Language of document : ECLI:EU:C:2024:255

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

21 de março de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Prestação de serviços relacionados com o lazer e a melhoria da condição física — Venda de cadernetas de acesso a serviços cuja veracidade é comprovada por uma caixa registadora e por talões de compra — Valor tributável — Erro na taxa do imposto — Princípio da neutralidade fiscal — Regularização da dívida fiscal devido a uma alteração do valor tributável — Prática nacional que não permite, na falta de fatura, a correção do montante do IVA nem o reembolso do excesso de IVA pago — Inexistência de risco de perda de receitas fiscais — Exceção de enriquecimento sem causa»

No processo C‑606/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo, Polónia), por Decisão de 23 de junho de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 20 de setembro de 2022, no processo

Dyrektor Izby Administracji Skarbowej w Bydgoszczy

contra

B. sp. z o.o., anteriormente B. sp.j.,

sendo intervenientes:

Rzecznik Małych i Średnich Przedsiębiorców,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: N. Wahl (relator), exercendo funções de presidente da Sétima Secção, J. Passer e M. L. Arastey Sahún, juízes,

advogada‑geral: J. Kokott,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Dyrektor Izby Administracji Skarbowej w Bydgoszczy, por B. Kołodziej e T. Wojciechowski,

–        em representação da B. sp. z o.o., por R. Baraniewicz, T. Pabiański e J. Tokarski, doradcy podatkowi, e A. Zubik, radca prawny,

–        em representação do Rzecznik Małych i Średnich Przedsiębiorców, por P. Chrupek, radca prawny,

–        em representação do Governo Polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por J. Jokubauskaitė e M. Owsiany‑Hornung, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 16 de novembro de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 1.o, n.o 2, e do artigo 73.o da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1), conforme alterada pela Diretiva 2010/45/UE do Conselho, de 13 de julho de 2010 (JO 2010, L 189, p. 1) (a seguir «Diretiva 2006/112»), à luz dos princípios da neutralidade fiscal, da proporcionalidade e da igualdade de tratamento.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Dyrektor Izby Administracji Skarbowej w Bydgoszczy (Diretor da Administração Tributária de Bydgoszcz, Polónia) à B. sp.j., que passou, após a apresentação do referido pedido, a B. sp. z o.o., a respeito da recusa da Administração Tributária de reconhecer, por não haver fatura, um excesso de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) a favor da B. resultante das declarações retificativas de IVA apresentadas por esta.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2006/112 dispõe:

«O princípio do sistema comum do IVA consiste em aplicar aos bens e serviços um imposto geral sobre o consumo exatamente proporcional ao preço dos bens e serviços, seja qual for o número de operações ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior ao estádio de tributação.

Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.

O sistema comum do IVA é aplicável até ao estádio do comércio a retalho, inclusive.»

4        Nos termos do artigo 73.o desta diretiva:

«Nas entregas de bens e às prestações de serviços, que não sejam as referidas nos artigos 74.o a 77.o, o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções diretamente relacionadas com o preço de tais operações.»

5        O artigo 78.o da referida diretiva prevê:

«O valor tributável inclui os seguintes elementos:

a)      Os impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos, com exceção do próprio IVA;

[…]»

6        O artigo 220.o, n.o 1, da mesma diretiva enuncia:

«Os sujeitos passivos devem assegurar que seja emitida uma fatura, por eles próprios, pelos adquirentes ou destinatários ou, em seu nome e por sua conta, por terceiros, nos seguintes casos:

1)      Relativamente às entregas de bens ou às prestações de serviços que efetuem a outros sujeitos passivos ou a pessoas coletivas que não sejam sujeitos passivos;

[…]»

7        O artigo 226.o da Diretiva 2006/112 tem a seguinte redação:

«Sem prejuízo das disposições específicas previstas na presente diretiva, as únicas menções que devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas faturas emitidas em aplicação do disposto nos artigos 220.o e 221.o são as seguintes:

[…]

6)      A quantidade e natureza dos bens entregues ou a extensão e natureza dos serviços prestados;

7)      A data em que foi efetuada, ou concluída, a entrega de bens ou a prestação de serviços ou a data em que foi efetuado o pagamento por conta, referido nos pontos 4) e 5) do artigo 220.o, na medida em que essa data esteja determinada e seja diferente da data de emissão da fatura;

[…]

8)      O valor tributável para cada taxa ou isenção, o preço unitário líquido de IVA, bem como os abatimentos e outros bónus eventuais, se não estiverem incluídos no preço unitário;

9)      A taxa do IVA aplicável;

10)      O montante do IVA a pagar, salvo em caso de aplicação de um regime especial para o qual a presente diretiva exclua esse tipo de menção;

[…]»

8        O artigo 226.o‑B desta diretiva, inserido pela Diretiva 2010/45 e aplicável em 1 de janeiro de 2013, dispõe:

«Relativamente às faturas simplificadas emitidas por força do disposto no artigo 220.o‑A e nos n.os 1 e 2 do artigo 221.o, os Estados‑Membros devem exigir pelo menos as seguintes menções:

a)      Data de emissão da fatura;

b)      Identificação do sujeito passivo que efetua a entrega de bens ou a prestação de serviços;

c)      Identificação do tipo de bens entregues ou dos serviços prestados;

d)      Montante do IVA a pagar ou dados que permitam calculá‑lo;

e)      Quando a fatura emitida for um documento ou mensagem equiparado a fatura por força do disposto no artigo 219.o, uma referência específica e inequívoca a essa fatura inicial e às menções específicas que são objeto de alteração.

Os Estados‑Membros não podem exigir outras menções nas faturas para além das referidas nos artigos 226.o, 227.o e 230.o

 Direito polaco

9        O artigo 29.o da ustawa o podatku od towarów i usług (Lei relativa ao Imposto sobre Bens e Serviços), de 11 de março de 2004 (Dz. U. n.o 54, posição 535), na sua versão em vigor até 31 de dezembro de 2013 (Dz. U. n.o 177, posição 1054), dispunha:

«4a      Em caso de redução do valor tributável em relação ao valor tributável indicado na fatura emitida, o sujeito passivo reduz o valor tributável desde que, antes do termo do prazo para a apresentação da declaração fiscal correspondente ao período fiscal em que o adquirente do bem ou do serviço tenha recebido a retificação da fatura, tenha em seu poder uma confirmação de que o adquirente do bem ou do serviço ao qual foi emitida a fatura recebeu a retificação da mesma. Caso o sujeito passivo receba a confirmação de que o adquirente do bem ou do serviço recebeu a fatura retificada apenas após o termo do prazo para a apresentação da declaração fiscal correspondente ao período fiscal em causa, poderá ter em conta a retificação da fatura no período fiscal correspondente àquele em que recebeu a confirmação.

[…]

4c      O n.o 4a aplica‑se também nos casos em que se detete um erro na fatura relativo ao montante do imposto e se proceda à emissão de uma fatura retificativa relativamente à fatura da qual constava um montante de imposto superior ao devido.»

10      Esta lei, na sua versão em vigor a partir de 1 de janeiro de 2014 (Dz. U. de 2016, posição 710), contém um artigo 29.oa, cujos n.os 13 e 14 têm a seguinte redação:

«13.      Nos casos [previstos], a redução do valor tributável em relação ao valor tributável indicado na fatura emitida com o imposto mencionado é efetuada pelo sujeito passivo desde que, antes do termo do prazo para a apresentação da declaração fiscal correspondente ao período fiscal em que o adquirente do bem ou destinatário tenha recebido a retificação da fatura, aquele tenha em seu poder a confirmação de que o adquirente do bem ou o destinatário ao qual foi emitida a fatura recebeu a retificação da mesma. Caso o sujeito passivo receba a confirmação de que o adquirente do bem ou o destinatário recebeu a retificação da fatura apenas após o termo do prazo para a apresentação da declaração fiscal correspondente ao período fiscal em causa, poderá ter em conta a retificação da fatura no período fiscal correspondente àquele em que recebeu a confirmação.

14.      O n.o 13 aplica‑se igualmente nos casos em que se detete um erro na fatura relativo ao montante do imposto e se proceda à emissão de uma fatura retificativa relativamente à fatura da qual constava um montante de imposto superior ao devido.»

11      O artigo 3.o do Rozporządzenie Ministra Finansów w sprawie kas rejestrujących (Regulamento do Ministro das Finanças relativo às Caixas Registadoras), de 14 de março de 2013 (Dz. U., posição 363), prevê:

«[…]

5.      Caso os registos contenham um erro manifesto, o sujeito passivo deve retificá‑lo de imediato, registando, separadamente, os seguintes elementos:

1)      a venda erradamente registada (valor ilíquido da venda e valor do imposto devido);

2)      uma breve descrição da origem do erro e das circunstâncias em que o mesmo ocorreu, acompanhada do talão de compra original que confirma a venda em que ocorreu o erro manifesto.

6.      No caso referido no n.o 5, o sujeito passivo regista, através da caixa registadora, o montante correto da venda.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

12      B. exerce uma atividade de prestação de serviços relacionados com o lazer e a melhoria da condição física, a saber, a venda de cadernetas que permitem o acesso às instalações de um clube desportivo e a livre utilização das suas infraestruturas. Decidiu, em 2016, em conformidade com a nova doutrina fiscal polaca na matéria, aplicar uma taxa reduzida de IVA (8 % em vez de 23 %) a essas prestações de serviços.

13      Por conseguinte, em 27 de janeiro de 2016, B. apresentou declarações retificativas de IVA para os meses de janeiro a março, junho a outubro e dezembro de 2012, bem como para os meses de janeiro, fevereiro, novembro e dezembro de 2013, e para os meses de janeiro, fevereiro, abril e maio de 2014.

14      Por Decisão de 22 de junho de 2017, o Naczelnik Drugiego Urzędu Skarbowego w T. (Chefe da Segunda Repartição de Finanças de T., Polónia) recusou reconhecer um excesso de IVA a favor da B. relativamente aos períodos fiscais acima referidos, indicando, nomeadamente, que, enquanto o documento que confirma a realização de uma atividade tributável não fosse retificado em conformidade com a Lei relativa ao Imposto sobre Bens e Serviços, o sujeito passivo não tinha o direito de retificar os seus registos nem as suas declarações.

15      Por Decisão de 24 de novembro de 2017, o Diretor da Administração Tributária de Bydgoszcz confirmou essa decisão, sublinhando que não existiam disposições legais que regulassem a possibilidade de retificar o valor tributável e o imposto devido indicados na declaração de IVA para os períodos fiscais abrangidos pelo pedido de declaração de um excesso de IVA no caso de vendas de bilhetes ou de cadernetas de entrada que permitem utilizar as instalações em causa não confirmadas por faturas. Com efeito, B. não podia emitir faturas retificativas em razão da falta de emissão de faturas quando dessas vendas. Por conseguinte, B. estava obrigado a entregar ao Tesouro Público polaco, após ter em conta o regime de dedução, a totalidade do montante cobrado aos consumidores finais enquanto imposto devido.

16      Chamado a conhecer de um recurso interposto por B. contra esta última decisão, o Wojewódzki Sąd Administracyjny w Bydgoszczy (Tribunal Administrativo do Voivodato de Bydgoszcz, Polónia) anulou essa decisão por Sentença de 7 de março de 2018, tendo considerado, em particular, que o artigo 3.o, n.os 3 a 6, do Regulamento do Ministro das Finanças relativo às Caixas Registadoras não abrangia todos os acontecimentos suscetíveis de constituir motivo de retificação, pelo que esta era igualmente possível noutras situações. Consequentemente, considerou que o sujeito passivo tinha o direito de retificar o montante do imposto devido sobre as vendas cuja veracidade é demonstrada por talões de compra. A falta do talão de compra original entregue ao comprador não constitui um obstáculo a este respeito, uma vez que a caixa registadora permite uma leitura múltipla dos dados nela registados. Assim, a consulta da memória dessa caixa registadora é um meio fiável para dispor de um elemento de prova da operação que deve ser retificada devido a um erro cometido pelo sujeito passivo.

17      O Diretor da Administração Tributária de Bydgoszcz interpôs recurso da sentença do Wojewódzki Sąd Administracyjny w Bydgoszczy (Tribunal Administrativo do Voivodato de Bydgoszcz) no Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo, Polónia), que é o órgão jurisdicional de reenvio.

18      Foi nestas condições que o Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem o artigo 1.o, n.o 2, e o artigo 73.o da [Diretiva 2006/112] e os princípios da neutralidade, da proporcionalidade e da igualdade de tratamento ser interpretados no sentido de que se opõem a uma prática das autoridades tributárias nacionais que não permite, com fundamento na inexistência de uma base jurídica nacional e no facto de haver um enriquecimento sem causa, retificar o valor tributável e o imposto devido quando a venda de bens e serviços aos consumidores a uma taxa de IVA mais elevada tiver sido registada numa caixa registadora e confirmada por talões de compra e não por faturas para efeitos de IVA, com o [preço] inalterado em resultado dessa retificação (valor ilíquido da venda)?»

 Quanto à questão prejudicial

19      A título liminar, há que recordar que, no âmbito do procedimento de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal de Justiça, se necessário, reformular a questão que lhe é submetida (v., neste sentido, Acórdão de 27 de março de 2014, Le Rayon d’Or, C‑151/13, EU:C:2014:185, n.o 25 e jurisprudência referida).

20      Para o efeito, o Tribunal de Justiça pode extrair de todos os elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, designadamente da fundamentação da decisão de reenvio, as normas e os princípios do direito da União que carecem de interpretação, tendo em conta o objeto do litígio no processo principal (Acórdão de 27 de março de 2014, Le Rayon d’Or, C‑151/13, EU:C:2014:185, n.o 26 e jurisprudência referida).

21      No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que o órgão jurisdicional de reenvio citou, com razão, o artigo 78.o, alínea a), da Diretiva 2006/112 como fazendo parte do quadro jurídico aplicável ao litígio no processo principal, uma vez que esta disposição precisa os elementos a incluir no valor tributável definido no artigo 73.o desta diretiva, que o órgão jurisdicional de reenvio evoca na sua questão.

22      Por conseguinte, há que entender esta questão no sentido de que visa, em substância, saber se o artigo 1.o, n.o 2, e o artigo 73.o desta diretiva, lidos em conjugação com o artigo 78.o, alínea a), da mesma, devem ser interpretados, à luz dos princípios da neutralidade fiscal, da proporcionalidade e da igualdade de tratamento, no sentido de que se opõem a uma prática da Administração Tributária de um Estado‑Membro por força da qual é proibida a retificação do IVA devido através de uma declaração fiscal quando as entregas de bens e as prestações de serviços foram efetuadas aplicando uma taxa de IVA demasiado elevada, com o fundamento de que essas operações não deram lugar a faturação, mas à emissão de talões de caixa registadora.

23      A este respeito, importa sublinhar que sistema comum do IVA garante a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam, em princípio, elas próprias sujeitas a IVA (Acórdão de 21 de outubro de 2021, CHEP Equipment Pooling, C‑396/20, EU:C:2021:867, n.o 36 e jurisprudência referida).

24      Daqui decorre que a Administração Tributária de um Estado‑Membro viola de forma desproporcionada o princípio da neutralidade do IVA, ao deixar o sujeito passivo suportar o IVA a cujo reembolso tem direito, embora o sistema comum do IVA tenha por objetivo desonerar inteiramente o empresário do ónus do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas (Acórdão de 21 de outubro de 2021, CHEP Equipment Pooling, C‑396/20, EU:C:2021:867, n.o 55).

25      Por conseguinte, importa, antes de mais, determinar se, quando um sujeito passivo aplicou erradamente às operações sujeitas a IVA que realiza, mas em conformidade com as orientações fornecidas inicialmente pela Administração Tributária do Estado‑Membro em causa, a taxa normal de IVA, no caso em apreço uma taxa de 23 %, ao passo que a taxa correta era a taxa reduzida de 8 %, tem direito a pedir um reembolso.

26      Com efeito, dado que, em aplicação do princípio da neutralidade do IVA recordado nos n.os 23 e 24 do presente acórdão, o sistema do IVA tem como objetivo onerar unicamente o consumidor final (Acórdão de 7 de novembro de 2013, Tulică e Plavola in, C‑249/12 e C‑250/12, EU:C:2013:722, n.o 34 e jurisprudência referida), deve considerar‑se que o preço acordado entre este último e o fornecedor de bens ou o prestador de serviços inclui o IVA que incidiu sobre essas operações, quer estas tenham sido objeto de faturação ou não (v., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2021, Tribunal Económico Administrativo Regional de Galicia, C‑521/19, EU:C:2021:527, n.o 34).

27      Esta interpretação resulta do artigo 78.o, alínea a), da Diretiva 2006/112, nos termos do qual o próprio IVA não está incluído no valor tributável, o que tem como corolário que o IVA está sempre incluído, de pleno direito, no preço acordado, mesmo em caso de erro do sujeito passivo na determinação da taxa aplicável.

28      No entanto, resulta da jurisprudência que esta consideração não priva necessariamente o sujeito passivo do direito ao reembolso, junto da Administração Tributária do Estado‑Membro em causa, da totalidade ou de parte do excesso de IVA que cobrou erradamente aos consumidores finais e pagou a essa Administração. É o que acontece, nomeadamente, quando esse sujeito passivo sofreu, devido à aplicação de uma taxa errada de IVA, um prejuízo associado a uma diminuição do volume das suas vendas (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2008, Marks & Spencer, C‑309/06, EU:C:2008:211, n.o 42 e jurisprudência referida). Por outras palavras, a inexistência de prejuízo ou de desvantagem financeira não é necessariamente o corolário da repercussão integral do IVA no consumidor final, uma vez que, mesmo nesta hipótese, o operador económico pode ter sofrido um prejuízo associado à diminuição do volume das suas vendas (Acórdão de 10 de abril de 2008, Marks & Spencer, C‑309/06, EU:C:2008:211, n.o 56).

29      Em seguida, uma vez estabelecido o princípio do direito do sujeito passivo ao reembolso da totalidade ou de parte do excesso de IVA em questão, há que examinar se a Administração Tributária do Estado‑Membro em causa pode subordinar este direito à exigência prévia de uma retificação das faturas que contêm a taxa de IVA errada, com a consequente recusa sistemática de reembolso, quando as operações económicas do sujeito passivo, tendo em conta a sua natureza e o seu montante, não deram lugar a faturação, a qual não pode, portanto, ser objeto de retificação, mas à emissão de talões de caixa registadora.

30      A este respeito, importa precisar que a Diretiva 2006/112 não trata da questão da retificação das declarações fiscais dos sujeitos passivos em caso de aplicação de uma taxa de IVA errada. Por conseguinte, cabe aos Estados‑Membros preverem, nas suas ordens jurídicas internas, no respeito dos princípios da efetividade e da equivalência, a possibilidade de correção de uma taxa indevidamente aplicada.

31      Ora, ao tornar impossível essa correção quando a atividade económica do sujeito passivo o leva não a emitir faturas, mas a emitir simples talões de caixa registadora, sem considerar a possibilidade de proceder a uma retificação exaustiva e fiel das declarações de IVA relativas às operações em causa através, nomeadamente, dos dados conservados na memória dessa caixa registadora, uma prática como a da Administração Tributária do Estado‑Membro em causa viola o princípio da efetividade.

32      No que respeita ao princípio da igualdade de tratamento, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, embora a violação do princípio da neutralidade fiscal, que constitui a tradução, em matéria de IVA, do princípio da igualdade de tratamento, só possa ser considerada entre operadores económicos concorrentes, a violação do princípio geral da igualdade de tratamento pode ser caracterizada, em matéria fiscal, por outros tipos de discriminações que afetam operadores económicos que não são forçosamente concorrentes, mas que se encontram, no entanto, numa situação comparável noutros aspetos (Acórdão de 14 de junho de 2017, Compass Contract Services, C‑38/16, EU:C:2017:454, n.o 24 e jurisprudência referida).

33      Basta constatar que, no caso em apreço, o sujeito passivo que, em conformidade com a interpretação defendida inicialmente pela Administração Tributária do Estado‑Membro em causa, aplicou a taxa de IVA de 23 % ficou necessariamente desfavorecido em relação aos dos seus concorrentes diretos que aplicaram a taxa reduzida de IVA de 8 %, seja devido à repercussão, parcial ou total, dessa taxa nos seus preços, o que afetou a sua competitividade face aos preços praticados pelos concorrentes em questão e assim, possivelmente, o volume das suas vendas, seja devido à redução da sua margem de lucro para manter preços competitivos. Portanto, uma prática da Administração Tributária de um Estado‑Membro como a descrita pelo órgão jurisdicional de reenvio é também contrária ao princípio da neutralidade fiscal.

34      Por último, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o direito da União permite que, no âmbito de um sistema jurídico nacional, seja recusada a restituição de impostos indevidamente cobrados quando esta implique um enriquecimento sem causa dos titulares do direito (v., neste sentido, Acórdão de 18 de junho de 2009, Stadeco, C‑566/07, EU:C:2009:380, n.o 48).

35      Com efeito, a proteção dos direitos garantidos nesta matéria pela ordem jurídica da União não impõe o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando se prove que a pessoa responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas (Acórdão de 16 de maio de 2013, Alakor Gabonatermelő és Forgalmazó, C‑191/12, EU:C:2013:315, n.o 25 e jurisprudência referida).

36      Não existindo regulamentação da União em matéria de pedidos de restituição de impostos, cabe ao ordenamento jurídico interno de cada Estado‑Membro prever as condições em que estes podem ser efetuados, sem prejuízo, porém, do respeito dos princípios da equivalência e da efetividade (Acórdão de 16 de maio de 2013, Alakor Gabonatermelő és Forgalmazó, C‑191/12, EU:C:2013:315, n.o 26 e jurisprudência referida).

37      Por conseguinte, um Estado‑Membro pode recusar reembolsar o excesso de IVA ilegalmente aplicado com o fundamento de que o mesmo criaria um enriquecimento sem causa para sujeito passivo na condição de o encargo económico que o imposto indevidamente cobrado fez recair sobre o sujeito passivo ter sido integralmente neutralizado (v., neste sentido, Acórdão de 16 de maio de 2013, Alakor Gabonatermelő és Forgalmazó, C‑191/12, EU:C:2013:315, n.o 28), o que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

38      Com efeito, o Tribunal de Justiça precisou, a este respeito, que a existência e a medida do enriquecimento sem causa que o reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União criaria para um sujeito passivo constituem questões de facto, que são da competência do juiz nacional, o qual aprecia livremente os elementos de prova que lhe são submetidos no termo de uma análise económica que tenha em conta todas as circunstâncias pertinentes (v., neste sentido, Acórdão de 16 de maio de 2013, Marks & Spencer, C‑191/12, EU:C:2013:315, n.o 30 e jurisprudência referida).

39      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 1.o, n.o 2, e o artigo 73.o da Diretiva 2006/112, lidos em conjugação com o artigo 78.o, alínea a), da mesma diretiva, devem ser interpretados, à luz dos princípios da neutralidade fiscal, da proporcionalidade e da igualdade de tratamento, no sentido de que se opõem a uma prática da Administração Tributária de um Estado‑Membro por força da qual é proibida a retificação do IVA devido através de uma declaração fiscal quando as entregas de bens e as prestações de serviços foram efetuadas aplicando uma taxa de IVA demasiado elevada, com o fundamento de que essas operações não deram lugar a faturação, mas à emissão de talões de caixa registadora. Mesmo nestas circunstâncias, o sujeito passivo que aplicou erradamente uma taxa de IVA demasiado elevada tem o direito de apresentar um pedido de reembolso à Administração Tributária do Estado‑Membro em causa, e esta só pode invocar o enriquecimento sem causa desse sujeito passivo se tiver demonstrado, no termo de uma análise económica que tenha em conta todas as circunstâncias pertinentes, que o encargo económico que o imposto indevidamente cobrado fez recair sobre o referido sujeito passivo foi integralmente neutralizado.

 Quanto às despesas

40      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

O artigo 1.o, n.o 2, e o artigo 73.o da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, lidos em conjugação com o artigo 78.o, alínea a), da mesma diretiva, conforme alterada pela Diretiva 2010/45/UE do Conselho, de 13 de julho de 2010,

devem ser interpretados,

à luz dos princípios da neutralidade fiscal, da proporcionalidade e da igualdade de tratamento, no sentido de que se opõem a uma prática da Administração Tributária de um EstadoMembro por força da qual é proibida a retificação do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) devido através de uma declaração fiscal quando as entregas de bens e as prestações de serviços foram efetuadas aplicando uma taxa de IVA demasiado elevada, com o fundamento de que essas operações não deram lugar a faturação, mas à emissão de talões de caixa registadora. Mesmo nestas circunstâncias, o sujeito passivo que aplicou erradamente uma taxa de IVA demasiado elevada tem o direito de apresentar um pedido de reembolso à Administração Tributária do EstadoMembro em causa, e esta só pode invocar o enriquecimento sem causa desse sujeito passivo se tiver demonstrado, no termo de uma análise económica que tenha em conta todas as circunstâncias pertinentes, que o encargo económico que o imposto indevidamente cobrado fez recair sobre o referido sujeito passivo foi integralmente neutralizado.

Assinaturas


*      Língua do processo: polaco.