Language of document : ECLI:EU:C:2024:267

Edição provisória

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

TAMARA ĆAPETA

apresentadas em 21 de março de 2024 (1)

Processo C224/23 P

Penya Barça Lyon: Plus que des supporters (PBL),

Issam Abdelmouine

contra

Comissão Europeia

«Recurso — Auxílio estatal — Alegado auxílio em benefício do Paris Saint‑Germain FC — Regulamento (UE) 2015/1589 — Artigo 1.°, alínea h) — Artigo 24.°, n.° 2 — Conceito de “parte interessada” — Alcance do conceito de “interesse” de uma pessoa, empresa ou associação de empresas — Necessidade de um nexo de causalidade entre os interesses destas partes e a concessão do auxílio»






I.      Introdução

1.        Issam Abdelmouine é um orgulhoso adepto do FC Barcelona e «socio» (sócio) deste clube de futebol. Juntamente com a Penya Barça Lyon: Plus que des supporters (a seguir «PBL»), uma associação francesa de adeptos de futebol do FC Barcelona, apresentou uma denúncia à Comissão Europeia, alegando a existência de um auxílio estatal ilegal por parte da França, sob a forma de não aplicação de determinadas regras de «fair play» financeiro da União das Federações Europeias de Futebol (a seguir «UEFA»). Alegou que esta falta de aplicação permitiu que o Paris Saint‑Germain FC contratasse o jogador de futebol Lionel Messi ao FC Barcelona.

2.        A Comissão respondeu à sua denúncia numa carta, na qual explicava que essa correspondência não podia ser tratada como uma «denúncia formal» (2), uma vez que I. Abdelmouine não possuía a qualidade de «parte interessada», na aceção do Regulamento Processual (3).

3.        No Acórdão de 8 de fevereiro de 2023, proferido no processo PBL e WA/Comissão (T‑538/21, não publicado, EU:T:2023:53) (a seguir «acórdão recorrido»), resultante do processo de anulação instaurado contra a referida carta, o Tribunal Geral confirmou a posição da Comissão segundo a qual I. Abdelmouine não podia ser reconhecido como «parte interessada», na aceção do Regulamento Processual.

4.        No presente recurso, o Tribunal de Justiça tem por missão clarificar os requisitos subjacentes ao conceito de «parte interessada» para efeitos do processo de denúncia de auxílios estatais.

II.    Antecedentes do processo

A.      Denúncia à Comissão e carta em causa

5.        Os factos e os antecedentes jurídicos relevantes para o presente recurso podem ser resumidos da forma que se segue.

6.        Em 8 de agosto de 2021, o FC Barcelona anunciou a saída de Lionel Messi para o Paris Saint‑Germain FC.

7.        No mesmo dia, I. Abdelmouine denunciou à Comissão a existência de um alegado auxílio estatal ilegal concedido ao Paris Saint‑Germain FC pela Ligue de Football Professionnel (Liga Francesa de Futebol Profissional) e pela sua autoridade de supervisão administrativa, sob a forma de uma suspensão temporária da aplicação, pela Fédération Française de Football (Federação Francesa de Futebol), dos regulamentos da UEFA relativos ao licenciamento de clubes e ao «fair play» financeiro (4).

8.        Segundo I. Abdelmouine, esta decisão de não aplicação conduziu a uma distorção das regras aplicadas pelos organismos de futebol profissional em Espanha e em França, o que afetou a concorrência e permitiu que o Paris Saint‑Germain FC recrutasse Lionel Messi.

9.        Por carta de 1 de setembro de 2021, a Comissão respondeu à denúncia de I. Abdelmouine (a seguir «decisão impugnada») (5).

10.      Na parte pertinente, a decisão impugnada tem a seguinte redação:

«Em conformidade com o artigo 24.°, n.° 2, do [Regulamento Processual], as denúncias formais só podem ser apresentadas pelas partes interessadas. As partes interessadas são qualquer Estado‑Membro ou qualquer pessoa, empresa ou associação de empresas cujos interesses possam ser afetados pela concessão de um auxílio, em especial o beneficiário do auxílio, as empresas concorrentes e as associações setoriais [...].

A denúncia foi apresentada em nome de um sócio (“socio”) do [FC Barcelona]. Um sócio não é nem um concorrente do Paris Saint‑Germain FC nem uma associação setorial. Embora a definição de “parte interessada” não se limite apenas aos concorrentes do beneficiário do auxílio, os interesses puramente gerais ou indiretos de uma pessoa numa medida não qualificam essa pessoa de parte interessada, uma vez que esses elementos não revelam nenhuma afetação real da sua situação. Por exemplo, a qualidade de acionista de uma sociedade concorrente de um beneficiário de um auxílio não confere a essa pessoa um interesse próprio e distinto do da sociedade em causa. O acionista só pode defender os seus interesses em relação a essa medida exercendo os seus direitos de acionista da empresa, a qual pode, ela própria, ter o direito de apresentar uma denúncia. A qualidade de parte interessada não é extensiva a todas as pessoas que possam ser afetadas pela redução do resultado líquido anual de uma empresa. A situação dos sócios (“socios”) do [FC Barcelona], que está organizado como uma associação sem fins lucrativos, é semelhante, neste aspeto, à dos acionistas de uma sociedade visto que apenas poderiam invocar um interesse indireto na medida em causa, através do [FC Barcelona].

Por conseguinte, uma vez que não é qualificado de parte interessada, a sua denúncia não pode ser tratada como uma denúncia formal na aceção do artigo 24.°, n.° 2, do [Regulamento Processual].»

B.      Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

11.      Por petição de 2 de setembro de 2021, a PBL e I. Abdelmouine (a seguir, conjuntamente, «recorrentes») interpuseram no Tribunal Geral um recurso ao abrigo do artigo 263.° TFUE.

12.      Com esse recurso, as referidas partes pedem a anulação da decisão impugnada e uma ordem que imponha que a Comissão, nomeadamente, inicie uma investigação contra a França por auxílio estatal ilegal ao Paris Saint‑Germain FC no âmbito das suas competições nacionais e europeias (6).

13.      O único fundamento invocado em primeira instância foi a alegada violação do artigo 1.°, alínea h), do Regulamento Processual. Nesse processo, os recorrentes sustentaram igualmente que a Comissão tinha equiparado incorretamente a qualidade de acionista e de «socio», chegando assim a uma interpretação incorreta do conceito de «parte interessada» (7).

14.      No acórdão recorrido, o Tribunal Geral começou por declarar inadmissível o recurso de anulação, na medida em que foi interposto pela PBL, uma vez que não existia qualquer prova de que a denúncia tinha sido apresentada também em nome desta parte (8).

15.      Em segundo lugar, o Tribunal Geral analisou os quatro tipos de interesse invocados por I. Abdelmouine, a saber: i) o interesse patrimonial direto em relação à situação financeira do FC Barcelona; ii) o interesse baseado nos valores do futebol e na defesa do desporto; iii) a consequência da distorção da concorrência na forma como o FC Barcelona está organizado; e iv) o interesse em preservar os direitos dos «socios» em caso de alteração do estatuto ou da estrutura do FC Barcelona.

16.      O Tribunal Geral concluiu que nenhum dos interesses invocados por I. Abdelmouine para sustentar a sua qualidade de «parte interessada», na aceção do artigo 1.°, alínea h), do Regulamento Processual, pode conduzir à anulação da decisão impugnada (9).

17.      Em terceiro lugar, o Tribunal Geral declarou inoperante o argumento de I. Abdelmouine segundo o qual a sua qualidade de «socio» não podia ser equiparada à de um acionista de uma sociedade. Explicou que a analogia estabelecida pela Comissão na decisão impugnada era acessória à declaração desta última segundo a qual I. Abdelmouine não constituía uma «parte interessada» (10).

18.      Face às conclusões expostas supra, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso de anulação e condenou os recorrentes nas despesas.

III. Tramitação processual no Tribunal de Justiça

19.      Por recurso interposto em 11 de abril de 2023, os recorrentes pedem que o Tribunal de Justiça anule integralmente o acórdão recorrido e defira os pedidos apresentados em primeira instância, na sua versão definitiva.

20.      Na sua resposta, apresentada em 14 de julho de 2023, a Comissão pede que o Tribunal de Justiça negue provimento ao recurso e condene os recorrentes nas despesas do processo.

IV.    Análise

21.      Através da decisão impugnada, a Comissão informou I. Abdelmouine de que a sua denúncia não podia ser tratada como uma denúncia «formal» na aceção do artigo 24.°, n.° 2, do Regulamento Processual. Segundo a Comissão, tal deve‑se ao facto de I. Abdelmouine não possuir a qualidade de «parte interessada», conforme consta do artigo 1.°, alínea h), deste regulamento. No entanto, a decisão impugnada explica igualmente que as informações prestadas por I. Abdelmouine seriam registadas como «informações gerais relativas ao mercado» (11).

22.      A Comissão não explicou que consequências resultariam da recusa de tratar a sua correspondência como uma denúncia «formal», mas antes como «informações gerais relativas ao mercado». A decisão impugnada também não contém nenhuma declaração sobre a questão de saber se a Comissão considera que existe um auxílio estatal (ilegal) ou se tenciona dar início a um procedimento formal de investigação.

23.      Com o seu recurso de anulação, os recorrentes impugnam, portanto, em substância, a recusa da Comissão de qualificar I. Abdelmouine de «parte interessada».

24.      A meu ver, esta impugnação suscita duas questões. Em primeiro lugar, que consequências comporta esta recusa para I. Abdelmouine? Em segundo lugar, a qualidade de «parte interessada» foi indevidamente recusada a I. Abdelmouine?

25.      Abordarei sucessivamente estas questões. Para o efeito, começarei por explicar sucintamente os direitos processuais atribuídos às «partes interessadas» e os concedidos às pessoas que não detêm essa qualidade (A). Examinarei em seguida as condições para obter a qualidade de «parte interessada», conforme figura no artigo 1.°, alínea h), do Regulamento Processual (B). Por último, analisarei se o Tribunal Geral cometeu um erro ao recusar a I. Abdelmouine a qualidade de «parte interessada» (C).

A.      Quanto aos direitos processuais das «partes interessadas» e de outras pessoas

26.      A obrigação da Comissão de investigar os auxílios suscetíveis de prejudicar a concorrência efetiva e não distorcida entre empresas (e Estados‑Membros) no mercado interno decorre diretamente dos Tratados.

27.      Por conseguinte, sempre que receber informações relativas a uma eventual violação do artigo 107.° TFUE, a Comissão deve, por força do artigo 108.°, n.° 3, TFUE, examinar essas informações e decidir se é necessário tomar medidas adicionais, incluindo a abertura do procedimento previsto no artigo 108.°, n.° 2, TFUE (12).

28.      Esta obrigação existe independentemente do facto de ser a vítima de uma distorção da concorrência no mercado interno que leva certas informações ao conhecimento da Comissão ou uma pessoa que possa ser considerada afetada de forma mais «comum» ou «geral» relativamente à concessão de um alegado auxílio ilegal.

29.      Ao mesmo tempo, o artigo 108.° TFUE atribui à Comissão a competência exclusiva para supervisionar a correta aplicação das regras em matéria de auxílios estatais e prevê que esta desempenha essa função «em cooperação com os Estados‑Membros».

30.      Tal levou o Tribunal de Justiça a concluir que o procedimento de exame dos auxílios estatais envolve principalmente apenas a Comissão e os Estados‑Membros: uma investigação sobre a concessão de um auxílio é iniciada contra o Estado e tem este por destinatário, e não o beneficiário do auxílio ou outras partes afetadas pelo mesmo (13).

31.      Assim, em princípio, os terceiros são excluídos do processo relativo aos auxílios estatais, em especial da sua fase preliminar, antes de ser adotada uma decisão sobre a questão de saber se deve ser dado início a uma investigação ao abrigo do artigo 108.°, n.° 2, TFUE.

32.      Esta exclusão implica que não se possa considerar que o beneficiário de uma medida de auxílio ou qualquer outra entidade por ela afetada desempenhem qualquer papel especial na fase preliminar do processo de controlo do auxílio ao abrigo do artigo 108.°, n.° 3, TUE (14).

33.      Considerou‑se que os terceiros são titulares de certos direitos processuais apenas a nível do procedimento formal de investigação, iniciado com base no artigo 108.°, n.° 2, TFUE. Uma vez que esta fase do processo «se destina a permitir à Comissão ter uma informação completa sobre todos os dados do caso», esta instituição é obrigada a dar a qualquer «interessado» a possibilidade de lhe apresentar observações (15).

34.      No entanto, apesar da obrigação da Comissão, baseada no Tratado, de investigar qualquer eventual caso de auxílio ilegal, não existiam direitos processuais das partes interessadas na fase preliminar.

35.      Só em 1998, após o Acórdão Comissão/Sytraval e Brink’s France, foram pela primeira vez conferidos a terceiros certos direitos processuais fora do quadro do procedimento formal de investigação (16).

36.      Este acórdão também serviu de iniciativa, durante o processo legislativo subjacente ao Regulamento n.° 659/1999 (17) (o antecessor do Regulamento Processual)(18), para atribuir oficialmente a estas partes o direito específico de apresentar uma denúncia à Comissão «para informar [esta última] sobre qualquer alegado auxílio ilegal» (19).

37.      Este direito de denúncia é acompanhado de certos direitos processuais concedidos pelo Regulamento Processual na fase preliminar do processo.

38.      Por exemplo, aquando da apresentação de uma denúncia, o artigo 24.°, n.° 2, do Regulamento Processual exige que a Comissão comunique com o queixoso. Esta exigência implica que, se considerar, com base nas informações prestadas na denúncia, que não existem, prima facie, fundamentos suficientes para dar início ao procedimento formal de investigação, a Comissão está obrigada a informar a parte interessada dessa decisão. Após ter transmitido esta posição, a Comissão deve ainda conceder à parte interessada um prazo para responder e, eventualmente, prestar informações complementares. Por último, a Comissão é obrigada a enviar, à «parte interessada», uma cópia da decisão tomada num processo relativo ao assunto da sua denúncia.

39.      Estes direitos foram ainda reforçados pela jurisprudência.

40.      Assim, em especial quando a Comissão decide não dar início ao procedimento formal de investigação ao abrigo do artigo 108.°, n.° 2, TFUE por considerar que a medida que deu origem à denúncia não constitui um auxílio incompatível com o mercado interno, ou porque esse auxílio é considerado justificado, foi reconhecida ao queixoso legitimidade para impugnar a decisão daí resultante, com base no artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE. O Tribunal de Justiça considerou que esta possibilidade de interpor recurso se justificava em razão dos direitos processuais de que um terceiro teria gozado se tivesse sido iniciado o procedimento formal (20).

41.      O Regulamento Processual abre, portanto, uma via processual para que terceiros interajam, pelo menos em certa medida, com a Comissão antes do início do procedimento formal ao abrigo do artigo 108.°, n.° 2, TFUE (21).

42.      No entanto, o Regulamento Processual não confere direitos processuais a qualquer terceiro que apresente informações à Comissão relativamente a um alegado auxílio estatal. Pelo contrário, o Regulamento Processual estabelece intrinsecamente uma distinção entre «partes interessadas» e (o que designarei) «outros informadores».

43.      Em conformidade com o artigo 12 .°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento Processual, a Comissão pode, por sua própria iniciativa, examinar informações de qualquer fonte sobre um auxílio alegadamente ilegal. Inversamente, o segundo parágrafo desta disposição prevê que a Comissão examinará sem demora injustificada as denúncias apresentadas por «outras partes interessadas», se essas denúncias forem apresentadas em conformidade com o artigo 24.°, n.° 2, do Regulamento Processual (22).

44.      O artigo 24 .°, n.° 2, do Regulamento Processual reserva o direito de denúncia às «partes interessadas».

45.      Concretamente, este artigo prevê que «[q]ualquer parte interessada pode apresentar uma denúncia para informar a Comissão sobre qualquer alegado auxílio ilegal ou qualquer utilização abusiva de um auxílio. Para o efeito, a parte interessada deve preencher devidamente um formulário previamente estabelecido numa medida de execução [...] e deve prestar as informações obrigatórias nele solicitadas» (23).

46.      Por conseguinte, o artigo 24.°, n.° 2, do Regulamento Processual estabelece dois requisitos práticos para a apresentação de uma denúncia à Comissão: i) a necessidade de ser qualificada de «parte interessada», e ii) a necessidade de preencher um formulário‑tipo, juntamente com a prestação de determinadas informações, para demonstrar, prima facie, a  existência de um auxílio ilegal ou a utilização abusiva de um auxílio (24).

47.      Assim, o conceito de «parte interessada» confere a este tipo de informador certos direitos processuais de que os «outros informadores» não gozam.

48.      O resultado é o seguinte: ao recusar a I. Abdelmouine a qualidade de «parte interessada» na aceção do Regulamento Processual, a Comissão privou também esta parte dos direitos processuais previstos neste regulamento, embora tal não exonere a Comissão da sua obrigação de investigar as informações prestadas sobre o alegado auxílio estatal.

B.      O que significa «parte interessada»?

49.      A definição de «parte interessada» está prevista no artigo 1.°, alínea h), do Regulamento Processual.

50.      Esta disposição, que mantém a redação do Regulamento n.° 659/1999, codifica a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao conceito de «interessado», na aceção do artigo 108.°, n.° 2, TFUE (25).

51.      Dispõe que «parte interessada» é «qualquer Estado‑Membro ou qualquer pessoa, empresa ou associação de empresas cujos interesses possam ser afetados pela concessão de um auxílio, em especial o beneficiário do auxílio, as empresas concorrentes e as associações setoriais».

52.      O Tribunal de Justiça reconheceu que, embora esta definição abarque certamente as empresas concorrentes do beneficiário do auxílio (26), a forma como está redigida permite abranger «um conjunto indeterminado de destinatários» (27).

53.      O critério de qualificação que restringe esta lista teoricamente aberta de pessoas é a questão de saber se os «interesses [da pessoa] po[de]m ser afetados pela concessão de um auxílio» (28).

54.      Uma vez que o presente processo diz respeito a uma parte que não é uma empresa concorrente da empresa à qual o auxílio foi alegadamente concedido, é o significado dos conceitos de «interesse» e de «afetados» que figuram no artigo 1.°, alínea h), do Regulamento Processual que é pertinente para responder à questão de saber se I. Abdelmouine detém a qualidade de «parte interessada».

1.      Uma questão de interesse

55.      Que interesses podem fazer com que uma pessoa singular ou coletiva se torne numa «parte interessada»? O Regulamento Processual é omisso quanto a esta questão.

56.      Numa linha de jurisprudência, o Tribunal Geral adotou uma posição segundo a qual não pode ser reconhecida a qualidade de «parte interessada» a uma pessoa que tenha um «interesse puramente geral ou indireto» em relação a uma determinada medida de auxílio (29). Esta linha de jurisprudência não explica o que se entende por interesses «puramente gerais». No entanto, parece inspirar‑se na jurisprudência relativa à afetação individual ao abrigo do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE (30). Esta posição é, a meu ver, incorreta.

57.      O conceito de «interesse», na medida em que está ligado à qualidade de «parte interessada» no processo relativo aos auxílios estatais, é dissociado da capacidade dessa parte para impugnar uma decisão da Comissão, que adquire no âmbito do procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.°, n.° 2, TFUE. Para ter legitimidade para impugnar essa decisão, a «parte interessada» tem de demonstrar que é direta e individualmente afetada — esta qualidade não decorre diretamente do seu tratamento como «parte interessada» ao abrigo do Regulamento Processual (31).

58.      A afetação direta e individual só é presumida se a parte interessada pretender impugnar uma decisão de não dar início ao procedimento formal (v. n.° 40 das presentes conclusões).

59.      No entanto, numa outra linha de jurisprudência, o Tribunal Geral não faz depender a qualidade de «parte interessada» da existência de um interesse pessoal, por oposição ao caráter geral de um determinado interesse (32).

60.      Considero que esta abordagem é mais coerente com a finalidade da qualidade de «parte interessada» no processo relativo aos auxílios estatais.

61.      O processo de denúncia é, como prevê o próprio Regulamento Processual, «uma importante fonte de informação na deteção de irregularidades no que respeita às regras da União em matéria de auxílios estatais» (33).

62.      A este respeito, pouco importa saber que tipo de interesse subjetivo levou um queixoso a dirigir‑se à Comissão alegando a existência de um auxílio ilegal (34).

63.      As informações que a Comissão recebe das partes interessadas permitem‑lhe eventualmente descobrir e investigar se uma medida de auxílio produz efeitos prejudiciais no mercado interno. Por conseguinte, mesmo que os interesses do queixoso não estejam alinhados com os interesses, por exemplo, do beneficiário do auxílio, ou mesmo que não sejam de todo interesses económicos, o que importa é o interesse público, partilhado por todos os sujeitos do direito da União, de cuja supervisão a Comissão está incumbida, de proibir qualquer auxílio que não esteja em conformidade com as condições de concorrência no mercado interno.

64.      Esta abordagem aberta do alcance dos «interesses» abrangidos pelo Regulamento Processual reflete‑se, de forma mais proeminente, no Acórdão do Tribunal de Justiça proferido no processo Ja zum Nürburgring/Comissão (35).

65.      Neste acórdão, o Tribunal de Justiça explicou que o interesse de «uma associação que defende os interesses de todo o desporto automóvel alemão relacionado com o autódromo do Nürburgring [...] [cujo] objetivo principal é garantir a exploração desse autódromo em condições económicas orientadas para o interesse geral que garantam o acesso a este igualmente aos desportistas amadores» (36) é suficiente para satisfazer o critério do «interesse».

66.      Por conseguinte, não há razão para considerar que o interesse em manter uma certa estrutura organizacional e funcional no que respeita a organizações desportivas, ou mesmo o interesse mais amplo de garantir a equidade num determinado desporto, não pode ser tido em conta como um interesse suficiente para qualificar uma parte de «parte interessada», na aceção do Regulamento Processual.

67.      Daqui resulta que a questão de saber que interesses podem ser afetados é bastante simples: qualquer interesse pode ser protegido através da apresentação de uma denúncia contra a concessão de um auxílio que possa afetar as condições de concorrência no mercado interno.

68.      No entanto, dado que a qualidade de «parte interessada» confere certos direitos a uma parte, e tendo em conta que o Regulamento Processual não pretendeu conceder esses direitos a todos, mas sim limitá‑los a uma determinada categoria de pessoas, o círculo de pessoas que podem invocar esta qualidade deve ser necessariamente limitado.

69.      Como explicarei, o verdadeiro elemento de filtragem não é o tipo de interesse em causa, mas sim a exigência de afetação desse interesse. Por outras palavras, a questão consiste em saber se pode ser estabelecido um nexo de causalidade entre a incidência sobre o(s) interesse(s) da pessoa singular ou coletiva e a medida de auxílio em causa.

2.      Uma questão de afetação

70.      O artigo 1 .°, alínea h), do Regulamento Processual faz depender a qualidade de «parte interessada» da possibilidade de os interesses dessa parte poderem ser afetados pela concessão do auxílio.

71.      Tradicionalmente, a jurisprudência entendeu esta exigência no sentido de que impõe que a medida de auxílio em causa possa ter uma incidência «concreta» sobre a situação da pessoa singular ou coletiva em causa ou sobre a situação das pessoas que representa (37).

72.      Na minha opinião, estas expressões são meros sinónimos da exigência de um nexo de causalidade entre a medida de auxílio em causa e os efeitos alegados.

73.      A utilização do termo «pela» no artigo 1 .°, alínea h), do Regulamento Processual implica que a pessoa que pretende invocar a qualidade de «parte interessada» deve demonstrar que a incidência negativa sobre os interesses em causa resulta positivamente da medida específica que contesta (38).

74.      Além disso, dada a utilização do verbo modal «poder» na redação da referida disposição, a qualidade de «parte interessada» não depende da afetação efetiva dos interesses da pessoa, mas abrange igualmente um efeito potencial que pode resultar da medida de auxílio em causa (39).

75.      Na prática, contudo, este tipo de imputação potencial pode ser difícil de determinar com algum grau de certeza. Múltiplas medidas (algumas das quais são regulamentares) ou efeitos (com origem em medidas ou atos a montante/jusante) podem acabar por criar consequências negativas para a entidade em causa.

76.      Nestas circunstâncias, sugiro que a imputação positiva acima referida seja complementada por uma apreciação da imputação negativa.

77.      Isto significa que a Comissão deve apreciar se a medida denunciada continua a ser a fonte da alegada incidência negativa, mesmo quando se eliminam quaisquer efeitos que, na realidade, decorrem de outras possíveis fontes (40).

78.      A meu ver, a jurisprudência já reconhece (implicitamente) este tipo de abordagem (41).

79.      Por exemplo, no seu Acórdão Solar Ileias Bompaina/Comissão, o Tribunal de Justiça considerou que um produtor de eletricidade a partir de fontes de energia renovável, que foi reconhecido como tendo sido afetado negativamente por uma medida destinada a reduzir as tarifas de aquisição aplicáveis a esses produtores (42), não podia correlacionar suficientemente esses efeitos com o presumido auxílio aos fornecedores de eletricidade, sobre os quais essa redução não teve incidência e que, por conseguinte, beneficiaram alegadamente de uma posição concorrencial mais favorável (43).

80.      Do mesmo modo, no seu recente Despacho proferido no processo CAPA e o./Comissão, o Tribunal de Justiça foi confrontado com os pedidos de uma cooperativa de pescadores de que o auxílio (operacional) a parques eólicos offshore teve por efeito prejudicar as atividades de pesca dos seus membros. Na sequência da apreciação do Tribunal Geral, o Tribunal de Justiça declarou que os alegados efeitos sobre as atividades de pesca da recorrente (a existirem) (44) não eram imputáveis ao auxílio em causa, mas resultavam das decisões das autoridades francesas de regular as atividades de transporte marítimo e de pesca nas imediações dos referidos parques eólicos (45).

81.      Por conseguinte, considero que o direito de apresentar uma denúncia, conforme consta do artigo 24.°, n.° 2, do Regulamento Processual, bem como os direitos processuais que daí decorrem, está subordinado à exigência de que um potencial queixoso demonstre que os efeitos (negativos) alegados resultam da medida de auxílio em causa.

82.      Se tal não puder ser demonstrado pela pessoa singular ou coletiva em causa, esta parte também não pode invocar o procedimento e os direitos previstos e associados à qualidade de «parte interessada», na aceção do artigo 1.°, alínea h), do Regulamento Processual.

C.      Quanto à qualidade do recorrente

83.      A competência do Tribunal de Justiça em sede de recurso está limitada à solução jurídica que foi dada aos fundamentos debatidos em primeira instância (46).

84.      No presente processo, a queixa de I. Abdelmouine limita‑se à conclusão da Comissão de que o mesmo não constitui uma «parte interessada», na aceção do artigo 24.°, n.° 2, do Regulamento Processual, e, por conseguinte, não pode apresentar uma denúncia ao abrigo deste regulamento sobre o alegado auxílio estatal concedido pela França ao Paris Saint‑Germain FC (47).

85.      A Comissão cometeu um erro nessa apreciação? A resposta sucinta a esta questão é «não». Por conseguinte, considero que o acórdão do Tribunal Geral não deve ser anulado.

86.      Considero, no entanto, que a argumentação subjacente a esse acórdão deve ser substituída, em parte, ao nível do critério jurídico aplicável para clarificar a abertura da jurisprudência a qualquer tipo de interesse, restringida apenas pela necessidade de um nexo de causalidade entre a incidência sobre os interesses da pessoa singular ou coletiva e a medida de auxílio em causa.

87.      No acórdão recorrido, o Tribunal Geral rejeitou os quatro elementos com base nos quais I. Abdelmouine tinha procurado demonstrar se os seus interesses eram afetados pela alegada medida de auxílio em causa (48).

88.      Alegava‑se que estes elementos eram i) o interesse patrimonial direto em relação à situação financeira do FC Barcelona, que poderia resultar na sua responsabilidade financeira e de outros «socios» em caso de insolvência deste clube (49); ii) o interesse baseado nos valores do futebol e na defesa do desporto como bem comum (50); iii) a consequência da distorção da concorrência na forma de organização do FC Barcelona, o seu direito moral enquanto «socio» e a criação de incerteza jurídica e económica para si e para os outros «socios», refletida numa restrição à liberdade de associação (51); e iv) o interesse em preservar os direitos dos «socios», que seriam ameaçados em caso de alteração do estatuto ou da estrutura do FC Barcelona para uma sociedade de capitais (52).

89.      Separadamente, o Tribunal Geral rejeitou o argumento de que os interesses de I. Abdelmouine não podiam ser equiparados aos de um acionista, com base no facto de que a parte pertinente da decisão impugnada constituía uma fundamentação acessória não suscetível de anular a conclusão principal de que o mesmo não satisfazia as condições para ter a qualidade de «parte interessada» (53).

90.      Embora I. Abdelmouine não se refira especificamente aos números pertinentes do acórdão recorrido (54), entendo que contesta a conclusão do Tribunal Geral relativamente a todos os pontos acima referidos.

91.      No entanto, contrariamente ao que I. Abdelmouine efetivamente alega, no acórdão recorrido, o Tribunal Geral não excluiu a possibilidade de, na sua qualidade de «socio», I. Abdelmouine poder invocar os interesses que lhe são atribuídos pelos estatutos do FC Barcelona ou quaisquer outros interesses por ele assumidos subjetivamente (55).

92.      Como já expliquei, qualquer interesse — pessoal ou geral — pode ser abrangido pelo alcance do conceito de «parte interessada», quando esses interesses possam ser afetados pela concessão do auxílio. Tal inclui o interesse assumido por I. Abdelmouine, enquanto «socio», nas políticas de transferência do FC Barcelona, tanto quanto o seu interesse mais geral na igualdade de condições de concorrência no futebol em geral.

93.      A questão consiste em saber se I. Abdelmouine conseguiu demonstrar, com base nas provas apresentadas ao Tribunal Geral, que esses interesses podiam ser afetados pela concessão do (alegado) auxílio em causa.

94.      O Tribunal Geral considerou que não. No acórdão recorrido, julgou inadmissíveis ou improcedentes os pedidos de I. Abdelmouine, com base no facto de que: i) não tinha conseguido demonstrar que os artigos pertinentes dos estatutos do FC Barcelona lhe concediam os direitos que alegava que seriam afetados pela concessão do auxílio (56); ii) não conseguiu estabelecer um nexo entre a alegada afetação do seu interesse e a concessão do auxílio (57); e iii) as suas explicações não foram suficientemente claras quanto à forma como os seus alegados interesses foram afetados (58).

95.      Dado que I. Abdelmouine não alega uma desvirtuação dos elementos de prova relativamente a estes pontos, esta conclusão não pode ser reapreciada pelo Tribunal de Justiça.

96.      Tendo em conta as considerações acima expostas, é irrelevante saber se a posição de I. Abdelmouine pode ou não ser equiparada à de um acionista de uma sociedade de capitais: ainda que a sua crítica ao acórdão recorrido tenha sido acolhida quanto a este ponto, não é suscetível de o tornar «parte interessada» na aceção do Regulamento Processual (59).

97.      Consequentemente, o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro ao concluir que I. Abdelmouine não é «parte interessada», na aceção do artigo 24.°, n.° 2, do Regulamento Processual.

98.      Por conseguinte, proponho que o Tribunal de Justiça julgue improcedentes o terceiro e quarto fundamentos de recurso de I. Abdelmouine, que confirme o acórdão recorrido e que substitua em parte a fundamentação do Tribunal Geral.

V.      Conclusão

99.      Tendo em conta o exposto supra, proponho que o Tribunal de Justiça julgue improcedentes o terceiro e quarto fundamentos de recurso.


1      Língua original: inglês.


2      Conceito este que, posso desde já salientar, não existe no Regulamento Processual.


3      Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (JO 2015, L 248, p. 9) (a seguir «Regulamento Processual»), artigo 1.°, alínea h).


4      Os regulamentos relativos ao licenciamento de clubes e ao «fair play» financeiro da UEFA estão disponíveis em: https://documents.uefa.com/v/u/MFxeqLNKelkYyh5JSafuhg.


5      Este documento está registado como COMP.C.4/AH/mdr 2021(092342).


6      Acórdão recorrido, n.° 7.


7      Acórdão recorrido, n.° 19.


8      Acórdão recorrido, n.os 17 e 18.


9      Acórdão recorrido, n.os 28 a 47.


10      Acórdão recorrido, n.os 51 a 53.


11      Este termo não é definido no Regulamento Processual. É, contudo, referido no considerando 32 do mesmo regulamento para explicar as consequências decorrentes do facto de uma denúncia não satisfazer as condições estabelecidas no formulário de denúncia: ou seja, as referidas informações «não darão necessariamente origem a inquéritos oficiosos».


12      V., neste sentido, Acórdão de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France (C‑367/95 P, EU:C:1998:154, n.° 62) (a seguir «Acórdão Comissão/Sytraval e Brink’s France») (que explica que, embora a Comissão não esteja obrigada a proceder a um debate com o denunciante, «esta conclusão não implica que a Comissão não tenha a obrigação, eventualmente, de instruir uma denúncia indo para além do exame exclusivo dos elementos de facto e de direito levados ao seu conhecimento pelo denunciante. Com efeito, a Comissão é obrigada, no interesse de uma boa administração das regras fundamentais do Tratado relativas aos auxílios de Estado, a proceder a um exame diligente e imparcial da denúncia, o que pode implicar que proceda ao exame dos elementos que não foram expressamente invocados pelo denunciante»). No mesmo sentido, v. também Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Áustria/Scheucher‑Fleisch e o. (C‑47/10 P, EU:C:2011:373, n.° 120).


13      V., neste sentido, Acórdãos Comissão/Sytraval e Brink’s France, n.° 59, e de 24 de setembro de 2002, Falck e Acciaierie di Bolzano/Comissão (C‑74/00 P e C‑75/00 P, EU:C:2002:524, n.os 81 e 83).


14      V., por exemplo, Acórdãos de 24 de setembro de 2002, Falck e Acciaierie di Bolzano/Comissão (C‑74/00 P e C‑75/00 P, EU:C:2002:524, n.° 83), e de 6 de outubro de 2005, Scott/Comissão (C‑276/03 P, EU:C:2005:590, n.° 33). Isto apesar de que, como explica o advogado‑geral O. Lenz nas suas Conclusões no processo Comissão/Sytraval e Brink’s France (C‑367/95 P, EU:C:1997:249, n.° 86), «o Tratado não proíbe a Comissão de ouvir um interessado logo na fase preliminar do processo de exame prevista no artigo 93.°, n.° 3».


15      V. Acórdão de 15 de junho de 1993, Matra/Comissão (C‑225/91, EU:C:1993:239, n.° 16). No mesmo sentido, v. também Acórdão de 20 de março de 1984, Alemanha/Comissão (84/82, EU:C:1984:117, n.os 11 e 13).


16      V. Acórdão Comissão/Sytraval e Brink’s France, n.os 45 a 48.


17      Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo 93.° do Tratado CE (JO 1999, L 83, p. 1; a seguir «Regulamento n.° 659/1999»).


18      Como demonstram os documentos preparatórios do Regulamento n.° 659/1999, este direito não foi inicialmente proposto pela Comissão [v. Proposta de regulamento (CE) do Conselho que estabelece regras de execução do artigo 93.° do Tratado CE (COM/98/0073 final) (JO 1998, C 116, p. 13)]. Com efeito, foi o Comité Económico e Social Europeu que propôs, com base no Acórdão Comissão/Sytraval e Brink’s France, que se afigurava desejável conceder a certas partes interessadas o direito de apresentar uma denúncia. V. Parecer do Comité Económico e Social sobre a «Proposta de regulamento (CE) do Conselho que estabelece as regras de execução do artigo 93.° do Tratado CE» (JO 1998, C 284, p. 10), ponto 4.3.1.


19      V. artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 659/1999, que habilitava qualquer «parte interessada [a] informar a Comissão sobre qualquer alegado auxílio ilegal e qualquer alegada utilização abusiva de um auxílio.»


20      V., nomeadamente, Acórdãos de 17 de julho de 2008, Athinaïki Techniki/Comissão (C‑521/06 P, EU:C:2008:422, n.° 36 e jurisprudência referida), e de 31 de janeiro de 2023, Comissão/Braesch e o. (C‑284/21 P, EU:C:2023:58, n.° 53 e jurisprudência referida).


21      Posto isto, o estatuto processual dos terceiros no processo relativo aos auxílios estatais continua a ser diferente do estatuto mais liberal conferido a essas partes nos domínios antitrust e do comércio; v., a título de comparação, o artigo 5.° do Regulamento (CE) n.° 773/2004 da Comissão, de 7 de abril de 2004, relativo à instrução de processos pela Comissão para efeitos dos artigos 81.° e 82.° do Tratado CE (JO 2004, L 123, p. 18), e artigo 5.° do Regulamento (UE) 2016/1036 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2016, relativo à defesa contra as importações objeto de dumping de países não membros da União Europeia (JO 2016, L 176, p. 21). No mesmo sentido, quanto à diferença em relação às investigações antitrust, v. Niejahr, M. e Scharf, T., «Some Thoughts on the Jurisprudence of European Courts concerning the Admissibility of Actions against State Aid Decision», EC State Aid Law – Le droit des aides d’État dans la CE: Liber amicorum Francisco Santaolalla Gadea, Kluwer, 2008, pp. 353 e 354.


22      É interessante observar que a disposição correspondente do Regulamento n.° 659/1999, o artigo 10.°, n.° 1, não estabelecia essa distinção. Previa que «[q]uando a Comissão dispuser de informações relativas a um auxílio alegadamente ilegal, qualquer que seja a fonte, examinálasá imediatamente». O sublinhado é meu.


23      Artigo 24.°, n.° 2, do Regulamento Processual.


24      Este último elemento é desenvolvido no artigo 24.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento Processual.


25      V. Acórdão de 31 de janeiro de 2023, Comissão/Braesch e o. (C‑284/21 P, EU:C:2023:58, n.° 58 e jurisprudência referida) (que explica que «a definição do conceito de “interessado”, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, foi codificada pelo legislador da União no artigo 1.°, alínea h)» do Regulamento Processual).


26      V., neste sentido, Acórdãos de 14 de novembro de 1984, Intermills/Comissão (323/82, EU:C:1984:345, n.° 16), e de 24 de maio de 2011, Comissão/Kronoply e Kronotex (C‑83/09 P, EU:C:2011:341, n.° 63).


27      V. Acórdão de 31 de janeiro de 2023, Comissão/Braesch e o. (C‑284/21 P, EU:C:2023:58, n.° 59 e jurisprudência referida). V. também, neste sentido, Acórdão de 14 de novembro de 1984, Intermills/Comissão (323/82, EU:C:1984:345, n.° 16).


28      Artigo 1.°, alínea h), do Regulamento Processual. O sublinhado é meu.


29      V. acórdão recorrido, n.° 33, Acórdãos de 19 de dezembro de 2019, BPC Lux 2 e o./Comissão (T‑812/14 RENV, não publicado, EU:T:2019:885, n.° 60), e de 7 de junho de 2023, UNSA Énergie/Comissão (T‑322/22, não publicado, EU:T:2023:307, n.° 20), e Despacho de 25 de junho de 2003, Pérez Escolar/Comissão (T‑41/01, EU:T:2003:175, n.° 36).


30      Esta linha de jurisprudência assenta, por conseguinte, na interpretação de um critério (jurídico) totalmente diferente. V., especialmente a este respeito, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, BPC Lux 2 e o./Comissão (T‑812/14 RENV, não publicado, EU:T:2019:885, n.° 60) — que invoca o Despacho de 25 de junho de 2003, Pérez Escolar/Comissão (T‑41/01, EU:T:2003:175, n.° 36 — que, por sua vez, invoca o Acórdão de 16 de setembro de 1998, Waterleiding Maatschappij/Comissão (T‑188/95, EU:T:1998:217, n.° 37), que explica que «a recorrente não pode ser individualmente afetada devido ao caráter normativo da decisão impugnada, que só aprova a aplicação de disposições fiscais de alcance geral [uma vez que] [e]sta decisão aplica‑se a situações determinadas objetivamente e comporta efeitos jurídicos em relação a uma categoria de pessoas visadas de modo geral e abstrato».


31      V., neste sentido, Acórdão de 31 de janeiro de 2023, Comissão/Braesch e o. (C‑284/21 P, EU:C:2023:58, n.° 54 e jurisprudência referida).


32      V. Acórdão de 15 de setembro de 2021, CAPA e o./Comissão (T‑777/19, EU:T:2021:588, n.° 89) (que explica que «não se po[de] excluir, por princípio, que um auxílio afeta concretamente os interesses de terceiros em razão dos impactos que a instalação auxiliada gera no seu ambiente, nomeadamente sobre as outras atividades que se exercem nas imediações»); confirmado em recurso pelo Despacho de 14 de dezembro de 2023, CAPA e o./Comissão (C‑742/21 P, não publicado, EU:C:2023:1000, n.° 83).


33      Regulamento Processual, considerando 32.


34      V., neste sentido, Acórdão de 31 de janeiro de 2023, Comissão/Braesch e o. (C‑284/21 P, EU:C:2023:58, n.° 60), no qual o Tribunal de Justiça sublinhou que o que se exige é que a «[empresa] alegue que os seus interesses podem ser afetados pela concessão de um auxílio», sem, contudo, impor qualquer apreciação por parte da Comissão ou do Tribunal Geral quanto à ligação desse interesse à parte denunciante.


35      Acórdão de 2 de setembro de 2021, Ja zum Nürburgring/Comissão (C‑647/19 P, EU:C:2021:666, n.° 66) (a seguir «Acórdão Ja zum Nürburgring/Comissão»). No entanto, v. também Acórdão de 9 de julho de 2009, 3F/Comissão (C‑319/07 P, EU:C:2009:435, n.os 65 e 104) (relativo aos interesses do sindicato geral dos trabalhadores da Dinamarca e dos seus membros no que respeita às medidas fiscais ligadas ao emprego de marítimos de países não pertencentes à União Europeia).


36      Acórdão Ja zum Nürburgring/Comissão, n.° 66.


37      V., nomeadamente, Acórdãos de 9 de julho de 2009, 3F/Comissão (C‑319/07 P, EU:C:2009:435, n.° 33); de 24 de maio de 2011, Comissão/Kronoply e Kronotex (C‑83/09 P, EU:C:2011:341, n.° 65); e de 27 de outubro de 2011, Áustria/Scheucher‑Fleisch e o. (C‑47/10 P, EU:C:2011:698, n.° 132).


38      V., neste sentido, Acórdão de 31 de janeiro de 2023, Comissão/Braesch e o. (C‑284/21 P, EU:C:2023:58, n.os 60 e 80 e jurisprudência referida). Como confirma em especial o primeiro destes números, o critério da imputação positiva é o que a jurisprudência relativa à incidência «concreta» do auxílio pretendeu sugerir (v. n.° 71 das presentes conclusões).


39      V., neste sentido, Acórdão de 7 de abril de 2022, Solar Ileias Bompaina/Comissão (C‑429/20 P, EU:C:2022:282, n.° 35) (que explica que «embora o dano causado aos interesses desta empresa possa ser apenas potencial, deve ser suficientemente demonstrado um risco de incidência concreta sobre esses mesmos interesses»). V. também Despachos de 10 de maio de 2023, MKB Multifunds/Comissão (C‑665/21 P, não publicado, EU:C:2023:408, n.° 48), e de 14 de dezembro de 2023, CAPA e o./Comissão (C‑742/21 P, não publicado, EU:C:2023:1000, n.° 73).


40      Escusado será dizer que esta consideração não prejudica a obrigação geral da Comissão de examinar as informações que lhe são prestadas por uma «parte interessada» que apresenta uma denúncia [v., por analogia e neste sentido, Acórdão de 22 de setembro de 2020, Áustria/Comissão (C‑594/18 P, EU:C:2020:742, n.° 85 e jurisprudência referida)] para obstar às estratégias dos Estados‑Membros que possam destinar‑se a quebrar artificialmente o nexo de causalidade entre a medida de auxílio em causa e a sua incidência sobre certas «partes interessadas» [v., por analogia, Acórdãos de 27 de outubro de 2016, D’Oultremont e o. (C‑290/15, EU:C:2016:816, n.° 48), e de 25 de junho de 2020, A e o. (Turbinas eólicas em Aalter e Nevele) (C‑24/19, EU:C:2020:503, n.° 70 e jurisprudência referida) (que explica que o princípio da efetividade exige que as ações dos Estados‑Membros sejam avaliadas quanto a eventuais estratégias destinadas a fragmentar as medidas em várias partes para contornar as obrigações estabelecidas pelo direito da União)].


41      V., neste sentido, Acórdão de 31 de janeiro de 2023, Comissão/Braesch e o. (C‑284/21 P, EU:C:2023:58, n.° 81) (que considera irrelevantes para a apreciação da qualidade de «parte interessada» as medidas «ligadas de facto, é certo, mas juridicamente distintas»), e Despacho de 14 de dezembro de 2023, CAPA e o./Comissão (C‑742/21 P, não publicado, EU:C:2023:1000, n.° 97). V. também, por analogia, Acórdão de 16 de maio de 1991, Extramet Industrie/Conselho (C‑358/89, EU:C:1991:214, n.os 16 a 19) (que exige, numa análise do nexo de causalidade em torno da determinação do prejuízo resultante das importações objeto de dumping, que o prejuízo imputável a outros elementos não seja tido em conta).


42      V. Acórdão de 7 de abril de 2022, Solar Ileias Bompaina/Comissão (C‑429/20 P, EU:C:2022:282, n.° 41).


43      Acórdão de 7 de abril de 2022, Solar Ileias Bompaina/Comissão (C‑429/20 P, EU:C:2022:282, n.° 43).


44      V. Despacho de 14 de dezembro de 2023, CAPA e o./Comissão (C‑742/21 P, não publicado, EU:C:2023:1000, n.os 40 e 79).


45      V. Despacho de 14 de dezembro de 2023, CAPA e o./Comissão (C‑742/21 P, não publicado, EU:C:2023:1000, n.os 79 e 94).


46      V., ex multis, Acórdão de 4 de março de 2021, Comissão/Fútbol Club Barcelona (C‑362/19 P, EU:C:2021:169, n.° 47 e jurisprudência referida).


47      I. Abdelmouine não invoca o argumento de que a sua qualidade de queixoso decorre do artigo 108.°, n.° 3, TFUE.


48      Acórdão recorrido, n.° 28.


49      Acórdão recorrido, n.° 29.


50      Acórdão recorrido, n.° 32.


51      Acórdão recorrido, n.° 35.


52      Acórdão recorrido, n.° 39.


53      Acórdão recorrido, n.os 50 e 51.


54      Tornando assim indiscutivelmente o terceiro e quarto fundamentos de recurso inadmissíveis por falta de satisfação do disposto no artigo 169.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, que exige que o recurso identifique de modo preciso os elementos contestados do acórdão cuja anulação é pedida por I. Abdelmouine; v., ex multis, Acórdão de 4 de julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão (C‑352/98 P, EU:C:2000:361, n.° 34).


55      V., por exemplo, acórdão recorrido, n.° 43.


56      V., neste sentido, acórdão recorrido, n.os 29 a 31.


57      V., neste sentido, acórdão recorrido, n.os 32 a 34 e 39 a 46.


58      V., neste sentido, acórdão recorrido, n.os 35 e 37.


59      V., neste sentido, ex multis, Acórdão de 24 de junho de 1986, AKZO Chemie e AKZO Chemie UK/Comissão (53/85, EU:C:1986:256, n.° 21).