Language of document : ECLI:EU:C:2022:14

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

TAMARA ĆAPETA

apresentadas em 13 de janeiro de 2022(1)

Processos apensos C415/20, C419/20 e C427/20

Gräfendorfer Geflügel  und Tiefkühlfeinkost Produktions GmbH (C415/20)

F. Reyher Nchfg. GmbH & Co. KG vertr. d. d. Komplementärin Verwaltungsgesellschaft F. Reyher Nchfg. mbH (C419/20)

contra

Hauptzollamt Hamburg (C415/20 e C419/20)

e

Flexi Montagetechnik GmbH & Co. KG

contra

Hauptzollamt Kiel (C427/20)

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Finanzgericht Hamburg (Tribunal Tributário de Hamburgo, Alemanha)]

«Reenvio prejudicial — Restituição das quantias cobradas por um Estado‑Membro em violação do direito da União — Pagamento de juros — União aduaneira — Artigo 241.o do Regulamento (CEE) n.o 2913/92 do Conselho (Código Aduaneiro Comunitário) — Artigo 116.o, n.o 6, do Regulamento (UE) n.o 952/2013 (Código Aduaneiro da União) — Limitação do pagamento de juros em caso de restituição dos direitos aduaneiros — Princípio da efetividade — Medidas nacionais que preveem o pagamento de juros a contar da data da propositura da ação»






I.      Introdução

1.        Os três pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Finanzgericht Hamburg (Tribunal Tributário de Hamburgo, Alemanha) têm por objeto a interpretação do direito da União no que se refere ao direito dos particulares ao pagamento de juros consagrado na jurisprudência do Tribunal de Justiça como medida corretiva decorrente do direito da União. Dizem respeito a três diferentes tipos de situações que envolvem pedidos de pagamento de juros sobre montantes indevidamente cobrados em violação do direito da União, relativas, em primeiro lugar, ao pagamento tardio das restituições à exportação de produtos agrícolas e do reembolso das sanções pecuniárias indevidamente aplicadas em relação a essas restituições, em segundo lugar, ao reembolso dos direitos antidumping e, em terceiro lugar, ao reembolso dos direitos de importação.

2.        As questões suscitadas pelos presentes processos conferem ao Tribunal de Justiça a oportunidade de esclarecer e desenvolver a sua jurisprudência relativa ao direito ao pagamento de juros e, nomeadamente, de responder à questão de saber em que situações de violação do direito da União tal direito pode ser invocado à luz do mesmo. Além disso, é ainda pedido ao Tribunal de Justiça que esclareça as condições em que podem ser impostas limitações ao direito ao pagamento de juros, tanto pelo direito da União como pelo direito nacional.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

3.        O Regulamento (CEE) n.o 2913/92 do Conselho, de 12 de outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (2), foi revogado e substituído pelo Regulamento (CE) n.o 450/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2008, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (Código Aduaneiro Modernizado) (3), o qual, por sua vez, foi revogado e substituído pelo Regulamento (UE) n.o 952/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de outubro de 2013, que estabelece o Código Aduaneiro da União (4).

4.        O artigo 241.o do Código Aduaneiro Comunitário previa:

«O reembolso pelas autoridades aduaneiras de montantes de direitos de importação ou de exportação, bem como dos juros de crédito ou de mora eventualmente cobrados quando do pagamento desses direitos não implica qualquer pagamento de juros por parte das referidas autoridades. Todavia, serão pagos juros:

–        sempre que uma decisão de deferimento de um pedido de reembolso não seja executada no prazo de três meses a contar da adoção da referida decisão,

–        sempre que estiver previsto nas disposições nacionais.

[…]»

5.        O artigo 116.o, n.o 6, do Código Aduaneiro da União dispõe:

«O reembolso não implica qualquer pagamento de juros por parte das autoridades aduaneiras.

Todavia, são pagos juros caso uma decisão de concessão de reembolso não seja executada no prazo de três meses a contar da data da sua aprovação, a menos que o não cumprimento do prazo não seja imputável às autoridades aduaneiras.

Neste caso, são pagos juros entre a data de termo do prazo de três meses e a data de reembolso. A taxa de juros é estabelecida nos termos do artigo 112.o»

B.      Direito alemão

6.        Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a lei alemã relevante é o Abgabenordnung (Código Tributário, BGBl. 2002 I, p. 3866), na sua versão aplicável aos litígios nos processos principais (a seguir «AO»).

7.        O § 3 do AO dispõe:

«[…]

(3)      Os direitos de importação e de exportação previstos no artigo 5.o, pontos 20 e 21, do [Código Aduaneiro da União] são impostos na aceção da presente lei […]

(4)      Obrigações tributárias acessórias são […] os juros previstos nos §§ 233 a 237, […] os juros sobre os direitos de importação e de exportação previstos no artigo 5.o, pontos 20 e 21, do Código Aduaneiro da União […]

[…]»

8.        Segundo o § 233 do AO:

«Os direitos decorrentes da relação jurídico‑tributária (§ 37) só vencem juros nos casos previstos na lei. […]»

9.        O § 236 do AO prevê:

«Se, por decisão judicial transitada em julgado ou com fundamento nessa decisão, for determinada a redução ou reembolso de um tributo liquidado, sobre o montante a pagar ou a reembolsar vencem‑se juros, salvo o previsto no n.o 3, a partir do dia da propositura da ação até ao dia do pagamento ou reembolso. […]»

10.      Além disso, no processo C‑415/20, a lei alemã relevante é a Gesetz zur Durchführung der gemeinsamen Marktorganisationen und der Direktzahlungen (Marktorganisationsgesetz — Lei de Execução da Organização Comum dos Mercados e dos Pagamentos Diretos) (BGB1. 2017 I, p. 3746), na versão aplicável aos litígios nos processos principais (a seguir «MOG»).

11.      O § 14 da MOG dispõe:

«1.      Aos montantes devidos pela restituição de uma prestação ou pela violação de qualquer outra obrigação são aplicados juros à taxa de base acrescida de cinco pontos percentuais a contar da data do respetivo vencimento. Os direitos não pagos atempadamente vencem juros à taxa de base acrescida de cinco pontos percentuais a contar da data do seu vencimento. O primeiro e segundo períodos são aplicáveis sem prejuízo das disposições e dos atos referidos no § 1, n.o 2.

2.      Os montantes devidos a título de prestação ou intervenção vencem juros a partir da data da propositura da ação judicial, em conformidade com os §§ 236, 238 e 239 do AO. Nos restantes casos, não há lugar ao pagamento de juros.»

III. Matéria de facto, tramitação dos processos principais e questões prejudiciais

A.      Processo C415/20

12.      Segundo o despacho de reenvio, a Gräfendorfer Geflügel ‑ und Tiefkühlfeinkost Produktions GmbH (a seguir «Gräfendorfer») é uma empresa alemã que exporta carcaças de aves para países terceiros.

13.      No período compreendido entre janeiro e junho de 2012, o Hauptzollamt Hamburg (Serviço Aduaneiro Central de Hamburgo, Alemanha) recusou a concessão à Gräfendorfer de restituições à exportação, com o fundamento de que as carcaças de aves não eram de qualidade sã, leal e comerciável porque não tinham sido completamente depenadas ou tinham demasiadas miudezas (vísceras). Com base no direito da União aplicável (5), o Serviço Aduaneiro Central de Hamburgo aplicou, além disso, sanções à Gräfendorfer devido ao facto de esta ter solicitado uma restituição à exportação superior àquela a que tinha direito.

14.      Posteriormente, no âmbito de recursos interpostos por terceiros (6), o Finanzgericht Hamburg (Tribunal Tributário de Hamburgo) decidiu, com base no Acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de novembro de 2011, Gebr. Stolle (7), que a presença de um pequeno número de penas não obstava à restituição à exportação e que a carcaça podia conter um máximo de quatro miudezas. Por conseguinte, o Serviço Aduaneiro Central de Hamburgo deferiu a reclamação administrativa apresentada pela Gräfendorfer, concedendo‑lhe as restituições à exportação solicitadas e reembolsando‑a pelas sanções aplicadas.

15.      Por carta de 16 de abril de 2015, a Gräfendorfer apresentou ao Serviço Aduaneiro Central de Hamburgo um pedido de pagamento de juros relativo ao atraso no pagamento das restituições à exportação e às sanções reembolsadas. Por Decisão de 22 de julho de 2015, o Serviço Aduaneiro Central de Hamburgo indeferiu esse pedido. Também indeferiu, por Decisão de 18 de abril de 2018, a reclamação administrativa apresentada pela Gräfendorfer contra a sua Decisão de 22 de julho de 2015.

16.      Em 23 de maio de 2018, a Gräfendorfer interpôs recurso dessa decisão de indeferimento no órgão jurisdicional de reenvio. Em apoio do seu recurso, invoca o direito da União e o direito ao pagamento de juros decorrente da jurisprudência do Tribunal de Justiça. O Serviço Aduaneiro Central de Hamburgo alega, designadamente, que a sua recusa, à data, de conceder as restituições à exportação não era contrária ao direito da União, estando em conformidade com a legislação da União aplicável e com a jurisprudência nacional; foi apenas em resultado do acórdão do Tribunal de Justiça e das subsequentes decisões do órgão jurisdicional de reenvio que a Gräfendorfer teve direito à concessão de restituições à exportação e, nessa situação, não pode reclamar juros sobre o montante corrigido. O Serviço Aduaneiro Central de Hamburgo invocou, a este respeito, o Acórdão Wortmann (8) do Tribunal de Justiça de 18 de janeiro de 2017.

17.      O órgão jurisdicional de reenvio indica que não existe nenhuma disposição de direito da União ou de direito nacional aplicável ao litígio no processo principal que permita acolher os pedidos da Gräfendorfer de pagamento de juros relativos ao pagamento tardio das restituições à exportação ou às sanções reembolsadas. Por conseguinte, do litígio depende da questão de saber se esses pedidos podem basear‑se no direito ao pagamento de juros ao abrigo do direito da União, conforme estabelecido na jurisprudência do Tribunal de Justiça.

18.      Tendo dúvidas quanto à questão de saber se o direito ao pagamento de juros decorrente do direito da União é aplicável quando se verifica uma violação deste último, conforme se constata no caso em apreço, o Finanzgericht Hamburg (Tribunal Tributário de Hamburgo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      A obrigação dos Estados‑Membros, decorrente do direito da União, de restituir os direitos aduaneiros cobrados em violação do direito da União acrescidos de juros também existe nos casos em que o fundamento da restituição não consiste numa declaração, pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, de uma violação do direito da União pela base jurídica, mas numa interpretação de uma (sub)posição da Nomenclatura Combinada efetuada pelo Tribunal de Justiça?

2)      Os princípios do direito a juros desenvolvidos pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito do direito da União também são aplicáveis ao pagamento de restituições à exportação que a autoridade do Estado‑Membro recusou em violação do direito da União?»

B.      Processo C419/20

19.      Segundo o despacho de reenvio, a F. Reyher Nchfg. GmbH & Co. KG (a seguir «Reyher») é uma empresa alemã que procedeu à importação para a União, durante os anos de 2010 e 2011, de parafusos de uma empresa na Indonésia, e que é filial de uma empresa estabelecida na China.

20.      O Serviço Aduaneiro Central de Hamburgo considerou que esses parafusos eram originários da China e que deviam estar sujeitos, quando importados para a União, aos direitos antidumping previstos no Regulamento n.o 91/2009 (9). Por conseguinte, emitiu em 2013 vários avisos de cobrança de direitos antidumping à Reyher, que pagou os respetivos montantes. Posteriormente, a Reyher interpôs recurso no Finanzgericht Hamburg (Tribunal Tributário de Hamburgo) contestando a aplicação desses direitos.

21.      Por Sentença de 3 de abril de 2019 transitada em julgado, o Finanzgericht Hamburg (Tribunal Tributário de Hamburgo) deu provimento ao recurso interposto pela Reyher e anulou os direitos antidumping que lhe tinham sido cobrados com o fundamento de que o Serviço Aduaneiro Central de Hamburgo não conseguiu provar que os parafusos importados pela Reyher para a União tinham origem na China.

22.      Em maio de 2019, o Serviço Aduaneiro Central de Hamburgo restituiu à Reyher os direitos antidumping por ela pagos. No entanto, indeferiu tanto o seu pedido de pagamento de juros sobre esses direitos, como a sua reclamação administrativa apresentada contra esse indeferimento.

23.      Em 10 de fevereiro de 2020, a Reyher interpôs recurso dessa última decisão de indeferimento no órgão jurisdicional de reenvio. Embora as partes estejam em desacordo quanto à questão de saber se o artigo 116.o, n.o 6, do Código Aduaneiro da União exclui o pagamento de juros, o órgão jurisdicional de reenvio considera que não é este o código aplicável aos factos do processo principal, mas sim o anterior Código Aduaneiro Comunitário. Nos termos do artigo 241.o do Código Aduaneiro Comunitário, são devidos juros sempre que tal estiver previsto no direito nacional. Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a Reyher pode reclamar juros a partir da data em que o recurso foi interposto com base no § 236, n.o 1, do AO. No entanto, este órgão jurisdicional questiona se a Reyher tem direito a juros relativos ao período decorrido entre o pagamento dos direitos antidumping indevidos e a instauração do processo judicial.

24.      Tendo dúvidas quanto à possibilidade de a Reyher invocar o direito ao pagamento dos juros que decorre do direito da União em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça no que respeita aos juros que não pode reclamar com base no direito nacional, o Finanzgericht Hamburg (Tribunal Tributário de Hamburgo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«A violação do direito da União, como requisito do direito a juros nos termos do direito da União desenvolvido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, é igualmente exigível quando uma autoridade de um Estado‑Membro cobra um imposto em aplicação do [d]ireito da União e um órgão jurisdicional desse Estado‑Membro declara posteriormente que não se verificam os pressupostos de facto da cobrança desse imposto?»

C.      Processo C427/20

25.      Segundo o despacho de reenvio, a Flexi Montagetechnik GmbH & Co. KG (a seguir «Flexi Montagetechnik») é uma empresa alemã que importava para a União ganchos ditos de mola que são usados no fabrico de coleiras para cães.

26.      O Hauptzollamt Kiel (Serviço Aduaneiro Central de Kiel) considerou, na sequência de uma fiscalização, que, contrariamente à declaração da Flexi Montagetechnik, tais ganchos não deviam ser classificados na posição 8308 da Nomenclatura Combinada (a seguir «NC»), correspondendo a uma tributação à taxa de 2,7 %, mas sim na posição 7907 da NC, correspondendo a uma tributação à taxa de 5 %, e assim sujeitos a direitos de importação de um montante superior ao pago pela Flexi Montagetechnik. O Serviço Aduaneiro Central de Kiel emitiu dois avisos de liquidação para a cobrança de direitos de importação, cujos montantes a Flexi Montagetechnik pagou em março de 2014. Posteriormente, em setembro de 2014, a Flexi Montagetechnik interpôs recurso judicial contra esses avisos.

27.      Por Acórdão de 20 de junho de 2017, o Bundesfinanzhof (Supremo Tribunal Tributário Federal, Alemanha) anulou esses dois avisos de liquidação com o fundamento de que a cobrança dos direitos de importação era ilegal pelo facto de que os ganchos deviam ter sido classificados na posição 8308 da NC, conforme a Flexi Montagetechnik o tinha feito.

28.      Em outubro de 2017, o Serviço Aduaneiro Central de Kiel restituiu à Flexi Montagetechnik os direitos de importação pagos. No entanto, recusou pagar juros sobre os montantes desses direitos relativos ao período compreendido entre a data do pagamento e a data da sua restituição e, em seguida, indeferiu a reclamação administrativa da Flexi Montagetechnik contra essa recusa.

29.      A Flexi Montagetechnik interpôs recurso contra essa recusa no órgão jurisdicional de reenvio. Na pendência do processo, o Serviço Aduaneiro Central de Kiel concedeu‑lhe juros relativos ao período compreendido entre a data da interposição do recurso contra os avisos de liquidação (setembro de 2014) e a data da restituição dos direitos de importação (outubro de 2017). Todavia, as partes estão ainda em litígio sobre a questão de saber se a Flexi Montagetechnik pode também reclamar juros relativamente ao período entre o pagamento dos direitos de importação ilegalmente cobrados (março de 2014) e a interposição do recurso contra os avisos de liquidação (setembro de 2014).

30.      Tendo dúvidas quanto à questão de saber se a Flexi Montagetechnik pode invocar o direito ao pagamento de juros decorrente do direito da União em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça a respeito dos juros que não pode reclamar com base no direito nacional, o Finanzgericht Hamburg (Tribunal Tributário de Hamburgo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«A violação do direito da União, como requisito do direito a juros nos termos do direito da União desenvolvido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, é igualmente exigível quando uma autoridade de um Estado‑Membro cobra um imposto em violação de disposições válidas do direito da União e um órgão jurisdicional desse Estado‑Membro declara essa violação?»

IV.    Tramitação processual no Tribunal de Justiça

31.      Por Decisão de 9 de outubro de 2020, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu apensar os processos C‑415/20, C‑419/20 e C‑427/20 para efeitos das fases escrita e oral e do acórdão.

32.      Foram apresentadas observações escritas ao Tribunal de Justiça pela Gräfendorfer, pela Reyher, pela Flexi Montagetechnik, pelo Governo neerlandês e pela Comissão Europeia. Estas partes responderam igualmente às questões que lhes foram colocadas por escrito pelo Tribunal de Justiça nos termos do artigo 62.o, n.o 1, do seu Regulamento de Processo.

V.      Análise

33.      Com as suas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende obter orientações sobre várias questões relativas ao direito ao pagamento de juros decorrente do direito da União, conforme desenvolvido na jurisprudência do Tribunal de Justiça.

34.      O órgão jurisdicional de reenvio não questiona o facto de o direito ao pagamento de juros decorrer do direito da União, mas manifesta dúvidas quanto à questão de saber se tal direito é aplicável quando confrontado com diferentes situações de violação do direito da União.

35.      A primeira questão subjacente aos três processos é formulada, em substância, no sentido de saber se a forma como a violação do direito da União ocorreu importa para que o direito ao pagamento de juros possa ser invocado à luz do mesmo. Além disso, coloca‑se indiretamente a questão de saber se é relevante o facto de a violação do direito da União ter sido declarada pelos órgãos jurisdicionais nacionais e não pelo Tribunal de Justiça.

36.      A segunda questão subjacente aos presentes processos consiste, essencialmente, em saber se e em que condições o direito ao pagamento de juros decorrente do direito da União pode ser limitado. Os processos C‑419/20 e C‑427/20 levantam a questão da aplicabilidade da limitação do direito ao pagamento de juros prevista na regulamentação aduaneira da União, sendo que os três processos se interrogam sobre a eventual limitação deste direito pelo direito nacional.

37.      Com o intuito de responder a estas questões, começarei por apreciar o direito ao pagamento de juros, conforme desenvolvido na jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao reembolso de montantes pagos em violação do disposto no direito da União (secção A). Em seguida, analisarei se, para que o direito ao pagamento de juros possa ser invocado ao abrigo do direito da União, importa saber como ocorreu a violação do direito da União (secção B.1), antes de me debruçar sobre a questão de saber se é relevante que a violação do direito da União seja declarada pelos órgãos jurisdicionais nacionais ou pelo Tribunal de Justiça (secção B.2). Por último, abordarei as possíveis justificações das limitações estabelecidas para o direito ao pagamento de juros, tanto ao abrigo do direito da União (secção C.1) como do direito nacional (secção C.2).

38.      A minha análise irá demonstrar que o direito ao pagamento de juros é uma regra geral do direito da União aplicável em todos os casos em que o pagamento devido nos termos do direito da União é efetuado com atraso, quer se trate do reembolso de quantias indevidamente pagas ou do pagamento tardio das prestações a que uma pessoa tem direito ao abrigo do direito da União. Esta regra geral pode ser limitada pelo direito da União ou pelo direito nacional, desde que essa limitação seja justificada por um interesse público admissível e seja proporcional a esse interesse. Examinarei a limitação introduzida pela legislação aduaneira da União, bem como a limitação que existe na legislação nacional aplicável a este respeito.

A.      Quanto ao direito ao pagamento dos juros nos termos do direito da União

39.      A título preliminar, refira‑se que o direito ao pagamento de juros à luz do direito da União evoluiu em articulação com a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao direito ao reembolso de montantes indevidamente pagos em violação do direito da União.

40.      As situações em que foram cobradas diferentes taxas e impostos em violação do direito da União não são novidade. Numa fase precoce da sua jurisprudência, o Tribunal de Justiça foi, por exemplo, chamado a pronunciar‑se sobre taxas pelo controlo fitossanitário (10), taxas de exportação (11), taxas de controlo sanitário aquando da importação (12), taxas sobre carcaças de suínos destinadas ao fabrico de toucinho (13), impostos de consumo sobre bananas (14) e taxas cobradas por ocasião do registo das sociedades anónimas e das sociedades por quotas(15). Os processos mais recentes diziam respeito ao pagamento antecipado do imposto sobre o rendimento das sociedades distribuído pela filial à sua sociedade‑mãe (16), ao imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») cobrado em excesso (17), ao imposto sobre a poluição dos veículos a motor (18) e aos impostos pagos em excesso sobre o consumo de eletricidade (19), para referir apenas alguns.

41.      Nos casos em que tais impostos foram considerados contrários ao direito da União, os sujeitos passivos pediram o respetivo reembolso. Os pedidos de reembolso eram frequentemente acompanhados de pedidos de pagamento de juros.

42.      No entanto, o direito da União não contém regras gerais redigidas sobre os direitos ou as medidas corretivas disponíveis aos sujeitos passivos que pagaram quantias em violação do direito da União. Deste modo, esta área do direito foi e ainda está a ser desenvolvida através da jurisprudência do Tribunal de Justiça. Segue‑se uma breve análise geral da minha interpretação dessa jurisprudência.

43.      Segundo jurisprudência constante, o direito de obter a restituição das quantias cobradas por um Estado‑Membro em violação do direito da União é a consequência e o complemento dos direitos conferidos aos particulares pelas disposições do direito da União tal como interpretadas pelo Tribunal de Justiça. Os Estados‑Membros são assim, em princípio, obrigados a restituir as quantias cobradas em violação do direito da União (20).

44.      Na minha opinião, resulta claramente desta jurisprudência que o direito ao reembolso é, por si só, um direito que decorre do direito da União na situação em que foram pagos montantes em violação do direito da União (21).

45.      Além disso, o Tribunal de Justiça já considerou que, quando um Estado‑Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado, mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro pagas (22).

46.      O Tribunal de Justiça também já esclareceu que resulta desta jurisprudência que o princípio segundo o qual os Estados‑Membros são obrigados a restituir com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre deste último direito (23).

47.      Interpreto a jurisprudência referida no sentido de que, quando o direito ao reembolso decorre do direito da União, o mesmo está associado ao direito ao pagamento de juros. Esta interpretação da jurisprudência é apoiada pelos advogados‑gerais do Tribunal de Justiça (24) e pela doutrina (25).

48.      No entanto, a questão que ainda não foi claramente abordada na jurisprudência é a de saber se são devidos juros em todas as situações em que o direito ao reembolso se baseia no direito da União, ou se existem situações em que este último concede o direito ao reembolso, mas não exige o pagamento de juros. Além disso, ainda não ficou claro se o direito ao pagamento de juros apenas pode ser invocado em conjunto com o direito ao reembolso ao abrigo do direito da União, ou se também pode ser invocado noutras situações em que a obrigação de pagamento executada com atraso se baseia diretamente no direito da União (como é o caso das restituições à exportação no processo C‑415/20).

49.      Considero que a resposta a esta questão também deve residir no direito da União, não dependendo das ordens jurídicas nacionais. Por outras palavras, o âmbito do direito ao pagamento de juros não é uma questão de autonomia processual nacional. Este termo refere‑se às competências dos Estados‑Membros para regulamentar, nas suas ordens jurídicas, questões substantivas e processuais relevantes para o exercício dos direitos de reparação da União (tais como o direito ao reembolso ou o direito a indemnização decorrentes do direito da União), quando não se verifique a existência de regras da União necessárias para a sua aplicação. Todavia, a questão de saber se o direito ao pagamento de juros surge em todas ou apenas em algumas situações em que foi constituído um direito ao reembolso, ou também noutras situações em que a obrigação pecuniária se baseia no direito da União, é uma questão relativa à existência desse direito e não da sua aplicação, pelo que constitui inteiramente, deste modo, uma questão de direito da União. Pelo contrário, a questão de saber se tal direito, quando existe ao abrigo do direito da União, pode ser limitado pelas ordens jurídicas nacionais é um diferente tipo de questão, que apreciarei separadamente adiante (v. secção C.2).

B.      Quanto à violação do direito da União que confere o direito ao reembolso com juros ao abrigo da jurisprudência do Tribunal de Justiça

1.      É relevante saber de que forma ocorreu a violação do direito da União?

50.      Uma das questões levantadas pelos presentes processos consiste em saber se é relevante, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à recuperação de pagamentos indevidos com juros, a forma como ocorreu a violação do direito da União. Mais precisamente, coloca‑se a questão de saber se se deve proceder ao pagamento de juros apenas nos casos em que a medida da União ou nacional que serve de base jurídica à tributação das quantias indevidamente cobradas é anulada ou invalidada, conforme argumenta o Governo neerlandês, ou se são devidos juros, conforme refere o órgão jurisdicional de reenvio, a Gräfendorfer, a Reyher, a Flexi Montagetechnik e a Comissão, por qualquer tipo de violação do direito da União.

51.      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio explica que a característica comum dos processos em que o Tribunal de Justiça considerou que os recorrentes tinham direito a juros no âmbito do direito da União era o facto de o direito ao reembolso ter sido constituído após o Tribunal de Justiça ter declarado inválido o fundamento jurídico do pagamento (26).

52.      Em contrapartida, a violação do direito da União nos presentes processos resultou do facto de as autoridades nacionais competentes terem cometido um erro na interpretação do direito da União ou na apreciação dos factos aquando da aplicação das regras juridicamente válidas do direito da União. No processo C‑415/20, a infração consistiu numa interpretação errada do direito da União vigente, nos termos do qual foi recusado à recorrente o pagamento de restituições à exportação, tendo‑lhe sido, além disso, aplicadas sanções pelas autoridades nacionais competentes. No processo C‑419/20, a infração consistiu num erro na apreciação dos factos pelas autoridades nacionais competentes, o que levou à aplicação de direitos antidumping que não eram devidos nos termos do direito da União vigente e, no processo C‑427/20, a instituição de direitos de importação resultou de uma interpretação errada do direito da União vigente por parte dessas autoridades.

53.      É certo que os processos invocados pelo órgão jurisdicional de reenvio incidiam sobre situações em que o fundamento jurídico do pagamento foi considerado inválido. O Acórdão Zuckerfabrik Jülich (27) tinha por objeto o pagamento de juros sobre montantes indevidamente pagos a título de quotizações à produção no setor do açúcar com base em regulamentos da União que o Tribunal de Justiça tinha declarado inválidos. O Acórdão Irimie (28) era relativo ao pagamento de juros sobre um imposto de poluição reembolsado, cuja cobrança por parte do direito nacional foi considerada contrária ao direito da União com base na interpretação do Tribunal de Justiça. Por último, o Acórdão Wortmann (29) tinha por objeto o pagamento de juros relativos ao reembolso de direitos antidumping pagos pelo recorrente nos termos de um regulamento da União que tinha sido parcialmente anulado pelo Tribunal de Justiça.

54.      Contudo, importa salientar, em primeiro lugar, que existem processos submetidos à apreciação do Tribunal de Justiça em que o pagamento de juros não se deveu ao facto de o fundamento jurídico ter sido considerado inválido, mas sim à existência de outra violação do direito da União. Um desses processos foi mencionado pelo próprio órgão jurisdicional de reenvio (30). Em segundo lugar, verificam‑se, a meu ver, importantes razões conceptuais que militam a favor de uma resposta no sentido de que existe um direito ao pagamento de juros ao abrigo do direito da União, independentemente da forma como ocorre a violação deste último. Por outras palavras, considero que não há justificação para limitar o direito ao pagamento de juros apenas às situações em que o fundamento jurídico do pagamento seja considerado inválido. Para poder explicar esta posição, é necessário examinar, primeiro, as razões que motivaram a jurisprudência do Tribunal de Justiça que prevê o direito ao pagamento de juros.

a)      Quanto à finalidade do direito ao pagamento de juros

55.      Em caso de pagamento de um montante considerado contrário ao direito da União, constitui‑se, em simultâneo, o direito de o recuperar, independentemente de tal vir a ser confirmado pelo Tribunal de Justiça ou pelo órgão jurisdicional nacional num momento posterior. Isto decorre da jurisprudência referida no n.o 43 das presentes conclusões, no âmbito da qual o Tribunal de Justiça explica que o direito ao reembolso dos impostos cobrados num Estado‑Membro em violação das normas do direito da União é a consequência e o complemento dos direitos conferidos aos particulares pelas disposições do direito da União de não pagarem essas quantias. Entre a data da constituição do direito ao reembolso e a data em que o mesmo é efetuado, existe um período de tempo, por vezes bastante considerável (31). Os juros contemplam precisamente esse lapso de tempo.

56.      A obrigação de pagar juros não representa uma punição ou sanção para as autoridades nacionais competentes devido à violação do direito da União, visando, pelo contrário, garantir aos particulares a reparação adequada dos prejuízos sofridos pela indisponibilidade dos montantes indevidamente cobrados em violação do direito da União. Por outras palavras, o direito ao pagamento de juros assenta na ideia de conceder aos particulares uma restituição integral (restitutio in integrum) pela impossibilidade de utilizar esses montantes durante um determinado período (32).

57.      Tratando‑se simplesmente de um meio para fazer face à perda de valor do dinheiro ao longo do tempo, o direito ao pagamento de juros não depende da questão de saber se as autoridades nacionais competentes julgavam estar a agir em conformidade com o direito da União, o qual só posteriormente foi interpretado de forma diferente do que as referidas autoridades consideraram ser a sua correta aplicação na altura. A questão invocada pelo órgão jurisdicional de reenvio a este respeito, insinuando que as referidas autoridades podem não ser obrigadas a pagar juros pelo facto de terem cobrado os impostos de boa‑fé, é, por isso, irrelevante para a constituição do direito ao pagamento de juros.

58.      O direito ao pagamento de juros difere do direito à indemnização. Em matéria de reembolso, aquele decorre do pagamento de quantias em dinheiro contrárias ao direito da União e não depende da determinação da responsabilidade das autoridades nacionais competentes que violaram o direito da União. Por conseguinte, é irrelevante saber a razão pela qual as autoridades nacionais competentes cobraram quantias de dinheiro em violação do direito da União. Do mesmo modo que o direito ao reembolso enquanto medida corretiva da União apenas surge como resposta ao facto objetivo de que tais quantias não eram devidas, o direito ao pagamento de juros surge em resposta da passagem do tempo.

59.      Nos casos em que existe uma medida corretiva para a obtenção de reembolso, os juros abrangem o período de tempo em que se verifica a indisponibilidade das quantias de dinheiro, embora o particular das mesmas devesse dispor, sem que seja necessário analisar as razões subjacentes à violação do direito da União por parte das autoridades nacionais competentes. A própria violação é suficiente. Os juros dizem apenas respeito ao decurso do tempo, não estando, por isso, relacionados com a questão da eventual exoneração de responsabilidade por violação do direito da União.

60.      A jurisprudência corrobora esta justificação económica do direito ao pagamento de juros. O Tribunal de Justiça recordou, em primeiro lugar, a razão económica do direito ao reembolso. Considerou que «[o] direito à repetição do indevido destina‑se a resolver as consequências da incompatibilidade do imposto com o direito da União, neutralizando o encargo económico que indevidamente onerou o operador que, afinal, o veio a suportar efetivamente» (33). Em vários processos recentes, conforme referido no n.o 45 das presentes conclusões, o Tribunal de Justiça explicou ainda que o direito da União exige o reembolso de montantes indevidamente cobrados juntamente com juros, uma vez que os juros cobrem «o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro» pagas (34).

61.      Por conseguinte, o pagamento de juros é necessário para restabelecer o cumprimento do direito da União, criando a situação mais próxima possível daquela que teria existido se não tivesse ocorrido a violação do direito da União. Assim, visa restabelecer a efetividade do direito da União.

62.      Uma explicação alternativa, ou eventualmente complementar, para a atribuição de juros, conforme invocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, pela Gräfendorfer e pela Flexi Montagetechnik, é o conceito de enriquecimento sem causa (35).

63.      Este conceito foi invocado pela advogada‑geral E. Sharpston nas suas Conclusões apresentadas no processo Zuckerfabrik Jülich e o. (36), que dizia igualmente respeito ao reembolso de quantias reclamadas às autoridades nacionais, mas que foram cobradas a favor do orçamento da União com base num fundamento jurídico da União considerado inválido.

64.      Além disso, o Tribunal de Justiça invocou o enriquecimento sem causa nos seus Acórdãos de 16 de dezembro de 2008, Masdar (UK)/Comissão(37), e de 9 de julho de 2020, República Checa/Comissão (38), como justificação para a possibilidade de intentar uma ação de reembolso por parte da União com base no artigo 268.o TFUE e no segundo parágrafo do artigo 340.o TFUE. O Tribunal de Justiça sublinhou que a pessoa que tenha sofrido uma perda que beneficie o património de outrem (neste caso, a União) sem que exista fundamento jurídico para esse enriquecimento tem, regra geral, direito à restituição, até ao montante da perda, por parte da pessoa enriquecida. Segundo o Tribunal de Justiça, uma ação de reembolso pelo orçamento da União exige a prova de que o enriquecimento do demandado é desprovido de toda e qualquer base jurídica válida e de que o empobrecimento do demandante está ligado ao referido enriquecimento.

65.      Embora o conceito de enriquecimento sem causa possa constituir uma justificação adequada para um recurso interposto por um Estado‑Membro que pede o reembolso de montantes que pagou indevidamente para o orçamento da União, a invocação deste conceito não é, na minha opinião, necessária para justificar o pagamento de juros em situações como as dos presentes processos. Pode mesmo obstar ao pagamento de juros. Devido à organização da governação na União, são frequentemente cobrados pelas autoridades nacionais diferentes montantes em benefício do orçamento da União. Em conformidade com a jurisprudência mencionada no número anterior das presentes conclusões, a pessoa que pague quantias indevidamente cobradas deve provar o enriquecimento das autoridades nacionais que as cobraram. Em caso de transferência dessas quantias para o orçamento da União, poderá não ser possível provar o enriquecimento das autoridades nacionais.

66.      Em vez de invocar a lógica do enriquecimento sem causa, o direito ao pagamento de juros centra‑se no outro lado desta relação — o empobrecimento injusto. O seu objetivo é assegurar a efetividade do direito da União, restituindo, para a pessoa empobrecida em consequência da violação do direito da União, a situação que teria existido se tal violação não tivesse ocorrido. Desta forma, o que importa é o empobrecimento do demandante e não o enriquecimento das autoridades nacionais. Não é necessário fazer prova do enriquecimento para ter direito ao pagamento de juros com base no direito da União(39).

67.      Considero que a justificação económica que o Tribunal de Justiça propôs para a existência do direito ao pagamento de juros permite concluir que, no âmbito do direito da União, esse direito é constituído sempre que a pessoa seja empobrecida em consequência da violação do direito da União, sem que haja necessidade de questionar se o autor dessa violação atuou ou não de boa‑fé e se beneficiou de um enriquecimento em resultado disso.

b)      Existe um direito ao pagamento de juros nos casos em apreço?

68.      Embora se admita que o direito da União confere o direito ao pagamento de juros com o propósito de restabelecer a sua eficácia, compensando a perda do valor do dinheiro durante o período em que a pessoa foi privada do mesmo em violação do direito da União, não existe nenhuma justificação para distinguir entre diferentes situações de violação do direito da União.

69.      São devidos juros quer se trate de uma violação que consiste num fundamento jurídico nacional ou da União considerado inválido, numa interpretação incorreta do direito da União ou do direito nacional que o aplica, numa apreciação incorreta dos factos que levaram à cobrança de quantias de dinheiro em violação do direito da União, ou numa qualquer outra violação.

70.      Na minha opinião, pode deduzir‑se da jurisprudência que existe um direito ao pagamento de juros em todas as situações em que é devida uma quantia de dinheiro ao abrigo do direito da União para compensar a passagem do tempo a partir da data da constituição do referido direito até à data em que o pagamento foi efetuado (40). O direito ao pagamento de juros decorre da violação da norma da União que concede o direito ao pagamento ou ao não pagamento a partir da data em que esse direito foi violado e destina‑se a restabelecer a efetividade do direito da União.

71.      Por conseguinte, nas situações em que a constituição do direito ao reembolso se deveu a um fundamento jurídico inválido que viola o direito da União, o pagamento de juros é necessário para reconstituir a situação que teria ocorrido se o ato declarado inválido nunca tivesse sido adotado (41).

72.      Do mesmo modo, o pagamento de juros é necessário por razões análogas nas situações em que o reembolso é pedido na sequência de uma apreciação errada dos factos ou de uma interpretação errada da lei. No processo C‑415/20, a recorrente não teria sido obrigada a pagar sanções pecuniárias se as autoridades nacionais competentes tivessem interpretado corretamente o direito da União. Para reconstituir a situação que teria existido se a violação ao direito da União não tivesse ocorrido, não basta simplesmente reembolsar as referidas sanções, sendo também necessário pagar juros, a fim de compensar a passagem do tempo. Só assim se poderá restabelecer a efetividade do direito da União.

73.      Este raciocínio também é aplicável nos processos C‑419/20 e C‑427/20. A efetividade do direito da União só pode ser restabelecida se as recorrentes forem «reconduzidas» a uma situação em que não tenha ocorrido a violação do direito da União, cometida por uma apreciação errada dos factos ou por uma interpretação errada do direito da União. Tal exige que seja compensada a perda do valor do dinheiro de que as recorrentes foram privadas devido à violação do direito da União.

74.      Esta interpretação é confirmada por jurisprudência recente, em que o Tribunal de Justiça declarou que os juros são devidos também nas situações em que o direito dos recorrentes ao reembolso não resultou do facto de o fundamento jurídico do pagamento ter sido considerado inválido, mas sim de uma interpretação errada da lei ou dos factos que deram origem ao pagamento indevido. No Acórdão Littlewoods Retail (42), a recorrente pagou IVA em excesso devido à interpretação incorreta do direito da União e do direito nacional aplicáveis. No Acórdão Hauptzollamt B (43), o reembolso resultou de um cálculo errado dos impostos sobre a eletricidade. Em ambos os casos, o Tribunal de Justiça considerou que os recorrentes tinham direito ao pagamento de juros ao abrigo do direito da União.

75.      A situação no processo C‑415/20, em que a recorrente foi, durante algum tempo, privada do pagamento das restituições à exportação a que tinha direito ao abrigo do direito da União, difere dos processos relativos ao reembolso. Nestes últimos, o direito ao pagamento de juros foi constituído em consequência da violação do direito de não pagamento, enquanto no processo C‑415/20, o direito ao pagamento de juros foi invocado no âmbito do direito de receber um pagamento. A segunda questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio neste processo visa, portanto, saber, em substância, se a constituição do direito ao pagamento de juros surge apenas em conjunto com o direito ao reembolso, ou se ocorre igualmente numa situação em que é violado o direito ao pagamento baseado diretamente no direito da União.

76.      Se, conforme sugeri, o direito ao pagamento de juros ao abrigo do direito da União for justificado pela necessidade de restabelecer a efetividade do direito da União, compensando o decurso do tempo durante o qual um particular foi privado de uma quantia de dinheiro em violação do direito da União, a constituição do direito ao pagamento de juros verifica‑se igualmente nos casos em que a violação consiste na recusa de pagamento a que uma pessoa tinha direito por força do direito da União. Os juros são devidos na situação do processo C‑415/20, no período compreendido entre a data da constituição do direito às restituições à exportação e a data em que essas restituições à exportação foram efetivamente pagas.

77.      Em conclusão, considero que a jurisprudência do Tribunal de Justiça deve ser interpretada no sentido de prever, regra geral, o direito ao pagamento de juros em todas as situações em que os montantes devidos com base no direito da União são pagos com atraso em violação deste último.

78.      Por conseguinte, considero que a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao direito ao pagamento de juros é aplicável às restituições à exportação indevidamente recusadas e às sanções pecuniárias indevidamente aplicadas pelas autoridades nacionais competentes em violação do direito da União, conforme sucede no processo C‑415/20. É aplicável também ao reembolso de direitos antidumping cobrados com base em factos erradamente estabelecidos, como no processo C‑419/20, e ao reembolso de direitos de importação indevidamente cobrados na sequência de uma interpretação errada do direito da União, como no processo C‑427/20. Em todas estas situações, o objetivo do pagamento de juros é o mesmo — compensar a perda de valor do dinheiro causada pela passagem do tempo desde o momento em que se passou a ter direito às quantias em questão até ao momento do seu pagamento.

79.      Interpretar a jurisprudência do Tribunal de Justiça no sentido de se limitar a situações em que um ato da União ou nacional é anulado ou declarado inválido pelo Tribunal de Justiça prejudicaria o próprio objetivo da jurisprudência, que consiste em assegurar que, independentemente da violação do direito da União, é concedido aos particulares um direito ao pagamento de juros, a fim de restabelecer a efetividade do direito da União.

2.      É relevante saber se são os órgãos jurisdicionais nacionais ou o Tribunal de Justiça a declarar a violação do direito da União?

80.      A este respeito, a interpretação do conceito de violação do direito da União na jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de reembolso de montantes indevidamente cobrados para efeitos dos presentes processos levanta também indiretamente a questão de saber se é relevante o facto de serem os órgãos jurisdicionais nacionais ou o Tribunal de Justiça a declarar a violação do direito da União.

81.      Considero que a resposta a esta questão deve ser negativa.

82.      Como o Tribunal de Justiça reconheceu, o artigo 19.o TUE confia a responsabilidade de assegurar a plena aplicação do direito da União em todos os Estados‑Membros, bem como a proteção jurisdicional conferida aos particulares pelo direito da União tanto nos órgãos jurisdicionais nacionais como no Tribunal de Justiça (44). Consequentemente, os órgãos jurisdicionais desempenham, em colaboração com Tribunal de Justiça, uma função que lhes é atribuída em comum, que consiste em assegurar o respeito do direito na interpretação e na aplicação dos Tratados (45).

83.      Além disso, o Tribunal de Justiça sublinhou que o procedimento regulado pelo artigo 267.o TFUE estabelece uma cooperação direta entre o mesmo e os órgãos jurisdicionais nacionais no âmbito da qual estes últimos participam estreitamente na boa aplicação e na interpretação uniforme do direito da União, bem como na proteção dos direitos conferidos por esta ordem jurídica aos particulares. Assim, as funções atribuídas, respetivamente, aos órgãos jurisdicionais nacionais e ao Tribunal de Justiça são essenciais à preservação da própria natureza do direito instituído pelos Tratados (46).

84.      Daqui decorre que os órgãos jurisdicionais nacionais desempenham um papel crucial, ao lado do Tribunal de Justiça, na qualidade de juízes de «direito comum» da ordem jurídica da União (47). Por conseguinte, se um órgão jurisdicional nacional declarar que houve violação do direito da União, tal declaração tem o mesmo valor que a estabelecida pelo Tribunal de Justiça no que respeita ao direito ao reembolso de montantes indevidamente cobrados e aos juros correspondentes concedidos aos particulares ao abrigo do direito da União.

85.      Importa igualmente sublinhar que esta interpretação parece refletir‑se na jurisprudência do Tribunal de Justiça no âmbito desta matéria. No Acórdão Wortmann (48), o Tribunal de Justiça afirmou que, quando os direitos são reembolsados com base no facto de terem sido cobrados em violação do direito da União, «o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar», os Estados‑Membros têm a obrigação, por força do direito da União, de pagar os juros correspondentes.

86.      Por conseguinte, considero que existe uma violação do direito da União que dá origem ao direito ao pagamento de juros, quer sejam os órgãos jurisdicionais nacionais ou o Tribunal de Justiça a declarar essa violação.

C.      Limitações que podem ser impostas ao direito ao pagamento dos juros pelo direito da União e pelo direito nacional

87.      Nos três processos, o órgão jurisdicional de reenvio considera que os recorrentes só têm direito ao pagamento de juros durante todo o período em que foram privados dos montantes cuja cobrança é contrária ao direito da União se existir um direito ao pagamento de juros ao abrigo do direito da União. Nas secções anteriores das presentes conclusões, defendi que o direito da União confere efetivamente aos recorrentes o direito ao pagamento de juros.

88.      No entanto, resulta claramente dos despachos de reenvio que o órgão jurisdicional de reenvio considera que, pelo menos nos processos C‑419/20 e C‑427/20, os recorrentes tinham direito ao pagamento de juros, nos termos do direito nacional, relativos ao período compreendido entre a data da instauração do processo judicial e a data do reembolso, ao passo que, no âmbito do processo C‑415/20, a recorrente não tem direito a juros à luz do direito nacional porquanto não interpôs recurso judicial exigindo o pagamento das restituições à exportação.

89.      A este respeito, na minha opinião, é irrelevante saber se o direito nacional concede aos recorrentes o direito ao pagamento de juros nos presentes processos, uma vez que este direito foi criado diretamente com base no direito da União. Por conseguinte, a questão relevante para a decisão do órgão jurisdicional de reenvio não é a de saber se os juros podem ser concedidos com base no direito da União para o período até à instauração do processo judicial, mas sim se as regras do direito nacional podem legalmente limitar o exercício do direito, baseado no direito da União, ao pagamento de juros relativos a esse período, ou subordiná‑lo à necessidade de intentar uma ação judicial.

90.      Do mesmo modo, coloca‑se a questão de saber se os recorrentes podem ser privados do pagamento dos juros a que, de outra forma, teriam direito ao abrigo do direito da União com fundamento na aplicação da regulamentação aduaneira da União.

91.      Os direitos decorrentes do direito da União, incluindo o direito ao pagamento de juros, podem, em determinadas condições, ser limitados quer pelo próprio direito da União, quer pelo direito nacional.

92.      Em termos gerais, para que seja admitida uma limitação dos direitos da União, devem estar preenchidas duas condições: em primeiro lugar, a medida que limita o direito baseado no direito da União tem de ser justificada por um objetivo de interesse público admissível ao abrigo do direito da União e, em segundo lugar, essa medida deve ser proporcional a esse objetivo.

93.      É neste quadro que passo agora a examinar as duas medidas de limitação aplicáveis nos presentes processos, a saber, a primeira, de direito da União e, a segunda, de direito nacional.

1.      Limitações impostas pelo direito da União (artigo 241.o do Código Aduaneiro Comunitário e artigo 116.o, n.o 6, do Código Aduaneiro da União)

94.      Uma das questões que carece de resposta nos presentes processos é a de saber se o artigo 241.o do Código Aduaneiro Comunitário e o artigo 116.o, n.o 6, do Código Aduaneiro da União (a que me referirei conjuntamente) se aplicam às circunstâncias dos processos pendentes no órgão jurisdicional de reenvio.

95.      Estas disposições do direito da União limitam e excluem, respetivamente, em determinadas condições, o pagamento de juros em caso de reembolso dos direitos aduaneiros pelas autoridades nacionais competentes. São, portanto, potencialmente relevantes para efeitos do reembolso dos direitos de importação em causa no processo C‑427/20, e do reembolso dos direitos antidumping em causa no processo C‑419/20.

96.      Segundo os argumentos apresentados pelo Governo neerlandês, a norma da exclusão dos juros consagrada no Código Aduaneiro aplica‑se às circunstâncias dos processos C‑419/20 e C‑427/20, razão pela qual não são devidos juros nestes processos. A Gräfendorfer, a Reyher, a Flexi Montagetechnik e a Comissão discordam. Alegam, invocando o Acórdão Wortmann, que a norma do Código Aduaneiro que exclui o pagamento de juros não é aplicável às circunstâncias desses processos.

97.      O Governo neerlandês constrói a sua tese partindo do pressuposto de que a norma do Código Aduaneiro que exclui o pagamento de juros é uma norma geral. Faz referência às conclusões do Tribunal de Justiça no Acórdão Wortmann como uma exceção a esta norma.

98.      Contrariamente a esta posição, considero que a norma do Código Aduaneiro em causa não é uma norma geral, mas sim uma exceção à regra geral do direito da União segundo a qual são devidos juros em situações de reembolso de quantias pagas em violação do direito da União. Precisamente porque a norma geral exige o pagamento de juros, foi necessário introduzir uma derrogação expressa.

99.      Como limitação à norma geral, a norma do Código Aduaneiro deve ser justificada e proporcional à justificação apresentada. Na falta dessa justificação, a norma do Código Aduaneiro que exclui o pagamento de juros em caso de reembolso é inválida (49).

100. O Acórdão Wortmann (50) apresentou a justificação da norma do Código Aduaneiro em causa (51), mas limitou, ao mesmo tempo, a sua aplicação apenas a determinados tipos de situações. Explicarei que isso foi necessário para salvaguardar a legalidade da norma do Código Aduaneiro e que, pelo mesmo motivo, essa norma não é aplicável aos presentes processos.

101. O Tribunal de Justiça, seguindo a linha das conclusões do advogado‑geral no mesmo processo, declarou no Acórdão Wortmann que resulta da génese do artigo 241.o do Código Aduaneiro Comunitário que este visa «os casos em que, após concessão, pela autoridade aduaneira, da autorização de saída das mercadorias em causa, se verifica que a liquidação inicial dos direitos de importação deve ser revista por defeito e que, portanto, a totalidade ou uma parte dos direitos de importação pagos por um operador lhe deve ser reembolsada» (52).

102. Conforme explicado pelo advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona, «a autoridade aduaneira não inspeciona as mercadorias antes de as libertar, e só depois efetua a fiscalização da regularidade das importações. Se nesse momento posterior procede uma nova liquidação, dela tanto pode resultar que o importador tenha de proceder ao pagamento não efetuado até então (liquidação inicial por defeito) como que a Administração tenha de reembolsar o montante recebido em excesso» (53). Em ambas as hipóteses, o Código Aduaneiro exclui o pagamento de juros (54).

103. Desta forma, a justificação para a limitação imposta pelo Código Aduaneiro à norma geral que exige o pagamento de juros consiste em permitir um sistema de desalfandegamento célere e a rápida introdução das mercadorias em livre prática no mercado (55).

104. Para que esta norma seja proporcional à finalidade que visa alcançar, a sua aplicação deve limitar‑se às situações dos procedimentos de desalfandegamento explicados nos números anteriores das presentes conclusões. São as situações em que a autoridade aduaneira ou um operador exigem o ajustamento dos direitos aduaneiros logo após o desalfandegamento inicial, e ambas as partes aceitam tal ajustamento. No entanto, em caso de litígio, a situação ficaria fora do âmbito da exceção prevista no Código Aduaneiro que exclui o pagamento de juros.

105. Esta análise é confirmada pelo Acórdão Wortmann, segundo o qual a norma do Código Aduaneiro que exclui os juros não se aplica às situações em que o reembolso dos direitos resulta de erros no cálculo dos direitos que não eram devidos à rapidez do sistema de desalfandegamento. Por conseguinte, não se aplicou ao pagamento de juros nesse processo relacionados com o reembolso dos direitos antidumping instituídos com base num regulamento da União parcialmente anulado pelo Tribunal de Justiça.

106. O Governo neerlandês alega que o Acórdão Wortmann excluiu do âmbito de aplicação da norma do Código Aduaneiro apenas os casos em que o reembolso ocorre após o fundamento jurídico de pagamento ter sido declarado inválido, o que era o caso nesse acórdão.

107. Considero, no entanto, que tal interpretação não seria coerente com a justificação desta norma conforme apresentada no Acórdão Wortmann, designadamente possibilitar um sistema de desalfandegamento célere, o que o advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona qualificou de «circunstâncias normais» (56). A menos que as situações que não se enquadram nas operações ditas «normais» de desalfandegamento sejam excluídas do âmbito de aplicação da norma do Código Aduaneiro, esta norma corre o risco de ser declarada inválida, por não ser proporcional à sua finalidade. Tais situações não são apenas aquelas em que o reembolso ocorre após o fundamento jurídico de pagamento ser considerado inválido.

108. Nos presentes processos, a apreciação errada efetuada pelas autoridades nacionais competentes não foi corrigida em procedimentos de desalfandegamento «normais» e céleres. O ajustamento dos direitos resultou antes da aplicação de acórdãos dos órgãos jurisdicionais nacionais que consideraram que tais direitos tinham sido cobrados em violação do direito da União. Estas situações não estão abrangidas pela exceção prevista no Código Aduaneiro.

109. Por conseguinte, considero que o artigo 241.o do Código Aduaneiro Comunitário e o artigo 116.o, n.o 6, do Código Aduaneiro da União não excluem o pagamento de juros nas circunstâncias dos presentes processos e que estes são abrangidos pela norma geral do direito ao pagamento de juros nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça.

2.      Limitações impostas pelo direito nacional (normas nacionais que subordinam o direito ao pagamento de juros à propositura de uma ação judicial e que limitam o pagamento de juros ao momento a partir do qual essa ação é intentada)

110. O quadro habitual no âmbito do qual é feita a análise das disposições nacionais que limitam as medidas corretivas da União é através do referido conceito de autonomia processual nacional. Não pretendo discutir, nas presentes conclusões, a adequação do conceito de «autonomia processual nacional»(57). Basta observar que, segundo este conceito, cabe aos Estados‑Membros regulamentar as questões substantivas e processuais relevantes para o exercício dos direitos de reparação da União. Esta autonomia processual nacional verifica‑se quando não existem regras da União aplicáveis. No entanto, está sujeita aos princípios da equivalência e da efetividade(58).

111. As regras nacionais que limitam a efetividade dos direitos baseados no direito da União podem, no entanto, ainda ser justificadas, desde que prossigam um objetivo legítimo de forma proporcionada.

112. Esta «norma processual da razão», conforme designada pela doutrina (59), foi formulada pelo Tribunal de Justiça nos Acórdãos de 14 de dezembro de 1995, van Schijndel e van Veen (60) e Peterbroeck (61), e foi confirmada por jurisprudência posterior (62). O Tribunal de Justiça declarou, à luz do princípio da efetividade, que cada situação em que se coloque a questão de saber se uma disposição processual nacional torna impossível ou excessivamente difícil na prática a aplicação do direito da União deve ser analisada tendo em conta a função que essa disposição ocupa no processo, a tramitação deste e as suas particularidades, vistos como um todo, perante as várias instâncias nacionais. Por conseguinte, as disposições nacionais que prosseguem um determinado objetivo legítimo, tal como a correta tramitação do processo ou o respeito do princípio dos direitos de defesa ou do princípio da segurança jurídica, são conformes com o princípio da efetividade na medida em que garantem de forma proporcionada esse objetivo legítimo. Esta verificação deve ser feita no caso concreto pelo órgão jurisdicional nacional em causa.

113. É à luz deste quadro analítico que devem ser apreciadas as normas nacionais que limitam o direito ao pagamento de juros nos casos em apreço.

114. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, as normas nacionais aplicáveis nos três processos limitam a data do pagamento dos juros ao momento a partir do qual é desencadeado o processo no órgão jurisdicional nacional competente.

115. Há que começar por salientar que não parece haver indícios que possam suscitar dúvidas quanto à conformidade dessas normas com o princípio da equivalência (63).

116. No entanto, na minha opinião, existem fortes indícios de que as normas nacionais em causa não são conformes com o princípio da efetividade.

117. Segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça (64), o direito da União exige, em princípio, o pagamento de juros relativamente a todo o período compreendido entre a data do pagamento ou não pagamento das quantias cobradas ou retidas em violação do direito da União e a data do seu reembolso ou pagamento. Isto garante uma compensação adequada das perdas causadas pela indisponibilidade dessas quantias.

118. Assim, no Acórdão Irimie(65), o Tribunal de Justiça declarou que um regime que limita os juros aos que correm a partir do dia seguinte à data do pedido de restituição do imposto indevidamente cobrado não respeita o princípio da efetividade. Por outro lado, importa salientar que, nas suas conclusões no processo Wortmann (66), o advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona considerou que a mesma ordem de ideias se aplica à legislação alemã que está em causa nos presentes processos.

119. Concordo. As normas nacionais que limitam o pagamento de juros apenas a partir da data da propositura da ação judicial privam os particulares de uma indemnização adequada relativamente a todo o período em que sofreram perdas pelo facto de terem sido privadas da posse de quantias indevidamente cobradas, conforme exige a aplicação efetiva do direito ao pagamento de juros.

120. Conforme referem a Gräfendorfer, a Reyher e a Flexi Montagetechnik, em circunstâncias como as dos presentes processos, o período compreendido entre o pagamento das quantias indevidamente cobradas e a instauração do processo judicial pode estender‑se por vários anos, tendo em conta o procedimento administrativo de reclamação que precede a interposição de um recurso judicial. Por conseguinte, considero que as normas nacionais aplicáveis nos três processos não cumprem os requisitos do princípio da efetividade.

121. O órgão jurisdicional de reenvio indicou um elemento adicional presente apenas no processo C‑415/20, no que se refere ao pagamento de juros de mora por pagamento tardio das restituições à exportação. Segundo esse órgão jurisdicional, verifica‑se que, nos termos do direito nacional aplicável (67), em caso de atraso no pagamento das prestações, são devidos juros a partir do momento em que é instaurado um processo judicial através do qual um operador pede o pagamento dessas prestações. Se, pelo contrário, ocorre um atraso no pagamento sem a instauração de um processo judicial, ou seja, se as autoridades nacionais competentes decidirem pagar as restituições à exportação, o operador não tem direito a juros. Desta forma, se o operador, como era o caso neste processo, tiver apresentado apenas uma reclamação administrativa às autoridades nacionais competentes, optando por aguardar pela respetiva decisão num processo de referência, após a qual essas autoridades pagaram as restituições à exportação sem juros, esse operador não tem direito a juros.

122. Considero que tais normas nacionais não respeitam o princípio da efetividade. Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o direito ao pagamento de juros decorre do direito da União não dependendo, assim, do direito nacional. Por conseguinte, o operador a quem foram pagas restituições à exportação com atraso tem direito ao pagamento de juros. Fazer depender esse direito da instauração de um processo judicial priva os particulares, como é o caso da recorrente no processo C‑415/20, que não apresentou um pedido de restituição nos tribunais, do direito que lhes é concedido pelo direito da União.

123. Embora as normas nacionais em causa, tal como descritas pelo órgão jurisdicional de reenvio, limitem a efetividade do direito ao pagamento de juros baseado no direito da União, tal não obsta a que, consoante as circunstâncias específicas do caso, essas normas possam ser admitidas pelo direito da União. Isso só é possível desde que tais normas sejam proporcionais em relação a interesses importantes da ordem jurídica interna.

124. No entanto, nos casos em apreço, não foi apresentada ao Tribunal de Justiça nenhuma informação que permitisse analisar se as regras nacionais que limitam o direito ao pagamento de juros são justificadas. No que se refere às normas nacionais que sujeitam o direito ao pagamento de juros à propositura de uma ação judicial, o órgão jurisdicional de reenvio referiu que tais normas se explicam pela autonomia do processo de decisão dos operadores, ou seja, que a decisão de aguardar pelo desfecho de um procedimento preliminar, em vez de instaurar um processo judicial, pode ser vista como um exercício de tal autonomia pela qual o operador renunciou ao seu direito aos juros. Não consigo ver qual é a finalidade pública de tais regras. Pelo contrário, antes me parece que o seu efeito é um aumento desnecessário de processos judiciais. Não obstante, na repartição de competências entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, ambos na qualidade de juízes europeus (v. n.os 82 a 84 das presentes conclusões), compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar as justificações e a proporcionalidade das normas nacionais em causa.

125. Em conclusão, há que considerar que, sem prejuízo da verificação por parte do órgão jurisdicional de reenvio, as normas nacionais em causa, ao limitar o pagamento de juros sobre o reembolso das quantias indevidamente cobradas ou pagas com atraso pelas autoridades nacionais competentes em violação do direito da União, não cumprem os requisitos do princípio da efetividade.

126. A consequência que decorre desta conclusão à luz do direito da União é que o órgão jurisdicional de reenvio pode interpretar essas normas nacionais de forma a cumprir a aplicação efetiva do direito ao pagamento de juros ou, se tal se revelar impossível, afastar a sua aplicação nos casos em apreço.

VI.    Conclusão

127. À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo Finanzgericht Hamburg (Tribunal Tributário de Hamburgo, Alemanha) da seguinte forma:

Processo C‑415/20

1)      A obrigação dos Estados‑Membros, decorrente do direito da União, de restituir os direitos aduaneiros cobrados em violação do direito da União acrescidos de juros é aplicável nos casos em que o fundamento da restituição não consiste numa declaração, pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, de que foi violada uma disposição do direito da União, mas numa interpretação de uma (sub)posição da Nomenclatura Combinada efetuada pelo Tribunal de Justiça.

2)      Os princípios relativos a um pedido de juros estabelecidos pelo Tribunal de Justiça da União Europeia são aplicáveis ao pagamento de restituições à exportação recusado pelas autoridades nacionais competentes em violação do direito da União.

Processo C‑419/20

Verifica‑se uma violação do direito da União, que é um requisito do direito a juros ao abrigo do direito da União, conforme desenvolvido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, quando as autoridades nacionais competentes cobram direitos aduaneiros por força do direito da União, mas um órgão jurisdicional nacional declara posteriormente que os pressupostos de facto para a cobrança destes direitos não estão preenchidos.

Processo C‑427/20

Verifica‑se uma violação do direito da União, que é um requisito do direito a juros ao abrigo do direito da União, conforme desenvolvido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, quando as autoridades nacionais competentes cobram direitos aduaneiros em violação de disposições vigentes do direito da União e um órgão jurisdicional nacional declara essa violação do direito da União.


1      Língua original: inglês.


2      JO 1992, L 302, p. 1 (a seguir «Código Aduaneiro Comunitário»).


3      JO 2008, L 145, p. 1.


4      JO 2013, L 269, p. 1; retificação no JO 2013, L 287, p. 90 (a seguir «Código Aduaneiro da União»). Segundo os seus artigos 287.o e 288.o, este código entrou em vigor em 30 de outubro de 2013, aplicando‑se, exceto determinadas disposições (entre as quais não figura o seu artigo 116.o), a partir de 1 de maio de 2016.


5      Regulamento (CE) n.o 800/1999 da Comissão, de 15 de abril de 1999, que estabelece regras comuns de execução do regime das restituições à exportação para os produtos agrícolas (JO 1999, L 102, p. 11). Este regulamento foi revogado e substituído pelo Regulamento (CE) n.o 612/2009 da Comissão, de 7 de julho de 2009, que estabelece regras comuns de execução do regime das restituições à exportação para os produtos agrícolas (JO 2009, L 186, p. 1).


6      O órgão jurisdicional de reenvio refere, a este respeito, os Acórdãos de 18 de fevereiro de 2014 proferidos pelo Finanzgericht Hamburg (Tribunal Tributário de Hamburgo), 4 K 18/12 e 4 K 264/11.


7      C‑323/10 a C‑326/10, EU:C:2011:774. Este processo dizia respeito à interpretação das subposições 0207 12 10 e 0207 12 90 do anexo I do Regulamento (CEE) n.o 3846/87 da Comissão, de 17 de dezembro de 1987, que estabelece a nomenclatura dos produtos agrícolas para as restituições à exportação (JO 1987, L 366, p. 1).


8      C‑365/15, EU:C:2017:19 (a seguir «Acórdão Wortmann»).


9      Regulamento (CE) n.o 91/2009 do Conselho, de 26 de janeiro de 2009, que institui um direito antidumping definitivo sobre as importações de determinados parafusos de ferro ou aço originários da República Popular da China (JO 2009, L 29, p. 1). Este regulamento foi revogado pelo Regulamento de Execução (UE) 2016/278 da Comissão, de 26 de fevereiro de 2016, que revoga o direito antidumping definitivo instituído sobre as importações de determinados parafusos de ferro ou aço originários da República Popular da China, tornado extensivo às importações de determinados parafusos de ferro ou aço expedidos da Malásia, independentemente de serem ou não declarados originários da Malásia (JO 2016, L 52, p. 24).


10      V. Acórdão de 16 de dezembro de 1976, Rewe‑Zentralfinanz e Rewe‑Zentral (33/76, EU:C:1976:188).


11      V. Acórdão de 16 de dezembro de 1976, Comet (45/76, EU:C:1976:191).


12      V. Acórdão de 9 de novembro de 1983, San Giorgio (199/82, EU:C:1983:318).


13      V. Acórdão de 26 de junho de 1979, McCarren (177/78, EU:C:1979:164).


14      V. Acórdão de 9 de fevereiro de 1999, Dilexport (C‑343/96, EU:C:1999:59).


15      V. Acórdão de 2 de dezembro de 1997, Fantask e o. (C‑188/95, EU:C:1997:580).


16      V. Acórdão de 8 de março de 2001, Metallgesellschaft e o. (C‑397/98 e C‑410/98, EU:C:2001:134).


17      V. Acórdão de 19 de julho de 2012, Littlewoods Retail Ltd e o. (C‑591/10, EU:C:2012:478).


18      V. Acórdãos de 18 de abril de 2013, Irimie (C‑565/11, EU:C:2013:250), e de 15 de outubro de 2014, Nicula (C‑331/13, EU:C:2014:2285).


19      V. Acórdão de 9 de setembro de 2021, Hauptzollamt B (Redução facultativa do imposto) (C‑100/20, EU:C:2021:716).


20      Esta jurisprudência teve início com o Acórdão de 9 de novembro de 1983, San Giorgio (199/82, EU:C:1983:318, n.o 12). Foi confirmada por jurisprudência posterior, como, por exemplo, o Acórdão de 8 de março de 2001, Metallgesellschaft e o. (C‑397/98 e C‑410/98, EU:C:2001:134, n.o 84), ou, mais recentemente, o Acórdão de 9 de setembro de 2021, Hauptzollamt B (Redução facultativa do imposto) (C‑100/20, EU:C:2021:716, n.o 26).


21      Poder‑se‑ia mesmo afirmar que o direito ao reembolso foi a primeira medida corretiva jurídica da União considerada pelo Tribunal de Justiça como inerente ao sistema estabelecido pelos Tratados. A jurisprudência relativa ao direito ao reembolso antecede aquela em que o Tribunal de Justiça desenvolveu outras medidas corretivas, como o direito a medidas provisórias (a partir do Acórdão de 19 de junho de 1990, Factortame e o., C‑213/89, EU:C:1990:257) ou o direito a indemnização (a partir do Acórdão de 19 de novembro de 1991, Francovich e o., C‑6/90 e C‑9/90, EU:C:1991:428). Todavia, o direito ao reembolso não foi imediatamente reconhecido como uma medida corretiva do direito da União porquanto a maioria dos sistemas jurídicos nacionais previa de alguma forma a possibilidade de apresentar um pedido de restituição de impostos indevidamente pagos. Por conseguinte, não ficou imediatamente claro se o direito da União contém a sua própria base jurídica para o reembolso, que não depende do direito nacional. V., a este respeito, Dougan, M., «Cutting Your Losses in the Enforcement Deficit: A Community Right to the Recovery of Unlawfully Levied Charges?», Cambridge Yearbook of European Legal Studies, vol. 1, 1998‑1999, p. 233; Ćapeta, T., Sudovi Europske unije. Nacionalni sudovi kao europski sudovi (Tribunais da União. Os tribunais nacionais enquanto tribunais europeus), Institut za međunarodne odnose, IMO, Zagreb, 2002, pp. 109 e seguintes.


22      V, por exemplo, Acórdãos de 19 de julho de 2012, Littlewoods Retail Ltd e o. (C‑591/10, EU:C:2012:478, n.o 25), e de 9 de setembro de 2021, Hauptzollamt B (Redução facultativa do imposto) (C‑100/20, EU:C:2021:716, n.o 27).


23      V, por exemplo, Acórdãos de 19 de julho de 2012, Littlewoods Retail Ltd e o. (C‑591/10, EU:C:2012:478, n.o 26), e de 9 de setembro de 2021, Hauptzollamt B (Redução facultativa do imposto) (C‑100/20, EU:C:2021:716, n.o 27).


24      V, a este respeito, Conclusões da advogada‑geral V. Trstenjak no processo Littlewoods Retail Ltd e o. (C‑591/10, EU:C:2012:9, n.os 26 a 30), e Conclusões do advogado‑geral M. Wathelet no processo Irimie (C‑565/11, EU:C:2012:803, n.os 21 a 29).


25      V., por exemplo, Gazin, F. «L’étendue du versement des sommes dues par les États en violation du droit de l’Union européenne: le beurre et l’argent du beurre au service de l’efficacité du droit», Revue du marché commun et de l’Union européenne, n.o 571, 2013, p. 475; Schlote, M., «The San Giorgio “cause of action”», British Tax Review, 2014, p. 103; van de Moosdijk, M., Unjust Enrichment in European Union Law, Kluwer, 2018, designadamente pp. 68‑83; Episcopo, F., «The Vicissitudes of Life at the Coalface: Remedies and Procedures for Enforcing Union Law before the National Courts», in Craig, P. e de Búrca, G. (eds.), The Evolution of EU Law, Third edition, Oxford University Press, 2021, p. 275, designadamente pp. 290 e 291.


26      O órgão jurisdicional de reenvio refere, a este respeito, os Acórdãos de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jülich e o. (C‑113/10, C‑147/10 e C‑234/10, EU:C:2012:591); de 18 de abril de 2013, Irimie (C‑565/11, EU:C:2013:250); e de 18 de janeiro de 2017, Wortmann (C‑365/15, EU:C:2017:19).


27      V. Acórdão de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jülich e o. (C‑113/10, C‑147/10 e C‑234/10, EU:C:2012:591).


28      V. Acórdão de 18 de abril de 2013, Irimie (C‑565/11, EU:C:2013:250).


29      V. Acórdão de 18 de janeiro de 2017, Wortmann (C‑365/15, EU:C:2017:19).


30      V. Acórdão de 19 de julho de 2012, Littlewoods Retail Ltd e o. (C‑591/10, EU:C:2012:478).


31      Por exemplo, no processo C‑419/20, a Reyher referiu que pagou o montante de 774 000 euros em 2013, mas foi reembolsada apenas em 2019.


32      V., por exemplo, Dougan, referido na nota 21 das presentes conclusões; Gazin, referido na nota 25 das presentes conclusões.


33      Acórdão de 20 de outubro de 2011, Danfoss e Sauer‑Danfoss (C‑94/10, EU:C:2011:674, n.o 23).


34      V., por exemplo, Acórdãos de 19 de julho de 2012, Littlewoods Retail Ltd e o. (C‑591/10, EU:C:2012:478, n.o 25), e de 9 de setembro de 2021, Hauptzollamt B (Redução facultativa do imposto) (C‑100/20, EU:C:2021:716, n.o 27).


35      V., a este respeito, van de Moosdijk, referido na nota 25.


36      V. C‑113/10, C‑147/10 e C‑234/10, EU:C:2011:701, n.os 125 a 129.


37      V. C‑47/07 P, EU:C:2008:726, designadamente n.os 44 a 50.


38      V. C‑575/18 P, EU:C:2020:530, designadamente n.os 81 a 84. V., igualmente, Conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo República Checa/Comissão (C‑575/18 P, EU:C:2020:205, n.os 120 a 129), e Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Eslováquia/Comissão e Roménia/Comissão  (C‑593/15 P, C‑594/15 P e C‑599/15 P, EU:C:2017:441, n.o 108).


39      A este respeito, convém referir a jurisprudência no âmbito da qual o Tribunal de Justiça permitiu aos Estados‑Membros terem em consideração o conceito de enriquecimento sem causa. Esta jurisprudência surgiu em circunstâncias que envolvem normas nacionais que limitam o direito ao reembolso de montantes indevidamente pagos em violação do direito da União, quando os montantes foram repercutidos sobre outros operadores económicos ou sobre os consumidores. V., por exemplo, Acórdão de 27 de fevereiro de 1980, Just (68/79, EU:C:1980:57, n.os 26 e 27). Esta jurisprudência confirma a tese proposta segundo a qual o direito ao pagamento de juros ao abrigo do direito da União se justifica pela necessidade de prevenir o empobrecimento contrário ao direito da União. Uma pessoa que tenha repercutido quantias indevidamente cobradas sobre terceiros não estará empobrecida, razão pela qual pode ser‑lhe recusado o direito ao reembolso com juros ao abrigo do direito da União.


40      O reembolso de impostos, taxas e outros encargos não é a única situação em que o direito da União prevê o pagamento de juros. Tais juros são, por exemplo, também devidos no âmbito de pedidos de indemnização decorrentes da violação do direito da União. Ver, por exemplo, Acórdão de 2 de agosto de 1993, Marshall  (C‑271/91, EU:C:1993:335, n.o 31).


41      V, a este respeito, Conclusões do advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona no processo Wortmann (C‑365/15, EU:C:2016:663, n.o 66).


42      V. Acórdão de 19 de julho de 2012, Littlewoods Retail Ltd e o. (C‑591/10, EU:C:2012:478).


43      V. Acórdão de 9 de setembro de 2021, Hauptzollamt B (Redução facultativa do imposto) (C‑100/20, EU:C:2021:716).


44      V., por exemplo, Acórdãos de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 32), e de 16 de novembro de 2021, WB e o. (C‑748/19 a C‑754/19, EU:C:2021:931, n.o 59).


45      V., por exemplo, Parecer 1/09 (Acordo que cria um sistema unificado de resolução de litígios em matéria de patentes), de 8 de março de 2011 (EU:C:2011:123, n.o 69), e Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 33).


46      V., por exemplo, Acórdãos de 25 de junho de 2020, SatCen/KF (C‑14/19 P, EU:C:2020:492, n.o 61), e de 6 de outubro de 2021, Consorzio Italian Management e Catania Multiservizi (C‑561/19, EU:C:2021:799, n.o 31).


47      V., a este respeito, Parecer 1/09 (Acordo que cria um sistema unificado de resolução de litígios em matéria de patentes), de 8 de março de 2011 (EU:C:2011:123, n.o 80).


48      V. Acórdão de 18 de janeiro de 2017, Wortmann (C‑365/15, EU:C:2017:19, n.o 38) (o sublinhado é meu).


49      Nas suas Conclusões no processo Wortmann (C‑365/15, EU:C:2016:663, n.o 45), o advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona propôs como uma das soluções possíveis nesse processo a declaração da invalidade da disposição do Código Aduaneiro que exclui o pagamento de juros. Não foi essa a solução que sugeriu ao Tribunal de Justiça, visto que a disposição em causa tinha uma justificação admissível. Importa salientar que a validade dessa norma não foi questionada nos presentes processos.


50      V. Acórdão de 18 de janeiro de 2017, Wortmann (C‑365/15, EU:C:2017:19, designadamente, n.os 24 a 32).


51      A mesma justificação foi adotada pela Comissão tanto no processo Wortmann como nas suas observações nos presentes processos.


52      Acórdão de 18 de janeiro de 2017, Wortmann (C‑365/15, EU:C:2017:19, n.o 27).


53      Conclusões do advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona no processo Wortmann (C‑365/15, EU:C:2016:663, n.o 50).


54      Esta simetria, que exclui a obrigação de pagamento de juros tanto para as autoridades aduaneiras, se os direitos aduaneiros são ajustados por defeito, como para o operador, se os direitos aduaneiros são ajustados por excesso, foi acentuada enquanto elemento importante para a justificação da norma em causa. V. Acórdão de 18 de janeiro de 2017, Wortmann (C‑365/15, EU:C:2017:19, n.os 29 a 31), e Conclusões do advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona no processo Wortmann (C‑365/15, EU:C:2016:663, n.os 48 a 52).


55      Não me parece haver razão para que as considerações formuladas no Acórdão Wortmann, que visava o artigo 241.o do Código Aduaneiro Comunitário, não se apliquem ao artigo 116.o, n.o 6, do Código Aduaneiro da União. V., a este respeito, Conclusões do advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona no processo Wortmann (C 365/15, EU:C:2016:663, n.o 51, nota 25).


56      Conclusões do advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona no processo Wortmann (C‑365/15, EU:C:2016:663, n.o 52).


57      Contudo, v., a este respeito, Kakouris, C.N., «Do the Member States Possess Judicial Procedural “Autonomy”?», Common Market Law Review, vol. 34, 1997, p. 1389; Bobek, M., «Why There is No Principle of “Procedural Autonomy” of the Member States», in de Witte, B. e Micklitz, H.‑W. (eds.), The European Court of Justice and the Autonomy of the Member States, Intersentia, 2012, p. 305; Conclusões da advogada‑geral V. Trstenjak no processo Littlewoods Retail Ltd e o. (C‑591/10, EU:C:2012:9, n.os 23 a 25).


58      V., relativamente ao pagamento de juros, por exemplo, Acórdãos de 19 de julho de 2012, Littlewoods Retail Ltd e o. (C‑591/10, EU:C:2012:478, n.os 27 e 28), e de 23 de abril de 2020, Sole‑Mizo e Dalmandi Mezőgazdasági (C‑13/18 e C‑126/18, EU:C:2020:292, n.o 37). Conforme o Tribunal de Justiça referiu nestes acórdãos, na falta de legislação da União, compete à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, desde que não sejam menos favoráveis do que os que se referem a pedidos semelhantes baseados em disposições do direito nacional (princípio da equivalência) e não tornem impossível ou excessivamente difícil na prática o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade).


59      V., a este respeito, Prechal, S., «Community Law in National Courts: The Lessons from Van Schijndel», Common Market Law Review, vol. 35, 1998, p. 681, na p. 690. V. ainda, por exemplo, Widdershoven, R., «National Procedural Autonomy and General EU Law Limits», Review of European Administrative Law, vol. 12, 2019, p. 5; Episcopo, referido na nota 25 das presentes conclusões.


60      C‑430/93 e C‑431/93, EU:C:1995:441.


61      C‑312/93, EU:C:1995:437.


62      V., por exemplo, Acórdãos de 19 de dezembro de 2019, Cargill Deutschland (C‑360/18, EU:C:2019:1124, n.o 51), e de 6 de outubro de 2021, Consorzio Italian Management e Catania Multiservizi (C‑561/19, EU:C:2021:799, n.os 63 e 64).


63      Contrariamente aos argumentos adiantados pela Reyher no processo C‑419/20, não me parece que as normas nacionais confiram aos pedidos apresentados ao abrigo do direito da União um tratamento menos favorável do que aos baseados no direito nacional; o facto de as autoridades nacionais competentes poderem alegar no processo principal que o artigo 116.o, n.o 6, do Código Aduaneiro da União exclui o pagamento de juros decorre de uma eventual limitação do direito da União ao pagamento de juros, e não da lei nacional.


64      V., por exemplo, Acórdão de 18 de abril de 2013, Irimie (C‑565/11, EU:C:2013:250, n.os 26 e 28). V. igualmente, a este respeito, Acórdão de 23 de abril de 2020, Sole‑Mizo e Dalmandi Mezőgazdasági (C‑13/18 e C‑126/18, EU:C:2020:292, n.o 43).


65      V. Acórdão de 18 de abril de 2013, Irimie (C‑565/11, EU:C:2013:250, n.os 27 e 29). V. igualmente, a este respeito, Acórdão de 15 de outubro de 2014, Nicula (C‑331/13, EU:C:2014:2285, n.os 37 e 38).


66      C‑365/15, EU:C:2016:663, n.os 14 e 69 a 73.


67      O órgão jurisdicional de reenvio menciona, a este respeito, o § 236 do AO, lido em conjugação com o § 14, n.o 2, da MOG.