Language of document : ECLI:EU:T:2020:338

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção alargada)

15 de julho de 2020 (*)

«Auxílios de Estado — Auxílio executado pela Irlanda — Decisão que declara o auxílio incompatível com o mercado interno e ilegal e que ordena a sua recuperação — Decisões fiscais antecipadas (tax rulings) — Benefícios fiscais seletivos — Princípio da plena concorrência»

Nos processos T‑778/16 e T‑892/16,

Irlanda, representada por K. Duggan, M. Browne, J. Quaney, A. Joyce, na qualidade de agentes, assistidos por P. Gallagher, M. Collins, SC, P. Baker, QC, S. Kingston, C. Donnelly, A. Goodman e B. Doherty, barristers,

recorrente no processo T‑778/16,

apoiada por:

GrãoDucado do Luxemburgo, representado por T. Uri, na qualidade de agente, assistido por D. Waelbroeck e S. Naudin, advogados,

interveniente no processo T‑778/16,

Apple Sales International, com sede em Cork (Irlanda),

Apple Operations Europe, com sede em Cork,

representadas por A. von Bonin, E. van der Stok, advogados, D. Beard, QC, A. Bates, L. Osepciu e J. Bourke, barristers,

recorrentes no processo T‑892/16,

apoiadas por:

Irlanda, representada por K. Duggan, J. Quaney, M. Browne e A. Joyce, assistidos por P. Gallagher, M. Collins, P. Baker, S. Kingston, C. Donnelly e B. Doherty,

interveniente no processo T‑892/16,

contra

Comissão Europeia, representada por P.‑J. Loewenthal e R. Lyal, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

República da Polónia, representada por B. Majczyna, M. Rzotkiewicz e A. Kramarczyk‑Szaładzińska, na qualidade de agentes,

interveniente no processo T‑778/16,

e por:

Órgão de Fiscalização da EFTA, representado por C. Zatschler, M. Sánchez Rydelski e C. Simpson, na qualidade de agentes,

interveniente no processo T‑892/16,

que tem por objeto, com base no artigo 263.o TFUE, pedidos de anulação da Decisão (UE) 2017/1283 da Comissão, de 30 de agosto de 2016, relativa ao auxílio estatal SA.38373 (2014/C) (ex 2014/NN) (ex 2014/CP) concedido pela Irlanda à Apple (JO 2017, L 187, p. 1),

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção alargada),

composto por: M. Van der Woude, presidente, V. Tomljenović (relatora), A. Marcoulli, J. Passer e A. Kornezov, juízes,

secretário: S. Spyropoulos, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 17 e 18 de setembro de 2019,

profere o presente

Acórdão

I.      Antecedentes do litígio

A.      Quanto ao historial do grupo Apple

1.      No que respeita ao grupo Apple

1        O grupo Apple, fundado em 1976 e com sede em Cupertino, Califórnia (Estados Unidos), é composto pela Apple Inc. e por todas as sociedades por esta controladas (a seguir, em conjunto, «grupo Apple»). O grupo Apple concebe, fabrica e comercializa, nomeadamente, equipamentos de comunicação móvel e multimédia, computadores pessoais e leitores portáteis de música digital e vende software, outros serviços, soluções de acesso à rede, bem como conteúdos e aplicações digitais de terceiros. O grupo Apple comercializa os seus produtos e serviços aos consumidores, empresas e poderes públicos do mundo inteiro através das suas lojas físicas, das suas lojas em linha e do seu serviço de venda direta, e ainda por intermédio de operadores de redes móveis terceiros, grossistas, retalhistas e distribuidores. A atividade global da Apple encontra‑se estruturada em torno das principais áreas funcionais geridas e administradas a nível central a partir dos EUA por executivos sediados em Cupertino.

2        A Decisão (UE) 2017/1283 da Comissão, de 30 de agosto de 2016, relativa ao auxílio estatal SA.38373 (2014/C) (ex 2014/NN) (ex 2014/CP) concedido pela Irlanda à Apple (JO 2017, L 187, p. 1; a seguir «decisão recorrida»), tem por objeto duas decisões fiscais antecipadas adotadas pelas Autoridades Fiscais irlandesas em relação a duas sociedades pertencentes ao grupo Apple.

2.      No que respeita à ASI e à AOE

a)      Quanto à estrutura societária

3        No interior do grupo Apple, a Apple Operations International é uma filial a 100 % da Apple Inc. A Apple Operations International detém a 100 % a filial Apple Operations Europe (AOE), que, por sua vez, detém a 100 % a filial Apple Sales International (ASI). A ASI e a AOE estão ambas constituídas como sociedades de direito irlandês, mas não são residentes fiscais irlandesas.

4        Como indicado nos considerandos 113 a 115 da decisão recorrida, uma grande parte dos membros dos conselhos de administração da AOE e da ASI eram diretores ao serviço da Apple Inc. e estabelecidos em Cupertino. No considerando 115 (quadros n.os 4 e 5) da referida decisão são reproduzidos extratos de resoluções e atas das reuniões das assembleias gerais e dos conselhos de administração da ASI e da AOE. As resoluções dos conselhos de administração incidiam, nomeadamente, de forma regular, sobre o pagamento de dividendos, a aprovação dos relatórios dos diretores, a nomeação e a demissão de diretores. De forma mais ocasional, essas resoluções diziam respeito à constituição de filiais e à passagem de procurações que autorizavam certos diretores à execução de diferentes atividades, tais como a gestão das contas bancárias, as relações com os governos e com os organismos públicos, as auditorias, a aquisição de seguros, a locação, a compra e a venda de ativos, a receção de mercadorias e os contratos comerciais.

b)      Quanto ao acordo de partilha de custos

5        A Apple Inc., por um lado, e a ASI e a AOE, por outro, estavam vinculadas por um acordo de partilha de custos (a seguir «acordo de partilha de custos»). Os custos partilhados incidiam, nomeadamente, sobre a investigação e o desenvolvimento (R&D) das tecnologias incorporadas nos produtos do grupo Apple. O acordo de partilha de custos foi inicialmente assinado em dezembro de 1980. As partes nesse acordo eram a Apple Inc. (à época Apple Computer Inc.) e a AOE [à época Apple Computer Ltd (ACL)]. Em 1999, a ASI (então Apple Computer International) passou a ser parte nesse acordo. Durante o período relevante para a análise da decisão recorrida, foram efetuadas diversas alterações ao acordo de partilha de custos, a fim de, nomeadamente, ter em conta alterações na regulamentação aplicável.

6        Nos termos desse acordo, por um lado, as partes aceitaram partilhar os custos e os riscos ligados à R&D relativos aos bens incorpóreos na sequência das atividades de desenvolvimento relativas aos produtos e serviços do grupo Apple. Por outro lado, as partes acordaram em que a Apple Inc. continuava a ser o proprietário legal oficial dos bens incorpóreos com custos partilhados, incluindo direitos de propriedade intelectual (a seguir «PI») do grupo Apple. Além disso, a Apple Inc. concedeu uma licença livre de taxa à ASI e à AOE, que lhes permitia, nomeadamente, fabricar e vender os produtos em causa no território que lhes tinha sido atribuído, a saber, o mundo, com exclusão do continente americano. Por outro lado, as partes no acordo estavam obrigadas a assumir os riscos resultantes desse acordo, sendo o principal risco constituído pela obrigação de pagar os custos de desenvolvimento dos direitos de PI do grupo Apple.

c)      Quanto ao acordo sobre os serviços de comercialização

7        Em 2008, a ASI celebrou um contrato de serviços de marketing com a Apple Inc., em que esta se obrigava a prestar serviços de comercialização à ASI, incluindo, nomeadamente, a criação, o desenvolvimento e a execução de estratégias de marketing, de programas e de campanhas de promoção. A ASI obrigava‑se a remunerar a Apple Inc. por esses serviços, mediante o pagamento de uma taxa correspondente a uma percentagem das «despesas razoáveis suportadas» pela Apple Inc. por esses serviços, acrescida de uma margem.

3.      No que respeita às sucursais irlandesas

8        A ASI e a AOE constituíram sucursais irlandesas (designadas em inglês pelo termo «branches»). A AOE tinha igualmente uma sucursal em Singapura cujas atividades cessaram em 2009.

9        A sucursal irlandesa da ASI é responsável, nomeadamente, pela realização das atividades de compra, venda e distribuição, associadas à venda de produtos da marca Apple a partes coligadas e a clientes terceiros nas regiões que abrangem a Europa, o Médio Oriente, a Índia e a África (EMEIA) e a Ásia‑Pacífico (APAC). As principais funções exercidas nessa sucursal incluem a compra de produtos acabados de marca Apple a fabricantes terceiros, as atividades de distribuição associadas à venda de produtos a partes coligadas nas regiões EMEIA e APAC, bem como a venda de produtos a clientes terceiros na região EMEIA, a venda em linha, as operações logísticas e a exploração do serviço pós‑venda. A Comissão Europeia apurou que numerosas atividades associadas à distribuição na região EMEIA eram exercidas por partes coligadas no âmbito de contratos de serviços.

10      A sucursal irlandesa da AOE é responsável pelo fabrico e pela montagem de uma gama especializada de produtos informáticos na Irlanda, tais como computadores de escritório IMac, computadores portáteis MacBook e outros acessórios informáticos, que fornece a partes associadas para a região EMEIA. As principais funções no interior da sucursal irlandesa da AOE incluem o planeamento e programação da produção, engenharia de processos, produção e operações, garantia e controlo da qualidade e operações de renovação.

B.      Quanto às decisões fiscais impugnadas

11      As Autoridades Fiscais irlandesas adotaram decisões fiscais antecipadas, ditas «rulings fiscais», em relação a determinados contribuintes que as tinham pedido. Por ofícios de 29 de janeiro de 1991 e de 23 de maio de 2007 (a seguir, em conjunto, «rulings fiscais controvertidas»), as Autoridades Fiscais irlandesas deram o seu acordo às propostas formuladas pelos representantes do grupo Apple relativamente aos lucros tributáveis da ASI e da AOE na Irlanda. Essas rulings são descritas nos considerandos 59 a 62 da decisão recorrida.

1.      No que respeita à ruling fiscal de 1991

a)      Quanto à matéria coletável da ACL, antecessora da AOE

12      Por carta de 12 de outubro de 1990, dirigida às Autoridades Fiscais irlandesas, os consultores fiscais do grupo Apple descreveram as atividades da ACL na Irlanda, indicando as funções que teriam sido exercidas pela sua sucursal irlandesa com sede em Cork (Irlanda). Precisava‑se ainda que a sucursal era proprietária dos ativos relativos às atividades de fabrico, mas que a AOE tinha conservado a propriedade dos materiais utilizados, dos produtos em curso e dos produtos acabados.

13      Na sequência da carta dos representantes do grupo Apple às Autoridades Fiscais irlandesas de 16 de janeiro de 1991 e da resposta destas de 24 de janeiro de 1991, essas autoridades confirmaram, por carta de 29 de janeiro de 1991, os termos propostos pelo grupo Apple, tal como a seguir descritos. Assim, por força desses termos, confirmados pelas Autoridades Fiscais irlandesas, o lucro tributável da ACL na Irlanda, relativo aos rendimentos da sua sucursal irlandesa, foi calculado com base nos seguintes elementos:

–        65 % dos custos de exploração dessa sucursal num montante anual de [confidencial] (1) 20 % dos seus custos de exploração para além de [confidencial];

–        se o lucro global da sucursal irlandesa da ACL fosse inferior ao valor obtido graças a essa fórmula, esta seria utilizada para determinar os lucros líquidos da sucursal;

–        os custos de exploração a tomar em consideração para esse cálculo incluem a totalidade das despesas de exploração, com exclusão do material destinado à revenda e do elemento dos custos relativos aos ativos incorpóreos faturados pelas sociedades filiadas no grupo Apple;

–        era possível solicitar uma dedução, que não deveria ultrapassar em [confidencial] as amortizações contabilizadas.

b)      Quanto à matéria coletável da ACAL, antecessora da ASI

14      Por carta de 2 de janeiro de 1991, os consultores fiscais do grupo Apple informaram as Autoridades Fiscais irlandesas da existência de uma nova sociedade, a Apple Computer Accessories Ltd (ACAL), cuja sucursal na Irlanda era descrita como responsável pelo abastecimento dos produtos destinados à exportação, junto de fabricantes irlandeses.

15      Em 16 de janeiro de 1991, os representantes do grupo Apple enviaram uma carta às Autoridades Fiscais irlandesas, resumindo os termos do acordo celebrado numa reunião entre esse grupo e as referidas autoridades em 3 de janeiro de 1991 quanto ao lucro tributável da ACAL. Segundo essa carta, o cálculo do lucro da sucursal devia basear‑se numa margem de 12,5 % dos custos de exploração (com exclusão dos materiais para revenda).

16      Por ofício de 29 de janeiro de 1991, as Autoridades Fiscais irlandesas confirmaram os termos do acordo tal como expressos no ofício de 16 de janeiro de 1991.

2.      No que respeita à ruling fiscal de 2007

17      Por carta de 16 de maio de 2007 dirigida às Autoridades Fiscais irlandesas, os consultores fiscais do grupo Apple resumiram a sua proposta para rever o método de determinação da matéria coletável das sucursais irlandesas da ASI e da AOE.

18      Quanto à sucursal irlandesa da ASI (que sucedeu à Apple Computer International, que sucedeu à ACAL), propunha‑se que o lucro tributável a imputar‑lhe correspondesse a [confidencial] dos seus custos de exploração, com exclusão dos custos com os montantes faturados pelas sociedades filiadas no grupo Apple e os custos de material.

19      No que respeita à sucursal irlandesa da AOE, o lucro tributável correspondia à soma, por um lado, de um montante correspondente a [confidencial] dos custos de exploração da sucursal, com exclusão dos custos com os montantes faturados pelas sociedades filiadas no grupo Apple e dos custos de material, e, por outro, de um montante correspondente ao rendimento da PI para as tecnologias de processo de fabrico elaboradas por essa sucursal, ou seja, [confidencial] do volume de negócios da referida sucursal. Foi autorizada uma dedução a título de reduções pela amortização das fábricas e dos edifícios «normalmente calculados e autorizados».

20      Foi proposto que os termos do acordo futuro entrassem em vigor a partir de 1 de outubro de 2007 para as duas sucursais, fossem aplicáveis durante cinco anos, na ausência de alteração das circunstâncias, e fossem renovados anualmente. Foi igualmente indicado que o acordo podia ser aplicado a novas entidades que poderiam ser criadas ou transformadas no interior do grupo Apple, na medida em que as suas atividades correspondam às exercidas, respetivamente, pela AOE, a saber, o fabrico na Irlanda, e pela ASI, a saber, atividades não relacionadas com o fabrico, como as vendas e os serviços em geral.

21      Por carta de 23 de maio de 2007, as Autoridades Fiscais irlandesas confirmaram o seu acordo quanto a todas as propostas contidas na carta de 16 de maio de 2007. Esse acordo foi aplicado até ao exercício fiscal de 2014.

C.      Quanto ao procedimento administrativo na Comissão

22      Por ofício de 12 de junho de 2013, a Comissão pediu à Irlanda que lhe fornecesse informações a respeito da prática das rulings fiscais no seu território, em especial sobre as que tinham sido concedidas a certas entidades do grupo Apple, entre as quais a ASI e a AOE.

23      Por Decisão de 11 de junho de 2014, a Comissão deu início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE (a seguir «decisão de abertura») relativamente às rulings fiscais controvertidas, adotadas pelas Autoridades Fiscais irlandesas sobre o lucro tributável imputado às sucursais irlandesas da ASI e da AOE, com o fundamento de que essas rulings podiam constituir um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Segundo a Comissão, as rulings fiscais controvertidas teriam sido suscetíveis de proporcionar uma vantagem às empresas às quais tinham sido concedidas se tivessem aprovado um acordo sobre os preços de transferência que se afastava das condições que teriam sido fixadas entre operadores de mercado independentes (o princípio da plena concorrência). Essa decisão foi publicada em 17 de outubro de 2014 no Jornal Oficial.

24      Por cartas de 5 de setembro e 17 de novembro de 2014, a Irlanda e a Apple Inc., respetivamente, apresentaram as suas observações sobre a decisão de abertura.

25      No procedimento formal de investigação, houve várias trocas de correspondência e reuniões entre a Comissão, as Autoridades Fiscais irlandesas e a Apple Inc. (considerandos 11 a 38 da decisão recorrida). Além disso, a Apple Inc. e a Irlanda apresentaram dois relatórios ad hoc sobre a imputação de lucros às sucursais irlandesas da ASI e da AOE, elaborados pelos respetivos consultores fiscais.

D.      Quanto à decisão recorrida

26      Em 30 de agosto de 2016, a Comissão adotou a decisão recorrida. Após descrever o quadro jurídico e factual (secção 2) e o procedimento administrativo (secções 3 a 7), a Comissão concentrou‑se na análise da existência do auxílio (secção 8).

27      Em primeiro lugar, a Comissão referiu que as rulings fiscais controvertidas tinham sido concedidas pela Administração Fiscal irlandesa e eram, portanto, imputáveis ao Estado. Na medida em que implicavam uma redução do montante do imposto devido pela ASI e pela AOE, a Irlanda tinha renunciado a receitas fiscais, o que dera lugar a uma perda de recursos estatais (considerando 221 da decisão recorrida).

28      Em segundo lugar, uma vez que a ASI e a AOE faziam parte do grupo Apple, com atividade em todos os Estados‑Membros, as rulings fiscais controvertidas eram, por esse facto, suscetíveis de afetar as trocas comerciais no interior da União Europeia (considerando 222 da decisão recorrida).

29      Em terceiro lugar, na medida em que as rulings fiscais controvertidas tinham levado a uma redução da matéria coletável da ASI e da AOE, para efeitos da determinação do imposto sobre as sociedades na Irlanda, conferiam uma vantagem a essas duas sociedades (considerando 223 da decisão recorrida).

30      Além disso, segundo a Comissão, tendo as rulings fiscais controvertidas sido concedidas unicamente à ASI e à AOE, podia presumir‑se a sua natureza seletiva. Todavia, por exaustividade, a Comissão sustentou que as rulings fiscais controvertidas constituíam uma derrogação do quadro de referência, a saber, o sistema de direito comum de tributação das sociedades na Irlanda (considerando 224 da decisão recorrida).

31      Em quarto lugar, se se verificasse que as rulings fiscais controvertidas levavam a uma redução do montante do imposto devido pela ASI e pela AOE, seriam, portanto, suscetíveis de reforçar a posição concorrencial dessas duas sociedades e, portanto, de falsear ou ameaçar falsear a concorrência (considerando 222 da decisão recorrida).

1.      Quanto à existência de uma vantagem seletiva

32      Na secção 8.2 da decisão recorrida, a Comissão seguiu a análise em três etapas resultante da jurisprudência para provar a existência de uma vantagem seletiva no caso presente. Assim, antes de mais, identificou o quadro de referência e justificou a aplicação do princípio da plena concorrência nesse caso. Em seguida, examinou a existência de uma vantagem seletiva decorrente de uma derrogação do quadro de referência. Em substância, baseando‑se em raciocínios a título principal, a título subsidiário e a título alternativo, a Comissão considerou que as rulings fiscais controvertidas tinham permitido à ASI e à AOE reduzir o montante do imposto de que eram devedoras na Irlanda durante o período em que estavam em vigor, a saber, entre os anos de 1991 e 2014 (a seguir «período relevante»), e que isso representava uma vantagem em relação a outras sociedades que se encontravam em situação comparável. Por último, a Comissão concluiu que nem a Irlanda nem a Apple Inc. tinham apresentado argumentos relativos à justificação dessa vantagem seletiva.

a)      Quanto ao quadro de referência

33      Nos considerandos 227 a 243 da decisão recorrida, a Comissão considerou que o quadro de referência era constituído pelo sistema de direito comum de tributação dos lucros das sociedades na Irlanda, cujo objetivo era tributar os lucros de todas as sociedades sujeitas a imposto na Irlanda. Tendo em conta esse objetivo, a Comissão considerou que as sociedades integradas e as sociedades autónomas se encontravam numa situação jurídica e factual comparável. Portanto, o artigo 25.o do Taxes Consolidation Act 1997 (a seguir «TCA 97»), que prevê a tributação das sociedades não residentes a título dos rendimentos comerciais realizados direta ou indiretamente por intermédio da sucursal ativa na Irlanda, deve ser considerado parte integrante do quadro de referência e não um quadro de referência distinto.

b)      Quanto ao princípio da plena concorrência

34      Nos considerandos 244 a 263 da decisão recorrida, a Comissão indicou que, nos termos do artigo 25.o do TCA 97, e tendo em conta a sua finalidade, essa disposição devia ser aplicada acompanhada de um método de imputação dos lucros. A esse respeito, referiu que o artigo 107.o, n.o 1, TFUE exigia que o método de imputação dos lucros se baseasse no princípio da plena concorrência, independentemente de o Estado‑Membro em causa ter incorporado ou não o princípio da plena concorrência no seu sistema jurídico nacional. A Comissão baseou esta consideração em duas premissas. Por um lado, recordou que qualquer medida fiscal adotada por um Estado‑Membro deve respeitar as regras relativas aos auxílios de Estado. Por outro, sustentou que decorria do Acórdão de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão (C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416), que uma redução da matéria coletável que resultava de uma medida fiscal que permitia a um contribuinte utilizar preços de transferência, no âmbito de transações intragrupo, que não estavam próximas dos preços que teriam sido praticados em condições de livre concorrência, conferia uma vantagem seletiva a esse contribuinte na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

35      Assim, a Comissão sustentou, com base no Acórdão de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão (C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416), que o princípio da plena concorrência constituía um critério de referência para determinar se uma sociedade integrada beneficiava de uma vantagem seletiva na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE devido a uma medida fiscal que determinava os seus preços de transferência e, portanto, a sua base fiscal. Esse princípio visava garantir que as transações intragrupo fossem tratadas, para efeitos fiscais, do mesmo modo que as efetuadas entre sociedades autónomas não integradas, de modo a evitar uma desigualdade de tratamento entre sociedades que se encontravam numa situação factual e jurídica semelhante à luz do objetivo desse sistema, que era tributar os lucros de todas as sociedades abrangidas pela sua jurisdição fiscal.

36      Quanto aos princípios desenvolvidos no âmbito da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económicos (OCDE), a Comissão indicou que constituíam unicamente orientações úteis para as Autoridades Fiscais, a fim de assegurar que os métodos de imputação dos lucros e de fixação dos preços de transferência produziam resultados conformes com as condições do mercado.

c)      Quanto à vantagem seletiva devido à não imputação às sucursais irlandesas dos lucros resultantes das licenças de PI detidas pela ASI e pela AOE (raciocínio a título principal)

37      A título principal, nos considerandos 265 a 321 da decisão recorrida, a Comissão sustentou que o facto de as Autoridades Fiscais irlandesas terem aceitado, nas rulings fiscais controvertidas, a premissa de que as licenças de PI do grupo Apple detidas pela ASI e pela AOE deviam ser imputadas fora da Irlanda tinha conduzido a lucros anuais tributáveis da ASI e da AOE na Irlanda que se afastavam de uma aproximação fiável de um resultado baseado no mercado em condições de plena concorrência.

38      Em substância, a Comissão considerou que as licenças de PI detidas pela ASI e pela AOE para a compra, fabrico, venda e distribuição de produtos do grupo Apple fora do continente americano, que tinha identificado como «licenças de PI da Apple», tinham contribuído de forma considerável para o rendimento dessas duas sociedades.

39      Assim, a Comissão acusou as autoridades irlandesas de terem erradamente imputado às sedes da ASI e da AOE ativos, funções e riscos, quando esses lugares não tinham presença física nem trabalhadores. Mais especificamente, no que respeita às funções relativas às licenças de PI, a Comissão sustentou que essas funções não tinham podido ser exercidas unicamente através dos conselhos de administração da ASI e da AOE, na falta de pessoal, o que era demonstrado pela falta de referências a discussões e a decisões a esse respeito nas atas das reuniões dos conselhos de administração fornecidas à Comissão. Por conseguinte, segundo a Comissão, na medida em que as sedes da ASI e da AOE não tinham podido controlar nem gerir as licenças de PI do grupo Apple, os lucros resultantes da utilização dessas licenças não deviam ter sido imputados a essas sedes, num contexto de plena concorrência. Por conseguinte, esses lucros deveriam ter sido imputados às sucursais da ASI e da AOE, as únicas que estavam em condições de exercer efetivamente funções relacionadas com a PI do grupo Apple e que eram essenciais à atividade comercial da ASI e da AOE.

40      Por conseguinte, ao não imputar às sucursais da ASI e da AOE os lucros derivados da PI do grupo Apple e em desrespeito do princípio da plena concorrência, as Autoridades Fiscais irlandesas conferiram uma vantagem à ASI e à AOE, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, sob a forma de redução dos respetivos lucros anuais tributáveis. Segundo a Comissão, essa vantagem apresentava um caráter seletivo, uma vez que implicava uma redução da carga fiscal da ASI e da AOE na Irlanda em relação às sociedades não integradas cujo lucro tributável refletia os preços negociados no mercado em condições de plena concorrência.

d)      Quanto à vantagem seletiva devido à escolha inadequada dos métodos de imputação de lucros às sucursais irlandesas da ASI e da AOE (raciocínio subsidiário)

41      A título subsidiário, nos considerandos 325 a 360 da decisão recorrida, a Comissão sustentou que, mesmo que as Autoridades Fiscais irlandesas tivessem tido razão ao aceitarem a possibilidade de as licenças de PI da Apple detidas pela ASI e pela AOE serem imputadas fora da Irlanda, ainda assim teria resultado dos métodos de imputação dos lucros aprovados pelas rulings fiscais controvertidas um lucro anual tributável da ASI e da AOE na Irlanda que se afastava de uma aproximação fiável de um resultado baseado no mercado em condições de plena concorrência. Com efeito, segundo a Comissão, esses métodos baseavam‑se em escolhas metodológicas inadequadas, o que tinha conduzido a uma redução do montante do imposto que a ASI e a AOE deviam pagar em relação às sociedades não integradas, cujo lucro tributável nos termos dessas regras era determinado pelos preços negociados no mercado em condições de plena concorrência. Por conseguinte, segundo a Comissão, as rulings fiscais controvertidas, devido à aprovação desses métodos, tinham proporcionado uma vantagem seletiva à ASI e à AOE na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

e)      Quanto à vantagem seletiva resultante da derrogação do quadro de referência, mesmo admitindo que seja constituído unicamente pelo artigo 25.o do TCA 97, pelas rulings fiscais controvertidas, que não são conformes com o princípio da plena concorrência (raciocínio alternativo)

42      Como raciocínio alternativo, nos considerandos 369 a 403 da decisão recorrida, a Comissão alegou que, mesmo que se devesse considerar que o quadro de referência era constituído unicamente pelo artigo 25.o do TCA 97, as rulings fiscais controvertidas tinham proporcionado uma vantagem seletiva à ASI e à AOE, sob a forma de redução da sua matéria coletável na Irlanda. Por um lado, a Comissão sustentou que a aplicação do artigo 25.o do TCA 97 na Irlanda se baseava no princípio da plena concorrência. Ora, no caso, a Comissão demonstrou que as rulings fiscais controvertidas se afastaram de uma aproximação fiável de um resultado baseado no mercado segundo o princípio da plena concorrência, o que proporcionou uma vantagem económica à ASI e à AOE. Por outro lado, e em todo o caso, a Comissão alegou que, mesmo que se viesse a considerar que a aplicação do artigo 25.o do TCA 97 não se baseava no princípio da plena concorrência, havia que concluir que as rulings fiscais controvertidas tinham sido adotadas pelas Autoridades Fiscais irlandesas de forma discricionária, na falta de critérios objetivos ligados ao sistema fiscal irlandês, e que, por esse facto, proporcionavam uma vantagem seletiva à ASI e à AOE.

f)      Conclusão sobre a vantagem seletiva

43      A Comissão concluiu que as rulings fiscais controvertidas davam lugar a uma redução dos encargos que a ASI e a AOE deveriam normalmente suportar no âmbito das suas atividades correntes e que, portanto, se devia considerar terem concedido a estas duas sociedades um auxílio ao funcionamento. Todavia, sustentou que, na medida em que a ASI e a AOE faziam parte do grupo Apple, de caráter multinacional, e este devia ser considerado uma unidade económica única, na aceção da jurisprudência, o referido grupo tinha beneficiado, no seu conjunto, do auxílio de Estado concedido pela Irlanda através das rulings fiscais controvertidas (secção 8.3 da decisão recorrida).

2.      Quanto à incompatibilidade, à ilegalidade e à recuperação do auxílio

44      A Comissão salientou que essas medidas de auxílio eram incompatíveis com o mercado interno por força do artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE e que, não tendo sido previamente notificadas, constituíam auxílios de Estado ilegais executados em violação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE (secções 8.5 e 9 da decisão recorrida).

45      Por último (secção 11 da decisão recorrida), a Comissão indicou que a Irlanda devia recuperar os auxílios concedidos pelas rulings fiscais controvertidas para o período compreendido entre 12 de junho de 2003 e 27 de setembro de 2014. Precisou que o montante a recuperar devia ser calculado com base numa comparação entre o imposto efetivamente pago e o que deveria ter sido pago se, sem as rulings, o regime comum de tributação tivesse sido aplicado.

46      A respeito dos argumentos relativos à violação dos direitos processuais da Irlanda e da Apple Inc. durante o procedimento administrativo, a Comissão indicou que, tendo o alcance da sua investigação relativa à existência de auxílios de Estado permanecido inalterado entre a decisão de abertura e a adoção da decisão recorrida, os seus direitos tinham sido plenamente respeitados (secção 10 da decisão recorrida).

3.      Quanto ao dispositivo

47      O dispositivo da decisão recorrida tem o seguinte teor:

«Artigo 1. o

1. As decisões fiscais emitidas pela Irlanda em 29 de janeiro de 1991 e em 23 de maio de 2007 a favor da Apple Sales International, que permitem que esta determine anualmente a sua obrigação fiscal na Irlanda, constituem um auxílio na aceção do artigo 107.o, n.o 1, do Tratado. Esse auxílio foi executado ilegalmente pela Irlanda em violação do artigo 108.o, n.o 3, do Tratado e é incompatível com o mercado interno.

2. As decisões fiscais emitidas pela Irlanda em 29 de janeiro de 1991 e em 23 de maio de 2007 a favor da Apple Operations Europe International, que permitem que esta determine anualmente a sua obrigação fiscal na Irlanda, constituem um auxílio na aceção do artigo 107.o, n.o 1, do Tratado. Esse auxílio foi executado ilegalmente pela Irlanda em violação do artigo 108.o, n.o 3, do Tratado e é incompatível com o mercado interno.

Artigo 2. o

1. A Irlanda procede à recuperação do auxílio a que se refere o artigo 1.o, n.o 1, junto da Apple Sales International.

2. A Irlanda deve proceder à recuperação do auxílio a que se refere o artigo 1.o, n.o 2, junto da Apple Operations Europe.

3. Os montantes a recuperar vencem juros a partir da data em que foram postos à disposição dos beneficiários até à data da sua recuperação efetiva.

4. Os juros são calculados de acordo com uma base composta, em conformidade com o capítulo V do Regulamento (CE) n.o 794/2004.

Artigo 3. o

1. A recuperação do auxílio referido no artigo 1.o é imediata e efetiva.

2. A Irlanda deve assegurar a execução da presente decisão no prazo de quatro meses a contar da data da respetiva notificação.

Artigo 4. o

1. No prazo de dois meses a contar da notificação da presente decisão, a Irlanda deve informar a Comissão sobre o método utilizado para calcular o montante exato do auxílio.

2. A Irlanda deve manter a Comissão informada sobre a evolução das medidas nacionais tomadas para aplicar a decisão até estar concluída a recuperação do auxílio mencionado no artigo 1.o A pedido da Comissão, a [Irlanda] deve comunicar sem demora qualquer informação sobre as medidas já adotadas e previstas para dar cumprimento à presente decisão.

Artigo 5. o

A destinatária da presente decisão é a Irlanda.»

II.    Tramitação do processo e pedidos das partes

A.      Quanto ao processo T778/16

48      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 9 de novembro de 2016, a Irlanda interpôs o recurso do processo T‑778/16.

1.      Composição da formação de julgamento e tratamento prioritário

49      Por Decisão de 29 de novembro de 2016, a presidente da Sétima Secção do Tribunal Geral deferiu o pedido da Irlanda de dar ao processo T‑778/16 o tratamento prioritário previsto no artigo 67.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

50      Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal Geral em 9 de novembro de 2016, a Irlanda pediu que o processo T‑778/16 fosse julgado por uma formação de julgamento alargada. Em 18 de janeiro de 2017, o Tribunal Geral registou, nos termos do artigo 28.o, n.o 5, do Regulamento de Processo, a remessa do processo à Sétima Secção alargada.

51      Estando impedidos dois membros da Sétima Secção alargada do Tribunal Geral, por decisões de 21 de fevereiro de 2017 e de 21 de maio de 2019, o presidente do Tribunal Geral designou, respetivamente, o vice‑presidente do Tribunal Geral e outro juiz para completar a Secção.

2.      Intervenções

52      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 20 de março de 2017, o Grão‑Ducado do Luxemburgo pediu para intervir no processo T‑778/16 em apoio do pedido da Irlanda.

53      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 30 de março de 2017, a República da Polónia pediu para intervir no processo T‑778/16 em apoio dos pedidos da Comissão.

54      Por Despacho de 19 de julho de 2017, o presidente da Sétima Secção alargada do Tribunal Geral deferiu os pedidos de intervenção do Grão‑Ducado do Luxemburgo e da República da Polónia.

3.      Pedidos de tratamento confidencial

55      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 26 de abril de 2017, a Irlanda pediu o tratamento confidencial, relativamente ao Grão‑Ducado do Luxemburgo e à República da Polónia, de uma parte da sua petição, bem como de determinados documentos anexos à mesma, nomeadamente da decisão recorrida, e de parte da contestação, bem como de certos documentos anexos à mesma.

56      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 31 de maio de 2017, a Irlanda pediu o tratamento confidencial, relativamente ao público, do nome dos consultores fiscais do grupo Apple.

57      Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal Geral em 26 e 29 de novembro de 2018, a Irlanda retirou parcialmente os seus pedidos de tratamento confidencial.

58      O Grão‑Ducado do Luxemburgo e a República da Polónia receberam versões não confidenciais dos documentos em questão. O Grão‑Ducado do Luxemburgo não levantou qualquer objeção aos pedidos de tratamento confidencial apresentados a seu respeito, ao passo que a República da Polónia se opôs aos pedidos de tratamento confidencial a seu respeito.

59      Por Despacho de 14 de dezembro de 2018, Irlanda/Comissão (T‑778/16, não publicado, EU:T:2018:1019), o Presidente da Sétima Secção alargada do Tribunal Geral deferiu parcialmente os pedidos de tratamento confidencial formulados em relação à República da Polónia e indeferiu‑os quanto ao restante. A República da Polónia recebeu versões não confidenciais dos documentos em questão, em conformidade com os termos do referido despacho.

4.      Pedidos das partes

60      A Irlanda conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão recorrida;

–        condenar a Comissão nas despesas do processo T‑778/16.

61      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso no processo T‑778/16;

–        condenar a Irlanda nas despesas no processo T‑778/16.

62      O Grão‑Ducado do Luxemburgo conclui pedindo que o Tribunal Gese digne anular a decisão recorrida, em conformidade com os pedidos da Irlanda.

63      A República da Polónia conclui pedindo, em substância, que o Tribunal Geral se digne negar provimento ao recurso no processo T‑778/16, em conformidade com os pedidos da Comissão.

B.      Quanto ao processo T892/16

64      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de dezembro de 2016, a ASI e a AOE interpuseram o recurso do processo T‑892/16.

1.      Composição da formação de julgamento, tratamento prioritário e apensação

65      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 8 de fevereiro de 2017, a ASI e a AOE pediram que fosse concedido tratamento prioritário ao processo T‑892/16, na aceção do artigo 67.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, e que este fosse apensado ao processo T‑778/16 para efeitos das fases escritas e orais do processo e da decisão que ponha termo à instância.

66      Por Decisão de 6 de abril de 2017, a Presidente da Sétima Secção do Tribunal Geral deferiu o pedido de tratamento prioritário ao processo T‑892/16 ao abrigo do artigo 67.o, n.o 2, do Regulamento de Processo.

67      Sob proposta da sua Sétima Secção, o Tribunal Geral decidiu, em 17 de maio de 2017, em aplicação do artigo 28.o do Regulamento de Processo, remeter o processo a uma formação de julgamento alargada.

68      Estando dois membros da Sétima Secção alargada do Tribunal Geral impedidos, por decisões de 8 de junho de 2017 e de 21 de maio de 2019, o presidente do Tribunal Geral designou, respetivamente, o Vice‑Presidente do Tribunal Geral e outro juiz para completar a Secção.

2.      Intervenções

69      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 30 de março de 2017, a IBEC Company Limited by Guarantee pediu para intervir no processo T‑892/16 em apoio dos pedidos da ASI e da AOE. Nos termos do artigo 19.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, o presidente da Sétima Secção alargada do Tribunal Geral submeteu a decisão sobre esse pedido, que era da sua competência, à Sétima Secção alargada do Tribunal Geral. Por Despacho de 15 de dezembro de 2017, Apple Sales International e Apple Operations Europe/Comissão (T‑892/16, não publicado, EU:T:2017:926), o Tribunal Geral indeferiu o pedido de intervenção da IBEC Company Limited by Guarantee.

70      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 31 de março de 2017, a EFTA pediu para intervir no processo T‑892/16 em apoio do pedido da Comissão. Por Despacho de 19 de julho de 2017, o Presidente da Sétima Secção alargada do Tribunal Geral deferiu o pedido de intervenção do Órgão de Fiscalização da EFTA.

71      Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 31 de março de 2017, a Irlanda pediu para intervir no processo T‑892/16 em apoio dos pedidos da ASI e da AOE. Por Decisão de 28 de junho de 2017, o presidente da Sétima Secção alargada do Tribunal Geral deferiu o pedido de intervenção da Irlanda.

72      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 13 de abril de 2017, os Estados Unidos da América pediram para intervir no processo T‑892/16 em apoio dos pedidos da ASI e da AOE. Nos termos do artigo 19.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, o Presidente da Sétima Secção alargada do Tribunal Geral submeteu a decisão sobre esse pedido, que era da sua competência, à Sétima Secção alargada do Tribunal Geral. Por Despacho de 15 de dezembro de 2017, Apple Sales International e Apple Operations Europe/Comissão (T‑892/16, não publicado, EU:T:2017:925), o Tribunal Geral indeferiu o pedido de intervenção dos Estados Unidos da América. Os Estados Unidos da América interpuseram recurso desse despacho. Por Despacho de 17 de maio de 2018, Estados Unidos da América/Apple Sales International e o. [C‑12/18 P(I), não publicado, EU:C:2018:330], foi negado provimento a esse recurso.

3.      Pedidos de tratamento confidencial

73      No decurso do processo, a ASI e a AOE pediram o tratamento confidencial de determinadas peças processuais em relação ao Órgão de Fiscalização da EFTA. Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 1 de outubro de 2018, desistiram desse pedido.

4.      Pedidos das partes

74      A ASI e a AOE concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão recorrida;

–        subsidiariamente, anular parcialmente a decisão recorrida; e

–        condenar a Comissão nas despesas.

75      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a ASI e a AOE nas despesas.

76      A Irlanda conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne anular a decisão recorrida em conformidade com os pedidos da ASI e da AOE.

77      O Órgão de Fiscalização da EFTA conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso no processo T‑892/16;

–        condenar a ASI e a AOE nas despesas no processo T‑892/16.

C.      Quanto à apensação dos processos e à fase oral do processo

78      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 8 de fevereiro de 2017, a ASI e a AOE pediram a apensação dos processos T‑778/16 e T‑892/16.

79      Por Decisão de 21 de junho de 2017, o Presidente da Sétima Secção alargada do Tribunal Geral decidiu não apensar, nessa fase do processo, os processos T‑778/16 e T‑892/16.

80      Por Decisão do Presidente da Sétima Secção alargada do Tribunal Geral de 9 de julho de 2019, os processos T‑778/16 e T‑892/16 foram apensados para efeitos de fase oral do processo, em conformidade com o artigo 68.o do Regulamento de Processo.

81      Sob proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral deu abertura à fase oral do processo e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo, pediu às partes que respondessem a perguntas escritas. As partes responderam a essa medida de organização do processo no prazo fixado.

82      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 23 de agosto de 2019, a Comissão pediu tratamento confidencial, relativamente ao Grão‑Ducado do Luxemburgo e à República da Polónia, de determinadas informações contidas na sua resposta às medidas de organização do processo.

83      O Grão‑Ducado do Luxemburgo e a República da Polónia receberam versões não confidenciais dessa resposta.

84      Foram ouvidas as alegações e as respostas das partes às questões colocadas pelo Tribunal Geral na audiência de 17 e 18 de setembro de 2019. Na audiência, a ASI, a AOE e a Comissão formularam algumas observações sobre o relatório para audiência, o que o Tribunal Geral registou na ata da audiência.

85      As partes foram ouvidas na audiência sobre uma eventual apensação dos processos T‑778/16 e T‑892/16 para efeitos da decisão que ponha termo à instância, o que o Tribunal Geral registou na ata da audiência.

III. Questão de direito

A.      Quanto à apensação dos processos T778/16 e T892/16 para efeitos da decisão que ponha termo à instância

86      Ao abrigo do artigo 19.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, o presidente da Sétima Secção alargada do Tribunal Geral submeteu à Sétima Secção alargada do Tribunal Geral a decisão, que era da sua competência, sobre a apensação dos processos T‑778/16 e T‑892/16 para efeitos da decisão que ponha termo à instância.

87      Ouvidas as partes na audiência sobre uma eventual apensação, há que apensar, para efeitos da decisão que ponha termo à instância, os processos T‑778/16 e T‑892/16, por razões de conexão.

B.      Quanto aos fundamentos invocados e quanto à estrutura do exame dos presentes recursos

88      Com os seus recursos, a Irlanda, no processo T‑778/16, e a ASI e a AOE, no processo T‑892/16, pretendem a anulação da decisão recorrida na medida em que declarou que as rulings fiscais controvertidas constituíam auxílios de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE e ordenou a recuperação dos montantes que não tinham sido cobrados pela Irlanda a título de imposto sobre as sociedades.

89      Em apoio dos seus recursos, a Irlanda, bem como a ASI e a AOE, invocam, respetivamente, nove e catorze fundamentos, que se sobrepõem na maior parte.

90      Em primeiro lugar, esses fundamentos visam, em substância, contestar o raciocínio da Comissão a título principal, nomeadamente devido a erros relativos à apreciação da existência de uma vantagem seletiva (primeiro a terceiro fundamentos no processo T‑778/16 e primeiro a sexto fundamentos no processo T‑892/16) e a apreciação relativa ao conceito de intervenção do Estado (parcialmente segundo fundamento no processo T‑778/16).

91      Mais especificamente, no âmbito da contestação do raciocínio a título principal da Comissão, primeiro, é‑lhe feita a crítica de ter efetuado um exame conjunto dos conceitos de vantagem e de seletividade (parcialmente segundo fundamento no processo T‑778/16). Em segundo lugar, a Comissão é acusada de ter identificado erradamente o quadro de referência, nomeadamente com base em apreciações erradas do direito irlandês (parcialmente primeiro e segundo fundamentos no processo T‑778/16 e primeiro fundamento no processo T‑892/16), na aplicação errada do princípio da plena concorrência (parcialmente primeiro fundamento e terceiro fundamento no processo T‑778/16 e parcialmente primeiro fundamento e segundo fundamento no processo T‑892/16), na aplicação inadequada dos princípios da OCDE (parcialmente segundo fundamento no processo T‑778/16 e quinto fundamento no processo T‑892/16). Em terceiro lugar, a Irlanda, a ASI e a AOE contestam as apreciações da Comissão relativas às atividades no grupo Apple (parcialmente primeiro fundamento no processo T‑778/16 e terceiro a quinto fundamentos no processo T‑892/16). Em quarto lugar, contestam as apreciações relativas ao caráter seletivo das rulings fiscais controvertidas (parcialmente segundo fundamento no processo T‑778/16 e sexto fundamento no processo T‑892/16).

92      Em segundo lugar, a Irlanda, a ASI e a AOE contestam as apreciações feitas pela Comissão no âmbito do seu raciocínio a título subsidiário (quarto fundamento no processo T‑778/16 e oitavo fundamento no processo T‑892/16).

93      Em terceiro lugar, a Irlanda, a ASI e a AOE contestam as apreciações feitas pela Comissão no âmbito do seu raciocínio alternativo (quinto fundamento no processo T‑778/16 e nono fundamento no processo T‑892/16).

94      Em quarto lugar, a ASI e a AOE contestam a recuperação dos auxílios ordenada na decisão recorrida, devido à impossibilidade de calcular o montante a recuperar a título dos raciocínios a título subsidiário e a título alternativo da Comissão (décimo fundamento no processo T‑892/16).

95      Em quinto lugar, a Irlanda, a ASI e a AOE alegam que o exame da Comissão no âmbito do procedimento administrativo foi levado a cabo em preterição de formalidades essenciais, nomeadamente do direito de audiência (sexto fundamento no processo T‑778/16 e sétimo e décimo segundo fundamentos no processo T‑892/16).

96      Em sexto lugar, a Irlanda, a ASI e a AOE contestam a recuperação ordenada pela decisão recorrida, em violação, nomeadamente, dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima (sétimo fundamento no processo T‑778/16 e décimo primeiro fundamento no processo T‑892/16).

97      Em sétimo lugar, a Irlanda, a ASI e a AOE criticam a Comissão pela sua ingerência nas competências dos Estados‑Membros, invocando, nomeadamente, o princípio da autonomia fiscal (oitavo fundamento no processo T‑778/16 e décimo quarto fundamento no processo T‑892/16).

98      Em oitavo lugar, a Irlanda, a ASI e a AOE contestam a insuficiência de fundamentação da decisão recorrida (nono fundamento no processo T‑778/16 e décimo terceiro fundamento no processo T‑892/16).

99      Antes de mais, há que analisar os fundamentos que contestam a competência da Comissão para adotar a decisão recorrida, antes de abordar os outros fundamentos pela ordem em que foram resumidos nos n.os 90 a 96 e 98, supra.

100    A título preliminar e para efeitos do exame da legalidade da decisão recorrida que se segue, importa recordar que, no âmbito da fiscalização dos auxílios de Estado, para examinar se as rulings fiscais controvertidas constituíram esse auxílio, cabia à Comissão demonstrar que estavam reunidos os pressupostos da existência de um auxílio de Estado, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Por conseguinte, embora a Comissão possa qualificar uma medida fiscal de auxílio de Estado (v., neste sentido, Acórdãos de 2 de julho de 1974, Itália/Comissão, 173/73, EU:C:1974:71, n.o 28, e de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão, C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416, n.o 81), só o pode fazer na medida em que estejam reunidos os pressupostos dessa qualificação (v., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão, C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416, n.o 84).

101    Assim, cabia, em princípio, à Comissão fazer prova, na decisão recorrida, da existência desse auxílio (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de setembro de 2007, Olympiaki Aeroporia Ypiresies/Comissão, T‑68/03, EU:T:2007:253, n.o 34, e de 25 de junho de 2015, SACE e Sace BT/Comissão, T‑305/13, EU:T:2015:435, n.o 95). Por conseguinte, cabia à Comissão demonstrar, nomeadamente, a existência de uma vantagem seletiva devida à adoção das rulings fiscais controvertidas.

102    Assim, à luz destas considerações, há que analisar os fundamentos invocados pela Irlanda, pela ASI e pela AOE dirigidos à impugnação da legalidade da decisão recorrida.

C.      Quanto aos fundamentos relativos ao facto de a Comissão ter excedido as suas competências e à sua ingerência nas competências dos EstadosMembros, nomeadamente em violação do princípio da autonomia fiscal (oitavo fundamento no processo T778/16 e décimo quarto fundamento no processo T892/16)

103    Em substância, a Irlanda, a ASI e a AOE alegam que a decisão recorrida constitui uma violação dos princípios constitucionais fundamentais da ordem jurídica da União que regem a repartição das competências entre a União e os Estados‑Membros, conforme previstos, nomeadamente, nos artigos 4.o e 5.o TUE, e do princípio da autonomia fiscal dos Estados‑Membros que daí decorre. Com efeito, no estado atual do direito da União, o domínio da tributação direta é da competência dos Estados‑Membros.

104    A Comissão contesta estas alegações. Em substância, recorda que, embora os Estados‑Membros gozem de soberania fiscal, qualquer medida fiscal adotada por um Estado‑Membro deve respeitar as regras da União relativas aos auxílios de Estado. Assim, os Estados‑Membros não podem, através de medidas fiscais, fazer uma discriminação entre operadores económicos que se encontrem em situação análoga, sob pena de dar origem a auxílios de Estado que criem distorções de mercado. Entende que as rulings fiscais controvertidas permitiram à ASI e à AOE reduzir o seu lucro tributável em relação ao lucro tributável de outras sociedades contribuintes abrangidas pelo sistema geral de imposto irlandês sobre as sociedades, dando origem a auxílios de Estado ilegais e incompatíveis.

105    Segundo jurisprudência constante, apesar de, na atual fase de desenvolvimento do direito da União, a fiscalidade direta ser da competência dos Estados‑Membros, estes devem exercer essa competência no respeito do direito da União (v. Acórdão de 12 de julho de 2012, Comissão/Espanha, C‑269/09, EU:C:2012:439, n.o 47 e jurisprudência aí referida). Assim, as intervenções dos Estados‑Membros em matéria de fiscalidade direta, ainda que incidam sobre questões que não foram objeto de harmonização na União, não estão excluídas do âmbito de aplicação da regulamentação relativa à fiscalização dos auxílios de Estado.

106    Daí resulta que a Comissão pode qualificar uma medida fiscal de auxílio de Estado, desde que estejam reunidos os pressupostos dessa qualificação (v., neste sentido, Acórdãos de 2 de julho de 1974, Itália/Comissão, 173/73, EU:C:1974:71, n.o 28; e de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão, C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416, n.os 81 e 84). Com efeito, os Estados‑Membros devem exercer a sua competência em matéria fiscal em conformidade com o direito da União (Acórdão de 3 de junho de 2010, Comissão/Espanha, C‑487/08, EU:C:2010:310, n.o 37). Por conseguinte, devem abster‑se de tomar, neste contexto, qualquer medida suscetível de constituir um auxílio de Estado incompatível com o mercado interno.

107    Ora, no que respeita ao pressuposto de a medida em causa conceder uma vantagem económica, há que lembrar que, segundo jurisprudência constante, são considerados auxílios de Estado as intervenções que, independentemente da forma que assumam, sejam suscetíveis de favorecer direta ou indiretamente empresas, ou que devam ser consideradas uma vantagem económica que a empresa beneficiária não teria obtido em condições normais de mercado (v. Acórdãos de 2 de setembro de 2010, Comissão/Deutsche Post, C‑399/08 P, EU:C:2010:481, n.o 40 e jurisprudência aí referida; e de 9 de outubro de 2014, Ministerio de Defensa e Navantia, C‑522/13, EU:C:2014:2262, n.o 21).

108    Mais especificamente, uma medida através da qual as autoridades públicas concedem a determinadas empresas um tratamento fiscal vantajoso que, embora não implique uma transferência de recursos de Estado, coloca os beneficiários numa situação financeira mais favorável do que a dos outros contribuintes, constitui um auxílio de Estado, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (Acórdão de 15 de março de 1994, Banco Exterior de España, C‑387/92, EU:C:1994:100, n.o 14; v., igualmente, Acórdão de 8 de setembro de 2011, Paint Graphos e o., C‑78/08 a C‑80/08, EU:C:2011:550, n.o 46 e jurisprudência aí referida).

109    Decorre do exposto que, sendo a Comissão competente para velar pelo respeito do artigo 107.o TFUE, não pode ser acusada de ter excedido as suas competências quando examinou se, ao adotar as rulings fiscais controvertidas, as Autoridades Fiscais irlandesas tinham concedido à ASI e à AOE um tratamento fiscal vantajoso, permitindo‑lhes reduzir o seu lucro tributável em relação ao lucro tributável de outras sociedades contribuintes que se encontrassem em situação comparável.

110    No caso das medidas fiscais, a própria existência de uma vantagem só pode ser demonstrada em relação a uma tributação dita «normal» (Acórdão de 6 de setembro de 2006, Portugal/Comissão, C‑88/03, EU:C:2006:511, n.o 56). Por conseguinte, uma medida como essa confere uma vantagem económica ao seu beneficiário quando aligeirar os encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa e que, desse modo, sem ser uma subvenção no sentido estrito da palavra, tem a mesma natureza e efeitos idênticos (Acórdão de 9 de outubro de 2014, Ministerio de Defensa e Navantia, C‑522/13, EU:C:2014:2262, n.o 22).

111    Consequentemente, para determinar se existe uma vantagem fiscal, há que comparar a situação do beneficiário resultante da aplicação da medida em causa com a situação dele na falta da medida em causa (v., neste sentido, Acórdão de 26 de abril de 2018, Cellnex Telecom e Telecom Castilla‑La Mancha/Comissão, C‑91/17 P e C‑92/17 P, não publicado, EU:C:2018:284, n.o 114) e com a aplicação das regras normais de tributação.

112    A Irlanda, a ASI e a AOE acusam a Comissão de ter excedido as suas competências ao basear‑se numa interpretação unilateral e errada do direito fiscal irlandês, nomeadamente do artigo 25.o do TCA 97. Afirmam ainda que impôs regras processuais de avaliação da fiscalidade nacional que não existem no direito irlandês. Por outro lado, a Comissão excedeu as suas competências ao justificar a adoção da decisão recorrida com a afirmação de que a ASI e a AOE eram apátridas fiscais.

113    A este respeito, em primeiro lugar, há que salientar que, por força do artigo 25.o do TCA 97, as sociedades não residentes que exercem a sua atividade comercial na Irlanda por intermédio de uma sucursal são tributadas, no que respeita aos seus rendimentos comerciais, unicamente sobre os lucros provenientes de atividades comerciais direta ou indiretamente imputáveis a essa sucursal irlandesa. Refira‑se ainda que, em aplicação do artigo 25.o do TCA 97, é necessário determinar os rendimentos comerciais efetivamente obtidos direta ou indiretamente por intermédio da sucursal irlandesa e que esta disposição não prevê nenhum método específico que permita determinar quais são os lucros imputáveis às sucursais irlandesas das sociedades não residentes.

114    Ora, resulta dos articulados da Irlanda e das alegações das partes na audiência que, para efeitos da aplicação do artigo 25.o do TCA 97, deve ser tido em conta o quadro factual e a situação da sucursal na Irlanda, nomeadamente as funções exercidas, os ativos utilizados e os riscos assumidos pela sucursal.

115    Nestas circunstâncias e como decorre da jurisprudência acima referida no n.o 111, para determinar se existia uma vantagem no caso, a Comissão devia poder analisar o tratamento fiscal da ASI e da AOE, resultante da aplicação das rulings fiscais controvertidas, com o tratamento fiscal que teria sido concedido a essas duas sociedades pela aplicação das regras normais de tributação aplicáveis na Irlanda se as rulings em questão não existissem.

116    Por conseguinte, não se pode criticar a Comissão por ter procedido a uma aplicação unilateral das normas fiscais substantivas e a uma harmonização fiscal de facto, quando analisou se os lucros tributáveis da ASI e da AOE, calculados nos termos das ruling fiscais controvertidas, correspondiam aos lucros obtidos pelas suas sucursais irlandesas, tendo em conta as funções exercidas, os ativos utilizados e os riscos assumidos pelas referidas sucursais, que teriam sido tributáveis pela aplicação do artigo 25.o do TCA 97.

117    Em segundo lugar, no que respeita aos argumentos de que a Comissão impôs regras processuais de avaliação da fiscalidade nacional, assim reescrevendo o direito fiscal irlandês, a Irlanda contesta as alegações da Comissão contra as rulings fiscais controvertidas, pelo facto de não se basearem em relatórios de imputação de lucros (considerandos 262 e 363 da decisão recorrida), de não terem sido regularmente revistas (considerando 368 da decisão recorrida) e de, antes de proceder à adoção das referidas rulings, as Autoridades Fiscais irlandesas não terem investigado outras sociedades no interior do grupo Apple, independentemente do lugar da atividade dessas sociedades (considerando 274 da decisão recorrida).

118    A este respeito, há que recordar que resulta da decisão recorrida que a Comissão concluiu pela existência de uma vantagem seletiva, a título principal, devido à não imputação das licenças de PI do grupo Apple às sucursais irlandesas da ASI e da AOE (considerandos 265 a 321 da decisão recorrida), a título subsidiário, devido à escolha inadequada dos métodos de imputação dos lucros a essas sucursais irlandesas (considerandos 325 a 360 da decisão recorrida) e, a título alternativo, pelo facto de as rulings fiscais controvertidas terem derrogado o artigo 25.o do TCA 97 de forma discricionária (considerandos 369 a 403 da decisão recorrida).

119    Por conseguinte, não se pode considerar que a Comissão se baseou em críticas de natureza processual, acima resumidas no n.o 117, para concluir pela existência de uma vantagem seletiva no caso presente. Nestas circunstâncias, as alegações da Irlanda devem ser julgadas inoperantes.

120    Em terceiro lugar, quanto à afirmação de que a ASI e a AOE são apátridas fiscais, refira‑se que é certo que, nomeadamente nos considerandos 52, 276, 277 e 281 da decisão recorrida, a Comissão salientou efetivamente que considerava a ASI e a AOE apátridas fiscais, no âmbito do seu raciocínio que levou à conclusão de que a ASI e a AOE só existiam em papel fora da Irlanda.

121    Todavia, o facto de a Comissão ter sublinhado na decisão recorrida que a ASI e a AOE eram apátridas fiscais não significa que tenha baseado nessa constatação a sua conclusão pela existência de uma vantagem seletiva.

122    Nestas circunstâncias, pelas mesmas razões acima expostas no n.o 119, há que julgar inoperantes as alegações da Irlanda e da ASI e da AOE de que a Comissão excedeu as suas competências por ter considerado a ASI e a AOE apátridas fiscais.

123    À luz destas considerações, improcedem o oitavo fundamento no processo T‑778/16 e o décimo quarto fundamento no processo T‑892/16, assentes em que a Comissão teria excedido as suas competências e na sua ingerência nas competências dos Estados‑Membros.

124    Na medida em que a Comissão era competente, no âmbito do controlo dos auxílios de Estado, para examinar se as rulings fiscais controvertidas tinham constituído um auxílio desse tipo, há que analisar, seguidamente, os fundamentos invocados pela Irlanda, pela ASI e pela AOE destinados a impugnar o acerto de cada linha de raciocínio exposta pela Comissão na decisão recorrida a fim de demonstrar a existência de uma vantagem seletiva no caso presente.

D.      Quanto aos fundamentos relativos aos erros cometidos no âmbito do raciocínio da Comissão a título principal

125    Recorde‑se que, no âmbito do seu raciocínio a título principal, a Comissão sustentou, em substância, que, na medida em que as sedes da ASI e da AOE não tinham podido controlar nem gerir as licenças de PI do grupo Apple, não lhes deviam ter sido imputados, num contexto de plena concorrência, os lucros resultantes da utilização dessas licenças. Por conseguinte, esses lucros deveriam ter sido imputados às sucursais da ASI e da AOE, as únicas que estavam em condições de exercer efetivamente funções relacionadas com a PI do grupo Apple e que eram essenciais à atividade comercial da ASI e da AOE.

126    Além disso, em resposta às questões escritas do Tribunal Geral, a Comissão precisou que, com a expressão «lucros obtidos a partir da utilização das licenças de PI da Apple», que figura nomeadamente no considerando 304 da decisão recorrida, deviam entender‑se os lucros resultantes da imputação da propriedade económica das licenças de PI do grupo Apple às sucursais irlandesas. Esses lucros resultantes da utilização das licenças de PI do grupo Apple correspondem, segundo a Comissão, aos lucros obtidos com a totalidade das vendas da ASI e da AOE.

127    A Irlanda, a ASI e a AOE contestam o raciocínio da Comissão a título principal, acusando‑a, em substância, de ter erradamente concluído pela existência de uma vantagem seletiva.

128    Antes de mais, a Irlanda critica o método seguido pela Comissão na sua análise efetuada no raciocínio a título principal, na medida em que não analisou separadamente os critérios da vantagem e da seletividade.

129    Seguidamente, a Irlanda, a ASI e a AOE contestam as conclusões da análise no raciocínio da Comissão a título principal. Por um lado, referem erros relativos às apreciações sobre o quadro de referência e sobre a tributação normal nos termos do direito fiscal irlandês, devido à aplicação errada, pela Comissão, do artigo 25.o do TCA 97, da sua aplicação do princípio da plena concorrência e da sua análise à luz do relatório de 2010 sobre a imputação de lucros aos estabelecimentos estáveis, aprovado pelo Conselho da OCDE em 22 de julho de 2010 (a seguir «abordagem autorizada da OCDE»). Por outro lado, a Irlanda, a ASI e a AOE contestam as apreciações factuais da Comissão relativas às atividades no interior do grupo Apple.

130    Por último, a Irlanda, a ASI e a AOE contestam as conclusões da Comissão quanto ao caráter seletivo das rulings fiscais controvertidas, na medida em que, por um lado, não se pode presumir essa seletividade no caso em apreço e, por outro, não houve um tratamento excecional ou seletivo relativamente à ASI e à AOE, relativamente a outras empresas que se encontravam numa situação comparável. A Irlanda alega que, em todo o caso, admitindo‑o demonstrado, esse tratamento teria sido justificado pela natureza e pela sistemática do regime fiscal irlandês.

131    A Comissão contesta os argumentos invocados pela Irlanda, pela ASI e pela AOE.

132    Em seguida, há que analisar os fundamentos destinados a contestar o raciocínio principal da Comissão seguindo a ordem das alegações acima resumidas nos n.os 128 a 130.

1.      Quanto ao exame conjunto dos critérios da vantagem e da seletividade (parcialmente segundo fundamento no processo T778/16)

133    A Irlanda alega que a Comissão ignorou princípios bem estabelecidos na jurisprudência ao confundir os critérios da vantagem e da seletividade e critica‑a por não ter examinado esses dois conceitos separadamente.

134    A esse respeito, há que lembrar que a seletividade e a vantagem constituem dois critérios distintos. Com efeito, no que respeita à vantagem, a Comissão tem que demonstrar que a medida melhora a situação financeira do beneficiário (v., neste sentido, Acórdão de 2 de julho de 1974, Itália/Comissão, 173/73, EU:C:1974:71, n.o 33). Quanto à seletividade, a Comissão tem que demonstrar que a vantagem não beneficia outras empresas numa situação jurídica e factual comparável à do beneficiário à luz do objetivo do quadro de referência (Acórdão de 8 de setembro de 2011, Paint Graphos e o., C‑78/08 a C‑80/08, EU:C:2011:550, n.o 49).

135    Não se pode, porém, excluir a possibilidade de esses critérios serem examinados conjuntamente, quando resulta do exame efetuado pela Comissão, por um lado, que a medida em causa confere uma vantagem económica ao seu beneficiário e, por outro, que essa vantagem não beneficia empresas colocadas numa situação jurídica e factual comparável.

136    Além disso, no que respeita mais especificamente a medidas fiscais, como sustenta acertadamente a Comissão, o exame da vantagem e da seletividade coincidem, na medida em que estes dois critérios implicam que se demonstre que a medida fiscal controvertida conduz a uma redução do montante do imposto que seria normalmente devido pelo beneficiário da medida em aplicação do regime fiscal ordinário e, portanto, aplicável aos outros contribuintes que se encontrem na mesma situação. Resulta ainda da jurisprudência do Tribunal de Justiça que esses dois critérios podem ser analisados conjuntamente, enquanto «terceiro pressuposto» previsto no artigo 107.o, n.o 1, TFUE, relativo à existência de uma «vantagem seletiva» (v., neste sentido, Acórdão de 30 de junho de 2016, Bélgica/Comissão, C‑270/15 P, EU:C:2016:489, n.o 32).

137    Resulta da decisão recorrida que a Comissão examinou, no âmbito da sua análise sobre a existência de uma vantagem seletiva (secção 8.2 da decisão recorrida), em que medida as rulings fiscais controvertidas tinham levado a uma redução do montante devido pela ASI e pela AOE a título do imposto sobre as sociedades na Irlanda, a fim de demonstrar que essas rulings tinham concedido uma vantagem económica a essas sociedades. Além disso, a Comissão definiu o quadro de referência como constituído pelo sistema de direito comum do imposto sobre as sociedades na Irlanda (secção 8.2.1.1 da decisão recorrida). Por outro lado, no âmbito dos raciocínios a título principal, a título subsidiário e a título alternativo (secções 8.2.2.2 a 8.2.3.2 da decisão recorrida), a Comissão, para demonstrar o seu caráter seletivo, examinou se as rulings fiscais controvertidas, ao diminuírem o lucro anual tributável dessas empresas, tinham derrogado esse quadro de referência.

138    Uma vez que a Comissão examinou efetivamente tanto o critério da vantagem como o da seletividade, pouco importa que esse exame tenha incidido simultaneamente sobre os dois critérios. Por conseguinte, não se pode considerar que a Comissão cometeu um erro de direito pelo simples facto de os ter examinado conjuntamente.

139    Por conseguinte, há que julgar improcedente a alegação da Irlanda relativa a esse exame conjunto dos critérios da vantagem e da seletividade.

2.      Quanto à identificação do quadro de referência e às apreciações relativas à tributação normal nos termos do direito irlandês (parcialmente primeiro e segundo fundamentos no processo T778/16 e primeiro, segundo e quinto fundamentos no processo T892/16)

a)      Quanto ao quadro de referência

140    Nos considerandos 227 a 243 da decisão recorrida, a Comissão expôs que o quadro de referência relevante no âmbito da sua análise da existência de uma vantagem seletiva era constituído pelo sistema de direito comum de tributação dos lucros das sociedades, previsto no sistema do imposto sobre as sociedades na Irlanda, cujo objetivo intrínseco era tributar os lucros de todas as sociedades sujeitas a imposto nesse Estado‑Membro.

141    A Comissão considerou que esse quadro de referência incluía tanto as sociedades não integradas como as sociedades integradas, na medida em que o imposto sobre as sociedades na Irlanda não fazia distinção entre essas sociedades.

142    Além disso, a Comissão considerou que, embora as sociedades residentes e não residentes fossem tributadas sobre diferentes fontes de rendimentos, à luz do objetivo intrínseco desse sistema, a saber, a tributação dos lucros de todas as sociedades sujeitas a imposto na Irlanda, ambos os tipos de sociedades se encontravam em situação factual e jurídica comparável. Por conseguinte, esse sistema integrou o artigo 25.o do TCA 97, o qual não podia, portanto, ser considerado, por si só, um quadro de referência distinto.

143    A Irlanda, a ASI e a AOE contestam esta definição do quadro de referência e sustentam, em substância, que o quadro de referência relevante no caso presente é constituído pelo artigo 25.o do TCA 97, uma disposição de sujeição distinta, aplicável especificamente às sociedades não residentes, que não se encontram numa situação comparável à das sociedades residentes. Além disso, segundo a Irlanda, a ASI e a AOE, a natureza integrada ou não integrada das empresas não é a questão problemática no caso presente, que é antes a da tributação das sociedades não residentes.

144    Refira‑se que a determinação do quadro de referência é relevante, no âmbito da análise das medidas fiscais à luz do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, tanto para efeitos de análise do critério da vantagem como do da seletividade.

145    Com efeito, como acima se refere no n.o 110, no caso das medidas fiscais, a própria existência de uma vantagem só pode ser demonstrada em relação a uma tributação dita «normal». Assim, é precisamente a tributação dita «normal» que é determinada pelo quadro de referência.

146    Além disso, a qualificação de uma medida fiscal nacional de seletiva pressupõe, num primeiro momento, a identificação e o exame prévios do regime fiscal comum ou normal aplicável no Estado‑Membro em causa (Acórdão de 8 de setembro de 2011, Paint Graphos e o., C‑78/08 a C‑80/08, EU:C:2011:550, n.o 49).

147    Por outro lado, o Tribunal de Justiça confirmou a sua jurisprudência no sentido de que, para demonstrar a seletividade de uma medida derrogatória de um regime fiscal comum, basta demonstrar que esta beneficia determinados operadores e não outros, apesar de todos esses operadores se encontrarem em situação objetivamente comparável à luz do objetivo prosseguido pelo regime fiscal comum (Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 76).

148    Assim, embora, para se demonstrar a seletividade de uma medida fiscal, não seja sempre necessário que esta tenha caráter derrogatório de um regime fiscal comum, o facto de apresentar esse caráter é efetivamente relevante para o efeito quando daí resultar a distinção de duas categorias de operadores e que são a priori objeto de tratamento diferenciado, a saber, os que estão abrangidos pela medida derrogatória e os que continuam sujeitos ao regime fiscal comum, apesar de ambas as duas categorias se encontrarem em situação comparável à luz do objetivo prosseguido por esse regime (Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 77).

149    Além disso, o Tribunal de Justiça já declarou que a técnica regulamentar utilizada não pode ser um elemento decisivo para efeitos de determinação do quadro de referência (Acórdão de 28 de junho de 2018, Lowell Financial Services/Comissão, C‑219/16 P, não publicado, EU:C:2018:508, n.os 94 e 95).

150    Decorre da jurisprudência que o quadro de referência é constituído pelas regras de tributação a que está sujeito o beneficiário da medida considerada constitutiva de um auxílio de Estado. Além disso, daí resulta que a delimitação material do quadro de referência só pode ser feita em relação com a medida considerada constitutiva de um auxílio de Estado. Por conseguinte, o objeto das medidas em causa e o quadro jurídico em que se integram devem ser tidos em conta para determinar o quadro de referência.

151    Por outro lado, a Comissão precisou a sua interpretação do conceito de quadro de referência na Comunicação da Comissão sobre a noção de auxílio estatal nos termos do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (JO 2016, C 262, p. 1). Essa comunicação, embora não seja suscetível de vincular o Tribunal Geral, pode servir de fonte de inspiração útil (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 26 de julho de 2017, República Checa/Comissão, C‑696/15 P, EU:C:2017:595, n.o 53).

152    No n.o 133 da comunicação acima referida no n.o 151, indica‑se, nomeadamente, que o sistema de referência é constituído por um conjunto coerente de regras que são, em geral, aplicáveis — com base em critérios objetivos — a todas as empresas abrangidas pelo seu âmbito de aplicação, definido pelo seu objetivo. Normalmente, essas regras definem não só o âmbito de aplicação do sistema, mas também as condições em que se aplica o sistema, os direitos e obrigações das empresas a ele sujeitas e as especificidades técnicas do funcionamento do sistema.

153    É, pois, à luz destas considerações que há que verificar se a Comissão identificou corretamente o quadro de referência relevante para examinar a seletividade das rulings fiscais controvertidas.

154    No caso, da leitura das rulings fiscais controvertidas, conforme acima descritas nos n.os 11 a 21, pode verificar‑se que foram adotadas para permitir à ASI e à AOE determinar os seus lucros tributáveis na Irlanda para efeitos do imposto sobre o rendimento das sociedades nesse Estado‑Membro.

155    Daí resulta que as rulings fiscais controvertidas se inscrevem no quadro do regime geral irlandês do imposto sobre as sociedades, que tem por objetivo tributar os lucros tributáveis das sociedades que exercem atividades na Irlanda, sejam residentes ou não, integradas ou autónomas.

156    Com efeito, há que observar que, segundo o regime geral irlandês, de acordo com a descrição não impugnada pelas partes, que figura no considerando 71 da decisão recorrida, o imposto sobre as sociedades na Irlanda é cobrado sobre os lucros das sociedades (artigo 21.o, n.o 1, do TCA 97). Refira‑se ainda que a Irlanda aplica taxas de imposto diferentes aos rendimentos comerciais, aos rendimentos não comerciais e às mais‑valias. O artigo 21.o do TCA 97 fixa a taxa geral do imposto sobre as sociedades em 12,5 %. Essa taxa aplica‑se aos rendimentos comerciais das sociedades tributadas a título do TCA 97, ao passo que os rendimentos não comerciais são tributados à taxa de 25 % e as mais‑valias à taxa de 33 %. Todavia, as mais‑valias relativas às cessões de certas participações são objeto de isenção.

157    Por outro lado, como se indica no considerando 72 da decisão recorrida, nos termos do artigo 26.o do TCA 97, as sociedades residentes têm que pagar o imposto sobre as sociedades, calculado sobre os seus lucros e sobre as suas mais‑valias realizadas à escala mundial, com exclusão da maior parte das distribuições de lucros provenientes de outras sociedades residentes na Irlanda.

158    Por último, por força do artigo 25.o do TCA 97, cuja redação figura no considerando 73 da decisão recorrida, uma sociedade não residente não está sujeita a imposto sobre as sociedades, a menos que exerça uma atividade comercial na Irlanda por intermédio de uma sucursal ou de uma agência. Nesse caso, essa sociedade é tributada pelo conjunto dos seus rendimentos comerciais auferidos direta ou indiretamente com a sucursal ou agência e com os ativos ou os direitos utilizados ou detidos pela sucursal ou pela agência, bem como pelas mais‑valias tributáveis imputáveis à sucursal ou à agência.

159    Assim, por força do artigo 25.o, n.o 1, do TCA 97, as sociedades não residentes não são tributadas na Irlanda, a menos que aí exerçam uma atividade comercial por intermédio de uma sucursal ou de uma agência, e nesse caso devem pagar o imposto sobre as sociedades sobre a totalidade dos seus lucros tributáveis. O artigo 25.o, n.o 2, alínea a), do TCA 97 define esses lucros tributáveis como o conjunto dos rendimentos comerciais realizados direta ou indiretamente por intermédio da sucursal ou da agência e o conjunto dos rendimentos decorrentes de ativos ou de direitos utilizados ou detidos pela sucursal ou pela agência.

160    Por conseguinte, embora a primeira parte do primeiro período do artigo 25.o, n.o 1, do TCA 97 pudesse ser entendida no sentido de introduzir uma derrogação ao regime de tributação normal, para as sociedades não residentes, a segunda parte desse período torna esse regime aplicável às sociedades não residentes que exercem atividades comerciais na Irlanda por intermédio de uma sucursal, as quais devem pagar o imposto sobre as sociedades sobre todos os seus lucros tributáveis. Por conseguinte, por força dessa disposição, os pressupostos de aplicação do imposto sobre as sociedades aplicam‑se igualmente a essas sociedades.

161    Deste ponto de vista, as sociedades residentes e não residentes que exercem atividades comerciais na Irlanda por intermédio de uma sucursal encontram‑se em situação comparável à luz do objetivo prosseguido pelo referido regime, a saber, tributar os lucros tributáveis. O facto de os lucros tributáveis destas últimas serem definidos de forma específica pelo artigo 25.o, n.o 2, alínea a), do TCA 97 não o pode erigir em quadro de referência, antes pertencendo à técnica regulamentar utilizada para a aplicação do imposto sobre as sociedades a essa categoria de sociedades. Com efeito, como resulta da jurisprudência acima referida nos n.os 148 e 149, a existência de uma diferenciação de tratamento em relação a uma categoria de sociedades face às outras sociedades, por causa dessa técnica regulamentar, não implica que essas duas categorias de sociedades não se encontrem em situação comparável à luz do objetivo prosseguido pelo referido regime.

162    Por conseguinte, só as disposições relativas aos lucros tributáveis de uma sociedade não residente na Irlanda, previstas no artigo 25.o do TCA 97, não podem constituir um regime específico distinto do regime de direito comum. Com efeito, esta disposição, por si só, não basta para aplicar de forma coerente o imposto sobre as sociedades às referidas sociedades não residentes.

163    Nestas circunstâncias, há que considerar que a Comissão não cometeu qualquer erro ao concluir que o quadro de referência no caso presente era constituído pelo sistema de direito comum de tributação dos lucros das sociedades na Irlanda, cujo objetivo intrínseco era tributar os lucros de todas as sociedades sujeitas a imposto nesse Estado‑Membro e, portanto, que esse quadro integrava as disposições aplicáveis às sociedades não residentes previstas no artigo 25.o do TCA 97.

164    Por conseguinte, há que julgar improcedentes as alegações da Irlanda, da ASI e da AOE relativas ao quadro de referência tal como definido na decisão recorrida.

165    Tendo em conta o quadro de referência definido na decisão recorrida, a saber, o sistema de direito comum de tributação dos lucros das sociedades, que integra, nomeadamente, as disposições previstas no artigo 25.o do TCA 97, há que analisar as alegações da Irlanda, da ASI e da AOE contra a interpretação que a Comissão faz dessas disposições.

b)      Quanto às apreciações da Comissão relativas à tributação normal dos lucros nos termos do direito fiscal irlandês

166    Na decisão recorrida (nomeadamente considerandos 319 a 321 dessa decisão), a título do seu raciocínio principal, a Comissão sustentou que o facto de não se imputar às sucursais irlandesas da ASI e da AOE os lucros decorrentes das licenças de PI do grupo Apple, detidas pela ASI e pela AOE, levou a uma determinação dos lucros anuais tributáveis da ASI e da AOE na Irlanda que se afastava de uma aproximação fiável de um resultado baseado no mercado em condições de plena concorrência, o que reduziu o montante de imposto sobre as sociedades normalmente devido pela ASI.

167    Esta análise da Comissão baseia‑se na consideração, exposta nos considerandos 244 a 263 da decisão recorrida, de que a aplicação do artigo 25.o do TCA 97 para efeitos da imputação de lucros a uma sucursal necessitaria da aplicação de um método de imputação de lucros que, por força do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, se deveria basear no princípio da plena concorrência. Além disso, no considerando 272 da decisão recorrida, a Comissão remeteu para a abordagem autorizada da OCDE quando afirmou que os lucros a imputar a uma sucursal eram os que esta poderia ter realizado, em condições de plena concorrência, se tivesse constituído uma empresa distinta e independente que exercesse atividades idênticas ou análogas em condições idênticas ou análogas, tendo em conta as funções exercidas, os ativos utilizados e os riscos assumidos pela sociedade por intermédio da sua sucursal.

168    A Irlanda, a ASI e a AOE impugnam cada elemento do raciocínio acima descrito nos n.os 166 e 167.

169    Assim, em primeiro lugar, a Irlanda, a ASI e a AOE contestam a aplicação do artigo 25.o do TCA 97 efetuada pela Comissão no âmbito do seu raciocínio principal, no qual acusou as Autoridades Fiscais irlandesas de, em substância, não terem exigido às suas sucursais irlandesas a imputação de todos os seus lucros.

170    Em segundo lugar, a Irlanda, a ASI e a AOE contestam a existência de um princípio da plena concorrência decorrente do artigo 107.o TFUE, conforme invocado pela Comissão no âmbito do seu raciocínio, e que, por conseguinte, não é aplicável na Irlanda.

171    Em terceiro lugar, a Irlanda, a ASI e a AOE alegam que a abordagem autorizada da OCDE não é aplicável no direito fiscal irlandês. Em todo o caso, mesmo admitindo que a abordagem autorizada da OCDE pudesse ser aplicada no caso presente, a Irlanda, a ASI e a AOE alegam que a Comissão concluiu erradamente, com base na referida abordagem, que os lucros relativos às licenças de PI do grupo Apple, detidas por estas últimas, deviam ter sido imputados às suas sucursais irlandesas.

172    Por conseguinte, há que examinar, em primeiro lugar, as alegações da Irlanda e da ASI e AOE, relativas à aplicação do artigo 25.o do TCA 97, em seguida, a questão de saber se, no âmbito da sua análise, a Comissão podia legitimamente invocar um princípio da plena concorrência decorrente do artigo 107.o TFUE e, por último, a aplicação da abordagem autorizada da OCDE no caso presente.

1)      Quanto à aplicação do artigo 25.o do TCA 97 (parcialmente segundo fundamento no processo T778/16 e parcialmente primeiro fundamento no processo T892/16)

173    No caso, é pacífico entre as partes que:

–        a ASI e a AOE são sociedades de direito irlandês, mas não são consideradas residentes fiscais na Irlanda, como a Comissão reconheceu no considerando 50 da decisão recorrida;

–        o artigo 25.o do TCA 97 contém as disposições especificamente aplicáveis às sociedades não residentes, por força das quais, quando uma sociedade não residente exerce uma atividade comercial na Irlanda por intermédio de uma sucursal, essa sociedade é tributada, nomeadamente, sobre o conjunto dos seus rendimentos comerciais obtidos direta ou indiretamente com a sucursal;

–        as sociedades não residentes ASI e AOE exerceram atividades comerciais na Irlanda por intermédio das respetivas sucursais.

174    Há que analisar, portanto, se a Comissão tinha razão ao considerar que, em aplicação do artigo 25.o do TCA 97 e a fim de determinar os lucros da ASI e da AOE na Irlanda, as Autoridades Fiscais irlandesas deveriam ter imputado as licenças de PI do grupo Apple às sucursais irlandesas dessas duas sociedades.

175    Segundo o direito fiscal irlandês, nomeadamente segundo o artigo 25.o do TCA 97, nos casos de sociedades não residentes que exerçam a sua atividade comercial na Irlanda por intermédio de uma sucursal, só são tributáveis, por um lado, os lucros provenientes de atividades comerciais direta ou indiretamente imputáveis a essa sucursal irlandesa e, por outro, todos os rendimentos decorrentes de ativos ou de direitos utilizados pela sucursal ou detidos por ela ou em seu nome.

176    É certo que, conforme refere com razão a Comissão e como reconhecem a Irlanda, a ASI e a AOE, o artigo 25.o do TCA 97 não prevê um método específico que permita determinar quais são os lucros direta ou indiretamente imputáveis às sucursais irlandesas das sociedades não residentes e não faz nenhuma menção ao princípio da plena concorrência para efeitos dessa imputação.

177    Contudo, não se pode deixar de observar que o artigo 25.o do TCA 97 visa unicamente os lucros decorrentes das atividades exercidas pelas próprias sucursais irlandesas, com exclusão dos decorrentes das atividades que seriam exercidas por outras partes da sociedade não residente em questão.

178    Segundo a Irlanda, a ASI e a AOE, este mecanismo de tributação exclui, em princípio, uma abordagem que consista em examinar todos os lucros da sociedade não residente e, na medida em que esses lucros não possam ser imputados a outras partes dessa sociedade, imputá‑los, supletivamente, às sucursais irlandesas (a saber, uma abordagem «por exclusão»).

179    A este respeito, a Irlanda, a ASI e a AOE baseiam‑se no parecer de um perito em direito irlandês, cuja pertinência não é contestada enquanto tal pela Comissão. Segundo esse parecer, a análise relevante para a aplicação do artigo 25.o do TCA 97 a fim de determinar os lucros tributáveis das sociedades não residentes que exercem atividades comerciais na Irlanda por intermédio das suas sucursais irlandesas deve incidir sobre as atividades reais dessas sucursais irlandesas e sobre o valor das atividades efetivamente realizadas pelas próprias sucursais. Esse parecer baseia‑se, nomeadamente, no Acórdão da High Court (Tribunal Superior, Irlanda) no processo S. Murphy (Inspetor of Taxes) v Dataproducts (Dub.) Ltd. [1988] I. R. 10 nota 4507 (a seguir «Acórdão Dataproducts»). O Acórdão Dataproducts foi igualmente invocado enquanto precedente tanto em apoio dos argumentos da Irlanda e da Apple Inc. no procedimento administrativo como em apoio dos argumentos da Irlanda, da ASI e da AOE no âmbito do presente litígio.

180    Resulta do Acórdão Dataproducts que os lucros provenientes de ativos controlados por uma sociedade não residente, mesmo que tenham sido colocados à disposição da sucursal irlandesa dessa sociedade, não podem ser considerados, enquanto tais, lucros imputáveis às sucursais.

181    Com efeito, resulta desse acórdão que um ativo pertencente a uma sociedade não residente na Irlanda e controlado pelos dirigentes dessa sociedade, também não residentes na Irlanda, não pode ser imputado à sucursal dessa sociedade na Irlanda, mesmo que seja colocado à sua disposição. Na medida em que o pessoal e os diretores da sucursal irlandesa não tinham controlo sobre o ativo em questão, o rendimento resultante desse ativo não podia ser imputado a essa sucursal para efeitos de imposto na Irlanda. Esta conclusão não mudaria mesmo numa situação em que só a sucursal irlandesa empregasse trabalhadores e tivesse ativos físicos e a sociedade não residente não tivesse ativos físicos, trabalhadores ou atividades comerciais diferentes dos da referida sucursal irlandesa. Considerou‑se que a sociedade não residente sem trabalhadores exerce o controlo desses ativos através dos seus órgãos de direção.

182    Assim, decorre do Acórdão Dataproducts que a questão relevante para efeitos da determinação dos lucros da sucursal é a de saber se a sucursal irlandesa controla o referido ativo.

183    No caso, como acima se indica nos n.os 37 a 40, no âmbito do seu raciocínio a título principal, a Comissão sustentou, em substância, que os lucros das atividades comerciais decorrentes da PI do grupo Apple, cujas licenças eram detidas pela ASI e pela AOE, deviam ter sido imputados às sucursais irlandesas, na medida em que essas sociedades não tinham presença física nem trabalhadores fora dessas sucursais e não podiam, portanto, exercer o seu controlo.

184    Ora, à luz do Acórdão Dataproducts, para efeitos da determinação dos lucros imputáveis à sucursal irlandesa de uma sociedade não residente fiscal, na aceção do artigo 25.o do TCA 97, os ativos detidos por essa sociedade não podem ser imputados à sucursal irlandesa se não se demonstrar que esses ativos são efetivamente controlados pela referida sucursal. Além disso, resulta desse acórdão que o facto de a sociedade não residente não ter trabalhadores nem presença física fora da sucursal irlandesa não é, em si mesmo, um elemento determinante que impeça que se conclua que o controlo dos ativos é exercido pela referida sociedade.

185    Assim, se as licenças de PI do grupo Apple detidas pela ASI e pela AOE não fossem controladas pelas sucursais irlandesas, o conjunto dos rendimentos gerados por essas sociedades resultantes dessas licenças não podia ser imputado a essas sucursais por força do artigo 25.o do TCA 97. Em contrapartida, só os lucros auferidos com as atividades comerciais das sucursais irlandesas, incluindo as exercidas com base nas licenças de PI do grupo Apple detidas pela ASI e pela AOE, deveriam ser considerados ligados às atividades das sucursais.

186    Resulta do exposto que, ao considerar que as licenças de PI do grupo Apple deveriam ter sido imputadas às sucursais irlandesas na medida em que se considerava que a ASI e a AOE não tinham empregados nem presença física para assegurar a sua gestão, a Comissão procedeu a uma imputação de lucros «por exclusão», que não está em conformidade com o artigo 25.o do TCA 97. Com efeito, no âmbito do seu raciocínio principal, a Comissão não tentou demonstrar que as sucursais irlandesas da ASI e da AOE tinham efetivamente controlado as licenças de PI do grupo Apple, quando concluiu que as Autoridades Fiscais irlandesas deveriam ter imputado a essas sucursais as licenças de PI do grupo Apple e que, consequentemente, por força do artigo 25.o do TCA 97, todos os rendimentos comerciais da ASI e da AOE deveriam ter sido considerados resultantes da atividade dessas sucursais.

187    Nestas circunstâncias, há que considerar que, como acertadamente alegam a Irlanda, a ASI e a AOE com as suas alegações invocadas no âmbito do segundo fundamento no processo T‑778/16 e do primeiro fundamento no processo T‑892/16, a Comissão apreciou erradamente, no âmbito do raciocínio principal, as disposições do direito fiscal irlandês relativas à tributação dos lucros das sociedades não residentes na Irlanda, mas que aí exercem uma atividade comercial por intermédio de uma sucursal.

188    Dado que o raciocínio principal da Comissão se baseia num conjunto de apreciações relativas à tributação normal dos lucros nos termos do direito fiscal irlandês, há que analisar seguidamente os argumentos da Irlanda, da ASI e da AOE contra os outros elementos inerentes a essas apreciações.

2)      Quanto ao princípio da plena concorrência (parcialmente primeiro fundamento e terceiro fundamento no processo T778/16 e parcialmente primeiro e segundo fundamentos no processo T892/16)

189    Em substância, a Irlanda, a ASI e a AOE, apoiadas a este respeito pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, alegam que o princípio da plena concorrência não faz parte do direito fiscal irlandês e que uma obrigação autónoma de aplicar esse princípio não resulta do artigo 107.o TFUE, nem de nenhuma outra disposição do direito da União, nem do Acórdão de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão (C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416). A Irlanda alega que, de qualquer modo, a própria Comissão fez uma aplicação incoerente do referido princípio na medida em que não teve em conta a realidade económica, a estrutura e as particularidades do grupo Apple.

190    A Comissão, apoiada neste ponto pela República da Polónia e pelo Órgão de Fiscalização da EFTA, contesta estes argumentos alegando, em substância, que o método utilizado para determinar os lucros tributáveis nos termos do artigo 25.o do TCA 97 deve produzir uma aproximação fiável de um resultado baseado no mercado e, portanto, baseado no princípio da plena concorrência, que foi aplicado pelas Autoridades Fiscais irlandesas no passado, no âmbito da aplicação de convenções de dupla tributação.

191    Por conseguinte, há que examinar, em primeiro lugar, se a Comissão podia legitimamente basear‑se no princípio de plena concorrência a fim de verificar a existência de uma vantagem seletiva e, em segundo lugar e na afirmativa, se a Comissão aplicou corretamente o referido princípio no âmbito do seu raciocínio principal.

i)      Quanto à possibilidade de a Comissão se basear no princípio da plena concorrência para verificar a existência de uma vantagem seletiva

192    Em primeiro lugar, há que lembrar que, nos considerandos 244 a 248 da decisão recorrida, a Comissão afirmou que, na medida em que o artigo 25.o do TCA 97 não indicava de que forma devia ser determinado o lucro tributável de uma sucursal irlandesa, essa disposição devia ser aplicada utilizando um método de imputação de lucros.

193    Em segundo lugar, no considerando 249 da decisão recorrida, a Comissão indicou que, segundo o Acórdão de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão (C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416), uma redução da matéria coletável resultante de uma medida fiscal que permitia a um contribuinte utilizar preços de transferência, no âmbito de transações intragrupo, que não estavam próximos dos preços que teriam sido praticados em condições de livre concorrência entre empresas independentes que negociassem em condições comparáveis em conformidade com o princípio de plena concorrência, conferia uma vantagem seletiva a esse contribuinte, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

194    Além disso, nos considerandos 251 e 252 da decisão recorrida, a Comissão precisou que o princípio da plena concorrência visava garantir que as transações realizadas entre sociedades integradas de um mesmo grupo fossem tratadas para efeitos fiscais tendo em conta o montante do lucro que teria sido realizado se as mesmas transações tivessem sido celebradas por sociedades autónomas não integradas, sem o que as sociedades integradas do grupo teriam beneficiado de um tratamento favorável ao abrigo do sistema comum do imposto. Segundo a Comissão, no Acórdão de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão (C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416), o Tribunal de Justiça aprovou o princípio da plena concorrência como critério de referência para determinar se uma sociedade integrada do grupo beneficiava de uma vantagem seletiva na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE devido a uma medida fiscal que determinava os seus preços de transferência e, portanto, a sua base fiscal.

195    Em terceiro lugar, no considerando 255 da decisão recorrida, a Comissão indicou que o mesmo princípio se aplicava às transações internas de diferentes partes de uma mesma sociedade integrada, por exemplo, uma sucursal que efetuasse transações com as outras partes da sociedade a que pertencia. Segundo a Comissão, para que um método de imputação de lucros, aprovado por uma ruling fiscal, não proporcione uma vantagem seletiva a uma sociedade não residente que opera por intermédio de uma sucursal na Irlanda, é necessário que esse método chegue a um lucro tributável que constitua uma aproximação fiável de um resultado baseado no mercado em conformidade com o princípio da plena concorrência. No considerando 256 da decisão recorrida, acrescentou que não aplicava o princípio da plena concorrência como base para a «cobrança» de impostos que não seriam normalmente devidos no contexto do quadro de referência, mas como referência para verificar se o lucro tributável de uma sucursal era determinado de modo a que esta não recebesse um tratamento de favor em relação às sociedades não integradas cujo lucro tributável refletisse os preços negociados no mercado em condições de plena concorrência.

196    Em quarto lugar, quanto à base jurídica do referido princípio, a Comissão indicou, no considerando 255 da decisão recorrida, que não aplicava diretamente o artigo 7.o, n.o 2, ou o artigo 9.o do Modelo de Convenção Fiscal da OCDE nem as orientações fornecidas pela OCDE a respeito da imputação de lucros ou da fixação de preços de transferência, que não eram instrumentos vinculativos, mas que constituíam, porém, orientações úteis sobre a forma de assegurar que os métodos de imputação de lucros e de fixação dos preços de transferência produziam resultados conformes às condições do mercado.

197    Além disso, no considerando 257 da decisão recorrida, a Comissão indicou que o princípio da plena concorrência que aplicava decorria do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça, que vinculava os Estados‑Membros e não excluía do seu âmbito de aplicação os sistemas fiscais nacionais. Precisou que esse princípio se aplicava, portanto, independentemente do facto de o Estado‑Membro em causa ter incorporado ou não o referido princípio no seu sistema jurídico nacional.

198    A Comissão concluiu daí, nos considerandos 258 e 259 da decisão recorrida, que, se se pudesse demonstrar que os métodos de imputação de lucros aprovados pelas rulings fiscais controvertidas resultavam num lucro tributável para a ASI e para a AOE na Irlanda que se afastava de uma aproximação fiável de um resultado baseado no mercado em condições de plena concorrência, devia considerar‑se que essas rulings proporcionavam uma vantagem seletiva, na medida em que implicavam uma redução do montante do imposto sobre as sociedades na Irlanda relativamente às sociedades não integradas cuja matéria coletável era determinada pelos lucros que geravam em condições de mercado.

199    Desde logo, como resulta nomeadamente dos considerandos 258 e 259 da decisão recorrida, acima evocados no n.o 198, há que salientar que a Comissão invocou o princípio da plena concorrência para efeitos da sua análise sobre a existência de uma vantagem seletiva devida às rulings fiscais controvertidas, nomeadamente no âmbito do seu raciocínio a título principal.

200    Além disso, há que lembrar, como acima se indica no n.o 163, que o quadro de referência, relevante para efeitos da análise do critério da vantagem no caso em apreço, era constituído pelo sistema de direito comum de tributação dos lucros das sociedades na Irlanda, cujo objetivo intrínseco era tributar os lucros de todas as sociedades sujeitas a imposto nesse Estado‑Membro e, portanto, que esse quadro de referência integrava as disposições aplicáveis às sociedades não residentes previstas no artigo 25.o do TCA 97.

201    Por conseguinte, há que examinar se a Comissão podia analisar, à luz do princípio da plena concorrência, nomeadamente no âmbito do seu raciocínio a título principal, se a imputação de lucros às sucursais irlandesas da ASI e da AOE, validada pelas rulings fiscais controvertidas, tinha proporcionado uma vantagem seletiva a essas sociedades.

202    No caso das medidas fiscais, a própria existência de uma vantagem só pode ser estabelecida em relação a uma tributação dita «normal» (Acórdão de 6 de setembro de 2006, Portugal/Comissão, C‑88/03, EU:C:2006:511, n.o 56). Por conseguinte, tal medida confere uma vantagem económica ao seu beneficiário sempre que aliviar os encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa e que, deste modo, sem ser uma subvenção no sentido estrito da palavra, tiver a mesma natureza e efeitos idênticos (Acórdão de 9 de outubro de 2014, Ministerio de Defensa e Navantia, C‑522/13, EU:C:2014:2262, n.o 22).

203    Consequentemente, para determinar se existe uma vantagem fiscal, há que comparar a situação do beneficiário resultante da aplicação da medida em causa com a sua situação sem a medida em causa (v., neste sentido, Acórdão de 26 de abril de 2018, Cellnex Telecom e Telecom Castilla‑La Mancha/Comissão, C‑91/17 P e C‑92/17 P, não publicado, EU:C:2018:284, n.o 114) e com a aplicação das regras normais de tributação.

204    Em primeiro lugar, há que lembrar que, no caso, está em causa a tributação das sociedades fiscais não residentes na Irlanda que exercem uma atividade comercial nesse Estado por intermédio das suas sucursais irlandesas. Trata‑se, portanto, de determinar os lucros que devem ser imputados a essas sucursais para efeitos de imposto sobre as sociedades, no âmbito da tributação dita «normal», tendo em conta as regras de tributação normais aplicáveis no caso, como acima lembradas no n.o 200, que integram as disposições aplicáveis às sociedades não residentes previstas no artigo 25.o do TCA 97.

205    Por conseguinte, a questão relevante no caso presente não é uma questão relacionada com os preços de transações intragrupo dentro de um grupo de empresas como se colocou no processo que deu origem ao acórdão de 24 de setembro de 2019, Países Baixos e o./Comissão (T‑760/15 e T‑636/16, EU:T:2019:669).

206    É certo que a imputação de lucros a uma sucursal numa sociedade pode prestar‑se à aplicação analógica dos princípios aplicáveis aos preços de transações intragrupo no seio de um grupo de empresas. Com efeito, da mesma forma que os preços das transações intragrupo efetuadas por sociedades integradas no seio de um mesmo grupo de empresas não são determinados em condições do mercado, a imputação de lucros a uma sucursal, no seio de uma mesma sociedade, não se efetua em condições de mercado.

207    Contudo, para que essa aplicação analógica possa ser efetuada, deve decorrer do direito fiscal nacional que os lucros resultantes das atividades das sucursais de empresas não residentes devem ser tributados como se resultassem da atividade económica de empresas autónomas que operam em condições de mercado.

208    A este respeito, em segundo lugar, há que lembrar que, como acima se indica no n.o 161, do ponto de vista das condições de aplicação do regime do imposto sobre as sociedades na Irlanda, por força do artigo 25.o do TCA 97, as sociedades residentes, por um lado, e as sociedades não residentes que exercem atividades comerciais na Irlanda por intermédio de uma sucursal, por outro, encontram‑se numa situação comparável à luz do objetivo prosseguido pelo referido regime, a saber, tributar os lucros tributáveis dessas sociedades, tanto residentes como não residentes.

209    Além disso, como acima se refere no n.o 179, a análise pertinente para a aplicação do artigo 25.o do TCA 97 a fim de determinar os lucros tributáveis das sociedades não residentes que exerçam atividades comerciais na Irlanda por intermédio das suas sucursais irlandesas deve incidir sobre as atividades reais dessas sucursais irlandesas e sobre o valor das atividades efetivamente realizadas por essas mesmas sucursais.

210    Por outro lado, refira‑se que, interpelada expressamente sobre este ponto por uma questão escrita do Tribunal Geral e oralmente na audiência, a Irlanda confirmou que, para efeitos da aplicação do artigo 25.o do TCA 97, como acima evocada no n.o 209, o valor das atividades efetivamente realizadas pelas sucursais é determinado em função do valor desse tipo de atividades no mercado.

211    Daí resulta que o direito fiscal irlandês pretende tributar o lucro resultante das atividades comerciais dessa sucursal como se fosse determinado em condições de mercado.

212    Nestas condições, há que concluir que, quando, no âmbito da competência que lhe é conferida pelo artigo 107.o, n.o 1, TFUE, examina uma medida fiscal que visa os lucros tributáveis de uma sociedade não residente que exerce atividades comerciais na Irlanda por intermédio de uma sucursal, a Comissão pode comparar a carga fiscal dessa sociedade não residente resultante da aplicação da referida medida fiscal com a carga fiscal resultante da aplicação das regras de tributação normais do direito nacional a uma sociedade residente, colocada numa situação factual comparável, que exerça as suas atividades em condições de mercado.

213    Estas conclusões são corroboradas, mutatis mutandis, pelo Acórdão de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão (C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416), como acertadamente refere a Comissão na decisão recorrida. O processo que deu origem a esse acórdão dizia respeito ao direito fiscal belga, que previa que as sociedades integradas e as sociedades autónomas fossem tratadas nas mesmas condições. Com efeito, o Tribunal de Justiça reconheceu, no n.o 95 desse acórdão, a necessidade de comparar um regime de auxílios derrogatório com o do «direito comum baseado na diferença entre receitas e despesas de uma empresa que exerça as suas atividades em condições de livre concorrência».

214    Assim, se, através da medida fiscal que visa os lucros tributáveis de uma sociedade não residente que exerce atividades comerciais na Irlanda por intermédio de uma sucursal, as autoridades nacionais tiverem aceite um determinado nível dos lucros imputáveis a essa sucursal, o artigo 107.o, n.o 1, TFUE permite à Comissão verificar se esse nível dos lucros corresponde ao que teria sido obtido através do exercício dessas atividades comerciais em condições de mercado, a fim de verificar se daí resulta uma diminuição dos encargos que oneram normalmente o orçamento da empresa em causa, assim lhe conferindo uma vantagem na aceção desse artigo. O princípio da plena concorrência, conforme descrito pela Comissão na decisão recorrida, constitui então um instrumento que permite efetuar essa verificação no âmbito do exercício das suas competências ao abrigo do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

215    A Comissão indicou, aliás, com razão, no considerando 256 da decisão recorrida, que o princípio da plena concorrência intervinha como «referência» a fim de verificar se o lucro tributável de uma sucursal de uma sociedade não residente era determinado, para efeitos do imposto sobre as sociedades, de modo a que as sociedades não residentes que operam por intermédio de uma sucursal na Irlanda não beneficiassem de um tratamento de favor face às sociedades residentes autónomas, cujo lucro tributável refletia os preços negociados no mercado em condições de concorrência plena.

216    Em terceiro lugar, há que precisar ainda que, quando aplica este instrumento, a fim de verificar se o lucro tributável de uma sociedade não residente, que exerce atividades comerciais na Irlanda por intermédio de uma sucursal em aplicação de uma medida fiscal, corresponde a uma aproximação fiável de um lucro tributável gerado em condições de mercado, a Comissão só pode declarar provada a existência de uma vantagem na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE na condição de a discrepância entre os dois fatores de comparação ir além das imprecisões inerentes ao método aplicado para obter a referida aproximação.

217    Em quarto lugar, há que salientar que é certo que, como alegam a Irlanda e a ASI e a AOE, quando as rulings fiscais controvertidos foram adotadas, respetivamente em 1991 e 2007, o princípio da plena concorrência não tinha sido incorporado no direito fiscal irlandês, nem diretamente, nomeadamente através da incorporação dos princípios aplicáveis em matéria de preços de transferência, dirigidos às empresas multinacionais e às Administrações Fiscais, adotados pelo Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE em 27 de junho de 1995 e revistos em 22 de julho de 2010 (a seguir «orientações da OCDE em matéria de preços de transferência»), nem através da incorporação da abordagem autorizada da OCDE para efeitos de imputação de lucros a sucursais de sociedades não residentes.

218    Contudo, mesmo na falta de uma incorporação formal desse princípio no direito irlandês, como acima se acaba de referir nos n.os 209 e 210, a Irlanda confirmou que a aplicação pelas Autoridades Fiscais irlandesas do artigo 25.o do TCA 97 exigia, por um lado, que se identificassem as atividades reais das sucursais irlandesas em causa e, por outro, que se determinasse o valor dessas atividades em função do valor de mercado desse tipo de atividades.

219    Além disso, não se pode deixar de observar que resulta do Acórdão da High Court (Tribunal Superior), no processo Belville Holdings v. Cronin [1985] I. R. 465, invocado pela Comissão na sua resposta escrita às questões do Tribunal e cujo alcance foi debatido pelas partes na audiência, que, já em 1984, as Autoridades Fiscais irlandesas consideravam que, quando o valor declarado de uma transação entre empresas coligadas não correspondesse ao que teria resultado do comércio, esse valor devia ser ajustado de forma a corresponder a um valor de mercado. Ora, essa abordagem, validada quanto ao princípio pela High Court (Tribunal Superior), implicava ajustamentos equivalentes aos que são propostos, com base no princípio da plena concorrência, nomeadamente no âmbito das orientações da OCDE em matéria de preços de transferência.

220    Por outro lado, como refere acertadamente a Comissão, no âmbito das convenções de dupla tributação assinadas pela Irlanda com os Estados Unidos da América e com o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, foi incluído o princípio da plena concorrência, a fim de resolver situações potenciais de dupla tributação. Assim, essas convenções estabelecem os lucros que cada Estado parte nas referidas convenções pode tributar quando uma sociedade estabelecida num desses Estados exerce atividades comerciais no outro Estado através de um estabelecimento estável. Por conseguinte, há que concluir que, pelo menos no âmbito das suas relações bilaterais com esses Estados, a Irlanda aceitou aplicar o princípio da plena concorrência a fim de evitar situações de dupla tributação.

221    Em quinto lugar e em contrapartida, a Comissão não pode sustentar, como acertadamente alegam a Irlanda, a ASI e a AOE, que existe uma obrigação autónoma de aplicar o princípio da plena concorrência que resulta do artigo 107.o TFUE e que obriga os Estados‑Membros a aplicarem esse princípio de forma horizontal e em todos os domínios do seu direito fiscal nacional.

222    É certo que, não havendo normas da União na matéria, é da competência dos Estados‑Membros a determinação das matérias coletáveis e a repartição da carga fiscal entre os diferentes fatores de produção e os diferentes setores económicos (v., neste sentido, Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido, C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.o 97).

223    Embora seja certo que isso não implica que qualquer medida fiscal que afete nomeadamente a matéria coletável tida em conta pelas Autoridades Fiscais escape à aplicação do artigo 107.o TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido, C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.os 103 e 104), não é menos verdade que a Comissão não dispõe, nesta fase de desenvolvimento do direito da União, de uma competência que lhe permita definir de forma autónoma a tributação dita «normal» de uma empresa integrada, abstraindo das regras fiscais nacionais.

224    Contudo, embora a tributação dita «normal» seja definida pelas regras fiscais nacionais e a própria existência de uma vantagem deva ser demonstrada em relação a estas, não deixa de ser verdade que, embora essas regras nacionais prevejam que as sucursais das sociedades não residentes, no que respeita aos lucros resultantes das suas atividades comerciais na Irlanda, e as sociedades residentes serão tributadas nas mesmas condições, o artigo 107.o, n.o 1, TFUE permite à Comissão controlar se o nível dos lucros imputados às sucursais, aceite pelas autoridades nacionais para a determinação dos lucros tributáveis das referidas sociedades não residentes, corresponde ao nível dos lucros que teriam sido obtidos com o exercício dessas atividades comerciais em condições de mercado.

225    Nestas circunstâncias, improcedem os argumentos da Irlanda, da ASI e da AOE, invocados no âmbito do primeiro fundamento no processo T‑778/16 e nos primeiro e segundo fundamentos no processo T‑892/16, na medida em que impugnam o facto de, no caso presente, a Comissão, tendo em conta a aplicação pelas Autoridades Fiscais irlandesas do artigo 25.o do TCA 97, ter controlado, através do princípio da plena concorrência, tal como definido na decisão recorrida como instrumento, se o nível dos lucros imputados às sucursais pelas suas atividades comerciais na Irlanda, conforme aceite nas rulings fiscais controvertidas, correspondia ao nível dos lucros que teriam sido auferidos com o exercício dessas atividades em condições de mercado.

ii)    Quanto à questão de saber se a Comissão aplicou corretamente o princípio da plena concorrência no âmbito do seu raciocínio a título principal

226    A Irlanda alega, no âmbito do terceiro fundamento no processo T‑778/16, que a própria Comissão fez uma aplicação incoerente do princípio da plena concorrência no âmbito do seu raciocínio principal, na medida em que não teve em conta a realidade económica, a estrutura e as particularidades do grupo Apple.

227    A este respeito, há que lembrar o que acima se refere nos n.os 209 e 210, a saber, que a análise relevante para a aplicação do artigo 25.o do TCA 97, para determinar os lucros tributáveis das sociedades não residentes que efetuam atividades comerciais na Irlanda por intermédio das suas sucursais irlandesas, deve incidir sobre as atividades reais dessas sucursais e sobre o valor de mercado das atividades efetivamente realizadas pelas próprias sucursais.

228    Ora, no âmbito do seu raciocínio principal, a Comissão concluiu que as licenças de PI do grupo Apple detidas pela ASI e pela AOE deviam ter sido imputadas às sucursais irlandesas devido à inexistência de pessoal e de presença física dessas duas sociedades, sem tentar demonstrar que essa imputação decorria das atividades realmente efetuadas pelas referidas sucursais irlandesas. Além disso, a Comissão deduziu dessa conclusão que todos os rendimentos comerciais da ASI e da AOE deveriam ter sido considerados resultantes da atividade das sucursais irlandesas sem tentar demonstrar que esses rendimentos representavam o valor das atividades efetivamente realizadas pelas próprias sucursais.

229    Nestas circunstâncias, há que considerar procedentes os argumentos invocados pela Irlanda no âmbito do terceiro fundamento no processo T‑778/16, na medida em que contestam as conclusões a que, com base no princípio da plena concorrência, a Comissão chegou no âmbito do seu raciocínio principal.

230    Pelas razões acima indicadas no n.o 188, há que analisar seguidamente os argumentos invocados pela Irlanda, pela ASI e pela AOE contra as apreciações da Comissão no âmbito do seu raciocínio principal relativas à abordagem autorizada da OCDE.

3)      Quanto à abordagem autorizada da OCDE (parcialmente segundo e quarto fundamentos no processo T778/16 e quinto fundamento no processo T892/16)

231    Em substância, a Irlanda, a ASI e a AOE alegam que a abordagem autorizada da OCDE não faz parte do sistema fiscal irlandês, particularmente no que respeita à tributação das sociedades não residentes, prevista no artigo 25.o do TCA 97. Afirmam que, com efeito, essa disposição não se baseia na abordagem autorizada da OCDE. Por outro lado, a Irlanda, a ASI e a AOE sustentam que, mesmo admitindo que a imputação dos lucros tributáveis nos termos do artigo 25.o do TCA 97 devesse ter sido efetuada em conformidade com a abordagem autorizada da OCDE, a Comissão fez dela uma aplicação errada, na medida em que não examinou as funções efetivamente exercidas nas sucursais irlandesas da ASI e da AOE.

232    Por conseguinte, há que examinar, em primeiro lugar, se a Comissão podia legitimamente apoiar‑se na abordagem autorizada da OCDE para verificar a existência de uma vantagem seletiva e, em segundo lugar e na afirmativa, se a Comissão aplicou corretamente a referida abordagem no âmbito do seu raciocínio principal.

i)      Quanto à possibilidade de a Comissão se apoiar na abordagem autorizada da OCDE

233    Como acima indicado no n.o 202, no caso de medidas fiscais, a própria existência de uma vantagem só pode ser demonstrada em relação a uma tributação dita «normal» a fim de verificar se as referidas medidas conduzem a uma diminuição da carga fiscal dos beneficiários dessas medidas relativamente à que esses beneficiários teriam normalmente de suportar sem essas medidas.

234    Daí resulta que era em relação ao direito fiscal irlandês que a Comissão deveria verificar se as rulings fiscais controvertidas tinham levado à criação de uma vantagem e se esta era de natureza seletiva.

235    Ora, como decorre das considerações acima indicadas no n.o 196, por um lado, a Comissão indicou expressamente no considerando 255 da decisão recorrida que não aplicava diretamente o artigo 7.o, n.o 2, ou o artigo 9.o do Modelo de Convenção Fiscal da OCDE nem as orientações fornecidas pela OCDE a respeito da imputação de lucros ou da fixação de preços de transferência. Por outro lado, como acima se indica no n.o 217, a abordagem autorizada da OCDE não foi incorporada no direito fiscal irlandês.

236    Todavia, embora a Comissão tenha observado, com razão, que não pode estar formalmente vinculada pelos princípios desenvolvidos no âmbito da OCDE, e mais concretamente pela abordagem autorizada da OCDE, não é menos verdade que, no âmbito do seu raciocínio principal, nomeadamente nos considerandos 265 a 270 da decisão recorrida, se baseou, em substância, na abordagem autorizada da OCDE quando considerou que a imputação dos lucros no seio de uma sociedade pressupunha a repartição dos ativos, das funções e dos riscos entre as diferentes partes dessa sociedade. Por outro lado, a própria Comissão remete diretamente para a abordagem autorizada da OCDE para apoiar as suas considerações, por exemplo, na nota de pé de página n.o 186 da decisão recorrida.

237    A este respeito, importa salientar que a abordagem autorizada da OCDE se baseia em trabalhos realizados por grupos de peritos, que reflete o consenso alcançado à escala internacional no que respeita à imputação de lucros a estabelecimentos estáveis e que reveste, por esse facto, uma certa importância prática na interpretação das questões relativas à referida imputação de lucros, como reconheceu a Comissão no considerando 79 da decisão recorrida.

238    Por outro lado, há que recordar que, como a própria Irlanda reconhece, no n.o 123 da petição, sem impugnação da Comissão, a aplicação do artigo 25.o do TCA 97 exige que se tenha em conta o quadro factual e a situação das sucursais na Irlanda, nomeadamente as funções exercidas, os ativos utilizados e os riscos assumidos pelas sucursais. Além disso, importa igualmente recordar que, interpelada expressamente sobre este ponto por uma questão escrita do Tribunal Geral e oralmente na audiência, a Irlanda confirmou que, para determinar os lucros imputáveis às sucursais, na aceção do artigo 25.o do TCA 97, devia ser efetuada uma análise objetiva dos factos, incluindo, em primeiro lugar, a identificação das «atividades» efetuadas pela sucursal, os ativos que utiliza nas suas atividades, nomeadamente em relação aos ativos incorpóreos, como a PI, e os riscos a eles relativos que assume, e a determinação do valor desse tipo de atividades no mercado.

239    Ora, contrariamente ao que alega a Irlanda com os seus argumentos relativos às diferenças existentes entre o artigo 25.o do TCA 97 e a abordagem autorizada da OCDE, não se pode deixar de observar que, em substância, a aplicação do artigo 25.o do TCA 97, tal como descrita pela Irlanda, e a análise funcional e factual no âmbito da primeira etapa da análise proposta pela abordagem autorizada da OCDE se sobrepõem.

240    Nestas circunstâncias, a Comissão não pode ser criticada por se ter baseado, em substância, na abordagem autorizada da OCDE quando considerou que, para efeitos da aplicação do artigo 25.o do TCA 97, a imputação dos lucros à sucursal irlandesa de uma sociedade não residente devia ter em conta a repartição dos ativos, das funções e dos riscos entre a sucursal e as outras partes dessa sociedade.

ii)    Quanto à questão de saber se a Comissão aplicou corretamente a abordagem autorizada da OCDE no âmbito do seu raciocínio principal

241    A Irlanda, a ASI e a AOE, em substância, sustentam que o raciocínio principal da Comissão não está em conformidade com a abordagem autorizada da OCDE, na medida em que a Comissão considerou que os lucros relativos às licenças de PI do grupo Apple deveriam ter sido necessariamente imputados às sucursais irlandesas da ASI e da AOE, na medida em que os dirigentes da ASI e da AOE não exerceram funções ativas ou essenciais de gestão dessas licenças.

242    A esse respeito, há que lembrar que, de acordo com a abordagem autorizada da OCDE, tal como descrita, nomeadamente, nos considerandos 88 e 89 da decisão recorrida, a análise na primeira das etapas visa identificar os ativos, as funções e os riscos que devem ser imputados ao estabelecimento estável de uma sociedade, com base nas atividades realmente exercidas por esta. É certo que a análise nessa primeira fase não pode ser feita de forma abstrata, ignorando as atividades e as funções exercidas no conjunto da sociedade. Contudo, o facto de a abordagem autorizada da OCDE insistir na análise das funções realmente exercidas no estabelecimento estável contradiz a abordagem adotada pela Comissão que consiste, por um lado, em identificar as funções exercidas pela sociedade no seu conjunto, sem proceder a uma análise mais detalhada das funções realmente exercidas pelas sucursais, e, por outro, em presumir que as funções tinham sido exercidas pelo estabelecimento estável quando não pudessem ser imputadas à sede central da própria sociedade.

243    Com efeito, a título do seu raciocínio principal, a Comissão considerou, em substância, que os lucros da ASI e da AOE, relativos à PI do grupo Apple (que, segundo a teoria da Comissão, representavam uma parte muito significativa da totalidade dos lucros dessas duas sociedades), deviam ser imputados às sucursais irlandesas, pelo facto de a ASI e a AOE, fora das referidas sucursais, não terem empregados que pudessem gerir essa PI, sem com isso demonstrar que as sucursais irlandesas tinham exercido essas funções de gerência.

244    Daí resulta, como acertadamente sustentam a Irlanda, a ASI e a AOE, que a abordagem seguida pela Comissão no âmbito do seu raciocínio a título principal não está em conformidade com a abordagem autorizada da OCDE.

245    Nestas circunstâncias, como acertadamente afirmam a Irlanda, a ASI e a AOE nas suas alegações, invocadas no âmbito do segundo e quarto fundamentos no processo T‑778/16 e do quinto fundamento no processo T‑892/16, há que considerar que a Comissão aplicou erradamente, no âmbito do raciocínio principal, a análise funcional e factual das atividades efetuadas pelas sucursais da ASI e da AOE, na qual se baseia a aplicação do artigo 25.o do TCA 97 pelas Autoridades Fiscais irlandesas e que corresponde, em substância, à prevista pela abordagem autorizada da OCDE.

4)      Conclusões sobre a identificação do quadro de referência e sobre as apreciações relativas à tributação normal nos termos do direito irlandês

246    À luz destas considerações, há que concluir que a Comissão não cometeu qualquer erro quando identificou como quadro de referência, no caso presente, o sistema de direito comum de tributação dos lucros das sociedades, que integra, nomeadamente, as disposições previstas no artigo 25.o do TCA 97.

247    Além disso, a Comissão não cometeu nenhum erro quando invocou o princípio da plena concorrência enquanto instrumento, para efeitos de controlar se, na aplicação do artigo 25.o do TCA 97 pelas Autoridades Fiscais irlandesas, o nível dos lucros imputados às sucursais pelas suas atividades comerciais na Irlanda, tal como aceite nas rulings fiscais controvertidas, correspondia ao nível dos lucros que teriam sido obtidos através do exercício dessas atividades comerciais em condições de mercado.

248    Por outro lado, não merece reparo a Comissão por se ter baseado, em substância, na abordagem autorizada da OCDE ao considerar que, para efeitos da aplicação do artigo 25.o do TCA 97, a imputação dos lucros à sucursal irlandesa de uma sociedade não residente devia ter em conta a repartição dos ativos, das funções e dos riscos entre a sucursal e as outras partes dessa sociedade.

249    Refira‑se, em contrapartida, que, no âmbito do seu raciocínio a título principal, a Comissão cometeu erros no que respeita à aplicação do artigo 25.o do TCA 97, como acima se refere no n.o 187, do princípio da plena concorrência, como acima se refere no n.o 229, e da abordagem autorizada da OCDE, como acima se refere nos n.os 244 e 245. Nestas circunstâncias, há que concluir que o raciocínio da Comissão a título principal se baseou em apreciações erradas sobre a tributação normal nos termos do direito fiscal irlandês aplicável no caso presente.

250    Contudo, por razões de exaustividade, há que analisar em seguida as alegações da Irlanda, da ASI e da AOE a respeito das apreciações factuais da Comissão relativas às atividades no interior do grupo Apple.

3.      Quanto às apreciações da Comissão relativas às atividades no grupo Apple (primeiro fundamento no processo T778/16 e terceiro e quarto fundamentos no processo T892/16)

251    Como acima se refere no n.o 177, o artigo 25.o do TCA 97 visa os lucros decorrentes das atividades que as próprias sucursais irlandesas exerceram. Além disso, há que lembrar, como acima se refere no n.o 238, que a aplicação do artigo 25.o do TCA 97 exige que se tenha em conta o quadro factual e a situação das sucursais na Irlanda, nomeadamente as funções exercidas, os ativos utilizados e os riscos assumidos pelas sucursais.

252    Refira‑se ainda que a própria Comissão sublinhou, nos considerandos 91 e 92 da decisão recorrida, que a abordagem autorizada da OCDE, no que respeita à questão da imputação de bens incorpóreos, como a PI, aos estabelecimentos estáveis se baseia no conceito de funções humanas significativas ligadas à gestão do bem em questão e à tomada de decisões, nomeadamente quanto ao desenvolvimento do bem incorpóreo.

253    Por conseguinte, há que examinar as alegações da Irlanda, da ASI e da AOE no âmbito do primeiro fundamento no processo T‑778/16 e do terceiro e quarto fundamentos no processo T‑892/16 contra as apreciações factuais da Comissão relativas às atividades no interior do grupo Apple.

254    Em substância, a Irlanda, a ASI e a AOE alegam que as atividades e as funções exercidas pelas sucursais irlandesas destas últimas, identificadas pela Comissão, apenas representavam uma ínfima parte da sua atividade económica e dos seus lucros e que, de qualquer forma, essas atividades e funções não incluíram nem a gestão nem a tomada de decisões estratégicas sobre o desenvolvimento e comercialização da PI. Em contrapartida, a Irlanda, a ASI e a AOE alegam que todas as decisões estratégicas, em particular no respeitante à conceção e desenvolvimento de produtos, foram tomadas de acordo com uma estratégia comercial global determinada em Cupertino levadas a cabo pelas duas sociedades em causa, pelos seus órgãos de direção, em qualquer caso fora das sucursais irlandesas. Por conseguinte, não é justificada a imputação das licenças de PI do grupo Apple às sucursais irlandesas.

a)      Quanto às atividades da sucursal irlandesa da ASI

255    Como acima se indica no n.o 9, a sucursal irlandesa da ASI é responsável nomeadamente pela realização das atividades de compra, de venda e de distribuição, associadas à venda de produtos da marca Apple a partes ligadas e a clientes terceiros nas regiões que abrangem a região EMEIA e a região APAC.

256    Nos considerandos 289 e 290 da decisão recorrida, a Comissão fez referência ao controlo de qualidade dos produtos, à gestão das infraestruturas da R&D e aos riscos empresariais com funções que deviam ser necessariamente imputadas às sucursais irlandesas, tendo em conta o facto de a ASI e a AOE, fora das referidas sucursais, não terem pessoal que pudesse assumir essas funções.

257    Mais especificamente, a Comissão sublinhou que, na medida em que a sucursal irlandesa da ASI estava autorizada a distribuir produtos da marca Apple, as suas atividades exigiam o acesso à referida marca, que foi integralmente concedido à ASI sob a forma de licenças de PI do grupo Apple (considerando 296 da decisão recorrida).

258    Em seguida, a Comissão referiu que a sucursal irlandesa da ASI exercia um certo número de funções essenciais ao desenvolvimento e à manutenção da marca Apple nos mercados locais, bem como à fidelização dos clientes a essa marca nesses mercados. A título de exemplo, referiu que a sucursal irlandesa da ASI tinha suportado diretamente custos de marketing locais junto de fornecedores de serviços de marketing (considerando 297 da decisão recorrida). Além disso, a sucursal irlandesa da ASI era responsável pela recolha e análise dos dados regionais com vista a estabelecer as previsões da procura de produtos da marca Apple (considerando 298 da decisão recorrida). Por outro lado, a Comissão salientou que [confidencial] postos equivalentes a tempo inteiro (ETP) na categoria R&D estavam estabelecidos na Irlanda (considerando 300 da decisão recorrida).

259    Em primeiro lugar, no que se refere à imputação «por exclusão» efetuada pela Comissão, nos considerandos 289 a 295 da decisão recorrida, que consiste em imputar às sucursais irlandesas da ASI e da AOE as funções de controlo de qualidade, de gestão das infraestruturas da R&D e de gestão dos riscos de empresa, unicamente pelo facto de a ASI e a AOE não terem pessoal fora das suas sucursais irlandesas, há que lembrar as considerações acima efetuadas nos n.os 243 e 244, segundo as quais esse método não está em conformidade com o direito irlandês nem com a abordagem autorizada da OCDE. Com efeito, com este raciocínio, a Comissão não conseguiu demonstrar que essas funções tinham sido efetivamente executadas pelas sucursais irlandesas.

260    Para fundamentar a sua apreciação, a Comissão baseia‑se no anexo B do acordo de partilha dos custos conforme alterado em 2009, que inclui dois quadros, reproduzidos nos esquemas n.os 8 e 9 da decisão recorrida (considerando 122 da decisão recorrida), relativos ao conjunto das funções relevantes relativas aos bens incorpóreos que são objeto do acordo em questão e aos riscos correspondentes. Cada uma dessas funções e cada um desses riscos é associado por um «x», respetivamente, à Apple Inc. (identificado como «Apple») e à ASI e à AOE (identificadas coletivamente como «International Participant»), com exceção do registo e da proteção da PI, que apenas está associada à Apple Inc.

261    Assim, no que respeita aos bens incorpóreos que são objeto do acordo de partilha dos custos, a saber, em substância, toda a PI do grupo Apple, as funções enumeradas no anexo B do referido acordo incluem a R&D, o controlo da qualidade, a previsão, a planificação financeira e a análise ligadas às atividades de desenvolvimento, a gestão de infraestruturas de R&D, a celebração de contratos com partes coligadas ou terceiros respeitantes às atividades de desenvolvimento, a gestão administrativa dos contratos ligados às atividades de desenvolvimento, a seleção, a contratação e a supervisão do pessoal, dos contratantes e dos subcontratantes para efetuar as atividades de desenvolvimento, o registo e defesa da PI e o desenvolvimento das vendas.

262    Quanto aos riscos enumerados nesse anexo B do acordo de partilha dos custos, estes incluem, para toda a PI do grupo Apple, nomeadamente os riscos ligados ao desenvolvimento dos produtos, à qualidade dos produtos, ao desenvolvimento dos mercados, à responsabilidade decorrente dos produtos, aos ativos fixos ou corpóreos, à proteção da PI e às violações desta, bem como ao desenvolvimento e ao reconhecimento da marca e aos riscos ligados à evolução dos regimes regulamentares.

263    Como alegaram a Apple Inc. no procedimento administrativo e a ASI e a AOE no Tribunal Geral, resulta do anexo em questão que se trata de funções que as partes no acordo de partilha dos custos estavam autorizadas a exercer e dos riscos correspondentes que podiam ser levadas a assumir. Ora, a Comissão não apresentou nenhuma prova de que essas funções tivessem sido efetivamente exercidas pela ASI e pela AOE, e ainda menos pelas suas sucursais irlandesas.

264    Além disso, a Comissão alega, relativamente a essas funções e a esses riscos, que é «evidente» que a ASI e a AOE não teriam podido vigiar esses riscos sem trabalhadores fora das suas sucursais. Ora, a Comissão não apresenta nenhuma prova de que o pessoal das sucursais em questão tivesse exercido efetivamente essas funções e gerido esses riscos.

265    Por outro lado, a Irlanda, tanto no âmbito do procedimento administrativo com a Apple Inc. como no Tribunal Geral com a ASI e a AOE, alegou que a sucursal da ASI não tinha tido pessoal até 2012, ano antes do qual todo o pessoal tinha estado empregado na sucursal irlandesa da AOE. Esta informação é indicada no considerando 109 da decisão recorrida e foi confirmada na audiência. Ora, se fosse de aceitar o argumento da Comissão de que, sem pessoal, a ASI não podia exercer funções fora da sua sucursal, isso implicaria que, numa grande parte do período abrangido pelo exame da Comissão, essas funções também não poderiam ter sido exercidas pela sucursal irlandesa da ASI, que também não tinha pessoal.

266    Do mesmo modo, a Comissão baseia‑se no facto de o conselho de administração da ASI, unicamente através de reuniões ocasionais, não estar em condições de desempenhar essas funções nem assumir esses riscos. Ora, a Comissão não tentou demonstrar que os órgãos de gestão das sucursais irlandesas da ASI e da AOE tinham efetivamente exercido a gestão quotidiana ativa da totalidade das funções e dos riscos relativos à PI do grupo Apple, que são enumerados no anexo B do acordo de partilha de custos.

267    Por último, tendo em conta as atividades e os riscos enumerados no anexo B do acordo de partilha de custos, acima indicados nos n.os 261 e 262, pode‑se concluir que se trata, em substância, de todas as funções no coração do modelo económico (business model) do grupo Apple, centrado no desenvolvimento de produtos tecnológicos. No que respeita, em especial, aos riscos enumerados no referido anexo, podem ser considerados riscos‑chave, inerentes a esse modelo económico. Ora, a Comissão alega, em substância, que a sucursal irlandesa da ASI exerceu todas essas funções e assumiu todos esses riscos ligados às atividades do grupo Apple fora do continente americano, sem apresentar qualquer prova sobre o exercício e a assunção concreta dessas funções e desses riscos por essa sucursal. Tendo em conta a importância das atividades do grupo Apple fora do continente americano, que representam aproximadamente 60 % do volume de negócios do grupo, tal consideração pela Comissão não é razoável.

268    Em segundo lugar, quanto às atividades e às funções que a Comissão enumerou nos considerandos 296 a 300 da decisão recorrida como efetivamente exercidas pela sucursal irlandesa da ASI, refira‑se que, no caso presente, nenhuma dessas atividades e funções, independentemente de serem tomadas separadamente ou no seu conjunto, justifica a imputação das licenças de PI do grupo Apple a essa sucursal.

269    Assim, no que respeita ao controlo de qualidade, a ASI e a AOE alegaram, sem impugnação da Comissão nesse ponto, que milhares de pessoas trabalhavam, no mundo inteiro, na função do controlo de qualidade, ao passo que uma só pessoa trabalhava nessa função na Irlanda. Além disso, alegaram que essas funções podiam mesmo ser externalizadas no âmbito de acordos com fabricantes de equipamentos terceiros.

270    A este respeito, não se pode deixar de observar que o facto de uma função como o controlo de qualidade ser crucial para a reputação da marca Apple, cujos produtos eram distribuídos pela sucursal irlandesa da ASI, não permite concluir, na falta de melhor prova, que foi necessariamente exercida por essa sucursal.

271    No que respeita à gestão da exposição aos riscos no âmbito da atividade normal das sucursais, a Comissão invocou como único argumento que era «evidente» que, não tendo a ASI empregados, não podia controlar e vigiar os riscos comerciais. A esse respeito, basta remeter para as considerações acima expostas no n.o 266, segundo as quais cabia à Comissão provar com elementos concretos que as sucursais da ASI e da AOE tinham executado as funções, e assumido os riscos, que lhes eram imputadas. Por conseguinte, o raciocínio da Comissão, longe de chegar a um resultado evidente, não pode provar que esse tipo de funções foi efetivamente exercido pela sucursal irlandesa da ASI.

272    No que respeita à gestão de infraestruturas de R&D, a ASI e a AOE alegaram, sem impugnação da Comissão, que nenhuma pessoa empregada nas sucursais irlandesas estava encarregada dessas infraestruturas.

273    Quanto aos [confidencial] lugares ETP que constavam como empregados na função R&D, a ASI e a AOE apresentaram explicações detalhadas sobre as funções especificamente levadas a cabo por esses empregados, a saber, assegurar o respeito das normas de segurança e de proteção do ambiente na região [confidencial], a testagem dos produtos para assegurar a sua conformidade com as normas técnicas aplicáveis na região [confidencial], a assistência à equipa instalada em Cupertino na entrega dos softwares [confidencial], a tradução dos softwares para as várias línguas da região [confidencial] e apoio administrativo [confidencial]. Ora, essas atividades são de natureza claramente auxiliar e, por mais importantes que sejam, não podem ser consideradas funções‑chave que determinem a imputação das licenças da PI do grupo Apple às sucursais irlandesas em questão.

274    No que respeita aos custos de marketing local junto de fornecedores de serviços de marketing, o facto de a sucursal da ASI ter assumido esses custos não implica que esta sucursal seja responsável pela conceção da estratégia de marketing em si mesma. Com efeito, como alegam a ASI e a AOE, sem impugnação da Comissão, a sucursal irlandesa da ASI não tinha pessoal afeto à função de marketing.

275    Quanto às atividades de recolha e de análise dos dados regionais, a Irlanda, a ASI e a AOE não contestam que estas últimas participaram durante o período relevante nessas atividades. Todavia, como sustentam a Irlanda, a ASI e a AOE, sem impugnação da Comissão, essas atividades parecem ter consistido na simples recolha de dados que se destinavam a ser agrupados numa base de dados global. Ora, essas atividades de tratamento estatístico de dados parecem mais atividades auxiliares do que atividades essenciais para o conjunto das atividades comerciais da ASI. De qualquer modo, a responsabilidade relativamente a essas atividades pertencentes à recolha de dados não pode justificar a imputação das licenças de PI do grupo Apple às sucursais irlandesas.

276    Quanto às atividades relativas ao serviço AppleCare, no considerando 299 da decisão recorrida, a Comissão indicou, baseando‑se no relatório ad hoc apresentado pela Irlanda, que se tratava dos serviços pós‑venda e dos serviços ligados à reparação dos produtos da marca Apple em toda a região EMEIA, pelos quais a sucursal irlandesa da ASI era responsável. A Comissão considerou que, na medida em que o objetivo dessa função era assegurar a satisfação dos clientes, tinha uma ligação direta com a marca Apple.

277    A este respeito, há que salientar que resulta do relatório ad hoc apresentado pela Irlanda, no qual a própria Comissão se baseou, que a sucursal irlandesa da ASI exerceu várias funções qualificadas de «execução», segundo as orientações e a direção estratégica definidas nos Estados Unidos, entre as quais o serviço AppleCare. No âmbito desse serviço, as responsabilidades da sucursal da ASI foram descritas como ligadas aos programas de garantia e de reparação dos produtos da marca Apple, à gestão da rede de fornecedores de serviços de reparação e ao suporte telefónico a clientes. As funções especificamente efetuadas pela sucursal da ASI foram descritas como a recolha de dados sobre as irregularidades dos produtos, bem como a vigilância («monitoring») dessas irregularidades e dos produtos devolvidos, que eram transmitidas às equipas de análise situadas nos Estados Unidos. Além disso, indica‑se que a sucursal da ASI era responsável pela gestão dos prestadores de serviços de reparação, autorizados de forma centralizada no grupo Apple, e pela distribuição de peças para a reparação na rede de fornecedores. Essa descrição é equivalente à que consta do relatório ad hoc apresentado pela Apple Inc. A Comissão não impugnou essa descrição das tarefas exercidas pela sucursal irlandesa da ASI no âmbito do serviço AppleCare.

278    Na audiência, a ASI e a AOE confirmaram que a AppleCare consistia num serviço prestado pela sucursal irlandesa, que assumiu os custos relativos à infraestrutura e ao pessoal relativos a esse serviço. Esse pessoal estava encarregado, nomeadamente, de responder às questões dos utilizadores dos produtos da marca Apple, através de um suporte telefónico (call center).

279    À luz da descrição do serviço AppleCare, feita pela Irlanda e pela ASI e pela AOE, para a qual a Comissão remete na decisão recorrida, há que considerar que se trata de um serviço de apoio pós‑venda aos utilizadores dos produtos da marca Apple, nomeadamente através da assunção da reparação ou da troca dos produtos defeituosos. Assim, a natureza desse serviço de apoio prestado pela sucursal irlandesa é antes um auxiliar da execução da própria garantia, que é da responsabilidade da ASI. Por outro lado, tal serviço pós‑venda não está ligado à conceção, ao desenvolvimento, ao fabrico e à venda dos próprios produtos.

280    Ora, mesmo que a qualidade de um serviço pós‑venda tenha um grande impacto na perceção da marca ou possa estar na origem de melhorias introduzidas nos produtos, o exercício dessas atividades pela sucursal irlandesa da ASI não pode necessariamente implicar a imputação das licenças de PI do grupo Apple. Com efeito, os serviços pós‑venda são frequentemente externalizados não sendo por isso que a PI dessa sociedade deva ser imputada ao fornecedor externo.

281    Em terceiro lugar, a análise das atividades da sucursal irlandesa da ASI, incluindo das funções em que a Comissão se baseia para justificar a imputação das licenças de PI do grupo Apple à referida sucursal, revela que constituem funções de rotina, em execução de instruções dadas pelos dirigentes estabelecidos nos Estados Unidos e que não introduzem valor acrescentado significativo às atividades da ASI consideradas no seu conjunto. Refira‑se a esse respeito que, nomeadamente nos relatórios ad hoc apresentados pela Apple Inc. e pela Irlanda, procedeu‑se a uma análise detalhada das atividades da sucursal da ASI. Esses dois relatórios concluíram pela natureza rotineira dessas atividades, caracterizando‑as como atividades de abastecimento, de venda e de distribuição com risco limitado. Embora a Comissão conteste esta última qualificação, não impugnou enquanto tal a descrição dessas atividades e funções efetuada pela Irlanda e pela Apple Inc.

282    Em quarto lugar, a Comissão alegou que essas atividades e essas funções exercidas pela sucursal irlandesa da ASI necessitavam de acesso à marca Apple. Ora, mesmo que as atividades da sucursal irlandesa da ASI tivessem tido impacto na imagem e no prestígio da marca Apple e que o seu exercício tivesse mesmo necessidade da utilização da PI do grupo Apple, esse acesso e essa utilização da marca pela sucursal podiam ser assegurados através de licenças específicas às necessidades de utilização pela referida sucursal, sem que fosse necessária a imputação de todas as licenças da PI em questão. Por conseguinte, com os seus argumentos, a Comissão não conseguiu provar que as licenças de PI do grupo Apple detidas pela ASI devessem ser imputadas à sua sucursal.

283    Na sequência da análise das funções e das atividades efetuadas pela sucursal irlandesa da ASI, identificadas pela Comissão como as que justificam a imputação das licenças de PI do grupo Apple detidas pela ASI à referida sucursal, há que concluir que se trata de atividades auxiliares e de execução de políticas e estratégias concebidas e adotadas fora dessa sucursal, nomeadamente no que respeita à investigação, ao desenvolvimento e à comercialização dos produtos da marca Apple.

284    Nestas circunstâncias, há que concluir, à semelhança da Irlanda, da ASI e da AOE, que a Comissão considerou erradamente que as funções e as atividades efetuadas pela sucursal irlandesa da ASI justificavam a imputação a essa sucursal das licenças de PI do grupo Apple e dos rendimentos daí decorrentes.

b)      Quanto às atividades da sucursal irlandesa da AOE

285    Como acima se indica no n.o 10, a sucursal irlandesa da AOE é responsável pelo fabrico e pela montagem dos computadores de escritório IMac, dos computadores portáteis MacBook e de outros acessórios informáticos. Essas atividades são exercidas na Irlanda. Fornece os seus produtos a parceiros associados no interior do grupo Apple.

286    No que respeita à sucursal irlandesa da AOE, no considerando 301 da decisão recorrida, a Comissão refere que essa sucursal desenvolvia processos próprios e uma peritagem em matéria de fabrico e assegurava funções de seguro e de controlo de qualidade necessárias à preservação do valor da marca Apple.

287    Além disso, nos considerandos 301 e 302 da decisão recorrida, a Comissão refere que os custos cobertos pelo acordo de partilha dos custos associados a essa sucursal foram tidos em conta na ruling fiscal de 1991 e que, na ruling fiscal de 2007, tinha sido prevista como remuneração da PI uma percentagem de [confidencial] do seu volume de negócios. Com base nestes elementos, a Comissão considerou que as autoridades irlandesas deveriam ter concluído que a sucursal irlandesa da AOE participava no desenvolvimento da PI ou na gestão e no controlo das licenças de PI do grupo Apple.

288    Em primeiro lugar, as considerações acima expressas nos n.os 259 a 272 são igualmente aplicáveis à sucursal irlandesa da AOE, na medida em que a Comissão apresenta indistintamente, relativamente às sucursais irlandesas da ASI e da AOE, os seus argumentos relativos às funções de controlo de qualidade, de gestão de infraestruturas de R&D e de gestão dos riscos da empresa.

289    Em segundo lugar, no que respeita, mais especificamente, aos processos próprios e à peritagem em matéria de fabrico, as partes não impugnam a realidade do exercício dessas funções pela sucursal irlandesa da AOE. Contudo, a Irlanda, a ASI e a AOE contestam as consequências que a Comissão daí retira.

290    A este respeito, refira‑se que se trata dos procedimentos próprios e do conhecimento desenvolvidos pela própria sucursal irlandesa da AOE no âmbito das suas atividades de fabrico. Assim, mesmo que esses elementos pudessem beneficiar da proteção de certos direitos de propriedade intelectual, trata‑se de um domínio restrito e específico das atividades dessa sucursal irlandesa. Por conseguinte, isso não justifica a imputação de todas as licenças de PI do grupo Apple a essa sucursal.

291    Em terceiro lugar, como a Irlanda e a ASI e a AOE alegam e a Comissão reconhece, as rulings fiscais controvertidas tiveram em conta as contribuições da sucursal irlandesa da AOE para a PI do grupo Apple.

292    Assim, por um lado, no caso da ruling fiscal de 1991, como a Comissão indica no considerando 302 da decisão recorrida, a contribuição da sucursal irlandesa da AOE para os custos associados ao acordo de partilha de custos foi incluída entre os custos de exploração, a partir dos quais foi calculado o lucro tributável da AOE. Por conseguinte, uma parte do lucro tributável da AOE devia ser calculada tendo em conta uma parte da PI do grupo Apple. Ora, a Comissão não apresentou nenhum elemento para sustentar o seu argumento, expresso no considerando 302 da decisão recorrida, de que, pelo facto de uma parte dos custos relativos à PI do grupo Apple ter sido tida em conta para calcular o lucro tributável da AOE, as autoridades irlandesas deveriam ter imputado todas as licenças de PI do grupo Apple à sucursal irlandesa da AOE.

293    Por outro lado, no caso da ruling fiscal de 2007, a existência de uma PI própria às atividades de fabrico da sucursal irlandesa da AOE e a remuneração correspondente foram expressamente reconhecidas pela inclusão, na fórmula para o cálculo do lucro tributável da AOE, de um rendimento sobre a PI desenvolvida por essa sucursal. A esse respeito, a Comissão não apresentou nenhum elemento para sustentar o seu argumento, expresso no considerando 303 da decisão recorrida, de que, devido a essa remuneração relativa à PI desenvolvida pela sucursal irlandesa da AOE, esta participava no desenvolvimento, na gestão ou no controlo das licenças relativas a toda a PI do grupo Apple. Ora, o facto de ter sido imputada à sucursal irlandesa da AOE uma remuneração pela PI especificamente desenvolvida no âmbito das suas atividades de fabrico não implica que as licenças relativas a toda a PI do grupo Apple também lhe devam ser imputadas.

294    Por conseguinte, a Comissão não se pode basear unicamente na intervenção da sucursal irlandesa da AOE na criação de procedimentos próprios e no desenvolvimento da peritagem de fabrico dos produtos de que é responsável para concluir que os lucros ligados a toda a PI do grupo Apple deviam ter sido imputados a essa sucursal.

295    Nestas circunstâncias, há que concluir, à semelhança da Irlanda, da ASI e da AOE, que a Comissão considerou erradamente que as funções e atividades exercidas pela sucursal irlandesa da AOE justificavam que fossem imputadas a essa sucursal as licenças de PI do grupo Apple e os rendimentos daí decorrentes.

c)      Quanto às atividades fora das sucursais da ASI e da AOE

296    Como acima se refere nos n.os 37 a 40, o raciocínio principal da Comissão na decisão recorrida baseia‑se na tese de que as licenças de PI do grupo Apple detidas pela ASI e pela AOE deviam ter sido imputadas às suas sucursais irlandesas, uma vez que, fora dessas sucursais, a ASI e a AOE não tinham presença física nem empregados suscetíveis de assegurar as lugares‑chave e a gestão das licenças em questão, sendo as suas sucursais as únicas a ter uma presença tangível e empregados no interior da ASI e da AOE.

297    Há que examinar os argumentos da Irlanda, da ASI e da AOE, destinados a contestar a tese da Comissão, segundo os quais, em substância, a tomada de decisão estratégica no grupo Apple foi centralizada em Cupertino e estas últimas, através dos seus órgãos de direção, executaram essas decisões, sem que as suas sucursais irlandesas tivessem participado ativamente nessa decisão.

1)      Quanto à tomada de decisões estratégicas no grupo Apple

298    A Irlanda, a ASI e a AOE alegam que o «centro de gravidade» das atividades do grupo Apple era em Cupertino e não na Irlanda. Com efeito, todas as decisões estratégicas, especialmente no que respeita à conceção e ao desenvolvimento dos produtos do grupo Apple, foram tomadas em Cupertino, seguindo uma estratégia comercial global designada para todo o grupo. Essa estratégia centralmente decidida foi implementada pelas sociedades do grupo, nomeadamente a ASI e a AOE, as quais agiram por intermédio dos seus órgãos de direção, como qualquer outra sociedade, por força das regras do direito das sociedades aplicável.

299    A este respeito, refira‑se, nomeadamente que, no âmbito do procedimento administrativo e em apoio dos seus articulados nos presentes recursos, a ASI e a AOE apresentaram provas sobre o caráter centralizado das decisões estratégicas no interior do grupo Apple, tomadas por diretores, em Cupertino, e, em seguida, executadas em cascata pelas diferentes entidades do grupo, como a ASI e a AOE. Esses procedimentos centralizados dizem respeito, nomeadamente, à fixação dos preços, às decisões relativas à contabilidade e ao financiamento ou à tesouraria respeitantes a todas as atividades internacionais do grupo Apple, que foram adotadas de forma central sob a direção da sociedade‑mãe, a Apple Inc.

300    Mais especificamente, no que respeita às decisões no domínio R&D, que está na origem, nomeadamente, da PI do grupo Apple, a ASI e a AOE apresentaram elementos que demonstram que as decisões relativas aos produtos a desenvolver, que deviam ser posteriormente comercializados nomeadamente por elas, e à estratégia de R&D, a seguir nomeadamente por elas, tinham sido tomadas e executadas por dirigentes do grupo estabelecidos em Cupertino. Resulta igualmente dessas provas que as estratégias de lançamento dos novos produtos, nomeadamente a organização da distribuição nos mercados europeus vários meses antes da data prevista de lançamento, foram elaboradas a nível do grupo Apple, nomeadamente pelos quadros dirigentes do grupo (Executive Team) sob a direção do diretor‑geral do grupo, em Cupertino.

301    Resulta ainda dos autos que os contratos com produtores terceiros (Original Equipment Manufacturers ou OEMs), responsáveis pelo fabrico de uma grande parte dos produtos vendidos pela ASI, foram negociados e assinados pela sociedade‑mãe, Apple Inc., e pela ASI, por intermédio dos respetivos diretores, diretamente ou por procuração. A ASI e a AOE apresentaram também provas sobre as negociações e assinatura dos contratos com clientes, tais como os operadores de telecomunicações que asseguram uma grande parte das vendas a retalho dos produtos da marca Apple, nomeadamente telemóveis. Resulta destes elementos que as negociações em causa foram conduzidas por diretores do grupo Apple, no que respeita a contratos assinados, pelo grupo Apple, pela Apple Inc. e pela ASI, pelos respetivos diretores, diretamente ou por procuração.

302    Por conseguinte, na medida em que se verifica que, nomeadamente no que respeita ao desenvolvimento dos produtos do grupo Apple na origem da PI do grupo Apple, as decisões estratégicas foram tomadas para todo o grupo Apple em Cupertino, a Comissão concluiu, erradamente, que a gestão da PI do grupo Apple, cujas licenças eram detidas pela ASI e pela AOE, foi necessariamente assumida pelas suas sucursais irlandesas.

2)      Quanto à tomada de decisões pela ASI e pela AOE

303    No que respeita à capacidade da ASI e da AOE para tomar decisões que afetam as suas funções essenciais através dos seus órgãos de direção, refira‑se que a própria Comissão tomou nota da existência dos conselhos de administração e das suas reuniões regulares durante o período relevante e apresentou, nos quadros n.os 4 e 5 da decisão recorrida, extratos das atas das referidas reuniões que confirmam esses factos.

304    Ora, o facto de as atas das reuniões dos conselhos de administração não revelarem pormenores sobre as decisões relativas à gestão das licenças de PI do grupo Apple, sobre o acordo de partilha de custos e sobre as decisões comerciais importantes não pode excluir a existência dessas decisões em si mesmas.

305    À luz dos extratos das atas reproduzidas pela Comissão nos quadros n.os 4 e 5 da decisão recorrida, o seu caráter sumário é suficiente para se compreender de que modo as decisões‑chave para a sociedade no decurso de cada exercício fiscal, tais como a aprovação das contas anuais, foram adotadas e registadas nas atas das reuniões dos conselhos de administração relevantes.

306    Assim, as resoluções dos conselhos de administração, registadas nessas atas, diziam respeito, nomeadamente, de forma regular (e diversas vezes no ano), ao pagamento de dividendos, à aprovação dos relatórios dos diretores, bem como à nomeação e à demissão de diretores. Além disso, de forma mais ocasional, essas resoluções diziam respeito à constituição de filiais e à procuração que autorizava certos diretores a executarem diferentes atividades, como a gestão das contas bancárias, as relações com os governos e os organismos públicos, as auditorias, a aquisição de seguros, a locação, a compra e a venda de ativos, a receção de mercadorias e os contratos comerciais. Além disso, resulta dessas atas que foram delegados poderes muito amplos de gestão a favor de administradores individuais.

307    Além disso, no que respeita ao acordo de partilha de custos, resulta das informações apresentadas pela ASI e pela AOE que as diferentes versões deste acordo durante o período relevante foram assinadas por membros dos seus conselhos de administração, em Cupertino.

308    Por outro lado, segundo informações detalhadas fornecidas pela ASI e pela AOE, tanto no caso da ASI como no caso da AOE, apenas estava estabelecido na Irlanda um total de, respetivamente, catorze e oito diretores que fizeram parte dos conselhos de administração da ASI e da AOE em relação a cada exercício fiscal no período em que estavam em vigor as rulings fiscais controvertidas.

309    Por conseguinte, a Comissão considerou erradamente que a ASI e a AOE, através dos seus órgãos de direção, nomeadamente os seus conselhos de administração, não tinham capacidade para exercer as funções essenciais das sociedades em questão, eventualmente delegando os seus poderes em dirigentes individuais, fora do pessoal das sucursais irlandesas.

d)      Conclusões sobre as atividades no grupo Apple

310    Resulta destas considerações que, no caso, a Comissão não conseguiu demonstrar que, tendo em conta, por um lado, as atividades e as funções efetivamente exercidas pelas sucursais irlandesas da ASI e da AOE e, por outro, as decisões estratégicas tomadas e implementadas fora dessas sucursais, deviam ter sido imputadas às referidas sucursais irlandesas as licenças de PI do grupo Apple, para efeitos da determinação dos lucros anuais tributáveis da ASI e da AOE na Irlanda.

311    Nestas circunstâncias, são procedentes as alegações da Irlanda no âmbito do primeiro fundamento no processo T‑778/16 e da ASI e da AOE no âmbito do terceiro e quarto fundamentos no processo T‑892/16, contra as apreciações factuais da Comissão sobre as atividades das sucursais irlandesas da ASI e da AOE e as atividades fora das referidas sucursais.

4.      Conclusão sobre a apreciação da Comissão relativa à existência de uma vantagem seletiva com base no seu raciocínio a título principal

312    Em face do que acima se observa no n.o 249 quanto às apreciações erradas da Comissão sobre a tributação normal nos termos do direito fiscal irlandês aplicável no caso presente, bem como o que acima se observa no n.o 310 quanto às apreciações erradas da Comissão no que respeita às atividades no grupo Apple, há que julgar procedentes os fundamentos relativos ao facto de, no âmbito do seu raciocínio principal, a Comissão não ter conseguido demonstrar que, ao adotar as rulings fiscais controvertidas, as Autoridades Fiscais irlandesas concederam uma vantagem à AOI e à ASI, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

313    Por conseguinte, não é necessário examinar os fundamentos que contestam, no âmbito do raciocínio principal, as apreciações da Comissão sobre a seletividade das medidas em causa e a falta de justificação para estas.

314    Assim, há que examinar seguidamente os fundamentos invocados pela Irlanda, e pelas ASI e AOE que contestam as apreciações feitas pela Comissão no âmbito dos raciocínios a título subsidiário e a título alternativo na decisão recorrida.

E.      Quanto aos fundamentos que contestam as apreciações feitas pela Comissão no âmbito do raciocínio a título subsidiário (quarto fundamento no processo T778/16 e oitavo fundamento no processo T892/16)

315    No âmbito do seu raciocínio a título subsidiário na decisão recorrida (considerandos 325 a 360), a Comissão sustentou que, mesmo que as Autoridades Fiscais irlandesas tivessem tido razão ao aceitar que as licenças de PI do grupo Apple detidas pela ASI e pela AOE não devessem ser imputadas às suas sucursais irlandesas, os métodos de imputação dos lucros aprovados nas rulings fiscais controvertidas teriam conduzido, ainda assim, a um resultado que se afastava de uma aproximação fiável de um resultado baseado no mercado segundo o princípio da plena concorrência, pelo facto de esses métodos subavaliarem o lucro anual tributável da ASI e da AOE na Irlanda.

316    Mais precisamente, nos considerandos 328 a 330 da decisão recorrida, a Comissão sustentou que os métodos de imputação de lucros aprovados nas rulings fiscais controvertidas constituíam métodos unilaterais de imputação de lucros que se assemelhavam ao método transacional da margem líquida (a seguir «MTML»), conforme previsto nas orientações da OCDE em matéria de preços de transferência.

317    Ora, segundo a Comissão, os métodos de imputação de lucros aprovados pelas rulings fiscais controvertidas enfermam de erros, relativos, em primeiro lugar, à escolha das sucursais irlandesas da ASI e da AOE como ponto central ou «parte testada» dos métodos unilaterais de imputação dos lucros (considerandos 328 a 333 da decisão recorrida), em segundo lugar, à escolha dos custos de exploração como indicador do nível de lucros (considerandos 334 a 345 da decisão recorrida) e, em terceiro lugar, devido aos níveis de remuneração aceites (considerandos 346 a 359 da decisão recorrida). Cada um desses erros implicou, segundo a Comissão, uma redução da carga fiscal dessas sociedades na Irlanda em relação às sociedades não integradas cujo lucro tributável refletisse os preços negociados no mercado em condições de plena concorrência (considerando 360 da decisão recorrida).

318    Assim, não se pode deixar de observar que o conjunto das apreciações da Comissão no âmbito do seu raciocínio subsidiário se destinam a demonstrar a existência de uma vantagem que teria sido concedida à ASI e à AOE pelo facto de os métodos de imputação dos lucros, validados pelas rulings fiscais controvertidas, não terem conduzido a lucros de plena concorrência.

319    Refira‑se, a esse respeito, que o mero incumprimento de prescrições metodológicas, nomeadamente no âmbito das orientações da OCDE em matéria de preços de transferência, não basta para concluir que o lucro calculado não é uma aproximação fiável de um resultado de mercado e, ainda menos, que o lucro calculado é inferior ao lucro que deveria ter sido obtido se o método de determinação dos preços de transferência tivesse sido corretamente aplicado. Assim, um simples erro metodológico não basta, por si só, para demonstrar que as medidas fiscais controvertidas conferiram uma vantagem aos beneficiários das referidas medidas. Com efeito, é ainda necessário que a Comissão demonstre que os erros metodológicos identificados conduziram a uma redução do lucro tributável e, portanto, da carga fiscal suportada por esses beneficiários, comparativamente à que teriam suportado em aplicação das regras de tributação normais do direito nacional sem as medidas fiscais em questão.

320    É à luz destas considerações que devem ser analisados os argumentos da Irlanda, da ASI e da AOE contra as apreciações da Comissão acima resumidas nos n.os 315 a 317.

321    A Irlanda, a ASI e a AOE apresentam, em primeiro lugar, alegações contra as apreciações da Comissão sobre a aplicação da MTML e sobre o facto de esta se ter baseado em instrumentos desenvolvidos no âmbito da OCDE. Em seguida, a Irlanda, a ASI e a AOE contestam os três erros metodológicos especificamente suscitados pela Comissão, a saber, os relativos à escolha das sucursais irlandesas da ASI e da AOE como «parte testada» dos métodos de imputação de lucros, a escolha dos custos de exploração como indicador do nível dos lucros e os níveis de remuneração aceites nas rulings fiscais controvertidas.

1.      Quanto à apreciação dos métodos de imputação dos lucros avalizados pelas rulings fiscais controvertidas à luz da MTML

322    As partes estão em desacordo, em substância, quanto à questão de saber em que medida a Comissão poderia ter invocado, para efeitos do seu raciocínio a título subsidiário, o princípio da plena concorrência, como previsto nas orientações da OCDE em matéria de preços de transferência, para as quais remete a abordagem autorizada da OCDE. Mais especificamente, opõem‑se quanto à questão de saber se a Comissão podia utilizar a MTML, conforme prevista nomeadamente nas referidas orientações, para verificar se o método de imputação de lucros avalizado pelas rulings fiscais controvertidas teria conduzido a lucros tributáveis da ASI e da AOE inferiores aos de uma sociedade que se encontrasse numa situação comparável.

323    Em primeiro lugar, no que respeita à aplicação da abordagem autorizada da OCDE, há que recordar as considerações acima indicadas nos n.os 233 a 245. Assim, em substância, embora a abordagem autorizada da OCDE não tenha sido incorporada no direito fiscal irlandês, a forma como o artigo 25.o do TCA 97 é aplicado pelas Autoridades Fiscais irlandesas coincide, no essencial, com a análise proposta pela abordagem autorizada da OCDE. Com efeito, por um lado, a aplicação do artigo 25.o do TCA 97, tal como descrita pela Irlanda na petição e como confirmada na audiência, exige, antes de mais, uma análise das funções exercidas, dos ativos utilizados e dos riscos assumidos pelas sucursais, o que, em substância, corresponde à primeira etapa da análise proposta pela abordagem autorizada da OCDE. Por outro lado, quanto à segunda etapa dessa análise, há que lembrar que a abordagem autorizada da OCDE remete para as orientações da OCDE em matéria de preços de transferência. A este respeito, a Irlanda, a ASI e a AOE não impugnam a afirmação da Comissão, que figura nomeadamente no considerando 265 da decisão recorrida, de que os métodos de imputação de lucros validados pelas rulings fiscais controvertidas pareciam os métodos unilaterais de fixação de preços de transferência, indicados nas orientações da OCDE em matéria de preços de transferência, como a MTML.

324    Refira‑se, em segundo lugar, que, no âmbito do procedimento administrativo, a Irlanda e a Apple Inc. apresentaram relatórios ad hoc, elaborados pelos respetivos consultores fiscais, que se apoiavam precisamente na MTML para demonstrar que os lucros tributáveis da ASI e da AOE na Irlanda, que foram efetivamente declarados na Irlanda com base nas rulings fiscais controvertidas, estavam incluídos num intervalo de plena concorrência. Ora, a Irlanda, a ASI e a AOE não podem criticar a Comissão por se ter baseado na abordagem autorizada da OCDE e de utilizar a MTML no âmbito do seu raciocínio subsidiário, quando elas próprias o invocaram no âmbito do procedimento administrativo.

325    Em face do exposto, há que julgar improcedentes as alegações contra a utilização pela Comissão do MTML, conforme prevista, nomeadamente, nas orientações da OCDE em matéria de preços de transferência, a fim de verificar se o método de imputação de lucros avalizado pelas rulings fiscais controvertidas tinha conduzido a uma redução da carga fiscal da ASI e da AOE.

326    Nestas circunstâncias, há que examinar seguidamente os argumentos da Irlanda, da ASI e da AOE relativos à aplicação da MTML pela Comissão no âmbito do seu raciocínio a título subsidiário, a fim de examinar se esta conseguiu demonstrar que as rulings fiscais controvertidas tinham conferido uma vantagem à ASI e à AOE.

327    A esse respeito, as partes opõem‑se quanto às conclusões da Comissão relativas a três erros no método de imputação de lucros avalizado pelas rulings fiscais controvertidas, no respeitante, primeiro, à escolha das sucursais como partes testadas, segundo, à escolha dos custos de exploração como indicador do nível dos lucros e, terceiro, aos níveis das remunerações aceites.

2.      Quanto à escolha das sucursais irlandesas da ASI e da AOE como «parte testada» na aplicação dos métodos de imputação de lucros

328    Há que lembrar que, nos considerandos 328 a 333 da decisão recorrida, a Comissão referiu que, mesmo admitindo que as licenças da PI do grupo Apple tivessem sido corretamente imputadas às sedes centrais da ASI e da AOE, estas não podiam exercer funções complexas sem pessoal nem presença física. Em contrapartida, segundo a Comissão, as sucursais irlandesas tinham exercido funções ligadas à PI que eram essenciais à promoção e ao reconhecimento da marca na região EMEIA. A Comissão deduziu daí que as sucursais irlandesas da ASI e da AOE tinham sido erradamente escolhidas como partes testadas.

329    Refira‑se, a esse respeito, que a MTML constitui um método unilateral de determinação dos preços de transferência. Consiste em determinar, a partir de uma base adequada, o lucro líquido realizado por um contribuinte no âmbito de uma transação controlada ou de transações controladas estreitamente ligadas ou contínuas. Para determinar essa base adequada, há que escolher um indicador do nível dos lucros, tais como os custos, as vendas ou os ativos. O indicador do lucro líquido obtido pelo contribuinte numa transação controlada deve ser determinado por referência ao indicador do lucro líquido que o mesmo contribuinte ou uma empresa independente realiza em transações comparáveis no mercado livre. A MTML implica, portanto, que se identifique uma parte na transação para a qual é testado um indicador. Trata‑se da «parte testada».

330    Além disso, segundo as Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência de 2010, para as quais a Comissão remete, nomeadamente nos considerandos 94 e 255 da decisão recorrida, enquanto orientações úteis, nas quais se apoiam igualmente os relatórios ad hoc apresentados pela Irlanda e pela Apple Inc., a escolha da parte testada deve ser compatível com a análise funcional da transação. Por outro lado, indica‑se que, regra geral, a parte testada é aquela a quem pode ser aplicado um método de preço de transferência da forma mais fiável e para a qual podem ser identificados os dados comparáveis mais fiáveis. Será, na maior parte dos casos, aquela cuja análise funcional seja menos complexa.

331    Em primeiro lugar, há que salientar que, na decisão recorrida, nomeadamente no seu considerando 333, a Comissão se limitou a afirmar que o erro quanto à determinação da entidade a testar tinha conduzido a uma diminuição do lucro tributável da ASI e da AOE.

332    Ora, como acima se indica no n.o 319, o simples incumprimento de prescrições metodológicas na aplicação de um método de imputação de lucros não basta para concluir que o lucro calculado não é uma aproximação fiável de um resultado de mercado e, ainda menos, que o lucro calculado é inferior ao lucro que deveria ter sido obtido se o método de determinação dos preços de transferência tivesse sido corretamente aplicado.

333    Por conseguinte, a simples constatação pela Comissão de um erro metodológico relativo à escolha da parte testada no âmbito dos métodos de imputação de lucros às sucursais irlandesas da ASI e da AOE validados pelas rulings fiscais controvertidas, mesmo admitindo‑a demonstrada, não basta, por si só, para demonstrar que as referidas rulings fiscais conferiram uma vantagem à ASI e à AOE. Com efeito, era ainda necessário que a Comissão demonstrasse que esse erro tinha conduzido a uma redução do lucro tributável dessas duas sociedades, que não teriam obtido sem essas rulings. Ora, no caso, a Comissão não apresentou prova de que a escolha das sucursais irlandesas da ASI e da AOE como partes testadas tinha conduzido a uma redução do lucro tributável dessas sociedades.

334    Em segundo lugar e em todo o caso, há que referir que, no âmbito da MTML, é necessário escolher previamente uma parte a testar, nomeadamente em função das funções exercidas por essa parte, para se poder calcular seguidamente a remuneração no âmbito de uma transação ligada a essas funções. O facto de ser normalmente a parte que exerce as funções menos complexas que é escolhida não prejudica as funções realmente exercidas pela parte escolhida nem a determinação da remuneração dessas funções.

335    Com efeito, as orientações da OCDE em matéria de preços de transferência não impõem que parte na transação deve ser escolhida, recomendando sim a escolha da empresa na qual podem ser identificados dados fiáveis sobre as transações mais estreitamente comparáveis. Precisa‑se seguidamente que isso implica frequentemente escolher a empresa associada menos complexa das empresas envolvidas na transação e que não possua ativos incorpóreos de valor ou ativos únicos. Decorre daí que as orientações não impõem necessariamente a escolha da entidade menos complexa, apenas aconselhando que se escolha a entidade relativamente à qual existem mais dados fiáveis.

336    Assim, desde que as funções da parte testada tenham sido corretamente identificadas e a remuneração dessas funções tenha sido corretamente calculada, o facto de uma parte ou outra ter sido escolhida como parte testada é irrelevante.

337    Em terceiro lugar, há que lembrar que a Comissão baseou o seu raciocínio a título subsidiário na premissa de que as licenças de PI do grupo Apple foram imputadas corretamente às sedes centrais da ASI e da AOE.

338    A esse respeito, como acertadamente sublinham a Irlanda, a ASI e a AOE, há que observar que a PI constitui o principal ativo de uma empresa, como o grupo Apple, cujo modelo económico se apoia essencialmente nas inovações tecnológicas. Essa PI pode, portanto, ser considerada, no caso presente, um ativo único, à luz das orientações da OCDE em matéria de preços de transferência.

339    Ora, como resulta da abordagem autorizada da OCDE, em princípio, no caso de uma empresa como o grupo Apple, o simples facto de uma das partes ser titular da PI implica o exercício de funções humanas significativas em relação a esse ativo incorpóreo, tais como a tomada ativa de decisões quanto à implementação do programa de desenvolvimento na origem dessa PI e a sua gestão ativa. A imputação da PI a uma parte da empresa pode, portanto, ser considerada um indício do exercício de funções complexas por essa parte.

340    Daí resulta que a Comissão não pode alegar, no seu raciocínio a título subsidiário, que a PI do grupo Apple era corretamente imputada às sedes da ASI e da AOE e, ao mesmo tempo, que foram as sucursais irlandesas dessas duas sociedades que exerceram as funções mais complexas relativamente a essa PI, sem apresentar nenhuma prova do exercício efetivo dessas funções complexas pelas referidas sucursais.

341    Em contrapartida, como acima se observa nos n.os 281 e 290, a Comissão não logrou demonstrar no caso presente que essas sucursais tinham efetivamente exercido funções e tomado decisões determinantes para a PI do grupo Apple, nomeadamente quanto à sua conceção, à sua criação e ao seu desenvolvimento.

342    Refira‑se, em quarto lugar, que as rulings fiscais controvertidas se baseiam nas descrições das funções das sucursais irlandesas da ASI e da AOE efetuadas nos pedidos dirigidos pelo grupo Apple às Autoridades Fiscais irlandesas. Como resulta dos considerandos 54 a 57 da decisão recorrida, essas funções consistem na compra, venda e distribuição de produtos da marca Apple a partes associadas e a clientes terceiros na região EMEIA, no caso da sucursal da ASI, e no fabrico e montagem de uma gama especializada de produtos informáticos na Irlanda, no caso da sucursal da AOE.

343    Ora, não se pode deixar de observar que essas funções podem, à primeira vista, ser consideradas facilmente identificáveis e não particularmente complexas. Em todo o caso, não constituem funções de caráter único e específico para as quais sejam dificilmente identificáveis dados comparáveis. Pelo contrário, trata‑se de funções correntes e de caráter relativamente padrão nas relações comerciais entre empresas.

344    É certo que as informações apresentadas pelo grupo Apple às Autoridades Fiscais irlandesas antes da adoção das rulings fiscais controvertidas eram muito sucintas quanto às funções, aos ativos e aos riscos das sucursais irlandesas da ASI e da AOE. Com efeito, as rulings fiscais controvertidas foram adotadas na sequência do envio pelos consultores fiscais do grupo Apple às Autoridades Fiscais irlandesas de algumas cartas sumárias nas quais descreveram sucintamente as atividades das sucursais da ASI e da AOE e propuseram uma metodologia para calcular os lucros tributáveis dessas duas sociedades na Irlanda. O conteúdo dessas trocas é bastante vago e revela que as discussões entre as Autoridades Fiscais irlandesas e os consultores fiscais do grupo Apple, em dois encontros, foram decisivas para efeitos da determinação do lucro tributável dessas sociedades, sem que tenha sido documentada uma análise objetiva e detalhada sobre as funções das sucursais e sobre a avaliação dessas funções.

345    Assim, ao contrário dos relatórios ad hoc que foram apresentados pela Irlanda e pela Apple Inc. ex post facto no âmbito do procedimento administrativo, não foi fornecido às Autoridades Fiscais irlandesas qualquer relatório sobre a imputação dos lucros nem nenhuma informação suplementar antes da adoção das rulings fiscais controvertidas.

346    Por outro lado, como confirmado na audiência, as informações relativas às atividades das sucursais irlandesas da ASI e da AOE fornecidas em preparação da ruling fiscal de 1991 não foram completadas de forma significativa antes da adoção da ruling fiscal de 2007 nem foram posteriormente atualizadas.

347    Esta falta de provas apresentadas às Autoridades Fiscais irlandesas relativamente às funções efetivamente executadas pelas sucursais irlandesas e à avaliação destas para efeitos da determinação do lucro imputável às referidas sucursais pode ser considerada uma falha metodológica na aplicação do artigo 25.o do TCA 97, que exige, desde logo, a execução de uma análise das funções exercidas, dos ativos utilizados e dos riscos assumidos pelas sucursais.

348    Contudo, por muito lamentável que seja esta falha metodológica, a Comissão, em sede de controlo dos auxílios de Estado ao abrigo do artigo 107.o TFUE, não pode, por seu turno, limitar‑se a alegar que a escolha das sucursais irlandesas da ASI e da AOE como partes testadas na aplicação do método de imputação de lucros foi errada, sem provar que as funções efetivamente exercidas por essas sucursais constituíam funções particularmente complexas, únicas ou dificilmente individualizadas, de modo que não tivessem sido identificados ou fiáveis dados comparáveis e que, portanto, a imputação daí resultante fosse necessariamente errada.

349    Por outro lado e em todo o caso, mesmo admitindo demonstrado esse erro no método de imputação de lucros, como acima se expõe nos n.os 319 e 332, a Comissão tem que provar que a imputação dos lucros em questão levou a um aligeiramento da carga fiscal das sociedades em causa comparativamente à que teriam suportado se não existissem as rulings fiscais controvertidas, tendo assim sido efetivamente concedida uma vantagem.

350    Ora, a Comissão não apresentou qualquer prova no âmbito do seu raciocínio subsidiário destinado a demonstrar que essa falha metodológica, relativa à falta de informações apresentadas às Autoridades Fiscais irlandesas, levou a uma redução da matéria coletável da ASI e da AOE devido à aplicação das rulings fiscais controvertidas.

351    À luz destas considerações, há que julgar procedentes as alegações da Irlanda, da ASI e da AOE contra as considerações da Comissão sobre a escolha errada das sucursais irlandesas da ASI e da AOE como partes testadas na aplicação dos métodos de imputação de lucros nos quais se basearam as rulings fiscais controvertidas.

3.      Quanto à escolha dos custos de exploração como indicador do nível dos lucros

352    A título preliminar, há que lembrar que, no âmbito das rulings fiscais controvertidas (v. n.os 12 a 21, supra), os lucros tributáveis das sucursais irlandesas foram calculados como margem sobre os custos de exploração.

353    Nos considerandos 334 a 345 da decisão recorrida, a Comissão alegou que, admitindo que as sucursais irlandesas pudessem ter sido consideradas as partes testadas, para efeitos do método unilateral de imputação de lucros, a escolha dos custos de exploração das referidas sucursais como indicador do nível dos lucros estava errada. Segundo a Comissão, o indicador do nível dos lucros no âmbito de um método unilateral de imputação de lucros deve refletir as funções executadas pela parte testada, o que não era o caso. Com efeito, a Comissão sustentou que as vendas da ASI, e não os custos de exploração da sua sucursal irlandesa, estavam em melhores condições para refletir as atividades e os riscos assumidos pela sucursal irlandesa e, portanto, a sua contribuição para o volume de negócios da ASI.

354    Consequentemente, a Comissão concluiu (considerando 345 da decisão recorrida) que, devido à utilização dos custos de exploração como indicador do nível dos lucros no âmbito do método de imputação de lucros validado pelas rulings fiscais controvertidas, os lucros tributáveis da ASI e da AOE na Irlanda não refletiam uma aproximação fiável de um resultado baseado no mercado, segundo o princípio da plena concorrência. Por este motivo, em seu entender, as Autoridades Fiscais irlandesas tinham conferido uma vantagem seletiva à ASI e à AOE em relação às sociedades não integradas, cujo lucro tributável refletia os preços negociados no mercado em condições de plena concorrência.

a)      Quanto à escolha dos custos de exploração enquanto indicador do nível dos lucros da sucursal irlandesa da ASI

355    No que respeita especificamente à sucursal irlandesa da ASI (considerando 336 da decisão recorrida), a Comissão considerou que era inadequado basear‑se nos custos de exploração, que são «em geral» indicados para analisar os lucros de distribuidores de baixo risco. Sustentou que a sucursal irlandesa da ASI não era um distribuidor desse tipo, na medida em que essa sucursal tinha assumido riscos ligados ao volume de negócios, às garantias e aos terceiros contratantes.

356    Refira‑se, desde logo, que a Comissão não indicou especificamente em que fonte se baseava para essa afirmação. Além disso, a utilização da expressão «em geral» indica que não excluía a possibilidade de os custos de exploração serem utilizados como indicador do nível dos lucros em determinadas situações.

357    Para além da falta de precisão da tese defendida pela Comissão, refira‑se que essa tese não respeita as orientações da OCDE em matéria de preços de transferência, nas quais a Comissão se baseou no seu raciocínio a título subsidiário, como acertadamente sustentam a Irlanda, a ASI e a AOE. Com efeito, decorre do ponto 2.87 dessas orientações que o indicador do nível dos lucros deve centrar‑se no valor das funções da parte testada, tendo em conta os seus ativos e os seus riscos. Por conseguinte, segundo essas orientações, a escolha do indicador do nível dos lucros não está fixada para qualquer tipo de funções, desde que esse indicador reflita o valor das funções em questão.

358    Em todo o caso, há que examinar se a Comissão conseguiu demonstrar que a escolha dos custos de exploração enquanto indicador do nível dos lucros não era adequada no caso e, na medida em que os riscos assumidos pelas sucursais devem ser tidos em conta, se concluiu corretamente que a sucursal irlandesa da ASI tinha assumido riscos ligados ao volume de negócios, às garantias e aos terceiros contratantes.

1)      Quanto ao indicador adequado do nível dos lucros

359    Nos considerandos 340 e 341 da decisão recorrida, a Comissão sustentou que a escolha dos custos de exploração enquanto indicador do nível dos lucros não era adequada, na medida em que não refletia adequadamente os riscos assumidos e as atividades realizadas pela sucursal irlandesa da ASI e que as vendas eram um indicador mais adequado. Sustentou que, pelas mesmas razões, a ratio de Berry utilizada nos relatórios ad hoc apresentados pela Irlanda e pela Apple Inc. não era adequada para determinar uma remuneração de plena concorrência pelas funções executadas pela referida sucursal.

360    Refira‑se, em primeiro lugar, que a Comissão baseia as suas conclusões, em substância, na tese de que se deve considerar que a sucursal irlandesa da ASI assumiu os riscos e desempenhou as funções inerentes às atividades da ASI, na medida em que esta não o poderia ter feito sem pessoal e sem presença física.

361    A este respeito, há que recordar as considerações acima expostas, no âmbito do exame do raciocínio a título principal, no n.o 259, segundo as quais a imputação de funções, e portanto dos lucros, «por exclusão», a uma sucursal não está em conformidade com o direito irlandês nem com a abordagem autorizada da OCDE, na medida em que essa análise não permite demonstrar que essas funções foram efetivamente executadas pelas sucursais irlandesas.

362    Por conseguinte, para demonstrar que a escolha dos custos de exploração da sucursal irlandesa da ASI enquanto indicador do nível dos seus lucros estava errada, a Comissão não podia imputar funções e riscos assumidos pela ASI à sua sucursal irlandesa sem demonstrar que esta última tinha efetivamente exercido essas funções e assumido esses riscos.

363    Em segundo lugar, refira‑se que, no considerando 342 da decisão recorrida, a própria Comissão remete para o ponto 2.87 das orientações da OCDE em matéria de preços de transferência. Ora, como acima se refere no n.o 357, essas orientações preveem que tanto as vendas como os custos de exploração podem constituir um indicador adequado do nível dos lucros.

364    Mais precisamente, indica‑se no ponto 2.87 das Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência que a escolha do indicador do nível dos lucros deve ser relevante para a demonstração do valor das funções da parte testada na transação examinada, tendo em conta os seus ativos e os seus riscos.

365    Ora, a Comissão, ao indicar, nos considerandos 337 e 338 da decisão recorrida, que a utilização dos custos de exploração como indicador do nível dos lucros não reflete os riscos ligados ao volume de negócios, às garantias e aos produtos tratados por terceiros contratantes e que o volume de vendas é mais adequado enquanto indicador do nível dos lucros, não responde à questão de saber se os custos de exploração refletem adequadamente o valor do contributo da sucursal irlandesa da ASI tendo em conta as funções, os ativos e os riscos assumidos por essa sucursal. Com efeito, a Comissão limita‑se unicamente a indicar que as vendas da ASI eram um indicador adequado do nível dos lucros, sem demonstrar por que razão, no caso, os custos de exploração da sua sucursal não podiam refletir o valor com que essa sucursal tinha contribuído para as atividades da sociedade pelas funções, pelos riscos e pelos ativos de que era efetivamente responsável na referida sociedade.

366    Em terceiro lugar, no que respeita à aplicação da ratio de Berry, há que lembrar que foi utilizado no âmbito dos relatórios ad hoc apresentados pela Irlanda e pela Apple Inc., como indicador do nível dos lucros a fim de provar ex post facto que os lucros imputados à ASI e à AOE por força das rulings fiscais controvertidas tinham sido incluídos em intervalos de concorrência plena.

367    Ora, no considerando 340 da decisão recorrida, a Comissão rejeitou a utilização dessa ratio como ratio financeira para calcular a remuneração de plena concorrência no caso presente. A Comissão sustentou que as situações em que a ratio de Berry podia ser utilizada, segundo as orientações da OCDE em matéria de preços de transferência, não correspondiam à situação da sucursal irlandesa da ASI.

368    Refira‑se, a esse respeito, que, no ponto 2.101 das Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência, para as quais remete a Comissão no considerando 342 da decisão recorrida, se indica que, para que a ratio de Berry seja adequada para testar a remuneração de uma transação controlada, é necessário que, em primeiro lugar, o valor das funções exercidas na transação controlada seja proporcional aos custos de exploração, em segundo lugar, que o valor das funções exercidas na transação controlada não seja sensivelmente afetado pelo valor dos produtos distribuídos, ou seja, não seja proporcional ao volume de negócios, e, em terceiro lugar, que o contribuinte não exerça, no âmbito de transações controladas, outras funções significativas (de produção, por exemplo) que devam ser remuneradas utilizando outro método ou outro indicador financeiro.

369    Desde logo, não se pode deixar de referir que, na decisão recorrida, a Comissão não alegou que o valor dos custos de exploração tido em conta nas rulings fiscais controvertidas não era proporcional ao valor das funções exercidas pela sucursal irlandesa da ASI, conforme descritas nos considerandos 54 e 55 da decisão recorrida. Não se pode deixar de observar que a Comissão não apresentou argumentos nem prova da não consideração da totalidade dos custos que deveriam ter sido considerados custos de exploração e que essa não consideração levou a uma vantagem seletiva para a ASI e para a AOE. Também não tentou demonstrar que o valor atribuído aos custos que tinham sido tidos em conta era demasiado baixo e que daí tinha resultado uma vantagem seletiva. Com efeito, limitou‑se a contestar o próprio princípio da consideração dos custos de exploração enquanto indicador do nível dos lucros.

370    Seguidamente, há que referir a inexistência de ligação entre os custos de exploração da sucursal irlandesa da ASI e o volume de negócios dessa sociedade. Esta falta de correlação foi reconhecida pela própria Comissão no considerando 337 da decisão recorrida.

371    Por último, há que lembrar as considerações acima expostas nos n.os 342 e 343, no que respeita ao caráter não complexo e facilmente identificável das funções exercidas pela sucursal irlandesa da ASI. Com efeito, essa sucursal exerceu essencialmente funções de distribuição. Não foi responsável por funções de fabrico nem por outras funções complexas, nomeadamente relacionadas com o desenvolvimento tecnológico ou com a PI.

372    Por conseguinte, ao contrário do que afirma a Comissão, as condições para a aplicação da ratio de Berry, indicadas nas orientações da OCDE em matéria de preços de transferência, estão reunidas no caso da sucursal irlandesa da ASI.

373    À luz destas considerações, há que concluir que a Comissão não conseguiu demonstrar que a escolha dos custos de exploração não era adequada enquanto indicador do nível dos lucros para a sucursal irlandesa da ASI.

374    De qualquer forma, admitindo que se pudesse sustentar, como afirma a Comissão no considerando 336 da decisão recorrida, que os custos de exploração só podem servir de indicador do nível dos lucros para os distribuidores «de baixo risco», há que examinar se as Autoridades Fiscais irlandesas podiam considerar que a sucursal irlandesa da ASI não tinha assumido os riscos que, segundo a Comissão, lhe deveriam ter sido imputados.

2)      Quanto ao risco ligado ao volume de negócios

375    No considerando 337 da decisão recorrida, a Comissão referiu que a ASI tinha assumido o risco ligado ao volume de negócios e que, na medida em que a sua sede não tinha pessoal para gerir esses riscos, «[era] necessário partir do princípio» de que a sucursal irlandesa tinha assumido esses riscos. Acrescentou que a escolha dos custos de exploração não refletia esse risco, o que era sustentado pelo facto de os custos de exploração terem permanecido relativamente estáveis durante o período relevante, ao passo que o volume de negócios tinha aumentado exponencialmente.

376    Antes de mais, não se pode deixar de observar que a tese da Comissão se baseia numa suposição segundo os próprios termos da decisão recorrida.

377    Refira‑se, seguidamente, que a Comissão não conseguiu explicar na decisão recorrida em que consistia exatamente o risco ligado ao volume de negócios.

378    Quando interrogada a esse respeito na audiência, a Comissão indicou que se tratava mais de um risco de inventário, a saber, o risco de os produtos que figuram no inventário da ASI, cuja sucursal irlandesa assegurava a distribuição, não serem vendidos.

379    Para sustentar a sua tese de que a sucursal irlandesa da ASI tinha assumido o risco ligado à eventual diminuição das vendas da ASI, a Comissão limitou‑se a proceder a uma imputação desse risco por exclusão, o que, como acima se indica nos n.os 361 e 362, não constitui uma base válida de imputação.

380    Além disso, a Comissão referiu‑se, na audiência, ao esquema n.o 9 da decisão recorrida (exposto no considerando 122 da referida decisão), que reproduz um quadro que figura no acordo de partilha dos custos sobre a repartição dos riscos entre a Apple Inc., por um lado, e a ASI e a AOE, por outro. Ora, como acima se refere nos n.os 263 a 268 e 271, esse quadro estabelece a lista dos riscos que a ASI podia nomeadamente ser levada a assumir, mas não prova que ela os tivesse efetivamente assumido. Além disso, esse quadro diz respeito à ASI, e não à sua sucursal irlandesa.

381    Em contrapartida, a Apple Inc., a ASI e a AOE, no âmbito do procedimento administrativo e no presente recurso, apresentaram prova de que tinham sido celebrados acordos‑quadro com os fabricantes dos produtos da marca Apple (ou OEMs) de forma centralizada para todo o grupo Apple pela Apple Inc. e pela ASI, nos Estados Unidos.

382    Além disso, a Apple Inc., a ASI e a AOE apresentaram prova relativa a outros acordos‑quadro celebrados, igualmente de forma centralizada para todo o grupo Apple, com os principais compradores dos produtos da marca Apple, a saber, os operadores de telecomunicações, nomeadamente na região EMEIA.

383    Por outro lado, a Apple Inc., a ASI e a AOE apresentaram prova relativa à política de tarifação internacional dos produtos da marca Apple, cuja fixação é centralizada para todo o grupo Apple.

384    Não se pode deixar de observar que a prova apresentada demonstra que a sucursal irlandesa da ASI não participou nas negociações nem na assinatura dos acordos‑quadro, quer se trate dos celebrados com os fornecedores dos produtos que distribui, a saber, os OEMs, quer com os clientes aos quais distribui os produtos da marca Apple, tais como os operadores de telecomunicações. Com efeito, essa sucursal nem sequer é mencionada nesses acordos.

385    Além disso, a prova apresentada demonstra que a sucursal irlandesa da ASI não teve poder de decisão no que respeita à oferta (a saber, a determinação dos produtos a fabricar), à procura (a saber, a determinação dos clientes aos quais os produtos iam ser vendidos) ou aos preços a que esses produtos da marca Apple eram vendidos, nomeadamente na região EMEIA, na medida em que esses elementos foram determinados nos termos dos acordos‑quadro.

386    Por conseguinte, como acertadamente sustentam a ASI e a AOE, não podem ser imputados à sucursal irlandesa da ASI os riscos inerentes a produtos não vendidos ou a uma queda da procura, na medida em que tanto a oferta como a procura são determinadas de forma centralizada fora da referida sucursal.

387    A prova apresentada confirma o papel da sucursal irlandesa da ASI, tal como resulta dos relatórios ad hoc apresentados pela Irlanda e pela Apple Inc., segundo os quais essa sucursal, enquanto distribuidor, teve a responsabilidade de assegurar o fluxo de produtos entre os produtores e os clientes e de reunir e transmitir ao nível do grupo informações sobre as previsões da oferta e da procura na região EMEIA, bem como sobre os níveis dos inventários. Com efeito, não é pelo facto de a sucursal irlandesa da ASI ter efetuado funções de «monitoring» para a região EMEIA que se presume ter assumido o risco económico que poderia ter resultado de uma baixa do volume de negócios da ASI nessa região.

388    Por último, no que respeita à afirmação, que figura no considerando 337 da decisão recorrida, segundo a qual as vendas da ASI aumentaram de forma exponencial durante o período relevante, ao passo que os custos de exploração da sua sucursal irlandesa se mantiveram estáveis, há que observar que isso constitui antes um indício do impacto limitado das atividades exercidas pela referida sucursal no conjunto das atividades comerciais da ASI.

389    Além disso, isso não basta, por si só, para pôr em causa a escolha dos custos de exploração enquanto indicador do nível dos lucros. Com efeito, a Comissão justificou o seu raciocínio sem indicar a razão pela qual um aumento das vendas da sociedade ASI deveria implicar necessariamente um aumento dos lucros imputável à sua sucursal irlandesa.

390    Por conseguinte, há que concluir que a Comissão não conseguiu demonstrar que a sucursal irlandesa da ASI era responsável pelo risco ligado ao volume de negócios.

3)      Quanto ao risco ligado às garantias dos produtos

391    No considerando 338 da decisão recorrida, a Comissão indicou que, na medida em que a ASI prestou garantias sobre todos os produtos vendidos na região EMEIA e essas garantias constituíam a parte mais importante do seu passivo, os riscos correspondentes não puderam ser assumidos pela ASI, que não tinha pessoal, mas, necessariamente, pela sua sucursal irlandesa.

392    Mais especificamente, a Comissão sustentou, no considerando 338 da decisão recorrida, que esses riscos constituíam o maior passivo da ASI, que foi transferido para a Apple Distribution International (ADI), uma sociedade coligada do grupo Apple. A Comissão remeteu, a esse respeito, para o considerando 135 da decisão recorrida, no qual se explica que a ADI retomou as atividades de distribuição na região EMEIA por conta da ASI e que, para esse efeito, por força de um protocolo datado de 23 de abril de 2012, a ADI assumiu os passivos da ASI, cujo maior elemento era constituído pelas provisões a título das garantias dos produtos.

393    Em primeiro lugar, estes elementos factuais realçados pela Comissão demonstram que as garantias dos produtos da marca Apple na região EMEIA eram assumidas pela ASI e que as provisões para essas garantias faziam parte do passivo da referida sociedade, até 2012. Ora, essas informações não permitem, por si só, estabelecer um nexo entre os riscos representados por essas garantias concedidas pela ASI, materializados pelas provisões que figuram no passivo do seu balanço, e a sua sucursal irlandesa. Além disso, a teoria da Comissão não é válida para os anos posteriores a 2012, quando esses riscos foram transferidos para a ADI. Ora, a Comissão não delimitou o seu raciocínio ao período que decorreu até 2012.

394    Em segundo lugar, o risco ligado às garantias dos produtos não pode ser imputado à sucursal irlandesa da ASI se esta não for responsável, do ponto de vista económico, pelas reclamações que invoquem essa garantia. Ora, a Comissão não apresentou qualquer prova de que a sucursal irlandesa da ASI assumiu essa responsabilidade.

395    Em terceiro lugar, embora seja certo que a sucursal irlandesa da ASI geriu o serviço pós‑venda AppleCare, como acima se refere nos n.os 276 a 278, as funções exercidas por essa sucursal no âmbito do referido serviço são de natureza auxiliar face às próprias garantias.

396    Com efeito, a Irlanda, a ASI e a AOE baseiam‑se, para contestar o argumento da Comissão, nomeadamente nos relatórios ad hoc que apresentaram e nos quais a própria Comissão se baseou, que descrevem as atividades das sucursais irlandesas ligadas às garantias dos produtos da marca Apple. Segundo esses relatórios, a sucursal irlandesa da ASI foi responsável, no âmbito do serviço AppleCare, em substância:

–        pela recolha de dados relativos aos produtos defeituosos;

–        pela gestão da rede de reparadores terceiros autorizados;

–        pela distribuição de peças para reparação nessa rede;

–        pela gestão do centro de chamadas.

397    Dada a natureza auxiliar dessas funções, não se pode concluir, na falta de melhor prova, que a sucursal irlandesa da ASI assumiu as consequências económicas ligadas às garantias dos produtos, como confirmaram a ASI e a AOE na audiência.

398    Além disso, o número significativo de empregados ligados ao serviço AppleCare não é, por si só, decisivo, tendo em conta o facto de esse serviço englobar, nomeadamente, o centro de chamadas para os serviços pós‑venda, que é naturalmente uma função que necessita de pessoal numeroso.

399    Por outro lado, a Comissão não apresentou qualquer outra prova de que o pessoal da sucursal irlandesa da ASI tivesse estado ativamente envolvido na adoção das decisões que afetavam de forma significativa os riscos ligados à garantia dos produtos da marca Apple vendidos pela ASI da responsabilidade económica dessa sucursal por força dessa garantia.

400    Nestas circunstâncias, não se pode inferir da gestão do serviço AppleCare pela sucursal irlandesa da ASI que esta assumiu os riscos ligados às garantias para os produtos da marca Apple.

4)      Quanto aos riscos associados às atividades dos terceiros contratantes

401    No considerando 339 da decisão recorrida, a Comissão sustentou que, na medida em que a ASI subcontratava sistematicamente a sua função de distribuição a terceiros contratantes fora da Irlanda, o volume das vendas totais era um indicador do nível dos lucros mais adequado, tendo em conta o risco assumido pela sucursal irlandesa relativamente aos produtos que não eram tratados na Irlanda.

402    Refira‑se, antes de mais, que a resposta à questão de saber em que consistia o risco que teria sido gerado pela circunstância acima mencionada no n.o 401 e como esse risco teria sido suportado pela sucursal irlandesa da ASI não resulta claramente da leitura do considerando 339 da decisão recorrida. Ora, tal apreciação, que se presta a interpretações divergentes, não pode ser aceite no sentido de vir validamente apoiar o raciocínio subsidiário da Comissão.

403    Em todo o caso, interrogada sobre este ponto na audiência, a Comissão indicou que se tratava do mesmo tipo de risco referido no considerando 337 da decisão recorrida, a saber, um risco ligado à possibilidade de uma diminuição na procura e à eventualidade de produtos não vendidos, quando a ASI subcontratava as suas funções de distribuição a terceiros contratantes, continuando a ser proprietária dos referidos produtos.

404    Portanto, admitindo que o risco visado pela Comissão no considerando 339 da decisão recorrida possa ser entendido como do mesmo tipo que o risco ligado ao volume de negócios, identificado no considerando 337 da decisão recorrida, as mesmas considerações acima expostas nos n.os 376 a 390 também se aplicam a este tipo de risco, cuja assunção pela sucursal irlandesa da ASI não está demonstrada.

405    Por outro lado, admitindo que esse risco existe, a simples externalização de certas atividades de distribuição a terceiros contratantes, fora da Irlanda, não pode, sem outra indicação, corroborar a tese de que esse risco deveria ser imputado à sucursal irlandesa da ASI.

406    Com efeito, o facto de, na sequência de transações com fornecedores e clientes, negociadas e organizadas nos Estados Unidos, a distribuição dos produtos em questão ser tratada fora da Irlanda por terceiros contratantes reforça antes a tese de que os riscos que daí poderiam decorrer não são suportados pela sucursal irlandesa da ASI.

407    Resulta destas considerações que a Comissão não conseguiu demonstrar que os riscos identificados nos considerandos 336, 337 e 339 da decisão recorrida tinham sido efetivamente suportados pela sucursal irlandesa da ASI.

b)      Quanto à escolha dos custos de exploração como indicador do nível dos lucros da sucursal irlandesa da AOE

408    Quanto à AOE, nos considerandos 343 e 344 da decisão recorrida, a Comissão referiu que, tendo em conta a ausência de presença física da AOE ou de trabalhadores capazes de gerir os riscos fora da sua sucursal irlandesa, devia considerar‑se que esta assumia a totalidade dos riscos, nomeadamente os relativos aos stocks. Nestas circunstâncias, considerou que um indicador do nível dos lucros que incluísse os custos totais teria sido mais adequado do que os custos de exploração.

409    A Comissão baseia os seus argumentos nas orientações da OCDE em matéria de preços de transferência. Refira‑se, porém, que, como acima se indica no n.o 357, estas não preconizam a utilização de um qualquer nível de lucros, como os custos totais, e não se opõem à utilização dos custos de exploração como indicador do nível dos lucros.

410    Além disso, segundo o ponto 2.93 das orientações da OCDE em matéria de preços de transferência, para o qual a Comissão remete no considerando 343 da decisão recorrida, «quando se aplica uma [MTML] baseada nos custos, utilizam‑se frequentemente os custos totais». Daí resulta que não está excluída, por princípio, a possibilidade de os custos de exploração constituírem um indicador do nível adequado dos lucros.

411    Por outro lado, o argumento da Comissão de que um indicador do nível dos lucros que inclua os custos totais é mais adaptado a uma sociedade de fabrico como a AOE não pode ser acolhido no caso presente. Com efeito, como acima se foi indica no n.o 12, é a AOE e não a sua sucursal irlandesa quem detém a propriedade dos materiais utilizados, dos produtos em curso de fabrico e dos produtos acabados. Na medida em que os custos totais têm em conta os custos de todos estes elementos, a utilização dos custos totais como indicador do nível dos lucros não parece, contrariamente ao que alega a Comissão, a mais adaptada para refletir o valor das funções realmente exercidas pela sucursal irlandesa da AOE, tendo em conta, nomeadamente, os ativos desta última.

412    Nestas circunstâncias, a Comissão não logrou demonstrar que o indicador do nível dos lucros baseado nos custos totais, que preconizou, seria mais adequado neste caso para determinar os lucros de plena concorrência para a sucursal irlandesa da AOE.

c)      Conclusões sobre a escolha dos custos de exploração como indicador do nível dos lucros

413    Em face destas considerações, há que concluir que a Comissão não conseguiu demonstrar, na decisão recorrida, que a escolha dos custos de exploração das sucursais irlandesas da ASI e da AOE como indicador do nível dos lucros na aplicação de um método unilateral de imputação dos lucros era inadequada.

414    Além disso, e de qualquer forma, a Comissão também não apresentou qualquer prova de que essa escolha, enquanto tal, devia necessariamente levar à conclusão de que as rulings fiscais controvertidas tinham diminuído a carga fiscal da ASI e da AOE na Irlanda.

415    A esse respeito, o Tribunal Geral verifica que nem as trocas de correspondência que precederam a adoção das rulings fiscais controvertidas nem a Irlanda, a ASI e a AOE, interrogadas sobre este ponto no âmbito do presente processo, puderam explicar de forma bastante qual era a justificação para as incoerências detetadas nas referidas rulings no que respeita aos custos de exploração, tomados como base para o cálculo do lucro tributável das sucursais na ruling fiscal de 1991 e que já não foram incluídas como base para o cálculo do lucro tributável de 2007.

416    Todavia, mesmo em presença de incoerências que revelem deficiências na metodologia do cálculo dos lucros tributáveis, efetuada no âmbito das rulings fiscais controvertidas, há que recordar as considerações acima expostas no n.o 348, segundo as quais a Comissão não se pode limitar a invocar um erro metodológico, antes tendo que provar que foi efetivamente concedida uma vantagem, na medida em que esse erro tenha conduzido efetivamente a uma redução da carga fiscal das sociedades em questão relativamente àquela que teriam suportado em aplicação das regras normais de tributação. Ora, há que precisar ainda que a Comissão não sustentou na decisão recorrida que a exclusão de certas categorias de custos de exploração considerados como base para o cálculo do lucro imputado às sucursais da ASI e da AOE tivesse dado origem a uma vantagem na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

417    Por conseguinte, são procedentes as alegações da Irlanda, da ASI e da AOE contra as conclusões da Comissão sobre o erro metodológico relativo à escolha dos custos de exploração como indicador do nível dos lucros das sucursais irlandesas da ASI e da AOE no âmbito do raciocínio subsidiário.

4.      Quanto aos níveis das remunerações aceites nas rulings fiscais controvertidas

418    Nos considerandos 346 a 359 da decisão recorrida, a Comissão contestou os níveis de remuneração das sucursais irlandesas da ASI e da AOE aceites pelas rulings fiscais controvertidas, salientando que nenhum relatório sobre a imputação dos lucros nem nenhuma outra explicação tinham sido apresentados às Autoridades Fiscais irlandesas pelo grupo Apple a fim de apoiar as suas propostas que levaram às rulings fiscais controvertidas.

419    Por um lado, no que respeita à ASI, no considerando 346 da decisão recorrida, a Comissão salientou que a ruling fiscal de 1991 tinha aceitado como lucro tributável uma margem de 12,5 % sobre os custos de exploração da sua sucursal irlandesa, ao passo que a ruling fiscal de 2007 tinha aceitado uma margem de [confidencial].

420    Por outro lado, no que respeita à AOE, no considerando 347 da decisão recorrida, a Comissão salientou que o lucro tributável avalizado pelas Autoridades Fiscais irlandesas correspondia a [confidencial] dos custos de exploração, uma percentagem que teria passado a ser de [confidencial] quando o lucro tributável fosse superior a [confidencial]. Na ruling fiscal de 2007, o lucro tributável correspondeu a [confidencial] dos custos de exploração da sucursal, acrescido de um rendimento de [confidencial] do volume de negócios, a título da PI desenvolvida pela AOE. Além disso, sublinhou que o lucro tributável da AOE parecia ter sido definido no termo de negociações e ter sido guiado por considerações relativas ao emprego, como demonstrou a consideração da necessidade de «não inibir o desenvolvimento das atividades irlandesas» no âmbito das discussões a montante da adoção do ruling fiscal de 1991.

421    Resulta dos considerandos 348 e 349 da decisão recorrida que as explicações prestadas no procedimento administrativo pela Irlanda e pela Apple Inc. a respeito do cálculo do lucro tributável da ASI e da AOE não convenceram a Comissão. Considerou que as remunerações aceites pelas Autoridades Fiscais irlandesas para as sucursais irlandesas da ASI e da AOE se baseavam em margens de lucro muito reduzidas, quando não existia nenhuma lógica económica para que uma sociedade aceitasse lucros tão baixos.

422    Em especial, no que respeita à ruling fiscal de 2007, nos considerandos 350 a 359 da decisão recorrida, a Comissão concentrou‑se no raciocínio ex post que consta dos relatórios ad hoc preparados pelos respetivos consultores fiscais da Irlanda e do grupo Apple, relativo aos níveis de remuneração acordados para as sucursais irlandesas da ASI e da AOE. Segundo a Comissão, esses relatórios baseavam‑se num estudo de comparabilidade, cuja relevância era contestada pelo facto de os produtos propostos pelas sociedades selecionadas para efeitos de comparabilidade não serem comparáveis aos produtos de marca de alta qualidade propostos pelo grupo Apple. Mais precisamente, a Comissão alegou que os riscos ligados às garantias dos produtos topo de gama assumidos pela ASI não eram comparáveis aos suportados pelas sociedades selecionadas no estudo para os seus produtos. Além disso, salientou o facto de pelo menos três sociedades, entre as 52 selecionadas, estarem em situação de liquidação judicial.

423    Por outro lado, nos considerandos 354 e 355 da decisão recorrida, a Comissão, por razões de exaustividade, procedeu, ainda assim, à sua própria avaliação do nível de remuneração que deveria ter sido imputado à ASI e à AOE, utilizando as mesmas sociedades comparáveis retomadas no relatório ad hoc apresentado pela Irlanda, mas tomando como indicador do nível dos lucros, no que respeita à ASI, o volume de negócios (proveniente das vendas) e, no que respeita à AOE, os custos totais. Na sequência desta análise corrigida, a Comissão chegou à conclusão de que os níveis de remuneração aceites nas rulings fiscais controvertidas eram excessivamente baixos.

424    Com efeito, quanto à ASI, no considerando 355 da decisão recorrida, a Comissão constatou que, ao tomar as vendas das sociedades escolhidas no estudo de comparabilidade como indicador do nível dos lucros, em 2012, o rendimento médio era de 3 %, com um intervalo interquartílico de 1,3 a 4,5 %. Ora, a Comissão referiu que os rendimentos comerciais imputados à sucursal irlandesa da ASI como lucros tributáveis nos termos da ruling fiscal de 2007, para o ano de 2012, ascendiam aproximadamente a [confidencial], ou seja, cerca de [confidencial] do volume de negócios realizado pela ASI em 2012. Este rendimento é praticamente 20 vezes inferior ao obtido pela Comissão na sua análise corrigida.

425    Quanto à AOE, no considerando 357 da decisão recorrida, a Comissão referiu que o seu lucro tributável em 2012 se elevou a cerca de [confidencial] dos custos totais da sucursal irlandesa. Esta percentagem situou‑se no intervalo interquartílico apresentado nos relatórios ad hoc dos consultores fiscais respetivos da Irlanda e do grupo Apple e aproximou‑se do percentil 25, o que os consultores fiscais consideraram ser a parte inferior de um intervalo de plena concorrência. Assim, a Comissão referiu que, segundo o relatório ad hoc apresentado pela Apple Inc., para o período de 2009‑2011, a margem dos custos totais para o quartil inferior foi de [confidencial] com um valor médio de [confidencial] e, segundo o relatório ad hoc, apresentado pela Irlanda, para o período de 2007‑2011, a margem dos custos totais para o quartil inferior foi de [confidencial] (com um valor médio de [confidencial]).

426    Contudo, nos considerandos 358 e 359 da decisão recorrida, a Comissão precisou que esses relatórios não podiam fundamentar a conclusão ex post de que a remuneração das funções exercidas pela sucursal irlandesa da AOE estava em conformidade com o princípio da plena concorrência. Antes de mais, pôs em causa a comparabilidade dos dados, na medida em que não foi fornecida nenhuma análise detalhada da comparabilidade da estrutura de custos e das atividades das sociedades selecionadas. Em seguida, expôs que o percentil 25 tinha sido considerado parte inferior do intervalo, o que correspondia a uma abordagem demasiado ampla, nomeadamente tendo em conta as preocupações de comparabilidade identificadas nos relatórios ad hoc em questão. Por último, a Comissão referiu que, nos relatórios ad hoc, a comparação tinha sido efetuada unicamente em relação a sociedades de fabrico, ao passo que a sucursal irlandesa da AOE também tinha prestado serviços partilhados às outras sociedades do grupo Apple na região EMEIA, tais como serviços financeiros, relativos aos sistemas e às tecnologias de informação, e serviços em matéria de recursos humanos.

427    Com base nestas constatações, no considerando 360 da decisão recorrida, a Comissão concluiu que as rulings fiscais controvertidas tinham validado uma remuneração que as sucursais irlandesas não teriam aceitado, do ponto de vista da sua própria rentabilidade, se tivessem sido empresas distintas e independentes que exercessem atividades idênticas ou análogas, em condições idênticas ou análogas.

428    As partes divergem tanto sobre a existência como sobre o impacto dos erros identificados pela Comissão relativamente aos níveis de remuneração aceites pelas rulings fiscais controvertidas e sobre a validação ex post dessas remunerações, proposta nos relatórios ad hoc preparados pelos consultores fiscais respetivos da Irlanda e do grupo Apple.

a)      Quanto à remuneração das sucursais irlandesas da ASI e da AOE, avalizada pela ruling fiscal de 1991

429    Em primeiro lugar, a Comissão acusa as Autoridades Fiscais irlandesas de, nas rulings fiscais controvertidas, terem aceitado níveis de remuneração para as sucursais irlandesas da ASI e da AOE sem que nenhum relatório sustentasse esses níveis de remuneração.

430    Refira‑se, por um lado, que a Irlanda, a ASI e a AOE alegam que, na altura em que foram adotadas as rulings fiscais controvertidas, a apresentação de um relatório sobre a imputação dos lucros não era exigida pelo direito fiscal irlandês aplicável, o que a Comissão não impugna.

431    Por outro lado, há que referir que a alegação da Comissão se aproxima de um erro (ou inexistência) de metodologia, na medida em que tem por objeto as falhas no método de cálculo dos lucros tributáveis avalizado pelas rulings fiscais controvertidas, devido à inexistência de relatórios de imputação dos lucros.

432    É certo que as explicações dadas pelo grupo Apple às Autoridades Fiscais irlandesas sobre a justificação dos níveis de remuneração propostos, conforme reproduzidas no considerando 64 da decisão recorrida, eram sumárias. Com efeito, o grupo Apple alegou que os níveis propostos estavam acima de uma margem de 15 %, normalmente realizada por um «cost center», mas abaixo de uma margem de 100 %, que poderia ter sido corrente na indústria farmacêutica, que não era comparável ao setor informático. Há que lembrar ainda que o grupo Apple reconheceu junto das Autoridades Fiscais irlandesas que a sua proposta não assentava em nenhum fundamento científico, mas que considerava que essa proposta conduzia a um montante de lucros tributáveis suficientemente alto.

433    A este respeito, o Tribunal Geral refere que nem as trocas de correspondência que precederam a adoção das rulings fiscais controvertidas nem a Irlanda, a ASI e a AOE, interrogadas sobre este ponto no âmbito do presente processo, souberam explicar de forma suficiente qual era a justificação exata dos indicadores e dos números tidos em conta no cálculo dos lucros tributáveis da ASI e da AOE. Assim, nenhuma prova concreta e contemporânea explica as razões que justificam as percentagens dos custos de exploração tidas em conta nas rulings fiscais controvertidas e ainda menos a sua evolução ao longo do tempo.

434    Contudo, não se pode deixar de observar que, para além do facto de suscitar a falta de relatórios sobre a imputação dos lucros, a Comissão não levou a cabo a sua análise para demonstrar que, por força do referido cálculo, os impostos efetivamente pagos pela ASI e pela AOE com base nas rulings fiscais controvertidas eram inferiores aos que deveriam ter sido pagos se não existissem essas rulings, em aplicação das regras normais de tributação.

435    Assim, pelas mesmas razões acima expostas no n.o 332, a simples constatação de um erro quanto à metodologia conducente ao cálculo dos lucros a imputar às sucursais não basta para demonstrar que as rulings fiscais controvertidas conferiram uma vantagem à ASI e à AOE.

436    Em segundo lugar, a Comissão acusou as Autoridades Fiscais irlandesas de terem aceitado, sem justificação, um limiar para os lucros tributáveis da AOE, a saber, [confidencial], para além do qual os lucros tributáveis já não correspondiam a 65 % dos custos de exploração da sucursal irlandesa, mas sim a [confidencial] desses custos. Segundo a Comissão, um operador económico racional não teria aceitado uma remuneração mais baixa, renunciando a uma parte dos seus lucros, quando os seus custos de exploração aumentavam, o que indicava um crescimento do volume das suas atividades, mesmo que essa remuneração tivesse sido suficiente para cobrir os seus custos e para obter um certo lucro.

437    A Comissão alega que esse limiar constituía uma redução fiscal concedida com base em critérios alheios ao sistema de tributação, tais como considerações relativas ao emprego, e que, por conseguinte, se considerava que proporcionava uma vantagem seletiva.

438    A esse respeito, a Apple Inc. alegou, no âmbito das suas observações na sequência da decisão de abertura, que essa diferença se justificava pelo facto de os investimentos fixos marginais necessários ao desenvolvimento serem mais consequentes no início da atividade do que quando esta estava em curso. Por outro lado, no âmbito das respostas às questões escritas do Tribunal Geral, a ASI e a AOE confirmaram que o limiar de [confidencial] nunca tinha sido atingido e que, portanto, a segunda percentagem, reduzida, nunca tinha sido utilizada para efeitos do cálculo dos lucros tributáveis da AOE. A Comissão não impugnou estas informações.

439    Em primeiro lugar, refira‑se que, embora seja certo que já se decidiu no sentido de que, quando as autoridades competentes dispunham de um poder discricionário alargado de determinar nomeadamente as condições da medida concedida com fundamento em critérios alheios ao sistema fiscal, tais como a manutenção do emprego, se podia considerar que o exercício desse poder dava origem a uma medida seletiva (Acórdão de 18 de julho de 2013, P, C‑6/12, EU:C:2013:525, n.o 27), não é menos verdade que, para determinar se as medidas estatais podem constituir auxílios de Estado, são essencialmente os efeitos dessas medidas no respeitante às empresas beneficiárias que devem ser tidos em consideração (v. Acórdão de 13 de setembro de 2010, Grécia e o./Comissão, T‑415/05, T‑416/05 e T‑423/05, EU:T:2010:386, n.o 212 e jurisprudência aí referida).

440    De qualquer forma, a simples alusão, nas trocas prévias à ruling fiscal de 1991 entre as Autoridades Fiscais irlandesas e o grupo Apple, ao facto de este ser um dos maiores empregadores da região onde as sucursais irlandesas da ASI e da AOE estavam estabelecidas não prova que os lucros tributáveis da ASI e da AOE tenham sido determinados com base nas questões ligadas ao emprego. Com efeito, resulta do relatório dessa troca, reproduzido no considerando 64 da decisão recorrida, que a alusão às empregadas do grupo Apple na região em causa foi feita como informação sobre o contexto e a evolução das atividades do grupo na região e não como contrapartida da proposta de imputação de lucros às sucursais irlandesas em questão.

441    Assim, na falta de melhor prova, a Comissão não pode alegar que a ruling fiscal em causa foi adotada em contrapartida da eventual criação de empregos na região.

442    Em segundo lugar, refira‑se que o limiar em questão nunca foi atingido e que, por conseguinte, os lucros da sucursal irlandesa da AOE nunca foram imputados com base na percentagem mais reduzida prevista pela ruling fiscal de 1991.

443    Com efeito, o volume de negócios da AOE diminuiu de forma significativa entre o período anterior à ruling fiscal de 1991, a saber, 751 milhões de USD em 1989, como indicado no considerando 64 da decisão recorrida, e 2006, o último ano durante o qual a ruling fiscal de 1991 foi aplicada, a saber, 359 milhões de USD, como se indica no considerando 97 da decisão recorrida.

444    Por conseguinte, mesmo admitindo que as alegações da Comissão sobre a falta de justificação económica do limiar previsto por essa ruling fossem comprovadas, a Comissão não pode alegar que foi concedida uma vantagem devido à inclusão de um limiar na ruling fiscal de 1991, quando tal mecanismo não foi implementado na realidade.

445    Em terceiro lugar, mesmo que o argumento da Comissão viesse a ser entendido no sentido de que os níveis de remuneração aceites pelas Autoridades Fiscais irlandesas eram demasiado baixos para as funções exercidas pelas sucursais, tendo em conta os ativos e os riscos relativos a essas funções, esse argumento não pode ser acolhido na falta de melhor prova.

446    Com efeito, o raciocínio a título subsidiário da Comissão baseia‑se na premissa de que as Autoridades Fiscais irlandesas podiam imputar corretamente as licenças da PI do grupo Apple às sedes centrais, o que, segundo as orientações da OCDE em matéria de preços de transferência, indica o exercício de funções complexas ou únicas. Ora, como decorre das conclusões acima expressas no n.o 348, a Comissão não conseguiu demonstrar que as sucursais irlandesas da ASI e da AOE tinham exercido as funções mais complexas.

447    Além disso, especialmente no que respeita à ASI, a Comissão assenta o seu raciocínio na consideração de que a sucursal irlandesa assumiu grandes riscos para as atividades do grupo Apple. Ora, como decorre das conclusões acima expressas no n.o 407, a Comissão não conseguiu demonstrar que esses riscos tinham sido efetivamente suportados pela sucursal irlandesa da ASI.

448    Por conseguinte, na falta de melhor prova, a Comissão não conseguiu demonstrar que os níveis de remuneração fixados nos termos da ruling fiscal de 1991 tinham sido demasiado baixos para remunerar as funções efetivamente exercidas pelas sucursais irlandesas da ASI e da AOE, tendo em conta os seus ativos e os seus riscos.

b)      Quanto à remuneração das sucursais irlandesas da ASI e da AOE avalizada pela ruling fiscal de 2007

449    Além da alegação da falta de qualquer relatório sobre a imputação dos lucros em apoio da ruling fiscal de 2007, que foi afastada pelas razões acima expostas nos n.os 430 a 435, a Comissão contestou a remuneração das sucursais irlandesas da ASI e da AOE, sob a forma de lucros imputados a essas sucursais, em aplicação da ruling fiscal de 2007, impugnando os relatórios ad hoc apresentados pela Irlanda e pela Apple Inc. para justificar ex post o facto de esses lucros se terem situado em intervalos de plena concorrência. Em particular, a Comissão pôs em causa a fiabilidade dos relatórios ad hoc apresentados pela Irlanda e pela Apple Inc. pelo facto de as sociedades escolhidas para o estudo de comparabilidade que estava na base dos referidos relatórios não serem comparáveis à ASI e à AOE.

1)      Quanto à escolha das sociedades utilizadas nas análises de comparabilidade

450    Na decisão recorrida, a Comissão referiu, nomeadamente, dois erros relativos à comparabilidade das sociedades escolhidas no estudo de comparabilidade com a sucursal irlandesa da ASI. Por um lado, no considerando 350 da decisão recorrida, a Comissão indicou que não era possível identificar as sociedades escolhidas no âmbito do relatório ad hoc apresentado pela Apple Inc. Por outro, no considerando 351 da decisão recorrida, a Comissão sublinhou que a seleção das sociedades comparáveis nos estudos de comparabilidade não tinha tido em conta o facto de, contrariamente a essas sociedades, o grupo Apple vender produtos de marca de alta qualidade e posicionar como tal os seus produtos no mercado. A este respeito, a Comissão referiu que, apesar de a ASI ser responsável pelas garantias sobre os produtos vendidos que, no caso de produtos de marca de alta qualidade, geravam um risco muito elevado, as sociedades comparáveis retidas não estavam expostas a esse risco.

451    No que respeita à comparabilidade com a sucursal irlandesa da AOE, a Comissão referiu (no considerando 359 da decisão recorrida) que o relatório ad hoc apresentado pela Irlanda tinha tido em conta unicamente sociedades de fabrico, ao passo que a AOE prestava igualmente serviços partilhados às outras sociedades do grupo Apple na região EMEIA, tais como serviços financeiros, serviços relativos aos sistemas e às tecnologias de informação, e serviços relativos aos recursos humanos.

452    Refira‑se, desde logo, que, mesmo admitindo que os erros identificados pela Comissão em relação aos relatórios ad hoc apresentados pela Irlanda e pela Apple Inc. ex post facto estivessem comprovados e que desmentiam as conclusões desses relatórios, a Comissão não podia daí inferir que as rulings fiscais controvertidas tinham conduzido a uma redução da carga fiscal da ASI e da AOE na Irlanda.

453    Com efeito, esses relatórios foram apresentados pela Irlanda e pela Apple Inc. a fim de demonstrar ex post facto que os lucros imputados às sucursais irlandesas da ASI e da AOE por força das rulings fiscais controvertidas se tinham situado em intervalos de plena concorrência. Ora, a apresentação desses relatórios ad hoc pela Irlanda e pela Apple Inc. não pode alterar o ónus da prova relativo à existência de uma vantagem no caso concreto, que cabe à Comissão, como acima recordado no n.o 100.

454    De qualquer modo, há que examinar se as deficiências identificadas pela Comissão nos relatórios ad hoc apresentados pela Irlanda e pela Apple Inc. estão comprovadas e podem permitir invalidar as conclusões dos referidos relatórios.

455    Em primeiro lugar, há que referir, como acertadamente sustentam a Irlanda e a ASI e a AOE, que as análises em matéria de preços de transferência não constituem uma ciência exata e que não se pode tentar encontrar resultados exatos quanto ao nível considerado de plena concorrência. A esse respeito, há que lembrar o ponto 1.13 das Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência, que indica que o objetivo do exercício de determinação dos preços de transferência é «alcançar uma aproximação razoável de um resultado de plena concorrência com base em informações fiáveis» e que «a fixação dos preços de transferência não é uma ciência exata e necessita de uma apreciação por parte da Administração Fiscal e do contribuinte».

456    Em segundo lugar, no que respeita às empresas escolhidas para o estudo de comparabilidade com base no relatório ad hoc apresentado pela Apple Inc., a ASI e a AOE sustentam que, no procedimento administrativo, esta pediu por diversas vezes à Comissão observações sobre esse relatório ad hoc, sem que tivesse sido formulado qualquer pedido específico sobre os dados do estudo de comparabilidade. A Comissão não contesta estes argumentos. Além disso, a ASI e a AOE apresentaram, no âmbito do presente recurso, os dados que foram utilizados nesse relatório ad hoc, indicando que foram retirados da mesma base de dados utilizada no âmbito do relatório ad hoc apresentado pela Irlanda. A Comissão deixou de levantar objeções específicas ao relatório ad hoc apresentado pela Apple Inc.

457    Em terceiro lugar, na medida em que a Comissão contestou, relativamente aos dois relatórios ad hoc apresentados pela Irlanda e pela Apple Inc., a utilização de um estudo de comparabilidade, que se baseava numa pesquisa numa base de dados comparáveis, há que referir o seguinte.

458    Antes de mais, na medida em que as críticas da Comissão devam ser entendidas no sentido de que contestam a utilização de uma base de dados comparáveis, enquanto tal, não podem ser acolhidas. Com efeito, sem o apoio de uma base de dados, não seria possível efetuar, no âmbito da segunda etapa do método unilateral de imputação de lucros, um estudo de comparabilidade que permitisse proceder a uma estimativa dos lucros considerados de plena concorrência, que pressupõe que se possa efetuar essa estimativa junto de sociedades comparáveis.

459    Ora, a Comissão não forneceu quaisquer elementos que justificassem a exclusão, enquanto tal, da utilização de bases de dados elaboradas por sociedades especializadas independentes, como a que foi utilizada nos relatórios ad hoc apresentados pela Irlanda e pela Apple Inc. Com efeito, como acertadamente afirmam a Irlanda, a ASI e a AOE, essas bases de dados são criadas a partir dos códigos da Nomenclatura Geral das Atividades Económicas nas Comunidades Europeias (NACE) e, na falta de prova das falhas que as invalidam, constituem um fundamento empírico a partir do qual podem ser efetuados os estudos de comparabilidade.

460    Em seguida, quanto aos argumentos da Comissão destinados a contestar a comparabilidade das sociedades escolhidas para a análise de comparabilidade, no que respeita à sucursal irlandesa da ASI, há que referir que a Comissão se limitou a invocar os mesmos argumentos que tinha invocado contra a escolha dos custos de exploração enquanto indicador do nível dos lucros, a saber, o facto de a ASI ser responsável pelas garantias sobre os produtos vendidos e de assumir um grande risco para os produtos de gama alta tratados pelos subcontratantes terceiros, enquanto as sociedades escolhidas não assumiam esse tipo de risco tão grandes e, portanto, não eram comparáveis. Ora, pelas mesmas razões acima expostas nos n.os 391 a 402, improcedem estes argumentos.

461    Além disso, à semelhança da Irlanda, da ASI e da AOE, há que referir que, na medida em que, como acima se concluiu no n.o 413, os custos de exploração não podiam ser excluídos como indicador do nível dos lucros no caso presente, o caráter de alta qualidade da marca não tem incidência significativa na comparabilidade neste caso. Com efeito, como acertadamente sustentam a ASI e a AOE, o facto de uma sociedade distribuir produtos de uma marca de alta qualidade não pode necessariamente ter impacto nos seus custos de exploração relativamente aos custos de exploração que teria de suportar se distribuísse produtos de menor qualidade. Esta consideração foi demonstrada no caso presente pelo facto, reconhecido pela própria Comissão no considerando 337 da decisão recorrida, de os custos de exploração da sucursal irlandesa da ASI se terem mantido relativamente estáveis em relação ao aumento exponencial das vendas da ASI.

462    Quanto às reservas sobre a comparabilidade das sociedades de produção escolhidas no âmbito da análise da comparabilidade relativamente à sucursal irlandesa da AOE, devido às funções auxiliares que essa sucursal teria exercido para além das atividades de fabrico, refira‑se que essas funções auxiliares não são representativas do conjunto das funções exercidas pela referida sucursal, como acertadamente sustentam a Irlanda, a ASI e a AOE. A este respeito, estas últimas apoiam‑se, nomeadamente, na análise das atividades da sucursal irlandesa da AOE, efetuada nos relatórios ad hoc por elas apresentados, ponto que não especificadamente impugnado pela Comissão.

463    Por último, quanto ao facto, evocado pela Comissão, de três das 52 sociedades escolhidas para a análise de comparabilidade se terem tornado sociedades em situação de liquidação, tais reservas não podem afetar a fiabilidade desta análise no seu conjunto. Além disso, essas sociedades foram colocadas em liquidação judicial posteriormente aos exercícios relativamente aos quais foi efetuada a análise. Por outro lado, contrariamente ao que sustenta a Comissão, não se verifica, tendo em conta as considerações acima indicadas no n.o 455, que o número de três sociedades, das 52 referidas na análise em questão, represente uma proporção significativa suscetível de falsear o resultado do estudo de comparabilidade.

464    Nestas circunstâncias, há que concluir que a Comissão não conseguiu pôr em causa a fiabilidade dos estudos de comparabilidade nos quais se baseiam os relatórios ad hoc apresentados pela Irlanda e pela Apple Inc. e, portanto, a falta de fiabilidade dos referidos relatórios.

2)      Quanto à análise da comparabilidade corrigida efetuada pela Comissão

465    Refira‑se que a Comissão efetuou, nos considerandos 353 a 356 da decisão recorrida, a sua própria análise de comparabilidade, que pode ser designada como «análise de comparabilidade corrigida».

466    No âmbito da sua análise de comparabilidade corrigida, a Comissão tentou avaliar se a remuneração das sucursais irlandesas da ASI e da AOE, conforme avalizada pelas rulings fiscais controvertidas, entrava em intervalos de plena concorrência.

467    Em primeiro lugar, no que respeita à sucursal irlandesa da ASI, a Comissão utilizou os dados das sociedades selecionadas no relatório ad hoc apresentado pela Irlanda, que tomavam a sucursal irlandesa da ASI como parte testada, e as vendas como indicador do nível dos lucros. Esses dados foram reproduzidos no esquema n.o 13, que figura no considerando 354 da decisão recorrida. A Comissão comparou assim os lucros imputados à sucursal irlandesa da ASI relativamente às vendas da ASI com o rendimento médio das vendas das sociedades selecionadas no âmbito do relatório ad hoc apresentado pela Irlanda, para os anos de 2007 a 2011.

468    Refira‑se, desde logo, que é certo que a abordagem da Comissão que consiste em comparar, por um lado, os resultados da sua própria análise e, por outro, os lucros tributáveis da ASI à luz das rulings fiscais controvertidas, lhe teria permitido, em princípio, demonstrar a existência de uma vantagem seletiva.

469    Contudo, as conclusões da análise de comparabilidade corrigida efetuada pela Comissão não podem desmentir as conclusões dos relatórios ad hoc apresentados pela Irlanda e pela Apple Inc., segundo as quais os lucros das sucursais irlandesas da ASI e da AOE, determinados nos termos das rulings fiscais controvertidas, se situavam em intervalos de plena concorrência.

470    Antes de mais, não se pode deixar de observar que a análise de comparabilidade corrigida da Comissão se baseia nas vendas enquanto indicador do nível dos lucros para efeitos da aplicação da MTML. Ora, como resulta das considerações acima expressas nos n.os 402 e 412, não se demonstrou que a utilização dos custos de exploração enquanto indicador do nível dos lucros tenha sido inapropriada no caso presente. Além disso, não se demonstrou que a utilização das vendas tivesse sido mais adequada.

471    Em seguida, há que lembrar que a análise efetuada pela Comissão, no âmbito do seu raciocínio a título subsidiário, se baseia na premissa de que, em substância, as funções efetuadas pela sucursal irlandesa da ASI tinham sido de natureza complexa e determinantes para o sucesso da marca Apple e, portanto, das atividades comerciais da ASI. Além disso, segundo a Comissão, a referida sucursal assumiu riscos significativos em relação às atividades da ASI. Ora, como acima se concluiu nos n.os 348 e 407, a Comissão não conseguiu demonstrar que a sucursal da ASI tinha exercido funções complexas e assumido esses riscos significativos.

472    Por último, a Comissão tentou, nos considerandos 353 a 355 da decisão recorrida, avaliar o rendimento médio das vendas das empresas comparáveis com o rendimento médio das vendas da ASI em função do lucro imputado à sua sucursal irlandesa, por força da ruling fiscal de 2007. Ora, esta abordagem não está em conformidade com a abordagem autorizada da OCDE, nem com o artigo 25.o do TCA 97, na medida em que o rendimento sobre as vendas da ASI não pode refletir, no caso da sua sucursal irlandesa, o valor das funções que essa sucursal efetivamente exerceu, pelas razões que se seguem.

473    Por um lado, como acima se indica nos n.os 384 e 385, as funções de distribuição asseguradas pela sucursal irlandesa da ASI consistiram na compra, venda e distribuição de produtos da marca Apple, nos termos dos acordos‑quadro negociados fora da referida sucursal. Por conseguinte, o valor acrescentado induzido pela sucursal irlandesa da ASI não pode ser apurado com base no rendimento sobre as vendas da ASI.

474    Por outro lado, as funções efetivamente exercidas pela sucursal irlandesa da ASI não tiveram um impacto determinante na PI do grupo Apple, nem na marca Apple, como acima se concluiu no n.o 341. Ora, estes dois fatores estão intrinsecamente ligados e podem ser englobados sob a marca Apple, que designa produtos de alta qualidade, que a própria Comissão no considerando 351 da decisão recorrida entendeu afetar de forma determinante o valor das vendas da ASI. Por essa razão, o rendimento sobre as vendas da ASI não oferece uma imagem realista do contributo efetivo da sua sucursal irlandesa para as referidas vendas.

475    Nestas circunstâncias, as conclusões da análise de comparabilidade corrigida efetuada pela Comissão no que respeita à remuneração da sucursal irlandesa da ASI, análise que utilizou as vendas como indicador do nível dos lucros, não podem desmentir as conclusões dos relatórios ad hoc apresentados pela Irlanda e pela Apple Inc., que utilizaram os custos de exploração como indicador do nível dos lucros.

476    Em segundo lugar, no que respeita à remuneração da AOE, como a própria Comissão referiu no considerando 357 da decisão recorrida, os resultados da análise de comparabilidade adotada pela Comissão, conforme acima resumidos no n.o 425, mostram que os lucros imputados à sucursal irlandesa da AOE na Irlanda, em aplicação das rulings fiscais controvertidas, se situavam em intervalos que podiam ser considerados de plena concorrência.

477    Assim sendo, os resultados da análise efetuada pela Comissão, em substância, confirmam as conclusões que decorrem dos relatórios ad hoc apresentados pela Irlanda e pela Apple Inc., segundo as quais os lucros imputados à sucursal irlandesa da AOE estavam incluídos em intervalos de plena concorrência. A esse respeito, refira‑se, à luz das considerações acima expressas no n.o 455 a respeito das análises em matéria de preços de transferência, que o facto de esses resultados se situarem sobretudo na parte inferior de um intervalo de plena concorrência não pode desmentir os referidos resultados.

478    À luz destas considerações, há que julgar procedentes as alegações da Irlanda, da ASI e da AOE contra as considerações da Comissão sobre o erro metodológico relativo aos níveis das remunerações aceites nas rulings fiscais controvertidas.

5.      Conclusões sobre as apreciações da Comissão no âmbito do seu raciocínio a título subsidiário

479    As considerações acima efetuadas no que respeita às deficiências nos métodos de cálculo dos lucros tributáveis da ASI e da AOE demonstram o caráter lacunar e, por vezes, incoerente das rulings fiscais controvertidas. Todavia, por si só, essas circunstâncias não bastam para provar a existência de uma vantagem, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

480    Com efeito, a Comissão não conseguiu demonstrar que os erros metodológicos que tinha invocado contra os métodos de imputação de lucros avalizados pelas rulings fiscais controvertidas, decorrentes da escolha das sucursais irlandesas como partes testadas (n.o 351, supra), da escolha dos custos de exploração como indicador do nível dos lucros (n.o 417, supra) e dos níveis de remuneração aceites pelas rulings fiscais controvertidas (n.o 478, supra) tinham conduzido a uma diminuição dos lucros tributáveis da ASI e da AOE na Irlanda. Assim, não conseguiu demonstrar que essas rulings tivessem concedido uma vantagem a essas sociedades.

481    Nestas circunstâncias, há que julgar procedentes os fundamentos invocados pela Irlanda e pela ASI e pela AOE, relativos ao facto de, no âmbito do seu raciocínio a título subsidiário, a Comissão não ter conseguido demonstrar a existência de uma vantagem no caso presente, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

F.      Quanto aos fundamentos que contestam as apreciações feitas pela Comissão no âmbito do raciocínio a título alternativo (quinto fundamento no processo T778/16 e nono fundamento no processo T892/16)

482    A Comissão expôs o seu raciocínio a título alternativo nos considerandos 369 a 403 da decisão recorrida, que comporta uma alternativa entre duas partes.

483    Em primeiro lugar, nos considerandos 369 a 378 da decisão recorrida, a Comissão alegou que o princípio de plena concorrência era inerente à aplicação do artigo 25.o do TCA 97 e que, na medida em que as rulings fiscais controvertidas derrogavam esse princípio, proporcionavam uma vantagem seletiva sob a forma de redução da matéria coletável da ASI e da AOE.

484    Em segundo lugar, nos considerandos 379 a 403 da decisão recorrida, a Comissão alegou que, mesmo que a aplicação do artigo 25.o do TCA 97 não fosse regida pelo princípio da plena concorrência, se devia, ainda assim, considerar que as rulings fiscais controvertidas concediam uma vantagem seletiva à ASI e à AOE pelo facto de essas rulings serem consequência do poder discricionário exercido pelas Autoridades Fiscais irlandesas.

485    A Irlanda, a ASI e a AOE contestam, no essencial, as apreciações feitas pela Comissão no âmbito das duas partes do raciocínio a título alternativo.

1.      Quanto à primeira parte do raciocínio da Comissão a título alternativo

486    Na primeira parte do seu raciocínio a título alternativo, a Comissão considerou que as rulings fiscais controvertidas derrogavam o artigo 25.o do TCA 97, pelo facto de o princípio da plena concorrência ser inerente ao referido artigo (considerando 377 da decisão recorrida). A Comissão remeteu então para o seu raciocínio a título subsidiário, no âmbito do qual considerou que as rulings fiscais controvertidas não permitiam chegar a uma aproximação fiável de um resultado baseado no mercado segundo o princípio da plena concorrência e, por conseguinte, concluiu que essas rulings tinham concedido uma vantagem seletiva à ASI e à AOE (considerando 378 da decisão recorrida).

487    A este respeito, basta observar que, na medida em que a primeira parte do raciocínio a título alternativo da Comissão se baseia nas constatações que efetuou no âmbito do raciocínio a título subsidiário e que, como acima se concluiu no n.o 481, a Comissão não se pode basear nesse raciocínio para concluir pela existência de uma vantagem no caso presente, há que concluir que a Comissão também não se pode basear na primeira parte do seu raciocínio principal para concluir pela existência de uma vantagem seletiva no caso presente.

488    Nestas circunstâncias, há que concluir que, com a primeira parte do raciocínio a título alternativo, a Comissão não conseguiu demonstrar que as rulings fiscais controvertidas tinham concedido uma vantagem seletiva à ASI e à AOE.

2.      Quanto à segunda parte do raciocínio a título alternativo da Comissão

489    No âmbito da segunda parte do raciocínio a título alternativo, a Comissão alega que, mesmo admitindo que a aplicação do artigo 25.o do TCA 97 não se regesse pelo princípio da plena concorrência, as rulings fiscais controvertidas conferiram, ainda assim, uma vantagem seletiva à AOE e à ASI, na medida em que foram adotadas de forma discricionária pelas Autoridades Fiscais irlandesas.

490    Por um lado, a Comissão sustentou que tinha demonstrado, através dos seus raciocínios a título principal e a título subsidiário, que as rulings fiscais controvertidas tinham aprovado métodos de imputação dos lucros que implicavam uma redução do lucro tributável da ASI e da AOE na Irlanda e proporcionavam uma vantagem económica na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

491    Por outro lado, sustentou que, na medida em que o artigo 25.o do TCA 97 não define nenhum critério objetivo relativo à repartição dos lucros entre as diferentes partes de uma mesma sociedade não residente, o poder discricionário de que dispõem as Autoridades Fiscais irlandesas para aplicar essa disposição não se baseia em critérios objetivos relacionados com o sistema fiscal, o que dá origem a uma presunção de seletividade das rulings fiscais controvertidas. Além disso, a Comissão examinou onze rulings fiscais que lhe tinham sido transmitidas pela Irlanda e detetou um certo número de incoerências, com base nas quais considerou que a prática das Autoridades Fiscais irlandesas em matéria de rulings fiscais era discricionária, não sendo utilizado nenhum critério coerente para determinar os lucros a imputar às sucursais irlandesas de sociedades não residentes para efeitos da aplicação do artigo 25.o do TCA 97.

492    A Comissão concluiu daí que as rulings fiscais controvertidas tinham sido emitidas ao abrigo do poder discricionário das Autoridades Fiscais irlandesas na falta de critérios objetivos ligados ao sistema fiscal e que, por conseguinte, se devia considerar que essas rulings conferiam uma vantagem seletiva à ASI e à AOE na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

493    À luz das considerações da Comissão, refira‑se, em primeiro lugar, que, na medida em que esta não conseguiu demonstrar a existência de uma vantagem através dos seus raciocínios a título principal e a título subsidiário, não pode, apenas através do seu raciocínio alternativo conforme acima descrito, demonstrar a existência de uma vantagem seletiva no caso presente. Com efeito, mesmo admitindo que estivesse demonstrada a existência de um poder discricionário das Autoridades Fiscais, essa existência de um poder discricionário não implica necessariamente que este tenha sido exercido de modo a diminuir a carga fiscal do beneficiário da ruling fiscal face ao que este deveria normalmente suportar.

494    Assim, o raciocínio a título alternativo da Comissão não basta para demonstrar a existência de um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

495    Em segundo lugar e em qualquer caso, a Comissão não conseguiu demonstrar que as autoridades irlandesas exerceram um poder discricionário alargado no caso presente.

496    Há que lembrar que, para demonstrar o caráter seletivo de uma vantagem fiscal, não é necessário que as autoridades nacionais competentes disponham do poder discricionário de conceder o seu benefício. No entanto, a existência desse poder pode ser suscetível de permitir a essas autoridades favorecerem certas empresas ou certas produções em detrimento de outras, nomeadamente no caso de as autoridades competentes disporem do poder discricionário de determinar os beneficiários e as condições da medida concedida com base em critérios alheios ao sistema fiscal (Acórdão de 25 de julho de 2018, Comissão/Espanha e o., C‑128/16 P, EU:C:2018:591, n.o 55).

497    Não se pode deixar de observar que, no considerando 381 da decisão recorrida, a Comissão se limitou a afirmar que a Irlanda não tinha identificado nenhuma norma objetiva relativa à repartição dos lucros de uma sociedade não residente para efeitos de aplicação do artigo 25.o do TCA 97. Daí concluiu diretamente, nesse mesmo considerando 381, que «tal significaria que o poder discricionário da Administração Fiscal irlandesa na aplicação dessa disposição não se base[ava] em critérios objetivos relacionados com o sistema fiscal, o que d[ava] origem a que se pressup[usesse] uma vantagem seletiva».

498    Ora, como acima se observa nos n.os 238 e 239, a aplicação do artigo 25.o do TCA 97 exige que se efetue uma análise objetiva dos factos, que inclua, em primeiro lugar, a identificação das atividades efetuadas pela sucursal, os ativos que utiliza para as suas funções e os riscos correspondentes que assuma e, em segundo lugar, a determinação do valor desse tipo de atividades no mercado. Esta análise corresponde, em substância, à proposta pela abordagem autorizada da OCDE.

499    Por conseguinte, a Comissão não pode sustentar que a aplicação do artigo 25.o do TCA 97 pelas Autoridades Fiscais irlandesas não comporta a utilização de nenhum critério coerente para determinar os lucros a imputar às sucursais irlandesas de sociedades não residentes.

500    É certo que, no caso, a aplicação do artigo 25.o do TCA 97 pelas Autoridades Fiscais irlandesas no quadro das rulings fiscais controvertidas não foi suficientemente documentada. Com efeito, como acima se observa nos n.os 347 e 433, as informações e a prova em apoio dessa aplicação foram muito sucintas. É certo que essa falta de análise documentada constitui uma falha metodológica lamentável no âmbito do cálculo dos lucros tributáveis da ASI e da AOE, avalizado pelas rulings fiscais controvertidas. Todavia, tal deficiência, por si só, não pode demonstrar que as rulings fiscais controvertidas foram a consequência do exercício de um poder discricionário alargado pelas Autoridades Fiscais irlandesas.

501    Em terceiro lugar, as onze rulings fiscais relativas à imputação de lucros às sucursais irlandesas de sociedades não residentes, examinadas pela Comissão nos considerandos 385 a 395 da decisão recorrida, não são suscetíveis de demonstrar a existência de um poder discricionário alargado das Autoridades Fiscais irlandesas que leve a favorecer as sociedades beneficiárias em relação a outras sociedades em situação comparável.

502    Com efeito, como resulta dos considerandos 385 a 395 da decisão recorrida, cada uma dessas onze rulings fiscais incide sobre sociedades com atividades completamente diferentes. Ora, como a própria Comissão refere no considerando 88 da decisão recorrida, a imputação de lucros entre várias sociedades associadas depende das funções exercidas, dos riscos assumidos e dos ativos utilizados por cada sociedade. Há que concluir, portanto, que o simples facto de as onze rulings fiscais validarem métodos de repartição dos lucros diferentes assenta precisamente no facto de as situações dos contribuintes serem diferentes. Assim, o facto de essas diferentes situações terem sido tidas em conta na adoção das rulings em questão de modo nenhum demonstra qualquer poder discricionário das Autoridades Fiscais irlandesas.

503    Decorre destas considerações que a Comissão não se pode apoiar na segunda parte do seu raciocínio a título alternativo para concluir pela existência de uma vantagem seletiva no caso presente.

504    Por conseguinte, há que julgar procedentes os fundamentos invocados pela Irlanda, pela ASI e pela AOE, relativos ao facto de, no âmbito do seu raciocínio a título alternativo, a Comissão não ter conseguido demonstrar a existência de uma vantagem no caso presente, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, sem que seja necessário examinar as alegações relativas à preterição de formalidades essenciais e à violação do direito de audiência, invocadas pela ASI e pela AOE contra as apreciações da Comissão no âmbito do referido raciocínio a título alternativo.

G.      Conclusões sobre a apreciação da Comissão relativa à existência de uma vantagem seletiva

505    Tendo em conta as conclusões que acima figuram nos n.os 312, 481 e 504, no sentido da procedência dos fundamentos invocados pela Irlanda, pela ASI e pela AOE contra as apreciações feitas pela Comissão no âmbito dos seus raciocínios efetuados a título principal, a título subsidiário e a título alternativo, há que concluir que a Comissão não demonstrou, no caso presente, que, ao adotar as rulings fiscais controvertidas, as Autoridades Fiscais irlandesas tinham concedido uma vantagem seletiva à ASI e à AOE, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

506    A esse respeito, há que lembrar que, embora, segundo jurisprudência assente, acima referida no n.o 100, a Comissão possa qualificar uma medida fiscal de auxílio de Estado, só o pode fazer no caso de estarem preenchidos os pressupostos dessa qualificação.

507    No caso, não tendo a Comissão conseguido fazer prova bastante da existência de uma vantagem na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, há que anular integralmente a decisão recorrida, sem que seja necessário examinar os outros fundamentos invocados pela Irlanda, pela ASI e pela AOE.

IV.    Quanto às despesas

508    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená‑la a suportar as suas próprias despesas, bem como as efetuadas pela Irlanda, no âmbito do processo T‑778/16, bem como pela ASI e pela AOE, em conformidade com os pedidos destas últimas.

509    Em conformidade com o artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a Irlanda, no âmbito do processo T‑892/16, o Grão‑Ducado do Luxemburgo, a República da Polónia e o Órgão de Fiscalização da EFTA suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção alargada)

decide:

1)      São apensados os processos T778/16 e T892/16 para efeitos do presente acórdão.

2)      É anulada a Decisão (UE) 2017/1283 da Comissão, de 30 de agosto de 2016, relativa ao auxílio estatal SA.38373 (2014/C) (ex 2014/NN) (ex 2014/CP) concedido pela Irlanda à Apple.

3)      A Comissão Europeia suportará as suas próprias despesas e as despesas da Irlanda, no âmbito do processo T778/16, e as despesas da Apple Sales International e da Apple Operations Europe.

4)      A Irlanda, no âmbito do processo T892/16, o GrãoDucado do Luxemburgo, a República da Polónia e o Órgão de Fiscalização da EFTA suportarão as respetivas despesas.

Van der Woude

Tomljenović

Marcoulli

Passer

 

Kornezov

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de julho de 2020.

Assinaturas


Índice


I. Antecedentes do litígio

A. Quanto ao historial do grupo Apple

1. No que respeita ao grupo Apple

2. No que respeita à ASI e à AOE

a) Quanto à estrutura societária

b) Quanto ao acordo de partilha de custos

c) Quanto ao acordo sobre os serviços de comercialização

3. No que respeita às sucursais irlandesas

B. Quanto às decisões fiscais impugnadas

1. No que respeita à ruling fiscal de 1991

a) Quanto à matéria coletável da ACL, antecessora da AOE

b) Quanto à matéria coletável da ACAL, antecessora da ASI

2. No que respeita à ruling fiscal de 2007

C. Quanto ao procedimento administrativo na Comissão

D. Quanto à decisão recorrida

1. Quanto à existência de uma vantagem seletiva

a) Quanto ao quadro de referência

b) Quanto ao princípio da plena concorrência

c) Quanto à vantagem seletiva devido à não imputação às sucursais irlandesas dos lucros resultantes das licenças de PI detidas pela ASI e pela AOE (raciocínio a título principal)

d) Quanto à vantagem seletiva devido à escolha inadequada dos métodos de imputação de lucros às sucursais irlandesas da ASI e da AOE (raciocínio subsidiário)

e) Quanto à vantagem seletiva resultante da derrogação do quadro de referência, mesmo admitindo que seja constituído unicamente pelo artigo 25.o do TCA 97, pelas rulings fiscais controvertidas, que não são conformes com o princípio da plena concorrência (raciocínio alternativo)

f) Conclusão sobre a vantagem seletiva

2. Quanto à incompatibilidade, à ilegalidade e à recuperação do auxílio

3. Quanto ao dispositivo

II. Tramitação do processo e pedidos das partes

A. Quanto ao processo T778/16

1. Composição da formação de julgamento e tratamento prioritário

2. Intervenções

3. Pedidos de tratamento confidencial

4. Pedidos das partes

B. Quanto ao processo T892/16

1. Composição da formação de julgamento, tratamento prioritário e apensação

2. Intervenções

3. Pedidos de tratamento confidencial

4. Pedidos das partes

C. Quanto à apensação dos processos e à fase oral do processo

III. Questão de direito

A. Quanto à apensação dos processos T778/16 e T892/16 para efeitos da decisão que ponha termo à instância

B. Quanto aos fundamentos invocados e quanto à estrutura do exame dos presentes recursos

C. Quanto aos fundamentos relativos ao facto de a Comissão ter excedido as suas competências e à sua ingerência nas competências dos EstadosMembros, nomeadamente em violação do princípio da autonomia fiscal (oitavo fundamento no processo T778/16 e décimo quarto fundamento no processo T892/16)

D. Quanto aos fundamentos relativos aos erros cometidos no âmbito do raciocínio da Comissão a título principal

1. Quanto ao exame conjunto dos critérios da vantagem e da seletividade (parcialmente segundo fundamento no processo T778/16)

2. Quanto à identificação do quadro de referência e às apreciações relativas à tributação normal nos termos do direito irlandês (parcialmente primeiro e segundo fundamentos no processo T778/16 e primeiro, segundo e quinto fundamentos no processo T892/16)

a) Quanto ao quadro de referência

b) Quanto às apreciações da Comissão relativas à tributação normal dos lucros nos termos do direito fiscal irlandês

1) Quanto à aplicação do artigo 25.o do TCA 97 (parcialmente segundo fundamento no processo T778/16 e parcialmente primeiro fundamento no processo T892/16)

2) Quanto ao princípio da plena concorrência (parcialmente primeiro fundamento e terceiro fundamento no processo T778/16 e parcialmente primeiro e segundo fundamentos no processo T892/16)

i) Quanto à possibilidade de a Comissão se basear no princípio da plena concorrência para verificar a existência de uma vantagem seletiva

ii) Quanto à questão de saber se a Comissão aplicou corretamente o princípio da plena concorrência no âmbito do seu raciocínio a título principal

3) Quanto à abordagem autorizada da OCDE (parcialmente segundo e quarto fundamentos no processo T778/16 e quinto fundamento no processo T892/16)

i) Quanto à possibilidade de a Comissão se apoiar na abordagem autorizada da OCDE

ii) Quanto à questão de saber se a Comissão aplicou corretamente a abordagem autorizada da OCDE no âmbito do seu raciocínio principal

4) Conclusões sobre a identificação do quadro de referência e sobre as apreciações relativas à tributação normal nos termos do direito irlandês

3. Quanto às apreciações da Comissão relativas às atividades no grupo Apple (primeiro fundamento no processo T778/16 e terceiro e quarto fundamentos no processo T892/16)

a) Quanto às atividades da sucursal irlandesa da ASI

b) Quanto às atividades da sucursal irlandesa da AOE

c) Quanto às atividades fora das sucursais da ASI e da AOE

1) Quanto à tomada de decisões estratégicas no grupo Apple

2) Quanto à tomada de decisões pela ASI e pela AOE

d) Conclusões sobre as atividades no grupo Apple

4. Conclusão sobre a apreciação da Comissão relativa à existência de uma vantagem seletiva com base no seu raciocínio a título principal

E. Quanto aos fundamentos que contestam as apreciações feitas pela Comissão no âmbito do raciocínio a título subsidiário (quarto fundamento no processo T778/16 e oitavo fundamento no processo T892/16)

1. Quanto à apreciação dos métodos de imputação dos lucros avalizados pelas rulings fiscais controvertidas à luz da MTML

2. Quanto à escolha das sucursais irlandesas da ASI e da AOE como «parte testada» na aplicação dos métodos de imputação de lucros

3. Quanto à escolha dos custos de exploração como indicador do nível dos lucros

a) Quanto à escolha dos custos de exploração enquanto indicador do nível dos lucros da sucursal irlandesa da ASI

1) Quanto ao indicador adequado do nível dos lucros

2) Quanto ao risco ligado ao volume de negócios

3) Quanto ao risco ligado às garantias dos produtos

4) Quanto aos riscos associados às atividades dos terceiros contratantes

b) Quanto à escolha dos custos de exploração como indicador do nível dos lucros da sucursal irlandesa da AOE

c) Conclusões sobre a escolha dos custos de exploração como indicador do nível dos lucros

4. Quanto aos níveis das remunerações aceites nas rulings fiscais controvertidas

a) Quanto à remuneração das sucursais irlandesas da ASI e da AOE, avalizada pela ruling fiscal de 1991

b) Quanto à remuneração das sucursais irlandesas da ASI e da AOE avalizada pela ruling fiscal de 2007

1) Quanto à escolha das sociedades utilizadas nas análises de comparabilidade

2) Quanto à análise da comparabilidade corrigida efetuada pela Comissão

5. Conclusões sobre as apreciações da Comissão no âmbito do seu raciocínio a título subsidiário

F. Quanto aos fundamentos que contestam as apreciações feitas pela Comissão no âmbito do raciocínio a título alternativo (quinto fundamento no processo T778/16 e nono fundamento no processo T892/16)

1. Quanto à primeira parte do raciocínio da Comissão a título alternativo

2. Quanto à segunda parte do raciocínio a título alternativo da Comissão

G. Conclusões sobre a apreciação da Comissão relativa à existência de uma vantagem seletiva

IV. Quanto às despesas


*      Língua do processo: inglês.


1 Informações confidenciais ocultadas.