Language of document : ECLI:EU:C:2023:466

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 8 de junho de 2023 (1)

Processo C457/21 P

Comissão Europeia

contra

GrãoDucado do Luxemburgo,

Amazon.com, Inc.,

Amazon EU S.à.r.l

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílio estatal — Adoção de um preço de transferência vantajoso — Vantagem fiscal seletiva — Determinação do sistema de referência — Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência como sistema de referência — Vinculação do Tribunal de Justiça ao sistema de referência escolhido pela Comissão e pelo Tribunal Geral — Apreciação do preço de transferência correto — Delimitação entre apreciação dos factos e apreciação das questões de direito — Nível de fiscalização reduzido no âmbito da apreciação de uma aplicação eventualmente errada do direito fiscal pelas autoridades fiscais nacionais — Decisão fiscal antecipada»






I.      Introdução

1.        O presente recurso diz novamente (2) respeito à fiscalização de uma decisão fiscal antecipada à luz da legislação em matéria de auxílios de Estado. Se, por um lado, tais decisões fiscais antecipadas visam salvaguardar a segurança jurídica, existe, por outro lado, por vezes, a suspeita latente de que, em alguns Estados‑Membros, tais decisões se baseiam em acordos anticoncorrenciais entre as autoridades fiscais e os sujeitos passivos.

2.        Mais uma vez (3), estão em causa preços de transferência, que podem constituir uma derrogação ao princípio da plena concorrência. Em 2003, a administração fiscal luxemburguesa apresentou à Amazon.com as suas observações quanto ao nível adequado dos royalties devidos entre duas filiais. Tal nível tem incidência sobre a dívida do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas da Amazon EU S.à.r.l, sediada no Luxemburgo. Quanto mais elevados forem os royalties, menor será o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas pago no Luxemburgo. A fim de determinar o nível adequado dos royalties, o Luxemburgo e a Amazon.com utilizaram, de comum acordo, um método específico. A Comissão considerou que este acordo em matéria de preços de transferência constituía um auxílio, uma vez que tal acordo não respeitava os princípios de plena concorrência da OCDE. A Comissão procedeu ao seu próprio cálculo, segundo um método diferente, do nível adequado de royalties, tendo chegado a um resultado mais baixo. Uma vez que tal resultado teria conduzido a uma carga fiscal mais elevada em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, a decisão fiscal antecipada conferiu à filial, que pagou os royalties, uma vantagem seletiva.

3.        No processo instaurado no Tribunal Geral contra esta decisão da Comissão relativa ao auxílio estatal, foram objeto de controvérsia entre as partes, sobretudo, os pormenores do método aplicado ou a aplicar. A questão de saber se os princípios de plena concorrência da OCDE podem constituir, no caso em apreço, o sistema de referência correto para controlo dos auxílios, não foi objeto de discussão. O Tribunal Geral não concluiu pela determinação incorreta dos preços de transferência e anulou esta decisão devido à falta de provas de uma vantagem seletiva.

4.        Após este acórdão do Tribunal Geral, o Tribunal de Justiça precisou, no processo Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (4), que os princípios da OCDE podem, em todo o caso, ser utilizados como sistema de referência para determinar uma vantagem seletiva se tiverem sido transpostos para o direito nacional. Tal não acontece no direito luxemburguês. Não obstante, a Comissão considera que a anulação da sua decisão pelo Tribunal Geral está ferida por um erro de direito. Uma vez que o sistema de referência é pacífico entre todas as partes, o Acórdão Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão não tem incidência sobre o presente recurso. A Comissão invoca, a este respeito, o princípio ultra petita.

5.        Se esta alegação for procedente, colocar‑se‑á, então, a questão de saber em que medida o Tribunal de Justiça é competente para fiscalizar o cálculo «correto» de um preço de transferência em sede de recurso. Em particular, a Comissão sustenta que o Tribunal Geral apreciou certos aspetos (a propriedade legal dos ativos incorpóreos, a atribuição contratual de direitos e deveres, a análise funcional das filiais interpostas, etc.) de forma diferente dela. Todavia, o Tribunal Geral é, em princípio, competente para apreciar os factos, podendo, quando muito, ser invocada, em sede de recurso perante o Tribunal de Justiça, uma desvirtuação dos mesmos. Em contrapartida, as questões jurídicas em sede de recurso fazem parte da competência originária do Tribunal de Justiça (5). No entanto, o presente caso demonstra que esta delimitação se depara com dificuldades aquando da verificação da existência de uma vantagem seletiva. Poderá ser necessário limitar a intensidade da fiscalização jurisdicional (ou seja, alterar o critério de fiscalização), se o Tribunal de Justiça interpretar o direito fiscal nacional tendo em conta a existência de uma vantagem seletiva.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

6.        O quadro jurídico do direito da União é constituído pelos artigos 107.o e seguintes TFUE.

B.      Direito luxemburguês

7.        O artigo 164.o, n.o 3, da Lei alterada, de 4 de dezembro de 1967, relativa ao Imposto sobre o Rendimento («loi concernant l‘impot sur le revenu», a seguir «LIR») estabelece:

«As distribuições dissimuladas de lucros devem ser incluídas no rendimento tributável. Existem distribuições dissimuladas de lucros, nomeadamente, se um associado, sócio ou interessado, receber direta ou indiretamente vantagens de uma sociedade ou de uma associação das quais não teria normalmente beneficiado se não tivesse essa qualidade.»

C.      Modelo de Convenção Fiscal e Orientações da OCDE

8.        A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (a seguir «OCDE») publicou vários documentos de orientação não vinculativos em matéria de fiscalidade internacional. Em especial, o Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património da OCDE constitui a base de vários tratados fiscais bilaterais celebrados pelos países membros da OCDE e por um número crescente de países não membros. O Modelo de Convenção Fiscal da OCDE contém ainda disposições relativas ao método adequado para a distribuição de lucros entre empresas pertencentes a um grupo internacional. A este respeito, na versão aplicável entre 2003 e 2014, o artigo 9.o, n.o 1, do Modelo de Convenção Fiscal da OCDE estabelece o seguinte:

«[Quando] as duas empresas, nas suas relações comerciais ou financeiras, estiverem ligadas por condições aceites ou impostas que difiram das que seriam estabelecidas entre empresas independentes, os lucros que, se não existissem essas condições, teriam sido obtidos por uma das empresas, mas não o foram por causa dessas condições, podem ser incluídos nos lucros dessa empresa e, consequentemente, tributados.»

9.        A OCDE fornece ainda orientações relativas à aplicação do princípio da plena concorrência às administrações fiscais e às empresas multinacionais nos seus princípios aplicáveis em matéria de preços de transferência, orientações estas que estão em constante evolução. Relativamente aos anos em causa no caso em apreço, são sobretudo pertinentes as Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência, adotadas em 13 de julho de 1995 (a seguir «Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência de 1995»).

10.      O ponto 1.13 das Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência de 1995 dispõe:

«Este princípio é teoricamente válido, uma vez que assegura a melhor aproximação possível do funcionamento do mercado livre em caso de transferência de bens e serviços entre empresas associadas. Embora nem sempre seja fácil de aplicar na prática, determina geralmente níveis de rendimentos adequados para os diferentes membros das multinacionais, aceitáveis para as administrações fiscais. Reflete a realidade económica da situação específica do contribuinte que realiza transações com empresas associadas, tomando como referência o funcionamento normal do mercado.»

11.      Neste contexto, as Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência descrevem cinco métodos para estabelecer um preço de plena concorrência para as transações intragrupo: i) o método do preço comparável de mercado (método CUP), ii) o método do custo majorado (método «cost plus»), iii) o método do preço de revenda minorado, iv) o método da margem líquida da operação («MMLO») e v) o método do fracionamento do lucro da transação. Em geral, deve aplicar‑se o método de determinação do preço de transferência mais adequado às circunstâncias do caso em apreço. Não obstante, em casos difíceis em que nenhum método seja conclusivo, uma abordagem flexível permitirá utilizar conjuntamente os dados obtidos através de vários métodos. Os grupos multinacionais de empresas são totalmente livres de recorrer a métodos diferentes dos indicados nas Orientações da OCDE, desde que os preços fixados cumpram o princípio da plena concorrência.

III. Antecedentes do litígio

12.      O litígio tem por base decisões fiscais antecipadas, que o Grão‑Ducado do Luxemburgo emitiu em 2003, a pedido da Amazon.com, para os anos de 2006 a 2014 no que diz respeito ao tratamento fiscal concedido a duas novas sociedades estabelecidas no Luxemburgo para efeitos do imposto luxemburguês sobre o rendimento das pessoas coletivas.

A.      Apresentação da decisão fiscal antecipada

13.      Na base desta decisão estava uma restruturação planeada das atividades da Amazon.com, Inc., com sede social nos Estados‑Unidos, e das empresas que estão sob o seu controlo (a seguir, designadas em conjunto, «grupo Amazon»). As empresas do grupo Amazon na Europa exercem atividades em linha, designadamente operações de venda a retalho e prestação de diversos serviços em linha. Para o efeito, o grupo Amazon gere vários sítios Internet em diferentes línguas da União Europeia, entre os quais amazon.de, amazon.fr, amazon.it e amazon.es.

14.      Antes de maio de 2006, as atividades europeias do grupo Amazon eram geridas a partir dos Estados‑Unidos. Em especial, as atividades de venda a retalho e de prestação de serviços nos sítios Internet europeus eram exploradas por duas entidades estabelecidas nos Estados‑Unidos, a saber, a Amazon.com International Sales, Inc. (a seguir «AIS») e a Amazon International Marketplace (a seguir «AIM»), e por outras entidades estabelecidas em França, na Alemanha e no Reino Unido.

15.      A reestruturação, que foi implementada em 2006, articulou‑se à volta da criação de duas sociedades estabelecidas no Luxemburgo. Tratava‑se mais precisamente, por um lado, da Amazon Europe Holding Technologies SCS (a seguir «LuxSCS»), uma sociedade em comandita simples luxemburguesa, cujas associadas eram empresas americanas, e, por outro, da Amazon EU S.à.r.l (a seguir «LuxOpCo»).

16.      A LuxSCS celebrou, num primeiro momento, vários acordos com algumas entidades do grupo Amazon estabelecidas nos Estados‑Unidos, a saber:

–        acordos de licença e de cessão dos direitos de propriedade intelectual preexistentes (License and Assignment Agreements For Preexisting Intellectual Property, a seguir, designados em conjunto, «acordo de entrada») com a Amazon Technologies, Inc. (a seguir «ATI»), entidade do grupo Amazon estabelecida nos Estados‑Unidos;

–        um acordo de partilha de custos celebrado em 2005 com a ATI e a A 9.com, Inc. (a seguir «A 9»), uma entidade do grupo Amazon estabelecida nos Estados‑Unidos. Ao abrigo do acordo de entrada e do acordo de partilha de custos, a LuxSCS adquiriu o direito de explorar determinados direitos de propriedade intelectual e os respetivos «trabalhos derivados», que eram detidos e desenvolvidos pela A 9.com e pela ATI. Os ativos incorpóreos previstos no acordo de partilha de custos incluíam, essencialmente, três categorias de propriedade intelectual, a saber, a tecnologia, os dados de clientes e as marcas. Ao abrigo do acordo de partilha de custos e do acordo de entrada, a LuxSCS podia igualmente sublicenciar os ativos incorpóreos, nomeadamente, com o intuito de explorar os sítios Internet europeus. Como contrapartida desses direitos, a LuxSCS devia efetuar pagamentos de entrada e pagar a sua quota‑parte anual dos custos ligados ao programa de desenvolvimento do acordo de partilha de custos.

17.      Num segundo momento, a LuxSCS celebrou com a LuxOpCo um acordo de licença, que entrou em vigor em 30 de abril de 2006, relativo aos ativos incorpóreos acima mencionados (a seguir «acordo de licença»). Ao abrigo desse acordo, a LuxOpCo adquiriu, na qualidade de licenciada, o direito de utilizar os ativos incorpóreos mediante o pagamento de royalties à LuxSCS (a seguir «royalties»).

18.      Por último, a LuxSCS celebrou um acordo de licença e de cessão de direitos de propriedade intelectual com a Amazon.co.uk Ltd, a Amazon.fr S.à.r.l e a Amazon.de GmbH, ao abrigo do qual a LuxSCS recebeu algumas marcas e os direitos de propriedade intelectual dos sítios Internet europeus.

19.      Em 2003, a Amazon.com requereu a adoção de uma decisão fiscal antecipada neste sentido. Tal decisão dizia respeito ao cálculo do nível de royalties que a LuxOpCo devia pagar à LuxSCS a partir de 30 de abril de 2006 e baseava‑se num relatório de preços de transferência. Os autores deste relatório propunham, em substância, um método de fixação dos preços de transferência que, segundo eles, permitia determinar a dívida do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas que a LuxOpCo devia pagar no Luxemburgo. Mais especificamente, a Amazon.com pediu confirmação do facto de que o método de fixação dos preços de transferência para efeitos de determinação do nível de royalties anual conferia à LuxOpCo «um benefício adequado e aceitável» à luz da política em matéria de preços de transferência e dos artigos 56.o e 164.o, n.o 3, da LIR. O método de cálculo dos royalties devidos pela LuxOpCo à LuxSCS previsto no pedido era descrito do seguinte modo:

«1.      Calcular e atribuir à LuxOpCo o “rendimento da LuxOpCo” de montante igual ao montante mais baixo entre a) [confidencial] % do total dos encargos de exploração suportados pela LuxOpCo para a UE durante o ano em causa e b) os lucros de exploração realizados na UE atribuíveis aos sítios Web europeus durante esse mesmo ano;

2.      A taxa de licença é igual aos lucros de exploração realizados na UE menos o rendimento da LuxOpCo, sem poder ser inferior a zero;

3.      O nível de royalties anual é igual à taxa de licença dividida pelo volume de negócios total realizado na UE no ano em causa;

4.      Não obstante o que precede, o montante do rendimento da LuxOpCo não é, independentemente do ano, inferior a 0,45 % nem superior a 0,55 % do volume de negócios realizado na UE;

5.

a)      Se o rendimento da LuxOpCo, determinado na etapa 1, for inferior a 0,45 % do volume de negócios realizado na UE, o rendimento da LuxOpCo é ajustado a fim de ser igual ao montante mais baixo entre i) 0,45 % do volume de negócios ou dos lucros de exploração realizados na UE, e ii) os lucros de exploração realizados na UE;

b)      Se o rendimento da LuxOpCo, determinado na etapa 1, for superior a 0,55 % do volume de negócios realizado na UE, o rendimento da LuxOpCo é ajustado a fim de ser igual ao montante mais baixo entre i) 0,55 % do volume de negócios realizado na UE, e ii) os lucros de exploração realizados na UE.»

20.      Além disso, a Amazon solicitou às autoridades fiscais luxemburguesas a confirmação do tratamento fiscal concedido à LuxSCS, às suas associadas estabelecidas nos Estados‑Unidos e aos dividendos recebidos no âmbito desta estrutura. Era explicado na carta que, enquanto société en commandite simple (sociedade em comandita), a LuxSCS não tinha uma personalidade fiscal distinta da das suas associadas e que, consequentemente, não estava sujeita ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas nem ao imposto sobre o património no Luxemburgo.

21.      Em novembro de 2003, a administração fiscal luxemburguesa aceitou esta apreciação e este cálculo por meio de uma decisão fiscal antecipada.

B.      Procedimento e decisão da Comissão

22.      Em 24 de junho de 2014, a Comissão Europeia solicitou ao Grão‑Ducado do Luxemburgo que lhe fornecesse informações sobre as decisões fiscais antecipadas concedidas ao grupo Amazon. Em 7 de outubro de 2014, publicou a decisão de início de um procedimento formal de investigação, na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE.

23.      No âmbito da investigação assim encetada, a Comissão solicitou várias informações ao Grão‑Ducado do Luxemburgo e à Amazon.com. Com as respostas aos pedidos de informações, a Amazon.com apresentou uma cópia de um parecer da United States Tax Court (Tribunal Fiscal Federal dos Estados Unidos) de 23 de março de 2017 que tinha sido emitido no âmbito de um recurso interposto pela Internal Revenue Service (Agência de Coleta Fiscal do Governo Federal, Estados‑Unidos, IRS) no que respeita ao montante dos pagamentos relacionados com os acordos mencionados no n.o 16, supra.

24.      Além disso, a Amazon.com apresentou à Comissão um novo relatório sobre os preços de transferência, redigido em 2017, cujo objetivo era verificar, a posteriori, se os royalties pagos pela LuxOpCo à LuxSCS, ao abrigo da decisão fiscal antecipada em causa, eram conformes com o princípio da plena concorrência.

25.      Em 4 de outubro de 2017, a Comissão adotou a Decisão (UE) 2018/859, relativa ao auxílio estatal SA.38944 (2014/C) (ex 2014/NN) concedido pelo Luxemburgo à Amazon (a seguir «decisão controvertida») (6).

26.      O artigo 1.o dessa decisão tem, em parte, a seguinte redação:

«A decisão fiscal antecipada [em causa], pela qual o Grão‑Ducado do Luxemburgo aprovou um método de fixação de preços de transferência […], que permitia à [LuxOpCo] determinar a sua dívida do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas no Luxemburgo entre 2006 e 2014, por um lado, e a subsequente aceitação da declaração anual do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas baseada na referida decisão, por outro lado, constitui um auxílio estatal […]»

27.      Neste contexto, a Comissão expôs que, sempre que uma decisão fiscal antecipada autorize um resultado que não reflete de forma fiável o que resultaria de uma aplicação normal do regime do direito comum, essa decisão confere uma vantagem seletiva ao seu destinatário. Esse tratamento seletivo tem como consequência uma redução da obrigação fiscal desse contribuinte em relação a sociedades numa situação jurídica e factual semelhante. A Comissão considerou igualmente que, no caso vertente, a decisão fiscal antecipada em causa tinha conferido uma vantagem seletiva à LuxOpCo ao reduzir o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas que esta deveria pagar no Luxemburgo. Esta conclusão assenta numa constatação principal e em três constatações subsidiárias.

28.      Na secção 9.2.1 da decisão controvertida, a Comissão entendeu que a decisão fiscal antecipada tinha produzido um resultado que se afastava de uma aproximação fiável de um resultado de mercado. A aprovação de um método de fixação dos preços de transferência que atribuía uma remuneração à LuxOpCo apenas para as funções ditas «correntes» e que atribuía a totalidade do lucro gerado além dessa remuneração à LuxSCS em forma de royalties, não respeitava o princípio da plena concorrência.

29.      Segundo a Comissão, em vez do método CUP, o método MMLO era o método de preços de transferência mais adequado para avaliar os royalties devidos pela LuxOpCo por força do acordo de licença. A Comissão considerou que a parte que exercia funções únicas e de valor era a LuxOpCo e não a LuxSCS. Por conseguinte, a parte que devia ter sido testada para efeitos de aplicação do MMLO devia ter sido a LuxSCS e não a LuxOpCo. Tal teria resultado em royalties mais baixos e, consequentemente, numa carga fiscal mais elevada em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas para a LuxOpCo.

30.      Na secção 9.2.2 («Constatação subsidiária da existência de uma vantagem económica») da decisão impugnada, a Comissão expôs a sua constatação subsidiária no sentido da existência de uma vantagem, segundo a qual, mesmo supondo que a análise das funções da LuxSCS efetuada no relatório sobre os preços de transferência de 2003 tenha sido correta, o método de fixação dos preços de transferência aprovado pela decisão fiscal antecipada em causa assentava, em todo o caso, em escolhas metodológicas inadequadas que produziram um resultado que se afasta de uma aproximação fiável de um resultado baseado no mercado. Neste contexto, a Comissão efetuou três constatações subsidiárias distintas.

31.      No âmbito da sua primeira constatação subsidiária, a Comissão afirmou que foi considerado erradamente que a LuxOpCo apenas desempenhava funções de gestão «correntes» e que devia ser aplicado o método de repartição dos lucros com análise das contribuições. No contexto da sua segunda constatação subsidiária, a Comissão considerou que era errada a escolha dos custos de exploração como indicador dos lucros. No âmbito da sua terceira constatação subsidiária relativa à vantagem, a Comissão considerou que não era adequada a inclusão de um limite máximo de 0,55 % do volume de negócios realizado na União.

C.      Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

32.      Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 14 de dezembro de 2017, o Grão‑Ducado do Luxemburgo interpôs recurso no processo T‑816/17.

33.      Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 22 de maio de 2018, a Amazon EU e a Amazon.com (a seguir, designadas conjuntamente, «Amazon») interpuseram recurso no processo T‑318/18.

34.      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 16 de abril de 2018, a Irlanda pediu para intervir no processo T‑816/17 em apoio dos pedidos do Grão‑Ducado do Luxemburgo. Por Despacho de 29 de maio de 2018, o presidente da Sétima Secção alargada do Tribunal Geral deferiu o pedido de intervenção da Irlanda.

35.      Os processos T‑816/17 e T‑318/18 foram apensados para efeitos da fase oral do processo e, posteriormente, para efeitos do acórdão.

36.      Em apoio dos seus recursos, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Amazon invocaram vários fundamentos, a maioria dos quais se sobrepõem. No essencial, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Amazon contestaram a conclusão da Comissão quanto à existência de uma vantagem a favor da LuxOpCo, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Neste contexto, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Amazon contestaram igualmente as constatações subsidiárias da Comissão relativas à existência de uma vantagem fiscal a favor da LuxOpCo, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Em especial, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Amazon contestaram as constatações principais e subsidiárias da Comissão relativas à seletividade da decisão fiscal antecipada em causa. Para o efeito, o Grão‑Ducado do Luxemburgo alegou que a Comissão violou a competência exclusiva dos Estados‑Membros em matéria de fiscalidade direta. Em particular, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Amazon contestaram o facto de as Orientações da OCDE, na sua versão de 2017, conforme utilizadas pela Comissão para efeitos da adoção da decisão controvertida, serem pertinentes no caso vertente.

37.      No seu articulado de intervenção, a Irlanda invoca, nomeadamente, a violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, uma vez que a Comissão não demonstrou a existência de uma vantagem a favor da LuxOpCo e não provou a seletividade da medida, e a violação dos artigos 4.o e 5.o TUE, uma vez que a Comissão procedeu a uma harmonização fiscal disfarçada.

38.      Com o acórdão recorrido, o Tribunal Geral deu provimento ao recurso e anulou a decisão controvertida da Comissão. Todavia, os argumentos aduzidos pela Irlanda, segundo os quais a Comissão tinha aplicado o princípio da plena concorrência em conformidade com as Orientações da OCDE, princípio este que não estava consagrado no direito luxemburguês, foram rejeitados pelo Tribunal Geral nos n.os 133 e segs. do acórdão recorrido, uma vez que os argumentos invocados pela Irlanda são alheios às considerações feitas pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo nos seus fundamentos.

39.      Com os seus argumentos, a Irlanda ataca, em substância, o fundamento jurídico invocado pela Comissão quanto à obrigação imposta ao Grão‑Ducado do Luxemburgo de aplicar o princípio da plena concorrência. A Irlanda põe, portanto, em causa as fontes de direito deste princípio, tal como aplicado pela Comissão na decisão controvertida. Além disso, os argumentos da Irlanda dizem respeito à interpretação do conteúdo deste princípio e não à sua aplicação através de um método de determinação dos preços de transferência. Todavia, o primeiro fundamento do Grão‑Ducado do Luxemburgo não se refere à questão de saber qual é a fonte de direito do referido princípio nem a questões de interpretação desse princípio.

IV.    Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

40.      Em 27 de julho de 2021, a Comissão interpôs o presente recurso do acórdão do Tribunal Geral. A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

–        anular o Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia (Sétima Secção alargada) de 12 de maio de 2021, nos processos apensos T‑816/17 e T‑318/18, Luxemburgo e o./Comissão (EU:T:2021:252);

–        julgar improcedente o primeiro fundamento no processo T‑816/17 e o segundo, quarto, quinto e oitavo fundamentos no processo T‑318/18;

–        remeter o processo ao Tribunal Geral da União Europeia para que se pronuncie sobre os fundamentos que não foram objeto de apreciação;

–        a título subsidiário, em conformidade com o artigo 61.o do Estatuto do Tribunal de Justiça, decidir definitivamente o litígio;

–        reservar para final a decisão quanto às despesas, em caso de remessa, ou condenar o Luxemburgo, a Amazon EU e a Amazon.com nas despesas, caso decida definitivamente o litígio.

41.      O Luxemburgo, a Amazon EU e a Amazon.com pedem ao Tribunal de Justiça que se digne negar provimento ao recurso e condenar a Comissão nas despesas. O Luxemburgo pede, a título subsidiário, que o processo seja remetido ao Tribunal Geral da União Europeia.

42.      À exceção da Irlanda, todas as partes apresentaram observações escritas no Tribunal de Justiça relativamente às perguntas colocadas por este último, e as suas alegações foram ouvidas na audiência realizada em 16 de março de 2023 com a participação da Irlanda.

V.      Apreciação jurídica

43.      A Comissão invoca dois fundamentos de recurso. O primeiro fundamento de recurso contesta a objeção suscitada nos n.os 162 a 297 do acórdão recorrido, relativa à vantagem constatada na decisão controvertida. Por um lado, ao considerar errada a análise funcional efetuada pela Comissão, o Tribunal Geral aplicou incorretamente o princípio da plena concorrência. Por outro lado, o Tribunal Geral criticou indevidamente o cálculo do nível adequado dos royalties na decisão controvertida.

44.      Com o segundo fundamento de recurso, a Comissão contesta a rejeição, ocorrida nos n.os 314 a 538 do acórdão recorrido, da vantagem admitida a título subsidiário na decisão. Neste caso, o Tribunal Geral cometeu, por um lado, um erro no que respeita ao nível de prova exigido para a existência de uma vantagem. Por outro lado, o Tribunal Geral aplicou erradamente o princípio da plena concorrência e, além disso, apresentou argumentos, por iniciativa própria, para negar a existência da vantagem seletiva, que não foram invocados pelos recorrentes.

45.      À luz deste fundamento de recurso, coloca‑se, primeiro, a questão de saber se o Tribunal de Justiça deve examinar em pormenor o cálculo do preço de transferência «correto» dos royalties em conformidade com os princípios de plena concorrência da OCDE. Tal pressuporá que estes princípios constituem o sistema de referência pertinente, o que é questionável desde a decisão do Tribunal de Justiça no processo Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (7) (a este respeito, infra, ponto A.1.b.3). No entanto, o Tribunal de Justiça deverá examinar em pormenor o cálculo do preço de transferência «correto», se a questão do sistema de referência relevante deixar de se colocar no caso em apreço, visto que não foi invocado qualquer fundamento a este respeito no processo no Tribunal Geral (a este respeito, infra, ponto A.1.b.2).

46.      No caso de as Orientações em matéria de plena concorrência da OCDE de 1995 deverem ser tidas em consideração, é necessário esclarecer em que medida o Tribunal de Justiça pode fiscalizar, em sede de recurso, o cálculo «correto» de um preço de transferência efetuado pelo Tribunal Geral. A este respeito, deve proceder‑se igualmente a uma delimitação entre a apreciação dos factos e a apreciação das questões de direito (a este respeito, infra, ponto A.2.b.1). É ainda importante o nível de fiscalização adequado no âmbito da apreciação da aplicação do direito fiscal nacional (a este respeito, infra, ponto A.2.b.2). Estas questões dizem igualmente respeito ao segundo fundamento de recurso (a este respeito, infra, ponto B.).

A.      Quanto ao primeiro fundamento de recurso: objeção incorreta relativa à vantagem constatada na decisão controvertida na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE

1.      Quanto à existência de um auxílio (vantagem seletiva)

47.      Através do seu primeiro fundamento de recurso, a Comissão alega que, nos n.os 162 a 297 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral criticou erradamente a abordagem adotada pela Comissão, segundo a qual a LuxOpCo exerce funções únicas e de valor, pelo que os royalties pagos à LuxSCS eram excessivos. Neste sentido, o Tribunal Geral aplicou erradamente o princípio da plena concorrência e, consequentemente, anulou erradamente a decisão controvertida.

48.      Por conseguinte, a Comissão critica o facto de o Tribunal Geral, em consonância com a posição defendida pelo Luxemburgo e pela Amazon, não ter visto nas decisões fiscais antecipadas qualquer auxílio na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

a)      Constatações do Tribunal Geral

49.      No n.o 296 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral justificou a inexistência de um auxílio com o facto de a Comissão não ter demonstrado a existência de uma vantagem seletiva. Os elementos que integram a constatação de existência de uma vantagem não permitem demonstrar que a carga fiscal da LuxOpCo foi artificialmente reduzida devido a uma sobreavaliação dos royalties. O cálculo, adotado pelo Luxemburgo, do nível adequado dos royalties, pago pela LuxOpCo à LuxSCS, não pode ser objeto de contestação do ponto de vista jurídico. O Luxemburgo aplicou corretamente as orientações pertinentes da OCDE.

50.      A este respeito, o Tribunal Geral considerou, no n.o 137, que o princípio da plena concorrência, tal como aplicável no presente caso, pode ser extraído do artigo 164.o, n.o 3, da LIR. Tal decorre do considerando 241 da decisão controvertida, sem que esta conclusão tenha sido posta em causa pelas partes.

51.      No n.o 154, o Tribunal Geral declarou que a Comissão podia basear‑se nas Orientações da OCDE de 1995 para determinar a existência de uma vantagem seletiva. Em contrapartida, as Orientações da OCDE de 2017, que ainda não estavam em vigor na altura, não poderiam ter sido utilizadas, ao contrário do que aconteceu na decisão. Nos n.os 162 e segs., o Tribunal Geral considerou ainda errado o método MMLO adotado pela Comissão na decisão controvertida e a sua aplicação à LuxSCS.

52.      Consequentemente, ao examinar os fundamentos invocados pelo Luxemburgo e pela Amazon contra a existência de uma vantagem seletiva, o Tribunal Geral considerou o artigo 164.o, n.o 3, da LIR, em conjugação com as Orientações da OCDE de 1995, o sistema de referência pertinente, o qual foi utilizado pela Comissão. Através da aplicação deste sistema de referência, o Tribunal Geral concluiu que, na sua decisão, a Comissão cometeu um erro ao inferir, mediante a aplicação do método MMLO à LuxSCS, a existência de uma vantagem seletiva.

b)      Apreciação

1)      Existência de uma vantagem seletiva

53.      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a qualificação como «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, exige, em primeiro lugar, que se trate de uma intervenção do Estado ou através de recursos estatais. Em segundo lugar, essa intervenção deve ser suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros. Em terceiro lugar, deve conferir uma vantagem seletiva ao seu beneficiário. Em quarto lugar, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (8).

54.      O único problema no presente processo é a existência de uma vantagem seletiva. No caso de medidas fiscais, a seletividade deve, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, ser determinada em várias fases. Para este efeito, num primeiro tempo, há que identificar o regime fiscal comum ou «normal» (o denominado sistema de referência) aplicável no Estado‑Membro em causa (9). Com base neste regime fiscal comum ou «normal», há que apreciar, num segundo tempo, se a medida fiscal em causa derroga o referido regime comum, ao introduzir diferenciações entre operadores económicos que se encontram, à luz do objetivo prosseguido por esse regime comum, numa situação factual e jurídica comparável (10). Se se verificar uma derrogação relativamente à «tributação normal», há que analisar, numa última fase, se a derrogação é justificada.

55.      O ponto de partida para determinar o sistema de referência só pode ser a decisão do legislador nacional quanto ao que este considera ser uma tributação «normal». Por conseguinte, compete ao Estado‑Membro tomar as decisões fundamentais sobre a carga fiscal, especialmente as decisões sobre a técnica de tributação, mas também sobre os objetivos e os princípios da tributação (11). Deste modo, nem a Comissão, nem o Tribunal de Justiça podem avaliar o direito fiscal nacional com base num sistema fiscal ideal ou fictício (12). Com efeito, fora dos domínios nos quais o direito fiscal da União é objeto de harmonização, compete ao Estado‑Membro em causa determinar, através do exercício das suas competências próprias e no respeito da sua autonomia fiscal, as características constitutivas do imposto, as quais definem o sistema de referência ou o regime fiscal «normal», a partir do qual há que analisar o requisito relativo à seletividade (13).

56.      A determinação do sistema de referência constitui o ponto de partida do exame comparativo que deve ser realizado no contexto da apreciação da seletividade. Assim, um erro cometido no momento em que esta determinação é efetuada vicia necessariamente toda a análise da condição relativa à seletividade e, portanto, de um auxílio na aceção do artigo 107.o TFUE (14). Por conseguinte, o recurso interposto pela Comissão só poderá obter provimento, se o Tribunal Geral tiver negado erradamente a existência de um auxílio, apesar de a Comissão ter utilizado o sistema de referência correto (a este respeito, infra, ponto A.1.b.3). O mesmo poderá aplicar‑se se o Tribunal de Justiça estiver vinculado ao sistema de referência utilizado e considerado correto pelo Tribunal Geral (a este respeito, imediatamente a seguir, ponto A.1.b.2).

2)      Fiscalização do sistema de referência em sede de recurso

57.      Antes de mais, é necessário determinar se um eventual erro na determinação do sistema de referência na decisão controvertida pode ter incidência no acórdão do Tribunal Geral. A Comissão nega esta possibilidade, uma vez que nem o Luxemburgo, nem a Amazon puseram em causa, através dos seus recursos, a determinação do sistema de referência. O Tribunal Geral partiu igualmente do sistema de referência utilizado pela Comissão. Consequentemente, o Tribunal de Justiça já não pode objetar a esta escolha do sistema de referência. Tal argumento não pode, todavia, ser aceite.

58.      Tanto o Luxemburgo, apoiado pela Irlanda, como a Amazon contestaram a existência de uma vantagem seletiva e colocaram, assim, em causa a legalidade da decisão controvertida à luz do conceito de auxílio previsto em conformidade com o artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Em seguida, o Tribunal Geral anulou a decisão devido à falta de elementos que comprovem a existência de uma vantagem seletiva. A Comissão contesta esta anulação devido à inobservância desse conceito de auxílio.

59.      Porém, esta anulação só será incorreta se a decisão impugnada tiver constatado corretamente a existência de uma vantagem seletiva. Nesse caso, o acórdão contrário proferido pelo Tribunal Geral deverá ser anulado. No entanto, a legalidade desta constatação e a da existência de um auxílio proibido na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE pressupõe — como referido supra no n.o 56 — necessariamente a determinação correta do sistema de referência. Sem ela, o exame comparativo, que é uma condição prévia para a apreciação do caráter seletivo da vantagem, é impossível. A questão de saber se o sistema de referência foi corretamente definido na decisão controvertida está indissociavelmente ligada à questão da existência de uma vantagem seletiva. Tal questão constitui, portanto, enquanto conditio sine qua non, uma questão de direito a examinar em sede de recurso.

60.      O Luxemburgo e a Amazon puseram em causa a legalidade da decisão controvertida devido à inexistência de uma vantagem seletiva. A determinação do sistema de referência efetuada nessa decisão não pode ser considerada isoladamente. Tal determinação não pode tão‑pouco tornar‑se definitiva isoladamente e, por conseguinte, ficar isenta de uma fiscalização complementar por parte do juiz da União. Esta situação não é alterada pelo facto de nem o Luxemburgo, nem a Amazon terem contestado explicitamente o sistema de referência utilizado pela Comissão. Pelo contrário, através dos seus fundamentos invocados contra a existência de uma vantagem seletiva, o Luxemburgo e a Amazon contestaram simultaneamente todas as condições necessárias para se poder afirmar a existência de uma vantagem seletiva. Tal inclui igualmente o sistema de referência corretamente identificado, visto que, de outro modo — como o Tribunal de Justiça já decidiu em várias ocasiões (15) — o exame de uma vantagem seletiva é per se incorreto.

61.      Por este motivo, é igualmente desprovido de pertinência que, nos n.os 136 e segs. do acórdão recorrido, o Tribunal Geral tenha julgado inadmissíveis os argumentos aduzidos pela interveniente, a Irlanda, por razões meramente formais. A Irlanda tinha‑se focalizado no sistema de referência. É certo que a Irlanda não contestou esta rejeição. No entanto, a questão do sistema de referência correto fazia parte, enquanto conditio sine qua non, da questão da existência de uma vantagem seletiva, questão esta levantada pelas outras partes (o Luxemburgo e a Amazon).

62.      Contrariamente ao que a Comissão considera na sua resposta às perguntas escritas colocadas pelo Tribunal de Justiça (16), tal também não viola o princípio ultra petita. A anulação da decisão controvertida com base na escolha errada do sistema de referência não vai além dos pedidos formulados. Tais pedidos visavam precisamente essa anulação devido à inexistência de uma vantagem seletiva. O mesmo se aplica ao recurso, uma vez que a Comissão considera que o Tribunal Geral negou erradamente a existência de uma vantagem seletiva.

63.      Neste contexto, o Tribunal de Justiça pode (e deve) começar por examinar, no caso em apreço, se o sistema de referência utilizado pelo Tribunal Geral e pela Comissão foi determinado corretamente, não dando origem, como o Tribunal Geral declarou, a qualquer vantagem seletiva. Se tal não acontecer, o Tribunal de Justiça não pode, consequentemente, determinar que o Tribunal Geral cometeu qualquer erro de direito.

64.      É possível que o raciocínio desenvolvido pelo Tribunal Geral esteja errado, mas o resultado permaneça correto, não sendo o erro suscetível de influenciar o dispositivo da decisão do Tribunal Geral (17). Se os fundamentos de um acórdão do Tribunal Geral revelarem uma violação do direito da União, mas o seu dispositivo se mostrar correto por outros fundamentos jurídicos, essa violação não é de natureza a acarretar a anulação desse acórdão. Pelo contrário, há que proceder simplesmente à substituição da fundamentação (18).

3)      Quanto à escolha do sistema de referência correto

65.      Por conseguinte, é necessário determinar se o sistema de referência utilizado pela Comissão na decisão controvertida foi corretamente escolhido.

66.      No considerando 241 da decisão controvertida, a Comissão identificou o artigo 164.o, n.o 3, da LIR como o quadro jurídico nacional pertinente, entendendo‑se que consagrava o princípio da plena concorrência até ao final de 2016. Uma vez que este artigo não distingue entre transações internacionais e transações nacionais, há que concluir que as regras luxemburguesas em matéria de preços de transferência refletem os princípios da OCDE, não obstante o facto de o artigo 164.o, n.o 3, da LIR não lhes fazer referência expressa. No entanto, na nota deste considerando 241, a Comissão remete para o considerando 294 da decisão controvertida, que expõe a posição do Luxemburgo, segundo a qual o direito luxemburguês não fazia nenhuma referência às Orientações da OCDE de 1995. Pelo contrário, nessa altura terão sido aplicadas regras nacionais em matéria de preços de transferência.

67.      Neste contexto, continua a não ser claro o sistema de referência pertinente, com base no qual a Comissão examinou e constatou a existência de uma vantagem seletiva. Nas observações, constantes dos considerandos 392 e segs. da decisão controvertida, relativas à apreciação da medida no que diz respeito às regras em matéria de auxílios estatais, a Comissão refere‑se a preços não praticados em condições de livre concorrência (considerando 402) ou ao afastamento de uma aproximação fiável de um resultado baseado no mercado (considerando 406; da mesma forma, considerando 584), sem, todavia, o incluir em normas jurídicas específicas do direito luxemburguês.

68.      No entanto, resulta claramente das notas que a Comissão se refere exclusivamente às Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência de diferentes períodos. Assim, para examinar uma decisão fiscal antecipada de 2003, a Comissão baseia‑se nas Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência de 2010 (v., nomeadamente, notas 409, 419, 429, 646, 677) ou mesmo nas Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência de 2017 (v. notas 410, 417, 447, 679) ou nas Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência de 1995 (v. notas 411, 418, 430, 647) ou nas três orientações em conjunto (v., por exemplo, notas 426, 427 e 428, 635, 649).

69.      Em contrapartida, o direito luxemburguês parece não ter desempenhado nenhum papel no âmbito deste exame. Tal resulta claramente dos considerandos 410 e 411 da decisão controvertida. A Comissão constata a existência de uma vantagem seletiva com base numa análise funcional errada, tal como esta resulta das Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência de 1995, de 2010 e de 2017.

70.      No entanto, tal como o Tribunal de Justiça declarou recentemente (19), não havendo harmonização a este respeito, a eventual fixação dos métodos e dos critérios que permitem determinar um resultado de «plena concorrência» enquadra‑se no poder de apreciação dos Estados‑Membros. Embora os Estados‑Membros da OCDE reconheçam o mérito do recurso ao princípio da plena concorrência para determinar a atribuição correta dos lucros das sociedades entre diferentes países, existem diferenças significativas entre estes Estados no âmbito da aplicação detalhada dos métodos de determinação dos preços de transferência. Como a própria Comissão recordou no considerando 255 e segs. da decisão controvertida, as Orientações da OCDE enumeram vários métodos para provar uma aproximação dos preços de plena concorrência para as transações e a distribuição dos lucros entre as sociedades de um mesmo grupo.

71.      Não podem assim ser tomados em consideração, no âmbito do exame da existência de uma vantagem fiscal seletiva na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, e para efeitos da determinação da carga fiscal que habitualmente onera uma empresa, parâmetros e regras externas ao sistema fiscal nacional em causa, exceto se este último a eles se referir expressamente (20). Como o Tribunal de Justiça salienta ainda (21), esta constatação constitui uma expressão do princípio da legalidade do imposto, que faz parte do ordenamento jurídico da União como princípio geral do direito, que exige que todas as obrigações de pagamento de um imposto e todos os elementos essenciais que definem as suas características fundamentais estejam previstos na lei. Com efeito, deve ser dada ao sujeito passivo a possibilidade de prever e de calcular o montante do imposto devido e determinar em que momento este lhe será exigível (22).

72.      Se o princípio da legalidade do imposto for levado a sério, as Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência só podem ser aplicadas da mesma forma que a lei aplicável e como sistema de referência, se a lei aplicável fizer expressamente referência a estas orientações. Na minha opinião, uma prática administrativa constante poderá igualmente ser suficiente para concretizar um requisito legal (no caso em apreço, a distribuição dissimulada de lucros), a fim de alargar total ou parcialmente o sistema de referência às Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência. Todavia, a tomada em consideração da prática administrativa constante (23) como sistema de referência pressupõe que a Comissão identifique essa prática administrativa no respetivo Estado‑Membro e o demonstre na sua decisão. Tal não acontece no caso em apreço. Além disso, parece estar objetivamente excluído que a prática administrativa no Luxemburgo, em 2003, já tivesse em conta as Orientações em matéria de preços de transferência de 2010 e de 2017, ainda não adotadas.

73.      Ao basear‑se exclusivamente nas Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência de 1995, de 2010 e mesmo de 2017 para fiscalizar o nível adequado dos royalties, a Comissão aplicou assim — como já havia acontecido anteriormente no processo Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (24) — um princípio de plena concorrência diferente do previsto pelo direito luxemburguês. Como resulta dos n.os 241 e 294 da decisão controvertida, o direito luxemburguês não faz referência às Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência.

74.      Contrariamente ao que a Comissão alegou oralmente, tal não é alterado pelo facto de a prática administrativa no Luxemburgo, em 2003, ter tido em conta as Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência de 1995 na determinação dos preços de transferência. Tal foi, é certo, efetivamente confirmado pelo Luxemburgo e pela Amazon. Ambos salientam, porém, que a tomada em consideração destas Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência deve ser distinguida de uma aplicação como uma lei vinculativa. Tratavam‑se apenas de orientações não vinculativas que deveriam ser tidas em conta nas considerações relativas à aplicação do artigo 164.o, n.o 3, da LIR. Em resposta a uma pergunta escrita colocada pelo Tribunal Geral, o Luxemburgo explicou na audiência que as Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência teriam sido importantes como base de interpretação. No entanto, tais orientações não tinham, na altura, força jurídica vinculativa e teriam sido consideradas não exaustivas. Por conseguinte, poderiam ter sido utilizados outros métodos de fixação dos preços de transferência.

75.      Não resulta claramente da decisão impugnada a medida concreta em que as Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência de 1995 foram tidas em consideração no Luxemburgo. Pelo contrário, o facto de a decisão controvertida se basear repetidamente nas Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência de 2010 e de 2017, que ainda não estavam em vigor na altura, demonstra que a Comissão não teve em conta a situação jurídica e a prática administrativa luxemburguesas aquando da adoção da decisão fiscal antecipada em 2003.

76.      À mesma conclusão conduzem os argumentos aduzidos pela Comissão na audiência, segundo os quais, com as Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência de 2010 e de 2017, a OCDE pretendia simplesmente, na opinião da Comissão, voltar a descrever (com caráter declarativo) as Orientações em matéria de preços de transferência de 1995 já existentes, sem alterar o seu conteúdo. Com as Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência de 2010 e de 2017, a OCDE procurou efetivamente desenvolver, em termos de conteúdo, a determinação dos preços de transferência. Assim, ao nível da OCDE, foram desenvolvidas, no âmbito das Ações 8‑10 do denominado projeto BEPS, as chamadas funções DEMPE [que se referem a setores de valor acrescentado de desenvolvimento («Development»), melhoria («Enhancement»), manutenção («Maintenance»), proteção («Protection») e exploração («Exploitation»)] (25).

77.      O objetivo desta evolução era harmonizar o disposto em matéria de preços de transferência com a criação de valor acrescentado entre as empresas associadas, a fim de assegurar que os preços de transferência refletem as circunstâncias económicas de uma transação. Em 2017, o denominado conceito DEMPE foi incorporado na versão atual das Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência. Em contrapartida, as Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência de 1995 não fazem referência a este conceito. Deste modo, em 2003, este conceito ainda era — como o Luxemburgo também salientou na audiência — desconhecido. Não obstante, na decisão controvertida (v., nomeadamente, considerandos 262 e segs.), a Comissão baseia‑se precisamente nesse conceito.

78.      Assim, a Comissão limitou‑se a identificar, no objetivo do regime geral do imposto sobre as pessoas coletivas luxemburguês, a expressão abstrata do princípio da plena concorrência e a examinar a decisão fiscal antecipada em causa, sem ter em conta a forma como este princípio é consagrado ou aplicado em concreto no direito luxemburguês, nomeadamente no que refere a empresas integradas.

79.      De todas estas considerações resulta que a Comissão não utilizou o direito nacional luxemburguês aplicável aquando da adoção da decisão fiscal antecipada como sistema de referência pertinente para a sua análise relativa à existência de uma vantagem seletiva. Deste modo, todas as considerações que se seguiram na decisão controvertida estão também feridas por um erro de direito. Consequentemente, a Comissão cometeu um erro de direito ao aplicar o artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Assim, na falta da prova de uma vantagem seletiva, o Tribunal Geral anulou corretamente — ainda que por outras razões — a decisão controvertida adotada pela Comissão. Não compete ao Tribunal de Justiça decidir sobre o mérito destas outras razões — que a Comissão contesta expressamente no seu recurso.

4)      Conclusão

80.      Uma vez que a Comissão não utilizou o direito luxemburguês (eventualmente em conjugação com a prática administrativa luxemburguesa da altura) como sistema de referência pertinente para a sua análise relativa à existência de uma vantagem seletiva, as constatações efetuadas na decisão controvertida estão viciadas por um erro. O Tribunal Geral anulou corretamente — ainda que por razões diferentes daquelas em que se baseou — a decisão controvertida adotada pela Comissão. Por conseguinte, o primeiro fundamento de recurso da Comissão é improcedente.

2.      A título subsidiário: análise funcional errada pelo Tribunal Geral — questão de facto ou de direito?

81.      Pelo contrário, se o Tribunal de Justiça acolher a argumentação da Comissão, segundo a qual já não é necessário analisar a escolha do sistema de referência correto, uma vez que as partes não contestaram expressamente esta escolha através dos seus fundamentos, o primeiro fundamento de recurso invocado pela Comissão deverá ser objeto de uma análise pormenorizada.

82.      Através do primeiro fundamento de recurso, a Comissão alega que, ao considerar incorreta a sua análise funcional, o Tribunal Geral aplicou erradamente o princípio da plena concorrência. Por outro lado, o Tribunal Geral criticou erradamente o cálculo do nível adequado dos royalties na decisão controvertida.

a)      Constatações do Tribunal Geral

83.      O Tribunal Geral justificou a inexistência de um auxílio nos n.os 156 e segs. do acórdão recorrido com a inexistência de uma vantagem seletiva. O método de cálculo, aplicado pelo Luxemburgo, do nível adequado dos royalties, que a LuxOpCo pagou à LuxSCS, não é juridicamente contestável. As Orientações da OCDE foram aplicadas corretamente, como referido supra nos n.os 49 e segs.

b)      Apreciação

1)      A aplicação correta do princípio da plena concorrência é uma questão de facto ou uma questão de direito?

84.      A Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu erros de direito ao aplicar o princípio da plena concorrência. Neste contexto, o Tribunal Geral criticou erradamente a análise funcional efetuada pela Comissão na decisão controvertida. A apreciação da Comissão, segundo a qual a LuxSCS era a parte menos complexa à qual devia ser aplicado o método da plena concorrência (no caso em apreço, o método MMLO) escolhido pela Comissão, estava correta. Em contrapartida, a apreciação do Tribunal Geral, de que a LuxSCS exerceu funções ativas (e, portanto, a LuxOpCo era a empresa a testar), estava errada.

85.      Coloca‑se a questão de saber se estes alegados erros podem ser analisados em sede de recurso. A apreciação dos factos — incluindo, em princípio, a apreciação do direito nacional pelo Tribunal Geral (26) — e das provas não constitui uma questão de direito, que o Tribunal de Justiça possa examinar no quadro de um recurso (27). O Tribunal de Justiça só é competente para verificar se este direito foi desvirtuado (28). No entanto, no recurso interposto a Comissão não alegou nenhuma desvirtuação dos factos, parecendo a mesma estar excluída no caso em apreço. O Tribunal Geral apreciou «apenas» as funções das sociedades em causa (a LuxOpCO e a LucxSCS) de forma diferente, tendo, por este motivo, considerado correto um outro método de plena concorrência e examinado a decisão fiscal antecipada em causa com base neste método. Contrariamente à Comissão, o Tribunal Geral não conseguiu identificar nenhuma vantagem seletiva no nível aprovado dos royalties pagos pela LuxOpCO à LucxSCS.

86.      A jurisprudência do Tribunal de Justiça esclareceu, entretanto, que a determinação correta do sistema de referência pela Comissão ou pelo Tribunal Geral é uma questão de direito, que pode ser fiscalizada em sede de recurso (29). Com efeito, o Tribunal de Justiça pode apreciar, enquanto questão de direito, a qualificação jurídica do direito nacional pelo Tribunal Geral à luz do direito da União (30). Tal releva do âmbito de aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, visto que a vantagem seletiva necessária para a existência de um auxílio resulta apenas de uma derrogação ao regime fiscal nacional «normal», o sistema de referência. Por conseguinte, um argumento, que põe em causa a escolha do sistema de referência na primeira fase do exame de uma vantagem seletiva, é igualmente admissível em sede de recurso.

87.      Em contrapartida, ainda não foi expressamente esclarecida a questão de saber se a subsunção específica a este sistema de referência (portanto, a aplicação do direito nacional no caso concreto) deve ser considerada uma questão de direito, que o Tribunal de Justiça pode fiscalizar em sede de recurso, ou se esta aplicação do direito nacional deve, pelo contrário, ser tratada como uma apreciação dos factos.

88.      Partilho da opinião da Comissão de que, em última análise, tanto a determinação (interpretação) correta do sistema de referência como a subsunção (aplicação) correta a este sistema de referência devem ser tratadas de forma idêntica. Com efeito, é difícil separar as duas, como demonstra este processo.

89.      O método de fixação dos preços de transferência (o método CUP ou MMLO) resultante da correta aplicação das Orientações da OCDE em matéria de plena concorrência ainda é parte integrante do sistema de referência e, por conseguinte, uma questão de direito? Ou será a escolha do método de fixação dos preços de transferência uma subsunção ao sistema de referência (Orientações da OCDE em matéria de plena concorrência) e, portanto, uma questão de facto? A diferença será, em todo o caso, gradual. Uma vez que a determinação do método correto de fixação dos preços de transferência fornece, como um facto gerador, o quadro para o cálculo do preço de transferência, também esta determinação do método correto de fixação dos preços de transferência faz parte, em meu entender, do sistema jurídico de referência.

90.      Todavia, tal levanta o problema de o Tribunal de Justiça ser chamado, em sede de recurso, a examinar em detalhe a complexa questão, tanto juridicamente como de facto, da existência de uma vantagem seletiva. Se esta situação presumir, no quadro dos auxílios fiscais, uma derrogação ao sistema de referência nacional, o Tribunal de Justiça deverá, então, interpretar e aplicar o direito nacional a este respeito (no caso em apreço, tratar‑se‑ão dos princípios luxemburgueses de plena concorrência ou, na opinião da Comissão, dos princípios da OCDE em matéria de plena concorrência). Como já expliquei recentemente em pormenor noutro caso (31), esta não é propriamente a função do Tribunal de Justiça. Os problemas associados a esta situação devem ser tidos em conta através da alteração do critério de fiscalização (a este respeito, imediatamente a seguir, n.os 91 e segs.).

2)      Alternativa mais adequada: alteração do critério de fiscalização

91.      Nem todas as derrogações ao sistema de referência nacional (no caso em apreço, a lei fiscal) favoráveis ao sujeito passivo, portanto, nem todas as decisões fiscais antecipadas erradas a favor do sujeito passivo podem constituir um auxílio na aceção dos Tratados.

92.      Mesmo que tal interpretação seja confirmada pelo teor do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, esta conclusão seria contrária ao critério de fiscalização desenvolvido pelo Tribunal de Justiça para os regimes de auxílios sob a forma de leis fiscais gerais. Neste sentido, o Tribunal de Justiça salienta que, no estado atual de harmonização do direito fiscal da União, os Estados‑Membros têm liberdade para estabelecer o sistema de tributação que considerem mais apropriado (32). O mesmo se aplica expressamente também ao domínio dos auxílios estatais (33). Esta margem de manobra de que dispõem os Estados‑Membros abrange a determinação das características constitutivas de cada imposto e aplica‑se, em especial, igualmente à implementação e à conceção do princípio da plena concorrência para transações entre empresas associadas (34).

93.      Os limites desta margem de manobra de que dispõem os Estados‑Membros só são ultrapassados se os Estados‑Membros abusarem do seu direito fiscal geral para concederem a determinadas empresas vantagens «em violação do direito dos auxílios de Estado» (35). Poderá presumir‑se a existência de um tal abuso de autonomia fiscal no caso de uma configuração manifestamente incoerente da lei fiscal (36). Assim, na sua jurisprudência mais recente, o Tribunal de Justiça apenas fiscaliza, à luz da legislação relativa aos auxílios de Estado, as decisões relativas a encargos em matéria impostos gerais, se estas tiverem sido concebidas de forma manifestamente discriminatória, com o objetivo de contornar as exigências decorrentes do direito da União em matéria de auxílios de Estado (37).

94.      Não parece existir nenhum motivo para não transpor esta jurisprudência à aplicação incorreta da lei a favor do sujeito passivo. Daqui resulta que nem todas as decisões fiscais antecipadas incorretas, mas apenas as decisões fiscais antecipadas manifestamente incorretas a favor do sujeito passivo constituem uma vantagem seletiva. Tais derrogações ao sistema de referência nacional aplicável são manifestas, se não puderem ser explicadas de forma plausível a um terceiro, como a Comissão ou o juiz da União, e, por conseguinte, forem igualmente manifestas para o sujeito passivo em questão. Tais casos contornam o direito em matéria de auxílios de Estado através de uma aplicação da lei de forma manifestamente discriminatória.

95.      Neste sentido, o advogado‑geral P. Pikamäe destacou que a determinação da tributação «normal» resulta das regras de direito positivo (38). Na aplicação deste quadro normativo, deve ser reconhecido um certo poder de apreciação, por exemplo, na determinação dos preços de transferência pertinentes (39). O Tribunal de Justiça sublinha igualmente que a eventual fixação dos métodos e dos critérios que permitem determinar um resultado de «plena concorrência» se enquadra no poder de apreciação dos Estados‑Membros (40).

96.      Por conseguinte, ao fiscalizar notificações de liquidação do imposto específicas (notificações de liquidação do imposto normais como as decisões fiscais antecipadas), nomeadamente quando estas estabelecem constatações relativamente ao montante adequado de um preço de transferência, apenas se deve verificar um nível limitado de fiscalização. Se essa fiscalização se limitar a uma verificação da plausibilidade, nem toda a aplicação incorreta do direito fiscal nacional justifica uma vantagem seletiva. Só uma derrogação manifesta da decisão fiscal antecipada (ou da notificação de liquidação de imposto) ao sistema de referência a favor do sujeito passivo pode constituir uma vantagem seletiva. Na falta de uma tal derrogação manifesta, a decisão pode ser ilegal, mas, devido a essa eventual derrogação ao sistema de referência, não constitui um auxílio na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

97.      Consequentemente, não é necessário que o Tribunal de Justiça analise se deveria ter sido efetivamente aplicado o método CUP ou, de modo mais correto, o método MMLO. O Tribunal de Justiça deve apenas decidir — caso as Orientações da OCDE constituam o sistema de referência relevante —, se o método utilizado pelas autoridades fiscais luxemburguesas (no caso em apreço, o método CUP) era manifestamente errado.

98.      Tal não pode ser afirmado no presente processo. Ambos os métodos são mencionados nas Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência. Não existe, neste contexto, nenhuma relação de supremacia ou de subordinação obrigatória entre os métodos. Pelo contrário, em geral, deve aplicar‑se o método de determinação do preço de transferência mais adequado (41). Em casos difíceis em que nenhum método seja conclusivo, uma abordagem flexível permitirá utilizar conjuntamente vários métodos. Os grupos multinacionais de empresas são totalmente livres de recorrer a métodos diferentes dos indicados nos princípios da OCDE, desde que os preços fixados cumpram o princípio da plena concorrência.

99.      No considerando 252 da decisão controvertida, a própria Comissão reconhece que o método CUP escolhido pelo Luxemburgo é pertinente no caso em apreço. Nos considerandos 253 e 254 da decisão controvertida, a Comissão descreve o método CUP como um método direto de fixação dos preços de transferência e o MMLO como um método indireto. Em seguida, a Comissão serve‑se da longa exposição constante dos n.os 392 a 561 da decisão controvertida e das Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência de 2010 e de 2017, que ainda não estavam em vigor na altura, para demonstrar que, em vez do método CUP, o método pertinente é o MMLO e, em vez da LuxOpCo, a sociedade a testar é a LuxSCS. Embora tal possa (desde 2017) ser verdade, esta situação mostra igualmente que a escolha do método CUP e a tomada em consideração da LuxOpCo (na altura) não deviam, à primeira vista, ser tratadas como erradas.

100. Deste modo, a interpretação feita pelo Luxemburgo nas decisões fiscais antecipadas pode estar errada, mas não se trata de uma interpretação manifestamente errada do direito nacional (ou, no caso em apreço, das Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência em que a Comissão e o Tribunal Geral se basearam). Assim, a decisão do Tribunal Geral, de que a decisão fiscal antecipada não concede uma vantagem seletiva, também não deve, em última análise, ser objeto de contestação.

101. Por conseguinte, o primeiro fundamento de recurso apresentado pela Comissão é improcedente. O mesmo acontece se, a título subsidiário, o sistema de referência, escolhido erradamente pela Comissão e considerado erradamente como correto pelo Tribunal Geral, for aceite.

3.      Resumo do primeiro fundamento de recurso

102. Assim, importa reter que o primeiro fundamento apresentado pela Comissão não é, em caso algum, procedente. O acórdão recorrido do Tribunal Geral revela‑se, em última análise, correto, uma vez que, na decisão controvertida, a Comissão se baseou num sistema de referência errado e, por conseguinte, não pôde demonstrar a existência de uma vantagem seletiva.

103. Mesmo que se tomasse como ponto de partida o sistema de referência utilizado erradamente (as Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência de 1995, de 2010 e, eventualmente, mesmo de 2017), o método CUP escolhido na decisão fiscal antecipada luxemburguesa não teria sido manifestamente errado, nem teria sido manifestamente mal aplicado. Por este motivo, na decisão controvertida, a Comissão também não conseguiu demonstrar através das constatações principais (considerandos 409 a 561 da decisão controvertida) que a decisão fiscal antecipada conferia uma vantagem seletiva a favor da Amazon.

B.      Quanto ao segundo fundamento de recurso: nível de prova incorreto para concluir pela existência de uma vantagem e aplicação errada do princípio da plena concorrência

104. Com o segundo fundamento de recurso, a Comissão contesta a rejeição, operada nos n.os 314 a 538 do acórdão recorrido, da vantagem admitida a título subsidiário e por três vias diferentes na decisão. Por um lado, no acórdão recorrido, o Tribunal Geral cometeu um erro no que respeita ao nível de prova exigido para concluir pela existência de uma vantagem. Por outro, o Tribunal Geral aplicou erradamente o princípio da plena concorrência e não fundamentou suficientemente a sua decisão.

1.      Constatações do Tribunal Geral

105. No n.o 308 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que a Comissão deve provar que uma decisão fiscal antecipada utilizada para calcular a remuneração de uma empresa confere uma vantagem económica. Para o efeito, a Comissão deve provar que essa remuneração se afasta de um resultado de plena concorrência em proporções tais que não pode ser considerada uma remuneração recebida no mercado em condições de concorrência.

106. A este respeito, é certo que (v. n.o 310 do acórdão recorrido) cabe à Comissão demonstrar de forma concreta que o erro metodológico conduziu a uma diminuição da carga fiscal do beneficiário da decisão fiscal antecipada. Contudo, o Tribunal Geral não exclui que, em determinados casos, o erro metodológico seja tal que não permita chegar a uma aproximação de resultados de plena concorrência e que conduza necessariamente a uma subavaliação da remuneração que deveria ter sido recebida em condições de mercado.

107. No entanto, no n.o 312 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou que a Comissão se limitou a identificar erros na análise dos preços de transferência. Tal é, em princípio, insuficiente para demonstrar que houve efetivamente uma redução da carga fiscal da LuxOpCo. Tal deve‑se à falta de comparação na decisão controvertida entre, por um lado, o resultado que teria sido obtido em aplicação do método de preços de transferência preconizado pela Comissão e, por outro, o resultado obtido em aplicação da decisão fiscal antecipada.

108. No que diz respeito à primeira constatação subsidiária de uma vantagem económica, o Tribunal Geral concluiu, no n.o 520 do acórdão recorrido, que a Comissão não demonstrou a existência de uma vantagem, mas, quando muito, a probabilidade de existência de uma vantagem.

109. A Comissão — v., neste sentido, n.o 530 do acórdão recorrido — não conseguiu demonstrar que, com a aplicação do método de repartição dos lucros na variante da análise das contribuições, a remuneração da LuxOpCO teria sido mais elevada. A primeira constatação subsidiária não permite, portanto, sustentar a conclusão de que a decisão fiscal antecipada em causa conferiu uma vantagem económica à LuxOpCo. Com efeito, além do facto de a Comissão não ter procurado determinar a remuneração de plena concorrência da LuxOpCo atendendo às funções identificadas pela Comissão na sua própria análise funcional, a primeira constatação subsidiária não contém elementos concretos que permitam demonstrar de forma juridicamente bastante que os erros na análise funcional e o erro metodológico identificado pela Comissão, relativo à escolha do método enquanto tal, conduziram efetivamente a uma redução da carga fiscal da LuxOpCo.

110. Além disso, quanto à segunda constatação subsidiária relativa à existência de uma vantagem económica, há que constatar (n.o 547 do acórdão recorrido) que a Comissão não procurou determinar qual era a remuneração de plena concorrência, nem a fortiori se a remuneração da LuxOpCo, aprovada pela decisão fiscal antecipada em causa, era inferior à remuneração que a LuxOpCo receberia em condições de plena concorrência.

111. Ademais, no n.o 585 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral precisou, relativamente à terceira constatação subsidiária de uma vantagem económica, que, por muito inadequado que possa ser o mecanismo de limite máximo, e apesar de não estar previsto nas Orientações da OCDE, na versão de 1995, a Comissão não demonstrou que este mecanismo teve incidência no caráter de plena concorrência dos royalties pagos pela LuxOpCo à LuxSCS.

112. Globalmente, a Comissão não conseguiu demonstrar, através das suas três constatações subsidiárias, a existência de uma vantagem (n.os 537, 548 e 586 do acórdão recorrido).

2.      Apreciação

113. O segundo fundamento de recurso é igualmente improcedente, uma vez que o acórdão do Tribunal Geral se afigura correto também a este respeito, ainda que por razões diferentes. Como resulta das explicações constantes dos n.os 53 e segs. das presentes Conclusões, a decisão impugnada deve ser anulada, por logo o sistema de referência utilizado ter sido erradamente determinado. Em vez do direito luxemburguês (artigo 164.o, n.o 3, da LIR), apenas foram aplicadas as Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência de 1995, anteriores à adoção da decisão fiscal antecipada em 2003, e as Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência de 2010 e de 2017, emitidas após a adoção da decisão fiscal antecipada em 2003.

114. Só no caso de o Tribunal de Justiça considerar que está vinculado pela escolha errada do sistema de referência, visto que o Luxemburgo e a Amazon não contestaram expressamente essa escolha no recurso, é que o segundo fundamento de recurso deverá ser objeto de uma análise mais pormenorizada.

115. No entanto, mesmo assim, os argumentos aduzidos pela Comissão não terão nenhuma possibilidade de ser acolhidos. Com efeito, na decisão controvertida, a Comissão — como o Tribunal Geral considerou a justo título — não demonstrou que a decisão fiscal antecipada se afastou manifestamente do sistema de referência e conferiu, assim, uma vantagem seletiva à Amazon.

116. As duas primeiras constatações principais não revelaram uma violação manifesta do princípio da plena concorrência em virtude das Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência. Em contrapartida, na decisão controvertida (considerandos 575 e segs.), a Comissão sublinhou — na minha opinião, corretamente —, no quadro da terceira constatação subsidiária, que a limitação do rendimento tributável do titular da licença a 0,55 % das suas vendas anuais é incompatível com a determinação de uma remuneração adequada através de um preço de transferência. Uma vez que, regra geral, terceiros não estabelecem entre si a remuneração da licença de modo que o licenciado nunca tenha de pagar imposto acima de um determinado montante (no presente caso, 0,55 % das suas vendas anuais), este elemento não corresponde —, em meu entender, até mesmo de forma evidente — ao princípio da plena concorrência.

117. Tal é, contudo, igualmente referido pelo Tribunal Geral nos n.os 575 e segs. do acórdão recorrido. Como o Tribunal Geral também sublinhou justamente (n.o 578), este erro metodológico (ainda que evidente) não significa que este constitua, em si mesmo, uma vantagem seletiva, uma vez que, mesmo após a aplicação do mecanismo de limite máximo, a remuneração permaneceu no intervalo de plena concorrência. Consequentemente, a Comissão não demonstrou a existência de uma vantagem.

118. Estas considerações não são criticáveis do ponto de vista jurídico. Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, incumbe à Comissão apresentar a prova da existência de um «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, e, portanto, também a prova de que o requisito de concessão de uma vantagem aos beneficiários está preenchido (42). Tal pressupõe que, no caso em apreço, a Comissão demonstre que a Amazon beneficiou de uma vantagem. Todavia, a vantagem seletiva só resulta de um tratamento, através da decisão fiscal antecipada, mais favorável em relação ao regime de tributação normal. A Comissão deve apresentar prova deste tratamento mais favorável.

119. A Comissão deve proceder a uma apreciação global e ter em conta, neste contexto, todos os elementos pertinentes do caso em apreço que lhe permitam determinar se a empresa beneficiária não teria já beneficiado desses desagravamentos ao abrigo do regime fiscal normal (sistema de referência). No âmbito de aplicação dos preços de transferência, tal pressupõe que a Comissão possa calcular o preço de transferência «correto».

120. A objeção formulada pela Comissão, de que se trata de algo muito complexo, é correta. No entanto, esta objeção volta a confirmar que nem todas as aplicações erradas do direito fiscal nacional podem, simultaneamente, constituir uma vantagem seletiva (43), sendo antes apenas constatações manifestamente erradas da decisão fiscal antecipada, que têm incidência no montante da dívida fiscal.

121. Se o cálculo da remuneração em forma de royalties, aprovado na decisão fiscal antecipada, tiver sido inferior ao preço de transferência habitual, apesar da sua metodologia questionável, então, não se verifica um tratamento mais vantajoso da Amazon em relação ao regime de tributação normal. Com efeito, um preço de transferência habitual mais elevado implicaria uma carga fiscal ainda mais baixa. O Tribunal Geral condenou, com razão, a inexistência dessa comparação. Neste contexto, o segundo fundamento de recurso é, de igual modo, improcedente.

C.      Conclusão

122. Em conclusão, ambos os fundamentos de recurso invocados pela Comissão são improcedentes. Consequentemente, o acórdão recorrido revela‑se correto, embora por razões diferentes daquelas em que se baseou o Tribunal Geral. A decisão deve, desde logo, ser anulada pelo facto de a Comissão ter tomado por base o sistema de referência errado (as Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência em vez do direito luxemburguês).

123. Além disso, a decisão fiscal antecipada não contém tão‑pouco um reconhecimento manifestamente errado — a favor do sujeito passivo — do montante dos royalties. Embora a inclusão de um limite máximo do montante tributável do licenciado não seja manifestamente compatível com o método de cálculo de uma remuneração habitual entre terceiros em forma de royalties, a Comissão não demonstrou na decisão que foi assim também conferida uma vantagem.

VI.    Quanto às despesas

124. Por força do artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso da decisão do Tribunal Geral for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decidirá igualmente sobre as despesas.

125. O artigo 138.o, n.o 1, deste regulamento, aplicável a um recurso de decisão do Tribunal Geral ao abrigo do artigo 184.o, n.o 1, do referido regulamento, dispõe que a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Amazon e o Luxemburgo pedido essa condenação, há que condenar a Comissão nas despesas efetuadas pela Amazon e pelo Luxemburgo no âmbito do presente recurso.

126. O artigo 184.o, n.o 4, do Regulamento de Processo prevê que, quando um interveniente em primeira instância não tenha ele próprio interposto o recurso da decisão do Tribunal Geral, mas tenha participado na fase escrita ou oral do processo no Tribunal de Justiça, este pode decidir que essa parte suporte as suas próprias despesas. No caso vertente, a Irlanda, interveniente em primeira instância, sem ser autora do recurso, participou na fase oral do processo no Tribunal de Justiça, mas não requereu a condenação da Comissão nas despesas. Nestas condições, há que decidir que suportará as suas próprias despesas relativas ao processo de recurso (44).

VII. Conclusão

127. Atendendo ao que precede, proponho ao Tribunal de Justiça que decida do seguinte modo:

1.      É negado provimento ao recurso.

2.      A Comissão Europeia é condenada a suportar as suas próprias despesas, bem como as despesas efetuadas pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, pela Amazon EU S.à.r.l e pela Amazon.com Inc.

3.      A Irlanda suporta as suas próprias despesas.


1      Língua original: alemão.


2      V., a este respeito, em particular, recentemente Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859), e Conclusões do advogado‑geral P. Pikamäe no processo Irlanda/Comissão (C‑898/19 P, EU:C:2021:1029), bem como as minhas Conclusões no processo Engie Global LNG Holding e o./Comissão e Luxemburgo/Comissão (C‑454/21 P e C‑451/21 P, EU:C:2023:383).


3      V., a este respeito, Acórdãos de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859), de 15 de julho de 2020, Irlanda e o./Comissão (T‑778/16 e T‑892/16, EU:T:2020:338 — pendente sob o número C‑465/20 P), e de 24 de setembro de 2019, Países Baixos e o./Comissão (T‑760/15, EU:T:2019:669).


4      Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859)


5      V. artigo 58.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.


6      JO 2018, L 153, p. 1.


7      Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859).


8      Acórdãos de 16 de março de 2021, Comissão/Polónia (C‑562/19 P, EU:C:2021:201, n.o 27), de 28 de junho de 2018, Andres (Insolvência Heitkamp BauHolding)/Comissão (C‑203/16 P, EU:C:2018:505, n.o 82), de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 53), e de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Hansestadt Lübeck (C‑524/14 P, EU:C:2016:971, n.o 40).


9      Acórdãos de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 57), e de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Hansestadt Lübeck (C‑524/14 P, EU:C:2016:971, n.os 53 e 55).


10      Acórdãos de 19 de dezembro de 2018, ABrauerei (C‑374/17, EU:C:2018:1024, n.o 36), de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 57), e de 8 de setembro de 2011, Paint Graphos (C‑78/08 a C‑80/08, EU:C:2011:550, n.o 49).


11      Conclusões do advogado‑geral P. Pikamäe no processo Irlanda/Comissão (C‑898/19 P, EU:C:2021:1029, n.os 60 e segs.); v. também as minhas Conclusões no processo Fossil (Gibraltar) (C‑705/20, EU:C:2022:181, n.o 57), no processo Comissão/Polónia (C‑562/19 P, EU:C:2020:834, n.o 39), e no processo Comissão/Hungria (C‑596/19 P, EU:C:2020:835, n.o 43).


      Confirmadas pelos Acórdãos de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 73), de 15 de setembro de 2022, Fossil (Gibraltar) (C‑705/20, EU:C:2022:680, n.o 59), de 16 de março de 2021, Comissão/Polónia (C‑562/19 P, EU:C:2021:201, n.os 38 e 39), e de 16 de março de 2021, Comissão/Hungria (C‑596/19 P, EU:C:2021:202, n.os 44 e 45).


12      Conclusões do advogado‑geral P. Pikamäe no processo Irlanda/Comissão (C‑898/19 P, EU:C:2021:1029, n.o 64).


      Neste sentido, também, Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 74 ‑ daqui resulta que só o direito nacional aplicável no Estado‑Membro em causa deve ser tomado em consideração para identificar o sistema de referência em matéria de fiscalidade direta).


13      V., neste sentido, Acórdãos de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 73), de 16 de março de 2021, Comissão/Polónia (C‑562/19 P, EU:C:2021:201, n.os 38 e 39), e de 16 de março de 2021, Comissão/Hungria (C‑596/19 P, EU:C:2021:202, n.os 44 e 45).


14      Acórdãos de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 71), e de 6 de outubro de 2021, World Duty Free Group e Reino de Espanha/Comissão (C‑51/19 P e C‑64/19 P, EU:C:2021:793, n.o 61 e jurisprudência aí referida).


15      Acórdãos de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 71), e de 6 de outubro de 2021, World Duty Free Group e Reino de Espanha/Comissão (C‑51/19 P e C‑64/19 P, EU:C:2021:793, n.o 61 e jurisprudência aí referida).


16      N.o 24 do articulado de 22 de fevereiro de 2023.


17      Acórdão de 9 de junho de 2011, Comitato «Venezia vuole vivere» e o./Comissão (C‑71/09 P, C‑73/09 P e C‑76/09 P, EU:C:2011:368, n.o 65).


18      V., neste sentido, expressamente, Acórdão de 9 de junho de 2011, Comitato «Venezia vuole vivere» e o./Comissão (C‑71/09 P, C‑73/09 P e C‑76/09 P, EU:C:2011:368, n.o 118), v., neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2008, FIAMM e o./Conselho e Comissão (C‑120/06 P e C‑121/06 P, EU:C:2008:476, n.o 187 e jurisprudência aí referida). V., a este respeito, também as minhas Conclusões no processo Telefónica/Comissão (C‑274/12 P, EU:C:2013:204, n.o 16).


19      Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 95).


20      Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 96 in fine).


21      Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 97).


22      V., neste sentido, igualmente Acórdão de 8 de maio de 2019, Związek Gmin Zagłębia Miedziowego (C‑566/17, EU:C:2019:390, n.o 39).


23      Quanto à relevância em matéria de auxílios de Estado de uma prática administrativa constante, v., nomeadamente, as minhas Conclusões no processo Comissão/Bélgica e Magnetrol International (C‑337/19 P, EU:C:2020:990, n.os 63 e segs.) e Acórdão de 16 de setembro de 2021, Comissão/Bélgica e Magnetrol International (C‑337/19 P, EU:C:2021:741, n.os 71 e segs.).


24      Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859).


25      Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência de 2017, capítulo VI, e Relatório final BEPS, Ações 8‑10, pp. 141‑160. O relatório foi publicado em 5 de outubro de 2015 e aprovado pelo Conselho da OCDE em 23 de julho de 2016.


26      V. Acórdãos de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 82), de 28 de junho de 2018, Andres (Insolvência Heitkamp BauHolding)/Comissão (C‑203/16 P, EU:C:2018:505, n.o 78), de 3 de abril de 2014, França/Comissão (C‑559/12 P, EU:C:2014:217, n.o 79), e de 24 de outubro de 2002, Aéroports de Paris/Comissão (C‑82/01 P, EU:C:2002:617, n.o 63).


27      V. artigo 58.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.


28      V. Acórdãos de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 82), e de 28 de junho de 2018, Andres (Insolvência Heitkamp BauHolding)/Comissão (C‑203/16 P, EU:C:2018:505, n.o 78 e jurisprudência aí referida).


29      V. (quanto a um princípio de plena concorrência existente alegadamente no direito nacional) recentemente Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 85), v., por analogia, Acórdão de 28 de junho de 2018, Andres (Insolvência Heitkamp BauHolding)/Comissão (C‑203/16 P, EU:C:2018:505, n.os 80 e 81 relativos à interpretação errada do § 8c da KStG pelo Tribunal Geral).


30      Acórdãos de 28 de junho de 2018, Andres (Insolvência Heitkamp BauHolding)/Comissão (C‑203/16 P, EU:C:2018:505, n.o 78), v., neste sentido, igualmente Acórdãos de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Hansestadt Lübeck (C‑524/14 P, EU:C:2016:971, n.os 61 a 63), e de 3 de abril de 2014, França/Comissão (C‑559/12 P, EU:C:2014:217, n.o 83).


31      V. as minhas Conclusões no processo Engie Global LNG Holding e o./Comissão e Luxemburgo/Comissão (C‑454/21 P e C‑451/21 P, EU:C:2023:383, n.os 86 e segs.).


32      Acórdão de 16 de março de 2021, Comissão/Polónia (C‑562/19 P, EU:C:2021:201, n.o 37), v., neste sentido, também no que diz respeito às liberdades fundamentais, Acórdãos de 3 de março de 2020, Vodafone Magyarország (C‑75/18, EU:C:2020:139, n.o 49), e de 3 de março de 2020, TescoGlobal Áruházak (C‑323/18, EU:C:2020:140, n.o 69 e jurisprudência aí referida).


33      Acórdãos de 15 de setembro de 2022, Fossil (Gibraltar) (C‑705/20, EU:C:2022:680, n.o 59), e de 16 de março de 2021, Comissão/Polónia (C‑562/19 P, EU:C:2021:201, n.o 37), v., neste sentido, nomeadamente Acórdão de 26 de abril de 2018, ANGED (C‑233/16, EU:C:2018:280, n.o 50 e jurisprudência aí referida).


34      Neste sentido aponta igualmente o Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.os 95 e segs.).


35      Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Reino de Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido (C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.o 72).


36      Como, por exemplo, no caso de Gibraltar: Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Reino de Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido (C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.os 101 e segs.). Neste caso, o Reino Unido também não conseguiu explicar a finalidade dos parâmetros fiscais utilizados (n.o 149).


37      Acórdãos de 15 de setembro de 2022, Fossil (Gibraltar) (C‑705/20, EU:C:2022:680, n.o 61), de 16 de março de 2021, Comissão/Polónia (C‑562/19 P, EU:C:2021:201, n.os 42 e segs., especialmente n.o 44), e de 16 de março de 2021, Comissão/Hungria (C‑596/19 P, EU:C:2021:202, n.os 48 e segs., especialmente n.o 50). Já no Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Reino de Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido (C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.o 101), o Tribunal de Justiça fala de bases jurídicas, que «provocam, de facto, [manifestamente] uma discriminação» entre os sujeitos passivos (o sublinhado é meu).


38      Conclusões do advogado‑geral P. Pikamäe no processo Irlanda/Comissão (C‑898/19 P, EU:C:2021:1029, n.o 106).


39      Conclusões do advogado‑geral P. Pikamäe no processo Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P, EU:C:2021:1028, n.o 118).


40      Acórdão de 8 de novembro de 2022, Fiat Chrysler Finance Europe/Comissão (C‑885/19 P e C‑898/19 P, EU:C:2022:859, n.o 95).


41      A Comissão salienta igualmente esta situação no considerando 250 da decisão controvertida.


42      Neste sentido, expressamente: Acórdão de 4 de março de 2021, Comissão/Fútbol Club Barcelona (C‑362/19 P, EU:C:2021:169, n.o 62). V., neste sentido, Acórdão de 19 de setembro de 2018, Comissão/França e IFP Énergies nouvelles (C‑438/16 P, EU:C:2018:737, n.o 110 e jurisprudência aí referida). V., igualmente, Acórdão de 11 de novembro de 2021, Autostrada Wielkopolska/Comissão e Polónia (C‑933/19 P, EU:C:2021:905, n.o 108).


43      V., a este respeito, supra, n.os 91 e segs.


44      V., neste sentido, Acórdãos de 16 de março de 2021, Comissão/Polónia (C‑562/19 P, EU:C:2021:201, n.o 60), e de 28 de junho de 2018, Andres (Insolvência Heitkamp BauHolding)/Comissão (C‑203/16 P, EU:C:2018:505, n.os 113 e 114).