Language of document : ECLI:EU:C:2020:143

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

apresentadas em 3 de março de 2020(1)

Processo C24/19

A,

B,

C,

D,

E

contra

Gewestelijke stedenbouwkundige ambtenaar van het departement Ruimte Vlaanderen, afdeling OostVlaanderen,

sendo interveniente:

Organisatie voor Duurzame Energie Vlaanderen VZW

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Raad voor Vergunningsbetwistingen (Conselho do Contencioso de Licenças, Bélgica)]

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2001/42/CE — Avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente — Avaliação ambiental estratégica — Conceito de planos e programas — Condições relativas à instalação de parques eólicos aprovadas por um decreto e uma circular administrativa — Consequências jurídicas da falta de avaliação ambiental estratégica — Possibilidade de o julgador nacional manter provisoriamente os efeitos dos atos nacionais»






1.        A avaliação dos efeitos (ou repercussões) de determinados «projetos» ou de certos «planos e programas» no ambiente constitui um dos instrumentos fundamentais do direito da União para assegurar um elevado nível de proteção do mesmo.

2.        A avaliação do impacto ambiental dos projetos é regulada pela Diretiva 2011/92/EU (2); a avaliação dos planos e programas, pela Diretiva 2001/42/CE (3). Sobre esta última, o Tribunal de Justiça proferiu, até agora e salvo erro da minha parte, dezassete acórdãos, dos quais uma parte considerável diz respeito a questões prejudiciais submetidas por tribunais belgas.

3.        O Raad voor Vergunningsbetwistingen (Conselho do Contencioso de Licenças, Bélgica) submete ao Tribunal de Justiça um conjunto de questões relacionadas com o âmbito de aplicação da Diretiva AAE, sugerindo‑lhe, em especial, que retifique a jurisprudência estabelecida no Acórdão de 22 de março de 2012, Inter‑Environnement Bruxelles e o. (4).

4.        Esse órgão jurisdicional tem necessidade de saber se os juízes nacionais poderão manter temporariamente os efeitos da regulamentação nacional em causa, no caso de esta não ser compatível com o direito da União, em conformidade com a jurisprudência do Acórdão de 28 de fevereiro de 2012, Inter‑Environnement Wallonie e Terre wallonne (5).

I.      Quadro jurídico

A.      Direito da União. Diretiva 2001/42

5.        Nos termos do artigo 1.o:

«A presente diretiva tem por objetivo estabelecer um nível elevado de proteção do ambiente e contribuir para a integração das considerações ambientais na preparação e aprovação de planos e programas com vista a promover um desenvolvimento sustentável. Para tal, visa garantir que determinados planos e programas, suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente, sejam sujeitos a uma avaliação ambiental em conformidade com o nela disposto.»

6.        Nos termos do artigo 2.o:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)      “Planos e programas”, qualquer plano ou programa, incluindo os cofinanciados pela Comunidade Europeia, bem como as respetivas alterações, que:

—      seja sujeito a preparação e/ou aprovação por uma autoridade a nível nacional, regional e local, ou que seja preparado por uma autoridade para aprovação, mediante procedimento legislativo, pelo seu Parlamento ou Governo, e

—      seja exigido por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas;

b)      “Avaliação ambiental”, a elaboração de um relatório ambiental, a realização de consultas, a tomada em consideração do relatório ambiental e dos resultados das consultas na tomada de decisões e o fornecimento de informação sobre a decisão em conformidade com os artigos 4.o a 9.o;

[…]»

7.        O artigo 3.o dispõe:

«1.      No caso dos planos e programas referidos nos n.os 2 e 4 suscetíveis de terem efeitos significativos no ambiente, deve ser efetuada uma avaliação ambiental nos termos dos artigos 4.o a 9.o

2.      Sob reserva do disposto no n.o 3, deve ser efetuada uma avaliação ambiental de todos os planos e programas:

a)      Que tenham sido preparados para a agricultura, silvicultura, pescas, energia, indústria, transportes, gestão de resíduos, gestão das águas, telecomunicações, turismo, ordenamento urbano e rural ou utilização dos solos, e que constituam enquadramento para a futura aprovação dos projetos enumerados nos anexos I e II da Diretiva 85/337/CEE, ou

b)      Em relação aos quais, atendendo aos seus eventuais efeitos em sítios protegidos, tenha sido determinado que é necessária uma avaliação nos termos dos artigos 6.o ou 7.o da Diretiva 92/43/CEE.

3.      Os planos e programas referidos no n.o 2 em que se determine a utilização de pequenas áreas a nível local e pequenas alterações aos planos e programas referidos no mesmo número só devem ser objeto de avaliação ambiental no caso de os Estados‑Membros determinarem que os referidos planos e programas são suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente.

[…]»

B.      Direito belga

1.      Secção 5.20.6 da VLAREM II (6)

8.        O Decreto do Governo da Flandres, de 1 de junho de 1995, que aprova as disposições gerais e setoriais em matéria de higiene ambiental (a seguir «VLAREM II»), adotada em desenvolvimento de disposições anteriores do mesmo Governo (7), sofreu uma alteração relevante em 2011 (8), que consistiu no aditamento da secção 5.20.6, intitulada «Instalação para a produção de eletricidade por energia eólica».

9.        Esta secção 5.20.6 contém disposições relativas aos parques eólicos que dizem respeito à sombra estroboscópica, a certos aspetos da segurança e ao ruído dessas instalações de produção de energia eólica.

2.      Circular administrativa de 2006 (9)

10.      A Circular destina‑se aos executivos camarários, aos vereadores, governadores de províncias, membros de delegações permanentes (a nível provincial) e funcionários com competências em matéria de licenciamento.

11.      A Circular aprova a linha estratégica do Governo flamengo e visa prever suficientes oportunidades de desenvolvimento da energia eólica terrestre e minimizar o seu impacto em diversos setores (incluindo a natureza, a paisagem, o meio ambiente de habitats e de vida, a economia, o ruído, a segurança, a eficiência energética, etc.).

12.      Para cada um desses setores foram formuladas normas que, como acontece com as normas VLAREM II, abordam de forma mais pormenorizada aspetos como o ruído, as sombras estroboscópicas, a segurança e a natureza das instalações eólicas.

13.      A Circular assenta nos pilares de um desenvolvimento territorial e um consumo energético sustentáveis, bem como sobre as vantagens da energia eólica e o seu valor acrescentado em comparação com outras fontes de energia.

14.      O princípio territorial do agrupamento descentralizado (clustering) é fulcral: agrupando o mais possível as turbinas eólicas, garantir‑se‑á a preservação das zonas de espaço aberto ainda restantes numa Flandres fortemente urbanizada.

15.      Por último, a Circular descreve o papel do chamado Windwerkgroep [grupo de trabalho eólico], que é responsável por selecionar locais para parques eólicos em larga escala e por apresentá‑los ao Minister van Ruimtelijke Ordening (ministro do ordenamento do território do Governo flamengo). Este grupo de trabalho emite ainda parecer sobre pedidos concretos de licenciamento.

II.    Litígio e questões prejudiciais

16.      Em 25 de março de 2011, a NV Electrabel (a seguir «Electrabel») apresentou na Administração competente um pedido de licença de urbanização para a instalação de oito turbinas eólicas. No decurso do processo, retirou o pedido relativo a uma delas.

17.      Por Decisão de 30 de novembro de 2016, o funcionário competente (10) concedeu a licença, sujeita a condições, para cinco turbinas eólicas nas parcelas situadas ao longo da autoestrada E40, nos municípios de Aalter e de Nevele (11). Na fundamentação dessa decisão remete‑se para a legislação relevante, incluindo a VLAREM II e a Circular.

18.      A licença foi concedida após a análise das objeções e das observações apresentadas, que diziam respeito, entre outros aspetos, ao impacto na perceção visual da zona, ao ruído, ao ordenamento do território, às sombras estroboscópicas e à segurança (12).

19.      Cinco recorrentes pediram ao órgão jurisdicional de reenvio a anulação da Decisão de 30 de novembro de 2016. Alegam que se baseou num corpus regulamentar (VLAREM II e Circular) incompatível com os artigos 2.o, alínea a), e 3.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva AAE, por ter sido adotada sem a necessária avaliação de impacto ambiental.

20.      A Administração flamenga considera que esse corpus regulamentar não constitui um plano ou programa na aceção da Diretiva AAE, uma vez que não institui um sistema coerente e suficientemente completo para a instalação dos projetos eólicos.

21.      O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, apesar das clarificações feitas pelo Acórdão D’Oultremont e o. (13), sobre a validade do conjunto normativo flamengo (VLAREM II e Circular) e sobre o fundamento jurídico das licenças de turbinas eólicas em causa, se se concluir que o conjunto normativo teria exigido uma avaliação de impacto ambiental.

22.      Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio convida o Tribunal de Justiça a reconsiderar a sua jurisprudência constante, proferida a partir do Acórdão Inter‑Environnement Bruxelles e o., sobre a expressão «exigido por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas» do artigo 2.o, alínea a), da Diretiva AAE (14).

23.      Segundo o órgão jurisdicional nacional, o Tribunal de Justiça deveria privilegiar uma interpretação mais associada à intenção do legislador da União, que o levaria a limitar a aplicação dessa disposição aos atos que devem obrigatoriamente ser adotados pelo legislador nacional e não simplesmente aos atos enquadrados numa estrutura de disposições legislativas ou regulamentares nacionais. Alega que esta interpretação foi a inicialmente proposta pela advogada‑geral J. Kokott nas suas Conclusões do processo Inter‑Environnement Bruxelles e o. (15).

24.      Neste contexto, o Raad voor Vergunningsbetwistingen (Conselho do Contencioso de Licenças, Bélgica) submete ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:

«Os artigos 2.o, alínea a), e 3.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2001/42/CEE implicam que o artigo 99.o do Decreto do Governo da Flandres de 23 de dezembro de 2011 (que altera o Decreto do Governo da Flandres, de 6 de fevereiro de 1991, que estabelece o regulamento flamengo relativo ao licenciamento em matéria ambiental, e o Decreto do Governo da Flandres, de 1 de junho de 1995, que estabelece as disposições gerais e setoriais em matéria de higiene ambiental) — no que diz respeito à atualização dos referidos decretos em função do progresso da técnica, que a secção 5.20.6 relativa a instalações para a produção de eletricidade através da energia eólica introduziu no Decreto VLAREM II — e a Circular “Quadro de avaliação e condições para a instalação de turbinas eólicas” de 2006 [referidos em conjunto como “instrumentos em questão”], que contêm várias disposições relativas à instalação de geradores eólicos, incluindo medidas de segurança, normas relativas a sombras estroboscópicas definidas em função das zonas do ordenamento do território e normas de ruído, devam ser qualificados como “plano ou programa” na aceção das disposições daquela diretiva? Caso se verifique que devia ter sido realizada uma avaliação do impacto ambiental antes da aprovação dos instrumentos em questão, pode o Raad voor Vergunningsbetwistingen (Conselho do Contencioso de Licenças) modular no tempo os efeitos jurídicos decorrentes da ilegalidade desses instrumentos? A este respeito, importa colocar uma série de subquestões:

1)      Pode ser considerado um “plano ou programa”, na aceção do artigo 2.o, alínea a), da Diretiva AAE, um instrumento estratégico, como a circular em questão, cuja elaboração resulta da margem de apreciação e do poder discricionário da respetiva autoridade emitente, pelo que não foi efetivamente designada a autoridade pública competente para a criação do “plano ou programa”, sendo que também não está previsto um procedimento formal para a sua elaboração?

2)      Basta que um instrumento estratégico ou uma regra geral, como os instrumentos em questão, preveja parcialmente uma limitação da margem de apreciação de uma autoridade licenciadora para que possa ser considerado um “plano ou programa” na aceção do artigo 2.o, alínea a), da Diretiva AAE, mesmo que não constitua requisito ou condição necessária para a concessão de uma autorização ou que não vise estabelecer um enquadramento para a futura aprovação, não obstante o legislador europeu ter indicado que esta finalidade constitui um elemento da definição de “planos e programas”?

3)      Um instrumento estratégico, cuja elaboração é motivada pela segurança jurídica e que, por conseguinte, constitui uma decisão completamente discricionária, como a circular em questão, pode ser definido como um “plano ou programa” na aceção do artigo 2.o, alínea a), da Diretiva AAE? Esta interpretação não é contrária à jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual uma interpretação teleológica de uma diretiva não pode divergir da vontade claramente expressa do legislador da União?

4)      A secção 5.20.6 do Decreto VLAREM II, cujas regras não tinham de ser obrigatoriamente estabelecidas, pode ser definida como um “plano ou programa” na aceção do artigo 2.o, alínea a), da Diretiva AAE? Esta interpretação não é contrária à jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual uma interpretação teleológica de uma diretiva não pode divergir da vontade claramente expressa do legislador da União?

5)      Um instrumento estratégico e um decreto normativo, como os instrumentos em questão — que têm um valor indicativo limitado, ou que, pelo menos, não estabelecem nenhum enquadramento de onde se possa inferir qualquer direito à execução de um projeto, e dos quais não se pode retirar qualquer direito a um enquadramento ou a uma medida dentro da qual os projetos podem ser aprovados — podem ser considerados um “plano ou programa” […] “que constitua[m] enquadramento para a futura aprovação de projetos” na aceção do artigo 2.o, alínea a), e do artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva AAE? Esta interpretação não é contrária à jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual uma interpretação teleológica de uma diretiva não pode divergir da vontade claramente expressa do legislador da União?

6)      Um instrumento estratégico, como a circular EME/2006/01‑ RO/2006/02, que tem um valor meramente indicativo, e/ou um decreto normativo como a secção 5.20.6 do Decreto VLAREM II, que estabelece simplesmente limites mínimos para a concessão de autorizações e, além disso, tem uma ação completamente autónoma enquanto regra geral —  sendo que ambos apenas contêm um número restrito de critérios e modalidades e que nenhum dos dois constitui um critério ou modalidade determinante, pelo que é defensável que, com base em dados objetivos, se pode excluir que sejam suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente —, podem ser considerados como um “plano ou programa”, numa leitura conjugada do artigo 2.o, alínea a) com o artigo 3.o, n.os 1 e 2 da Diretiva AAE, podendo assim ser considerados como atos que, através do estabelecimento de regras e procedimentos de controlo aplicáveis ao setor em questão, criam um conjunto completo de critérios e modalidades para a aprovação e execução de um ou vários projetos suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente?

7)      Em caso de resposta negativa à questão anterior, pode um órgão jurisdicional determinar isso mesmo, depois de adotada a decisão ou a pseudolegislação (como as normas VLAREM e a Circular em questão)?

8)      Pode um órgão jurisdicional, se apenas tiver competência indireta por via duma exceção cujo resultado é aplicável inter partes e se apenas decorrer da resposta às questões prejudiciais que os instrumentos em questão são ilegais, decidir manter a aplicabilidade dos efeitos do decreto ilegal e/ou da circular ilegal, se esses instrumentos ilegais contribuírem para um objetivo de proteção do ambiente, contanto que isso também seja prosseguido por uma diretiva na aceção do artigo 288.o TFUE, e estiverem cumpridos os requisitos conforme estabelecidos no Acórdão [de 28 de julho de 2016,] Association France Nature Environnement, [processo C‑379/15, a seguir “Acórdão Association France Nature Environnement”, EU:C:2016:603] que o direito da União impõe a essa aplicação?

9)      Em caso de resposta negativa à questão 8, pode um órgão jurisdicional determinar a aplicabilidade dos efeitos do projeto impugnado a fim de cumprir, de forma indireta, os requisitos que o direito da União impõe (conforme estabelecidos no Acórdão Association France Nature Environnement) à aplicabilidade dos efeitos jurídicos do plano ou programa que não seja conforme à Diretiva AAE?»

25.      Apresentaram observações escritas A e o., os Governos belga, dos Países Baixos e do Reino Unido, bem como a Comissão.

26.      Na audiência realizada em 9 de dezembro de 2019 intervieram A e o., a interveniente em seu apoio no processo nacional, a Organisatie voor Duuurzame Energie Vlaanderen VZM (Organização das energias renováveis da Flandres VZM), os Governos belga e dos Países Baixos, bem como a Comissão.

III. Análise das questões prejudiciais

A.      Observação prévia

27.      O órgão jurisdicional de reenvio suscita nove questões que podem ser agrupadas em duas:

—      Com as sete primeiras, pretende saber se o conceito de planos e programas com efeitos significativos no ambiente que carecem de uma avaliação de impacto ambiental, [artigo 2.o, alínea a), e artigo 3.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva AAE] abrange uma regulamentação nacional como a que aqui está em causa.

—      Com as duas últimas, coloca a questão de saber se é possível limitar no tempo os efeitos da eventual anulação dessa regulamentação nacional, bem como das licenças concedidas no seu âmbito.

28.      Antes de responder a essas questões, como o Raad voor Vergunningsbetwistingen (Conselho do Contencioso de Licenças, Bélgica) submete pela primeira vez uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça, é necessário esclarecer se constitui um órgão jurisdicional na aceção do artigo 267.o TFUE (16).

29.      Segundo as informações fornecidas, esse Conselho é um órgão jurisdicional instituído em 2009 pelo artigo 4.8.1 do Vlaamse Codex Ruimtelijke Ordening (Código flamengo do ordenamento do território), que conhece dos recursos das decisões de registo e de concessão ou indeferimento das licenças de urbanização ou de loteamento, das licenças ambientais e das expropriações.

30.      Trata‑se de um órgão jurisdicional independente, constituído por oito juízes do contencioso administrativo, cujas decisões podem ser objeto de recurso de cassação para o Conselho de Estado. Decide os litígios, através de um processo contraditório, aplicando as normas jurídicas da Região da Flandres em matéria de ambiente e de urbanismo.

31.      Tudo indica, portanto, que pode ser qualificado de órgão jurisdicional que pode utilizar o artigo 267.o TFUE.

B.      Introdução à Diretiva AAE

32.      A Diretiva AAE aplica o princípio da integração e da proteção do ambiente (artigos 11.o TFUE e 191.o TFUE) que exige a avaliação do impacto ambiental na preparação e na aprovação dos planos e programas que possam ter efeitos significativos no ambiente.

33.      Embora a palavra «estratégica» não conste nem do seu título nem do seu texto, é geralmente designada como «Diretiva sobre avaliação ambiental estratégica», porque a posiciona num nível superior (mais estratégico) ao da Diretiva AIA.

34.      A Diretiva AAE não contém requisitos substantivos para o licenciamento de projetos, mas visa assegurar, antes de mais, que na aprovação de determinados planos e programas sejam tidas em conta as suas repercussões no ambiente. Consiste, portanto, essencialmente, numa diretiva processual, que indica aos Estados‑Membros as fases que têm de seguir para identificar e avaliar os efeitos de determinados planos e programas no ambiente.

35.      Concebida deste modo, a avaliação ambiental estratégica (a seguir «AAE») visa ajudar os responsáveis políticos na tomada de decisões bem fundamentadas, baseadas numa informação objetiva e nos resultados das consultas com o público, as partes interessadas e as autoridades competentes.

36.      A Diretiva AAE e a Diretiva AIA complementam‑se: a primeira procura antecipar a análise do impacto ambiental (17) relativamente à fase de planificação estratégica das atuações por parte das autoridades nacionais. O estudo dos efeitos ambientais que comporta é, portanto, mais amplo ou global do que o correspondente a um projeto concreto.

37.      A partir desta premissa, o difícil é determinar o alcance da exigência da AAE. É claro que se situa num patamar superior ao da avaliação dos projetos individuais, mas também que não deveria abranger toda a regulamentação de um Estado‑Membro relativa ao ambiente.

38.      Desde logo, não é fácil distinguir entre: i) os projetos com impacto ambiental, sujeitos à Diretiva AIA; ii) os planos ou programas com efeitos ambientais importantes, sujeitos à Diretiva AAE; e iii) as regulamentações nacionais com alguns efeitos no ambiente, excluídas de uma análise de impacto ambiental. As fronteiras entre estas três categorias estão subjacentes às questões prejudiciais do órgão jurisdicional de reenvio.

39.      A aplicação da Diretiva AAE suscitou múltiplas dificuldades às autoridades dos Estados‑Membros, que a Comissão procurou colmatar (18). A chave consiste em determinar o que se entende por planos e programas e, entre estes, identificar os que têm efeitos significativos no ambiente.

C.      As sete primeiras questões prejudiciais: conceito de «planos e programas» na Diretiva AAE

40.      As normas que regem o âmbito de aplicação da Diretiva AAE constam, principalmente, de dois artigos relacionados entre si:

—      O artigo 2.o, alínea a), define os requisitos cumulativos que os planos e os programas devem preencher para que a diretiva lhes seja aplicável: a) terem sido preparados e/ou aprovados por uma autoridade nacional, regional ou local, ou preparados por uma autoridade para adoção, mediante procedimento legislativo, pelo seu Parlamento ou Governo; e b) serem exigidos por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas.

—      O artigo 3.o, n.o 2, alínea a), indica as condições para a identificação, entre os referidos planos e programas, dos que provavelmente tenham efeitos significativos no ambiente e, por conseguinte, tenham de se submeter a uma AAE: a) a sua preparação em relação a determinados setores e atividades económicas e b) a necessidade de que constituam o enquadramento para o licenciamento futuro de projetos.

41.      Na realidade, da conjugação destas disposições resultam quatro requisitos cuja análise realizarei em seguida, tanto para expor os seus contornos em geral, como para determinar se uma legislação regional como a que está aqui em causa os preenche.

1.      Preparação ou aprovação do plano ou programa por uma autoridade do EstadoMembro

42.      O primeiro requisito, cuja apreciação geralmente não suscita problemas hermenêuticos, consiste no facto de a regulamentação nacional ter sido adotada ou preparada por uma autoridade de um Estado‑Membro, de nível nacional, regional ou local.

43.      O juiz de reenvio afirma que as autoridades regionais flamengas aprovaram a secção 5.20.6 da VLAREM II em desenvolvimento do Decreto relativo à autorização ambiental. Indica também (19) que tanto a secção 5.20.6 como a Circular foram promulgadas para a aplicação da Diretiva 2009/28/CE (20).

44.      O Governo belga considera, no entanto, que esta primeira condição não se encontra preenchida no caso da secção 5.20.6 da VLAREM II, não porque não constituam disposições imputáveis à Administração regional, mas porque não têm dimensão programática ou planificadora. Sobre este argumento pronunciar‑me‑ei posteriormente, embora avance desde já que a natureza normativa da referida secção me parece incontestável.

45.      Quanto à Circular, compete ao tribunal a quo clarificar as suas características no direito interno sobre as quais houve desacordo entre as partes.

46.      Segundo as informações de que o Tribunal de Justiça dispõe, parece que a Circular foi preparada e aprovada como uma atuação administrativa, sem que tal facto implique necessariamente que a Região da Flandres exerça competências legislativas ou regulamentares. Manifesta‑se, com ela, a vontade da Administração flamenga de efetuar (nos termos que a própria Circular estabelece) a aplicação das disposições relativas à instalação dos parques eólicos.

47.      Mais precisamente, segundo o Governo belga, a Circular contém as linhas orientadoras que a autoridade regional tenciona seguir quando exerce um poder discricionário em casos específicos, tais como a concessão de licenças para a instalação de geradores eólicos.

48.      Sem prejuízo da apreciação do órgão jurisdicional de reenvio, entendo que, se o conteúdo da Circular vincula a Administração regional flamenga, que a adotou como regra para a sua atividade futura (21) poderia estar abrangida pelo conceito de plano ou programa da Diretiva AAE. Só assim não seria se fosse um texto desprovido de qualquer força jurídica, mesmo ad intra.

2.      Planos ou programas exigidos por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas

a)      Considerações gerais

49.      Nos termos do artigo 2.o, alínea a), segundo travessão, da Diretiva AAE, os planos ou programas adotados pelas autoridades de um Estado‑Membro, que se integram no seu âmbito de aplicação, são os «exigido[s] por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas».

50.      Desde o Acórdão Inter‑Environnement Bruxelles e o., devem considerar‑se «exigidos», na aceção e para a aplicação da Diretiva AAE, os planos e programas cuja adoção esteja enquadrada por disposições legislativas ou regulamentares nacionais, que determinam as autoridades competentes para os adotar, bem como o seu procedimento de preparação (22).

51.      Com esta interpretação, o Tribunal de Justiça fez uma leitura generosa da Diretiva AAE, considerando que regula os planos e programas abrangidos por disposições legislativas ou regulamentares nacionais, quer a sua adoção seja obrigatória, quer seja facultativa.

52.      No processo Inter‑Environnement Bruxelles e o., a advogada‑geral J. Kokott propôs uma interpretação mais restritiva: só exigiriam uma AAE os planos e programas cuja adoção fosse obrigatória, por ser imposta por uma disposição do direito interno (23).

53.      O juiz de reenvio convida o Tribunal de Justiça a alterar a sua jurisprudência e a alinhá‑la com essa interpretação mais restritiva. O Governo britânico apoia esta proposta, também compartilhada pelo Supreme Court (Tribunal Supremo, Reino Unido) no Acórdão HS2 Action Alliance (24). O Governo belga também o fez, a título subsidiário, nas suas observações escritas, mas acabou por recuar na audiência. A e o., a Comissão e o Governo neerlandês opõem‑se a esta ideia e reafirmam o seu apoio à referida jurisprudência: nenhum deles, incluindo mesmo o Governo belga, preconiza uma alteração jurisprudencial no sentido sugerido pelo órgão jurisdicional de reenvio.

54.      Deverá o Tribunal de Justiça abandonar ou, pelo contrário, consolidar a sua interpretação da expressão «exigido por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas»?

55.      Pela minha parte, na polémica sobre este ponto, reconheço razões de peso a favor de ambas as teses (25). Se, em última análise, opto por sugerir ao Tribunal de Justiça a consolidação da sua jurisprudência, faço‑o porque, como se tornou evidente na audiência, não foi apresentado nenhum argumento novo que incline a balança no sentido da sua alteração.

56.      A ausência de novos argumentos é igual à repetição, pelo órgão jurisdicional de reenvio e por quem defende essa posição, dos argumentos já expostos pela advogada‑geral J. Kokott, de que o Tribunal de Justiça, em vários acórdãos proferidos desde 2012, não compartilha (26).

57.      Neste contexto, não encontro motivos suficientes para propor outra solução. Em situações análogas afirmei que (27), em circunstâncias como esta, entendo ser mais prudente optar pela estabilidade da jurisprudência, isto é, por dar prevalência ao critério stare decisis, mais adequado aos imperativos da segurança jurídica.

58.      A chave do problema reside no tipo de interpretação da Diretiva AAE pela qual se opte:

—      Se for acolhida uma interpretação literal e histórica do seu artigo 2.o, alínea a), segundo travessão, pode sustentar‑se que só os planos e programas cuja adoção é legalmente obrigatória exigem uma avaliação de impacto ambiental.

—      Em contrapartida, se for acolhida uma interpretação sistemática e finalista dessa disposição, também os planos e programas de adoção voluntária, desde que previstos por lei ou regulamento, são abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva AAE e exigem uma AAE quando tenham um impacto significativo no ambiente.

59.      Correndo o risco de repetir os conteúdos de uma polémica que, repito, pouco acrescenta, limitar‑me‑ei a sublinhar as bases hermenêuticas a favor da interpretação mantida até agora pelo Tribunal de Justiça.

60.      A interpretação literal do artigo 2.o, alínea a), segundo travessão, parece ser inconclusiva. O termo «exigido» pode significar programas e planos «requeridos», «reclamados», «impostos», mas é ambíguo quanto à questão de saber se abrange exclusivamente, ou não, os planos e programas de adoção obrigatória para as autoridades nacionais (28). O adágio in claris non fit interpretatio não é aqui aplicável.

61.      Uma vez que todas as versões linguísticas de um ato da União têm o mesmo valor, a fim de preservar a unidade de interpretação do direito da União, importa, em caso de divergências entre essas versões, interpretar a disposição em causa em função da sistemática geral e da finalidade da regulamentação da qual essa disposição constitui um elemento (29). Convém, portanto, recorrer aos critérios sistemático e finalista, mas antes referir‑me‑ei à interpretação histórica do artigo 2.o, alínea a), segundo travessão, da Diretiva AAE.

62.      Se for tida em consideração a génese dessa disposição, a locução «exigido por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas» não constava da proposta inicial da Comissão (30) nem de uma versão alterada posterior (31). Foi acrescentada pelo Conselho na posição comum adotada em 30 de março de 2002, sem que o Parlamento Europeu a tivesse alterado (32).

63.      Pode inferir‑se do aditamento introduzido pelo Conselho que esta instituição pretendia submeter determinados planos e programas à AAE, mas não que fosse sua intenção expressa limitá‑los exclusivamente aos planos e programas de aprovação obrigatória. Os de aprovação voluntária, quando estão previstos em disposições legislativas e regulamentares, podem ter efeitos tão ou mais significativos no ambiente que os obrigatórios. É arriscado supor que a vontade do Conselho fosse excluí‑los da AAE apenas porque alguns Estados alegaram que a referida avaliação poderia dissuadir as autoridades nacionais de os adotarem (33).

64.      Considerando que nem a interpretação literal nem a interpretação histórica são conclusivas, é necessário recorrer à interpretação sistemática e à interpretação finalista.

65.      Sob o ponto de vista sistemático, a Diretiva AAE só se aplica a «determinados» planos e programas com efeitos significativos no ambiente, mas não a todos eles. As exclusões previstas no seu artigo 3.o, n.os 8 e 9, não referem os de aprovação voluntária previstos nas regulamentações nacionais, mas sim os:

—      destinados unicamente à defesa nacional ou à proteção civil;

—      financeiros ou orçamentais; e

—      cofinanciados através dos fundos estruturais da União.

66.      A interpretação ampla do adjetivo «exigido» permite incluir melhor no âmbito de aplicação da Diretiva AAE os planos e programas cuja adoção e preparação, segundo os ordenamentos jurídicos nacionais, são dificilmente redutíveis ao binómio obrigatório/facultativo, por abrangerem diversas hipóteses entre aquelas duas situações.

67.      A heterogeneidade da prática dos Estados‑Membros na preparação destes planos e programas (34) aconselha a interpretação ampla do termo «exigido». Este argumento é ainda mais pertinente ao salientar que as alterações dos planos e programas, cujo tratamento deve ser igual ao da sua aprovação e da sua preparação, necessitam de uma avaliação ambiental, condicionada ao cumprimento dos critérios estabelecidos na diretiva (35).

68.      Habitualmente essas alterações são decididas pelas autoridades dos Estados‑Membros sem que exista uma obrigação legal de as realizar. A interpretação restritiva do termo «exigido» levaria à sua exclusão de facto da Diretiva AAE, mesmo que o seu impacto ambiental fosse significativo.

69.      A interpretação finalista do artigo 2.o, alínea a), segundo travessão, da Diretiva AAE também favorece uma leitura ampla do termo «exigido», que permita incluir os planos e programas aprovados voluntariamente pelas autoridades nacionais.

70.      Tendo em conta o objetivo da Diretiva AAE (garantir um elevado nível de proteção do ambiente), as disposições que delimitam o seu âmbito de aplicação, e, designadamente, as que enunciam as definições dos atos nela previstos, não devem ser interpretadas em sentido restrito (36).

71.      Além disso, a interpretação pro ambiente da Diretiva AAE fundamenta‑se no direito primário:

—      Nos termos do artigo 191.o, n.o 2, TFUE (sucessor do artigo 174.o, n.o 2, CE), o objetivo da política da União no âmbito do ambiente será atingir um «nível de proteção elevado», tendo em conta a diversidade das situações existentes nas diferentes regiões da União.

—      O artigo 3.o, n.o 3, TUE, prevê que a União se empenhará nomeadamente a atingir um «elevado nível de proteção e de melhoramento da qualidade do ambiente» (37).

72.      O objetivo da Diretiva AAE (repito, garantir um elevado nível de proteção do ambiente) poderia ser posto em causa com uma interpretação do termo «exigido» que excluísse da AAE os planos e programas previstos nas regulamentações nacionais, mas de aprovação voluntária. Essa interpretação comprometeria, pelo menos parcialmente, o efeito útil da referida diretiva (38) contrariando a sua intenção de estabelecer um procedimento de fiscalização dos atos de natureza normativa com potenciais efeitos significativos no ambiente.

73.      Não me parece que a abordagem mantida até ao momento pelo Tribunal de Justiça ponha em causa ou contrarie essa intenção do legislador. A possibilidade de aplicar a Diretiva AAE também a planos e programas previstos na regulamentação nacional, mas de aprovação voluntária, não significa que os referidos planos exijam sempre a referida avaliação: é necessário, também, que preencham os requisitos do artigo 3.o da Diretiva AAE.

74.      Em especial, deve salientar‑se a exigência de que esses planos e programas incluam o enquadramento jurídico para o licenciamento posterior de projetos com efeitos ambientais consideráveis. Creio ser este o elemento chave para conduzir o âmbito de aplicação da Diretiva AAE à sua posição adequada, sem interferir excessivamente com a atividade legislativa dos Estados‑Membros.

75.      Por conseguinte, entendo que, para conseguir una aplicação razoável, efetiva e homogénea da Diretiva AAE, o Tribunal de Justiça deveria afinar a sua jurisprudência relativamente aos contornos desse enquadramento jurídico, mais do que relativamente à locução «exigido por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas».

b)      Aplicação destes critérios ad casum

76.      O órgão jurisdicional de reenvio precisa de determinar se a secção 5.20.6 da VLAREM II e a Circular podem ser consideradas planos ou programas «exigido[s] por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas».

77.      No que diz respeito à secção 5.20.6 da VLAREM II, o tribunal a quo confirma que a sua adoção se encontrava prevista no artigo 20.o do Decreto relativo à autorização ambiental, bem como no artigo 5.1.1 do DABM. Confirma também que, embora estivesse legalmente prevista, não era obrigatória para as autoridades regionais flamengas, que podiam não a ter adotado.

78.      Segundo a interpretação do Tribunal de Justiça que acima resumi, e que proponho que se mantenha, deve considerar‑se que a referida secção 5.20.6 da VLAREM II inclui um plano ou programa exigido por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas, na aceção do artigo 2.o, alínea a), segundo travessão, da Diretiva AAE.

79.      Quanto à Circular, a Comissão afirma que não faz parte desta categoria, uma vez que as disposições relativas à proteção ambiental aplicáveis na Região da Flandres para a instalação de parques eólicos não previam especificamente a sua aprovação. A Circular resultaria de uma decisão política livre da Administração regional flamenga, não prevista legalmente (39).

80.      Compete ao juiz de reenvio determinar se a Circular, dado o seu conteúdo, desenvolve e completa a secção 5.20.6 da VLAREM II, ao ponto de se revestir de uma natureza regulamentar, mais ou menos dissimulada (40). Se, no direito belga, a Circular autolimitar o âmbito de ação da própria Administração, estabelecendo padrões de conduta que também os particulares devem respeitar, poderá considerar‑se que estava prevista no Decreto relativo à autorização ambiental de 1985 e no DABM.

3.      Plano ou programa sobre uma atividade ou setor económico abrangido pela Diretiva AAE

81.      O artigo 3.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva AAE indica que, sob reserva do disposto no n.o 3 da referida norma, deve ser efetuada uma avaliação ambiental de todos os planos e programas que tenham sido preparados, entre outros, «para a […] energia, […] ordenamento urbano e rural ou utilização dos solos».

82.      A secção 5.20.6 da VLAREM II e a Circular refere‑se ao setor da energia, concretamente, à instalação de parques eólicos. As disposições sobre ruído aplicáveis aos geradores eólicos têm influência na sua localização nas zonas habitadas, pelo que também afetam o ordenamento urbano e rural, bem como a utilização dos solos.

83.      Por conseguinte, não há qualquer dúvida de que o objeto desse corpus normativo está abrangido pela Diretiva AAE.

4.      Plano ou programa que constitui enquadramento de referência para o licenciamento de projetos abrangidos pela Diretiva AIA

84.      Para além de dizer respeito a um dos setores incluídos no artigo 3.o, n.o 2, alínea a), esta disposição exige, para submetê‑los à AAE:

—      que os planos ou programas constituam enquadramento para a futura aprovação da execução de projetos; e

—      que se trate de projetos enumerados nos anexos I e II da Diretiva AIA (41).

85.      Quanto ao segundo requisito, a secção 5.20.6 da VLAREM II e a Circular dizem respeito a um tipo de instalação expressamente referida no anexo II, ponto 3, i), da Diretiva AIA sob a rubrica «Instalações para aproveitamento da energia eólica para a produção de eletricidade (centrais eólicas)» (42).

86.      Quanto ao primeiro requisito, o artigo 3.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva AAE exige que o plano ou programa constitua enquadramento de referência para a futura aprovação de projetos, como condição indispensável para a sua sujeição à AAE.

87.      O Tribunal de Justiça declarou que o conceito de «planos e programas» engloba qualquer ato que, ao definir regras e processos, institua um conjunto significativo de critérios e modalidades para a autorização e execução de um ou mais projetos suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente (43).

88.      Por conseguinte, um ato será considerado enquadramento para a futura aprovação da execução de projetos e, portanto, plano ou programa sujeito à AAE, quando incluir um conjunto significativo de critérios e modalidades (regras e processos) para a execução de projetos com efeitos significativos no ambiente (44).

89.      Esta interpretação «destina‑se a assegurar […] que prescrições suscetíveis de terem efeitos significativos no ambiente sejam objeto de uma avaliação do impacto ambiental» (45) no âmbito de uma sequência normativa; a sensu contrario, evita que critérios ou modalidades estabelecidos isoladamente imponham uma AAE.

90.      O conceito de «conjunto significativo de critérios e modalidades» (enquadramento de referência) deve ser entendido de modo qualitativo e não quantitativo. Basta que o conjunto seja significativo, e não exaustivo, para que o plano ou programa que o estabelece exija a AAE. Deste modo evitam‑se, também, eventuais estratégias que contornem as obrigações enunciadas pela Diretiva AAE, por exemplo, com a fragmentação das medidas, reduzindo assim o efeito útil da mesma diretiva (46).

91.      Esta jurisprudência deve refletir‑se sobre a regulamentação flamenga em causa (a secção 5.20.6 da VLAREM II e a Circular, caso esta produza efeitos jurídicos), tendo em conta os elementos a seguir indicados.

92.      Em primeiro lugar e, antes de mais, o Tribunal de Justiça declarou que uma legislação (naquele caso, da Valónia) relativa à instalação de parques eólicos, parcialmente semelhante à regulamentação flamenga ora analisada, constituía um enquadramento para a aprovação de projetos com impacto ambiental significativo. É o que se afirma, sem ambiguidades, no Acórdão D’Oultremont (47).

93.      É certo que existem algumas diferenças entre elas, mas a legislação flamenga em causa regula detalhadamente prescrições semelhantes às que, relativamente a diversas questões sensíveis (o ruído, a sombra estroboscópica, a segurança e a natureza das turbinas eólicas), a portaria da Valónia procurava regular.

94.      Em princípio, nenhum projeto de instalação de um parque eólico na Flandres poderia ser aprovado sem cumprir os requisitos previstos na regulamentação referida. Por esse motivo, as informações disponíveis sugerem que se trata de um enquadramento de referência, não exaustivo, mas sim significativo, para a aprovação de projetos de parques eólicos, cujo impacto ambiental é incontestável.

95.      O próprio Governo belga admite implicitamente que a secção 5.20.6 da VLAREM II e a Circular constituem um enquadramento de referência significativo para a aprovação de projetos de parques eólicos, ao garantir, relativamente à eventual limitação dos efeitos no tempo da decisão, que a sua declaração de ilegalidade teria como consequência deixar de existir condições ambientais juridicamente válidas para as instalações eólicas (48).

96.      A Comissão argumenta que só as disposições da secção 5.20.6 da VLAREM II relativas ao ruído dos geradores eólicos são pertinentes para a aprovação dos projetos de parques eólicos, porque determinam diretamente a sua colocação relativamente às habitações e às zonas residenciais. O mesmo não acontece com as disposições relativas à sombra estroboscópica e à segurança desses geradores eólicos, com incidência na fase de exploração dos respetivos parques eólicos: a análise do seu impacto deveria realizar‑se em aplicação da Diretiva AIA e não da Diretiva AAE.

97.      Não partilho desta abordagem, pois centra‑se na análise individualizada das disposições do plano e programa e não neste como conjunto. Além disso, as exigências relativas à sombra estroboscópica e à segurança dos geradores eólicos devem também ser tidas em conta aquando da sua instalação, independentemente da sua incidência imediata na exploração do parque eólico (assim como acontece, também, com as disposições relativas ao ruído).

98.      Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça considera que o conceito de «planos e programas» pode abranger atos normativos adotados pela via legislativa ou regulamentar.

99.      O Tribunal de Justiça opôs‑se a excluir as medidas legislativas do duplo conceito de «planos e programas», uma vez que essas medidas constam expressamente da definição do artigo 2.o, alínea a), primeiro travessão, da Diretiva AAE (49). Rejeitou também a analogia com as categorias da Convenção de Aarhus (50) e do Protocolo de Kiev (51), declarando que essa diretiva se distingue dos dois tratados internacionais «na medida em que não contém, precisamente, disposições específicas relativas a políticas ou a regulamentações gerais que exijam uma diferenciação face aos “planos e programas”» (52).

100. Para o Governo belga, a secção 5.20.6 da VLAREM II seria uma regulamentação de caráter geral sem dimensão programática ou planificadora, que não pretende alterar o enquadramento existente para a instalação de parques eólicos. Essa secção não seria abrangida pelo conceito de plano ou programa e, por conseguinte, não exigiria a AAE (53).

101. Na realidade, esta argumentação levaria a recuperar a leitura da Diretiva AAE à luz da Convenção de Aarhus e do Protocolo de Kiev, de acordo com a qual as disposições legislativas e regulamentares estão isentas da avaliação de impacto ambiental.

102. Como vimos anteriormente, o Tribunal de Justiça rejeitou esta interpretação no seu Acórdão D’Oultremont. Assim, uma disposição interna de caráter regulamentar (como é o caso) exigirá a AAE sempre que constitua um enquadramento de referência significativo para a realização de projetos de parques eólicos. É o caso, como já referimos, das disposições analisadas no Acórdão D’Oultremont, cujos preceitos, repito, são parcialmente análogos aos que estão aqui em causa.

103. Em terceiro lugar, a jurisprudência do Tribunal de Justiça não exige que os planos e programas «dev[a]m ter por objeto o ordenamento de um determinado território», mas sim que «vis[e]m, mais amplamente, o ordenamento de territórios ou de zonas em geral» (54).

104. A secção 5.20.6 da VLAREM II, à semelhança do que sucedia com a legislação da Valónia do processo D’Oultremont, diz respeito ao território de uma região (Flandres) no seu conjunto. Os valores limite de ruído por ela fixados apresentam uma ligação estreita com esse território, uma vez que são determinados em função dos diversos tipos de utilização das zonas geográficas. Da sua aplicação deduzem‑se os locais em que se podem instalar os geradores eólicos, como sucede com os municípios de Aalter e de Nevele.

105. Por último, o Tribunal de Justiça declarou que se deve evitar que um mesmo plano ou programa seja sujeito a várias AAE. Por conseguinte, sempre que se tenha realizado previamente a avaliação dos seus efeitos, são excluídos do regime da AAE os planos e programas integrados numa hierarquia de atos que, por sua vez, tenham sido objeto de uma avaliação dos efeitos no ambiente e relativamente aos quais se possa considerar, razoavelmente, que os interesses que a Diretiva AAE visa proteger foram devidamente tomados em conta (55).

106. De acordo com esta jurisprudência, se a secção 5.20.6 da VLAREM II e a Circular fizessem parte de uma sequência normativa cuja aprovação tivesse já sido objeto de uma AAE, não seria necessário sujeitá‑las obrigatoriamente a outra avaliação específica.

107. Não há elementos nos autos que permitam verificar essa circunstância. A secção 5.20.6 da VLAREM II tem o seu fundamento no Decreto relativo à autorização ambiental, mas as condições que estabelece para a instalação das eólicas nem sequer coincidem com as da norma de base. A secção 5.20.6 da VLAREM II constitui, como afirmou a Comissão na audiência, um plano ou programa novo para efeitos da Diretiva AAE.

108. Já salientei que compete ao juiz de reenvio esclarecer se a Circular, dado o seu conteúdo, desenvolve e completa a secção 5.20.6 da VLAREM II como uma disposição regulamentar dissimulada (56). Se assim for, deveria estar igualmente sujeita à Diretiva AAE, na medida em que, à primeira vista, contém normas ambientais relativas ao ruído menos estritas do que a secção 5.20.6 da VLAREM II, permitindo a instalação de turbinas eólicas em locais não habilitados para o efeito por esta última norma.

109. A Circular parece conferir às autoridades administrativas da Flandres a possibilidade de admitirem mais facilmente exceções às disposições em vigor da VLAREM II no que diz respeito à instalação de turbinas eólicas. Isto corrobora o facto de que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, pode ser abrangida pelo artigo 3.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva AAE (57).

110. Em síntese, um corpus regulamentar como o que aqui está em causa, cujas normas regulam o enquadramento para a aprovação de parques eólicos, quanto à sombra estroboscópica, à segurança e ao ruído, está abrangido pelo conceito de «planos e programas» do artigo 2.o, alínea a), da Diretiva AAE e pode ter um impacto significativo no ambiente. Nessa medida, exige a realização de uma AAE, em conformidade com o artigo 3.o, n.o 2, alínea a), da referida diretiva.

D.      Oitava e nona questões prejudiciais

111. O tribunal a quo pede que se clarifique a incidência do Acórdão do Tribunal de Justiça nos planos e programas (e nas decisões individuais adotadas no seu âmbito), se a secção 5.20.6 da VLAREM II e a Circular devessem ter sido sujeitas a uma AAE. Concretamente, pretende saber se se poderiam limitar os efeitos de uma eventual anulação para manter temporariamente os efeitos dessas normas, para proteger o ambiente e assegurar o fornecimento de energia elétrica.

112. Além disso, pergunta também se essa limitação no tempo pode ocorrer não apenas nos recursos (diretos) de anulação contra planos e programas aprovados sem a AAE, mas também nos recursos (indiretos) em que a alegada nulidade desses planos e programas constitui o fundamento —ou um dos fundamentos — para impugnar decisões individuais de licenciamento de projetos que os aplicam.

113. Note‑se que o órgão jurisdicional de reenvio formula esta última questão assegurando, em simultâneo, não ser competente, em conformidade com o direito belga, para anular a secção 5.20.6 da VLAREM II e a Circular (58). Há que apreciar o recurso de anulação de uma decisão individual de licenciamento de geradores eólicos (59), mas no seu âmbito foi suscitada, como exceção de ilegalidade, a eventual nulidade da secção 5.20.6 da VLAREM II e da Circular.

114. Segundo o Tribunal de Justiça, uma vez que «[n]ão havendo [na Diretiva AAE] quaisquer disposições relativas às consequências a extrair de uma violação das disposições processuais que decreta, cabe aos Estados‑Membros tomarem, no âmbito das suas competências, todas as medidas necessárias, gerais ou particulares, para que todos os “planos” ou “programas” suscetíveis de ter “efeitos significativos no ambiente” na aceção da Diretiva 2001/42 sejam, antes da sua adoção, sujeitos a uma avaliação ambiental, segundo as modalidades processuais e os critérios previstos nessa diretiva» (60).

115. Resulta de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, que os Estados‑Membros têm de eliminar as consequências ilícitas de uma violação do direito da União, obrigação que incumbe, no âmbito das suas competências, a cada órgão do Estado‑Membro em causa.

116. Concretamente, no que respeita à obrigação de corrigir a omissão da avaliação exigida pela Diretiva AAE, resulta dessa jurisprudência que:

—      a suspensão ou a anulação do ato que padece de tal vício diz igualmente respeito aos órgãos jurisdicionais nacionais chamados a conhecer um recurso de um ato de direito interno adotado em violação da Diretiva AAE.

—      as formas processuais aplicáveis a esses recursos pertencem ao ordenamento jurídico interno de cada Estado‑Membro na condição, porém, de não serem menos favoráveis do que as que regem as situações semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência) e de não impossibilitarem na prática ou dificultarem excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (princípio da efetividade).

—      esses órgãos jurisdicionais devem adotar, com base no direito nacional, medidas de suspensão ou anulação do «plano» ou «programa» adotado em violação da obrigação de proceder a uma AAE, tal como disposto na referida diretiva (61).

117. Segundo esta obrigação geral, um plano ou programa aprovado sem AAE, em violação da Diretiva AAE, deve ser suspenso, anulado ou não aplicado pelo órgão jurisdicional nacional para fazer prevalecer o primado do direito da União. A fortiori, as licenças de projetos que com eles se fundem teriam o mesmo destino.

118. No entanto, o Tribunal de Justiça admitiu que se «pode, a título excecional e com base em considerações imperiosas de segurança jurídica, conceder uma suspensão provisória do efeito de exclusão exercido por uma norma de direito da União relativamente ao direito nacional a ela contrário» (62).

119. O próprio Tribunal de Justiça reserva para si, em exclusivo, esta prerrogativa ao afirmar que, se os órgãos jurisdicionais nacionais fossem competentes para conferir primado às disposições nacionais contrárias ao direito da União, ainda que a título provisório, a aplicação uniforme deste ordenamento seria posta em causa.

120. O Tribunal de Justiça aceita, portanto, que, se o direito interno o autorizar, um órgão jurisdicional nacional possa limitar, excecionalmente e após um exame caso‑a‑caso, os efeitos no tempo de uma declaração de ilegalidade de uma disposição de direito nacional adotada em violação das obrigações da Diretiva AAE.

121. Para fazer uso desta possibilidade, em casos como este, a limitação deve ser justificada por uma consideração imperiosa relacionada com a proteção do ambiente e devem ser tidas em conta as circunstâncias específicas do processo que o órgão jurisdicional nacional é chamado a decidir. Esta faculdade excecional só pode ser exercida se estiverem preenchidos todos os requisitos previstos no Acórdão Inter‑Environnement Wallonie (63), aos quais me referirei posteriormente (64).

122. No que diz respeito à Diretiva AIA, o Tribunal de Justiça declarou também (65) que, em caso de omissão de uma avaliação dos efeitos de um projeto no ambiente exigida pela diretiva, embora incumba aos Estados‑Membros eliminar as suas consequências ilícitas, o direito da União não se opõe a que tal avaliação seja efetuada a título de regularização, durante a realização do projeto ou mesmo após a sua conclusão, desde que estejam preenchidos determinados pressupostos (66).

123. Resulta desta jurisprudência que o Tribunal de Justiça admite a título excecional que os órgãos jurisdicionais nacionais suspendam temporariamente, e sob condições estritas, «o efeito de exclusão» do primado da Diretiva AAE, para proteger uma exigência imperativa de interesse geral, como o ambiente ou a garantia de abastecimento de eletricidade de um país.

124. Até agora, esta possibilidade foi reconhecida em casos de recursos de anulação em órgãos jurisdicionais nacionais contra planos e programas abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva AAE, cuja aprovação não tenha sido sujeita à AAE (67). O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se essa possibilidade pode ser alargada aos recursos das decisões individuais de licença de instalação de turbinas eólicas que aplicam os referidos planos e programas (68).

125. As partes que apresentaram observações assumem posições discordantes sobre esta questão:

—      A Comissão entende que a possibilidade de manter excecionalmente os efeitos dos planos e programas contrários à Diretiva AAE só é admissível no âmbito de um recurso de anulação direto contra os referidos planos e programas. Não vê razões para a alargar às decisões relativas a licenças individuais.

—      O Governo belga defende a tese contrária. Em seu entender, a configuração processual de uma exceção de ilegalidade (com a qual se contesta indiretamente o próprio plano ou programa, por violação da Diretiva AAE, como meio para pôr em causa a validade da licença de um projeto individual) aconselha a aplicação desta jurisprudência do Tribunal de Justiça (69).

126. A argumentação do Governo belga parece‑me, em abstrato, mais convincente. Em última análise, as duas modalidades de contestação (recursos diretos ou indiretos) prosseguem o mesmo objetivo, isto é, depurar o ordenamento jurídico de decisões e de normas contrárias, no que aqui importa, ao direito da União.

127. Uma das considerações que levaram o Tribunal de Justiça a desenvolver a sua jurisprudência relativa à manutenção temporária dos efeitos de um ato nacional incompatível com o direito da União é a preocupação com a segurança jurídica. A situação de insegurança (ou vazio normativo) provocada pela declaração de invalidade desse ato é reforçada quando são procedentes erga omnes os recursos (diretos) de anulação, mas também se verifica nos recursos indiretos, quando são procedentes as exceções de ilegalidade (70). A multiplicação destes últimos pode ter, de facto, as mesmas consequências que a anulação direta da disposição correspondente (71).

128. A aplicação do paralelismo tomado em consideração pelo Tribunal de Justiça no processo Winner Wetten justifica, portanto, que a suspensão temporária do «efeito de exclusão» do primado pelo juiz nacional possa igualmente ocorrer no âmbito de exceções de ilegalidade, perante decisões individuais de aplicação de planos ou programas aprovados em violação da Diretiva AAE(72).

129. Além disso, não se pode ignorar que a obrigação de efetuar uma AAE constitui um requisito processual que deve estar preenchido no momento da aprovação de determinados planos e programas. É possível que estes últimos, embora não sujeitos a esse requisito, tenham um conteúdo material que reflita um elevado nível de proteção do ambiente.

130. Esta circunstância (que explica, em parte, a jurisprudência «permissiva» do Tribunal de Justiça já exposta) diz respeito tanto aos recursos de anulação diretos do plano ou programa aprovado sem a necessária AAE, como aos recursos indiretos, em que a violação do direito da União é suscitada por via de exceção de ilegalidade contra as decisões individuais de aplicação do plano ou programa.

131. Por último, a proteção do ambiente e a garantia do fornecimento de eletricidade num Estado‑Membro constituem razões imperiosas de interesse geral aceites pelo Tribunal de Justiça como justificação para suspender o «efeito de exclusão» do primado sobre o direito nacional aprovado em violação da Diretiva AAE.

132. Neste processo, pelo menos uma dessas razões imperiosas (a proteção do ambiente) (73) poderia justificar a manutenção temporária dos efeitos das licenças de construção das cinco turbinas eólicas nos municípios de Aalter e Nevele e, indiretamente, das disposições que as regularam.

133. Este poder excecional que o Tribunal de Justiça pode reconhecer ao juiz nacional só pode ser exercido quando estão preenchidos todos os requisitos previstos no Acórdão Inter‑Environnement Wallonie (74), designadamente:

—      A disposição de direito nacional recorrida deve constituir una medida de transposição correta do direito da União em matéria de proteção do ambiente.

—      A adoção e a entrada em vigor de uma nova disposição de direito nacional não pode evitar os efeitos prejudiciais no ambiente decorrentes da anulação da disposição de direito nacional recorrida.

—      A anulação da disposição nacional em causa deve ter como consequência criar um vazio legal no que respeita à transposição do direito da União em matéria de proteção do ambiente que seja mais prejudicial para o mesmo, no sentido de que a referida anulação se traduz numa menor proteção e iria contra o próprio objetivo essencial do direito da União.

—      A manutenção excecional dos efeitos da disposição de direito nacional recorrida só se pode justificar durante o tempo estritamente necessário à adoção das medidas que permitam corrigir a irregularidade verificada.

134. Segundo as indicações do despacho de reenvio e as observações apresentadas, esses requisitos encontram‑se preenchidos neste litígio:

—      A secção 5.20.6 da VLAREM II e a Circular constituem uma medida de transposição adequada de uma norma do direito da União em matéria de proteção do ambiente, que é a Diretiva 2009/28. O desenvolvimento da produção de energia elétrica através dos parques eólicos constitui um elemento indispensável da estratégia do Estado belga para conseguir o aumento da produção elétrica a partir de fontes renováveis para 2020.

—      A secção 5.20.6 da VLAREM II e a Circular constituíram um elemento relevante da regulamentação belga relativa à instalação de parques eólicos e, desde 31 de março de 2012, como informa o juiz de reenvio, serviram de base, em larga medida, para a concessão das licenças individuais de instalação de turbinas eólicas.

—      A adoção e a entrada em vigor de uma nova disposição de direito nacional não poderiam evitar os efeitos prejudiciais no ambiente resultantes da anulação da secção 5.20.6 da VLAREM II e da Circular. A referida anulação abriria a possibilidade de pôr em causa, em cascata, a legalidade das licenças de instalação de geradores eólicos na Região da Flandres desde 31 de março de 2012, com a consequência de que poderia mesmo determinar‑se a sua paralização.

—      A anulação da secção 5.20.6 da VLAREM II e da Circular resultaria na criação de um vazio legal quanto à transposição do direito da União em matéria de proteção do ambiente que seria mais prejudicial para este. Concretamente, desapareceriam, na Região da Flandres, as normas de referência relativas ao ruído, à sombra estroboscópica e à segurança dos geradores eólicos, com o risco de estes poderem ser instalados com padrões de proteção ambiental menos exigentes.

135. Em síntese, parece mais lógico que o Tribunal de Justiça admita que o juiz nacional, se o seu direito interno o previr (75), possa manter de modo excecional, os efeitos da secção 5.20.6 da VLAREM II e da Circular, bem como das licenças concedidas para a instalação de turbinas eólicas com base nessas normas, durante o tempo estritamente necessário para que se adotem medidas destinadas a corrigir a irregularidade verificada, isto é, o tempo indispensável para que as autoridades regionais competentes procedam à AAE deste corpus regulamentar.

136. Além disso, se esta avaliação fosse favorável, a regulamentação flamenga continuaria a ser aplicável como um plano ou programa adaptado à Diretiva AAE, uma vez regularizada a ausência da AAE.

IV.    Conclusão

137. Atendendo ao exposto, sugiro que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais do Raad voor Vergunningsbetwistingen (Conselho do Contencioso de Licenças, Bélgica) nos seguintes termos:

«1)      Uma regulamentação nacional que contém normas precisas relativas à sombra estroboscópica, à segurança e ao ruído dos parques eólicos, como enquadramento de referência para a aprovação da localização e das características de futuros projetos de instalação de geradores eólicos de energia elétrica, é abrangida pelo conceito de “planos e programas” do artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 2001/42/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de junho de 2001, relativa à avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente, e tem um impacto significativo sobre o mesmo, pelo que exige a realização prévia de uma avaliação ambiental estratégica, nos termos do artigo 3.o, n.o 2, alínea a), da referida diretiva.

2)      O órgão jurisdicional nacional pode, caso seja julgada procedente a exceção de ilegalidade da regulamentação interna em causa, limitar no tempo os efeitos da sua decisão no processo principal, a fim de manter temporariamente os efeitos das licenças de instalação de turbinas eólicas para proteger o ambiente e, sendo o caso, assegurar o fornecimento de energia elétrica. Esta possibilidade está subordinada ao cumprimento dos requisitos previstos no Acórdão de 28 de fevereiro de 2012, Inter‑Environnement Wallonie e Terre wallonne (C‑41/11, EU:C:2012:103), referentes, no caso em apreço, à Diretiva 2009/28/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, relativa à promoção da utilização de energia proveniente de fontes renováveis que altera e subsequentemente revoga as Diretivas 2001/77/CE e 2003/30/CE.»


1      Língua original: espanhol.


2      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente (JO 2012, L 26, p. 1; a seguir «Diretiva AIA»).


3      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de junho de 2001, relativa à avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente (JO 2011, L 197, p. 30). Também conhecida como Diretiva sobre «avaliação ambiental estratégica» (a seguir «Diretiva AAE»)


4      Processo C‑567/10 (a seguir «Acórdão Inter‑Environnement Bruxelles e o.», EU:C:2012:159). Segundo esse acórdão, em suma, a Diretiva AAE abrange não apenas os planos e programas impostos por uma regulamentação nacional, mas também aqueles cuja aprovação se encontra prevista, mas não é obrigatória.


5      Processo C‑41/11 (a seguir «Acórdão Inter‑Environnement Wallonie», EU:C:2012:103).


6      Besluit van de Vlaamse regering van 1 juni 1995 houdende algemene en sectorale bepalingen inzake milieuhygiëne


7      Vlaams decreet van 5 april 1995 houdende algemene bepalingen inzake milieubeleid (Decreto da Região da Flandres, de 5 de abril de 1995, que aprova disposições gerais relativas à política ambiental; a seguir «DABM de 1995»), que alterou o Vlaams decreet betreffende de milieuvergunning van 28 juni 1985 (Decreto da Região da Flandres, de 28 de junho de 1985, relativo à autorização ambiental; a seguir «Decreto relativo à autorização ambiental»).


8      Artigo 99.o do besluit van 23 december 2011 tot wijziging van het besluit van de Vlaamse Regering van 6 februari 1991 houdende de vaststelling van het Vlaams reglement betreffende de milieuvergunning en van het besluit van de Vlaamse regering van 1 juni 1995 houdende algemene en sectorale bepalingen (Decreto de 23 de dezembro de 2011, que altera o Decreto do Governo da Flandres, de 6 de fevereiro de 1991, que aprova o Regulamento da Região da Flandres relativo à autorização ambiental e o Decreto do Governo da Flandres, de 1 de junho de 1995, que aprova disposições gerais e setoriais).


9      Omzendbrief van 12 mei 2006 EME/2006/01 — RO/2006/02 “afweginskader en randvoorwaarden voor de inplanting van windturbines” (Circular de 12 de maio de 2006 EME/2006/01 — RO/2006/02, relativa ao quadro de avaliação e condições para a instalação de turbinas eólicas, a seguir «Circular»). Foi substituída pela Omzendbrief R0/2014/02 van 25 april 2014 betreffende het afwegingskader en randvoorwaarden voor de oprichting van windturbines (Circular R0/2014/02, de 25 de abril de 2014, relativa ao quadro de avaliação e condições para a construção de turbinas eólicas).


10      Em particular, o gewestelijke stedenbouwkundige ambtenaar van het departement Ruimte Vlaanderen (afdeling Oost‑Vlaanderen) (funcionário do urbanismo regional do Departamento do Território da Flandres — secção da Flandres Oriental; a seguir «Administração flamenga»),


11      As parcelas nas quais os geradores eólicos seriam instalados situam‑se, com base nos Planos Diretores Regionais vigentes, parcialmente em zona agrícola e parcialmente em zona agrícola com valor paisagístico.


12      Foram analisados exaustivamente o teste da água, o relatório de avaliação do impacto ambiental, a avaliação do ordenamento do território e a tramitação dos pareceres.


13      Acórdão de 27 de outubro de 2016 (C‑290/15, a seguir «Acórdão D’Oultremont», EU:C:2016:816).


14      Acórdão Inter‑Environnement Bruxelles e o., n.o 31.


15      Conclusões de 17 de novembro de 2011, Inter‑Environnement Bruxelles e o. (C‑567/10, EU:C:2011:755, n.os 14 a 20).


16      Para apreciar se o organismo de reenvio tem a natureza de «órgão jurisdicional» na aceção do artigo 267.o TFUE, o Tribunal de Justiça tem em conta um conjunto de elementos, como a sua origem legal, a sua permanência, o caráter vinculativo da sua jurisdição, a natureza contraditória do processo, a aplicação, pelo órgão, das regras de direito, bem como a sua independência (v., em especial, os Acórdãos de 17 de julho de 2014, Torresi (C‑58/13 e C‑59/13, EU:C:2014:2088, n.o 17); de 6 de outubro de 2015, Consorci Sanitari del Maresme (C‑203/14, EU:C:2015:664, n.o 17); e de 16 de fevereiro de 2017, Margarit Panicello (C‑503/15, EU:C:2017:126, n.o 27).


17      Entendida a expressão no seu sentido mais lato (que abrangeria tanto a relativa aos planos e programas como a relativa aos projetos), a avaliação ambiental justifica‑se pela necessidade de que, antes da sua decisão, a autoridade competente tenha em conta o impacto de todos os processos técnicos de planificação e de decisão no ambiente. O seu objetivo consiste em evitar, desde o início, eventuais poluições ou perturbações em lugar de combater posteriormente os seus efeitos. V. os Acórdãos de 3 de julho de 2008, Comissão/Irlanda (C‑215/06, EU:C:2008:380, n.o 58); de 26 de julho de 2017, Comune di Corridonia e o. (C‑196/16 e C‑197/16, EU:C:2017:589, n.o 33; a seguir «Comune di Corridonia e o.»); de 31 de maio de 2018, Comissão/Polónia (C‑526/16, não publicado, EU:C:2018:356, n.o 75); e 12 de novembro de 2019, Comissão/Irlanda (Parque eólico de Derrybrien) (C‑261/18, EU:C:2019:955, n.o 73).


18      Comissão Europeia, Guia para a aplicação da Diretiva 2001/42 relativa à avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente, 2006, https://ec.europa.eu/environment/archives/eia/pdf/030923_sea_guidance_pt.pdf. V. também o Documento COM(2017) 234 final, de 15 de maio de 2017, Relatório da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu nos termos do artigo 12.o, n.o 3, da Diretiva 2001/42/CE, relativa à avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente. Na doutrina, McGuinn, J., Oulès, L., Banfi, P., McNeill, A., O’Brien, S., Lukakova, Z.,Sheate, W., Kolaric, S. e Sadauskis R. Study to support the REFIT evaluation of Directive 2001/42/EC on the assessment of the effects of certain plans and programmes on the environment (SEA Directive), 2019, https://ec.europa.eu/environment/eia/pdf/REFIT%20Study.pdf.


19      N.o 10.2 do despacho de reenvio prejudicial.


20      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, relativa à promoção da utilização de energia proveniente de fontes renováveis que altera e subsequentemente revoga as Diretivas 2001/77/CE e 2003/30/CE (JO 2009, L 140, p. 16).


21      V., por analogia, o Acórdão de 8 de março de 2016, Grécia/Comissão (C‑431/14 P, EU:C:2016:145, n.o 69) e jurisprudência aí referida, no qual se afirma: «ao adotar regras de conduta e ao anunciar, através da sua publicação, que as aplicará no futuro aos casos a que essas regras dizem respeito, a Comissão autolimita‑se no exercício do seu poder de apreciação e não pode, em princípio, desrespeitar essas regras sob pena de poder ser sancionada, eventualmente, por violação de princípios gerais do direito, como a igualdade de tratamento ou a proteção da confiança legítima».


22      Acórdãos Inter‑Environnement Bruxelles e o., n.o 31; de 7 de junho de 2018, Thybaut e o. (C‑160/17, a seguir «Acórdão Thybaut e o.», EU:C:2018:401, n.o 43); e de 12 de junho de 2019, CFE (C‑43/18, a seguir «Acórdão CFE», EU:C:2019:483, n.o 54).


23      Conclusões da advogada‑geral J. Kokott, de 17 de novembro de 2011, Inter‑Environnement Bruxelles e o. (C‑567/10, EU:C:2011:755, n.os 18 e 19). Nas suas Conclusões de 25 de janeiro de 2018, Inter‑Environnement Bruxelles ASBL e o. (C‑671/16, EU:C:2018:39, n.os 41 e 42), a advogada‑geral J. Kokott reiterou a sua tese, afirmando que o Tribunal de Justiça alargou o âmbito de aplicação da Diretiva AAE mais do que pretendido pelo legislador e do que os Estados‑Membros podiam prever.


24      HS2 Action Alliance Ltd, R (on the application of) v The Secretary of State for Transport & Anor [2014] UKSC 3, n.os 175 a 189.


25      V. a análise doutrinal de Ricketts, S. e Munn, J., «The Meaning of “Required by Legislative, Regulatory or Administrative Provisions”», em Jones, G., Scotford, E. (eds.), The Strategic Environmental Assessment Directive. A plan for success? Hart Publishing, Oxford, 2017, pp. 63 a 79.


26      No que respeita às abordagens encontradas no processo Inter‑Environnement Bruxelles e o., a doutrina considerou que «for AG Kokott, the focus was upon the Directive as a legal instrument negotiated by the Member States. By contrast, the Court focused on the Directive as an effective legal device that operates according its own legal integrity» (Fisher, E., «Blazing Upstream? Strategic Environmental Assessment as “Hot” Law», Jones, G. e Scotford, E. (eds.), The Strategic Environmental Assessment Directive. A plan for success?, Hart Publishing, Oxford, 2017, p. 174.


27      Recentemente, nas Conclusões dos processos La Quadrature du net e o. (C‑511/18 e C‑512/18, EU:C:2020:6, n.o 123).


28      Os termos «exigé» em francês e «exigido» em português apresentam a mesma ambiguidade que o espanhol. Os das versões em língua inglesa («required»), romena («impuse»), ou alemã («erstellt werden müssen») parecem referir‑se a planos e programas de adoção obrigatória. Pelo contrário, o adjetivo italiano «previsti» aponta no sentido da inclusão também dos planos e programas de adoção não obrigatória.


29      V., neste sentido, os Acórdãos de 2 de abril de 1998, EMU Tabac e o. (C‑296/95, EU:C:1998:152, n.o 36); de 20 de novembro de 2003, Kyocera (C‑152/01, EU:C:2003:623, n.os 32 e 33); e de 20 de fevereiro de 2018, Bélgica/Comissão (C‑16/16 P, EU:C:2018:79, n.os 48 e 49).


30      Proposta de Diretiva do Conselho relativa à avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente/* COM/96/0511 final — SYN 96/0304*/(JO 1997, C 129, p. 14).


31      COM (1999) 73 final, de 22 de fevereiro de 1999 (JO 1989, C 83, p. 13).


32      Posição Comum (CE) n.o 25/2000, de 30 de março de 2000, adotada pelo Conselho deliberando nos termos do procedimento previsto no artigo 251.o do Tratado, tendo em vista a adoção de uma diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente (JO 2000, C 137, p. 11). Nela afirma‑se que «[a] definição de “planos e programas” foi alterada, precisando‑se que apenas são abrangidos planos e programas exigidos por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas, e preparados e/ou aprovados por uma autoridade, ou preparados por uma autoridade para um procedimento legislativo, relativos aos diferentes procedimentos e regulamentações dos Estados‑Membros».


33      A tese contrária foi defendida pela advogada‑geral J. Kokott nas suas Conclusões de 17 de novembro de 2011, Inter‑Environnement Bruxelles e o. (C‑567/10, EU:C:2011:755, n.os 15 a 21).


34      A Diretiva AAE não define os termos «planos» e «programas», cujo tratamento é idêntico. Para uma caracterização de ambos, ainda que pouco precisa dadas as diferenças entre os Estados‑Membros, pode ser útil o Guia [da Comissão Europeia] para a aplicação da Diretiva 2001/42 relativa à avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente, 2006, https://ec.europa.eu/environment/archives/eia/pdf/030923_sea_guidance_pt.pdf., nos termos do qual «[o] tipo de documento que, em alguns Estados‑Membros, se entende por plano é um documento que expõe a forma como se propõe realizar ou aplicar um regime ou uma política. Poderão ser disso exemplo os planos de ordenamento que determinem como as terras deverão ser desenvolvidas, que estabelecem regras ou orientações quanto ao tipo de desenvolvimento que poderá ser adequado ou admissível em certas zonas, ou apresentem critérios que devem ser tomados em consideração ao conceber‑se um novo desenvolvimento. Os planos de gestão dos resíduos, os planos de recursos hídricos, etc. […]. Em alguns Estados‑Membros, entende‑se normalmente por programa um plano que abranja um conjunto de projetos numa dada área. Por exemplo, um plano de regeneração de uma zona urbana, compreendendo vários projetos de construção distintos, poderá ser classificado como um programa».


35      O Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que o conceito de «planos e programas» inclui não só a respetiva elaboração, mas também a respetiva alteração, e destina‑se a assegurar que prescrições suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente sejam objeto de uma avaliação ambiental (Acórdãos de 8 de maio de 2019, «Verdi Ambiente e Società (VAS) — Aps Onlus» e o., C‑305/18, EU:C:2019:384, n.o 52; e CFE, n.o 71).


36      Acórdãos Inter‑Environnement Bruxelles e o., n.o 37; Thybaut e o., n.os 38 a 40; CFE, n.os 36 e 37; e de 12 de junho de 2019, Terre wallonne (C‑321/18, EU:C:2019:484, n.os 23 e 24).


37      Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Associazione Italia Nostra Onlus (C‑444/15, EU:C:2016:978, n.os 41 e 42).


38      Acórdão de 22 de setembro de 2011, Valčiukienė e o. (C‑295/10, EU:C:2011:608, n.o 42).


39      Logicamente, a possibilidade de adotar circulares administrativas é reconhecida pelo direito administrativo belga de forma genérica. V., infra, nota 56.


40      O órgão jurisdicional de reenvio chega a qualificá‑la de «pseudoregulamentação».


41      A importância deste requisito é também sublinhada pelo facto de o artigo 3.o, n.o 4, da Diretiva AAE dispor que «[o]s Estados‑Membros devem determinar se os planos e programas que não os referidos no n.o 2 que constituam enquadramento para a futura aprovação de projetos, são suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente».


      Para ser exaustivo, importa acrescentar que existe, pelo menos, mais uma obrigação de efetuar uma avaliação ambiental estratégica de planos e programas, que não depende de um enquadramento para a aprovação de projetos. É a do artigo 3.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva AAE, nos termos do qual devem ser objeto de análise os planos e programas sujeitos à avaliação específica de efeitos do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO 1992, L 206, p. 7), que abrange apenas uma parte dos efeitos no ambiente.


42      O Tribunal de Justiça pronunciou‑se neste sentido no Acórdão D’Oultremont, n.os 42 a 44.


43      Acórdãos de 11 de setembro de 2012, Nomarchiaki Aftodioikisi Aitoloakarnanias e o. (C‑43/10, EU:C:2012:560, n.o 95); D’Oultremont, n.o 49; de 8 de maio de 2019, «Verdi Ambiente e Società (VAS) — Aps Onlus» e o. (C‑305/18, EU:C:2019:384, n.o 50); e CFE, n.o 61.


44      O caráter extensivo desta interpretação é destacado por Gonthier, E., «La Cour de justice de l’Union europénne définit la notion de “plan et programme”», AménagementEnvironnement, 2017, n.o 3, pp. 184 e 185.


45      Acórdão de 7 de junho de 2018, Inter‑Environnement Bruxelles e o. (C‑671/16, EU:C:2018:403, n.o 54).


46      Acórdão D’Oultremont, n.o 48; Thybaut e o., n.o 55; Inter‑Environnement Bruxelles e o., n.o 55; bem como Conclusões da advogada‑geral J. Kokott neste último processo, de 17 de novembro de 2011 (EU:C:2011:755, n.os 25 e 26).


47      Acórdão D’Oultremont, n.o 50: «[…] a Portaria de 13 de fevereiro de 2014 tem especialmente por objeto as regras técnicas, as modalidades de exploração (designadamente as sombras estroboscópicas), a prevenção dos acidentes e dos incêndios (designadamente, a paragem da turbina eólica), as normas relativas ao ruído, a recuperação e a constituição de uma garantia para as turbinas eólicas. Tais normas assumem uma importância e um alcance suficientemente significativos para a determinação das condições aplicáveis ao setor em causa, e as opções, designadamente de ordem ambiental, apresentadas através das referidas normas determinam as condições em que os projetos concretos de implantação e exploração de sítios eólicos poderão futuramente ser autorizados».


48      Observações escritas, n.o 97.


49      Acórdãos de 17 de junho de 2010, Terre wallonne e Inter‑Environnement Wallonie (C‑105/09 e C‑110/09, EU:C:2010:355, n.o 41); e D’Oultremont, n.o 52.


50      Convenção de 1998 sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente (JO 2005, L 124, p. 4), adotada pela Decisão 2005/370/CE do Conselho, de 17 de fevereiro de 2005 (JO 2005, L 124, p. 1).


51      Protocolo de 2003 relativo à avaliação ambiental estratégica à Convenção de Espoo de 1991 da CEPE/ONU relativa à avaliação dos impactes ambientais num contexto transfronteiras (JO 2008, L 308, p. 35), adotado pela Decisão 2008/871/CE do Conselho, de 20 de outubro de 2008 (JO 2008, L 308, p. 33).


52      Acórdão D’Oultremont, n.o 53. V. também as Conclusões da advogada‑geral J. Kokott de 25 de janeiro de 2018, Inter‑Environnement Bruxelles e o. (C‑671/16, EU:C:2018:39, n.os 32 a 37).


53      O Governo belga refere, em apoio da sua tese, um acórdão do Tribunal Constitucional belga (Acórdão n.o 33/2019, de 28 fevereiro de 2019, rôle 6662, pp. 43 e segs., disponível em https://www.const‑court.be/public/f/2019/2019‑033f.pdf); e dois Acórdãos do Raad van State [Conselho de Estado (Secção do Contencioso Administrativo), Países Baixos] (n.os201709167/1/R3 e 201807375/1/R3), de 3 de abril de 2019 (ECLI:NL:RVS:2019:1064).


54      Acórdão D’Oultremont, n.os 45 e 46.


55      Acórdãos de 10 de setembro de 2015, Dimos Kropias Attikis (C‑473/14, EU:C:2015:582, n.o 55); Inter‑Environnement Bruxelles e o., n.o 42; e CFE, n.o 73.


56      Não estou em condições de me pronunciar sobre a natureza e os efeitos jurídicos das circulares no direito belga, questão sobre a qual terá que se atender ao que o Conseil d’État (Conselho de Estado) tenha decidido.


57      Relativamente a um perímetro de loteamento urbano relativo ao centro de Orp‑le‑Petit, localidade pertencente ao município de Orp‑Jauche (Bélgica), que alterava o plano de setor, o plano de ordenamento municipal e o regulamento municipal de urbanismo (eles próprios, planos e programas na aceção da Diretiva AAE), o Tribunal de Justiça entendeu que devia receber a mesma qualificação e ser sujeito ao mesmo regime jurídico, afirmando que «ainda que tal ato não contenha nem possa conter normas positivas, a faculdade que o mesmo institui de permitir obter mais facilmente derrogações às normas urbanísticas em vigor modifica o ordenamento jurídico e tem por efeito que o PEU em causa no processo principal seja abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 2.o, alínea a), e do artigo 3.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva AAE» (Acórdão Thybaut e o., n.os 57 e 58).


58      V., infra, nota 68.


59      O concedido à Electrabel para a instalação de cinco geradores eólicos nos municípios de Aalter e de Nevele.


60      Acórdãos Inter‑Environnement Wallonie, n.o 42; de 28 de julho de 2012, Association France Nature Environnement n.º 29, a seguir «Association France Nature Environnement», EU:C:2016:603, n.os 30 a 32); Comune di Corridonia e o., n.o 34; e 12 de novembro de 2019, Comissão/Irlanda (Parque eólico de Derrybrien) (C‑261/18, EU:C:2019:955, n.o 75).


61      Acórdãos Inter‑Environnement Wallonie, n.os 43 a 46; Association France Nature Environnement, n.os 30‑32; de 26 de julho de 2019, Comune di Corridonia e o., n.o 35; e de 29 de julho de 2019, Inter‑Environnement Wallonie e Bond Beter Leefmilieu Vlaanderen (C‑411/17, EU:C:2019:622, n.os 171 e 172).


62      Acórdãos de 8 de setembro de 2010, Winner Wetten (C‑409/06, a seguir «Acórdão Winner Wetten», EU:C:2010:503, n.os 66 e 67); e Association France Nature Environnement, n.o 33.


63      N.os 59 a 63. No mesmo sentido, o Acórdão Association France Nature Environnement, n.o 43.


64      Num estudo recente, analisam‑se as semelhanças e as diferenças entre a jurisprudência Winner Wetten, que estabelece um processo centralizado, sob a fiscalização do Tribunal de Justiça, para suspender a aplicação do efeito de exclusão do princípio do primado sobre as normas nacionais contrárias, e a jurisprudência Association France Nature Environnement, que institui um processo descentralizado para efeitos da referida suspensão, atribuído aos órgãos jurisdicionais nacionais em condições muito restritas. Esse estudo sublinha a importância desta jurisprudência para impedir os vazios jurídicos que podem resultar da aplicação estrita do efeito de exclusão do princípio do primado (Dougan, M, «Primacy and the remedy of disaplication», Common Market Law Review, 2019, n.o 4, pp. 1490 a 1505).


65      Acórdãos Comune di Corridonia e o., n.o 43, de 28 de fevereiro de 2018, Comune di Castelbellino (C‑117/17, EU:C:2018:129, n.o 30); e de 29 de julho de 2019, Inter‑Environnement Wallonie e Bond Beter Leefmilieu Vlaanderen (C‑411/17, EU:C:2019:622, n.o 175).


66      Por um lado, o de as normas nacionais que permitem essa regularização não proporcionarem aos interessados a oportunidade de contornarem as regras de direito da União ou de não as aplicarem e, por outro, o de a avaliação efetuada a título de regularização não se limitar aos efeitos futuros desse projeto no ambiente, mas tome em conta todos os efeitos ambientais verificados desde a realização do referido projeto.


67      Acórdãos Inter‑Environnement Wallonie; e Association France Nature Environnement.


68      Como foi já referido, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o direito belga no âmbito da exceção de ilegalidade suscitada no litígio que lhe foi submetido só está habilitado a anular as decisões individuais, mas não os planos e os programas.


69      Alega, a este respeito, que os recursos diretos de anulação dos planos e programas devem ser interpostos num curto prazo, ao passo que as exceções de ilegalidade podem ser invocadas sem limitação no tempo. Neste último caso, a segurança jurídica tem um âmbito de ação mais amplo, uma vez que os planos e os programas foram aplicados num maior número de decisões individuais.


70      Em alguns Estados‑Membros, os seus mecanismos processuais permitem alargar os efeitos de uma sentença anulatória, proferida num recurso indireto, a outros casos semelhantes. Se, existir um desses mecanismos no direito belga, poder‑se‑ia «alargar» a nulidade da licença a outras análogas, com base na invalidade da secção 5.20.6 da VLAREM II e da Circular, o que equivaleria a impedir, com efeitos erga omnes, a aplicação destas últimas, após ter reconhecido que não eram conformes com a Diretiva AAE.


71      O Acórdão Winner Wetten, n.o 65, indica: «No exercício dessa competência, o Tribunal de Justiça pode, nomeadamente, ter de deixar em suspenso os efeitos da anulação ou da declaração de invalidade do ato até à adoção de um novo ato que solucione a ilegalidade declarada».


72      Acórdão Winner Wetten, n.os 67 e 68.


73      Embora esta ponderação seja da competência do juiz de reenvio, não parece que a cessação da atividade das cinco turbinas eólicas de Aalter e Nevele venha a ter um impacto significativo no fornecimento de eletricidade na Bélgica, como afirmou a Comissão na audiência. Diferente seria se, dada a multiplicação de recursos contra licenças análogas, a anulação afetasse todas as instalações eólicas da Flandres.


74      N.os 59 a 63. No mesmo sentido, o Acórdão Association France Nature Environnement, n.o 43.


75      Para esse efeito, conta com mecanismos, tanto legislativos como jurisprudenciais, segundo o ponto 10.1 do despacho de reenvio.