Language of document : ECLI:EU:C:2020:743

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

22 de setembro de 2020 (*)

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2006/123/CE — Âmbito de aplicação — Locação de imóveis mobilados destinados a habitação a uma clientela de passagem que aí não fixa domicílio, efetuada de forma reiterada e por períodos de curta duração — Regulamentação nacional que prevê um regime de autorização prévia para determinados municípios e que encarrega esses municípios da definição das condições de concessão das autorizações prévias previstas por esse regime — Artigo 4.o, n.o 6 — Conceito de “regime de autorização” — Artigo 9.o — Justificação – Oferta insuficiente de habitações destinadas a locação de longa duração a preços acessíveis – Proporcionalidade — Artigo 10.o — Requisitos relativos às condições de concessão das autorizações»

Nos processos apensos C‑724/18 e C‑727/18,

que têm por objeto pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França), por Decisões de 15 de novembro de 2018, que deram entrada no Tribunal de Justiça, respetivamente, em 21 e 22 de novembro de 2018, nos processos

Cali Apartments SCI (C‑724/18),

HX (C‑727/18)

contra

Procureur général près la cour d’appel de Paris,

Ville de Paris,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, R. Silva de Lapuerta, vice‑presidente, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev, A. Prechal, L. S. Rossi e I. Jarukaitis, presidentes de secção, E. Juhász, M. Ilešič, J. Malenovský, L. Bay Larsen, D. Šváby (relator) e N. Piçarra, juízes,

advogado‑geral: M. Bobek,

secretário: V. Giacobbo, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 19 de novembro de 2019,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Cali Apartments SCI e de HX, por P. Spinosi e V. Steinberg, avocats,

–        em representação da ville de Paris, por G. Parleani, D. Rooz e D. Foussard, avocats,

–        em representação do Governo francês, por E. de Moustier e R. Coesme, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo checo, por M. Smolek, J. Vláčil, T. Müller e T. Machovičová, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo alemão, por J. Möller e S. Eisenberg, na qualidade de agentes,

–        em representação da Irlanda, por M. Browne, G. Hodge e A. Joyce, na qualidade de agentes, assistidos por D. Fennelly, BL, e N. Butler, SC,

–        em representação do Governo helénico, por S. Charitaki, S. Papaioannou e M. Michelogiannaki, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo espanhol, por S. Jiménez García e M. J. García‑Valdecasas Dorrego, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo neerlandês, por M. K. Bulterman e J. M. Hoogveld, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por É. Gippini Fournier, L. Malferrari e L. Armati, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 2 de abril de 2020,

profere o presente

Acórdão

1        Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação dos artigos 1.o, 2.o e 9.o a 15.o da Diretiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno (JO 2006, L 376, p. 36).

2        Estes pedidos foram apresentados no âmbito de litígios que opõem a Cali Apartments SCI e HX ao Procureur général près la cour d’appel de Paris (Procurador‑Geral junto do Tribunal de Recurso de Paris, França) e à ville de Paris (Município de Paris, França) a respeito da violação, por essas pessoas, de uma regulamentação nacional que exige uma autorização prévia para o exercício de atividades de locação, mediante remuneração, de imóveis mobilados destinados a habitação a uma clientela de passagem que aí não fixa domicílio, efetuadas de forma reiterada e por períodos de curta duração.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Os considerandos 1, 7, 9, 27, 33, 59 e 60 da Diretiva 2006/123 têm a seguinte redação:

«(1)      A Comunidade Europeia pretende estabelecer laços cada vez mais estreitos entre os Estados e os povos europeus e garantir o progresso económico e social. Nos termos do n.o 2 do artigo 14.o do Tratado, o mercado interno compreende um espaço sem fronteiras internas no qual é assegurada a livre circulação de serviços. Nos termos do artigo 43.o do Tratado, é assegurada a liberdade de estabelecimento. O artigo 49.o do Tratado estabelece o direito de prestar serviços na Comunidade. A eliminação dos entraves ao desenvolvimento das atividades de serviços entre Estados‑Membros é essencial para reforçar a integração entre os povos europeus e para promover o progresso económico e social equilibrado e duradouro. Para que tais entraves sejam suprimidos, é essencial garantir que o desenvolvimento do setor dos serviços contribua para a concretização da missão definida no artigo 2.o do Tratado, ou seja, a promoção, em toda a Comunidade, de um desenvolvimento harmonioso, equilibrado e sustentável das atividades económicas, um elevado nível de emprego e de proteção social, a igualdade entre homens e mulheres, um crescimento sustentável e não inflacionista, um alto grau de competitividade e de convergência dos comportamentos das economias, um elevado nível de proteção e de melhoria da qualidade do ambiente, o aumento do nível e da qualidade de vida, a coesão económica e social e a solidariedade entre os Estados‑Membros.

[…]

(7)      A presente diretiva estabelece um quadro jurídico geral aplicável a uma ampla variedade de serviços, tendo simultaneamente em conta as particularidades de cada tipo de atividade ou de profissão e o respetivo sistema de regulação. Esse quadro baseia‑se numa abordagem dinâmica e seletiva que consiste em eliminar, prioritariamente, os entraves que podem ser rapidamente suprimidos e, relativamente aos restantes, em lançar um processo de avaliação, de consulta e de harmonização complementar sobre questões específicas que permitirá, progressivamente e de maneira coordenada, a modernização dos sistemas nacionais de regulamentação das atividades de serviços, indispensável para a realização de um verdadeiro mercado interno dos serviços até 2010. Deverá prever‑se uma combinação equilibrada de medidas de harmonização direcionada, de cooperação administrativa, prever a liberdade de prestação de serviços e o incentivo à elaboração de códigos de conduta sobre determinadas questões. Esta coordenação das legislações nacionais deverá assegurar um elevado grau de integração legal comunitária e um elevado nível de proteção dos objetivos de interesse geral, nomeadamente a defesa dos consumidores, indispensável para estabelecer a confiança entre os Estados‑Membros. A presente diretiva toma ainda em consideração outros objetivos de interesse geral, designadamente a proteção do ambiente, a segurança pública e a saúde pública, bem como a necessidade de respeitar a legislação laboral.

[…]

(9)      A presente diretiva apenas é aplicável aos requisitos que afetam o acesso a uma atividade de serviços ou o exercício dessa atividade. Por conseguinte, não é aplicável a requisitos como por exemplo o código da estrada, a regulamentação em matéria de gestão de utilização dos solos, o planeamento urbano e o ordenamento do território, as normas em matéria de construção, bem como as sanções administrativas aplicadas devido ao não cumprimento desses requisitos, que não regulamentam ou afetam especificamente atividades de serviços mas que têm de ser cumpridas pelos prestadores no decurso da sua atividade económica, da mesma forma que pelas pessoas que ajam a título privado.

[…]

(27)      A presente diretiva não deverá abranger os serviços sociais no setor da habitação, da assistência à infância e os serviços dispensados às famílias e pessoas necessitadas que são prestados pelo Estado a nível nacional, regional ou local por prestadores especialmente mandatados pelo Estado para tal ou por instituições de solidariedade social reconhecidas pelo Estado enquanto tais com o objetivo de assegurar apoio aos que estão temporária ou permanentemente mais necessitados, seja porque auferem um rendimento familiar insuficiente ou porque são total ou parcialmente dependentes, e aos que correm o risco de serem marginalizados. Estes serviços são essenciais para garantir os direitos fundamentais da dignidade e da integridade humanas e são uma manifestação dos princípios da coesão e da solidariedade social, não devendo ser prejudicados pela presente diretiva.

[…]

(33)      Os serviços abrangidos pela presente diretiva pertencem a um amplo leque de atividades em constante evolução, entre os quais se contam os serviços empresariais, como por exemplo os serviços de consultoria em gestão, de certificação e ensaio, os serviços de gestão e manutenção de escritórios, os serviços no domínio da publicidade, os serviços de recrutamento ou ainda os serviços dos agentes comerciais. Os serviços abrangidos englobam também os serviços fornecidos simultaneamente às empresas e aos consumidores, como os serviços de consultoria jurídica ou fiscal, os serviços relativos à propriedade, como as agências imobiliárias, os serviços de construção, incluindo os serviços de arquitetura, a distribuição, a organização de feiras, o aluguer de automóveis, e as agências de viagem. São abrangidos ainda os serviços aos consumidores, como os serviços no domínio do turismo […].

[…]

(59)      A autorização deverá, por regra, permitir ao prestador o acesso à atividade de serviços, ou o seu exercício, em todo o território nacional, salvo nos casos em que uma razão imperiosa de interesse geral justifique uma limitação territorial. A proteção do ambiente urbano pode justificar, por exemplo, a exigência de uma autorização para cada instalação física no território nacional. Esta disposição não deverá afetar as competências regionais ou locais para a concessão de autorizações nos Estados‑Membros.

(60)      A presente diretiva, e em particular as disposições relativas aos regimes de autorização e ao âmbito territorial de uma autorização, não deverá interferir na repartição das competências regionais ou locais dos Estados‑Membros, incluindo os governos regionais ou locais, e na utilização de línguas oficiais.»

4        O artigo 1.o, n.o 1, da mesma diretiva prevê:

«A presente diretiva estabelece disposições gerais que facilitam o exercício da liberdade de estabelecimento dos prestadores de serviços e a livre circulação dos serviços, mantendo simultaneamente um elevado nível de qualidade dos serviços.»

5        Nos termos do artigo 2.o da referida diretiva:

«1.      A presente diretiva é aplicável aos serviços fornecidos pelos prestadores estabelecidos num Estado‑Membro.

2.      A presente diretiva não se aplica às seguintes atividades:

a)      Serviços de interesse geral sem caráter económico;

b)      Serviços financeiros […];

c)      Serviços e redes de comunicações eletrónicas, bem como os recursos e serviços conexos, no que se refere às matérias regidas pelas Diretivas [2002/19/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa ao acesso e interligação de redes de comunicações eletrónicas e recursos conexos (diretiva acesso) (JO 2002, L 108, p. 7), 2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa à autorização de redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva autorização) (JO 2002, L 108, p. 21), 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva‑quadro) (JO 2002, L 108, p. 33), 2002/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva serviço universal) (JO 2002, L 108, p. 51), e 2002/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de julho de 2002, relativa ao tratamento de dados pessoais e à proteção da privacidade no setor das comunicações eletrónicas (Diretiva relativa à privacidade e às comunicações eletrónicas) (JO 2002, L 201, p. 37)];

d)      Serviços no domínio dos transportes […];

e)      Serviços de agências de trabalho temporário;

f)      Serviços de cuidados de saúde […];

g)      Serviços audiovisuais […];

h)      Atividades de jogo a dinheiro que impliquem uma aposta com valor monetário em jogos de fortuna ou azar […];

i)      Atividades relacionadas com o exercício da autoridade pública, como previsto no artigo 45.o do Tratado;

j)      Serviços sociais no setor da habitação, da assistência à infância e serviços dispensados às famílias e às pessoas permanente ou temporariamente necessitadas, prestados pelo Estado, por prestadores mandatados pelo Estado ou por instituições de solidariedade social reconhecidas pelo Estado enquanto tais;

k)      Serviços de segurança privada;

l)      Serviços prestados por notários e oficiais de justiça, nomeados por ato oficial do Governo.

3.      A presente diretiva não se aplica em matéria de fiscalidade.»

6        O artigo 4.o da Diretiva 2006/123, sob a epígrafe «Definições», prevê:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

1)      “Serviço”: qualquer atividade económica não assalariada prestada geralmente mediante remuneração, referida no artigo 50.o do Tratado;

2)      “Prestador”: qualquer pessoa singular nacional de um Estado‑Membro, ou qualquer pessoa coletiva na aceção do artigo 48.o do Tratado estabelecida num Estado‑Membro, que ofereça ou que preste um serviço;

[…]

6)      “Regime de autorização”: qualquer procedimento que tenha por efeito obrigar um prestador ou um destinatário a efetuar uma diligência junto de uma autoridade competente para obter um ato formal ou uma decisão tácita relativa ao acesso a uma atividade de serviço ou ao seu exercício;

7)      “Requisito”: qualquer obrigação, proibição, condição ou limite previsto nas disposições legislativas, regulamentares ou administrativas dos Estados‑Membros ou que decorra da jurisprudência, das práticas administrativas, das regras das ordens profissionais ou das regras coletivas de associações ou organismos profissionais aprovadas no exercício da sua autonomia jurídica; as normas constantes de convenções coletivas negociadas pelos parceiros sociais não são consideradas requisitos na aceção da presente diretiva;

8)      “Razões imperiosas de interesse geral”: razões reconhecidas como tal pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, nomeadamente pelos seguintes motivos: ordem pública; segurança pública e segurança das pessoas; saúde pública; preservação do equilíbrio financeiro do regime de segurança social; defesa dos consumidores, dos destinatários dos serviços e dos trabalhadores; lealdade das transações comerciais; combate à fraude; proteção do ambiente e do ambiente urbano; saúde animal; propriedade intelectual; conservação do património histórico e artístico nacional; objetivos de política social e de política cultural;

[…]»

7        Os artigos 9.o a 13.o da Diretiva 2006/123 dizem respeito a «[a]utorizações».

8        O artigo 9.o, n.o 1, desta diretiva prevê:

«Os Estados‑Membros só podem subordinar a um regime de autorização o acesso a uma atividade de serviços e o seu exercício se forem cumpridas as condições seguintes:

a)      O regime de autorização não ser discriminatório em relação ao prestador visado;

b)      A necessidade de um regime de autorização ser justificada por uma razão imperiosa de interesse geral;

c)      O objetivo pretendido não poder ser atingido através de uma medida menos restritiva, nomeadamente porque um controlo a posteriori significaria uma intervenção demasiado tardia para se poder obter uma real eficácia.»

9        O artigo 10.o, n.os 1, 2 e 7, da mesma diretiva tem a seguinte redação:

«1.      Os regimes de autorização devem basear‑se em critérios que obstem a que as autoridades competentes exerçam o seu poder de apreciação de forma arbitrária.

2.      Os critérios referidos no n.o 1 devem ser:

a)      Não discriminatórios;

b)      Justificados por uma razão imperiosa de interesse geral;

c)      Proporcionados em relação a esse objetivo de interesse geral;

d)      Claros e inequívocos;

e)      Objetivos;

f)      Previamente publicados;

g)      Transparentes e acessíveis.

[…]

7.      O presente artigo não põe em causa a repartição das competências locais ou regionais das autoridades do Estado‑Membro que concedem as autorizações.»

10      O artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2006/123 prevê:

«Os procedimentos e formalidades de autorização devem ser claros, previamente publicados e de molde a garantir aos requerentes um tratamento objetivo e imparcial do seu pedido.»

11      Os artigos 14.o e 15.o da Diretiva 2006/123 dizem respeito aos «[r]equisitos proibidos ou sujeitos a avaliação». O artigo 14.o desta diretiva enumera os requisitos a que os Estados‑Membros não podem sujeitar o acesso a uma atividade de serviços ou o seu exercício no seu território. O artigo 15.o da referida diretiva impõe aos Estados‑Membros a obrigação de verificarem se os respetivos sistemas jurídicos fazem depender o acesso a uma atividade de serviços ou o seu exercício do cumprimento de um ou de vários dos requisitos enumerados no n.o 2 do referido artigo e de garantirem que, nesse caso, esses requisitos são compatíveis com as exigências enumeradas no n.o 3 do mesmo artigo.

 Direito francês

 Código do Turismo

12      O artigo L. 324‑1‑1 do code du tourisme (Código do Turismo), na sua versão aplicável aos litígios nos processos principais (a seguir «Código do Turismo»), enuncia:

«Qualquer pessoa que anuncie para locação um imóvel mobilado para alojamento turístico, esteja este ou não classificado como tal na aceção do presente código, deve ter feito previamente a declaração desse imóvel junto do presidente do município onde está situado.

Esta declaração prévia não é obrigatória quando o imóvel destinado a habitação constituir a residência principal do locador, na aceção do artigo 2.o da loi no 89‑462 du 6 juillet 1989 tendant à améliorer les rapports locatifs et portant modification de la loi no 86‑1290 du 23 décembre 1986 [Lei n.o 89‑462, de 6 de julho de 1989, relativa à Melhoria das Relações Locativas e que Altera a Lei n.o 86‑1290, de 23 de dezembro de 1986].»

 Código da Construção e da Habitação

13      O artigo L. 631‑7 do code de la construction et de l’habitation (Código da Construção e da Habitação) prevê, nomeadamente, que, nos municípios com mais de 200 000 habitantes e nos municípios de Hauts‑de‑Seine, de Seine‑Saint‑Denis e de Val‑de‑Marne, a alteração da finalidade de utilização dos imóveis destinados a habitação está, nas condições previstas pelo artigo L. 631‑7‑1 do mesmo código, sujeita a autorização prévia e que a locação de um imóvel mobilado destinado a habitação a uma clientela de passagem que aí não fixa o domicílio, efetuada de forma reiterada e por períodos de curta duração, constitui uma alteração da finalidade de utilização na aceção desse artigo L. 631‑7.

14      O artigo L. 631‑7‑1 do Código da Construção e da Habitação dispõe:

«A autorização prévia para alteração da finalidade de utilização é emitida pelo presidente do município em que está situado o imóvel, e, em Paris, Marselha e Lyon, na sequência de parecer do presidente do distrito em causa. Esta autorização pode estar sujeita a uma compensação sob a forma da transformação simultânea em habitação de imóveis que tenham outra utilização.

A autorização de alteração da finalidade de utilização é concedida a título pessoal. A autorização deixa de produzir efeitos quando termina, a título definitivo, independentemente da razão, a atividade profissional do beneficiário. Todavia, quando a autorização está sujeita a compensação, o título é atribuído ao local e não à pessoa. Os locais oferecidos como compensação são mencionados na autorização que é publicada no arquivo imobiliário ou inscrita no Registo Predial.

O prazo de prescrição de trinta anos previsto pelo artigo 2227.o do code civil [Código Civil] não é em caso algum aplicável à utilização dos imóveis definidos no artigo L. 631‑7.

Para efeitos da aplicação do artigo L. 631‑7, são fixadas por deliberação do conselho municipal as condições em que são emitidas as autorizações e determinadas as compensações por bairro e, sendo o caso, por distrito, à luz dos objetivos de diversidade social, em função nomeadamente das características dos mercados de imóveis para habitação e da necessidade de não agravar a escassez de habitações. […]»

15      Segundo o artigo L. 631‑7‑1 A do Código da Construção e da Habitação, não é, em contrapartida, necessária nenhuma autorização de alteração de finalidade de utilização quando o imóvel constitua a residência principal do locador na aceção do artigo 2.o da Lei n.o 89‑462, de 6 de julho de 1989, relativa à Melhoria das Relações Locativas e que Altera a Lei n.o 86‑1290, de 23 de dezembro de 1986 (JORF de 8 de julho de 1989, p. 8541), ou seja, quando o alojamento está ocupado pelo menos oito meses por ano, salvo em caso de obrigação profissional, razões de saúde ou caso de força maior, quer pelo locador ou pelo seu cônjuge, quer por uma pessoa a seu cargo.

16      O artigo L. 651‑2 do Código da Construção e da Habitação, na sua redação aplicável aos factos nos processos principais, prevê:

«Qualquer pessoa que viole as disposições do artigo L. 631‑7 ou que não cumpra as condições e obrigações impostas nos termos do referido artigo é condenada numa coima de 25 000 euros.

Esta coima é aplicada, a pedido do Ministério Público, pelo presidente do tribunal de grande instance do lugar em que se situa o imóvel, pronunciando‑se em sede de medidas provisórias; o produto da coima é integralmente pago ao município em que se situa o imóvel.

O presidente do tribunal ordena que os imóveis transformados sem autorização voltem a ser utilizados como habitação, no prazo por ele fixado. No termo desse prazo, o presidente do tribunal aplica uma sanção pecuniária compulsória no montante máximo de 1 000 euros por dia e por metro quadrado útil dos imóveis irregularmente transformados. O produto dessa sanção é integralmente pago ao município em que se situa o imóvel.

Decorrido esse prazo, a administração pode proceder oficiosamente à expulsão dos ocupantes e à execução dos trabalhos necessários, a expensas do infrator.»

 Código Geral das Coletividades Territoriais

17      O artigo L. 2121‑25 do code général des collectivités territoriales (Código Geral das Coletividades Territoriais) prevê que as atas das sessões do conselho municipal são afixadas na câmara municipal e colocadas em linha no sítio Internet do município.

 Regulamento municipal adotado pelo conseil de Paris

18      O artigo 2.o do règlement municipal fixant les conditions de délivrance des autorisations de changement d’usage de locaux d’habitation et déterminant les compensations en application de la section 2 du chapitre 1er du titre III du livre VI du code de la construction et de l’habitation (Regulamento Municipal que Fixa as Condições em que São Emitidas as Autorizações de Alteração da Finalidade de Utilização dos Imóveis Destinados a Habitação e Determina as Compensações em Aplicação da Secção 2 do Capítulo 1 do Título III do Livro VI do Código da Construção e da Habitação), adotado pelo conseil de Paris na sua sessão de 15, 16 e 17 de dezembro de 2008, dispõe:

«I — A compensação consiste na conversão em habitação de imóveis que tivessem uma utilização diferente da de habitação em 1 de janeiro de 1970 ou que tenham sido objeto de uma autorização de plano de alteração da finalidade da sua utilização após 1 de janeiro de 1970 e que não tenham sido previamente usados para efeitos de compensação.

Os imóveis propostos para efeitos de compensação devem, cumulativamente:

a)      constituir unidades de alojamento e ter uma qualidade e uma área de superfície equivalentes às dos imóveis que são objeto da alteração da finalidade de utilização, sendo os processos examinados com base na adequação dos imóveis para efeitos de habitação. Os imóveis propostos em compensação devem satisfazer as normas estabelecidas no Decreto de 30 de janeiro de 2002, relativo às características do alojamento apropriado;

b)      estar situados no mesmo arrondissement [distrito] que os imóveis destinados a habitação que são objeto da alteração da finalidade de utilização.

As áreas de superfície são calculadas em conformidade com o artigo R 111‑2 do Código da Construção e da Habitação.

II — Nas zonas abrangidas pela compensação reforçada definidas no anexo n.o 1, em derrogação da alínea a) do parágrafo I, os imóveis propostos em compensação devem ter o dobro da área de superfície daqueles que são objeto do pedido de alteração da finalidade de utilização, exceto quando esses imóveis são convertidos em habitação de arrendamento social, que é objeto de um contrato celebrado nos termos do artigo L. 351‑2 do Código da Construção e da Habitação, por um período mínimo de 20 anos.

Em derrogação da alínea b) do parágrafo I, a habitação de arrendamento social que compensar imóveis convertidos nas zonas abrangidas pela compensação reforçada pode estar situada em qualquer ponto dessas zonas. Todavia, se os imóveis convertidos estiverem situados no 1.o, 2.o, 4.o, 5.o, 6.o, 7.o, 8.o ou 9.o distritos, nos quais a escassez de habitações, em comparação com o nível de atividade, é particularmente grave, poderá ser compensada fora do distrito no qual a conversão terá lugar um máximo de 50 % da área de superfície convertida.

Esses distritos caracterizam‑se por uma relação entre o número de postos de trabalho remunerados e o número de trabalhadores residentes, conforme medida pelo INSEE [Instituto Nacional de Estatística e Estudos Económicos], superior à média em Paris.

Nas zonas em que todas as unidades propostas em compensação podem estar situadas fora do distrito no qual a conversão terá lugar, o número de unidades de habitação propostas em compensação deve ser, no mínimo, idêntico ao número de unidades de habitação eliminadas.

Se os imóveis são convertidos e compensados pelo mesmo proprietário dentro da mesma unidade imobiliária, no quadro de uma racionalização do espaço de habitação dessa unidade imobiliária, a superfície mínima exigida, para efeitos de compensação, será a área de superfície dos imóveis convertidos.»

 Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

19      O juiz das medidas provisórias do tribunal de grande instance de Paris (Tribunal de Primeira Instância de Paris, França), chamado a pronunciar‑se pelo procureur de la République (procurador da República) desse órgão jurisdicional, com fundamento no artigo L. 631‑7 do Código da Construção e da Habitação, condenou a Cali Apartments e HX, ambos proprietários de um estúdio situado em Paris, no pagamento de uma coima de, respetivamente, 5 000 e 15 000 euros, tendo ordenado que as instalações em causa voltassem a ser usadas para habitação.

20      O Município de Paris interveio voluntariamente na instância.

21      Por Acórdãos de 19 de maio e de 15 de junho de 2017, a cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris, França), chamada a pronunciar‑se pela Cali Apartments e por HX, considerou provado que os estúdios em causa, que haviam sido anunciados para locação num sítio Internet, tinham sido objeto, sem autorização prévia e de forma reiterada, de locações de curta duração a uma clientela de passagem, em violação das disposições do artigo L. 631‑7 do Código da Construção e da Habitação. Com fundamento no artigo L. 651‑2 desse código, na versão aplicável aos factos nos processos principais, o mesmo órgão jurisdicional condenou, respetivamente, a Cali Apartments e HX no pagamento de uma coima de 15 000 euros, declarou que o produto dessa coima seria pago ao Município de Paris e ordenou que os imóveis voltassem a ser usados para habitação.

22      A Cali Apartments e HX interpuseram recurso de cassação dos referidos acórdãos com fundamento numa violação do princípio do primado do direito da União, alegando que nesses acórdãos não tinha sido demonstrado que a restrição à livre prestação de serviços resultante da regulamentação nacional em causa era justificada por uma razão imperiosa de interesse geral, que o objetivo prosseguido por essa regulamentação não podia ser alcançado através de uma medida menos restritiva, como exigido pelo artigo 9.o, n.o 1, alíneas b) e c), da Diretiva 2006/123, e que a aplicação dessa restrição não depende de critérios que cumpram os requisitos do artigo 10.o desta diretiva.

23      Neste contexto, a Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França) tem dúvidas quanto à questão de saber se a atividade de serviço referida no artigo L. 631‑7 do Código da Construção e da Habitação, na sua versão aplicável aos factos nos processos principais, e cujas prescrições acrescem ao regime declarativo previsto para a locação de imóveis mobilados de turismo pelo artigo L. 324‑1‑1 do Código do Turismo, está abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2006/123.

24      Em caso de resposta afirmativa, o órgão jurisdicional de reenvio também se interroga sobre a questão de saber se esta regulamentação está abrangida pelo conceito de «regime de autorização», na aceção do artigo 4.o, n.o 6, desta diretiva, ao qual se aplica a secção 1 do seu capítulo III, ou pelo conceito de «requisito», na aceção do artigo 4.o, n.o 7, da referida diretiva, ao qual se aplica a secção 2 do capítulo III da mesma.

25      Por último, na hipótese de a referida regulamentação estar abrangida pelo conceito de «regime de autorização», na aceção do artigo 4.o, n.o 6, da Diretiva 2006/123, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se essa regulamentação é conforme com esta diretiva, tendo em conta o seu objetivo, que é o de responder à degradação das condições de acesso à habitação e ao aumento das tensões nos mercados imobiliários, nomeadamente, regulando as disfunções do mercado, protegendo os proprietários e os locatários e permitindo o aumento da oferta de habitação em condições que respeitem os equilíbrios territoriais, sendo a habitação um bem de primeira necessidade e o direito a uma habitação digna um objetivo protegido pela Constituição francesa.

26      Nestas condições, a Cour de cassation (Tribunal de Cassação) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais, que são formuladas em termos idênticos nos processos C‑724/18 e C‑727/18:

«1)      A Diretiva 2006/123[,] atendendo à definição do seu objeto e do seu âmbito de aplicação através dos artigos 1.o e 2.o, é aplicável à locação a título oneroso, mesmo não profissional, de forma reiterada e por períodos curtos, de um imóvel mobilado destinado a habitação, que não é a residência principal do locador, a uma clientela em trânsito, que aí não fixa domicílio, tendo designadamente em conta os conceitos de prestadores e de serviços?

2)      Em caso de resposta afirmativa à questão precedente, a legislação nacional, como a prevista no artigo L. 631‑7 do Código da Construção e da Habitação, constitui um regime de autorização da referida atividade, na aceção dos artigos 9.o a 13.o da Diretiva 2006/123 […], ou apenas um requisito sujeito às disposições dos artigos 14.o e 15.o [desta diretiva]?

No caso de os artigos 9.o a 13.o da Diretiva 2006/123 […] serem aplicáveis:

3)      O artigo 9.o, alínea b), desta diretiva deve ser interpretado no sentido de que o objetivo do combate contra a escassez de imóveis destinados a habitação constitui uma razão imperiosa de interesse geral que permite justificar uma medida nacional que sujeita a autorização, em determinadas zonas geográficas, a locação de um imóvel mobilado destinado a habitação, de forma reiterada, por períodos curtos, a uma clientela em trânsito que aí não fixa domicílio?

4)      Em caso afirmativo, essa medida é proporcionada ao objetivo prosseguido?

5)      O artigo 10.o, n.o 2, alíneas d) e e), da [D]iretiva [2006/123] opõe‑se a uma medida nacional que sujeita a autorização o arrendamento de um imóvel mobilado destinado a habitação, “de forma reiterada”, por “períodos curtos”, a uma “clientela em trânsito que aí não fixa domicílio”?

6)      O artigo 10.o, n.o 2, alíneas d) a g), da [D]iretiva [2006/123] opõe‑se a um regime de autorização que prevê que as condições de emissão da autorização são fixadas, por deliberação do [c]onselho [m]unicipal, tendo em conta os objetivos de diversidade social, em função, em particular, das características dos mercados locais de habitação e da necessidade de não agravar a escassez de habitações?»

27      Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça 18 de dezembro de 2018, os processos C‑724/18 e C‑727/18 foram apensados para efeitos das fases escrita e oral e do acórdão.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

28      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 1.o e 2.o da Diretiva 2006/123 devem ser interpretados no sentido de que esta diretiva se aplica a uma regulamentação de um Estado‑Membro relativa a atividades de locação, mediante remuneração, de imóveis mobilados destinados a habitação a uma clientela de passagem que aí não fixa domicílio, efetuadas de forma reiterada e por períodos de curta duração, tanto a título profissional como não profissional.

29      O artigo 1.o da Diretiva 2006/123 dispõe, em substância, no seu n.o 1, que esta diretiva visa facilitar o exercício da liberdade de estabelecimento dos prestadores e a livre circulação dos serviços, garantindo simultaneamente um elevado nível de qualidade dos serviços.

30      Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2006/123, a mesma é aplicável aos serviços fornecidos pelos prestadores estabelecidos num Estado‑Membro. Todavia, o artigo 2.o, n.o 2, desta diretiva exclui uma série de atividades do seu âmbito de aplicação. O artigo 2.o, n.o 3, da referida diretiva especifica, em seguida, que a mesma não se aplica em matéria de fiscalidade.

31      O artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2006/123 define o conceito de «serviço» para efeitos desta diretiva.

32      Cumpre, por conseguinte, determinar se uma atividade de locação, mediante remuneração, de imóveis mobilados destinados a habitação a uma clientela de passagem que aí não fixa domicílio, efetuada de forma reiterada e por períodos de curta duração, tanto a título profissional como não profissional, está abrangida pelo conceito de «serviço», na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2006/123, bem como, em caso de resposta afirmativa, se o referido serviço não está, no entanto, excluído do âmbito de aplicação desta diretiva por força do seu artigo 2.o e se uma regulamentação nacional como a descrita no n.o 28 do presente acórdão não está, ela própria, excluída do referido âmbito de aplicação.

33      No que respeita, antes de mais, à qualificação da atividade em causa, resulta do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2006/123 que se entende por «serviço», para efeitos desta diretiva, qualquer atividade económica não assalariada prestada geralmente mediante remuneração, referida no artigo 57.o TFUE.

34      No caso em apreço, uma atividade de locação de um bem imóvel, como descrita no n.o 28 do presente acórdão, realizada por uma pessoa coletiva ou por uma pessoa singular a título individual, enquadra‑se no conceito de «serviço», na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2006/123.

35      A este respeito, o considerando 33 desta diretiva enuncia aliás que a mesma se aplica a um amplo leque de atividades em constante evolução, entre as quais se encontram os serviços relacionados com o imobiliário e os serviços relacionados com o turismo. Ora, como indicou o órgão jurisdicional de reenvio, a regulamentação em causa nos processos principais completa uma regulamentação preexistente constante do artigo L. 324‑1‑1 do Código do Turismo, na sua redação aplicável aos factos nos processos principais.

36      Em seguida, quanto à questão de saber se esse serviço se encontra, ainda assim, excluído do âmbito de aplicação da Diretiva 2006/123, ao abrigo do artigo 2.o, n.o 2, da mesma, deve salientar‑se que nenhum elemento dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe permite considerar que esse serviço possa estar abrangido por alguma das atividades excluídas por esta disposição, o que, aliás, o próprio órgão jurisdicional de reenvio não equaciona. De resto, a situação que está na origem dos presentes processos não é abrangida pela fiscalidade, na aceção do artigo 2.o, n.o 3, desta diretiva.

37      No entanto, o Governo alemão alega que a regulamentação em causa nos processos principais regula não um serviço, mas a alteração da finalidade de utilização de imóveis destinados a habitação e que, por essa razão, é suscetível de se aplicar, nomeadamente, a tais alterações com vista ao alojamento dos sem‑abrigo ou dos refugiados, apesar de estas últimas atividades, de caráter não económico, estarem expressamente excluídas do âmbito de aplicação da Diretiva 2006/123 por força do seu artigo 2.o, n.o 2, alínea j), lido em conjugação com o considerando 27 da mesma.

38      Todavia, essa possibilidade, que não foi evocada nem confirmada pelo órgão jurisdicional de reenvio ou pelo Governo francês, não somente parece ser hipotética, como salientou o advogado‑geral no n.o 42 das suas conclusões, como também é insuscetível de, enquanto tal, excluir do âmbito de aplicação da Diretiva 2006/123 uma regulamentação como a que está em causa nos processos principais que é aplicável a atividades cuja qualificação de «serviço», na aceção do artigo 4.o, n.o 1, desta diretiva, está confirmada, como salientado no n.o 34 do presente acórdão.

39      Com efeito, o simples facto de uma regulamentação nacional ser aplicável ao acesso a uma atividade ou ao exercício de uma atividade que é excluída do âmbito de aplicação da Diretiva 2006/123, como as que são visadas no seu artigo 2.o, n.o 2, alínea j), não pode implicar que essa regulamentação seja excluída do âmbito de aplicação desta diretiva, uma vez que a mesma regula outras atividades que, por seu turno, não são objeto de uma das exclusões previstas no artigo 2.o, n.o 2, da referida diretiva, e tal sob pena de o efeito útil desta última ser comprometido e de ser posto em causa o objetivo, visado nos seus considerandos 1 e 7, de criação de um espaço sem fronteiras internas no qual seja assegurada a livre circulação de uma variedade extensa de serviços.

40      Por último, no que respeita à questão de saber se essa regulamentação está, ainda assim, excluída do âmbito de aplicação da Diretiva 2006/123, lida à luz do seu considerando 9, o Tribunal de Justiça teve a ocasião de precisar que, em conformidade com este considerando, nos termos do qual são excluídos do referido âmbito de aplicação, nomeadamente, «requisitos como por exemplo […] a regulamentação em matéria de gestão de utilização dos solos [e a regulamentação em matéria de] planeamento urbano e o ordenamento do território», a referida diretiva não é aplicável a requisitos que não possam ser entendidos como constitutivos de restrições à liberdade de estabelecimento dos prestadores nos Estados‑Membros e à livre circulação de serviços entre estes últimos, uma vez que os mesmos não regulam nem afetam especificamente o acesso a uma atividade de serviço ou ao seu exercício, mas devem ser cumpridos pelos prestadores no exercício da sua atividade económica assim como por pessoas que atuam a título privado (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2018, X e Visser, C‑360/15 e C‑31/16, EU:C:2018:44, n.o 123).

41      Daqui resulta que só são abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2006/123 as formalidades administrativas, os requisitos e, por conseguinte, as regulamentações dos Estados‑Membros que regem especificamente o acesso a uma atividade de serviços ou a uma categoria particular de serviços, bem como o seu exercício, na aceção do artigo 2.o, n.o 1, desta diretiva, lido em conjugação com o artigo 4.o, n.o 1, da referida diretiva.

42      No caso em apreço, constate‑se que, embora a regulamentação em causa nos processos principais vise garantir uma oferta suficiente de habitações destinadas à locação de longa duração a preços acessíveis e possa, a esse título, ser considerada abrangida pelo domínio da gestão de utilização dos solos e, em especial, pelo domínio do planeamento urbano, não deixa de ser verdade que a mesma não visa qualquer pessoa indistintamente, mas sim, mais especificamente, as pessoas que pretendem prestar certos tipos de serviços, como os relativos à locação de imóveis mobilados destinados a habitação a uma clientela de passagem que aí não fixa domicílio, efetuada de forma reiterada e por períodos de curta duração (v., por analogia, Acórdão de 30 de janeiro de 2018, X e Visser, C‑360/15 e C‑31/16, EU:C:2018:44, n.o 124).

43      Como resulta das decisões de reenvio e dos artigos L. 631‑7 e L. 631‑7‑1 A do Código da Construção e da Habitação, a locação, mediante remuneração, de um imóvel não mobilado e a locação, por um período cumulado de menos de 4 meses por ano, de um imóvel mobilado que constitua a residência principal do locador, nomeadamente, não estão sujeitas a esta regulamentação.

44      Por conseguinte, na medida em que a regulamentação em causa rege o acesso a certas formas específicas de atividades de locação de imóveis e o exercício dessas atividades, a mesma não constitui uma regulamentação indistintamente aplicável em matéria de gestão da utilização dos solos ou de planeamento urbano e ordenamento do território, e, portanto, não pode ser excluída do âmbito de aplicação da Diretiva 2006/123.

45      Tendo em conta o que precede, há que responder à primeira questão que os artigos 1.o e 2.o da Diretiva 2006/123 devem ser interpretados no sentido de que esta diretiva se aplica a uma regulamentação de um Estado‑Membro relativa a atividades de locação, mediante remuneração, de imóveis mobilados destinados a habitação a uma clientela de passagem que aí não fixa domicílio, efetuadas de forma reiterada e por períodos de curta duração, tanto a título profissional como não profissional.

 Quanto à segunda questão

46      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se há que interpretar o artigo 4.o da Diretiva 2006/123 no sentido de que uma regulamentação nacional que sujeita o exercício de certas atividades de locação de imóveis destinados a habitação a autorização prévia é abrangida pelo conceito de «regime de autorização», na aceção do n.o 6 deste artigo, ou pelo de «requisito», na aceção do n.o 7 do referido artigo.

47      Nos termos do artigo 4.o, n.o 6, da Diretiva 2006/123, um «regime de autorização» é definido como qualquer procedimento que tenha por efeito obrigar um prestador ou um destinatário a efetuar uma diligência junto de uma autoridade competente para obter uma decisão formal ou uma decisão tácita relativa ao acesso a uma atividade de serviço ou ao seu exercício.

48      Por seu turno, o artigo 4.o, n.o 7, da mesma diretiva define o conceito de «requisito» como qualquer obrigação, proibição, condição ou limite previsto nas disposições legislativas, regulamentares ou administrativas dos Estados‑Membros ou que decorra da jurisprudência, das práticas administrativas, das regras das ordens profissionais ou das regras coletivas de associações ou organismos profissionais aprovadas no exercício da sua autonomia jurídica.

49      Um «regime de autorização», na aceção do artigo 4.o, n.o 6, da Diretiva 2006/123, distingue‑se assim de um «requisito», na aceção do artigo 4.o, n.o 7, desta diretiva, na medida em que implica uma diligência por parte do prestador do serviço e um ato formal através do qual as autoridades competentes autorizam a atividade desse prestador (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2018, X e Visser, C‑360/15 e C‑31/16, EU:C:2018:44, n.o 115).

50      No caso em apreço, decorre da leitura conjugada dos artigos L. 631‑7 e L. 631‑7‑1 do Código da Construção e da Habitação que os proprietários de um imóvel situado num município com mais de 200 000 habitantes e que desejem proceder à sua locação mobilada de forma reiterada e por períodos de curta duração, a uma clientela de passagem que aí não fixa domicílio, são, em princípio, e sob pena de aplicação das sanções previstas no artigo L. 651‑2 desse código, obrigados a obter uma autorização prévia para alteração da finalidade de utilização, emitida pelo presidente do município em que o imóvel está situado, podendo essa autorização estar sujeita a uma compensação, sob a forma de uma conversão acessória e concomitante em habitação de imóveis que tenham outra utilização.

51      Assim, tal regulamentação impõe que as pessoas que pretendam fornecer esse serviço de locação imobiliária se submetam a um procedimento que as obriga a efetuar uma diligência junto de uma autoridade competente com vista a obter desta última um ato formal que lhes permita aceder a essa atividade de serviço e exercê‑la.

52      Por conseguinte, a regulamentação em causa deve ser vista como prevendo um «regime de autorização», na aceção do artigo 4.o, n.o 6, da Diretiva 2006/123, que deve ser conforme aos requisitos que figuram na secção 1 do capítulo III desta diretiva (v., por analogia, Acórdão de 4 de julho de 2019, Kirschstein, C‑393/17, EU:C:2019:563, n.o 64), e não como um «requisito», na aceção do artigo 4.o, n.o 7, da referida diretiva.

53      Tendo em conta o que precede, há que responder à segunda questão que o artigo 4.o da Diretiva 2006/123 deve ser interpretado no sentido de que uma regulamentação nacional que sujeita o exercício de certas atividades de locação de imóveis destinados a habitação a autorização prévia é abrangida pelo conceito de «regime de autorização», na aceção do n.o 6 deste artigo.

 Quanto às terceira a sexta questões

 Observações preliminares

54      Com as terceira a sexta questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a secção 1 do capítulo III da Diretiva 2006/123, mais especificamente o artigo 9.o, n.o 1, alínea b), bem como o artigo 10.o, n.o 2, alíneas d) a g), desta diretiva, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que, por motivos que visam garantir uma oferta suficiente de alojamentos destinados à locação de longa duração a preços acessíveis, sujeita certas atividades de locação, mediante remuneração, de imóveis mobilados destinados a habitação a uma clientela de passagem que aí não fixa domicílio, efetuadas de forma reiterada e por períodos de curta duração, a um regime de autorização prévia aplicável em certos municípios cujas autoridades locais determinam, no quadro fixado por essa regulamentação, as condições de concessão das autorizações prévias previstas por este regime, acompanhando‑as, se necessário, de uma obrigação de compensação sob a forma de uma conversão acessória e concomitante em habitação de imóveis que tenham outra utilização.

55      A este respeito, importa, por um lado, salientar, à semelhança do órgão jurisdicional de reenvio e do advogado‑geral no n.o 70 das suas conclusões, que o capítulo III da Diretiva 2006/123, em especial a secção 1 do mesmo, é aplicável aos factos nos processos principais.

56      Com efeito, é jurisprudência constante que este capítulo se aplica mesmo às situações puramente internas, a saber, aquelas cujos elementos pertinentes estejam confinados a um único Estado‑Membro (Acórdãos de 30 de janeiro de 2018, X e Visser, C‑360/15 e C‑31/16, EU:C:2018:44, n.o 110; de 4 de julho de 2019, Comissão/Alemanha, C‑377/17, EU:C:2019:562, n.o 58; e de 4 de julho de 2019, Kirschstein, C‑393/17, EU:C:2019:563, n.o 24).

57      Por outro lado, resulta da secção 1 do capítulo III da Diretiva 2006/123 que a conformidade de um regime nacional de autorização com os requisitos previstos na mesma diretiva pressupõe, nomeadamente, que esse regime, que é por natureza restritivo da livre prestação do serviço em causa, preencha as condições enunciadas no artigo 9.o, n.o 1, desta diretiva, concretamente, não ser discriminatório, ser justificado por uma razão imperiosa de interesse geral e proporcionado, mas também que os critérios de concessão das autorizações que são previstas por esse regime sejam conformes com o artigo 10.o, n.o 2, da referida diretiva, concretamente, que sejam não discriminatórios, justificados por uma razão imperiosa de interesse geral, proporcionados em relação a esse objetivo de interesse geral, claros e inequívocos, objetivos, previamente publicados e transparentes e acessíveis.

58      Daqui decorre que a apreciação da conformidade de uma regulamentação de um Estado‑Membro que estabeleça esse regime de autorização com os dois artigos referidos no número anterior, que enunciam obrigações claras, precisas e incondicionais que lhes conferem efeito direto (v., por analogia, relativamente ao artigo 15.o da Diretiva 2006/123, Acórdão de 30 de janeiro de 2018, X e Visser, C‑360/15 e C‑31/16, EU:C:2018:44, n.o 130), pressupõe que sejam apreciados, em separado e sucessivamente, em primeiro lugar, o caráter justificado do próprio princípio do estabelecimento desse regime e, em seguida, os critérios de concessão das autorizações nele previstas.

59      Estando em causa uma regulamentação de um Estado‑Membro através da qual o legislador nacional encarregou certas autoridades locais de aplicar um «regime de autorização», na aceção do artigo 4.o, n.o 6, da Diretiva 2006/123, fixando as condições em que as autorizações prévias previstas por esse regime são concedidas, cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais, por um lado, apreciar se o recurso por parte do legislador nacional a esse dispositivo é conforme ao artigo 9.o desta diretiva e, por outro, verificar se os critérios enunciados por esse legislador, e que enquadram a concessão das referidas autorizações pelas autoridades locais, bem como a efetiva aplicação dos mesmos por parte das autoridades cujas medidas são contestadas, são conformes aos requisitos previstos no artigo 10.o da referida diretiva.

60      No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio questiona o Tribunal de Justiça a respeito da interpretação do artigo 9.o e do artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2006/123, não no que respeita à regulamentação adotada pelo Município de Paris, mas apenas no que respeita à regulamentação nacional, decorrente dos artigos L. 631‑7 e L. 631‑7‑1 do Código da Construção e da Habitação, que impõe a certas autoridades locais a adoção de um regime de autorização para as atividades de serviço em causa e que enquadra as condições de concessão, por parte dessas autoridades, das autorizações previstas por esse regime.

61      À luz destes elementos, há que responder, em primeiro lugar, às terceira e quarta questões, respeitantes à conformidade com o artigo 9.o da Diretiva 2006/123 de uma regulamentação nacional que encarrega certas autoridades locais de aplicarem um regime de autorização prévia das atividades de serviço em causa, e, em segundo lugar, às quinta e sexta questões, respeitantes à conformidade com o artigo 10.o desta diretiva dos critérios enunciados por essa regulamentação e que enquadram as condições de concessão, por parte dessas autoridades locais, das autorizações previstas por esse regime.

 Quanto às terceira e quarta questões

62      Com as terceira e quarta questões, que devem ser tratadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 9.o, n.o 1, alíneas b) e c), da Diretiva 2006/123 deve ser interpretado no sentido de que uma regulamentação nacional que, por motivos que visam garantir uma oferta suficiente de habitações destinadas à locação de longa duração a preços acessíveis, sujeita certas atividades de locação, mediante remuneração, de imóveis mobilados destinados a habitação a uma clientela de passagem que aí não fixa domicílio, efetuadas de forma reiterada e por períodos de curta duração, a um regime de autorização prévia, aplicável em certos municípios nos quais a pressão sobre as rendas é particularmente acentuada, é justificada por uma razão imperiosa de interesse geral atinente à luta contra a escassez de habitações destinadas à locação e proporcionada ao objetivo prosseguido.

63      Em aplicação do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2006/123, os Estados‑Membros só podem subordinar o acesso a uma atividade de serviços e o seu exercício a um regime de autorização se este não for discriminatório em relação ao prestador visado mas também se este for justificado por uma razão imperiosa de interesse geral e, por último, se o objetivo prosseguido por esse regime não puder ser alcançado através de uma medida menos restritiva, nomeadamente porque um controlo a posteriori significaria uma intervenção demasiado tardia para se poder obter uma real eficácia.

64      Importa, antes de mais, salientar que as terceira e quarta questões têm exclusivamente por objeto a segunda e terceira condições previstas no artigo 9.o, n.o 1, alíneas b) e c), da Diretiva 2006/123.

65      Em primeiro lugar, no que respeita à condição prevista no referido artigo 9.o, n.o 1, alínea b), resulta dos pedidos de decisão prejudicial que o artigo L. 631‑7 do Código da Construção e da Habitação visa estabelecer um dispositivo de luta contra a escassez de habitações destinadas à locação com o objetivo de dar resposta à degradação das condições de acesso à habitação e ao aumento das tensões nos mercados imobiliários, nomeadamente mediante a regulação das disfunções do mercado, bem como proteger os proprietários e os locatários e permitir o aumento da oferta de habitação em condições que respeitem os equilíbrios territoriais, uma vez que a habitação é um bem de primeira necessidade e o direito a uma habitação digna um objetivo protegido pela Constituição francesa.

66      Ora, um objetivo como o que é prosseguido por esta regulamentação nacional constitui uma razão imperiosa de interesse geral na aceção do direito da União e, em especial, da Diretiva 2006/123.

67      Com efeito, o artigo 4.o, n.o 8, da Diretiva 2006/123 prevê que as razões imperiosas de interesse geral que os Estados‑Membros têm o direito de invocar são razões reconhecidas como tais pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, que incluem nomeadamente justificações relativas à proteção do ambiente urbano (Acórdão de 30 de janeiro de 2018, X e Visser, C‑360/15 e C‑31/16, EU:C:2018:44, n.o 135), e objetivos de política social.

68      Além disso, o Tribunal de Justiça já reconheceu que requisitos em matéria de política da habitação social, destinados a lutar contra a pressão imobiliária, especialmente quando um mercado específico conhece uma escassez estrutural de habitação e uma densidade populacional particularmente elevada, podem constituir razões imperiosas de interesse geral (v., neste sentido, designadamente, Acórdãos de 1 de outubro de 2009, Woningstichting Sint Servatius, C‑567/07, EU:C:2009:593, n.o 30, e de 8 de maio de 2013, Libert e o., C‑197/11 e C‑203/11, EU:C:2013:288, n.os 50 a 52).

69      Por conseguinte, tendo em conta os elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio e o estudo transmitido ao Tribunal de Justiça pelo Governo francês, confirmado pelo Município de Paris, que demonstra que a atividade de locação de curta duração de imóveis mobilados tem um efeito inflacionista significativo no nível das rendas, em particular em Paris, mas também noutras cidades francesas, especialmente quando provém de locadores que propõem para locação duas ou mais habitações inteiras, ou uma habitação inteira durante mais de 120 dias por ano, há que considerar que uma regulamentação como a que está em causa nos processos principais é justificada por uma razão imperiosa de interesse geral.

70      Em segundo lugar, no que respeita à condição prevista no artigo 9.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2006/123, resulta, em substância, dos artigos L. 631‑7 e L. 631‑7‑1 do Código da Construção e da Habitação, lidos em conjunto, que, nos municípios franceses com mais de 200 000 habitantes, bem como nos três departamentos limítrofes de Paris, a atividade de locação de imóveis mobilados destinados a habitação a uma clientela de passagem que aí não fixa domicílio, efetuada de forma reiterada e por períodos de curta duração, exige, salvo as devidas exceções, uma autorização de alteração da finalidade de utilização emitida pelo presidente do município em que o imóvel em causa está situado.

71      Tal regulamentação nacional está, antes de mais, materialmente circunscrita a uma atividade específica de locação de imóveis destinados a habitação.

72      Nesse sentido, ao abrigo do artigo L. 631‑7‑1 A do Código da Construção e da Habitação, a referida regulamentação exclui do seu âmbito de aplicação as habitações que constituam a residência principal do locador, uma vez que a respetiva locação não tem consequências no mercado de locação de longa duração, por não haver necessidade de o locador em causa fixar a sua residência principal noutro local de habitação.

73      Em seguida, esta mesma regulamentação procede à criação de um regime de autorização que não é de aplicação geral, mas cujo âmbito de aplicação geográfico é restrito, visando um número limitado de municípios densamente povoados e que, como resulta de vários documentos fornecidos ao Tribunal de Justiça pelo Governo francês, entre os quais o estudo referido no n.o 69 do presente acórdão, conhecem tensões no mercado de locação de imóveis mobilados destinados a habitação a uma clientela de passagem que aí não fixa domicílio, efetuada de forma reiterada e por períodos de curta duração.

74      Por último, como alega o Município de Paris nas suas observações escritas, o recurso a um sistema declarativo, acompanhado de sanções, não é suscetível de prosseguir eficazmente o objetivo de luta contra a escassez de habitações destinadas à locação de longa duração. Com efeito, ao habilitar as autoridades locais a intervirem apenas a posteriori, tal sistema não permitiria travar de forma imediata e eficaz o avanço do movimento de transformação rápida que está na origem da referida escassez.

75      Tendo em conta o que precede, há que responder às terceira e quarta questões que o artigo 9.o, n.o 1, alíneas b) e c), da Diretiva 2006/123 deve ser interpretado no sentido de que uma regulamentação nacional que, por razões que visam garantir uma oferta suficiente de habitações destinadas à locação de longa duração a preços acessíveis, sujeita certas atividades de locação, mediante remuneração, de imóveis mobilados destinados a habitação a uma clientela de passagem que aí não fixa domicílio, efetuadas de forma reiterada e por períodos de curta duração, a um regime de autorização prévia, aplicável em certos municípios nos quais a tensão sobre as rendas é particularmente acentuada, é justificada por uma razão imperiosa de interesse geral atinente à luta contra a escassez de habitações destinadas à locação, sendo proporcionada ao objetivo prosseguido, uma vez que o mesmo não pode ser alcançado por uma medida menos restritiva, designadamente porque uma fiscalização a posteriori seria demasiado tardia para obter uma real eficácia.

 Quanto às quinta e sexta questões

76      Com as quinta e sexta questões, que devem ser tratadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2006/123 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que institui um regime que sujeita a autorização prévia o exercício de certas atividades de locação, mediante remuneração, de imóveis mobilados destinados a habitação, que é baseada em critérios relativos ao facto de o imóvel em causa ser locado «de forma reiterada e por períodos de curta duração, a uma clientela de passagem que aí não fixa domicílio», e que confia às autoridades o poder de precisar, no quadro fixado por essa regulamentação, as condições de concessão das autorizações previstas por esse regime atendendo a objetivos de diversidade social e em função das características dos mercados locais de habitação e da necessidade de não agravar a escassez de habitações, fazendo acompanhar as referidas condições, se necessário, de uma obrigação de compensação sob a forma de uma concomitante e acessória conversão em habitação de imóveis que tenham outra utilização.

77      Em conformidade com o artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 2006/123, os regimes de autorização referidos no artigo 9.o, n.o 1, desta diretiva devem assentar em critérios que obstem a que as autoridades competentes exerçam o seu poder de apreciação de forma arbitrária. Nos termos do artigo 10.o, n.o 2, da referida diretiva, esses critérios devem ser justificados, nomeadamente, por uma razão imperiosa de interesse geral, proporcionados em relação a esse objetivo de interesse geral, claros e inequívocos, objetivos, previamente publicados e, por último, transparentes e acessíveis.

78      A este respeito, importa recordar que, embora incumba ao juiz nacional, único competente para apreciar os factos e para interpretar a legislação nacional, determinar se no caso concreto tais requisitos estão preenchidos, o Tribunal de Justiça, chamado a dar respostas úteis no âmbito de um reenvio prejudicial, tem competência para dar indicações, com base nos autos do processo principal e nas observações escritas e orais que lhe tenham sido apresentadas, que possam permitir ao juiz nacional decidir (v., neste sentido, Acórdão de 6 de março de 2018, SEGRO e Horváth, C‑52/16 e C‑113/16, EU:C:2018:157, n.o 79).

79      Nesta perspetiva, e no que em primeiro lugar diz respeito ao requisito previsto no artigo 10.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2006/123, relativo ao caráter justificado dos critérios de autorização por uma razão imperiosa de interesse geral, há que salientar que, na medida em que enquadram as modalidades de determinação, ao nível local, das condições de concessão das autorizações previstas num regime que foi adotado ao nível nacional e que, como resulta dos n.os 65 a 69 do presente acórdão, é justificado por essa razão, os critérios estabelecidos por uma regulamentação como a visada no n.o 76 do presente acórdão devem, em princípio, ser considerados justificados por essa mesma razão.

80      O mesmo deve verificar‑se, em particular, quando, à semelhança do artigo L. 631‑7‑1 do Código da Construção e da Habitação, o legislador nacional tenha procurado impor às autoridades locais a prossecução dessa razão na aplicação concreta da regulamentação nacional, insistindo no objetivo de diversidade social e na necessidade de, para efeitos dessa aplicação, serem tomadas em consideração as características dos mercados de locais destinados a habitação e a necessidade de não agravar a escassez de habitações.

81      Em segundo lugar, no que diz respeito ao requisito de proporcionalidade, previsto no artigo 10.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 2006/123, decorre das decisões de reenvio, como aclaradas pelas observações escritas concordantes das partes e dos demais interessados que participaram no presente processo, que o debate tem essencialmente por objeto a faculdade reconhecida aos municípios franceses em causa, no artigo L. 631‑7‑1 do Código da Construção e da Habitação, de fazerem acompanhar o requisito de autorização prévia previsto no artigo L. 631‑7‑1 deste código de uma obrigação de compensação sob a forma de uma conversão acessória e concomitante em habitação de imóveis que tenham outra utilização, obrigação essa cujo quantum é definido pelo respetivo conselho municipal.

82      A este respeito, importa desde já salientar que esta regulamentação é apta a garantir que o regime de autorização nela instituído é adequado às circunstâncias específicas de cada um dos municípios em causa, circunstâncias essas de que as autoridades locais têm um conhecimento privilegiado.

83      Com efeito, a regulamentação em causa reserva a essas autoridades locais a competência para fixar as condições em que são concedidas as autorizações previstas por esse regime. Em particular, o artigo L. 631‑7‑1 do Código da Construção e da Habitação permite, mas não obriga, as autoridades locais a sujeitarem a emissão de uma autorização prévia ao cumprimento da obrigação de compensação, prevendo ao mesmo tempo, por um lado, que as autoridades locais que optem por impor essa obrigação garantam a estrita adequação da mesma à situação particular, não do município no seu conjunto, mas de cada bairro ou, sendo caso disso, de cada distrito, e, por outro, que o quantum desta compensação seja determinado atendendo ao objetivo de diversidade social e, nomeadamente, em função das características dos mercados de locais destinados a habitação, bem como da necessidade de não agravar a escassez de alojamentos.

84      Como observou o advogado‑geral no n.o 133 das suas conclusões, o recurso a tal obrigação de compensação, que a regulamentação nacional em causa autoriza nos municípios sujeitos a uma especial pressão imobiliária decorrente de um elevado aumento da superfície imobiliária dedicada à locação de imóveis mobilados destinados a habitação a uma clientela de passagem, em detrimento da locação de imóveis destinados a habitação a longo prazo a uma clientela que aí estabelece a sua residência, constitui, em princípio, um instrumento adequado para a prossecução dos objetivos de diversidade social do habitat no seu território, de oferta suficiente de habitações e de manutenção das rendas a um nível acessível.

85      É o que acontece, nomeadamente, quando a obrigação de compensação em causa contribui para manter uma superfície, pelo menos, constante, de imóveis destinados a habitação no mercado da locação a longo prazo, sendo que, por isso, a referida obrigação participa do objetivo de manutenção de preços acessíveis nesse mercado, através da luta contra a inflação do valor das rendas, como alegou o Governo francês na audiência no Tribunal de Justiça.

86      Todavia, a faculdade que a regulamentação nacional reconhece às autoridades locais em causa de, além do regime de autorização prévia imposto por essa regulamentação, recorrerem a uma obrigação de compensação como a evocada no n.o 81 do presente acórdão não deve ir além do necessário para alcançar o referido objetivo.

87      Para proceder a essa apreciação, cabe ao juiz nacional verificar, à luz de todos os elementos que se encontram à sua disposição, antes de mais, se essa faculdade corresponde efetivamente a uma escassez de habitações destinadas à locação de longa duração que tenha sido constatada nas áreas territoriais em causa.

88      Para este efeito, são particularmente relevantes estudos ou outras análises objetivas que demonstrem que a obrigação de compensação permite às autoridades locais responderem a uma situação em que a procura de alojamentos destinados a habitação residencial, em condições económicas aceitáveis, deixou de ser satisfeita devido, nomeadamente, ao desenvolvimento da locação de imóveis mobilados destinados a habitação a uma clientela de passagem que aí não fixa domicílio, efetuada de forma reiterada e por períodos de curta duração.

89      Cabe, em seguida, ao órgão jurisdicional nacional garantir que a faculdade que a regulamentação nacional em causa nos processos principais reconhece às autoridades locais no sentido de determinarem o quantum da obrigação de compensação que optaram impor é não só adaptada à situação do mercado de locação dos municípios em causa mas também compatível com o exercício da atividade de locação de imóveis mobilados destinados a habitação a uma clientela de passagem que aí não fixa domicílio, efetuada de forma reiterada e por períodos de curta duração.

90      No que respeita, em primeiro lugar, à adequação desse quantum à situação do mercado de locação dos municípios em causa, esta faculdade constitui um forte indício de que a obrigação de compensação autorizada pela regulamentação nacional em causa nos processos principais tem caráter adaptado, desde que o uso dessa faculdade dependa da tomada em consideração das diferenças objetivas na situação das áreas territoriais em causa e, portanto, desde que permita ter em conta as especificidades próprias de cada município ou mesmo de cada bairro ou distrito deste.

91      Em segundo lugar, no que respeita à compatibilidade do quantum da obrigação de compensação assim autorizada com o exercício da atividade de locação de imóveis mobilados destinados a habitação a uma clientela de passagem que aí não fixa domicílio, efetuada de forma reiterada e por períodos de curta duração, importa apreciá‑la tendo em consideração, nomeadamente, a sobrerrentabilidade que geralmente se verifica nessa atividade relativamente à locação de imóveis destinados a habitação residencial.

92      Por outro lado, há que salientar que a obrigação de compensação que a autoridade local em causa optou por impor não priva, em geral, o proprietário de um bem destinado a locação de retirar frutos do mesmo, uma vez que o referido proprietário dispõe, em princípio, da faculdade de locar o bem, não como imóvel mobilado destinado a uma clientela de passagem, mas enquanto imóvel destinado a uma clientela que aí fixa a sua residência, atividade que certamente é menos rentável, mas à qual essa obrigação não se aplica.

93      Por último, o órgão jurisdicional nacional deve tomar em consideração as modalidades práticas que permitam o cumprimento da obrigação de compensação na localidade que estiver em causa.

94      Cabe‑lhe, em especial, ter em conta o facto de essa obrigação poder ser cumprida não apenas através da conversão em habitação de outros imóveis detidos pela pessoa em causa e que tenham outra utilização, mas também através de outros mecanismos de compensação, como, nomeadamente, a aquisição, por essa pessoa, junto de outros proprietários, de direitos que contribuam para a manutenção da oferta habitacional de longa duração. Esses mecanismos devem, todavia, corresponder a condições de mercado razoáveis, transparentes e acessíveis.

95      Em terceiro lugar, no que respeita aos requisitos de clareza, de natureza inequívoca e de objetividade previstos no artigo 10.o, n.o 2, alíneas d) e e), da Diretiva 2006/123, que estão em causa nas quinta e sexta questões prejudiciais, decorre das decisões de reenvio assim como dos debates no Tribunal de Justiça que a Cali Apartments e HX alegam essencialmente que a regulamentação nacional em causa nos processos principais assenta num conceito equívoco e dificilmente compreensível que consta do artigo L. 631‑7 do Código da Construção e da Habitação, concretamente o conceito de «locação de um imóvel mobilado destinado a habitação de forma reiterada e por períodos de curta duração, a uma clientela de passagem que aí não fixa domicílio».

96      A este respeito, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de precisar que os requisitos de clareza e de natureza inequívoca referidos no artigo 10.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2006/123 remetem para a necessidade de tornar as condições de autorização facilmente compreensíveis por todos evitando qualquer ambiguidade na sua redação (Acórdão de 26 de setembro de 2018, Van Gennip e o., C‑137/17, EU:C:2018:771, n.o 85). O requisito de objetividade previsto no artigo 10.o, n.o 2, alínea e), desta diretiva visa que os pedidos de autorização sejam apreciados com base nos seus méritos próprios, de forma a garantir às partes interessadas que o seu pedido será tratado com objetividade e imparcialidade, como aliás exige o artigo 13.o, n.o 1, da referida diretiva (v., por analogia, Acórdão de 1 de junho de 1999, Konle, C‑302/97, EU:C:1999:271, n.o 44).

97      Importa igualmente salientar que o artigo 10.o, n.o 7, e os considerandos 59 e 60 da Diretiva 2006/123 enunciam que esta, e em especial o seu artigo 10.o, não põe em causa a repartição das competências locais ou regionais das autoridades do Estado‑Membro que são competentes para conceder as autorizações.

98      Assim, no que respeita a uma regulamentação nacional, como a que está em causa nos processos principais, que institui um regime de autorização prévia, específico para certos municípios, para as atividades de «locação de um imóvel mobilado destinado a habitação de forma reiterada e por períodos de curta duração, a uma clientela de passagem que aí não fixa domicílio», e que ao mesmo tempo confere às autoridades locais em causa o poder de fixar as condições de emissão da autorização exigida, de prever uma obrigação de compensação e de determinar o quantum dessa eventual obrigação, em função, nomeadamente, das características dos mercados de imóveis destinados a habitação e da necessidade de não agravar a escassez de alojamentos, o facto de este conceito não ser definido por esta regulamentação nacional, nomeadamente, através de limites quantificados, não constitui, em si mesmo, um elemento suscetível de demonstrar a inobservância dos requisitos de clareza, natureza inequívoca e objetividade enunciados no artigo 10.o, n.o 2, alíneas d) e e), da Diretiva 2006/123.

99      Em contrapartida, e para efeitos desta disposição, importa verificar se, na falta de uma indicação suficiente na regulamentação nacional, as autoridades locais interessadas precisaram os termos correspondentes ao conceito em causa de forma clara, inequívoca e objetiva, de modo a que a compreensão do mesmo não deixe dúvidas quanto ao âmbito de aplicação das condições e das obrigações assim fixadas pelas referidas autoridades e a que estas últimas não possam fazer uma aplicação arbitrária desse mesmo conceito.

100    Essa verificação é essencial, especialmente tendo em conta que a questão da clareza do conceito em causa se coloca no âmbito de um processo a que se deve aplicar o princípio geral do direito da União da legalidade dos crimes e das penas (Acórdão de 3 de maio de 2007, Advocaten voor de Wereld, C‑303/05, EU:C:2007:261, n.o 49).

101    O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se igualmente a respeito da clareza e objetividade suficientes do artigo L. 631‑7‑1 do Código da Construção e da Habitação, na medida em que o mesmo prevê que as condições em que são concedidas as autorizações e fixadas as compensações por bairro e, sendo caso disso, por distrito são determinadas à luz de objetivos de diversidade social, nomeadamente em função das características dos mercados de locais destinados a habitação e da necessidade de não agravar a escassez de alojamentos.

102    A este respeito, importa observar que o facto de o legislador nacional se limitar a enquadrar as modalidades de determinação, por uma autoridade local, das condições de concessão das autorizações previstas por um determinado regime, remetendo para os objetivos que essa autoridade deve tomar em consideração, não pode, em princípio, levar a considerar que essas condições não são suficientemente claras e objetivas, em particular se a regulamentação nacional em causa fixar não só as finalidades que devem ser prosseguidas pelas autoridades locais em causa, mas também os elementos objetivos em função dos quais essas autoridades devem determinar as condições de concessão em questão.

103    Com efeito, e sem prejuízo da apreciação do órgão jurisdicional de reenvio, condições desta natureza apresentam um grau suficiente de precisão e de clareza, e são suscetíveis de evitar qualquer risco de arbitrariedade na sua aplicação.

104    Em quarto e último lugar, no que diz respeito aos requisitos de publicação prévia, de transparência e de acessibilidade das condições de concessão das autorizações, previstas no artigo 10.o, n.o 2, alíneas f) e g), da Diretiva 2006/123, e que são visadas pela sexta questão prejudicial, resulta das decisões de reenvio que a Cali Apartments e HX alegam que a regulamentação nacional em causa nos processos principais não cumpre esses requisitos pelo facto de as condições de emissão dessas autorizações e de o quantum das compensações não serem determinados por lei, mas sim pelos conselhos municipais de cada um dos municípios em causa.

105    Todavia, tendo em conta o que foi salientado no n.o 97 do presente acórdão, num contexto regulamentar como o descrito no n.o 98 deste acórdão, importa verificar se, para efeitos do artigo 10.o, n.o 2, alíneas f) e g), da Diretiva 2006/123, qualquer proprietário que pretenda proceder à locação um imóvel mobilado para habitação a uma clientela de passagem que aí não fixa domicílio está em posição de tomar pleno conhecimento das condições de emissão de uma autorização e da eventual obrigação de compensação, previstas pelas autoridades locais em causa, antes de se dedicar às atividades de locação em causa.

106    A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio indica que, em aplicação do artigo L. 2121‑25 do Código Geral das Coletividades Territoriais, as atas das sessões do conselho municipal são afixadas na câmara municipal e colocadas em linha no sítio Internet do município em causa.

107    Tal medida de publicidade é suficiente para cumprir os requisitos de publicação prévia, de transparência e de acessibilidade exigidos pelo artigo 10.o, n.o 2, alíneas f) e g), da Diretiva 2006/123, na medida em que permite eficazmente que qualquer pessoa interessada seja imediatamente informada da existência de uma regulamentação que pode afetar o acesso à atividade em causa ou o seu exercício.

108    Tendo em conta o que precede, há que responder às quinta e sexta questões que o artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2006/123 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que institui um regime que sujeita a autorização prévia o exercício de certas atividades de locação, mediante remuneração, de imóveis mobilados destinados a habitação, que assenta em critérios relativos ao facto de o local em causa ser locado «de forma reiterada e por períodos de curta duração, a uma clientela de passagem que aí não fixa domicílio», e que confia às autoridades locais o poder de precisar, no quadro fixado por essa regulamentação, as condições de concessão das autorizações previstas por esse regime tendo em conta objetivos de diversidade social e em função das características dos mercados locais de habitação e da necessidade de não agravar a escassez de habitações, fazendo acompanhar as referidas condições, se necessário, de uma obrigação de compensação sob a forma de uma conversão acessória e concomitante em habitação de imóveis que tenham outra utilização, desde que essas condições de concessão sejam conformes aos requisitos fixados por essa disposição e que essa obrigação possa ser cumprida em condições transparentes e acessíveis.

 Quanto às despesas

109    Revestindo os processos, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidentes suscitados perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

1)      Os artigos 1.o e 2.o da Diretiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno, devem ser interpretados no sentido de que esta diretiva se aplica a uma regulamentação de um EstadoMembro relativa a atividades de locação, mediante remuneração, de imóveis mobilados destinados a habitação a uma clientela de passagem que aí não fixa domicílio, efetuadas de forma reiterada e por períodos de curta duração, tanto a título profissional como não profissional.

2)      O artigo 4.o da Diretiva 2006/123 deve ser interpretado no sentido de que uma regulamentação nacional que sujeita o exercício de certas atividades de locação de imóveis destinados a habitação a autorização prévia é abrangida pelo conceito de «regime de autorização», na aceção do n.o 6 deste artigo.

3)      O artigo 9.o, n.o 1, alíneas b) e c), da Diretiva 2006/123 deve ser interpretado no sentido de que uma regulamentação nacional que, por razões que visam garantir uma oferta suficiente de habitações destinadas à locação de longa duração a preços acessíveis, sujeita certas atividades de locação, mediante remuneração, de imóveis mobilados destinados a habitação a uma clientela de passagem que aí não fixa domicílio, efetuadas de forma reiterada e por períodos de curta duração, a um regime de autorização prévia, aplicável em certos municípios nos quais a tensão sobre as rendas é particularmente acentuada, é justificada por uma razão imperiosa de interesse geral atinente à luta contra a escassez de habitações destinadas à locação, sendo proporcionada ao objetivo prosseguido, uma vez que o mesmo não pode ser alcançado por uma medida menos restritiva, designadamente porque uma fiscalização a posteriori seria demasiado tardia para obter uma real eficácia.

4)      O artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2006/123 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que institui um regime que sujeita a autorização prévia o exercício de certas atividades de locação, mediante remuneração, de imóveis mobilados destinados a habitação, que assenta em critérios relativos ao facto de o local em causa ser locado «de forma reiterada e por períodos de curta duração, a uma clientela de passagem que aí não fixa domicílio», e que confia às autoridades locais o poder de precisar, no quadro fixado por essa regulamentação, as condições de concessão das autorizações previstas por esse regime tendo em conta objetivos de diversidade social e em função das características dos mercados locais de habitação e da necessidade de não agravar a escassez de habitações, fazendo acompanhar as referidas condições, se necessário, de uma obrigação de compensação sob a forma de uma conversão acessória e concomitante em habitação de imóveis que tenham outra utilização, desde que essas condições de concessão sejam conformes aos requisitos fixados por essa disposição e que essa obrigação possa ser cumprida em condições transparentes e acessíveis.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.