Language of document : ECLI:EU:T:2019:377

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

6 de junho de 2019 (*)

«Desenho ou modelo comunitário — Processo de declaração de nulidade — Desenho ou modelo comunitário registado que representa um veículo motorizado — Desenho ou modelo comunitário anterior — Causa de nulidade — Falta de caráter singular — Artigo 6.o e artigo 25.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.o 6/2002»

No processo T‑209/18,

Dr. Ing. h.c. F. Porsche AG, com sede em Estugarda (Alemanha), representada por C. Klawitter, advogado,

recorrente,

contra

Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), representado por S. Hanne, na qualidade de agente,

recorrido,

sendo a outra parte no processo na Câmara de Recurso do EUIPO, interveniente no Tribunal Geral,

Autec AG, com sede em Nuremberga (Alemanha), representada por M. Krogmann, advogado,

que tem por objeto um recurso interposto da decisão da Terceira Câmara de Recurso do EUIPO de 19 de janeiro de 2018 (processo R 945/2016‑3), relativo a um processo de declaração de nulidade entre a Autec AG e a Dr. Ing. h.c. F. Porsche AG,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção),

composto por: S. Frimodt Nielsen, presidente, N. Półtorak e E. Perillo (relator), juízes,

secretário: R. Ūkelytė, administradora,

vista a petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 22 de março de 2018,

vista a contestação do EUIPO, apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 13 de julho de 2018,

vistas as observações da interveniente, apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral em 4 de julho de 2018,

vista a decisão de 7 de agosto de 2018, que indeferiu a junção aos autos da carta da recorrente de 23 de julho de 2018,

vista a decisão de 23 de agosto de 2018, que indeferiu a junção aos autos da carta da recorrente de 13 de agosto de 2018,

vista a decisão de 20 de setembro de 2018, que indeferiu a apensação dos processos T‑43/18, T‑191/18, T‑192/18, T‑209/18 e T‑210/18,

vista a designação de outro juiz para completar a Secção na sequência de um impedimento por parte de um dos seus membros,

vista a decisão de 14 de janeiro de 2019, que indeferiu a apensação dos processos T‑209/18 e T‑210/18 para efeitos da fase oral do processo,

após a audiência de 12 de fevereiro de 2019,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 20 de agosto de 2010, a requerente, Dr. Ing. h.c. F. Porsche AG, apresentou um pedido de registo de um desenho ou modelo comunitário ao Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), nos termos do Regulamento (CE) n.o 6/2002 do Conselho, de 12 de dezembro de 2001, sobre os desenhos ou modelos comunitários (JO 2002, L 3, p. 1).

2        O desenho ou modelo comunitário cujo registo foi pedido é representado do seguinte modo (a seguir «modelo controvertido» ou «modelo da série 991 do veículo “Porsche 911”»):

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3        Os produtos a que o modelo controvertido se destina a ser aplicado integram a classe 12.08 na aceção do Acordo de Locarno, de 8 de outubro de 1968, conforme alterado, que estabelece uma classificação internacional para os desenhos e modelos industriais, e corresponde à descrição seguinte: «Veículos motorizados».

4        O modelo controvertido foi publicado no Boletim de desenhos ou modelos comunitários n.o 2010/200, de 6 de setembro de 2010, com data de prioridade de 27 de abril de 2010, e as imagens do referido modelo foram publicadas no Boletim de desenhos ou modelos comunitários n.o 2012/172, de 7 de setembro de 2012.

5        Em 8 de julho de 2014, a interveniente, Autec AG, apresentou no EUIPO um pedido de declaração de nulidade do modelo controvertido. Este pedido foi apresentado com base no artigo 25.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 6/2002, em conjugação com o artigo 4.o, n.o 1, e os artigos 5.o e 6.o do mesmo regulamento

6        Em substância, a interveniente considerava que o modelo da série 991 do veículo «Porsche 911» não era novo nem apresentava caráter singular, o que impedia a sua proteção. Em apoio do seu pedido, alegava, no essencial, que o modelo controvertido não se distinguia sensivelmente dos outros modelos do veículo «Porsche 911» colocados no mercado após a versão original de 1963.

7        A este respeito, a interveniente invocou, em especial, os seguintes desenhos ou modelos comunitários:

–        o desenho ou modelo comunitário n.o 735428‑0001 (a seguir «modelo anterior» ou «modelo da série 997 do veículo «Porsche 911»), registado para «veículos motorizados» e publicado em 23 de junho de 2008, que é reproduzido do seguinte modo:

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–        o desenho ou modelo comunitário n.o 633748‑0001, registado para «automóveis» e publicado em 9 de janeiro de 2007, que é reproduzido do seguinte modo:

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8        A interveniente juntou igualmente ao seu pedido de declaração de nulidade diversos artigos de imprensa relativos ao design do veículo «Porsche 911».

9        Por Decisão de 10 de maio de 2016, a Divisão de Anulação do EUIPO julgou procedente o pedido de declaração de nulidade e declarou nulo o modelo controvertido por não ter caráter singular.

10      Em 23 de maio de 2016, o recorrente interpôs no EUIPO um recurso da decisão da Divisão de Anulação, ao abrigo do disposto nos artigos 55.o a 60.o do Regulamento n.o 6/2002.

11      Por Decisão de 19 de janeiro de 2018 (a seguir «decisão impugnada»), a Terceira Câmara de Recurso do EUIPO negou provimento ao recurso por falta de caráter singular, na aceção do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002.

12      A Câmara de Recurso considerou que, em primeiro lugar, no caso dos automóveis, a liberdade do criador estava limitada pelas características técnicas do produto em causa, tais como as de possuir uma carroçaria e rodas, bem como pelas prescrições legais, nomeadamente em matéria de segurança rodoviária, como por exemplo, as de ter faróis, retrovisores e luzes traseiras.

13      Em seguida, essa instância considerou que, no que respeita à conceção de tais características impostas pela função técnica ou pelas prescrições legais, a liberdade do criador não estava, em contrapartida, sujeita a qualquer restrição. Precisou igualmente que o utilizador dos produtos em causa era o utilizador informado sobre os automóveis em geral, a saber, uma pessoa que conduzia, utilizava e conhecia os modelos de automóveis disponíveis no mercado.

14      Neste contexto, a Câmara de Recurso considerou que os modelos em conflito coincidiam, em definitivo, pelas suas características essenciais, tais como a forma ou a silhueta da sua carroçaria, das suas portas e dos seus vidros.

15      A Câmara de Recurso concluiu, assim, que a existência do modelo da série 997 do veículo «Porsche 911» bastava para obstar ao caráter singular do modelo da série 991 desse veículo e que não era, portanto, necessário proceder ao exame do desenho ou modelo comunitário n.o 633748‑0001, invocado pela interveniente, nem questionar‑se sobre a novidade do modelo controvertido.

 Pedidos das partes

16      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        julgar improcedente o pedido de declaração de nulidade do «desenho ou modelo […] n.o 198387‑0001».

17      O EUIPO e a interveniente concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

18      Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca, em substância, um fundamento único, relativo à violação do artigo 25.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 6/2002, em conjugação com os artigos 5.o e 6.o do mesmo regulamento.

19      Neste âmbito, alega, no essencial, que a impressão global que o modelo controvertido suscita no utilizador informado sobre este tipo de veículo é diferente da produzida pelo modelo anterior, invocado pela interveniente em apoio do seu pedido de declaração de nulidade. Com efeito, os dois modelos em conflito distinguem‑se pela «sua aparência exterior» de forma «considerável» e «tão evidente» que a Câmara de Recurso não podia, sem cometer um erro de apreciação, considerar que o modelo controvertido não possuía caráter singular.

20      Resumido este fundamento, importa recordar que, por força do artigo 25.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 6/2002, um desenho ou modelo comunitário será declarado nulo se não preencher os requisitos previstos nos artigos 4.o a 9.o do mesmo regulamento.

21      A este respeito, o artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002, esclarece que um desenho ou modelo só será protegido enquanto desenho ou modelo comunitário na medida em que seja novo e possua caráter singular.

 Quanto à primeira parte do fundamento único, relativa à violação do artigo 25.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 6/2002, em conjugação com o artigo 6.o do mesmo regulamento

22      Resulta da redação do artigo 6.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 6/2002 que o caráter singular de um desenho ou modelo comunitário deve, antes de mais, ser apreciado à luz da impressão global que suscita no utilizador informado em causa [v. Acórdão de 25 de outubro de 2013, Merlin e o./IHMI — Dusyma (Jogos), T‑231/10, não publicado, EU:T:2013:560, n.o 28 e jurisprudência referida]. Além disso, esta impressão global deve ser diferente da suscitada por qualquer desenho ou modelo divulgado junto do público antes da data de depósito do pedido de registo ou, caso seja reivindicada prioridade, antes da data dessa prioridade.

23      Por outro lado, o artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002 esclarece que, na apreciação do caráter singular que esteja em questão, deve ser tido em consideração o grau de liberdade de que o criador dispôs na realização do desenho ou modelo em causa.

24      Recordados estes requisitos legais, há que salientar que a jurisprudência pertinente esclarece, a este respeito, que o caráter individual de um desenho ou de um modelo deve resultar de uma impressão global, do ponto de vista do utilizador informado, de diferença ou de inexistência de «déjà vu», relativamente a qualquer desenho ou modelo anterior. Nesta perspetiva, as diferenças que não são suficientemente marcadas para afetar essa impressão global não podem ser tidas em conta, apenas podendo ser decisivas as diferenças suficientemente marcadas para criar impressões globais distintas [v. Acórdão de 7 de novembro de 2013, Budziewska/IHMI ‑ Puma (Felino a saltar), T‑666/11, não publicado, EU:T:2013:584, n.o 29 e jurisprudência referida].

25      À luz dos critérios acima mencionados, importa analisar se, do ponto de vista do utilizador informado e tendo em consideração o grau de liberdade de que, no caso, o criador de um modelo pode beneficiar, a impressão global suscitada pelo modelo controvertido difere da suscitada pelo modelo anterior.

 Quanto ao utilizador informado

26      No que diz respeito à interpretação do conceito de utilizador informado, há que considerar que a qualidade de «utilizador informado» implica que a pessoa em causa utilize o produto no qual está incorporado o desenho ou modelo conforme a utilização a que o referido produto se destina. Além disso, o adjetivo «informado» sugere que, sem ser necessariamente um perito técnico, o utilizador em questão conhece os diferentes desenhos ou modelos existentes no setor em causa, dispõe de um certo grau de conhecimentos quanto aos elementos que estes desenhos ou modelos normalmente incluem e, devido ao seu interesse nos produtos em causa, demonstra um grau de atenção relativamente elevado quando os utiliza [Acórdãos de 20 de outubro de 2011, PepsiCo/Grupo Promer Mon Graphic, C‑281/10 P, EU:C:2011:679, n.o 59, e de 28 de setembro de 2017, Rühland/EUIPO — 8 seasons design (Lâmpada em estrela), T‑779/16, não publicado, EU:T:2017:674, n.o 19].

27      O conceito de utilizador informado deve assim ser entendido como um conceito intermédio entre o conceito de consumidor médio, aplicável em matéria de marcas, a quem não se exige nenhum conhecimento específico e que, regra geral, não efetua aproximações diretas entre as marcas em conflito, e o conceito de uma pessoa do ramo, ou seja, um perito dotado de certas competências técnicas. Assim, pode entender‑se que o conceito de utilizador informado designa um utilizador dotado não de uma atenção média mas de uma vigilância especial sobre os produtos em causa, em razão da sua experiência pessoal ou do seu amplo conhecimento do setor em causa (v., neste sentido, Acórdão de 20 de outubro de 2011, PepsiCo/Grupo Promer Mon Graphic, C‑281/10 P, EU:C:2011:679, n.o 53).

28      No caso em apreço, a Câmara de Recurso considerou, nos n.os 19 a 21 da decisão impugnada, que o utilizador informado dos produtos em causa pelos modelos em conflito não era o utilizador do veículo «Porsche 911», mas o dos automóveis em geral, que conhecia os modelos disponíveis no mercado e mostrava um nível de atenção e de interesse acrescido. Além disso, os seus conhecimentos do mercado em causa permitiam a um tal utilizador informado saber, em geral, que os construtores de automóveis não concebiam constantemente novos modelos, contentando‑se, tendo em conta o elevado custo de conceção, em modernizar, pelo menos num primeiro momento, os modelos existentes.

29      Para pôr em causa a apreciação da Câmara de Recurso, a recorrente alegou, contudo, tanto na petição como na audiência que, no caso em apreço, o utilizador informado teria demonstrado um grau de atenção mais elevado do que o considerado pela Câmara de Recurso e teria conhecimentos superiores à média que o teriam levado a estar particularmente atento às diferentes variantes de modelos do veículo «Porsche 911».

30      Isso seria assim porque o interesse do utilizador nos veículos a que os modelos em conflito se destinam a ser aplicados e os conhecimentos de que disporia do setor comercial em causa seriam particularmente importantes, uma vez que se trataria de «limousines» ou de «veículos desportivos caros», o que é precisamente o caso, na situação em apreço, do modelo da viatura «Porsche 911», presente no mercado há décadas. Por conseguinte, o utilizador informado, contrariamente ao que teria considerado a Câmara de Recurso, não pode ser uma «pessoa fictícia» ou um sujeito indeterminado, devendo antes ser identificado «de forma empírica face ao produto em causa».

31      O EUIPO e a interveniente contestam os argumentos da recorrente.

32      Tendo sido assim resumidas as acusações feitas pela recorrente, importa, em primeiro lugar, salientar que, em várias ocasiões, esta alega que os produtos a que se referem os modelos em conflito apenas visam os «veículos desportivos» ou as «limousines», ou mesmo apenas o veículo «Porsche 911», e não, como a Câmara de Recurso quis considerar, os «automóveis» em geral ou os «veículos motorizados».

33      A este respeito, importa no entanto recordar que, em primeiro lugar, para determinar os produtos a que um desenho ou modelo se destina a ser incorporado ou aplicado, importa, antes de mais, ter em conta a indicação pertinente que aparece no pedido de registo [Acórdão de 18 de julho de 2017, Chanel/EUIPO — Jing Zhou e Golden Rose 999 (Ornamento), T‑57/16, EU:T:2017:517, n.o 41].

34      Em segundo lugar, importa igualmente ter em conta, sendo caso disso, o próprio desenho ou modelo, na medida em que permite precisar a natureza, o destino ou a função do produto. Tal consideração pode, com efeito, permitir identificar o produto em causa no seio de uma categoria de produtos mais ampla, como a indicada no registo [v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Grupo Promer Mon Graphic/IHMI — PepsiCo (Representação de um suporte promocional circular), T‑9/07, EU:T:2010:96, n.o 56].

35      Ora, se é pacífico entre as partes que o modelo controvertido visa ser aplicado a veículos motorizados, a simples qualificação de «veículos desportivos» ou de «limousines» dada pela recorrente aos produtos aos quais o modelo controvertido se destina a ser aplicado não bastaria, por falta de precisões nesse sentido, para demonstrar que esse modelo, que representa o da série 991 do veículo «Porsche 911», permitiria identificar uma categoria especial de automóveis, na medida em que esses veículos se distinguem dos automóveis em geral pela sua natureza, destino ou ainda a sua função.

36      Com efeito, por um lado, essa categoria específica não existe na atual classificação internacional para os desenhos e modelos industriais (v. n.o 3 acima) e, por outro lado, a recorrente requereu e obteve ela própria o registo do modelo controvertido para os produtos da classe 12:08 e que corresponde à descrição que se segue: «Automóveis, autocarros e camiões».

37      Nestas circunstâncias, a recorrente também não pode utilmente acusar a Câmara de Recurso de ter considerado que o conceito de utilizador informado remetia para uma «pessoa fictícia», uma vez que tal conceito jurídico, criado precisamente para efeitos da análise do caráter singular de um desenho ou modelo com base no artigo 6.o do Regulamento n.o 6/2002, só pode ser definido de modo geral, enquanto referência a uma pessoa que apresenta qualidades padrão, e não caso a caso por referência a este ou aquele modelo (v., neste sentido, Acórdão de 7 de novembro de 2013, Felino a saltar, T‑666/11, não publicado, EU:T:2013:584, n.o 32).

38      A este respeito, para rejeitar os argumentos da recorrente relativos à falta de uma análise concreta do utilizador informado (v. n.o 30, acima) a Câmara de Recurso limitou‑se, é certo, à definição dada pela jurisprudência acima recordada, sem, portanto, explicar em que medida o facto de certos modelos estarem presentes no mercado há dezenas de anos não permitiria considerar que o utilizador desses modelos, como no caso do veículo «Porsche 911», manifestaria uma atenção especial e possuiria, como sublinha a recorrente, conhecimentos superiores à média.

39      No entanto, tal circunstância não pode ferir a decisão impugnada de fundamentação insuficiente, uma vez que a Câmara de Recurso indicou precisamente no n.o 20 da decisão impugnada que, segundo a jurisprudência já mencionada, importava considerar, no caso em apreço, a categoria de produtos e não o produto concretamente visado, de modo que não havia necessidade de ter em conta o utilizador informado de um veículo «Porsche 911», mas sim o dos automóveis em geral.

40      Ora, mesmo que a recorrente não partilhe de tal análise, não deixa de ser verdade que, quanto a este ponto, o raciocínio da Câmara de Recurso é apresentado de forma clara e inequívoca, de modo a permitir à recorrente conhecer, de modo juridicamente suficiente, as justificações da medida tomada.

41      Consequentemente, a Câmara de Recurso podia igualmente, sem cometer nem um erro de direito nem um erro processual, não ter em conta, na sua apreciação do conceito de utilizador informado dos produtos aos quais se destinavam os modelos em conflito, sondagens de opinião realizadas junto do público de automóveis desportivos, desde que a recorrente tivesse efetivamente pretendido invocar essas sondagens em apoio da sua argumentação. De qualquer modo, no caso de a recorrente ter pretendido acusar a Câmara de Recurso de não ter realizado tais sondagens, essa acusação não é pertinente, uma vez que a atenção do utilizador normal, definida de modo geral, não pode ser verificada empiricamente.

42      Além disso, supondo que a recorrente tenha pretendido invocar uma violação dos seus direitos de defesa por não ter podido «fazer prova em contrário», a simples remissão, na petição, para a menção «sondagens de opinião» bem como para os artigos de imprensa relativos ao «GOLF VIII» não são suficientes, claramente, para demonstrar as alegações da recorrente segundo as quais o grau de atenção e de conhecimento do utilizador informado de automóveis desportivos é mais elevado do que o manifestado por um utilizador de automóveis em geral, limitando‑se a recorrente a afirmar a este respeito que a viatura «Porsche 911» é «evidentemente» objeto de uma atenção «consideravelmente mais importante» do que os «veículos normais», os quais não apresentariam características particulares e seriam «mais ou menos sucedâneos».

43      Tendo em conta tudo o que precede, a alegação de que a Câmara de Recurso cometeu erros na definição do conceito de utilizador informado deve, por conseguinte, ser afastada.

 Quanto à liberdade do criador

44      Resulta da jurisprudência aplicável que o grau de liberdade do criador é definido, nomeadamente, pelas limitações ligadas às características impostas pela função técnica do produto em causa ou por prescrições legais aplicáveis ao referido produto. Estas limitações, efetivamente, conduzem, ou mesmo obrigam, a uma espécie de normalização de certos componentes dos produtos em questão, que passam a ser comuns ou mesmo inevitáveis, a vários desenhos ou modelos aplicados ao produto em causa [Acórdão de 10 de setembro de 2015, H&M, Hennes & Mauritz/IHMI — Yves Saint Laurent (malas de mão), T‑525/13, EU:T:2015:617, n.o 28; v., igualmente, Acórdão de 15 de outubro de 2015, Promarc Technics/IHMI — PIS (Parte de uma porta), T‑251/14, não publicado, EU:T:2015:780, n.o 51 e jurisprudência referida].

45      Por conseguinte, quanto maior for a liberdade do criador na elaboração de um desenho ou modelo, menos as diferenças menores entre os desenhos ou modelos comparados são suficientes para suscitar uma impressão global diferente no utilizador informado. Inversamente, quanto mais a liberdade do criador na elaboração de um desenho ou modelo for restringida, nomeadamente pelas limitações acima mencionadas, mais as diferenças menores entre os desenhos ou modelos comparados são suficientes para suscitar uma impressão global diferente nessa categoria de utilizadores.

46      Assim, um grau elevado de liberdade do criador na elaboração de um desenho ou modelo reforça a conclusão de que os desenhos ou modelos comparados que não apresentam diferenças significativas suscitam a mesma impressão global no utilizador informado (v. Acórdão de 15 de outubro de 2015, Parte de uma porta, T‑251/14, não publicado, EU:T:2015:780, n.o 52 e jurisprudência referida).

47      Importa, no entanto, recordar que o fator relativo à liberdade do criador não pode, por si só, condicionar a apreciação do caráter singular de um desenho ou modelo, mas, em contrapartida, é um elemento a ter em conta nessa apreciação.

48      A liberdade do criador é, neste contexto, um fator que permite mitigar a apreciação do caráter individual do desenho controvertido, em vez de um fator autónomo que determina a distância exigida entre dois desenhos ou modelos para que um deles demonstre um caráter singular. Dito de outro modo, o fator relativo ao grau de liberdade do criador pode reforçar ou, a contrario, atenuar a conclusão quanto à impressão global suscitada por cada desenho ou modelo em causa [v. neste sentido, Acórdão de 10 de setembro de 2015, H&M Hennes & Mauritz/IHMI — Yves Saint Laurent (Malas de mão), T‑526/13, não publicado, EU:T:2015:614, n.os 33 e 35].

49      Em definitivo, não se pode considerar que o desenho ou modelo é, enquanto tal, a reprodução de um desenho ou modelo anterior ou o mero desenvolvimento figurativo da ideia original, reproduzido pela primeira vez dentro deste (v. Acórdão de 18 de julho de 2017, Ornamento, T‑57/16, EU:T:2017:517, n.o 32 e jurisprudência referida).

50      No caso em apreço, a Câmara de Recurso considerou que, estando em causa automóveis, a liberdade do criador estava limitada pela função técnica desses veículos, que servem para o transporte de pessoas e cargas e que implicam necessariamente, por exemplo, a presença de rodas e de uma carroçaria. Considerou igualmente que a liberdade do criador era restringida pelas prescrições legais, nomeadamente em matéria de segurança rodoviária, como, por exemplo, a presença obrigatória de faróis, de luzes traseiras ou de retrovisores laterais. A Câmara de Recurso considerou, em contrapartida, que a liberdade do criador quanto à conceção desses componentes, imposta pela finalidade desses meios de transporte bem como pelas disposições legais de segurança que devem ser respeitadas, não estava sujeita a qualquer restrição.

51      Para pôr em causa esta apreciação, a recorrente sustenta, no entanto, que a liberdade do criador está, no caso em apreço, limitada pelas expectativas do mercado, uma vez que os consumidores esperam que a «ideia criadora» ou a matriz original da viatura «Porsche 911», percecionada como «icónica», seja conservada nos modelos seguintes e que, consequentemente, só seja desenvolvida dentro de certos limites. Por conseguinte, a Câmara de Recurso deveria «reconhecer e ponderar», no âmbito da sua análise jurídica, as pequenas diferenças existentes entre as sucessivas séries do veículo «Porsche 911».

52      O EUIPO e a interveniente contestam os argumentos da recorrente.

53      A este respeito importa, antes de mais, observar que a argumentação da recorrente parte da premissa de que o grau de liberdade do criador para apreciar o caráter singular do modelo controvertido deve ter em consideração as características próprias do referido modelo e não as características dos produtos aos quais se destina a ser aplicado.

54      No entanto, como já foi dito no n.o 34, acima, só poderia ser assim se o modelo controvertido especificasse a natureza, o destino ou a função do produto no qual esse desenho ou modelo se destina a ser aplicado, o que não é o caso no presente processo, precisamente pelos motivos acima recordados no n.o 35. Consequentemente, com base na jurisprudência acima referida nos n.os 45 a 46, não se trata, no caso em apreço, de apreciar o grau de liberdade do criador da série 991 do veículo «Porsche 911», mas o de um criador de automóveis em geral.

55      A Câmara de Recurso podia, portanto, considerar com razão que o argumento da recorrente era destituído de pertinência e, por conseguinte, não o ter em conta para apreciar o grau de liberdade do criador na sua análise sobre o caráter singular do desenho ou modelo controvertido.

56      De qualquer modo, o grau de liberdade do criador, na aceção do artigo 6.o do Regulamento n.o 6/2002, é definido, em conformidade com a jurisprudência acima recordada no n.o 44, a partir das limitações suscetíveis de conduzir a uma normalização de certos componentes dos produtos aos quais se destina a ser aplicado o desenho ou modelo em causa, a saber, exigências de natureza essencialmente normativa que se impõem objetivamente, e ex lege, a todos os criadores de desenhos ou modelos destinados a ser aplicados aos produtos em causa.

57      Ora, as expectativas dos consumidores como as reivindicadas pela recorrente, a saber, reencontrar a «ideia criadora» ou a matriz do modelo inicial do veículo «Porsche 911» nas séries seguintes, não podem constituir uma restrição normativa que limite necessariamente a liberdade de um criador de veículos automóveis, na medida em que não estão ligadas nem à natureza nem ao destino desse produto, no qual o modelo controvertido é incorporado, nem ainda ao setor industrial a que pertence esse produto.

58      Pelo contrário, segundo as próprias palavras da recorrente, estas expectativas dizem unicamente respeito ao caráter «icónico» do design do veículo «Porsche 911», ou seja, à vontade presumida dos consumidores de permanecer fiéis no tempo, sem que o seu criador, independentemente de considerações estéticas ou comerciais, seja necessariamente obrigado a respeitá‑las para assegurar o funcionamento do produto ao qual o modelo em causa se destina a ser aplicado.

59      Por conseguinte, pode afirmar‑se que uma tendência geral em matéria de design, suscetível de satisfazer as expectativas dos consumidores interessados, não pode ser considerada como limitativa da liberdade do criador [v., neste sentido, Acórdão de 17 de novembro de 2017, Ciarko/EUIPO — Maan (exaustor de cozinha), T‑684/16, não publicado, EU:T:2017:819, n.os 29 e 30 e jurisprudência referida], e isto na medida em que tal liberdade permite ao criador descobrir novas formas, novas linhas, ou inovar dentro do quadro de uma tendência figurativa já existente [Acórdão de 13 novembro de 2012, Antrax It/IHMI — THC (Radiadores de aquecimento), T‑83/11 e T‑84/11, EU:T:2012:592, n.o 95].

60      A este respeito, a Câmara de Recurso, contrariamente ao que sustenta a recorrente, podia, portanto, referir‑se utilmente a essa jurisprudência para rejeitar a acusação desta última e afastar, na sua análise sobre a liberdade do criador na elaboração do modelo controvertido, a tomada em consideração das particularidades do veículo «Porsche 911».

61      Nestas condições, foi portanto com razão que a Câmara de Recurso considerou que não havia que ter em conta as expectativas potenciais do mercado para definir, no caso em apreço, o grau de liberdade do criador.

62      A recorrente não pode, por outro lado, pôr em causa esta conclusão remetendo para um Acórdão do Oberlandesgericht Stuttgart (Tribunal Superior Regional de Estugarda, Alemanha). Com efeito, a legalidade das decisões das Câmaras de Recurso deve ser apreciada unicamente com base no Regulamento n.o 6/2002, tal como interpretado pelo juiz da União, e não com base numa jurisprudência nacional, incluindo, de resto, no caso de esta se basear em disposições análogas às desse regulamento [v., neste sentido, Acórdão de 4 julho de 2017, Murphy/EUIPO — Nike Innovate (Pulseira para relógio eletrónico), T‑90/16, não publicado, EU:T:2017:464, n.o 72 e jurisprudência referida].

63      Pela mesma razão, a recorrente também não pode impor ao EUIPO as considerações que constam no Livro Verde da Comissão sobre a proteção jurídica dos desenhos e modelos industriais, admitindo que esse documento seja suscetível de ser juridicamente vinculativo.

 Quanto à comparação das impressões globais suscitadas pelos desenhos ou modelos em conflito

64      A Câmara de Recurso considerou que o modelo controvertido não produzia, no espírito do utilizador informado, uma impressão global diferente da produzida pelo modelo anterior. Considerou, com efeito, que as imagens destes dois modelos coincidiam na sua forma e na silhueta da sua carroçaria, nomeadamente ao nível das dimensões e das proporções, da forma e disposição dos seus vidros e portas, da forma do capot traseiro, do spoiler traseiro, bem como na forma e disposição dos seus faróis da frente. Concluiu que as ligeiras diferenças que apareciam nas imagens de frente e traseira destes dois modelos, nomeadamente na convexidade do capot dianteiro, na forma dos retrovisores exteriores, na forma e na disposição das luzes traseiras, ou ainda na realização do para‑choques traseiro ou na forma do escape, não podiam ser consideradas características suficientemente marcantes para afetar significativamente a impressão global suscitada no utilizador informado.

65      Por seu lado, a fim de pôr em causa a referida apreciação da Câmara de Recurso, a recorrente sustenta, a título preliminar, que esta cometeu vários erros de direito ou erros processuais na análise do caráter singular do modelo controvertido.

66      Assim, a Câmara de Recurso deveria ter tido em conta a apresentação publicitária do produto e as reproduções fotográficas juntas aos autos, as quais ilustram situações de utilização concreta desse produto e não apenas imagens apresentadas para fundamentar os pedidos de registo e de declaração de nulidade. Com efeito, tais elementos permitem ter em conta a utilização do produto de acordo com aquilo a que se destina, o que a Câmara de Recurso deveria ter tido em conta no âmbito de uma comparação direta dos modelos em conflito.

67      Em seguida, a recorrente acusa a Câmara de Recurso de não ter tido em conta as particularidades do comportamento de consumo do utilizador informado e, designadamente, do facto de que, enquanto potencial comprador, este utilizador prestará necessariamente atenção às diferenças, ainda que mínimas, entre as séries de um mesmo modelo, na medida em que é informado pela publicidade e pelos meios de comunicação social daquilo que o mercado e as tendências da moda oferecem, e, por conseguinte, o que o distingue dos modelos anteriores o modelo de um veículo novo no mercado. Assim, tratando‑se, no caso em apreço, de comparar produtos similares, há que apreciar o caráter singular do modelo controvertido tendo em conta as exigências do mercado.

68      Além disso, a Câmara de Recurso cometeu um erro de direito por ter colocado, a fim de reconhecer o caráter singular de um desenho ou modelo, «requisitos substancialmente mais elevados» do que os exigidos pela jurisprudência na apreciação da novidade desse desenho ou modelo. Com efeito, tal novidade seria efetivamente admitida mesmo quando as diferenças entre o modelo controvertido e o modelo anterior, sem serem insignificantes, podem ser consideradas fracas.

69      Por último, a Câmara de Recurso não procedeu a uma análise global, mas adotou um ponto de vista «mais técnico e fracionado», limitando‑se a estabelecer as concordâncias e as diferenças entre os modelos em conflito sem proceder, em definitivo, a uma comparação das impressões globais que daí teriam resultado.

70      O EUIPO e a interveniente contestam todos estes argumentos.

71      A este propósito, convém, a título preliminar, recordar que resulta da jurisprudência aplicável na matéria que a comparação das impressões globais produzidas pelos desenhos ou modelos deve ser sintética e não se pode limitar à comparação analítica de uma enumeração de semelhanças e de diferenças [Acórdão de 29 de outubro de 2015, Roca Sanitário/IHMI — Villeroy & Boch (Torneira monocomando), T‑334/14, não publicado, EU:T:2015:817, n.o 58].

72      Para a análise do caráter singular de um modelo, importa, portanto, proceder a uma comparação entre, por um lado, a impressão global suscitada pelo desenho ou modelo comunitário controvertido e, por outro, a impressão global suscitada por cada um dos desenhos ou modelos anteriores validamente invocados pelo requerente da declaração de nulidade [Acórdão de 22 de junho de 2010, Shenzhen Taiden/IHMI — Bosch Security Systems (Equipamento de comunicação), T‑153/08, EU:T:2010:248, n.o 24].

73      Por outro lado, essa comparação deve incidir apenas sobre elementos efetivamente protegidos, sem ter em conta as características excluídas da proteção. Assim, a referida comparação deve abranger os desenhos ou modelos conforme foram registados, sem que possa ser exigido ao requerente da declaração de nulidade uma representação gráfica do desenho ou modelo invocado que seja comparável à representação que figura no pedido de registo do desenho ou modelo controvertido (v. Acórdão de 7 novembro de 2013, Felino a saltar, T‑666/11, não publicado, EU:T:2013:584, n.o 30 e jurisprudência referida).

74      A obrigação de efetuar uma comparação entre as impressões globais suscitadas pelos desenhos ou modelos em causa não impede que entretanto sejam tomados em consideração elementos que foram divulgados ao público de modos diferentes, em especial, pela apresentação de um produto que incorpora o desenho ou modelo registado.

75      Com efeito, o objetivo do registo de um desenho ou modelo é obter um direito exclusivo, nomeadamente sobre o fabrico e a comercialização do produto que representa, o que implica que as representações que figuram no pedido de registo estejam, regra geral, estreitamente ligadas à aparência do produto colocado no mercado (Acórdão de 22 de junho de 2010, Equipamento de comunicação, T‑153/08, EU:T:2010:248, n.o 25).

76      Neste contexto, conta‑a tomada em consideração, mesmo que a título de ilustração aquando da referida comparação, dos produtos efetivamente comercializados vale, no entanto, apenas na medida em que corresponda aos desenhos ou modelos tal como registados (v., neste sentido, Acórdão de 20 de outubro de 2011, PepsiCo/Grupo Promer Mon Graphic, C‑281/10 P, EU:C:2011:679, n.os 73 e 74).

77      Recordados estes precedentes jurisprudenciais, importa salientar, antes de mais, que a Câmara de Recurso considerou, como resulta do n.o 30 da decisão impugnada, que a impressão global produzida pelo modelo controvertido, tal como representado na imprensa especializada que a recorrente invocou, não foi confirmada à luz das imagens desse modelo juntas aos autos.

78      Do mesmo modo, e contrariamente ao que a recorrente dá a entender, a Câmara de Recurso procedeu a uma comparação direta entre a impressão global produzida pelo modelo controvertido e a produzida pelo modelo anterior, como resulta do n.o 23 da decisão impugnada. A este propósito, também não se pode sustentar que essa comparação teria sido feita sem ter em conta a utilização do produto em causa de acordo com o seu destino, visto que a Câmara de Recurso indicou expressamente, no n.o 21 da decisão impugnada, que o utilizador informado era aquele que conduzia e utilizava automóveis.

79      Além disso, a recorrente também não pode validamente sustentar que a Câmara de Recurso não tomou em consideração as circunstâncias específicas do mercado em causa. Na realidade, esta última precisou igualmente, no mesmo n.o 21 da decisão impugnada, que se devia considerar que esse utilizador não podia deixar de ter conhecimento do facto de que os construtores não concebiam modelos novos em permanência, devido ao seu custo elevado, mas procediam, de preferência, a uma modernização regular dos modelos existentes, nomeadamente quando tinham tido uma boa aceitação no mercado relevante pelos utilizadores informados, permitindo tal gestão de modelo, simultaneamente, seguir as tendências gerais da moda sem abandonar, no entanto, as características típicas de cada modelo do respetivo veículo.

80      No que diz respeito, em seguida, ao erro de direito cometido pela Câmara de Recurso por ter colocado, no que respeita ao reconhecimento do caráter singular do modelo controvertido, «requisitos substancialmente mais elevados» do que os indispensáveis para reconhecer a «novidade» deste último, importa salientar que, mesmo se o requisito de novidade colocado pelo artigo 5.o do Regulamento n.o 6/2002 e o do caráter singular previsto no artigo 6.o do mesmo regulamento possam, em certa medida, sobrepor‑se, como sublinhou com razão a recorrente na audiência, estes dois requisitos não podem, todavia, ser confundidos no plano jurídico, uma vez que o seu respeito se aplica a dois motivos de nulidade distintos, que, por conseguinte, respondem a critérios juridicamente diferentes.

81      Resulta, com efeito, do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 6/2002 que dois desenhos ou modelos serão considerados idênticos se as suas características diferirem apenas em pormenores insignificantes, ou seja, pormenores que não produzirão diferenças, ainda que fracas, entre os referidos desenhos ou modelos. A contrario, a fim de apreciar a novidade de um desenho ou modelo, há que verificar se existem diferenças entre os desenhos ou modelos antigos e novos que não sejam insignificantes, mesmo que sejam pequenas [Acórdão de 6 de junho de 2013, Kastenholz/IHMI — Qwatchme (Mostradores de relógio), T‑68/11, EU:T:2013:298, n.o 37]

82      Assim, a redação e o alcance do artigo 6.o, conforme recordado no n.o 22, acima, não correspondem aos do artigo 5.o do Regulamento n.o 6/2002, como pretende, no entanto, sustentar a recorrente, interpretando, aliás, de forma errada o Acórdão de 6 de junho de 2013, Mostradores de relógio (T‑68/11, EU:T:2013:298). Por conseguinte, um desenho ou modelo poderá ser considerado novo, na aceção do artigo 5.o do Regulamento n.o 6/2002, mesmo que não apresente um caráter singular na aceção do artigo 6.o do referido regulamento [v., neste sentido, Acórdão de 14 de março de 2018, Gifi Diffusion/EUIPO — Crocs (Sapatos), T‑424/16, não publicado, EU:T:2018:136, n.o 48].

83      Resulta do exposto que o facto de a Câmara de Recurso ter rejeitado diferenças como «insuficientes» que, mesmo considerando‑as como pequenas, não podiam ser consideradas inócuas, não pode ser censurado como um erro de direito.

84      Assim, não tendo a recorrente precisado os «requisitos substancialmente mais elevados» que a Câmara de Recurso deveria, em seu entender, ter aplicado, a acusação em causa não pode ser acolhida.

85      Em definitivo, contrariamente ao que sustenta a recorrente, a Câmara de Recurso procedeu corretamente e de forma adequada a um exame de todos os elementos de diferença e de semelhança entre os modelos em conflito quando da comparação entre a impressão global produzida pelo modelo controvertido e a produzida no utilizador informado pelo modelo anterior.

86      De resto, a Câmara de Recurso não só analisou as imagens dianteiras e traseiras dos dois modelos em conflito, quer enquanto «consideradas individualmente», como também as analisou de modo «combinado», como resulta do n.o 29 da decisão impugnada, para concluir que as diferenças que surgem nessas imagens não eram suscetíveis de influenciar significativamente a impressão global suscitada no utilizador informado. Assim, a acusação em questão carece de base factual.

87      Por outro lado, a comparação das imagens laterais do modelo controvertido, tal como registadas e conforme apresentadas em apoio do pedido de declaração de nulidade, também não permitem confirmar a posição defendida pela recorrente segundo a qual os faróis principais do modelo controvertido são «salientes para o exterior» e divergem «claramente» dos faróis principais do modelo anterior, nem que as pegas das portas foram «totalmente remodeladas». Com efeito, as imagens laterais, que apresentam a silhueta de cada modelo no seu conjunto, não permitem apreender nem com precisão nem «clareza», os modelos em conflito a um tal nível de detalhe.

88      Mesmo admitindo que tais diferenças possam ser detetadas pelo utilizador informado, não podem, em todo o caso, ser suficientemente marcadas para pôr em causa, por si só, a apreciação da Câmara de Recurso. Com efeito, segundo esta instância, todas as imagens dos modelos em causa, e não apenas as imagens laterais, revelam que estes modelos coincidem na sua forma e na silhueta da sua carroçaria, tanto ao nível das dimensões e das proporções como da forma e da disposição dos vidros e das portas.

89      O mesmo se diga do argumento segundo o qual também os faróis de nevoeiro diferem nos dois modelos ou que, no modelo controvertido, o retrovisor foi deslocado mais para trás e que passou a ser diretamente fixado nas portas. Além disso, contrariamente ao que sustenta a recorrente, as rodas do modelo controvertido não são de tal forma maiores que alterariam a imagem lateral dos modelos em conflito. Por último, a forma e a localização das luzes de sinalização de mudança de direção são muito parecidas num modelo e noutro.

90      Além disso, no que se refere, por um lado, à comparação das imagens traseiras, é verdade, como reconheceu o EUIPO na audiência e tal como foi salientado pela Câmara de Recurso no n.o 28 da decisão impugnada, que estas mostram certas diferenças, nomeadamente ao nível da forma ou da disposição dos faróis traseiros, dos para‑choques, do escape ou ainda, tal como observa a recorrente com razão, do spoiler do capot traseiro.

91      Por outro lado, no que respeita à comparação das imagens de frente, é verdade que a convexidade do capot da frente é mais pronunciada no modelo da série 991 do que no da série 997 do veículo «Porsche 911», «de modo que a parte frontal parece mais plana e mais ampla no conjunto», como, aliás, nota a Câmara de Recurso no n.o 27 da decisão impugnada.

92      Embora todas estas diferenças, e ainda outras apontadas pela recorrente, possam reforçar a impressão de uma renovação em detalhes, eles não se revelam, contudo, suficientemente acentuados para pôr em causa a impressão de semelhança global existente entre as imagens desses modelos, tendo em conta, nomeadamente, a estrutura geral muito semelhante dos modelos em conflito, que coincidem amplamente na sua forma e respetiva silhueta.

93      Por último, e pelas razões já acima evocadas nos n.os 62 e 63, a recorrente não pode utilmente invocar, em apoio da sua argumentação, a jurisprudência do Bundesgerichtshof (Tribunal Federal de Justiça, Alemanha) ou do Oberlandesgericht Düsseldorf (Tribunal Regional Superior de Düsseldorf, Alemanha), ou ainda o Livro Verde da Comissão sobre a proteção jurídica dos desenhos ou modelos industriais.

94      Nestas circunstâncias e contrariamente ao alegado pela recorrente, uma vez a Câmara de Recurso teve em conta de forma objetiva o conjunto das diferenças entre os modelos em conflito, como resulta dos n.os 26 a 28 da decisão impugnada, esta instância não cometeu qualquer erro de apreciação ao concluir, no n.o 29 da decisão impugnada que, consideradas individualmente ou combinadas, o conjunto das diferenças existentes nas múltiplas imagens dos modelos em conflito eram demasiado frágeis para influenciar significativamente a impressão global suscitada no utilizador informado, sendo essa impressão dominada pelas características essenciais dos referidos modelos que são a forma da carroçaria, das portas ou dos vidros.

95      A este respeito, a recorrente não pode invocar utilmente artigos de imprensa especializada ou as opiniões de júris para pôr em causa essa conclusão, uma vez que se trata de apreciar a impressão global do ponto de vista do utilizador informado que é aquele que conhece diferentes modelos ou desenhos no setor comercial em causa e dispõe de certos conhecimentos que lhe permitem demonstrar um nível de atenção relativamente elevado, mas não é um perito técnico nem um especialista de design.

96      Assim, a circunstância, nomeadamente, de o júri do «red dot award: produt design 2012» ter sublinhado que a forma do modelo controvertido era «inteiramente nova» ou que as «proporções [tinham sido] amplamente modificadas» não pode ser utilmente invocada para contestar a apreciação que a Câmara de Recurso fez do caráter singular do referido desenho à luz das disposições do artigo 6.o do Regulamento n.o 6/2002. De resto, a interveniente apresentou artigos de imprensa que conduzem à conclusão inversa da que a recorrente pretende invocar, e segundo os quais, especialmente, uma onde o antigo presidente do conselho de administração da recorrente teria indicado que esta pretendia valorizar «a silhueta, que continua a manter‑se a mesma, adaptando‑a à atualidade».

97      Tendo em consideração o exposto, a primeira parte do fundamento único deve ser julgada improcedente.

 Quanto à segunda parte do fundamento único, relativa à violação do artigo 25.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 6/2002, em conjugação com o artigo 5.o do mesmo regulamento

98      A recorrente sustenta que o desenho ou modelo controvertido deve ser considerado novo, na aceção do artigo 5.o do Regulamento n.o 6/2002.

99      Importa, no entanto, salientar que essa argumentação é, de qualquer modo, inoperante no presente litígio, uma vez que a Câmara de Recurso não aplicou essa disposição, tendo considerado, com razão, que o exame da novidade do modelo controvertido não era necessário, na medida em que a falta de caráter singular bastava para obstar à sua proteção, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002.

100    Tendo em conta o que precede, a segunda parte do fundamento único deve ser rejeitada e, consequentemente, o recurso na sua integralidade.

 Quanto às despesas

101    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

102    Tendo a recorrente sido vencida no caso em apreço, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com os pedidos do EUIPO e da interveniente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Dr. Ing. h.c. F. Porsche AG é condenada nas despesas.

Frimodt Nielsen

Półtorak

Perillo

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 6 de junho de 2019.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.