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Processos apensos T‑109/02, T‑118/02, T‑122/02, T‑125/02, T‑126/02, T‑128/02, T‑129/02, T‑132/02 e T‑136/02

Bolloré SA e o.

contra

Comissão das Comunidades Europeias

«Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas − Mercado do papel autocopiativo – Orientações para o cálculo do montante das coimas – Duração da infracção – Gravidade da infracção – Majoração com fins dissuasivos – Circunstâncias agravantes – Circunstâncias atenuantes – Comunicação relativa à cooperação»

Sumário do acórdão

1.      Concorrência – Procedimento administrativo – Respeito dos direitos de defesa – Acesso ao processo

(Artigo 81.°, n.° 1, CE; Regulamento n.° 17 do Conselho)

2.      Concorrência – Procedimento administrativo – Decisão da Comissão que declara uma infracção – Exclusão dos elementos de prova não comunicados à empresa destinatária

(Artigo 81.°, n.° 1, CE)

3.      Concorrência – Procedimento administrativo – Decisão da Comissão que declara uma infracção – Decisão não idêntica à comunicação de acusações – Violação dos direitos de defesa – Requisito

(Artigo 81.°, n.° 1, CE; Regulamento n.° 17 do Conselho)

4.      Concorrência – Procedimento administrativo – Inaplicabilidade do artigo 6.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem – Aplicabilidade dos princípios gerais de direito comunitário

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 19.°, n.° 2)

5.      Actos das instituições – Actos adoptados no exercício de um poder de apreciação – Respeito das garantias conferidas ao administrado

6.      Concorrência – Regras comunitárias – Infracção cometida por uma filial – Imputação à sociedade‑mãe –Requisitos

(Artigo 81.°, n.° 1, CE)

7.      Concorrência – Procedimento administrativo – Decisão da Comissão que declara uma infracção – Utilização, como meios de prova, de declarações de outras empresas que participaram na infracção

(Artigo 81.° CE; Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 11.°)

8.      Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Participação de uma empresa em iniciativas anticoncorrenciais

(Artigo 81.°, n.° 1, CE)

9.      Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Imputação a uma empresa

(Artigo 81.°, n.° 1, CE)

10.    Concorrência – Procedimento administrativo – Decisão da Comissão que declara uma infracção – Elementos de prova que devem ser reunidos

(Artigo 81.°, n.° 1, CE)

11.    Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Prática concertada – Conceito

(Artigo 81.°, n.° 1, CE)

12.    Concorrência – Regras comunitárias – Infracções – Coimas – Determinação – Critérios – Aumento do nível geral das coimas

(Artigo 81.°, n.° 1, CE; Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2)

13.    Concorrência – Procedimento administrativo – Comunicação de acusações – Conteúdo necessário

(Artigo 81.°, n.° 1, CE; Regulamento n.° 17 do Conselho)

14.    Concorrência – Procedimento administrativo – Comunicação de acusações – Conteúdo necessário

(Artigos 81.°, n.° 1, CE e 229.° CE; Regulamento n.° 17 do Conselho, artigos 17.° e 19.°, n.° 1)

15.    Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Proibição – Infracções – Acordos e práticas concertadas que podem considerar‑se constitutivos de uma infracção única

(Artigo 81.°, n.° 1, CE)

16.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção

(Artigo 81.°, n.° 1, CE; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

17.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Impacto concreto no mercado

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

18.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Circunstâncias atenuantes

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

19.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2)

20.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2)

21.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2)

22.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação

(Artigo 81.°, n.° 1, CE; Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicações 96/C 207/04 e 98/C 9/03 da Comissão)

23.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação

(Artigo 81.°, n.° 1, CE; Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

24.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Circunstâncias agravantes

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 2)

25.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Circunstâncias atenuantes

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 3)

26.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Circunstâncias atenuantes

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2)

27.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Circunstâncias atenuantes

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 3, terceiro travessão)

28.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Não aplicação ou redução da coima em contrapartida da cooperação da empresa acusada

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 96/C 207/04 da Comissão)

29.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Redução do montante da coima em contrapartida da cooperação da empresa acusada

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigos 11.°, n.os 4 e 5, e 15.°, n.° 2; Comunicação 96/C 207/04 da Comissão, título D, ponto 2)

30.    Tramitação processual – Medidas de instrução – Pedido de apresentação de documentos

(Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, artigos 65.° e 66.°, n.° 1)

1.      Num procedimento de aplicação das regras comunitárias de concorrência, a Comissão é obrigada, a fim de permitir às empresas em causa defenderem‑se utilmente das acusações contra elas formuladas na comunicação de acusações, a facultar‑lhes o acesso, na íntegra, ao processo de instrução com excepção dos documentos que contenham segredos de negócios de outras empresas ou outras informações confidenciais e dos documentos internos da Comissão.

Além disso, o direito das empresas e associações de empresas à protecção dos seus segredos de negócios deve ser ponderado com a garantia do direito de aceder à totalidade do processo.

Por isso, se a Comissão considerar que certos documentos do seu processo de instrução contêm segredos de negócios ou outras informações confidenciais, deve preparar ou mandar preparar pelas empresas ou associações de empresas de que emanam os documentos em questão, versões confidenciais destes. Se a preparação de versões não confidenciais de todos os documentos se revelar difícil, deve transmitir às partes em causa uma lista suficientemente precisa dos documentos que põem problemas, a fim de lhes permitir avaliar a oportunidade de pedirem acesso a documentos específicos.

(cf. n.os 45, 46)

2.      Dado que os documentos não comunicados às partes em causa no procedimento administrativo não constituem meios de prova oponíveis, se se verificar que a Comissão se baseou, na decisão final, em documentos que não figuram no processo de instrução e que não foram comunicados aos recorrentes, não se pode aceitar os referidos documentos como meios de prova.

Daí resulta que, se a Comissão tiver a intenção de se basear numa passagem de uma resposta a uma comunicação de acusações ou num documento anexo a tal resposta para demonstrar a existência de uma infracção num procedimento de aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE, devem ser dadas às outras partes envolvidas nesse procedimento as condições de se pronunciarem sobre tal elemento de prova.

(cf. n.os 56, 57)

3.      A comunicação de acusações deve conter uma exposição das acusações redigida em termos suficientemente claros, ainda que sucintos, para permitir aos interessados tomar efectivamente conhecimento dos comportamentos que lhes são imputados pela Comissão. Com efeito, só nesta condição a comunicação de acusações pode desempenhar a função que lhe é atribuída pelos regulamentos comunitários e que consiste em fornecer todos os elementos necessários às empresas e às associações de empresas para que possam fazer valer utilmente a sua defesa antes de a Comissão tomar uma decisão definitiva.

Esta exigência não é respeitada quando uma decisão imputa a responsabilidade de uma infracção a uma sociedade‑mãe em razão, por um lado, da participação da sua filial num acordo e, por outro, quando a comunicação de acusações não permite à sociedade‑mãe tomar conhecimento da acusação de envolvimento directo na infracção, nem mesmo dos factos que a Comissão tomou finalmente em conta na decisão em apoio dessa acusação.

Todavia, mesmo que a decisão da Comissão contenha novas alegações de facto ou de direito relativamente às quais as empresas em causa não tenham sido ouvidas, esse vício só leva à anulação da decisão nesse ponto se não se fizer prova bastante das alegações com base noutros elementos tomados em consideração na decisão e relativamente aos quais as empresas tenham tido a oportunidade de apresentar o seu ponto de vista.

Além disso, na medida em que certos fundamentos da decisão possam, por si só, ser suficientes para justificar os vícios de que possam estar feridos outros fundamentos do acto não têm, de qualquer forma, influência na sua parte dispositiva.

(cf. n.os 67, 71, 77, 79‑81)

4.      Ainda que a Comissão não seja um Tribunal na acepção do artigo 6.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e que as coimas aplicadas pela Comissão não tenham natureza penal, não é menos verdade que a Comissão é obrigada a respeitar os princípios gerais de direito comunitário no procedimento administrativo.

Todavia, por um lado, se bem que a Comissão possa ouvir pessoas singulares ou colectivas quando o julgar necessário, não dispõe do direito de convocar testemunhas de acusação sem ter obtido o seu acordo e, por outro, o facto de as disposições do direito comunitário da concorrência não preverem a obrigação de a Comissão convocar testemunhas de defesa cujo depoimento seja requerido não é contrário aos referidos princípios.

(cf. n.os 86, 87)

5.      No caso em que as instituições da Comunidade dispõem de poder de apreciação para poderem desempenhar as suas funções, o respeito das garantias conferidas pela ordem jurídica comunitária nos procedimentos administrativos assume uma importância ainda mais fundamental. Entre essas garantias consta, nomeadamente, a obrigação de a instituição competente examinar, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos pertinentes do caso concreto.

(cf. n.° 92)

6.      A circunstância de a filial ter uma personalidade jurídica distinta não basta para afastar a possibilidade de o seu comportamento ser imputado à sociedade‑mãe, nomeadamente quando a filial não determinar de forma autónoma o seu comportamento no mercado, mas aplicar no essencial as instruções que lhe são dadas pela sociedade‑mãe.

A esse propósito, o elemento relativo à detenção da totalidade do capital da filial, embora constitua um indício forte de que a sociedade‑mãe detém um poder de influência determinante no comportamento da filial no mercado, não basta, só por si, para permitir imputar a responsabilidade do comportamento da filial à sociedade‑mãe. Continua a ser necessário um elemento adicional em relação à taxa de participação, mas pode ser constituído por indícios. Esse elemento adicional não tem forçosamente de residir na prova de instruções efectivamente dadas pela sociedade‑mãe à filial para que esta participe em comportamentos anticoncorrenciais.

(cf. n.os 131, 132)

7.      As declarações de uma empresa posta em causa por ter participado num cartel, cuja exactidão é contestada por várias outras empresas, também elas postas em causa, não pode ser considerada prova suficiente da existência de uma infracção cometida por estas sem estar alicerçada por elementos de prova.

Além disso, as declarações que vão contra os interesses do declarante devem, em princípio, ser consideradas elementos de prova particularmente fiáveis.

(cf. n.os 166, 167)

8.      Basta que a Comissão demonstre que a empresa em causa participou em reuniões no decurso das quais acordos de natureza anticoncorrencial foram concluídos, sem a isso se ter manifestamente oposto, para provar suficientemente a participação da referida empresa no cartel. Quando a participação em tais reuniões tiver sido demonstrada, incumbe a essa empresa apresentar indícios que possam demonstrar que a sua participação nas referidas reuniões era desprovida de qualquer espírito anticoncorrencial, demonstrando que indicara aos seus concorrentes que participava nessas reuniões numa óptica diferente da deles.

A razão subentendida neste princípio de direito é que, tendo participado nessas reuniões sem se distanciar publicamente do seu conteúdo, a empresa deu a entender aos outros participantes que subscrevia o seu resultado e que actuaria em conformidade com ele.

Além disso, a circunstância de uma empresa não dar seguimento aos resultados dessa reunião não é susceptível de afastar a sua responsabilidade pela sua participação num cartel, a menos que se tenha distanciado publicamente do seu conteúdo.

Quando este sistema de reuniões se inscreve numa série de esforços das empresas em causa prosseguindo uma só finalidade económica, isto é, falsear a evolução normal dos preços no mercado em questão, seria artificial subdividir este comportamento, caracterizado por uma só finalidade, vendo aí várias infracções distintas.

(cf. n.os 188, 189, 196, 312, 360, 424)

9.      Uma empresa que tenha participado numa infracção multiforme às regras comunitárias de concorrência, através de comportamentos que lhe são próprios, que integrem os conceitos de acordo ou de prática concertada com um objectivo anticoncorrencial, na acepção do artigo 81.°, n.° 1, CE, e que visem contribuir para a realização da infracção no seu conjunto, pode ser também responsável pelos comportamentos praticados por outras empresas no quadro da mesma infracção durante todo o período em que participou na referida infracção, quando se provar que a empresa em questão conhece os comportamentos ilícitos dos outros participantes ou que os pode razoavelmente prever e está disposta a aceitar esse risco.

A simples identidade de objecto entre um acordo no qual participou uma empresa e um cartel global não basta para imputar a essa empresa a participação no cartel global. Com efeito, só se a empresa, ao participar nesse acordo, sabia ou devia saber que, ao proceder desse modo, se integrava no cartel global pode a sua participação no acordo em questão pode constituir a expressão da sua adesão a esse cartel global.

(cf. n.os 207, 209, 236)

10.    No que diz respeito à administração da prova de uma infracção ao artigo 81.°, n.° 1, CE, a Comissão deve demonstrar as infracções por ela declaradas e determinar os elementos adequados a fazer prova bastante da existência dos factos constitutivos de uma infracção.

É necessário que a Comissão refira de provas precisas e concordantes para fundar a firme convicção de que a infracção foi cometida. Todavia, importa sublinhar que cada uma das provas apresentadas pela Comissão não tem necessariamente que cumprir esses critérios em relação a cada elemento da infracção. Basta que o conjunto de indícios invocado pela instituição, apreciado globalmente, preencha esse requisito.

(cf. n.os 256‑258)

11.    A exigência de autonomia da política de qualquer operador económico, que é inerente às disposições do Tratado relativas à concorrência, opõe‑se rigorosamente a qualquer contacto directo ou indirecto entre tais operadores que possa influenciar o comportamento no mercado de um concorrente actual ou potencial ou desvendar a tal concorrente o comportamento que ele próprio decidiu ou planeia ter no mercado, quando esses contactos tiverem por objectivo ou por efeito redundar em condições de concorrência que não correspondem às condições normais do mercado em causa. A esse propósito, há que presumir, sem prejuízo de prova em contrário a cargo dos operadores interessados, que as empresas que participam na concertação e que continuam com actividade no mercado têm em conta as informações trocadas com os seus concorrentes para determinar o seu comportamento neste mercado.

(cf. n.° 291)

12.    O facto de a Comissão ter aplicado, no passado, coimas de certo nível a determinados tipos de infracções, não poderá privá‑la da possibilidade de elevar esse nível, dentro dos limites indicados no Regulamento n.° 17, se tal for necessário para assegurar a execução da política comunitária de concorrência.

A aplicação eficaz das regras comunitárias da concorrência exige, com efeito, que a Comissão possa em qualquer momento adaptar o nível das coimas às necessidades dessa política.

As empresas envolvidas num procedimento administrativo que pode dar lugar a uma coima não podem basear uma confiança legítima no facto de que a Comissão não ultrapassará o nível das coimas praticado anteriormente.

(cf. n.os 376, 377)

13.    A Comissão não era obrigada, uma vez que tinha indicado os elementos de facto e de direito em que basearia o seu cálculo do montante das coimas, a precisar na comunicação de acusações a maneira como se serviria de cada um desses elementos para a determinação do nível da coima. Com efeito, dar indicações respeitantes ao nível das coimas projectadas, enquanto não tiver sido dada às empresas a possibilidade de apresentarem as suas observações sobre as acusações deduzidas contra elas, equivale a antecipar de forma inadequada a decisão da Comissão.

Por conseguinte, a Comissão não era, portanto, obrigada, no procedimento administrativo, a comunicar às empresas em causa a sua intenção de aplicar um novo método de cálculo das coimas.

(cf. n.os 392, 403)

14.    Desde que a Comissão indique expressamente, na comunicação de acusações, que vai examinar se há que aplicar coimas às empresas em causa e que enuncie os principais elementos de facto e de direito susceptíveis de implicar uma coima, tais como a gravidade e a duração da suposta infracção e o facto de esta ter sido cometida deliberadamente ou por negligência, cumpre a sua obrigação de respeitar o direito de audiência das empresas. Agindo assim, dá‑lhes os elementos necessários para se defenderem não apenas contra uma declaração da existência da infracção mas igualmente contra o facto de lhes ser aplicada uma coima.

Daí resulta que, no que respeita à determinação do montante das coimas aplicadas por infracção às regras de concorrência os direitos de defesa das empresas em causa são garantidos perante a Comissão através da possibilidade de fazer observações sobre a duração, a gravidade e o carácter anticoncorrencial dos factos imputados. Por outro lado, as empresas beneficiam de uma garantia suplementar, no que respeita à determinação do montante das coimas, na medida em que o Tribunal conhece com competência de plena jurisdição e pode, nomeadamente, suprimir ou reduzir a coima, de harmonia com o disposto no artigo 17.° do Regulamento n.° 17.

(cf. n.os 397, 398)

15.    Se bem que o facto de uma empresa não ter participado em todos os elementos constitutivos de um cartel não seja pertinente para determinar a existência da infracção, esse elemento deve ser tomado em consideração na apreciação da gravidade da infracção e, tal sendo o caso, na determinação da coima.

(cf. n.° 429)

16.    No âmbito da determinação do montante das coimas por infracção às regras comunitárias de concorrência, a apreciação da gravidade de uma infracção deve ser efectuada tendo em conta, nomeadamente, a natureza das restrições à concorrência.

As infracções que consistem na fixação dos preços e na repartição dos mercados, devem ser consideradas como particularmente graves uma vez que comportam uma intervenção directa nos parâmetros essenciais da concorrência no mercado em causa.

Todavia, a qualificação de infracção muito grave não está subordinada à existência de uma compartimentação dos mercados. Pelo contrário, presume‑se que os acordos horizontais relativos a cartéis de preços ou a quotas de repartição de mercados prejudicam o bom funcionamento do mercado interno e essa qualificação pode, além disso, ser aplicada a outras práticas susceptíveis de produzir tal efeito.

Com efeito, não resulta dessa jurisprudência nem das orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA que a qualificação de infracção muito grave exige a cumulação de várias dessas práticas. Um cartel horizontal sobre os preços pode, por si só, constituir essa infracção se comprometer o bom funcionamento do mercado.

Além disso, não resulta das orientações nem da jurisprudência que, para ser qualificado de infracção muito grave, o cartel deva ter estruturas institucionais particulares.

(cf. n.os 434‑437, 441)

17.    Segundo as orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA, a avaliação do grau de gravidade da infracção deve ter em consideração o carácter da própria infracção, o seu impacto concreto no mercado quando este for quantificável e a dimensão do mercado geográfico em causa. As referidas orientações não ligam directamente a gravidade da infracção ao seu impacto. O impacto concreto constitui um elemento entre outros, de que há mesmo que abstrair quando não for quantificável.

(cf. n.° 447)

18.    O simples facto de o mercado em causa estar em declínio e de algumas empresas suportarem perdas não obsta à instituição de um cartel nem à aplicação do artigo 81.° CE. Além disso, a má situação do mercado não poderá implicar a ausência de impacto do cartel. Com efeito, os aumentos de preços acordados podem permitir controlar ou limitar a descida dos preços, falseando assim o jogo da concorrência.

Além disso, a Comissão não é obrigada, quando sanciona uma infracção às regras comunitárias de concorrência, a considerar circunstância atenuante a má saúde financeira do sector em causa e não é porque a Comissão teve em conta, em processos anteriores, a situação económica do sector como circunstância atenuante que deve necessariamente continuar a observar essa prática. Com efeito, regra geral, os cartéis nascem no momento em que um sector conhece dificuldades.

(cf. n.os 462, 663)

19.    Entre os elementos de apreciação da gravidade da infracção, podem, consoante o caso, figurar o volume e o valor das mercadorias que são objecto da infracção, a dimensão e o potencial económico da empresa e, portanto, a influência que esta pôde exercer no mercado. Daí resulta, por um lado, que, para a determinação do montante da coima, se pode ter em consideração tanto o volume de negócios global da empresa, que constitui uma indicação, embora aproximativa e imperfeita, da sua dimensão e do seu potencial económico, como a parte desse volume que provém das mercadorias que são objecto da infracção e que é, portanto, susceptível de dar uma indicação da sua amplitude. Daqui resulta, por outro lado, que não deve atribuir‑se nem a um nem a outro destes volumes uma importância desproporcionada em relação aos outros elementos de apreciação, de forma que a fixação do montante de uma coima adequado não pode ser o resultado de um simples cálculo baseado no volume de negócios global.

(cf. n.° 468)

20.    Finalmente, a Comissão não é obrigada, na determinação do montante das coimas em função da gravidade e da duração da infracção em questão, a efectuar o cálculo da coima a partir de montantes baseados no volume de negócios das empresas em causa, nem a assegurar, no caso de serem aplicadas coimas a várias empresas envolvidas numa mesma infracção, que os montantes finais das coimas em que o seu cálculo redunda para as empresas em causa traduzam toda a diferenciação entre estas quanto ao seu volume de negócios global ou ao seu volume de negócios no mercado do produto em causa.

(cf. n.° 484)

21.    Quando a Comissão reparte as empresas em causa por categorias para efeitos da fixação do montante das coimas, a determinação dos limiares para cada uma das categorias assim identificadas deve ser coerente e objectivamente justificada. Na medida em que podem dar uma indicação da importância da empresa, esses elementos, isto é, o seu volume de negócios baseado na venda do produto no Espaço Económico Europeu e as quotas de mercado podem ser tomados em conta pela Comissão, nesse quadro.

O recurso às quotas de mercado entre outros elementos para se proceder a uma diferenciação entre as empresas seria contrário ao princípio da igualdade de tratamento se não se aplicasse ao conjunto das empresas visadas.

(cf. n.os 504, 507, 511)

22.    A tomada em consideração do efeito dissuasivo das coimas aplicadas por infracção às regras comunitárias de concorrência ao fixar o montante de partida faz parte integrante da ponderação das coimas em função da gravidade da infracção.

A Comissão pode impor coimas mais pesadas a uma empresa cujos actos no mercado, atendendo ao facto de ela ocupar um lugar determinante no seio do mercado, tenham tido um impacto maior que os de outras empresas que cometeram a mesma infracção. Tal maneira de calcular o montante da coima corresponde, designadamente, à necessidade de que esta seja suficientemente dissuasora.

A majoração com fins dissuasivos das coimas aplicadas por infracção às regras de concorrência não é compatível com a aplicação da comunicação, no que diz respeito à não aplicação de coimas ou à redução do seu montante, uma vez que estes elementos são manifestamente diferentes e a sua aplicação simultânea não poderá ser considerada contraditória. Com efeito, a majoração da coima com fins dissuasivos inscreve‑se na fase de cálculo da coima aplicada pela infracção cometida. Uma vez determinado esse montante, a aplicação da comunicação relativa à cooperação visa, em seguida, recompensar as empresas que decidiram cooperar com a Comissão. O facto de uma empresa se decidir a cooperar num inquérito para obter uma redução da coima que lhe foi aplicada nesse quadro não garante de forma alguma que ela se absterá de cometer no futuro uma infracção similar.

(cf. n.os 526, 540, 541)

23.    No âmbito da determinação do montante das coimas por infracção às regras comunitárias de concorrência, a Comissão pode proceder a uma primeira majoração do montante de partida da coima em razão da importância da empresa no mercado do produto em questão, e, numa segunda fase, a uma segunda majoração a título de dissuasão, tomando em consideração a totalidade da actividade da empresa ou do grupo a que esta pertence, a fim de ter em conta os seus recursos globais. Com efeito, estas duas majorações não tomam em conta os mesmos elementos.

(cf. n.os 535, 536)

24.    Quando uma infracção às regras comunitárias de concorrência foi cometida por várias empresas, no quadro da determinação do montante das coimas, há que examinar a gravidade relativa da participação de cada uma delas, o que implica, em particular, demonstrar os respectivos papéis na infracção durante a duração da sua participação. Daí resulta, nomeadamente, que o papel de «líder» desempenhado por uma ou várias empresas no quadro de um cartel deve ser tomado em conta para efeitos do cálculo do montante da coima, na medida em que as empresas que desempenharam tal papel devem, por esse facto, ter uma responsabilidade particular em relação às outras empresas. Em conformidade com estes princípios, o ponto 2 das orientações adoptas pela Comissão para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA estabelece, sob o título de circunstâncias agravantes, uma lista não taxativa de circunstâncias que podem conduzir a um aumento do montante de base da coima compreendendo, nomeadamente, o «papel de líder ou de instigador da infracção».

(cf. n.os 561, 622)

25.    Embora as circunstâncias enumeradas na lista que figura no ponto 3 das orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA estejam entre as que podem ser tomadas em conta pela Comissão num dado caso, esta não é obrigada a conceder automaticamente uma redução suplementar a esse título quando uma empresa invoca elementos susceptíveis de indicar a presença de uma dessas circunstâncias. Com efeito, a adequação de uma eventual redução da coima por circunstâncias atenuantes deve ser apreciada de um ponto de vista global tendo em conta o conjunto das circunstâncias pertinentes. Na falta de indicação de natureza imperativa nas orientações no que respeita às circunstâncias atenuantes que podem ser tomadas em conta, a Comissão conservou uma certa margem de apreciação para avaliar de uma forma geral a importância de uma eventual redução do montante das coimas por circunstâncias atenuantes.

(cf. n.os 602, 624)

26.    A existência de ameaças e de pressões exercidas por uma empresa não muda nada na realidade e na gravidade de uma infracção às regras comunitárias de concorrência e não pode constituir uma circunstância atenuante. Com efeito, uma empresa que juntamente com outras participa em actividades anticoncorrenciais pode denunciar às autoridades competentes as pressões a que era sujeita e apresentar junto da Comissão uma denúncia nos termos do artigo 3.° do Regulamento n.° 17 em vez de participar no cartel. Essa consideração vale em relação a todas as empresas partes num acordo, sem que haja que fazer uma distinção entre elas em função do pretenso grau da intensidade das pressões alegadas.

(cf. n.os 638, 639)

27.    A cessação das infracções desde as primeiras intervenções da Comissão figura no número das circunstâncias atenuantes enumeradas expressamente no ponto 3 das orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA.

Todavia, a Comissão não pode ser obrigada, em regra, a considerar circunstância agravante o prosseguimento da infracção nem a considerar circunstância atenuante a cessação de uma infracção.

Além disso, quando a data da cessação de uma infracção é anterior às primeiras intervenções ou averiguações da Comissão a aplicação de uma redução constituiria uma duplicação da tomada em conta, em conformidade com as orientações, da duração das infracções no cálculo das coimas. Essa tomada em conta tem precisamente por objectivo sancionar mais severamente as empresas que infringem as regras em matéria de concorrência durante um período prolongado que aquelas cujas infracções são de curta duração. Assim, a redução do montante de uma coima pelo facto de uma empresa ter posto termo aos seus comportamentos infractores antes das primeiras diligências de instrução por parte da Comissão teria por efeito beneficiar os responsáveis pelas infracções de curta duração uma segunda vez.

(cf. n.os 643‑646)

28.    Resulta do próprio texto do ponto B, alínea b), da comunicação sobre a não aplicação ou a redução de coimas nos processos relativos a acordos, decisões e práticas concertadas que a «primeira» empresa não tem de ter fornecido a totalidade dos elementos que provam todos os pormenores do funcionamento do cartel, bastando que apresente elementos determinantes. Em particular, esse texto não exige que os elementos fornecidos sejam, só por si, «suficientes» para a elaboração de uma comunicação de acusações, ou mesmo para a adopção de uma decisão final que declare a existência de uma infracção.

Além disso, resulta claramente da comunicação relativa à cooperação que o facto de ser a primeira empresa a fornecer elementos determinantes importa para a aplicação dos pontos B e C, mas não para o ponto D, que não faz qualquer referência nem concede qualquer prémio a uma anterioridade da cooperação de uma empresa em relação a uma outra.

(cf. n.os 692, 697)

29.    Uma redução do montante da coima a título de cooperação no âmbito de um procedimento administrativo só é justificado se o comportamento da empresa em causa permitiu à Comissão apurar a infracção com menos dificuldade e, tal sendo o caso, pôr‑lhe termo.

A Comissão dispõe de um poder de apreciação nesse aspecto, como resulta da redacção do ponto D, ponto 2 da comunicação sobre a não aplicação ou a redução de coimas nos processos relativos a acordos, decisões e práticas concertadas.

Além disso e sobretudo, só poderá justificar‑se uma redução com fundamento na comunicação relativa à cooperação quando as informações fornecidas e, mais geralmente, o comportamento da empresa em causa possam, nesse aspecto, ser considerados demonstrativos de uma verdadeira cooperação da sua parte.

Confissões acompanhadas de reservas ou de declarações equívocas não traduzem no entanto uma verdadeira cooperação e não são susceptíveis de facilitar a tarefa da Comissão, pois necessitam de diligências de instrução. Isto é tanto mais verdadeiro quando essas reservas incidem sobre pontos como, a duração da infracção, as quotas de vendas, as quotas de mercado ou a troca de informações.

(cf. n.os 716, 717)

30.    No decurso do processo perante o juiz comunitário, os documentos internos da Comissão relativos a um processo de aplicação das regras comunitárias de concorrência não são levados ao conhecimento dos recorrentes, a não ser que as circunstâncias excepcionais do caso em apreço o exijam, com base em indícios sérios que lhes cabe fornecer.

(cf. n.° 736)