Language of document : ECLI:EU:C:2000:294

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

6 de Junho de 2000 (1)

«Livre circulação dos capitais - Tributação directa dos dividendos de acções - Isenção - Limitação aos dividendos de acções de sociedades com sede no território nacional»

No processo C-35/98,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CE (actual artigo 234.° CE), pelo Hoge Raad der Nederlanden (Países Baixos), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Staatssecretaris van Financiën

e

B. G. M. Verkooijen,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação da Directiva 88/361/CEE do Conselho, de 24 de Junho de 1988, para a execução do artigo 67.° do Tratado (JO L 178, p. 5), e dos artigos 6.° e 52.° do Tratado CE (que passaram, após alteração, a artigos 12.° CE e 43.° CE),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, J. C. Moitinho de Almeida, L. Sevón e R. Schintgen, presidentes de secção, P. J. G. Kapteyn, C. Gulmann, J.-P. Puissochet, P. Jann, H. Ragnemalm, M. Wathelet (relator) e F. Macken, juízes,

advogado-geral: A. La Pergola,


secretário: D. Louterman-Hubeau, administrador principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

-    em representação de Verkooijen, por F. E. Dekker, consultor fiscal,

-    em representação do Governo neerlandês, por J. G. Lammers, consultor jurídico substituto, na qualidade de agente,

-    em representação o Governo italiano, por G. De Bellis, avvocato dello Stato,

-    em representação do Governo do Reino Unido, por J. E. Collins, Treasury Solicitor, na qualidade de agente, assistido por R. Singh, barrister,

-    em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por E. Mennens, consultor jurídico principal, e H. Michard membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações do Governo neerlandês, representado por M. A. Fierstra, chefe do Departamento de Direito Europeu do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, do Governo francês, representado por S. Seam, Secretário dos Negócios Estrangeiros, na Direcção dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, do Governo italiano, representado por G. De Bellis, do Governo do Reino Unido, representado por J. E. Collins, assistido por R. Singh, e da Comissão, representada por E. Mennens e H. Michard, na audiência de 23 de Março de 1999,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 24 de Junho de 1999,

atento o despacho de reabertura dos debates de 17 de Setembro de 1999,

ouvidas as observações de M. Verkooijen, representado por F. E. Dekker, do Governo neerlandês, representado por M. A. Fiestra, do Governo francês, representado por S. Seam, do Governo italiano, representado por G. De Bellis, do Governo do Reino Unido, representado por J. E. Collins, assistido por R. Singh, e da Comissão, representada por E. Mennens e H. Michard, na audiência de 30 de Novembro de 1999,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 14 de Dezembro de 1999,

profere o presente

Acórdão

1.
    Por decisão de 11 de Fevereiro de 1998, entrada no Tribunal de Justiça em 13 do mesmo mês, o Hoge Raad der Nederlanden apresentou, nos termos do artigo 177.° do Tratado CE (actual artigo 234.° CE), três questões prejudiciais sobre a interpretação da Directiva 88/361/CEE do Conselho, de 24 de Junho de 1988, para a execução do artigo 67.° do Tratado (JO L 178, p. 5), e dos artigos 6.° e 52.° do Tratado CE (que passaram, após alteração, a artigos 12.° CE e 43.° CE).

2.
    As mencionadas questões foram suscitadas num litígio que opõe o Staatssecretaris van Financiën (Secretário de Estado das Finanças neerlandês) a B. Verkooijen, cidadão neerlandês, pela recusa a este último de isenção de impostos sobre o rendimento quanto aos dividendos de acções recebidas de uma sociedade com sede em Estado-Membro diferente dos Países Baixos.

Enquadramento jurídico nacional

3.
    À data dos factos no processo principal, o imposto sobre o rendimento era regulado nos Países Baixos pela Wet op de inkomstenbelasting 1964 (lei de 1964 sobre o imposto sobre o rendimento, na versão em vigor antes de 1997, a seguir «lei do imposto sobre o rendimento»).

4.
    Nos termos do artigo 24.° da lei do imposto sobre o rendimento, os rendimentos do património, incluindo os dividendos e outras importâncias recebidas devido à titularidade de acções estavam sujeitos a imposto sobre o rendimento. O contribuinte que fizesse a declaração para efeitos deste imposto devia por isso incluir os dividendos recebidos no rendimento tributável como rendimento do seu património.

5.
    Deve esclarecer-se que apenas as pessoas singulares estão sujeitas ao imposto sobre o rendimento neerlandês («inkomstenbelasting»), pelo que o presente processo abrange apenas a distribuição de dividendos a pessoas singulares.

6.
    Os dividendos distribuídos por sociedades com sede nos Países Baixos estão sujeitos a retenção na fonte quanto ao imposto sobre o rendimento: o imposto retido designa-se imposto sobre os dividendos. As modalidades da retenção deste imposto constam do artigo 1.°, n.° 1, da Vet op de dividendbelasting 1965 (lei de 1965 sobre o imposto sobre os dividendos, Stbl. 1965, p. 621, a seguir «lei do imposto sobre os dividendos»), em cujos termos:

«Estão sujeitos a imposto 'imposto sobre os dividendos‘ os titulares, directamente ou por intermédio de certificados, de rendimentos de acções ou partes sociais, de partes beneficiárias e de obrigações de sociedades anónimas, sociedades privadas de responsabilidade limitada, sociedade em comandita aberta e outras sociedades cujo capital seja repartido, no todo ou em parte, em acções ou partes sociais, com sede nos Países Baixos».

7.
    O imposto sobre os dividendos pode ser um imposto definitivo. Assim acontecerá, nomeadamente, quando os dividendos de acções de sociedade com sede nos Países Baixos forem pagos a quem não esteja sujeito a imposto neerlandês sobre o rendimento.

8.
    Ao invés, quando aqueles dividendos forem pagos a contribuinte do imposto neerlandês sobre o rendimento, o imposto sobre os dividendos constitui, nos termos do n.° 1 do artigo 63.° da lei do imposto sobre os dividendos, um adiantamento («voorheffing») para efeitos do imposto sobre o rendimento. Nos termos do artigo 5.° da Algemene wet inzake rijksbelastingen (lei geral sobre os impostos do Estado), na liquidação do imposto sobre o rendimento global, o referido adiantamento será imputado sobre o imposto devido com base no rendimento global.

9.
    O artigo 47b da lei do imposto sobre o rendimento isenta os dividendos, até determinado montante, de imposto sobre o rendimento. Esta isenção aplicas-e ao rendimento de acções ou de partes de sociais sobre que houve retenção do imposto neerlandês sobre os dividendos, o que, nos termos do n.° 1 do artigo 1.° da lei do imposto sobre os dividendos, equivale ao rendimento de acções ou de partes nas sociedades com sede nos Países Baixos. Inicialmente limitada a 500 NLG, a isenção foi aumentada para 1 000 NLG (com a possibilidade de atingir 2 000 NLG quanto aos contribuintes casados) pela lei de 6 de Setembro de 1985 (Stbl. 1985, p. 504).

10.
    Na versão em vigor à data dos factos no processo principal, o artigo 47b da lei do imposto sobre o rendimento dispunha:

«1.    A isenção dos dividendos aplica-se ao rendimento de acções ou partes sociais considerado rendimento para efeitos da determinação do rendimento bruto, sobre que foi efectuada a retenção do imposto sobre os dividendos ou sobre que a retenção do referido imposto não se efectuou nos termos do n.° 1 do artigo 4.° da Wet op de dividendbelasting de 1965. São isentos os dividendos, até ao montante de 1 000 NLG, sem no entanto ultrapassar o montante do rendimentoacima indicado, deduzido dos encargos que lhe respeitem, à excepção dos juros de dívidas e encargos referentes a empréstimos.

...

3.    O montante de 1 000 NLG referido nos n.os 1 e 2 é elevado para 2 000 NLG em relação ao contribuinte a quem sejam imputadas as partes de rendimento do seu cônjuge referidas no n.° 1 do artigo 5.°»

11.
    Resulta da génese desta disposição que a isenção dos dividendos (e a sua restrição aos dividendos de acções de sociedades estabelecidas nos Países Baixos) visa um duplo objectivo: em primeiro lugar, a isenção era concebida como medida para melhorar o nível dos fundos próprios das empresas e estimular o interesse dos privados por acções neerlandesas; em segundo lugar, em especial quanto aos pequenos investidores, para compensar, em certa medida, a dupla tributação que resultava, no sistema fiscal neerlandês, da percepção, por um lado, do imposto sobre as sociedades, que incide sobre os lucros por elas obtidos e, por outro, do imposto sobre o rendimento do particular accionista, que incide sobre os dividendos distribuídos pelas mesmas sociedades.

O litígio no processo principal

12.
    Em 1991, B. Verkooijen residia nos Países Baixos e era trabalhador da sociedade de distribuição de produtos petrolíferos Fina Nederland BV, controlada indirectamente pela sociedade anónima Petrofina NV, com sede na Bélgica e cotada na bolsa.

13.
    No quadro de um plano de poupança de empresa («werknemersspaarplan») aberto a todos os trabalhadores do grupo, B. Verkooijen adquiriu acções da sociedade Petrofina NV. Estas acções deram, em 1991, dividendos no montante, após conversão em florins neerlandeses, de 2 337 NLG, aproximadamente, que foram objecto de retenção na fonte de 25%, na Bélgica. Na declaração para o imposto sobre o rendimento neerlandês do ano de 1991, B. Verkooijen incluiu aqueles dividendos entre os rendimentos tributáveis.

14.
    Na liquidação do imposto sobre os rendimentos de B. Verkooijen, o inspector dos impostos não aplicou a isenção dos dividendos, por entender que não lhe tinha direito uma vez que os dividendos que recebera da Petrofina não estavam sujeitos a imposto neerlandês sobre os dividendos. O aviso de liquidação do imposto sobre o rendimento e de pagamento da cotização para o regime geral de segurança social («volksverzekeringen») referente ao ano de 1991 de B. Verkooijen incluía por conseguinte um rendimento tributável de 166 697 NLG, incluindo a totalidade dos dividendos que lha haviam sido pagos pela sociedade Petrofina.

15.
    B. Verkooijen reclamou da referida liquidação sustentando que os dividendos que recebera estavam isentos, até ao montante de 2 000 NLG (B. Verkooijen era casado),do imposto sobre o rendimento, nos termos dos n.os 1 e 3 do artigo 47b da lei do imposto sobre o rendimento.

16.
    Tendo o inspector dos impostos indeferido a referida reclamação, B. Verkooijen interpôs recurso da decisão de indeferimento para o Gerechtshof te 's-Gravenhage. Este tribunal entendeu que a restrição da isenção dos dividendos aos rendimentos de acções e partes sociais sobre que incida o imposto neerlandês sobre os dividendos era contrária aos artigos 52.° e 58.° do Tratado CE (actual artigo 48.° CE) e à Directiva 88/361. Por conseguinte, anulou a decisão e alterou a liquidação, passando o imposto a ser calculado com base no rendimento tributável de 164 697 NLG.

17.
    O Staatssecretaris van Financiën recorreu do acórdão do Gerechtshof te's-Gravenhage para o tribunal de reenvio.

As disposições de direito comunitário relevantes

18.
    Sendo os factos na origem do litígio no processo principal anteriores à entrada em vigor do Tratado da União Europeia, a disposição do Tratado sobre a livre circulação dos capitais então aplicável era o artigo 67.° do Tratado CEE (revogado pelo Tratado de Amesterdão). Aquela disposição era do seguinte teor:

«Os Estados-Membros suprimirão progressivamente entre si, durante o período de transição, e na medida em que tal for necessário ao bom funcionamento do mercado comum, as restrições aos movimentos de capitais pertencentes a pessoas residentes nos Estados-Membros, bem como as discriminações de tratamento em razão da nacionalidade ou da residência das partes, ou do lugar do investimento.»

19.
    Esta disposição foi executada por diversas directivas, das quais a Directiva 83/361, aplicável à data dos factos no processo principal.

20.
    O artigo 1.°, n.° 1, desta directiva dispõe:

«Os Estados-Membros suprimirão as restrições aos movimentos de capitais efectuados entre pessoas residentes nos Estados-Membros, sem prejuízo das disposições seguintes. A fim de facilitar a aplicação da presente directiva, os movimentos de capitais são classificados de acordo com a nomenclatura estabelecida no Anexo I.»

21.
    Entre os movimentos de capitais enumerados no Anexo I da Directiva 88/361 figuram:

«I.    Investimentos directos

...

2)    Participação em empresas novas ou existentes com vista a criar ou manter laços económicos duradouros

...

III.    Operações sobre títulos normalmente transaccionados no mercado de capitais (não incluídas nas categorias I, IV e V)

...

A.    Transacções sobre títulos do mercado de capitais

    ...

    2)    Aquisição, por residentes, de títulos estrangeiros negociados na bolsa

    ...»

22.
    Na introdução ao Anexo I, último parágrafo, esclarece-se que a lista dos movimentos de capitais não é exaustiva:

«A presente nomenclatura não é limitativa da noção de movimento de capitais e daí a presença de uma Rubrica XIII - F 'Outros movimentos de capitais: diversos‘. Esta nomenclatura não poderá portanto ser interpretada como restringindo o alcance do princípio de uma completa liberalização dos movimentos de capitais, tal como enunciado no artigo 1g. da presente directiva.»

23.
    O n.° 1 do artigo 6.° da Directiva 88/361 dispõe:

«1.    Os Estados-Membros porão em vigor medidas necessárias para dar cumprimento à presente directiva, o mais tardar em 1 de Julho de 1990. Desse facto informarão imediatamente a Comissão. Comunicarão igualmente, o mais tardar aquando da sua entrada em vigor, qualquer nova medida ou alteração introduzida nas disposições que regem os movimentos de capitais enumerados no Anexo I.»

As questões prejudiciais

24.
    Foi nestas condições que o Hoge Raad der Nederlanden decidiu suspender a instância e apresentar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões para decisão a título prejudicial:

«1)    Deve o artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 88/361/CEE, conjugado com o ponto I, 2., do Anexo I desta directiva, ser interpretado no sentido de que, em conformidade com o seu artigo 6.°, n.° 1, se encontra proibida, desde 1 de Julho de 1990, uma restrição, resultante de uma disposição da legislação de um Estado-Membro em matéria de imposto sobre o rendimento, que isenta os dividendos, em certa medida, do imposto sobre o rendimento dos accionistas,mas que limita esta isenção aos dividendos de acções de sociedades com sede nesse Estado-Membro?

2)    Em caso de resposta negativa à primeira questão, devem os artigos 6.° e/ou 52.° do Tratado CE ser interpretados no sentido de que é com eles incompatível uma disposição restritiva como a mencionada na questão 1?

3)    A resposta às questões anteriores é diferente consoante o beneficiário da isenção seja um accionista ordinário ou um trabalhador (de uma sociedade filial) que possua as acções em causa no âmbito de um plano de poupança de empresa?»

Quanto à primeira questão prejudicial

25.
    Na primeira questão, o tribunal de reenvio pergunta, em substância, se o n.° 1 do artigo 1.° da Directiva 88/361 é contrário a uma disposição legal de um Estado-Membro que, como a em causa no processo principal, sujeita a isenção do imposto sobre o rendimento que incide sobre os dividendos pagos a pessoas singulares accionistas à condição de serem distribuídos por sociedades com sede no referido Estado-Membro.

26.
    Há que ver, em primeiro lugar, se o facto de um nacional de um Estado-Membro que resida no seu território receber dividendos de acções de sociedade com sede noutro Estado-Membro está sujeito à Directiva 88/361, que dá execução ao artigo 67.° do Tratado.

27.
    A este respeito, embora o Tratado não defina a noção de movimentos de capitais, o Anexo I da Directiva 88/361 contém uma lista não exaustiva das operações que constituem movimentos de capitais no sentido do seu artigo 1.°

28.
    Embora o recebimento de dividendos não seja mencionado explicitamente na nomenclatura anexa à Directiva 88/361 como «movimentos de capitais», pressupõe necessariamente a participação em empresas novas ou existentes, referida no ponto I, n.° 2, da nomenclatura.

29.
    Além disso, na medida em que, no processo principal, a sociedade que distribui dividendos tem sede noutro Estado-Membro e não nos Países Baixos e está cotada na bolsa, o recebimento de dividendos de acções desta sociedade por nacional neerlandês pode igualmente ser associado à «aquisição, por residentes, de títulos estrangeiros negociados na bolsa», constante do n.° 2, letra A, do ponto III da nomenclatura, como sustentam B. Verkooijen, o Governo do Reino Unido e a Comissão. Uma operação deste tipo está por isso indissoluvelmente ligada a um movimento de capitais.

30.
    Por conseguinte, o facto de um nacional de um Estado-Membro residente no seu território receber dividendos de acções de uma sociedade com sede noutro Estado-Membro é abrangido pela Directiva 88/361.

31.
    Em segundo lugar, há que ver se a recusa por um Estado-Membro de isenção dos dividendos dos contribuintes recebidos de acções de sociedade com sede noutro Estado-Membro constitui uma restrição aos movimentos de capitais no sentido do artigo 1.° da Directiva 88/361.

32.
    A título liminar deve lembrar-se, por um lado, que, se a fiscalidade directa é da competência dos Estados-Membros, estes devem, todavia, exercer essa competência no respeito do direito comunitário (acórdãos de 11 de Agosto de 1995, Wielockx, C-80/94, Colect., p. I-2493, n.° 16; de 16 de Julho de 1998, ICI, C-264/96, Colect., p. I-4695, n.° 19, e de 29 de Abril de 1999, Royal Bank of Scotland, C-311/97, Colect., p. I-2651, n.° 19).

33.
    Por outro lado, a Directiva 88/361, aplicável aos factos no processo principal, procedeu à liberalização completa dos movimentos de capitais e, com este objectivo, impôs aos Estados-Membros, no artigo 1.°, n.° 1, a obrigação de suprimirem todas as restrições aos movimentos de capitais. O efeito directo desta disposição foi reconhecido pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 23 de Fevereiro de 1995, Bordessa e o. (C-358/93 e C-416/93, Colect., p. I-361, n.° 33).

34.
    Ora, uma disposição geral como a que está em causa no processo principal tem como efeito dissuadir os nacionais de um Estado-Membro que residam nos Países Baixos de investirem os respectivos capitais em sociedades com sede noutro Estado-Membro. Resulta aliás claramente da génese desta disposição que a isenção dos dividendos e a sua restrição aos dividendos de acções de sociedades com sede nos Países Baixos visava precisamente promover o investimento dos particulares em sociedades com sede neste país para reforçar os seus fundos próprios.

35.
    Uma tal disposição tem também efeito restritivo quanto às sociedades com sede noutros Estados-Membros na medida em que lhes levanta um obstáculo à recolha de capitais nos Países Baixos visto que os dividendos que paguem aos residentes neste país serão tratados, em termos de fiscalidade, de forma menos favorável que os distribuídos por uma sociedade com sede nos Países Baixos, pelo que as respectivas acções ou partes sociais serão menos atractivas para os investidores que residam neste país que as de sociedades com sede neste Estado-Membro.

36.
    Nestas condições, há que concluir que o facto de subordinar a concessão de uma vantagem fiscal em matéria de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares accionistas, como a isenção dos dividendos, à condição de estes provirem de sociedades com sede no território nacional constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo artigo 1.° da Directiva 88/361.

37.
    No entender dos governos que apresentaram observações no Tribunal de Justiça, admitindo mesmo que uma disposição legal nacional como a de isenção dos dividendos constitui uma restrição, no sentido da Directiva 88/361, há que ter em conta, para a interpretação do direito comunitário aplicável à data dos factos no processo principal,a regulamentação comunitária que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1994, nomeadamente o artigo 73.°-D, n.° 1, alínea a), do Tratado CE [que passou, a artigo 58.°, n.° 1, alínea a), CE].

38.
    O Governo neerlandês salienta antes de mais que esta disposição reconhece aos Estados-Membros, a título de excepção à proibição de restrições aos movimentos de capitais entre os Estados-Membros constante do artigo 73.°-B do Tratado CE (actual artigo 56.° CE), o direito de aplicarem as disposições da respectiva legislação fiscal que prevejam uma distinção entre os contribuintes que não se encontrem na mesma situação no que respeita à residência ou ao local de investimento dos seus capitais. Da Declaração n.° 7 anexa à Acta Final do Tratado da União Europeia resulta que o artigo 73.°-D, n.° 1, alínea a), do Tratado permite que as disposições fiscais nacionais em vigor nos Estados-Membros antes da produção de efeitos daquele artigo continuem a fazer distinção entre os contribuintes em função da respectiva residência ou localização dos seus investimentos.

39.
    Seguidamente, o Governo francês e o do Reino Unido sustentam que os artigos 73.°-B a 73.°-G do Tratado CE (o artigo 73.°-C do Tratado CE passou a artigo 57.° CE, o artigo 73-E do Tratado CE foi revogado pelo Tratado de Amesterdão e os artigos 73.°-F e 73.°-G do Tratado CE passaram a artigos 59.° CE e 60.° CE), criados pelo Tratado da União Europeia, devem ser considerados como um avanço no processo de liberalização dos capitais ou, pelo menos, como a confirmação do estado do direito anterior ao «constitucionalizar» ou ao «codificar» os princípios já existentes; não podem constituir um recuo na matéria.

40.
    Por conseguinte, segundo estes mesmos governos, a possibilidade reconhecida pelo artigo 73.°-D, n.° 1, alínea a), do Tratado de aplicar disposições fiscais nacionais que distingam entre os contribuintes em função da respectiva residência ou localização dos seus investimentos existia anteriormente à entrada em vigor desta disposição e nomeadamente na vigência da Directiva 88/361.

41.
    Segundo estes mesmos governos, uma disposição legal como a em causa no processo principal, que estabelece, para efeitos da isenção dos dividendos, a distinção entre contribuintes que não estão na mesma situação quanto ao local de investimento dos respectivos capitais, não pode ser contrária ao direito comunitário.

42.
    A este respeito, dado que os factos em causa no processo principal são anteriores à entrada em vigor do Tratado da União Europeia, há que examinar a conformidade de uma norma legal como a em causa no processo principal exclusivamente face às disposições do Tratado CEE e da Directiva 88/361.

43.
    Aliás, deve salientar-se que a possibilidade reconhecida pelo artigo 73.°-D, n.° 1, alínea a), do Tratado aos Estados-Membros de aplicarem as pertinentes disposições da respectiva legislação fiscal que estabeleçam distinção entre os contribuintes que não se encontrem na mesma situação quanto à respectiva residência ou local onde os seus capitais foram investidos foi já aceite pelo Tribunal de Justiça. Com efeito, nos termosda jurisprudência deste Tribunal, já antes da entrada em vigor do artigo 73.°-D, n.° 1, alínea a), do Tratado, disposições nacionais como as visadas por este artigo, que estabeleciam determinadas distinções, nomeadamente com base na residência dos contribuintes, poderiam ser compatíveis com o direito comunitário se aplicáveis a situações não comparáveis objectivamente (v., nomeadamente, o acórdão de 14 de Fevereiro de 1995, Schumacker, C-279/93, Colect., p. I-225) ou ser justificadas por razões imperiosas de interesse geral, e, nomeadamente, por razões de coerência do regime fiscal (acórdãos de 28 de Janeiro de 1992, Bachmann, C-204/90, Colect., p. I-249, e Comissão/Bélgica, C-300/90, Colect., p. I-305).

44.
    De qualquer modo, o artigo 73.°-D, n.° 3, do Tratado esclarece que as disposições de direito nacional visadas pelo artigo 73.°-D, n.° 1, alínea a), não podem constituir nem um meio de discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada à livre circulação dos capitais e dos pagamentos, na definição do artigo 73.°-B.

45.
    Além disso, o argumento de que «as medidas e procedimentos» constantes do artigo 73.°-D, n.° 3, do Tratado não visavam o n.° 1, alínea a), em que se emprega o termo de «disposições», carece de pertinência. Além da dificuldade de distinguir entre «medidas» e «disposições», os termos «medidas e procedimentos» não constam de modo algum no n.° 2, não obstante o artigo 73.°-D, n.° 3, se referir expressamente a este número.

46.
    Por isso, há que averiguar se a restrição aos movimentos de capitais resultante de uma disposição legal como a em causa no processo principal pode ser objectivamente justificada por uma razão imperiosa de interesse geral.

47.
    O Governo do Reino Unido sustentou, em primeiro lugar, que uma disposição legal como a em causa no processo principal se justificava pela intenção de promover a economia do país ao encorajar o investimento dos particulares em sociedades com sede nos Países Baixos.

48.
    A este respeito, basta lembrar que, conforme jurisprudência constante, um objectivo de natureza puramente económica não pode constituir uma razão imperiosa de interesse geral que justifique uma restrição a uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado (acórdãos de 28 de Abril de 1998, Decker, C-120/95, Colect., p. I-1831, n.° 39 e Kohll, C-158/96, Colect., p. I-1931, n.° 41).

49.
    Em segundo lugar, todos os governos que apresentaram observações sustentaram que a restrição da isenção dos dividendos apenas aos distribuídos por sociedades com sede nos Países Baixos se justificava pela necessidade de preservar a coerência do sistema fiscal neerlandês.

50.
    Segundo eles, a isenção dos dividendos visava atenuar os efeitos da dupla tributação - em termos económicos - que resultava da tributação, na sociedade, a título de imposto sobre as sociedades, dos lucros realizados e da tributação, na pessoa singularaccionista, a título de imposto sobre o rendimento, dos mesmos lucros distribuídos sob a forma de dividendos.

51.
    A isenção dos dividendos era reservada apenas aos contribuintes que os recebessem de acções de sociedades com sede nos Países Baixos na medida em que apenas estas eram tributadas neste Estado-Membro sobre os lucros obtidos. Quando a sociedade que distribui os dividendos tem sede noutro Estado-Membro, os lucros obtidos são tributados neste Estado pelo que não existe nos Países Baixos dupla tributação a compensar.

52.
    O Governo neerlandês sustentou também, na audiência, que o imposto cobrado sobre o lucro das sociedades pelas autoridades fiscais de outro Estado não poderia ser objecto de compensação através da isenção dos dividendos distribuídos a pessoas residentes nos Países Baixos sócios dessas sociedades porque implicaria automaticamente uma perda de rendimentos para o fisco neerlandês, que não cobrava impostos sobre os lucros das sociedades que distribuíam os dividendos.

53.
    Na mesma perspectiva, o Governo do Reino Unido sustentou que se as autoridades fiscais neerlandesas devessem, quanto aos dividendos provenientes de acções de sociedade com sede fora dos Países Baixos, conceder a isenção dos dividendos, estes escapariam inteiramente ao imposto nos Países Baixos.

54.
    O Governo neerlandês acrescentou ainda que a aplicação da isenção dos dividendos aos contribuintes accionistas de sociedades com sede noutros Estados-Membros permitir-lhes-ia usufruir de dupla vantagem dado que lhes seria possível beneficiar de deduções tanto no Estado-Membro em que o dividendo é pago como naquele em que é recebido, isto é, o Reino dos Países Baixos.

55.
    Estes argumentos não podem ser aceites.

56.
    Quanto à necessidade de preservar a coerência do sistema fiscal neerlandês, deve salientar-se que, embora o Tribunal de Justiça tenha considerado que a necessidade de garantir a coerência de um regime fiscal pode justificar uma regulamentação que restrinja as liberdades fundamentais (acórdãos Bachmann e Comissão/Bélgica, já referidos), tal não acontece, no entanto, no caso em apreço.

57.
    Efectivamente, nos processos Bachmann e Comissão/Bélgica, já referidos, existia um nexo directo, por estar em causa o mesmo contribuinte, entre a atribuição da isenção fiscal e a compensação deste benefício mediante tributação, efectuadas no quadro do mesmo imposto. Tratava-se, na ocorrência, do nexo entre a deductibilidade das contribuições e a tributação dos montantes devidos pelos organismos seguradores em cumprimento de contratos de seguro de reforma e de vida, que se impunha preservar para salvaguardar a coerência do sistema fiscal em causa.

58.
    Ora, nenhum nexo directo desta natureza existe no caso em apreço entre a concessão aos accionistas residentes nos Países Baixos de isenção em matéria de imposto sobreo rendimento quanto aos dividendos recebidos e a tributação dos lucros das sociedades com sede noutros Estados-Membros. Trata-se de impostos distintos que atingem contribuintes distintos.

59.
    Quanto aos argumentos referentes à perda de réditos fiscais resultante, para o Reino dos Países Baixos, da concessão da isenção dos dividendos aos seus residentes accionistas de sociedades com sede noutros Estados-Membros, basta lembrar que a redução dos réditos fiscais não pode ser considerada razão imperiosa de interesse geral susceptível de justificar uma medida em princípio contrária a uma liberdade fundamental (v., neste sentido, quanto ao artigo 52.° do Tratado, o acórdão ICI, já referido, n.° 28).

60.
    Aliás, quanto ao argumento do Governo do Reino Unido referido no n.° 53 deste acórdão deve salientar-se que o recebimento por uma pessoa singular residente nos Países Baixos de rendimentos de acções ou de partes sociais de sociedades com sede noutro Estado-Membro não escapa sistematicamente ao imposto neerlandês pela via da isenção dos dividendos; isto só acontece se o accionista sujeito a imposto neerlandês sobre o rendimento receber da sociedade com sede noutro Estado-Membro dividendos de montante que não ultrapasse, após eventual conversão, as 1 000 ou 2 000 NLG objecto de isenção, o que o colocaria na mesma situação que se tivesse recebido dividendos de sociedades com sede nos Países Baixos.

61.
    Quanto, finalmente, ao argumento de eventual vantagem fiscal para os contribuintes que recebam nos Países Baixos dividendos de sociedades com sede noutro Estado-Membro, basta salientar que resulta de jurisprudência constante que um tratamento fiscal desfavorável contrário a uma liberdade fundamental não pode justificar-se pela existência de outras vantagens fiscais, supondo mesmo que tais vantagens existam [v., neste sentido, quanto ao artigo 52.° do Tratado, acórdãos de 28 de Janeiro de 1986, Comissão/França, 270/83, Colect., p. 273, n.° 21; de 27 de Junho de 1996, Asscher, C-107/94, Colect., p. I-3089, n.° 53, e de 21 de Setembro de 1999, Saint-Gobain ZN, C-307/97, Colect., p. I-0000, n.° 54; v., quanto ao artigo 59.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 49.° CE), acórdão de 26 de Outubro de 1999, Eurowings Luftverkehrs, C-294/97, Colect., p. I-0000, n.° 44].

62.
    Deve por conseguinte, responder-se à primeira questão que o n.° 1 do artigo 1.° da Directiva 88/361 se opõe a uma disposição legal de um Estado-Membro que, como a em causa no processo principal, sujeita a concessão de isenção do imposto sobre o rendimento a que estão sujeitos os dividendos pagos a pessoas singulares accionistas à condição de serem pagos por sociedades com sede no referido Estado-Membro.

Quanto à segunda questão prejudicial

63.
    Atenta a resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda.

Quanto à terceira questão prejudicial

64.
    Na terceira questão, o tribunal de reenvio pergunta qual a incidência sobre a resposta dada à primeira questão do facto de o contribuinte que pede o benefício da isenção fiscal ser accionista ordinário ou trabalhador titular das acções que determinaram o pagamento dos dividendos no quadro de um plano de poupança de empresa.

65.
    A este respeito, todos os que apresentaram observações sustentaram que a circunstância de a pessoa singular que pede para beneficiar de uma vantagem fiscal como a isenção dos dividendos ser accionista ordinário ou trabalhador por conta de outrem que adquiriu as acções que deram lugar ao recebimento dos dividendos no quadro de um plano de poupança de empresa (werknemersspaarplan) não tem qualquer incidência sobre a resposta dada às duas primeiras questões prejudiciais.

66.
    Com efeito, uma disposição legal nacional como a em causa no processo principal recusa a isenção dos dividendos a todo o contribuinte sujeito, nos Países Baixos, a imposto sobre o rendimento por dividendos recebidos de sociedades com sede num outro Estado-Membro, sem distinguir conforme o contribuinte seja accionista ordinário ou trabalhador por conta de outrem que adquiriu as acções no quadro dum plano de poupança de empresa.

67.
    Na medida em que se respondeu à primeira questão que uma tal disposição constitui uma restrição à livre circulação dos capitais contrária ao direito comunitário independentemente da qualidade do accionista, deve responder-se à terceira que não tem relevância, a este respeito, que o contribuinte que pede para beneficiar de tal isenção fiscal seja um accionista ordinário ou um trabalhador por conta de outrem que detém as acções que deram lugar ao recebimento de dividendos no quadro de um plano de poupança de empresa.

Quanto às despesas

68.
    As despesas efectuadas pelos Governos neerlandês, dinamarquês, helénico e do Reino Unido, bem como pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Hoge Raad der Nederlanden, por decisão de 11 de Fevereiro de 1998, declara:

O n.° 1 do artigo 1.° da Directiva 88/361 do Conselho, de 24 de Junho de 1988, para a execução do artigo 67.° do Tratado, opõe-se a uma disposição legal de umEstado-Membro que, como a em causa no processo principal, sujeita a concessão de isenção do imposto sobre o rendimento a que estão sujeitos os dividendos pagos a pessoas singulares accionistas à condição de serem pagos por sociedades com sede no referido Estado-Membro.

Não tem relevância, a este respeito, que o contribuinte que pede para beneficiar de tal isenção fiscal seja um accionista ordinário ou um trabalhador por conta de outrem que detém as acções que deram lugar ao recebimento de dividendos no quadro de um plano de poupança de empresa.

Rodríguez Iglesias
Moitinho de Almeida
Sevón

Schintgen

Kapteyn
Gulmann

Puissochet

Jann
Ragnemalm

Wathelet

Macken

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 6 de Junho de 2000.

O secretário

O presidente

R. Grass

G. C. Rodríguez Iglesias


1: Língua do processo: neerlandês.