Language of document : ECLI:EU:C:2019:1128

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

19 de dezembro de 2019 (*)

«Reenvio prejudicial — Política social — Proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador — Diretiva 2008/94/CE — Artigo 8.o — Regimes complementares de previdência — Proteção dos direitos a prestações de velhice — Nível de proteção mínimo garantido — Obrigação de compensação, pelo antigo empregador, de uma redução da pensão de reforma profissional — Organismo externo de previdência — Efeito direto»

No processo C‑168/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Bundesarbeitsgericht (Tribunal Federal do Trabalho, Alemanha), por Decisão de 20 de fevereiro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 5 de março de 2018, no processo

PensionsSicherungsVerein VVaG

contra

Günther Bauer,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan, presidente de secção, I. Jarukaitis, E. Juhász (relator), M. Ilešič e C. Lycourgos, juízes,

advogado‑geral: G. Hogan,

secretário: D. Dittert, chefe de unidade,

vistos os autos e após a audiência de 14 de fevereiro de 2019,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Pensions‑Sicherungs‑Verein VVaG, por F. Wortmann, Rechtsanwalt,

–        em representação de G. Bauer, por I. Axler, Rechtsanwältin,

–        em representação do Governo alemão, inicialmente por T. Henze e R. Kanitz e, em seguida, por R. Kanitz, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo luxemburguês, por D. Holderer e T. Uri, na qualidade de agentes, assistidos por P. Kinsch, avocat,

–        em representação do Governo do Reino Unido, por Z. Lavery, na qualidade de agente, assistida por J. Coppel, QC,

–        em representação da Comissão Europeia, por M. Kellerbauer e B.‑R. Killmann, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 8 de maio de 2019,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 8.o da Diretiva 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador (JO 2008, L 283, p. 36).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Pensions‑Sicherungs‑Verein VVaG (Organismo de garantia das pensões empresariais, a seguir «PSV») a Günther Bauer, a propósito da compensação das reduções do montante das prestações pagas por uma caixa de pensões de reforma.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O considerando 3 da Diretiva 2008/94 enuncia:

«São necessárias disposições para proteger os trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador e para lhes assegurar um mínimo de proteção, em particular para garantir o pagamento dos seus créditos em dívida, tendo em conta a necessidade e um desenvolvimento económico e social equilibrado na [União]. Para esse efeito, os Estados‑Membros deverão criar uma instituição que garanta aos trabalhadores assalariados em causa o pagamento dos seus créditos em dívida.»

4        Por força do artigo 1.o, n.o 1, desta diretiva, esta aplica‑se aos créditos dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho existentes em relação a empregadores que se encontrem em estado de insolvência, na aceção do n.o 1 do artigo 2.o da referida diretiva.

5        Nos termos do artigo 8.o da referida diretiva:

«Os Estados‑Membros certificar‑se‑ão de que serão tomadas as medidas necessárias para proteger os interesses dos trabalhadores assalariados e das pessoas que tenham deixado a empresa ou o estabelecimento da entidade patronal na data da superveniência da insolvência desta, no que respeita aos seus direitos adquiridos ou em vias de aquisição, a prestações de velhice, incluindo as prestações de sobrevivência, a título de regimes complementares de previdência, profissionais ou interprofissionais existentes para além dos regimes legais nacionais de segurança social.»

6        Nos termos do seu artigo 11.o, primeiro parágrafo, a Diretiva 2008/94 não prejudica a faculdade de os Estados‑Membros aplicarem ou introduzirem disposições legislativas, regulamentares ou administrativas mais favoráveis aos trabalhadores assalariados.

 Direito alemão

7        A Gesetz zur Verbesserung der betrieblichen Altersversorgung (Betriebsrentengesetz) (Lei sobre a Melhoria das Pensões de Reforma Empresariais), de 19 de dezembro de 1974 (BGBl. 1974 I, p. 3610), conforme alterada pela Lei de 17 de agosto de 2017 (BGB1. 2017 I, p. 3214) (a seguir «Lei das Pensões Empresariais»), dispõe, no seu § 1, sob a epígrafe «Constituição pelo empregador de um plano empresarial de pensões»:

«(1)      Se um empregador atribuir a um trabalhador uma pensão de velhice, de invalidez ou de sobrevivência, com base na relação laboral (plano empresarial de pensões), aplicam‑se as disposições da presente lei. O plano empresarial de pensões pode ser gerido diretamente pelo empregador ou através de um dos gestores de fundos de pensões referidos no § 1b, n.os 2 a 4. O empregador também responde pelo cumprimento das prestações por ele prometidas quando não as gere diretamente.

[…]»

8        O § 1b dessa lei, sob a epígrafe «Imprescritibilidade e execução do plano empresarial de pensões», que enumera, nos n.os 2 a 4, as possibilidades oferecidas a um empregador em matéria de pensões de reforma empresariais, prevê, em substância, que um empregador pode fazer um seguro de vida a favor do trabalhador (n.o 2) ou fazer um plano empresarial de pensões gerido por uma caixa de pensões ou por um fundo de pensões (n.o 3) ou ainda por uma caixa dita de apoio (n.o 4).

9        O § 7 da referida lei, sob a epígrafe «Âmbito da proteção do seguro», dispõe:

«(1)      Se os direitos de pensão garantidos diretamente pelo empregador não forem satisfeitos, devido à abertura de um processo de insolvência do empregador ou de quem lhe tenha sucedido, o beneficiário ou os seus herdeiros têm o direito de reclamar ao prestador da garantia contra a insolvência o montante da prestação que o empregador deveria pagar com base no plano de pensões, caso o processo de insolvência não tivesse sido aberto. […]

[…]»

10      O § 10 da mesma lei, sob a epígrafe «Obrigação de contribuição e fixação das contribuições», dispõe:

«(1)      O financiamento da garantia contra a insolvência é feito através de contribuições de direito público a cargo de todos os empregadores que tenham constituído planos empresariais de pensões, diretamente ou através de uma caixa de apoio, de um seguro direto […] ou de um fundo de pensões.

[…]

(4)      Os avisos de cobrança da contribuição emitidos pelo prestador da garantia contra a insolvência são exequíveis nos termos previstos na Zivilprozessordnung [Código de Processo Civil], com as necessárias adaptações. O prestador da garantia contra o risco de insolvência apõe nelas o exequatur.

[…]»

11      O § 14 da Lei das Pensões Empresariais, sob a epígrafe «Prestador da garantia contra a insolvência», prevê:

«1.      O prestador da garantia contra a insolvência é a [PSV], que é igualmente prestadora da garantia contra a insolvência aos planos de pensões de empresas luxemburguesas, nos termos da Convenção de 22 de setembro de 2000 entre a República Federal da Alemanha e o Grão‑Ducado do Luxemburgo sobre a cooperação no domínio da garantia dos planos empresariais de pensões contra a insolvência.

2.      A [PSV] está sujeita à supervisão do Bundesanstalt für Finanzdienstleistungsaufsicht [Serviço Alemão de Supervisão das Prestações Financeiras]. […]»

12      O § 3 da Verwaltungs‑Vollstreckungsgesetz [Lei da Execução dos Atos Administrativos], de 27 de abril de 1953 (BGBl. 1953 I, p. 157), conforme alterada pela Lei de 30 de junho de 2017 (BGBl. 2017 I, p. 2094), dispõe:

«(1)      A execução contra o devedor é iniciada pela decisão de execução; não é necessária a emissão de um título executivo.

(2)      Os requisitos para iniciar a execução são os seguintes:

a)      A decisão de interpelar o devedor para efetuar a prestação;

b)      O vencimento da prestação;

c)      O decurso de um prazo de uma semana após a notificação da decisão de interpelação do devedor ou, se a prestação só se vencer após a interpelação, o decurso do prazo de uma semana a contar do vencimento da prestação.

(3)      Antes da emissão da decisão de execução, o devedor deve ser especificamente intimado para pagar no prazo adicional de uma semana.

(4)      A decisão de execução é emitida pela entidade que tem o direito de exercer o crédito.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

13      Em dezembro de 2000, o antigo empregador de G. Bauer atribuiu‑lhe uma pensão empresarial de velhice, na aceção da Lei das Pensões Empresariais.

14      Esta pensão empresarial compreendia um complemento mensal de pensão e um subsídio de Natal anual, pagos diretamente pelo antigo empregador, assim como uma pensão, atribuída por força do regime das caixas de pensão de reforma, com base nas contribuições desse antigo empregador e paga pela Pensionskasse für die Deutsche Wirtschaft (Caixa de Pensões da Economia Alemã), entidade interempresarial que garante aos trabalhadores o pagamento das prestações a que têm direito.

15      Em 2003, a Pensionskasse enfrentou dificuldades económicas e, com a aprovação do Serviço Federal de Supervisão Financeira, reduziu o montante das prestações pagas. Assim, a Pensionskasse reduziu anualmente, entre 2003 e 2013, a parte da pensão de G. Bauer calculada em função das contribuições do seu antigo empregador, que ascendia 599,49 euros brutos em junho de 2003, tendo as onze reduções efetuadas estado compreendidas entre 1,40 % e 1,25 %.

16      Ao todo, entre 2003 e 2013, o montante da pensão de reforma mensal paga a Bauer pela Pensionskasse foi reduzida em 13,8 %, o que representa a perda, para o interessado, de 82,74 por mês e uma redução de 7,4 % do montante global das prestações de reforma empresarial de que beneficia ao abrigo do regime complementar de previdência empresarial.

17      Em consonância com o dever de garantia resultante da legislação nacional, o antigo empregador de G. Bauer começou por compensar as reduções das prestações pagas pela Pensionskasse, uma vez que essa legislação não previa outro dever de garantia das prestações pagas pelas caixas de pensões de reforma.

18      Em janeiro de 2012, foi aberto um processo de insolvência desse antigo empregador.

19      A PSV, que assegura o pagamento das pensões de reforma empresariais em caso de insolvência de um empregador na Alemanha e no Luxemburgo, informou G. Bauer, por Decisão de 12 de setembo de 2012, de que assumia o pagamento do complemento de reforma de 398,90 euros mensais e do subsídio de Natal de 1 451,05 euros anuais.

20      Porém, a PSV recusou‑se a compensar as reduções à pensão de reforma paga pela caixa de pensões, que continuou a pagar ao autor e ora recorrido a pensão de reforma num montante com redução.

21      Numa ação proposta no tribunal de primeira instância competente, G Bauer sustentou que, devido ao processo de insolvência do seu antigo empregador, a PSV devia garantir as reduções que incidiam sobre as prestações pagas pela Pensionskasse. A PSV alegou que não tinha o dever de garantir o montante das pensões pagas por uma caixa de pensões de reforma, se o empregador não pudesse satisfazer a sua obrigação de garantir o pagamento, em consequência da sua própria insolvência.

22      G. Bauer, que saiu vencido em primeira instância, ganhou a causa, porém, em segunda instância.

23      Em sede de recurso interposto pela PSV, o Bundesarbeitsgericht (Supremo Tribunal Federal do Trabalho, Alemanha) indica que, no processo principal, deve decidir a questão de saber se a PSV é obrigada a garantir o crédito que G. Bauer tem sobre o seu antigo empregador, porquanto este último está insolvente, pelo que não pode cumprir o seu próprio dever de garantir as prestações pagas pela Pensionskasse.

24      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, na Alemanha, as prestações de reforma empresarial podem ser pagas de diversas formas. A entidade patronal pode, por um lado, pagar diretamente as prestações que lhe cabem, por força do regime profissional de pensões da sua empresa. Por outro lado, pode proceder ao pagamento das referidas prestações através de organismos externos. O empregador não paga então nenhuma prestação, mas providencia‑a indiretamente, quer através de um seguro de vida celebrado a favor do trabalhador, quer através de uma caixa de previdência ou de uma caixa de pensões de reforma que encarrega de gerir o regime de pensões profissional da sua empresa.

25      Quando o empregador atribui ao trabalhador prestações de reforma empresarial, pagas por um organismo de previdência externo, e essas prestações não são suficientes para honrar o compromisso que este assumiu em relação ao trabalhador por força do contrato de trabalho, o direito nacional impõe ao empregador um dever de garantia, que deve cumprir com o seu próprio património. Nesta situação, se o empregador se encontrar insolvente, o direito nacional não prevê o dever da PSV de garantir as prestações que o empregador tem de pagar ao trabalhador, devido à redução, por uma caixa de pensões de reforma, do montante das prestações pagas.

26      Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a aplicabilidade do artigo 8.o da Diretiva 2008/94 na situação em que uma caixa de pensões de reforma, que não se encontra ela mesma insolvente, reduz o montante das prestações pagas, mas em que o antigo empregador, apesar do seu dever de garantia previsto pelo direito nacional, não está em condições de compensar as reduções efetuadas, por estar insolvente. Segundo este órgão jurisdicional, nesta situação há um crédito do trabalho por conta de outrem sobre o seu antigo empregador, emergente da relação de trabalho, na aceção do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2008/94, uma vez que esse crédito assenta na atribuição de prestações de reforma por esse empregador.

27      Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio, que esclarece que, no processo principal, as perdas sofridas pelo antigo trabalhador só correspondem a 13,8 % da pensão de reforma mensal e a 7,4 % de todas as prestações de reforma empresarial decorrente dos direitos que aquele adquiriu no regime complementar de reforma empresarial, pretende saber quais são, atendendo ao dever de proteção dos interesses dos trabalhadores por conta de outrem a que se refere o artigo 8.o da Diretiva 2008/94, as circunstâncias em que se pode considerar que as perdas sofridas pelo antigo trabalhador por conta de outrem devido à insolvência do seu antigo empregador são manifestamente desproporcionadas. Entende que são necessários esclarecimentos sobre as circunstâncias a que se refere o n.o 35 do Acórdão de 24 de novembro de 2016, Webb‑Sämann (C‑454/15, EU:C:2016:891), para que possa apreciar se a proteção mínima prevista no artigo 8.o da Diretiva 2008/94 foi conseguida no processo principal.

28      Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, caso o artigo 8.o da Diretiva 2008/94 deva ser interpretado no sentido de que exige ao Estado‑Membro que garanta os direitos invocados por G. Bauer, não pode proceder a uma interpretação das disposições relevantes da Lei das Pensões Empresariais em conformidade com essa diretiva. Por isso, esse órgão jurisdicional interroga‑se quanto ao efeito direto que o artigo 8.o da Diretiva 2008/94 poderá ter, o que permitiria a G. Bauer invocar diretamente essa disposição diante desse órgão jurisdicional.

29      Em quarto lugar, na situação em que o artigo 8.o da Diretiva 2008/94 produz efeitos diretos, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta‑se se essa disposição é oponível a um organismo de garantia de pensões empresariais como a PSV.

30      Foi nestas condições que o Bundesarbeitsgericht (Supremo Tribunal Federal do Trabalho) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 8.o da Diretiva 2008/94 […] é aplicável a prestações de reforma de velhice de um plano profissional de reforma devidas por uma entidade interempresarial de previdência sujeita à supervisão financeira de um organismo estatal, quando essa entidade, por razões financeiras e com o acordo do organismo de supervisão, reduz legitimamente essas prestações e o empregador, que segundo o direito nacional deve responder perante o seu antigo trabalhador pelos montantes que foram reduzidos à sua pensão, não pode cumprir a sua obrigação por se ter tornado insolvente?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão:

Em que circunstâncias podem os prejuízos sofridos pelo antigo trabalhador, no tocante às prestações do plano profissional de reformas, devido à insolvência do empregador, ser considerados manifestamente desproporcionados, obrigando os Estados‑Membros a prestarem uma proteção mínima, embora o antigo trabalhador receba, no mínimo, metade da pensão resultante dos seus direitos a pensão adquiridos?

3)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão:

O artigo 8.o da Diretiva 2008/94 tem efeito direto, conferindo direitos que os particulares, quando um Estado‑Membro não transpuser ou só transpuser incompletamente esta diretiva para o direito nacional, podem invocar nos tribunais nacionais contra esse Estado‑Membro?

4)      Em caso de resposta afirmativa à terceira questão:

Uma entidade de direito privado, designada pelo Estado‑Membro como responsável pelo seguro de insolvência do plano profissional de reforma de velhice, que está sujeita a supervisão financeira, cobra aos empregadores contribuições para o seguro de insolvência nos termos de normas do direito público e pode, como os organismos públicos, cumprir os pressupostos para o início da execução mediante a prática de um ato administrativo, é um organismo público desse Estado‑Membro?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

31      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 8.o da Diretiva 2008/94 deve ser interpretado no sentido de que é aplicável a uma situação em que um empregador, que assegura as prestações de reforma empresarial por intermédio de um organismo interempresarial, não pode garantir, devido à sua insolvência, a compensação das perdas decorrentes da redução das prestações pagas por esse organismo interempresarial, redução essa que tinha sido autorizada pela autoridade pública de supervisão dos serviços financeiros que exerce a supervisão financeira do referido organismo.

32      No tocante ao âmbito de aplicação material da Diretiva 2008/94, o artigo 1.o, n.o 1, desta dispõe que a mesma se aplica aos créditos dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho existentes em relação a empregadores que se encontrem em estado de insolvência, na aceção do n.o 1 do artigo 2.o

33      O artigo 8.o da referida diretiva prevê que os Estados‑Membros certificar‑se‑ão de que serão tomadas as medidas necessárias para proteger os interesses dos trabalhadores assalariados e das pessoas que tenham deixado a empresa ou o estabelecimento da entidade patronal na data da superveniência da insolvência desta, no que respeita aos seus direitos adquiridos ou em vias de aquisição, a prestações de velhice a título de regimes complementares de previdência profissionais ou interprofissionais existentes para além dos regimes legais nacionais de segurança social.

34      É pacífico que G. Bauer é um antigo trabalhador por conta de outrem, que o seu antigo empregador está insolvente e que, à data em que se verificou a insolvência e por causa dela, foram lesados os direitos adquiridos a prestações de velhice, uma vez que esse antigo empregador deixou de estar em condições de compensar as reduções da pensão mensal de reforma empresarial paga por um organismo interempresarial, em consonância com a obrigação de garantir o pagamento das prestações de reforma empresarial que competiam ao empregador por força da lei nacional.

35      Assim, verificam‑se os elementos materiais a que se refere o artigo 8.o da Diretiva 2008/94, o que implica que esse artigo 8.o é aplicável a circunstâncias como as que estão em causa no processo principal (v., nesse sentido, Acórdão de 25 de abril de 2013, Hogan e o., C‑398/11, EU:C:2013:272, n.o 40).

36      Resulta das considerações precedentes que há que responder à primeira questão que o artigo 8.o da Diretiva 2008/94 deve ser interpretado no sentido de que é aplicável a uma situação em que um empregador, que assegura as prestações de reforma empresarial por intermédio de um organismo interempresarial, não pode garantir, devido à sua insolvência, a compensação das perdas decorrentes da redução das prestações pagas por esse organismo interempresarial, redução essa que tinha sido autorizada pela autoridade pública de supervisão dos serviços financeiros que exerce a supervisão financeira do referido organismo.

 Quanto à segunda questão

37      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta quais são as circunstâncias em que se pode considerar, para efeitos da aplicação do artigo 8.o da Diretiva 2008/94, que a redução do montante das prestações de reforma empresarial pagas a um antigo trabalhador por conta de outrem, devido à insolvência do empregador, é manifestamente desproporcionada, implicando a obrigação dos Estados‑Membros de assegurar uma proteção mínima, embora o antigo trabalhador receba, no mínimo, metade das prestações decorrentes dos seus direitos adquiridos a uma pensão de reforma profissional.

38      Importa recordar que, no âmbito da transposição do artigo 8.o dessa diretiva, os Estados‑Membros dispõem de uma ampla margem de discricionariedade para determinar tanto o mecanismo como o nível de proteção dos direitos dos trabalhadores a prestações de velhice ao abrigo dos regimes de previdência complementares. Não se pode, pois, interpretar essa disposição no sentido de que exige uma garantia integral dos direitos em causa (v., nesse sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2018, Hampshire, C‑17/17, EU:C:2018:674, n.o 41).

39      Assim, o artigo 8.o da Diretiva 2008/94 não obsta a que os Estados‑Membros reduzam, prosseguindo objetivos económicos e sociais legítimos, os direitos adquiridos dos trabalhadores por conta de outrem em caso de insolvência do seu empregador, desde que respeitem, nomeadamente, o princípio da proporcionalidade (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2018, Hampshire, C‑17/17, EU:C:2018:674, n.o 42).

40      Daqui se conclui que os Estados‑Membros estão obrigados, em conformidade com o objetivo prosseguido pela Diretiva 2008/94, a garantir aos trabalhadores, se não houver nenhum abuso de direito da sua parte, o mínimo de proteção exigido por essa disposição (v., nesse sentido, Acórdãos de 24 de novembro de 2016, Webb‑Sämann, C‑454/15, EU:C:2016:891, n.o 35, e de 6 de setembro de 2018, Hampshire, C‑17/17, EU:C:2018:674, n.o 47).

41      O Tribunal de Justiça já declarou que a transposição correta do artigo 8.o da referida diretiva requer que um trabalhador receba, em caso de insolvência do seu empregador, pelo menos metade das prestações de velhice resultantes dos direitos a pensão acumulados no quadro de um regime complementar de previdência profissional (v., nesse sentido, Acórdãos de 25 de janeiro de 2007, Robins e o., C‑278/05, EU:C:2007:56, n.o 57; de 25 de abril de 2013, Hogan e o., C‑398/11, EU:C:2013:272, n.o 51; de 24 de novembro de 2016, Webb‑Sämann, C‑454/15, EU:C:2016:891, n.o 35; e de 6 de setembro de 2018, Hampshire, C‑17/17, EU:C:2018:674, n.o 50).

42      Ademais, o Tribunal de Justiça esclareceu que, mesmo que se imponha uma garantia mínima no montante de metade das prestações de velhice, por força do artigo 8.o da Diretiva 2008/94, isso não tem o efeito de excluir que, em determinadas circunstâncias, os prejuízos sofridos por um trabalhador ou antigo trabalhador possam igualmente ser considerados manifestamente desproporcionados à luz da obrigação da proteção dos interesses dos trabalhadores assalariados, consagrada no artigo 8.o da mesma diretiva (v., nesse sentido, Acórdãos de 24 de novembro de 2016, Webb‑Sämann, C‑454/15, EU:C:2016:891, n.o 35, e de 6 de setembro de 2018, Hampshire, C‑17/17, EU:C:2018:674, n.o 50).

43      Resulta da página 2 da exposição de motivos da proposta de diretiva do Conselho, de 11 de abril de 1978, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à proteção dos trabalhadores em caso de insolvência do empregador [COM(78) 141 final], que o objetivo prosseguido por esta diretiva era o de oferecer uma proteção em circunstâncias que ameaçassem privar o trabalhador e a sua família de meios de subsistência. Em especial, como se indica na página 7 dessa exposição de motivos, as disposições atualmente constantes do artigo 8.o da Diretiva 2008/94 justificavam‑se pela vontade do legislador da União de evitar as circunstâncias particularmente difíceis, para o trabalhador, decorrentes da perda dos direitos que adquirira ao benefício de um regime complementar de previdência.

44      Pode‑se deduzir que se deve considerar que uma redução das prestações de velhice de um antigo trabalhador por conta de outrem é manifestamente desproporcionada quando resultar dessa redução, e se for caso disso, da evolução prevista da mesma, que é gravemente afetada a capacidade do interessado de prover as suas necessidades. É o que sucede com a redução de prestações de velhice que sofre um antigo trabalhador por conta de outrem que já vive, ou viverá por causa dessa redução, abaixo do limite do risco de pobreza determinado para o Estado‑Membro em causa pelo Eurostat.

45      O artigo 8.o da Diretiva 2008/94 exige, enquanto dever de proteção mínima, que um Estado‑Membro garanta a um antigo trabalhador exposto a semelhante redução das suas prestações de velhice uma indemnização num montante que, sem cobrir necessariamente a totalidade dos prejuízos sofridos, seja suscetível de remediar o caráter manifestamente desproporcionado dessa redução.

46      Atendendo às considerações precedentes, há que responder à segunda questão que o artigo 8.o da Diretiva 2008/94 deve ser interpretado no sentido de que a redução do montante das prestações de reforma empresarial pagas a um antigo trabalhador por conta de outrem, devido à insolvência do empregador, é manifestamente desproporcionada, embora o antigo trabalhador receba, no mínimo, metade das prestações decorrentes dos seus direitos adquiridos, se esse trabalhador por conta de outrem já vive, ou viverá por causa dessa redução, abaixo do limite do risco de pobreza determinado para o Estado‑Membro em causa pelo Eurostat.

 Quanto à terceira e quarta questões

47      Com a sua terceira e quarta questões, que importa analisar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 8.o da Diretiva 2008/94 é suscetível de ter efeito direto, de tal modo que pode ser invocado contra um organismo de direito privado designado pelo Estado como organismo de garantia contra o risco de insolvência dos empregadores, em matéria de pensões de reforma profissionais.

48      Como o Tribunal de Justiça decidiu repetidamente, os particulares podem invocar disposições incondicionais e suficientemente precisas de uma diretiva contra um Estado‑Membro e todos os órgãos da sua Administração, bem como contra organismos ou entidades que estejam sujeitos à autoridade ou ao controlo do Estado ou que disponham de poderes exorbitantes face aos que resultam das normas aplicáveis nas relações entre particulares (Acórdão de 6 de setembro de 2018, Hampshire, C‑17/17, EU:C:2018:674, n.o 54 e jurisprudência referida). Podem igualmente ser equiparados ao Estado os organismos ou entidades que foram encarregados por uma autoridade de prosseguir uma atribuição de interesse público e que, para esse efeito, foram dotados de poderes exorbitantes (Acórdãos de 10 de outubro de 2017, Farrell, C‑413/15, EU:C:2017:745, n.o 34, e de 6 de setembro de 2018, Hampshire, C‑17/17, EU:C:2018:674, n.o 55).

49      A análise da questão de saber se o artigo 8.o da Diretiva 2008/94 é incondicional e suficientemente preciso deve incidir sobre três aspetos, a saber, a determinação dos beneficiários da proteção prevista nessa disposição, o conteúdo dessa proteção e a identidade do devedor da referida proteção.

50      Em relação aos beneficiários da proteção consagrada no artigo 8.o da Diretiva 2008/94, decorre claramente do teor deste artigo que esta diretiva visa proteger os trabalhadores por conta de outrem e os antigos trabalhadores por conta de outrem afetados pela insolvência do seu empregador ou do seu antigo empregador. Por conseguinte, o referido artigo responde, quanto à determinação dos beneficiários da garantia, às condições de precisão e de incondicionalidade necessárias para a aplicabilidade direta de uma disposição de uma diretiva (Acórdão de 6 de setembro de 2018, Hampshire, C‑17/17, EU:C:2018:674, n.o 57).

51      Quanto ao conteúdo da proteção prevista no artigo 8.o da Diretiva 2008/94, recorde‑se que o Tribunal de Justiça salientou que esse artigo 8.o visa garantir a cada trabalhador por conta de outrem particular uma proteção mínima (v., nesse sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2018, Hampshire, C‑17/17, EU:C:2018:674, n.os 46 e 47 e jurisprudência referida).

52      O Tribunal de Justiça concluiu que o referido artigo 8.o, na parte em que impõe aos Estados‑Membros que garantam, sem exceção, a cada antigo trabalhador por conta de outrem uma indemnização correspondente a pelo menos a 50 % do valor dos seus direitos adquiridos num regime complementar de previdência profissional, em caso de insolvência do seu empregador, contém uma obrigação clara, precisa e incondicional que incumbe aos Estados‑Membros, e cujo objeto é conferir direitos aos particulares (Acórdão de 6 de setembro de 2018, Hampshire, C‑17/17, EU:C:2018:674, n.o 60).

53      Na sequência dos n.os 44 e 45 do presente acórdão, o mesmo vale para a exigência de os Estados‑Membros serem igualmente obrigados, por força do artigo 8.o da Diretiva 2008/94, a assegurar uma proteção mínima ao antigo trabalhador por conta de outrem exposto a uma redução das prestações de velhice manifestamente desproporcionada, pelo que os particulares podem invocar diretamente esta exigência perante um juiz nacional.

54      Quanto à identidade do devedor da proteção prevista no artigo 8.o da Diretiva 2008/94, resulta da decisão de reenvio que a PSV foi designada pelo Estado‑Membro como organismo de garantia contra o risco de insolvência dos empregadores, em matéria de pensões de reforma profissionais. Este organismo de direito privado está sujeito à supervisão financeira exercida pela autoridade pública de supervisão dos serviços financeiros. Ademais, cobra aos empregadores, segundo regras de direito público, as contribuições obrigatórias necessárias à garantia contra o risco de insolvência e pode, à semelhante de uma autoridade pública, gerar os requisitos para uma execução coerciva, mediante a prática de um ato administrativo.

55      Por conseguinte, atendendo à atribuição cometida à PSV e às condições em que esta a prossegue, essa entidade distingue‑se dos particulares e deve ser equiparada ao Estado, pelo que, em princípio, as disposições incondicionais e suficientemente precisas visadas no artigo 8.o da Diretiva 2008/94 podem ser invocadas contra ela.

56      Porém, com o advogado‑geral salientou no n.o 96 das suas conclusões, essa interpretação só pode ser adotada se o Estado‑Membro em causa tiver confiado à PSV o dever de assegurar a proteção mínima em matéria de prestações de velhice a que se refere esse artigo 8.o, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. Com efeito, como resulta, nomeadamente, das observações apresentadas pela PSV, assim como das do Governo alemão, a garantia que esse organismo deve prestar não se alarga às prestações pagas por caixas de pensões de reforma, como as em causa no processo principal.

57      Atendendo às considerações precedentes, há que responder à terceira e quarta questões que o artigo 8.o da Diretiva 2008/94, que prevê um dever de proteção mínima, é suscetível de ter efeito direto, de tal modo que pode ser invocado contra um organismo de direito privado designado pelo Estado como organismo de garantia contra o risco de insolvência dos empregadores, em matéria de pensões de reforma profissionais, quando, atendendo à atribuição cometida a esse organismo e às condições em que a prossegue, esse organismo pode ser equiparado ao Estado, desde que a atribuição de garantia que lhe foi cometida se alargue efetivamente aos tipos de prestações de velhice para as quais é pedida a proteção mínima prevista nesse artigo 8.o

 Quanto às despesas

58      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

1)      O artigo 8.o da Diretiva 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, deve ser interpretado no sentido de que é aplicável a uma situação em que um empregador, que assegura as prestações de reforma empresarial por intermédio de um organismo interempresarial, não pode garantir, devido à sua insolvência, a compensação das perdas decorrentes da redução das prestações pagas por esse organismo interempresarial, redução essa que tinha sido autorizada pela autoridade pública de supervisão dos serviços financeiros que exerce a supervisão financeira do referido organismo.

2)      O artigo 8.o da Diretiva 2008/94 deve ser interpretado no sentido de que a redução do montante das prestações de reforma empresarial pagas a um antigo trabalhador por conta de outrem, devido à insolvência do empregador, é manifestamente desproporcionada, embora o antigo trabalhador receba, no mínimo, metade das prestações decorrentes dos seus direitos adquiridos, se esse trabalhador por conta de outrem já vive, ou viverá por causa dessa redução, abaixo do limite do risco de pobreza determinado para o EstadoMembro em causa pelo Eurostat.

3)      O artigo 8.o da Diretiva 2008/94, que prevê um dever de proteção mínima, é suscetível de ter efeito direto, de tal modo que pode ser invocado contra um organismo de direito privado designado pelo Estado como organismo de garantia contra o risco de insolvência dos empregadores, em matéria de pensões de reforma profissionais, quando, atendendo à atribuição cometida a esse organismo e às condições em que a prossegue, esse organismo pode ser equiparado ao Estado, desde que a atribuição de garantia que lhe foi cometida se alargue efetivamente aos tipos de prestações de velhice para as quais é pedida a proteção mínima prevista nesse artigo 8.o

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.