reprovado devido à obtenção de uma nota inferior ao mínimo exigido para o teste de raciocínio verbal e numérico (a seguir «actos impugnados»).

16      O EPSO decidiu neutralizar as questões n.os 31 e 46 do teste de raciocínio verbal e numérico. É pacífico entre as partes que essa neutralização não teve qualquer incidência sobre o resultado dos recorrentes.

17      Os recorrentes nos recursos F‑20/08 e F‑34/08 interpelaram o EPSO, entre 30 de Outubro e 25 de Novembro de 2007, para que este último revisse os seus resultados, pelo facto de certas questões do teste de raciocínio verbal e numérico serem inadequadas.

18      O EPSO recusou, entre 9 de Novembro e 22 de Janeiro de 2008, dar seguimento às diligências dos recorrentes nos recursos F‑20/08 e F‑34/08.

19      Em 25 de Janeiro de 2008, os recorrentes nos recursos F‑20/08 e F‑34/08, apresentaram «reclamações ampliativas», enquanto os outros recorrentes no recurso F‑75/08 apresentaram reclamações similares contra os actos impugnados que lhes diziam respeito.

20      Os recorrentes no processo F‑20/08, interpuseram recurso no Tribunal da Função Pública em 19 de Fevereiro de 2008. A recorrente interpôs recurso no processo F‑34/08 em 11 de Março de 2008.

21      Em 20 de Maio de 2008, a entidade habilitada a celebrar contratos de admissão (a seguir «EHCA») indeferiu todas as reclamações e «reclamações ampliativas» apresentadas em 25 de Janeiro anterior. Em 1 de Setembro de 2008, os recorrentes nos processos F‑20/08 e F‑34/08 interpuseram, com os outros recorrentes no processo F‑75/08, um segundo recurso para os primeiros, e um recurso único para os segundos, dos actos impugnados. Essa petição foi registada sob a referência F‑75/08.

 Pedidos das partes e tramitação processual

22      Os recorrentes concluem pedindo, nos processos F‑20/08, F‑34/08 e F‑75/08, que o Tribunal se digne:

–        anular os actos impugnados;

–        condenar a Comissão nas despesas.

23      No processo F‑75/08, os recorrentes concluem igualmente pedindo, em primeiro lugar, que o Tribunal declare ilegal o artigo 5.°, n.°1, alínea d), das DGE‑AC.

24      A Comissão conclui pedindo, nos processos F‑20/08 e F‑34/08, que o Tribunal se digne:

–        julgar os recursos inadmissíveis e, subsidiariamente, negar‑lhes provimento;

–        condenar os recorrentes nas despesas.

25       A Comissão conclui pedindo, no processo F‑75/08, que o Tribunal se digne:

–         negar provimento ao recurso;

–         condenar os recorrentes nas despesas.

26      Por despacho do presidente da Terceira Secção do Tribunal da Função Pública de 1 de Julho de 2008, os processos F‑20/08 e F‑34/08 foram apensos para efeitos da fase escrita, da fase oral e da decisão que ponha termo à instância, em conformidade com o artigo 46.°, n.° 1, do Regulamento de Processo.

27      Por despacho do presidente da Segunda Secção do Tribunal da Função Pública, de 3 de Fevereiro de 2009, os processos apensos F‑20/08 e F‑34/08, por um lado, e o processo F‑75/08, por outro, foram apensos para efeitos da fase oral e da decisão que ponha termo à instância, em conformidade com o artigo 46.°, n.° 1, do Regulamento de Processo.

 Questão de direito

1.     Quanto ao primeiro pedido do recurso F‑75/08

28      Através do seu primeiro pedido no recurso F‑75/08, os recorrentes pedem ao Tribunal da Função Pública que declare a ilegalidade do artigo 5.°, n.° 1, alínea d), das DGE‑AC. Ora, se no quadro de um pedido de anulação de um acto individual que cause prejuízo, o juiz comunitário é efectivamente competente para declarar, a título incidental, a ilegalidade de uma disposição de alcance geral na qual se baseia o acto impugnado, em contrapartida, o Tribunal da Função Pública não é competente para proceder a tal constatação no dispositivo dos seus acórdãos (acórdão do Tribunal da Função Pública de 4 de Junho de 2009, Adjemian e o./Comissão, F‑134/07 e F‑8/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 38).

2.     Quanto à admissibilidade dos recursos

29      A Comissão considera que as diligências levadas a cabo pelos recorrentes, entre 30 de Outubro e 25 de Novembro de 2007, no recurso F‑20/08 e F‑34/08, são meros pedidos de reexame. Da mesma forma, as alegadas «reclamações ampliativas», de 25 de Janeiro de 2008, devem ser consideradas as primeiras reclamações apresentadas pelos recorrentes em causa. Estes últimos interpuseram assim, respectivamente, em 19 de Fevereiro e 11 de Março de 2008, os recursos F‑20/08 e F‑34/08 no Tribunal da Função Pública, sem aguardar a resposta da EHCA à sua reclamação, na medida em que tal resposta apenas se verificou em 20 de Maio de 2008. Os recursos são, por conseguinte, extemporâneos e inadmissíveis.

30      A Comissão considera também, nos seus articulados, que o recurso F‑75/08 é inadmissível por litispendência, na medida em que foi interposto pelos recorrentes no recurso F‑20/08 e F‑34/08, os quais, nesses recursos, já tinham pedido a anulação dos mesmos actos impugnados, tendo por base os mesmos fundamentos. Contudo, na audiência, a Comissão renunciou a essa excepção, pelo facto de a inadmissibilidade por litispendência não poder aplicar‑se quando o primeiro recurso é ele próprio inadmissível.

31      Por fim, a Comissão alega que, no recurso F‑75/08, 34 recorrentes perderam o interesse em agir, na medida em que foram inscritos na base de dados colocada à disposição das instituições e agências comunitárias para as suas necessidades de recrutamento, depois de terem sido aprovados numa prova de selecção organizada em 2008, quando ainda se encontravam sob contrato.

32      Resulta, contudo, da jurisprudência, que o juiz comunitário pode apreciar, em função das circunstâncias do caso concreto, se a boa administração da justiça justifica julgar o recurso improcedente, sem conhecer previamente da excepção inadmissibilidade suscitada pela recorrida (acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Fevereiro de 2002, Conselho/Boehringer, C‑23/00 P, Colect., p. I‑1873, n.os 51 e 52; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Março de 2006, Yedaş Tarim ve Otomotiv Sanayi ve Ticaret/Conselho e Comissão, T‑367/03, Colect., p. II‑873, n.° 30; acórdãos do Tribunal da Função Pública de 8 de Abril de 2008, Bordini/Comissão, F‑134/06, ainda não publicado na Colectânea, n.° 56 e Adjemian e o./Comissão, já referido, n.° 37). Nas circunstâncias do processo em causa, o Tribunal da Função Pública considera que, em primeiro lugar, há que examinar o mérito do litígio antes de se pronunciar, sendo caso disso, sobre as excepções de inadmissibilidade.

3.     Quanto ao mérito

33      Os recorrentes invocam argumentos idênticos em apoio dos três recursos. Atendendo aos desenvolvimentos apresentados nas petições, há que considerar que, na prática, invocam três fundamentos. O primeiro fundamento respeita à violação do artigo 82.°, n.° 5, do ROA, das DGE‑AC, do convite à manifestação de interesse e do princípio de acordo com o qual os procedimentos de selecção devem assegurar o recrutamento dos agentes mais competentes. O segundo fundamento respeita à violação do princípio da igualdade. O terceiro fundamento é baseado no artigo 1.°‑D do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias (a seguir «Estatuto») e no dever de fundamentação.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 82.°, n.° 5, do ROA, das DGE‑AC, do convite à manifestação de interesse e do princípio de acordo com o qual os procedimentos de selecção devem assegurar o recrutamento dos agentes mais competentes.

 Argumentos das partes

34      Os recorrentes alegam que, de acordo com a nota do serviço externo e de acordo com a carta do vice‑presidente da Comissão e do membro da Comissão encarregado das relações externas, os objectivos do CAST 27/RELEX eram testar os candidatos a respeito do seu conhecimento da União Europeia, dos seus conhecimentos específicos para assumir um lugar numa delegação e da sua capacidade de trabalho numa segunda língua comunitária. Para além disso, a nota do serviço externo não anunciou a organização de uma prova eliminatória de raciocínio verbal e numérico.

35      Os recorrentes concluem que essa prova era incompatível com as finalidades da selecção pretendida pela Comissão. Sendo‑o ainda mais o seu carácter eliminatório.

36      Os recorrentes consideram, além disso, que o artigo 5.°, n.° 1, alínea d), das DGE‑AC não implica que todos os candidatos a um teste devam submeter‑se a uma prova eliminatória de raciocínio verbal e numérico. Ora, no caso em apreço, tal carácter eliminatório é arbitrário. Em primeiro lugar, não se aplica ao teste de conhecimento da União Europeia. Em segundo lugar, é inexplicável que agentes que já se encontram ao serviço da Comissão, e que já demonstraram a sua aptidão geral, sejam eliminados com base num teste que não fornece qualquer indicação sobre as suas qualificações e competências. Em terceiro lugar, não foi tomado em consideração o facto de os candidatos, tendo já uma longa experiência profissional, estarem menos habituados que outros candidatos, mais jovens, à prática de testes de raciocínio verbal e numérico.

37      No processo F‑75/08, os recorrentes deduzem, por fim, do «artigo 27.° do Estatuto e [do artigo] 15.° do ROA» (que, atendendo ao conteúdo da disposição, se deve entender como sendo o artigo 12.° do ROA) um princípio de acordo com o qual os procedimentos de selecção devem destinar‑se a assegurar o recrutamento dos candidatos mais competentes. Alegam já ter demonstrado as suas aptidões ao exercerem as suas funções nas delegações da Comissão, sob vários regimes, e defendem que as DGE‑AC são contrárias a esse princípio, se forem interpretadas no sentido de que exigem a organização de provas eliminatórias que não sejam exclusivamente centradas no mérito.

38      A Comissão responde que o artigo 5.°, n.° 1, das DGE‑AC, exige uma prova de raciocínio verbal e numérico, eliminatória. Sublinha igualmente que o convite à manifestação de interesse e as informações gerais a respeito da estrutura e avaliação dos testes chamam também a atenção para o facto de apenas os candidatos que tenham sido aprovados em todos os testes poderem ser inscritos na base de dados.

39      A prova de raciocínio verbal e numérico tem por objectivo excluir as pessoas que tenham conhecimentos alargados e competências particulares, mas que são desprovidas de suficiente capacidade de raciocínio para os utilizar. Essa prova permite à Comissão ter a certeza de que os agentes recrutados podem ser afectados a uma grande variedade de funções. Essa exigência é particularmente importante para aqueles que trabalham em delegações, pois o interesse do serviço exige uma rotação regular. Por fim, a prova de raciocínio verbal e numérico contribui para garantir a igualdade de oportunidades entre candidatos externos e aqueles que se encontram já em funções, não tendo estes últimos qualquer direito a serem privilegiados pela escolha de um certo tipo de testes.

40      A Comissão alega, além disso, que resulta das informações gerais sobre a estrutura e avaliação dos testes que a prova de raciocínio verbal e numérico contava apenas para 30% do total dos testes e que tinha assim, um peso inferior ao teste de conhecimentos específicos que entrava em linha de conta para 50% do total dos pontos.

41      A Comissão alega igualmente que não existe contradição entre o convite à manifestação de interesse, a nota do serviço externo e a carta do vice‑presidente da Comissão e do membro da Comissão encarregado das relações externas. Em particular, esta última carta apenas informou que os testes não deviam conduzir a uma eliminação dos candidatos com base num exame comparativo, como acontece nos concursos nos quais o número de laureados é previamente estabelecido. A referida carta não anunciou que os candidatos estavam dispensados de serem aprovados em todas as provas. Em qualquer caso, essa carta e a nota do serviço externo tinham tido apenas por objectivo informar os agentes no local, para os encorajar a participar nos testes. Não podiam ter exonerado os serviços em questão da obrigação de respeitar o artigo 5.° das DGE‑AC e o convite à manifestação de interesse, nem ter criado qualquer direito em benefício dos agentes em causa.

42      Por fim, a Comissão considera inadmissível a acusação de acordo com a qual as DGE‑AC são contrárias ao ROA, na medida em que são interpretadas como exigindo a organização de provas eliminatórias não exclusivamente centradas no mérito. Esse argumento não foi apresentado nas reclamações de 25 de Janeiro de 2008, pois nessas reclamações os recorrentes apenas defenderam que o carácter eliminatório do teste verbal e numérico não era compatível com a finalidade específica da prova de selecção em causa. Além disso, esse argumento não é preciso. Em qualquer caso, o artigo 82.°, n.° 6, do ROA, atribui um amplo poder de apreciação à EHCA para estabelecer as condições de contratação dos agentes contratuais e o carácter eliminatório do teste de raciocínio verbal e numérico está em conformidade com o interesse do serviço pelas razões já expostas.

 Apreciação do Tribunal da Função Pública

–       Observação preliminar

43      O artigo 82.°, n.° 6, do ROA, atribui a cada instituição um amplo poder de apreciação na escolha das modalidades de organização do procedimento de selecção de agentes contratuais nos termos do artigo 3.°‑A, do referido ROA.

44      A Comissão utilizou essa faculdade ao adoptar as DGE‑AC. O seu artigo 5.°, n.° 1, alínea d), prevê, nomeadamente, que «[o]s candidatos [...] são sujeitos a testes centrados nas aptidões gerais dos candidatos, nomeadamente em matéria de raciocínio verbal e numérico». A mesma disposição acrescenta que os candidatos são registados na base de dados colocada à disposição das instituições e agências comunitárias, se tiverem sido «aprovados nos testes».

45      Sem que seja necessário decidir sobre a questão se saber se cada teste deve imperativamente ter um carácter eliminatório, decorre, de qualquer forma, dos termos nele utilizados, que o artigo 5.° das DGE‑AC sujeita o recrutamento de agentes contratuais à condição de os candidatos terem sido, pelo menos, globalmente aprovados nos testes de selecção, não proibindo que alguns deles, isoladamente, sejam eliminatórios.

46      O EPSO publicou o convite à manifestação de interesse e as informações gerais sobre a estrutura e a avaliação dos testes em aplicação do artigo 5.° das DGE‑AC. Assim, o convite à manifestação de interesse precisava que os candidatos «seriam convidados a realizar [...] provas para avaliar [...] em particular, as suas capacidades de raciocínio» e que apenas os que «tiverem sido aprovados em todas as provas serão inscritos [na] base de dados» referida no n.° 44 supra. As informações gerais sobre a estrutura e a avaliação dos testes estabeleciam, além disso, em 50% dos pontos o mínimo exigido para obter aprovação na prova de raciocínio verbal e numérico.

47      Os recorrentes defendem contudo que se o artigo 5.° das DGE‑AC for interpretado no sentido de que permite a organização de um teste de raciocínio verbal e numérico, além do mais eliminatório, é contrário ao princípio baseado no artigo 27.° do Estatuto e no artigo 12.° do ROA, de acordo com o qual os procedimentos de selecção devem destinar‑se a garantir o recrutamento dos candidatos mais competentes.

–       Quanto à excepção de ilegalidade relativa ao artigo 5.° das DGE‑AC

48      A excepção de ilegalidade invocada pelos recorrentes é inadmissível e subsidiariamente improcedente.

49      Em primeiro lugar, os recorrentes não podem validamente invocar essa excepção de ilegalidade no quadro do presente recurso. Com efeito, a regra da concordância entre a reclamação administrativa, na acepção do artigo 90.°, n.° 2, do Estatuto e o recurso subsequente exige, sob pena de inadmissibilidade, que um fundamento invocado perante o juiz comunitário já tenha igualmente sido invocado durante a fase pré‑contenciosa, para que a EHCA pudesse ter conhecimento, de forma suficientemente precisa, das críticas que o interessado formula em relação à decisão que contesta. Esta regra é justificada pela própria finalidade da fase pré‑contenciosa, que tem por objectivo permitir a resolução amigável dos diferendos surgidos entre os funcionários e a administração (acórdãos do Tribunal de Justiça de 1 de Julho de 1976, Sergy/Comissão, 58/75, Colect., p. 457, n.° 32, e de 14 de Março de 1989, Del Amo Martinez/Parlamento, 133/88, Colect., p. 689, n.° 9; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Novembro de 2006, Campoli/Comissão, T‑135/05, ColectFP, pp. I‑A‑2‑297, II‑A‑2‑1527, n.° 32; acórdão do Tribunal da Função Pública de 13 de Novembro de 2007, Tsirimokos/Parlamento, F‑76/06, ainda não publicado na Colectânea, n.° 45). A EHCA deve portanto ser claramente informada das acusações do reclamante para poder propor‑lhe uma eventual resolução amigável (acórdão Campoli/Comissão, já referido, n.° 32; acórdão Tsirimokos/Parlamento, já referido, n.° 45).

50      Ora, ainda que interpretadas num espírito de abertura, não pode deixar de se observar que, no caso concreto, as alegações invocadas entre 30 de Outubro e 25 de Novembro de 2007 pelos recorrentes nos recursos F‑20/08 e F‑34/08, e as «reclamações ampliativas» de 25 de Janeiro de 2008 não contestavam a legalidade das DGE‑AC. As primeiras diligências limitavam‑se, em substância, a criticar a dificuldade do teste de raciocínio verbal e numérico e, por vezes, o seu carácter selectivo, sem o ligar às DGE‑AC. Apesar de uma argumentação mais desenvolvida, as «reclamações ampliativas» defendiam apenas que a natureza das provas controvertidas não correspondia aos objectivos da selecção «tal como precisados pelo serviço comanditário, [pelo] vice‑presidente [da Comissão] e [pelo membro da Comissão] encarregado das relações externas», sem pôr em causa o fundamento do procedimento de selecção.

51      Em segundo lugar, a excepção de ilegalidade invocada em relação ao artigo 5.° das DGE‑AC é, em todo o caso, improcedente.

52      Com efeito, o artigo 27.° do Estatuto e o artigo 12.° do ROA, nos quais os recorrentes baseiam a sua argumentação, não são aplicáveis aos agentes contratuais na acepção do artigo 3.°–A do ROA. Além disso, deve recordar‑se que embora o artigo 82.° do ROA se baseia no princípio invocado pelos recorrentes, de acordo com o qual as instituições devem recrutar os agentes mais competentes, o referido artigo atribui um amplo poder de apreciação a cada instituição para definir as modalidades de selecção de candidatos atendendo ao interesse do serviço (v., n.° 43, do presente acórdão).

53      Ora a Comissão defende que a prova de raciocínio verbal e numérico tem por objectivo eliminar as candidaturas de pessoas que, mesmo admitindo que tenham conhecimentos alargados e específicos relacionados com o emprego solicitado, não têm capacidade de raciocínio suficiente para os pôr em prática. Acrescenta que essa prova lhe permite ter a certeza de que os agentes recrutados, que poderão, após um certo período, obter um contrato por tempo indeterminado, podem ser afectados a funções variadas. A Comissão precisa, além disso, que essa exigência é particularmente importante para os agentes chamados a trabalhar nas delegações, pois o interesse do serviço exige, aí, uma rotação regular. Os recorrentes não contestaram essas explicações de modo juridicamente bastante. Além do mais, a pertinência das mesmas afigura‑se plausível. Com efeito, é razoável considerar que a selecção dos melhores candidatos implique, para uma administração, a procura dos que combinam vastos conhecimentos e uma aptidão intelectual para os pôr em prática, num contexto susceptível de evoluir.

54      Daí resulta que o artigo 5.°, n.° 1, alínea d), das DGE‑AC não é contrário ao princípio que serve de base ao artigo 82.° do ROA, na medida em que, pelo menos, este último não impede a organização de testes de raciocínio verbal e numérico eliminatórios.

55      Deve por conseguinte julgar‑se improcedente a excepção de ilegalidade relativa ao artigo 5.° das DGE‑AC.

–       Quanto à ilegalidade do teste verbal e numérico eliminatório exigido no caso em apreço

56      Os recorrentes contestam que o EPSO possa, no caso em apreço, exigir‑lhes um teste verbal e numérico eliminatório. A esse respeito, invocam em particular a nota do serviço externo e a carta do vice‑presidente da Comissão e do membro da Comissão encarregado das relações externas, bem como a especificidade da sua situação.

57      De acordo com o artigo 82, n.os 5 e 6 do ROA, o EPSO presta assistência às diferentes instituições definindo e organizando os concursos dos agentes contratuais no respeito das disposições gerais adoptadas pelas referidas instituições. Além disso, resulta do artigo 5.°, n.os 1, alínea c), e 2, das DGE‑AC que o EPSO deve respeitar os perfis de competências e as qualificações específicas exigidas pela EHCA.

58      Resulta contudo dessas disposições e do artigo 3.°, n.° 2, da Decisão 2002/620 que o EPSO dispõe de uma ampla margem de manobra na organização dos testes de selecção.

59      Neste contexto, impõe‑se constatar que, em primeiro lugar, a nota do serviço externo e, em menor medida, a carta do vice‑presidente da Comissão e do membro da Comissão encarregado das relações externas, são ambíguas no que respeita ao facto de os testes controvertidos não serem «eliminatórios». Há portanto que interpretá‑los num sentido que não esvazie as provas de selecção de toda a utilidade. Além disso, essa nota e essa carta devem igualmente ser lidas à luz do artigo 5.° das DGE‑AC que sujeita, no mínimo (v. n.° 45 supra), o recrutamento de agentes contratuais à aprovação global nos testes. Com efeito, as afirmações do serviço externo e as declarações unilaterais do vice‑presidente da Comissão e do membro da Comissão encarregado das relações externas não podem validamente derrogar as DGE‑AC, adoptadas pelo colégio dos comissários.

60      Ora a Comissão alegou, acertadamente, que a nota do serviço externo e a carta do vice‑presidente da Comissão e do membro da Comissão encarregado das relações externas podiam ser entendidas no sentido de que os testes controvertidos não eram eliminatórios como nos concursos, na medida em que um número determinado de laureados não estava previamente estabelecido, sem, no entanto, afirmarem que esses testes não eram eliminatórios.

61      Tal leitura da nota do serviço externo e da carta do vice‑presidente da Comissão e do membro da Comissão encarregado das relações externas é conforme com os objectivos das provas de selecção e é compatível com o artigo 5.° das DGE‑AC.

62      Por conseguinte, a nota do serviço externo e esta carta do vice‑presidente da Comissão e do membro da Comissão encarregado das relações externas não permitem decidir no sentido de que o EPSO, ao impor um teste verbal e numérico eliminatório, ultrapassou os limites estipulados pela Comissão para a sua missão.

63      Tratando‑se, em segundo lugar, da necessidade de seleccionar os melhores candidatos, deve observar‑se que o convite à manifestação de interesse previa, como decorria da nota do serviço externo, que os testes seriam realizados na segunda língua de cada candidato. Além disso, ainda que eliminatória, a prova de raciocínio verbal e numérico controvertida revestia, globalmente, menos importância do que as provas de conhecimento. A mesma contava apenas para 30% do total de pontos. Apesar do seu carácter eliminatório, tinha assim menos peso do que o teste de conhecimentos específicos, igualmente eliminatório, para o qual o limiar de aprovação fora fixado em 55% e que entrava em linha de conta para 50% do total dos pontos. O teste de «conhecimento da UE» não pode, além disso, ser negligenciado. Ainda que este teste não fosse, por si eliminatório, contribuía contudo para 20% do total dos pontos. Do mesmo modo, um mau resultado neste teste podia influenciar o resultado global dos candidatos, num contexto em que o mínimo exigido para o conjunto das provas tinha sido fixado em 60%.

64      Deve por fim sublinhar‑se que a organização de uma prova de selecção particular para o perfil de funções «Relações externas», o carácter eliminatório do teste de conhecimentos específicos e do teste de raciocínio verbal e numérico, bem como o facto de eles representarem 80% do total dos pontos, enquanto o teste de conhecimento geral não era eliminatório e apenas contava para 20% nesse total, revelam que o EPSO entendeu privilegiar o recrutamento de agentes que tenham, por um lado, competências particulares no domínio das relações externas e que sejam dotados, por outro, de uma capacidade de raciocínio que os torna aptos a colocá‑las em prática e a fazer face, sendo caso disso, a outras necessidades.

65      À luz destas precisões, no caso em apreço, deve concluir‑se que no exercício das suas competências respectivas, ao preverem a organização de um teste de raciocínio verbal e numérico, ao terem‑lhe conferido um carácter eliminatório e ao terem‑no exigido aos agentes que já se encontravam em funções, a Comissão e o EPSO não excederam os limites do seu amplo poder de apreciação.

66      Atendendo ao acima exposto, o primeiro fundamento é improcedente e não pode, por conseguinte, ser acolhido.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do princípio da igualdade

 Argumentos das partes

67      Os recorrentes observam, em primeiro lugar, que o teste de raciocínio verbal e numérico era de má qualidade, tal como comprova a neutralização da questão n.° 46. Essa parca qualidade influenciou gravemente os seus resultados, na medida em que tiveram de passar demasiado tempo com as questões ambíguas, facto que os destabilizou para o resto das provas.

68      Os recorrentes alegam, em segundo lugar, que a decisão de conceder um ponto suplementar a todos os candidatos por cada questão neutralizada não permitia assegurar a igualdade de tratamento e a objectividade das provas.

69      Os recorrentes salientam assim, que o EPSO neutralizou 153 questões nos testes de competências relativos a diversos perfis. Citam em particular os testes respeitantes aos perfis seguintes: «desenvolvimento rural, segurança alimentar e ambiente», «desenvolvimento económico, sector privado e comercial» e «boa governação e segurança». A atribuição de um ponto por cada uma dessas questões teve por consequência a alteração substancial da natureza das provas e a quebra da igualdade entre os candidatos. Com efeito, essa gratificação privilegiou os candidatos inscritos em perfis de competências nos quais foram neutralizadas questões, em relação a candidatos inscritos noutros perfis em que não ocorreu qualquer neutralização. Além disso, atendendo ao número de questões neutralizadas, o teste de conhecimentos específicos já só revestia uma importância secundária nos referidos perfis. Por fim, o EPSO neutralizou questões apenas em certas línguas. Essa prática prejudicou os candidatos que realizaram as provas noutras línguas e que tiveram de responder a essas questões.

70      A Comissão responde que o EPSO, como os júris de concurso, beneficia de um amplo poder de apreciação. Essa margem de manobra impõe‑se, nomeadamente, quando é confrontado com irregularidades ou erros ocorridos no desenrolar das provas que não podem ser reiniciadas devido ao número elevado de participantes e em conformidade com os princípios da proporcionalidade e da boa administração.

71      De acordo com a Comissão, a repetição de uma grande parte das provas teria sido, no caso em apreço, desproporcionada, de tal forma que a decisão de neutralizar as questões n.os 31 e 46 do teste de raciocínio verbal e numérico foi adequada.

72      A Comissão recusa, em qualquer caso, que a neutralização das questões tenha discriminado os recorrentes.

73      A Comissão alega, em primeiro lugar, que a igualdade de tratamento entre candidatos não se apresentava, nas provas controvertidas, da mesma forma que num concurso, na medida em que o número de laureados não estava previamente estabelecido e em que não houve avaliação comparativa.

74      A Comissão insiste, em segundo lugar, no facto de a neutralização das questões problemáticas ter respeitado o princípio da igualdade dentro de cada grupo de funções e dentro de cada perfil.

75      Quanto ao teste de raciocínio verbal e numérico organizado para o perfil de funções «Relações externas», a Comissão observa, em terceiro lugar, que o erro na formulação da questão n.° 46 apenas foi cometido na versão inglesa. Da mesma forma, a alegada perturbação que teria afectado os recorrentes apenas podia, por hipótese, ter afectado os agentes que realizaram o teste nessa língua. Além disso, a Comissão relembra que uma discriminação susceptível de afectar a legalidade de um acto não pode resultar do comportamento individual dos próprios interessados. Por fim, sublinha que embora a questão n.° 46 só tenha sido, primeiro, neutralizada na versão inglesa, foi‑o em seguida nas outras línguas, para poder garantir a igualdade dos candidatos. A questão n.° 31 foi também neutralizada da mesma forma e para todos.

76      No que respeita à neutralização de questões incluídas nos testes de conhecimentos específicos, a Comissão alega, em quarto lugar, que todos os recorrentes chumbaram na prova de raciocínio verbal e numérico e que essa circunstância os distingue dos demais candidatos. Os recorrentes não têm sequer qualquer interesse em criticar a justeza da neutralização das questões do teste de conhecimentos específicos.

 Apreciação do Tribunal da Função Pública

77      A jurisprudência reconhece um amplo poder de apreciação ao júri de concursos, quando o mesmo é confrontado com irregularidades ou erros ocorridos no desenrolar de um concurso geral com uma participação numerosa, os quais não podem, por força dos princípios da proporcionalidade e da boa administração, ser corrigidos através de uma repetição das provas do concurso (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 2 de Maio de 2001, Giulietti e o./Comissão, T‑167/99 e T‑174/99, ColectFP, pp. I‑A‑93 e II‑441, n.° 58).

78      Ainda que o EPSO não seja um júri de concurso e que o teste controvertido não tivesse a forma de um concurso, esta jurisprudência pode ser‑lhe aplicada pois o EPSO dispõe de uma ampla margem de manobra na organização dos testes de selecção (v., n.° 58 supra).

79      Por outro lado, é pacífico que o convite à manifestação de interesse atraiu, no caso em apreço, um grande número de candidatos.

80      Confrontado com questões problemáticas, o EPSO considerou que, nesse contexto, convinha apenas neutralizá‑las, pois a solução que consistia em recomeçar todos os testes era desproporcionada e contrária ao princípio de boa administração.

81      Deve contudo verificar‑se se o método de neutralização utilizado violou a igualdade entre candidatos.

82      Nos termos de jurisprudência assente, o princípio da igualdade exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a não ser que tal tratamento seja objectivamente justificado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de Setembro de 2007, Lindorfer/Conselho, C‑227/04 P, Colect., p. I‑6767, n.° 63, e de 17 de Julho de 2008, Campoli/Comissão, C‑71/07 P, Colect., p. I‑5887, n.° 50). Além disso, uma violação do princípio da igualdade implica que o tratamento controvertido cause uma desvantagem a certas pessoas em relação a outras (acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 1962, Klöckner‑Werke e Hoesch/Alta Autoridade, 17/61 e 20/61, Colect. 1962‑1964, pp. 615, 652, e de 16 de Dezembro de 2008, Arcelor Atlantique e Lorraine e o., C‑127/07, ainda não publicado na Colectânea, n.° 39; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Abril de 2006, Deutsche Bahn/Comissão, T‑351/02, Colect., p. II‑1047, n.° 137).

83      No caso em apreço convém, antes de mais, relembrar que nem a Comissão nem o EPSO estabeleceram previamente um número limitado de laureados no convite à manifestação de interesse. Por conseguinte, os testes de selecção não implicavam qualquer comparação directa entre os candidatos. Como observa a Comissão, a questão da igualdade de tratamento entre candidatos não se coloca, portanto, da mesma forma que num concurso.

84      Contudo, mesmo neste contexto, não se pode excluir que a concessão de um ponto suplementar a todos os candidatos confrontados com questões problemáticas, de forma a neutralizá‑las, possa ter favorecido certos candidatos ao ter‑lhes permitido atingir mais facilmente os limiares estabelecidos para a aprovação nas provas.

85      Tratando‑se do teste de raciocínio verbal e numérico, é certo que apenas as questões n.os 31 e 46 foram neutralizadas. Os recorrentes alegam que, contudo, a questão n.° 46 lhes colocou tantos problemas que ficaram perturbados para o resto das provas. Na audiência, precisaram que certos candidatos passaram a outra questão, enquanto outros se esforçaram por lhe dar resposta. Todavia, mesmo admitindo que essa questão tenha perturbado ou retido alguns interessados mais do que outros, ao ponto de afectar a sua capacidade de resposta à totalidade do teste, tal situação resulta da sua própria atitude face à dificuldade. Longe de demonstrar que o método de neutralização escolhido os discriminou, as afirmações dos recorrentes sublinham, pelo contrário, a existência de uma diferença entre eles e os outros candidatos (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Janeiro de 2001, Gerochristos/Comissão, T‑189/99, ColectFP, pp. I‑A‑11 e II‑53, n.° 26). Além disso, as duas questões acima referidas foram neutralizadas em todas as versões linguísticas do teste, precisamente de forma a assegurar a igualdade de tratamento dos candidatos.

86      Por outro lado, as alegações apresentadas contra a neutralização de 153 questões nos testes de conhecimentos específicos relativos a diferentes perfis são inoperantes. Com efeito, os recorrentes chumbaram no teste de raciocínio verbal e numérico cujo carácter eliminatório era admissível, tal como demonstrou a análise do primeiro fundamento.

87      Nestas condições, não se afigura que a solução escolhida pelo EPSO para neutralizar as questões problemáticas tenha violado a igualdade dos candidatos em detrimento dos recorrentes.

88      O segundo fundamento é, por conseguinte, improcedente e não pode ser acolhido.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do artigo 1.°‑D do Estatuto e ao dever de fundamentação

 Argumentos das partes

89      Os recorrentes alegam ter demonstrado um certo número de irregularidades das quais resulta que os actos impugnados violam o princípio da igualdade. Em conformidade com os acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Abril de 2001, Torre e o./Comissão (T‑159/98, ColectFP, pp. I‑A‑83 e II‑395, n.os 46 e 47), e de 5 de Março de 2003, Staelen/Parlamento (T‑24/01, ColectFP, pp. I‑A‑79 e II‑423, n.os 47 a 58), incumbe por conseguinte à Comissão provar que essas irregularidades não afectaram o resultado final das provas. Ora a Comissão não produziu essa prova.

90      Os recorrentes concluem por uma violação do dever de fundamentação e do artigo 1.°‑D, n.° 5, do Estatuto.

91      A Comissão responde que não tem de contestar as alegações dos recorrentes, na medida em que os mesmos não fornecem nenhum indício de uma qualquer discriminação.

92      Por outro lado, a Comissão defende na contestação do processo F‑75/08, que a acusação relativa à violação do dever de fundamentação é inadmissível por falta de desenvolvimento. De qualquer forma, a acusação é infundada, já que os recorrentes tiveram conhecimento das razões que justificaram os actos impugnados através das informações fornecidas aos candidatos, aquando do procedimento de selecção, pelas respostas dadas aos «pedidos de reexame» apresentados entre 30 de Outubro e 25 de Novembro de 2007, bem como pelas respostas dadas às reclamações apresentadas em 25 de Janeiro de 2008.

 Apreciação do Tribunal da Função Pública

93      Deve, antes de mais, observar‑se que os recorrentes baseiam o seu terceiro fundamento, nomeadamente, no artigo 1.°‑D, n.° 5, do Estatuto, que no entanto não é aplicável aos agentes contratuais.

94      Em seguida, o fundamento encontra‑se ligado aos primeiro e segundo fundamentos. Da mesma forma, uma vez que o Tribunal da Função Pública julgou esse fundamentos improcedentes pelos motivos expostos nos n.os 43 e seguintes e nos n.os 77 e seguintes, já não cumpre verificar se os recorrentes demonstraram a existência de irregularidades que indiciem que os actos impugnados violam o princípio da igualdade. O fundamento é inoperante. Com efeito, na medida em que resulta da análise dos dois primeiros fundamentos que não foi demonstrada qualquer irregularidade no desenrolar das provas, a Comissão não podia partir do princípio de que elas tinham sido cometidas e provar que não tinham tido efeito sobre o resultado final das referidas provas e que não tinham sido fonte de discriminação.

95      Por fim, o fundamento é ambíguo. Resulta da sua formulação e especialmente da referência aos acórdãos Torre e o./Comissão e Staelen/Parlamento, já referidos, que os recorrentes parecem criticam a Comissão por não ter demonstrado, no Tribunal da Função Pública, a falta de influência das alegadas irregularidades denunciadas sobre o resultado dos testes controvertidos.

96      Se for essa a interpretação a dar ao fundamento, não se pode deixar de observar que os recorrentes confundem, por um lado, o dever de fundamentação que invocam e que constitui, por força do disposto no artigo 25.° do Estatuto e dos artigos 11.° e 81.°, do ROA, uma formalidade inerente à adopção de decisões administrativas que causem prejuízo, susceptíveis de serem contestadas no Tribunal da Função Pública e, por outro, o debate contraditório e o exercício dos direitos de defesa no quadro do processo jurisdicional ao qual as disposições acima referidas não são aplicáveis.

97      Por conseguinte, o terceiro fundamento é improcedente.

98      Atendendo a todas as considerações expostas, deve ser negado provimento à totalidade do recurso.

 Quanto às despesas

99      Nos termos do artigo 87.°, n.° 1, do Regulamento de Processo sem prejuízo de outras disposições do Capítulo VIII, Título II, do referido regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Por força do disposto no n.° 2 do mesmo artigo, o Tribunal pode decidir, quando razões de equidade o exijam, que uma parte vencida seja condenada apenas parcialmente nas despesas, ou mesmo que não seja condenada nas despesas.

100    Resulta do presente acórdão que os recorrentes são as partes vencidas. Por outro lado, a Comissão pediu expressamente que os recorrentes fossem condenados nas despesas. Não justificando as circunstâncias do caso em apreço a aplicação das disposições do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, devem, por conseguinte, condenar‑se os recorrentes nas despesas.

101    No entanto, há que ter em consideração a circunstância de os recorrentes nos processos F‑20/08 e a recorrente no processo F‑34/08 terem interposto, respectivamente, por um lado, os referidos recursos e, por outro, o recurso F‑75/08, o qual foi igualmente interposto pelos outros recorrentes no processo F‑75/08.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA (Segunda Secção)

decide:

1)      É negado provimento aos recursos F‑20/08, F‑34/08 e F‑75/08.

2)      J. Aparicio e os outros recorrentes cujos nomes figuram em anexo sob os n.os 1 a 18 são condenados nas despesas do processo F‑20/08 e a dezanove quarenta e seis avos das despesas no processo F‑75/08. A. Simon é condenada nas despesas no processo F‑34/08 e a um quarenta e seis avos das despesas no processo F‑75/08. Os recorrentes cujos nomes figuram em anexo sob os n.os 19 a 40 e 42 a 46 são condenados a vinte e seis quarenta e seis avos das despesas no processo F‑75/08.

Kanninen

Boruta

Van Raepenbusch

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 29 de Setembro de 2009.

O secretário

 

      O presidente

W. Hakenberg

 

      H. Kanninen

O texto da presente decisão bem como das decisões das jurisdições da União Europeia nela citadas e ainda não publicadas na Colectânea estão disponíveis no sítio Internet do Tribunal de Justiça www.curia.europa.eu


ANEXO

Atendendo ao elevado número de recorrentes neste processo, os seus nomes não são reproduzidos no presente anexo.


* Língua do processo: francês.