Language of document : ECLI:EU:C:2019:1069

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

12 de dezembro de 2019 (*)

[Texto retificado por Despacho de 13 de fevereiro de 2020]

«Reenvio prejudicial — Artigo 101.o TFUE — Reparação do prejuízo causado por um cartel — Direito a indemnização de pessoas que não operam como fornecedoras ou compradoras no mercado afetado pelo cartel — Danos sofridos por uma entidade pública que concedeu empréstimos em condições vantajosas para a aquisição de bens objeto do cartel»

No processo C‑435/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal, Áustria), por Decisão de 17 de maio de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 29 de junho de 2018, no processo

Otis GmbH,

Schindler Liegenschaftsverwaltung GmbH,

Schindler Aufzüge und Fahrtreppen GmbH,

Kone AG,

ThyssenKrupp Aufzüge GmbH

contra

Land Oberösterreich e o.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan, presidente de secção, I. Jarukaitis (relator), E. Juhász, M. Ilešič e C. Lycourgos, juízes,

advogada‑geral: J. Kokott,

secretário: D. Dittert, chefe de unidade,

vistos os autos e após a audiência de 16 de maio de 2019,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Otis GmbH, por A. Ablasser‑Neuhuber e F. Neumayr, Rechtsanwälte,

–        em representação da Schindler Liegenschaftsverwaltung GmbH e da Schindler Aufzüge und Fahrtreppen GmbH, por A. Traugott e A. Lukaschek, Rechtsanwälte,

–        em representação da Kone AG, por H. Wollmann, Rechtsanwalt,

–        em representação da ThyssenKrupp Aufzüge GmbH, por T. Kustor e A. Reidlinger, Rechtsanwälte,

–        [Conforme retificado por Despacho de 13 de fevereiro de 2020] em representação do Land Oberösterreich, por I. Innerhofer, R. Hoffer e S. Hinterdorfer, Rechtsanwälte,

–        em representação do Governo austríaco, por F. Koppensteiner e V. Strasser, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por C. Colelli, avvocato dello Stato,

–        em representação da Comissão Europeia, por B. Ernst e G. Meessen, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral apresentadas na audiência de 29 de julho de 2019,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 101.o TFUE.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Otis GmbH, a Schindler Liegenschaftsverwaltung GmbH e a Schindler Aufzüge und Fahrtreppen GmbH (a seguir, estas duas últimas sociedades em conjunto, «Schindler»), a Kone AG e a ThyssenKrupp Aufzüge GmbH (a seguir «ThyssenKrupp») ao Land Oberösterreich e a catorze outras entidades a respeito do pedido formulado por estes últimos com vista à condenação dessas cinco sociedades a indemnizá‑los pelo prejuízo que sofreram devido a um cartel entre elas, em violação, nomeadamente, do artigo 101.o TFUE.

 Direito austríaco

3        O § 1295, n.o 1, do Allgemein Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil austríaco; a seguir «ABGB») prevê:

«Qualquer pessoa tem o direito de exigir a reparação de um prejuízo a quem o causou culposamente; o prejuízo pode ser causado por violação de uma obrigação contratual ou extracontratual.»

4        Em conformidade com o § 1311, segunda frase, do ABGB, responde pelo dano causado quem «violou uma lei destinada a prevenir os danos fortuitos».

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

5        Em 21 de fevereiro de 2007, a Comissão Europeia aplicou a diversas empresas uma coima de um montante total de 992 milhões de euros em razão da sua participação, pelo menos desde os anos 80, em cartéis relativos à instalação e à manutenção de elevadores e de escadas rolantes na Bélgica, na Alemanha, no Luxemburgo e nos Países Baixos. Várias entidades dos grupos de sociedades a que pertencem a Otis, a Schindler, a Kone e a ThyssenKrupp faziam parte dessas empresas.

6        Por Acórdão de 8 de outubro de 2008, o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal, Áustria), agindo na qualidade de órgão jurisdicional de recurso em matéria de cartéis, confirmou o Despacho do Kartellgericht (Tribunal da Concorrência, Áustria), de 14 de dezembro de 2007, pelo qual este aplicou coimas à Otis, à Schindler, à Kone e a duas outras sociedades em razão do seu comportamento anticoncorrencial na Áustria. A ThyssenKrupp, embora tendo participado juntamente com todas estas sociedades nesse cartel no mercado austríaco (a seguir «cartel em causa»), optou, contudo, por testemunhar e beneficiou, a esse título, do programa de clemência previsto pelo direito austríaco.

7        O cartel em causa tinha designadamente por objetivo garantir à empresa favorecida um preço mais elevado do que aquele que poderia ter aplicado em condições normais de concorrência. A livre concorrência foi por este motivo falseada, bem como a evolução dos preços, relativamente ao que se teria verificado na inexistência de cartel.

8        Por ação intentada em 2 de fevereiro de 2010 no Handelsgericht Wien (Tribunal de Comércio de Viena, Áustria), o Land Oberösterreich e catorze outras entidades pediram que a Otis, a Schindler, a Kone e a ThyssenKrupp fossem condenadas à reparação do prejuízo que lhes foi causado pelo cartel em causa. Diferentemente das catorze outras entidades, o Land Oberösterreich não alegou, contudo, ter sofrido um dano enquanto comprador, direto ou indireto, dos produtos afetados pelo cartel em causa, mas na sua qualidade de organismo que concede subvenções.

9        Em apoio do seu pedido, o Land Oberösterreich alegou que, no âmbito do seu orçamento destinado à promoção da construção de habitações, durante o período em que funcionou o cartel em causa, concedeu particularmente a um sem-número de pessoas, ao abrigo das disposições legais de ajuda à construção de habitações, empréstimos bonificados destinados ao financiamento de projetos de construção, até uma determinada percentagem da totalidade dos custos de construção. Os beneficiários desses empréstimos tiveram, assim, a possibilidade de se financiar em condições mais favoráveis, em razão da taxa de juro praticada, inferior à taxa normal do mercado. O Land Oberösterreich sustentou, no essencial, que os custos associados à instalação de elevadores, incluídos nos custos de construção globais pagos pelos referidos beneficiários, eram mais elevados devido ao cartel em causa. Em consequência, esta entidade tinha sido forçada a emprestar montantes mais elevados. Se o cartel em causa não existisse, o Land Oberösterreich teria concedido empréstimos menos significativos e poderia ter aplicado a diferença à taxa média dos empréstimos do Estado federal.

10      Foi com base nesses fundamentos que o Land Oberösterreich pediu a condenação da Otis, da Schindler, da Kone e da ThyssenKrupp no pagamento de um montante correspondente especificamente a essa perda de juros, ao qual deverão acrescer juros.

11      O Handelsgericht Wien (Tribunal de Comércio de Viena) julgou improcedente o pedido do Land Oberösterreich, por Acórdão de 21 de setembro de 2016. Segundo aquele tribunal, esse Land não é um operador ativo no mercado dos elevadores e das escadas rolantes e sofreu, portanto, um mero dano indireto, insuscetível de dar origem, como tal, a uma indemnização.

12      O órgão jurisdicional de recurso, o Oberlandesgericht Wien (Tribunal Regional Superior de Viena, Áustria), anulou, por Despacho de 27 de abril de 2017, essa decisão e remeteu o processo ao tribunal de primeira instância para nova decisão. O órgão jurisdicional de recurso considerou que a proibição dos cartéis protege igualmente os interesses financeiros daqueles que têm de suportar os custos adicionais resultantes da distorção das condições do mercado. Deles fazem parte os organismos de direito público, como o Land Oberösterreich, que contribuem em larga medida para tornar possível a realização de projetos de construção, oferecendo subvenções num quadro institucionalizado. Tais organismos estavam assim na origem de uma parte não negligenciável da procura presente no mercado dos elevadores e das escadas rolantes, no qual as cinco sociedades em causa no processo principal puderam vender as suas prestações a preços mais elevados devido ao cartel em causa.

13      A Otis, a Schindler, a Kone e a ThyssenKrupp interpuseram recurso desse despacho do Oberlandesgericht Wien (Tribunal Regional superior de Viena) para o órgão jurisdicional de reenvio, o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal).

14      O órgão jurisdicional de reenvio indica que, segundo os critérios do direito austríaco, o prejuízo alegado pelo Land Oberösterreich não tem ligação suficiente com a finalidade da proibição dos carteis, que é manter a concorrência no mercado afetado pelo cartel em causa.

15      Esse órgão jurisdicional refere, a este respeito, que, no direito austríaco, os danos puramente patrimoniais, que consistem em danos contra o património da vítima produzidos sem prejudicar um bem ou um valor legalmente protegidos de forma absoluta, não beneficiam, fora de uma relação contratual, de uma proteção absoluta. Tais danos contra o património só são suscetíveis de ser indemnizados quando a ilicitude do comportamento lesivo decorre da ordem jurídica, particularmente no caso de violação de normas protetoras, uma vez que tais regras são proibições abstratas, destinadas a proteger uma categoria de pessoas contra os danos cometidos contra bens ou valores legalmente protegidos. Nesse caso, para que a responsabilidade seja desencadeada, é necessária a superveniência de um dano que a norma transgredida se destinava, precisamente, a impedir. O autor do dano só é responsável pelos prejuízos que se manifestem como uma concretização do risco à luz do qual determinado comportamento é exigido ou proibido. Um dano não dá lugar a indemnização quando se produza em consequência de um efeito colateral, numa esfera de interesses que não esteja protegida pela proibição enunciada na regra de proteção que foi violada.

16      O órgão jurisdicional de reenvio observa também que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o artigo 101.o TFUE tem como objetivo a manutenção de uma concorrência efetiva e não falseada no mercado interno e, portanto, que os preços sejam fixados em função do jogo da livre concorrência. Assim, entende que a esfera de proteção pessoal da proibição dos cartéis se estende a todos os fornecedores e compradores que operam no mercado material e geograficamente relevante afetado por um cartel. Em contrapartida, no seu entender, os organismos de direito público que, através de subvenções, permitem a determinados grupos de compradores adquirir mais facilmente o produto objeto do cartel não são operadores diretos no mercado, mesmo se uma parte significativa da atividade desse mercado só for possível por meio dessas subvenções. Ora, esse prejuízo não tem uma ligação suficiente com a finalidade da proibição dos carteis, que é preservar a concorrência no mercado afetado pelo cartel.

17      Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio observa que, embora a jurisprudência do Tribunal de Justiça preveja, nomeadamente, que qualquer pessoa tem o direito de pedir a reparação do prejuízo que lhe tenha sido causado por um contrato ou por um comportamento suscetível de restringir ou falsear o jogo da concorrência, é necessário um nexo de causalidade entre o prejuízo e o comportamento anticoncorrencial. Além disso, a determinação das formas de exercício desse direito, incluindo as modalidades de aplicação do conceito de «nexo de causalidade», incumbe aos Estados‑Membros, no respeito dos princípios da equivalência e da efetividade. Por conseguinte, deve evitar‑se que o direito nacional torne impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União.

18      Além disso, esse órgão jurisdicional indica que, atendendo às circunstâncias factuais em causa no processo principal, a questão que suscita consiste em saber se o princípio segundo o qual qualquer um pode instaurar uma ação judicial contra um membro do cartel com vista à reparação do seu prejuízo também é válido para as pessoas, por um lado, que, embora tenham uma importância crucial no mercado em causa, não intervêm nele na qualidade de fornecedoras ou de compradoras, e, por outro, cujo prejuízo é apenas a consequência do prejuízo sofrido por um terceiro diretamente afetado.

19      Foi nestas circunstâncias que o Oberster Gerichtshof (SupremoTribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem o artigo 85.o TCE, o artigo 81.o CE e o artigo 101.o TFUE ser interpretados no sentido de que, para preservar a plena eficácia destas disposições e o efeito útil da proibição que delas resulta, é necessário que uma indemnização pelos prejuízos possa ser exigida aos participantes num cartel também por pessoas que não operam enquanto fornecedores ou compradores no mercado material e geograficamente relevante afetado por um cartel, mas atuam, nos termos de disposições legais, como entidades que concedem empréstimos em condições favoráveis aos adquirentes dos produtos disponíveis no mercado afetado pelo cartel, e cujos prejuízos consistem no facto de o montante dos empréstimos, concedidos numa percentagem do custo dos produtos, ser mais elevado do que aquele que teria sido concedido sem o cartel, pelo que não podiam investir essas quantias e obter o consequente benefício?»

 Quanto à questão prejudicial

20      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 101.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que as pessoas que não operam como fornecedoras ou compradoras no mercado afetado por um cartel, mas que concederam subvenções, sob a forma de empréstimos de incentivo, aos adquirentes de produtos oferecidos nesse mercado, podem pedir a condenação das empresas que participaram nesse cartel na reparação do prejuízo sofrido em razão do facto de o montante dessas subvenções ter sido mais elevado do que seria na inexistência do referido cartel, uma vez que essas pessoas não puderam aplicar esse diferencial noutros fins mais lucrativos.

21      A este respeito, há que recordar que o artigo 101.o, n.o 1, TFUE produz efeitos diretos nas relações entre os particulares e cria direitos na esfera jurídica destes, que os órgãos jurisdicionais nacionais devem proteger (Acórdãos de 20 de setembro de 2001, Courage e Crehan, C‑453/99, EU:C:2001:465, n.o 23, e de 14 de março de 2019, Skanska Industrial Solutions e o., C‑724/17, EU:C:2019:204, n.o 24 e jurisprudência aí referida).

22      A plena eficácia do artigo 101.o TFUE e, em particular, o efeito útil da proibição enunciada no seu n.o 1 seriam postos em causa se não fosse possível a qualquer pessoa pedir a reparação do prejuízo que lhe tivesse sido causado por um contrato ou um comportamento suscetível de restringir ou falsear o jogo da concorrência (Acórdãos de 20 de Setembro de 2001, Courage e Crehan, C‑453/99, EU:C:2001:465, n.o 26, e de 14 de março de 2019, Skanska Industrial Solutions e o., C‑724/17 EU:C:2019:204, n.o 25; e jurisprudência aí referida).

23      Assim, qualquer pessoa tem o direito de pedir a reparação do prejuízo sofrido quando haja um nexo de causalidade entre o referido prejuízo e um cartel ou uma prática proibida pelo artigo 101.o TFUE (Acórdãos de 13 de julho de 2006, Manfredi e o., C‑295/04 a C‑298/04, EU:C:2006:461, n.o 61, e de 14 de março de 2019, Skanska Industrial Solutions e o., C‑724/17, EU:C:2019:204, n.o 26 e jurisprudência aí referida).

24      Com efeito, o direito de qualquer pessoa pedir a reparação desse prejuízo reforça o caráter operacional das regras de concorrência da União e é suscetível de desencorajar os acordos ou práticas, frequentemente dissimulados, suscetíveis de restringir ou falsear o jogo da concorrência, contribuindo assim para a manutenção de uma concorrência efetiva na União Europeia (Acórdão de 5 de junho de 2014, Kone e o., C‑557/12, EU:C:2014:1317, n.o 23 e jurisprudência aí referida).

25      A este propósito, e especificamente no domínio do direito da concorrência, as regras nacionais relativas às formas de exercício do direito de pedir a reparação do prejuízo resultante de um cartel ou de uma prática proibida pelo artigo 101.o TFUE não devem prejudicar a aplicação efetiva desta disposição (v., neste sentido, Acórdão de 5 de junho de 2014, Kone e o., C‑557/12, EU:C:2014:1317, n.o 26 e jurisprudência aí referida).

26      Assim, o direito dos Estados‑Membros deve ter em conta, em particular, o objetivo prosseguido pelo artigo 101.o TFUE, que visa garantir a manutenção de uma concorrência efetiva e não falseada no mercado interno e, assim, preços fixados em função do jogo da livre concorrência. É para assegurar essa efetividade do direito da União que o Tribunal de Justiça declarou, tal como foi recordado no n.o 23 do presente acórdão, que as regras nacionais devem reconhecer a qualquer pessoa o direito de pedir a reparação do prejuízo sofrido (v., neste sentido, Acórdão de 5 de junho de 2014, Kone e o., C‑557/12, EU:C:2014:1317, n.o 32 e jurisprudência aí referida).

27      Importa ainda sublinhar, como salientou igualmente, em substância, a advogada‑geral no n.o 78 das suas conclusões, que tanto a garantia da plena eficácia e do efeito útil do artigo 101.o TFUE como a proteção eficaz contra as consequências prejudiciais de uma violação do direito da concorrência ficariam gravemente comprometidas se a possibilidade de reclamar a indemnização do prejuízo causado por um cartel estivesse limitada aos fornecedores e aos compradores do mercado afetado pelo cartel. Com efeito, isso privaria liminarmente e de forma sistemática as vítimas potenciais da possibilidade de exigir uma indemnização.

28      No processo principal, o Land Oberösterreich alega ter sofrido um dano, não enquanto adquirente de produtos afetados pelo cartel em causa, mas na sua qualidade de entidade pública que atribui subvenções. Com efeito, o referido Land concede a terceiros empréstimos de incentivo com uma taxa de juro inferior à taxa de juro do mercado. Dado que o montante dos empréstimos está relacionado com os custos da construção, o Land Oberösterreich considera que sofreu um prejuízo, uma vez que o montante dos empréstimos — e, consequentemente, o montante da ajuda financeira que concedeu a uma taxa de juro bonificada — foi mais elevado do que teria sido concedido na inexistência do cartel.

29      Todavia, as recorrentes no processo principal contestam, no essencial, o direito de o Land Oberösterreich reclamar a indemnização do prejuízo que considera ter sofrido, com o fundamento de que este último não apresenta uma ligação suficiente com o objetivo de proteção prosseguido pelo artigo 101.o TFUE e, portanto, não é suscetível de dar lugar a reparação.

30      Contudo, como resulta dos n.os 22 a 25, 26 e 27 do presente acórdão, qualquer prejuízo que tenha um nexo de causalidade com uma infração ao artigo 101.o TFUE deve ser suscetível de dar lugar a reparação, a fim de assegurar a aplicação efetiva do artigo 101.o TFUE e preservar o efeito útil desta disposição.

31      Sob pena de os participantes num cartel não serem obrigados a reparar todos os danos os danos que poderiam ter causado, não é necessário, a este respeito, como a advogada‑geral observou, em substância, no n.o 84 das suas conclusões, que o prejuízo sofrido pela pessoa afetada apresente, além disso, uma ligação específica com o «objetivo de proteção» prosseguido pelo artigo 101.o TFUE.

32      Por conseguinte, as pessoas que não operam como fornecedoras nem como compradoras no mercado afetado pelo cartel devem poder exigir a reparação do dano resultante do facto de, em razão desse cartel, terem sido obrigadas a conceder subvenções mais elevadas do que se o referido cartel não tivesse existido e, consequentemente, não terem podido aplicar esse diferencial em investimentos mais lucrativos.

33      No entanto, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se, no caso em apreço, o Land Oberösterreich sofreu concretamente esse prejuízo, verificando, nomeadamente, se essa autoridade dispunha ou não da possibilidade de realizar investimentos mais lucrativos e, em caso afirmativo, se forneceu as provas necessárias da existência de um nexo de causalidade entre esse prejuízo e o cartel em causa.

34      Atendendo às considerações anteriores, há que responder à questão submetida que o artigo 101.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que as pessoas que não operam como fornecedoras ou compradoras no mercado afetado por um cartel, mas que concederam subvenções, sob a forma de empréstimos de incentivo, aos adquirentes de produtos oferecidos nesse mercado, podem pedir a condenação das empresas que participaram nesse cartel na reparação do prejuízo sofrido em razão do facto de o montante dessas subvenções ter sido mais elevado do que seria na inexistência do referido cartel, uma vez que essas pessoas não puderam aplicar esse diferencial noutros fins mais lucrativos.

 Quanto às despesas

35      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

O artigo 101.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que as pessoas que não operam como fornecedoras ou compradoras no mercado afetado por um cartel, mas que concederam subvenções, sob a forma de empréstimos de incentivo, aos adquirentes de produtos oferecidos nesse mercado, podem pedir a condenação das empresas que participaram nesse cartel na reparação do prejuízo sofrido em razão do facto de o montante dessas subvenções ter sido mais elevado do que seria na inexistência do referido cartel, uma vez que essas pessoas não puderam aplicar esse diferencial noutros fins mais lucrativos.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.