Language of document : ECLI:EU:C:2010:481

Processo C‑399/08 P

Comissão Europeia

contra

Deutsche Post AG

«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Artigo 87.° CE – Auxílios concedidos pelos Estados‑Membros – Medidas adoptadas pela República Federal da Alemanha a favor da Deutsche Post AG – Artigo 86.° CE – Serviços de interesse económico geral – Compensação de custos adicionais originados por uma política de venda com prejuízo no sector dos serviços do transporte de encomendas porta‑a‑porta – Existência de uma vantagem – Método de verificação utilizado pela Comissão – Ónus da prova – Artigo 230.° CE – Âmbito da fiscalização jurisdicional do Tribunal de Primeira Instância»

Sumário do acórdão

1.        Auxílios concedidos pelos Estados – Conceito – Medidas que visam compensar o custo das missões de serviço público assumidas por uma empresa – Exclusão – Requisitos enunciados no acórdão de 24 de Julho de 2003, C‑280/00

(Artigos 87.°, n.° 1, CE)

2.        Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Fundamentos – Fiscalização pelo Tribunal de Justiça da apreciação dos factos e das provas – Exclusão, salvo em caso de desvirtuação

(Artigo 225.° CE; Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 58.°, primeiro parágrafo)

3.        Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Fundamentos – Fundamento articulado contra uma parte da fundamentação do acórdão não necessária para fundar o seu dispositivo – Fundamento inoperante

(Artigo 225.° CE; Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 58.°)

4.        Recurso de anulação – Decisão da Comissão em matéria de auxílios de Estado – Fiscalização jurisdicional – Limites

(Artigo 230.° CE)

5.        Auxílios concedidos pelos Estados – Conceito – Medidas que visam compensar o custo das missões de serviço público assumidas por uma empresa – Exclusão – Requisitos enunciados no acórdão de 24 de Julho de 2003, C‑280/00

(Artigos 87.°, n.° 1, CE e 230.° CE)

1.        São consideradas auxílios de Estado, desde que estejam preenchidos os outros requisitos exigidos pelo artigo 87.°, n.° 1, CE, as intervenções que, independentemente da forma que assumam, sejam susceptíveis de favorecer directa ou indirectamente empresas, ou que devam ser consideradas uma vantagem económica que a empresa beneficiária não teria obtido em condições normais de mercado. Neste contexto, relativamente às empresas encarregues de um serviço de interesse económico geral, na medida em que uma intervenção estatal deva ser considerada uma compensação que representa a contrapartida das prestações efectuadas pelas empresas beneficiárias para cumprir obrigações de serviço público, pelo que estas empresas não beneficiam, na realidade, de uma vantagem financeira e a referida intervenção não tem, assim, por efeito colocar essas empresas numa posição concorrencial mais favorável em relação às empresas que lhes fazem concorrência, a referida intervenção não cai sob a alçada do artigo 87.°, n.° 1, CE.

Contudo, para que, num caso concreto, uma compensação possa deste modo escapar à qualificação de auxílio de Estado, têm de estar reunidos determinados requisitos, enunciados no acórdão de 24 de Julho de 2003, Altmark, C‑280/00. Em especial, a compensação não pode ultrapassar o necessário para cobrir total ou parcialmente os custos ocasionados pelo cumprimento das obrigações de serviço público, tendo em conta as respectivas receitas assim como um lucro razoável pela execução dessas obrigações. Daqui resulta que, quando a Comissão tem de examinar a validade de um sistema de financiamento de um serviço de interesse económico geral à luz do artigo 87.° CE, está nomeadamente obrigada a verificar se esse requisito está preenchido. A Comissão está assim obrigada a examinar as provas que podem revelar‑se pertinentes no âmbito da análise relativa à existência de uma «vantagem» na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE, que as partes no procedimento administrativo lhe tinham apresentado. A Comissão pode recorrer à utilização de um método diferente daquele que decorre da aplicação dos critérios desenvolvidos no acórdão Altmark, caso esteja impedida, por razões objectivas, de proceder à análise das informações fornecidas pelas partes.

No caso de transferências de recursos do Estado para uma empresa encarregue de um serviço de interesse económico geral, a Comissão não pode presumir que as referidas transferências constituíam uma vantagem na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE, quando não analisou, por um lado, se o montante total das transferências efectuadas excedia o montante total dos custos adicionais não contestados suportados pela empresa beneficiária e, por outro, se esta não tinha registado outros custos líquidos adicionais ligados ao cumprimento de um serviço de interesse de económico geral em relação aos quais tinha direito de requerer uma compensação através da totalidade das referidas transferências, nas condições enunciadas no acórdão.

(cf. n.os 38, 40‑44, 46, 47, 54‑57)

2.        Decorre dos artigos 225.° CE e 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça que o Tribunal de Justiça não é competente para proceder ao apuramento dos factos nem, em princípio, para analisar as provas que o Tribunal de Primeira Instância considerou sustentarem esses factos. Com efeito, quando essas provas tiverem sido obtidas regularmente e os princípios gerais de direito e as normas processuais aplicáveis em matéria de ónus e de produção da prova tiverem sido respeitados, compete exclusivamente ao Tribunal de Primeira Instância apreciar o valor a atribuir aos elementos que lhe foram submetidos. Essa apreciação não constitui, por isso, excepto em caso de desvirtuação desses elementos, uma questão de direito sujeita, enquanto tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça. Por outro lado, a desvirtuação deve resultar de forma manifesta dos elementos dos autos, sem que seja necessário proceder a uma nova apreciação dos factos e das provas.

(cf. n.os 63‑64)

3.        No âmbito de um recurso do Tribunal de Primeira Instância, as acusações dirigidas contra fundamentos supérfluos de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância não podem conduzir à anulação dessa decisão e são, portanto, inoperantes.

(cf. n.° 75)

4.        Resulta do artigo 230.° CE que o objecto do recurso de anulação é a fiscalização da legalidade dos actos adoptados pelas instituições comunitárias que aí estão enumeradas. A análise dos fundamentos invocados no âmbito desse recurso não tem por objecto nem por efeito substituir uma instrução completa do processo efectuada no âmbito de um procedimento administrativo.

No caso de transferências de recursos do Estado para uma empresa encarregue de um serviço de interesse económico geral, quando o Tribunal de Primeira Instância procede a uma análise do método utilizado pela Comissão na decisão controvertida para verificar se as transferências podem ter constituído uma vantagem na acepção do artigo 87.º, n.º 1, CE, o Tribunal de Primeira Instância não pode ser validamente acusado de ter excedido as suas competências, violando o artigo 230.° CE, se a sua análise se limitou a uma fiscalização jurisdicional da legalidade da decisão controvertida, sem ter substituído o método da Comissão pelo seu próprio método.

(cf. n.os 84, 85, 87, 89)

5.        A fiscalização que os órgãos jurisdicionais comunitários exercem sobre as apreciações económicas complexas feitas pela Comissão deve necessariamente limitar‑se à verificação do respeito das regras processuais e de fundamentação, bem como da exactidão material dos factos, da inexistência de erro manifesto de apreciação dos factos e de desvio de poder.

A Comissão procede a essas apreciações económicas complexas quando examina a validade de um sistema de financiamento de um serviço de interesse económico geral à luz do artigo 87.º CE, o que implica o exame dos requisitos enunciados no acórdão de 24 de Julho de 2003, Altmark, C‑280/00. O Tribunal de Primeira Instância não tem de analisar todos os critérios enunciados pelo Tribunal de Justiça no acórdão Altmark, depois de constatada a ilicitude da decisão controvertida à luz de um desses requisitos

(cf. n.os 97‑98)