Language of document : ECLI:EU:C:2019:251

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

26 de março de 2019 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Regime linguístico — Concursos gerais para o recrutamento de administradores — Anúncio de concurso — Administradores (AD 5) — Administradores (AD 6) no domínio da proteção de dados — Conhecimentos linguísticos — Limitação da escolha da língua 2 do concurso às línguas inglesa, francesa e alemã — Língua de comunicação com o Serviço Europeu de Seleção do Pessoal (EPSO) — Regulamento n.o 1 — Estatuto dos Funcionários — Discriminação em razão da língua — Justificação — Interesse do serviço — Fiscalização jurisdicional»

No processo C‑621/16 P,

que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 25 de novembro de 2016,

Comissão Europeia, representada por L. Pignataro‑Nolin e G. Gattinara, na qualidade de agentes,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

República Italiana, representada por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por P. Gentili, avvocato dello Stato,

recorrente em primeira instância,

apoiada por:

Reino de Espanha, representado por M. J. García‑Valdecasas Dorrego, na qualidade de agente,

interveniente no presente recurso,

República da Lituânia,

interveniente em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, R. Silva de Lapuerta, vice‑presidente, J.‑C. Bonichot, M. Vilaras, E. Regan, F. Biltgen, K. Jürimäe e C. Lycourgos, presidentes de secção, A. Rosas (relator), E. Juhász, J. Malenovský, E. Levits e L. Bay Larsen, juízes,

advogado‑geral: M. Bobek,

secretário: V. Giacobbo‑Peyronnel, administradora,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral apresentadas na audiência de 25 de julho de 2018,

profere o presente

Acórdão

1        Com o presente recurso, a Comissão Europeia pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 15 de setembro de 2016, Itália/Comissão (T‑353/14 e T‑17/15, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2016:495), pelo qual este anulou o Anúncio de concurso geral EPSO/AD/276/14, para a constituição de uma lista de reserva de administradores (JO 2014, C 74 A, p. 4), e o Anúncio de concurso geral EPSO/AD/294/14, para a constituição de uma lista de reserva de administradores no domínio da proteção de dados para a Autoridade Europeia para a Proteção de Dados (JO 2014, C 391 A, p. 1) (a seguir, em conjunto, «anúncios de concurso controvertidos»).

 Quadro jurídico

 Regulamento n.o 1/58

2        O artigo 1.o do Regulamento n.o 1 do Conselho, de 15 de abril de 1958, que estabelece o regime linguístico da Comunidade Económica Europeia (JO 1958, 17, p. 385; EE 01 F1 p. 8), conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 517/2013 do Conselho, de 13 de maio de 2013 (JO 2013, L 158, p. 1, a seguir «Regulamento n.o 1/58»), dispõe:

«As línguas oficiais e as línguas de trabalho das instituições da União são o alemão, o búlgaro, o checo, o croata, o dinamarquês, o eslovaco, o esloveno, o espanhol, o estónio, o finlandês, o francês, o grego, o húngaro, o irlandês, o inglês, o italiano, o letão, o lituano, o maltês, o neerlandês, o polaco, o português, o romeno e o sueco.»

3        O artigo 2.o deste regulamento prevê:

«Os textos dirigidos às instituições por um Estado‑Membro ou por uma pessoa sujeita à jurisdição de um Estado‑Membro serão redigidos numa das línguas oficiais, à escolha do expedidor. A resposta será redigida na mesma língua.»

4        Nos termos do artigo 6.o do referido regulamento:

«As instituições podem determinar as modalidades de aplicação deste regime linguístico nos seus regulamentos internos.»

 Estatuto dos Funcionários

5        O Estatuto dos Funcionários da União Europeia (a seguir «Estatuto dos Funcionários») foi estabelecido pelo Regulamento (CEE, Euratom, CECA) n.o 259/68 do Conselho, de 29 de fevereiro de 1968, que fixa o Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias assim como o Regime aplicável aos outros agentes destas Comunidades, e institui medidas especiais temporariamente aplicáveis aos funcionários da Comissão (JO 1968, L 56, p. 1; EE 01 F1 p. 129), conforme alterado pelo Regulamento (UE, Euratom) n.o 1023/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2013 (JO 2013, L 287, p. 15).

6        O título I do Estatuto dos Funcionários, com a epígrafe «Disposições gerais», compreende os artigos 1.o a 10.o‑C.

7        O artigo 1.o‑D do Estatuto dos Funcionários enuncia:

«1.      Na aplicação do presente Estatuto, é proibida qualquer discriminação em razão, designadamente, […] [da] língua […].

[…]

6.      No respeito dos princípios da não discriminação e da proporcionalidade, qualquer limitação da sua aplicação deve ser justificada em fundamentos objetivos e razoáveis e destinada a prosseguir os objetivos legítimos de interesse geral no quadro da política de pessoal. […]»

8        Nos termos do artigo 2.o do Estatuto dos Funcionários:

«1.      Cada instituição fixará as entidades que nela exercerão os poderes conferidos pelo presente Estatuto à entidade competente para proceder a nomeações.

2.      Todavia, uma ou mais instituições podem confiar a uma delas ou a um organismo interinstitucional o exercício da totalidade ou de parte dos poderes conferidos à entidade competente para proceder a nomeações, que não sejam decisões relacionadas com a nomeação, a promoção ou a mutação de funcionários.»

9        O título III do Estatuto dos Funcionários intitula‑se «Carreira do Funcionário».

10      O capítulo 1 deste título, com a epígrafe «Recrutamento», inclui os artigos 27.o a 34.o do Estatuto dos Funcionários, prevendo o artigo 27.o, primeiro parágrafo:

«O recrutamento deve ter em vista assegurar à instituição o serviço de funcionários que possuam as mais elevadas qualidades de competência, rendimento e integridade, recrutados numa base geográfica tão alargada quanto possível dentre os nacionais dos Estados‑Membros da União. Nenhum lugar pode ser reservado para os nacionais de um determinado Estado‑Membro.»

11      O artigo 28.o do Estatuto dos Funcionários prevê:

«Não pode ser nomeado funcionário quem:

[…]

d)      Não tiver sido selecionado, sem prejuízo do disposto no n.o 2 do artigo 29.o, [relativo à adoção de um processo de recrutamento diferente do processo de concurso, no que respeita ao recrutamento de funcionários superiores, assim como, em casos excecionais, para lugares que exijam qualificações especiais], em concurso documental, por prestação de provas, ou documental e por prestação de provas, de acordo com o disposto no Anexo III;

[…]

f)      Não provar que possui um conhecimento aprofundado de uma das línguas da União e um conhecimento satisfatório de outra língua da União, na medida necessária às funções que for chamado a exercer.»

12      O artigo 29.o, n.o 1, do Estatuto dos Funcionários, que prevê a possibilidade de dar início ao processo de concurso documental, por prestação de provas, ou documental e por prestação de provas a fim de prover as vagas existentes numa instituição, dispõe que «[o] processo de concurso é regido pelas disposições constantes do Anexo III».

13      No capítulo 3 do referido título III, com a epígrafe «Classificação de serviço, subida de escalão e promoção», o artigo 45.o, n.o 2, do Estatuto dos Funcionários dispõe:

«Antes da sua primeira promoção após o recrutamento, os funcionários terão de demonstrar a sua capacidade de trabalhar numa terceira língua entre as referidas no artigo 55.o, n.o 1, do Tratado da União Europeia. […]»

14      O anexo III do Estatuto dos Funcionários intitula‑se «Processo do concurso». O artigo 1.o prevê:

«1.      O aviso do concurso é estabelecido pela entidade competente para proceder a nomeações após consulta da Comissão Paritária.

O aviso deve especificar:

a)      A natureza do concurso (concurso no seio da instituição, concurso no seio das instituições, concurso geral, eventualmente comum a duas ou mais instituições);

b)      As modalidades (concurso documental, por prestação de provas, ou documental e por prestação de provas);

c)      A natureza das funções e atribuições correspondentes aos lugares a prover e o grupo de funções e grau propostos;

d)      […] os diplomas e outros documentos comprovativos de habilitações ou o nível de experiência requerido para os lugares a prover;

e)      No caso de concurso por prestação de provas, a natureza destas provas e a sua cotação respetiva;

f)      Eventualmente os conhecimentos linguísticos requeridos pela natureza específica dos lugares a prover;

g)      Eventualmente, o limite de idade, assim como o aumento do limite de idade aplicável aos agentes em funções há pelo menos um ano;

h)      A data limite de receção das candidaturas;

[…]»

15      Nos termos do artigo 7.o deste anexo:

«1.      Após consulta do Comité do Estatuto, as instituições confiarão ao Serviço Europeu de Seleção do Pessoal [a seguir “EPSO”] a responsabilidade de adotar as medidas necessárias para garantir a aplicação de normas uniformes nos processos de seleção de funcionários da União […].

2.      As funções deste Serviço [do EPSO] consistirão em:

a)      Organizar, a pedido de uma instituição, concursos gerais;

[…]

d)      Assumir a responsabilidade geral pela definição e organização da avaliação dos conhecimentos linguísticos, de modo a garantir que os requisitos constantes do n.o 2 do artigo 45.o do Estatuto são preenchidos de forma harmonizada e coerente.

3. O [EPSO] pode, a pedido de uma instituição, realizar outras tarefas relacionadas com a seleção de funcionários.

[…]»

 Decisão 2002/620/CE

16      O EPSO foi criado pela Decisão 2002/620/CE do Parlamento Europeu, do Conselho, da Comissão, do Tribunal de Justiça, do Tribunal de Contas, do Comité Económico e Social, do Comité das Regiões e do Procurador de Justiça, de 25 de julho de 2002 (JO 2002, L 197, p. 53).

17      O artigo 2.o, n.o 1, primeira frase, desta decisão enuncia que o EPSO exerce, nomeadamente, os poderes de seleção atribuídos pelo anexo III do Estatuto dos Funcionários às entidades competentes para proceder a nomeações das instituições signatárias da referida decisão.

18      O artigo 4.o, última frase, da Decisão 2002/620 prevê que todos os recursos nos domínios visados pela decisão serão interpostos contra a Comissão.

 Outros textos aplicáveis e anúncios de concurso controvertidos

 Disposições gerais aplicáveis aos concursos gerais

19      Em 1 de março de 2014, o EPSO publicou no Jornal Oficial da União Europeia (JO 2014, C 60 A, p. 1) um documento intitulado «Disposições gerais aplicáveis aos concursos gerais». Este documento contém, entre outras especificações, disposições sobre os conhecimentos linguísticos exigidos aos candidatos dos concursos. Na primeira página desse documento, está indicado que «[a]s disposições gerais aplicáveis aos concursos fazem parte integrante do anúncio de concurso e juntamente com este constituem o quadro vinculativo do procedimento de concurso».

20      O ponto 1.1 das disposições gerais aplicáveis aos concursos gerais, que define estes concursos, afirma que «[a]s instituições europeias selecionam os seus futuros funcionários através de concursos gerais». Decorre do ponto 1.3 destas disposições gerais, intitulado «Elegibilidade», que, no âmbito dos conhecimentos linguísticos, regra geral, exige‑se que o candidato tenha «um profundo conhecimento de uma das línguas oficiais da [União] e um conhecimento satisfatório de outra dessas línguas […]. Salvo indicação em contrário no anúncio de concurso, a escolha da segunda língua está normalmente limitada ao alemão, francês ou inglês».

21      O ponto 2 das disposições gerais aplicáveis aos concursos gerais é relativo às etapas do concurso. No ponto 2.1.4, intitulado «Preencha a sua candidatura eletrónica», precisa‑se que «[t]odas as partes do formulário de inscrição eletrónica, incluindo a secção “O avaliador de talento” (talent screener), devem ser preenchidas em alemão, francês ou inglês, salvo indicação em contrário no anúncio de concurso».

22      O ponto 3 das referidas disposições gerais apresenta «informações gerais». O ponto 3.1.1, intitulado «EPSO: Comunicação com os candidatos», indica, designadamente, que «[a] comunicação dos seus resultados, bem como todas as convocatórias, ser‑lhe‑ão enviadas unicamente através da sua conta EPSO em alemão, francês ou inglês».

 Orientação geral sobre a utilização das línguas

23      As Orientações gerais sobre a utilização das línguas nos concursos do EPSO, adotadas pelo Colégio dos Chefes de Administração em 15 de maio de 2013 (a seguir «orientação geral sobre a utilização das línguas»), são aplicadas pelo EPSO na organização dos concursos gerais, como resulta do ponto 1.3 das disposições gerais aplicáveis aos concursos gerais. Essas orientações, que figuram no anexo 2 destas disposições, preveem:

«Confirma‑se que, regra geral, a utilização das línguas nos concursos organizados pelo EPSO segue as seguintes regras:

[…]

–        A fase do centro de avaliação terá lugar apenas na segunda língua dos candidatos, escolhida de entre o francês, o inglês e o alemão.

–        […]

Vários fatores justificam a limitação da escolha da segunda língua.

Em primeiro lugar, o interesse do serviço exige que os novos recrutados estejam imediatamente operacionais e capazes de desempenhar eficazmente as funções para que foram recrutados no domínio ou função objeto do concurso.

O inglês, o francês e o alemão são as línguas mais utilizadas nas instituições. Tradicionalmente, são as línguas utilizadas nas reuniões dos membros das instituições. São também as línguas mais frequentemente utilizadas na comunicação tanto a nível interno como com o mundo exterior. Este facto é confirmado pelas estatísticas sobre as línguas de partida dos textos traduzidos pelos serviços de tradução das instituições.

Dadas as necessidades linguísticas efetivas das instituições para a comunicação interna e externa, um critério de seleção conforme com o artigo 27.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Estatuto [dos Funcionários], deve ser um conhecimento satisfatório de uma destas três línguas, que deve ser testado através da simulação realista de uma situação de trabalho. […]

Em segundo lugar, a limitação das línguas nas fases subsequentes dos concursos é justificada pela natureza dos testes em causa. […]

Um conjunto substancial de estudos demonstrou que os centros de avaliação, com a simulação de situações de trabalho reais, permitem prever melhor o desempenho real, sendo utilizados em todo o mundo como o método mais eficaz de avaliação. […] Para assegurar que os candidatos são avaliados de forma leal e podem comunicar diretamente com os avaliadores e os outros candidatos que participam nos exercícios, a aplicação deste método requer, em especial, que as provas do centro de avaliação se realizem numa língua franca ou, em determinadas circunstâncias, na língua principal do concurso. […]

[…] Como o uso tradicional acima referido continua a ser a prática corrente a nível interno, a escolha [da língua veicular das provas] deve efetuar‑se entre o francês, o inglês e o alemão. Os centros de avaliação não implicam a apreciação do nível de conhecimentos linguísticos; um conhecimento satisfatório de uma destas três como segunda língua é suficiente para realizar os testes (em conformidade com os requisitos mínimos estabelecidos no artigo 28.o do Estatuto [dos Funcionários]). Este nível de conhecimentos linguísticos não é de modo algum desproporcionado, tendo em conta as necessidades reais do serviço, como acima se descreveu.

[…] A obrigação de os candidatos escolherem uma segunda língua (inglês, francês ou alemão) diferente da sua primeira língua (normalmente a língua materna ou equivalente), garante que estes podem ser comparados em pé de igualdade. […]

[…] Limitar as opções de escolha da segunda língua reflete os atuais conhecimentos linguísticos dos europeus. O inglês, o francês e o alemão não são apenas as línguas de vários Estados‑Membros da União Europeia, são também as línguas estrangeiras mais geralmente conhecidas. São as línguas mais frequentemente aprendidas como línguas estrangeiras e as línguas cuja aprendizagem é considerada mais útil. Assim, as necessidades reais do serviço parecem um reflexo razoável das competências linguísticas que se podem esperar dos candidatos, sobretudo tendo em conta que o conhecimento de uma língua em sentido estrito (erros de ortografia, gramática ou vocabulário) não é avaliado nos testes de competência. A limitação das possibilidades de escolha da segunda língua ao inglês, francês ou alemão, por conseguinte, não constitui um obstáculo desproporcionado para a participação nos concursos. Com efeito, segundo as informações disponíveis, corresponde sensivelmente ao que as pessoas estão habituadas e esperam.

As estatísticas relevantes corroboram a conclusão de que a limitação da escolha da segunda língua em determinadas fases dos concursos é proporcionada e não discriminatória. Por exemplo, o inglês, o francês ou o alemão foram as escolhas mais frequentes quando os candidatos tiveram a possibilidade de escolher a sua segunda língua entre as onze línguas oficiais nos principais concursos gerais da UE‑25 para administradores e assistentes em 2005. As estatísticas dos concursos realizados após a reforma de 2010 não apresentam qualquer distorção a favor dos cidadãos dos países onde o inglês, o francês ou o alemão são línguas oficiais. Além disso, as estatísticas dos concursos AD 2010 mostram que um número significativo de candidatos ainda escolhe uma das três como sua segunda língua.

Pelos mesmos motivos, parece razoável exigir aos candidatos que escolham uma destas três línguas para comunicar com o EPSO e preencher o “avaliador de talento”.

[…]»

 Anúncios de concurso controvertidos

24      O Tribunal Geral expôs o conteúdo dos anúncios de concurso controvertidos nos seguintes termos nos n.os 12 a 24 do acórdão recorrido:

«12      Em 13 de março de 2014, o EPSO publicou no Jornal Oficial da União Europeia [os anúncios de concurso controvertidos]. […].

13      Na parte introdutória de cada um dos [anúncios de concurso controvertidos] refere‑se que as disposições gerais fazem “parte integrante” deles.

14      Nos termos das condições de admissão aos concursos abrangidos pelos [anúncios de concurso controvertidos], estes últimos exigem um conhecimento aprofundado ou o domínio perfeito de uma das línguas oficiais da União, sendo essa língua designada “língua 1” do concurso, e um conhecimento satisfatório de uma segunda língua, designada “língua 2” do concurso, que deve ser escolhida por cada candidato de entre o alemão, o inglês ou o francês, sendo precisado que deve ser obrigatoriamente diferente da língua escolhida pelo mesmo candidato como língua 1 (parte III, ponto 2.3, dos [anúncios de concurso controvertidos]) [(a seguir “língua 2 do concurso”)].

15      No ponto 2.3 da parte III dos [anúncios de concurso controvertidos] são feitas precisões respeitantes à limitação da escolha da língua 2 a apenas três das línguas acima referidas. O anúncio de concurso geral EPSO/AD/276/14 salienta, a este respeito, o seguinte:

“Em conformidade com o [A]córdão [de 27 de novembro de 2012, Itália/Comissão (C‑566/10 P, EU:C:2012:752)], as instituições da UE pretendem, no âmbito do presente concurso, indicar os motivos para limitar a escolha da segunda língua a um número restrito de línguas oficiais da UE.

Os candidatos são, por conseguinte, informados de que as opções para a segunda língua no presente concurso foram definidas de acordo com os interesses dos serviços, que determinam que os colegas recentemente recrutados devem estar imediatamente operacionais e ser capazes de comunicar eficientemente no âmbito do seu trabalho quotidiano. Caso contrário, o funcionamento eficaz das instituições ficaria gravemente comprometido.

Com base na prática habitual das instituições da UE relativamente às línguas utilizadas na comunicação interna e tendo igualmente em conta as necessidades dos serviços em matéria de comunicação externa e tratamento dos processos, o inglês, o francês e o alemão são as línguas mais amplamente utilizados. Além disso, o inglês, o francês e o alemão constituem as segundas línguas mais amplamente utilizadas na União Europeia e as mais estudadas como segundas línguas. Isto confirma as atuais normas académicas e profissionais, segundo as quais se considera que os candidatos a vagas na União Europeia dominam pelo menos uma dessas línguas. Por conseguinte, ao ponderar o interesse do serviço e as necessidades e as capacidades dos candidatos, ao ter também em conta o domínio especial do presente concurso, é legítimo organizar testes nestas três línguas, a fim de garantir que, independentemente da sua primeira língua oficial, todos os candidatos dominam, pelo menos, uma destas três línguas oficiais a nível profissional. A avaliação de competências específicas, segundo esta modalidade, permite às instituições avaliar a capacidade dos candidatos para desempenharem imediatamente as suas funções num ambiente rigorosamente equivalente à realidade que enfrentariam no local de trabalho.

Pelos mesmos motivos, deve limitar‑se a língua de comunicação entre os candidatos e a instituição, incluindo a língua na qual as candidaturas devem ser redigidas. Além disso, esta exigência garante a homogeneidade da comparação e o controlo dos candidatos em relação às suas próprias candidaturas.

Além disso, no interesse de um tratamento equitativo de todos os candidatos, todos, inclusive aqueles cuja primeira língua oficial é uma destas três, devem realizar as provas na sua segunda língua selecionada de entre estas três.

Esta disposição aplica‑se sem prejuízo de uma posterior formação linguística destinada a adquirir capacidade para trabalhar numa terceira língua, em conformidade com o artigo 45.o, n.o 2, do Estatuto dos Funcionários.”

16      Em substância, o anúncio de concurso geral EPSO/AD/294/14 dá as mesmas precisões.

17      A parte IV do anúncio de concurso geral EPSO/AD/276/14 prevê a organização de testes de acesso realizados em computador. São provas de raciocínio verbal [teste a)], de raciocínio numérico [teste b)], de raciocínio abstrato [teste c)] e de teste situacional [teste d)]. No ponto 3 dessa parte do anúncio, precisa‑se que a língua dos testes a) a c) é a língua 1 do concurso, ao passo que a língua do teste d) é a língua 2 do concurso.

18      Por outro lado, a parte IV do anúncio de concurso geral EPSO/AD/294/14 prevê igualmente a organização de testes de acesso. Trata‑se de provas de raciocínio verbal [teste a)], de raciocínio numérico [teste b)] e de raciocínio abstrato [teste c)]. No ponto 3 dessa parte do anúncio, precisa‑se que a língua dos testes a) a c) é a língua 1 do concurso.

19      A parte V do anúncio de concurso geral EPSO/AD/294/14 define a admissão ao concurso e a seleção documental. Aí se precisa que o exame das condições gerais e específicas e a seleção documental são efetuados, «numa primeira fase», com base nas declarações prestadas pelos candidatos no ato de candidatura. As respostas às perguntas relativas às condições gerais e específicas são analisadas a fim de determinar se os candidatos são inscritos na lista dos candidatos que preenchem todas as condições de admissão ao concurso, de acordo com o previsto no título III do anúncio EPSO/AD/294/14. Em seguida, em relação aos candidatos que preenchem as condições de admissão ao concurso, o júri procede a uma seleção documental, para identificar os candidatos que possuem as qualificações mais pertinentes (nomeadamente à luz de diplomas e da experiência profissional) para as funções e à luz dos critérios de seleção descritos no anúncio EPSO/AD/294/14. Essa seleção é feita unicamente com base nas declarações dos candidatos prestadas na secção «avaliador de talento», em função de uma pontuação estabelecida na parte V, ponto 1, alínea b), do anúncio EPSO/AD/294/14.

[…]

21      A última etapa dos processos de seleção a que se referem os [anúncios de concurso controvertidos] consiste num “Centro de Avaliação” (parte V do anúncio EPSO/AD/276/14; parte VI do anúncio EPSO/AD/294/14).

22      No ponto 3 da parte V do anúncio EPSO/AD/276/14, refere‑se que a língua do Centro de Avaliação é a língua 2 do concurso.

23      Segundo o ponto 2 da parte VI do anúncio EPSO/AD/294/14, no âmbito da prova do Centro de Avaliação, os candidatos serão sujeitos a três tipos de exercícios, destinados a avaliar:

—      as suas aptidões em matéria de raciocínio, por meio de um teste de raciocínio verbal [teste a)], de um teste de raciocínio numérico [teste b)] e de um teste de raciocínio abstrato [teste c)];

—      as suas competências específicas, através de uma entrevista estruturada nas competências nesse domínio [teste d)];

—      as suas competências gerais, através de um estudo de caso [teste e)], de um exercício de grupo [teste f)] e de uma entrevista estruturada [teste g)].

24      Refere‑se ainda, no ponto 3 da mesma parte do anúncio EPSO/AD/294/14, que as línguas do Centro de Avaliação serão a língua 1 do concurso para os testes a) a c) e a língua 2 do concurso para os testes d) a g).»

 Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdão recorrido

25      Por petições apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral, uma, em 23 de maio de 2014, e outra, em 15 de janeiro de 2015, a República Italiana interpôs recursos de anulação dos anúncios de concurso controvertidos. Esses processos foram registados, respetivamente, como processo T‑353/14 e processo T‑17/15. A República da Lituânia foi admitida a intervir em apoio dos pedidos da República Italiana neste último processo.

26      Os processos T‑353/14 e T‑17/15 foram apensados para efeitos da fase oral e do acórdão.

27      A República Italiana contestou a legalidade de duas componentes do regime linguístico instituído pelos anúncios de concurso controvertidos, a saber, a que limita ao inglês, ao francês e ao alemão a escolha, por um lado, da língua 2 do concurso, e, por outro, das línguas de comunicação suscetíveis de ser utilizadas nos contactos entre os candidatos e o EPSO.

28      Após ter julgado improcedente a exceção de inadmissibilidade suscitada pela Comissão, o Tribunal Geral examinou, em primeiro lugar, conjuntamente, o terceiro e sétimo fundamentos de cada um dos recursos, relativos à primeira componente do regime linguístico em causa, a saber, a legalidade da limitação da escolha da língua 2 do concurso ao inglês, ao francês e ao alemão, e relativos à violação do artigo 6.o, n.o 3, TUE, do artigo 18.o TFUE, do artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE, do artigo 22.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), dos artigos 1.o e 6.o do Regulamento n.o 1/58, dos artigos 1.o‑D, n.os 1 e 6, 27.o, segundo parágrafo, e 28.o, alínea f), do Estatuto dos Funcionários, bem como do artigo 1.o, n.os 1, alínea f), 2 e 3, do anexo III deste Estatuto, a uma violação do princípio da proporcionalidade e a uma «desvirtuação dos factos». O Tribunal Geral julgou procedentes estes fundamentos e anulou os anúncios de concurso controvertidos na medida em que previam essas exigências linguísticas.

29      Em segundo lugar, o Tribunal Geral analisou o sexto fundamento de cada um dos recursos, relativo à segunda componente do regime linguístico em causa, a saber, a legalidade da limitação da escolha da língua de comunicação entre os candidatos do concurso e o EPSO àquelas três línguas, e relativo à violação do artigo 18.o TFUE, do artigo 24.o, quarto parágrafo, TFUE, do artigo 22.o da Carta, do artigo 2.o do Regulamento n.o 1/58 e do artigo 1.o‑D, n.os 1 e 6, do Estatuto dos Funcionários. O Tribunal considerou igualmente procedente este fundamento e, por considerar que não era necessário examinar os outros fundamentos dos recursos, anulou os anúncios de concurso controvertidos na medida em que impunham essa limitação.

30      Por último, o Tribunal Geral precisou que, apesar da anulação dos anúncios de concurso controvertidos, não havia que pôr em causa os resultados dos concursos objeto destes anúncios.

 Pedidos das partes no presente recurso

31      A Comissão pede que o Tribunal de Justiça se digne:

–        anular o acórdão recorrido;

–        no caso de o Tribunal de Justiça considerar que o estado do litígio o permite, negar provimento ao recurso em primeira instância;

–        condenar a República Italiana nas despesas do presente processo e nas despesas em primeira instância; e

–        condenar a República da Lituânia a suportar as suas próprias despesas.

32      A República Italiana pede que o Tribunal de Justiça se digne:

–        negar provimento ao recurso; e

–        condenar a Comissão nas despesas.

33      Por decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 30 de março de 2017, o Reino da Espanha foi admitido a intervir em apoio dos pedidos da República Italiana.

 Quanto ao presente recurso

34      A Comissão invoca quatro fundamentos de recurso.

35      O primeiro fundamento é relativo a um erro de direito cometido pelo Tribunal Geral na sua interpretação da admissibilidade dos recursos que lhe foram submetidos. O segundo fundamento é relativo ao erro de direito cometido pelo Tribunal Geral na interpretação do artigo 1.o‑D do Estatuto dos Funcionários e na interpretação do alcance do dever de fundamentação que incumbia à Comissão. O terceiro fundamento é relativo, por um lado, a erros de direito na interpretação do artigo 28.o, alínea f), do Estatuto dos Funcionários, e, por outro, ao facto de o Tribunal Geral ter excedido os limites da fiscalização jurisdicional que podia exercer sobre a limitação da escolha da língua 2 do concurso às línguas inglesa, francesa e alemã. Por último, o quarto fundamento é relativo aos erros de direito cometidos na interpretação da limitação da língua de comunicação entre os candidatos e o EPSO a uma destas três línguas.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à admissibilidade do recurso no Tribunal Geral

 Argumentação das partes

36      O primeiro fundamento divide‑se em quatro partes.

37      Na primeira parte deste fundamento, a Comissão acusa o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito ao não considerar, nos n.os 47 a 52 do acórdão recorrido, que as disposições gerais aplicáveis aos concursos gerais e a orientação geral sobre a utilização das línguas tinham caráter juridicamente vinculativo. Na segunda parte deste fundamento, a Comissão alega que, ao declarar, nos n.os 53 a 57 do acórdão recorrido, que o EPSO não tinha o poder de impor regras vinculativas gerais e abstratas em matéria de regime linguístico dos concursos por ele organizados, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito. O Tribunal Geral tinha igualmente fundamentado de maneira contraditória a sua apreciação sobre este ponto. Com a terceira parte deste mesmo fundamento, a Comissão alega que, ao considerar, no n.o 58 do acórdão recorrido, que as disposições gerais aplicáveis aos concursos gerais e a orientação geral sobre a utilização das línguas deviam ser encaradas como comunicações que «anunci[avam]» os critérios para uma limitação da escolha de uma língua como língua 2 do concurso, o Tribunal Geral interpretou erradamente a referência, no n.o 91 do Acórdão de 27 de novembro de 2012, Itália/Comissão (C‑566/10 P, EU:C:2012:752), às comunicações «que estabelecem» esses critérios.

38      Com a quarta parte do seu primeiro fundamento, a Comissão sustenta que o Tribunal Geral interpretou incorretamente, nos n.os 65 a 71 do acórdão recorrido, a natureza jurídica dos anúncios de concurso controvertidos, designadamente na medida em que considerou que não constituíam atos confirmativos das disposições gerais aplicáveis aos concursos gerais. O Tribunal Geral tinha igualmente fundamentado de forma insuficiente a sua apreciação a este respeito.

39      A República Italiana contesta todos estes argumentos.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

–       Observações preliminares

40      Na medida em que a Comissão acusa o Tribunal Geral de ter declarado que os recursos da República Italiana eram admissíveis, este fundamento visa os n.os 43 a 71 do acórdão recorrido e critica, nomeadamente, a conclusão, enunciada no n.o 71 desse acórdão, pela qual o Tribunal Geral julgou improcedente a exceção de inadmissibilidade deduzida pela Comissão.

41      A este respeito, embora o Tribunal Geral tenha analisado, nos n.os 43 a 58 do acórdão recorrido, a natureza e o alcance jurídico das disposições gerais aplicáveis aos concursos gerais, foi com base num exame da natureza jurídica dos anúncios de concurso controvertidos, que figura nos n.os 60 a 69 do acórdão recorrido, que julgou improcedente a exceção de inadmissibilidade oposta pela Comissão. Com efeito, foi no termo desse exame, como resulta do n.o 59 do acórdão recorrido, «a fim de decidir da admissibilidade [dos recursos em causa]», que o Tribunal Geral declarou, no n.o 70 desse acórdão, que «[esses anúncios] constituem atos que produzem efeitos jurídicos obrigatórios quanto ao regime linguístico dos concursos em causa, assim constituindo atos recorríveis».

42      Uma vez que as conclusões que o Tribunal Geral retirou da sua apreciação da natureza jurídica dos anúncios de concurso controvertidos foram determinantes para a rejeição da exceção de inadmissibilidade, no n.o 71 do acórdão recorrido, há que começar por examinar, como salientou o advogado‑geral no n.o 45 das suas conclusões, a quarta parte do primeiro fundamento, relativa à natureza jurídica destes anúncios.

–       Quanto à quarta parte do primeiro fundamento, relativa a uma interpretação errada da natureza jurídica dos anúncios de concurso controvertidos

43      Com a quarta parte do seu primeiro fundamento, a Comissão acusa o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito e de ter violado o dever de fundamentação, na medida em que não apreciou, nos n.os 65 a 71 do acórdão recorrido, se os anúncios de concurso controvertidos tinham um alcance meramente confirmativo em relação às disposições gerais aplicáveis aos concursos gerais. Segundo ela, o Tribunal Geral devia ter procedido a uma comparação do conteúdo destes anúncios e destas disposições gerais, e, em todo o caso, tomar em consideração o facto de que as referidas disposições gerais faziam parte integrante dos referidos anúncios. Uma apreciação do conteúdo destes instrumentos e da relação entre eles teria revelado que as referidas disposições gerais constituíam o regime vinculativo dos concursos. Na medida em que os recursos de anulação da República Italiana só eram dirigidos contra os anúncios de concurso controvertidos, o Tribunal Geral deveria ter declarado que eram inadmissíveis.

44      É jurisprudência constante que são considerados atos impugnáveis, na aceção do artigo 263.o TFUE, todas as disposições adotadas pelas instituições, qualquer que seja a sua forma, que se destinem a produzir efeitos jurídicos vinculativos (v., nomeadamente, Acórdãos de 13 de outubro de 2011, Deutsche Post e Alemanha/Comissão, C‑463/10 P e C‑475/10 P, EU:C:2011:656, n.o 36; de 13 de fevereiro de 2014, Hungria/Comissão, C‑31/13 P, EU:C:2014:70, n.o 54; de 25 de outubro de 2017, Roménia/Comissão, C‑599/15 P, EU:C:2017:801, n.o 47; e de 20 de fevereiro de 2018, Bélgica/Comissão, C‑16/16 P, EU:C:2018:79, n.o 31; v., igualmente neste sentido, Acórdão de 11 de novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, EU:C:1981:264, n.o 9; Despacho de 4 de outubro de 1991, Bosman/Comissão, C‑117/91, EU:C:1991:382, n.o 13; e Acórdão de 9 de dezembro de 2004, Comissão/Greencore, C‑123/03 P, EU:C:2004:783, n.o 44).

45      Os atos confirmativos e os atos de pura execução, na medida em que não produzem efeitos jurídicos dessa natureza, escapam à fiscalização jurisdicional prevista naquele artigo (v., neste sentido, Acórdão de 12 de setembro de 2006, Reynolds Tobacco e o./Comissão, C‑131/03 P, EU:C:2006:541, n.o 55 e jurisprudência aí referida).

46      Para responder à argumentação da Comissão segundo a qual os anúncios de concurso controvertidos mais não eram do que atos confirmativos ou atos de pura execução das disposições gerais aplicáveis aos concursos gerais, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 65 e 66 do acórdão recorrido, que «os termos do anúncio de concurso constituem tanto o quadro da legalidade como o quadro da apreciação para o júri de concurso» e que «o papel essencial de um anúncio de concurso é informar os interessados de forma tão exata quanto possível da natureza dos requisitos exigidos para ocupar o lugar em causa, para lhes dar a possibilidade de apreciarem se devem apresentar uma candidatura», «cada anúncio de concurso [sendo] adotado com o objetivo de instituir as regras do processo de um ou mais concursos específicos, cujo quadro normativo assim decreta em função do objetivo fixado pela [autoridade investida do poder de nomeação]».

47      Daí o Tribunal Geral deduziu, no n.o 67 desse acórdão, que «um anúncio de concurso, como os [anúncios de concurso controvertidos], que, tendo em conta as necessidades específicas das instituições ou dos órgãos da União em causa, institui o quadro normativo de um concurso específico, incluindo o seu regime linguístico, assim contendo efeitos jurídicos autónomos, não pode, em princípio, ser considerado um ato confirmativo ou um ato de mera execução de atos anteriores».

48      A fim de apreciar a presente parte do primeiro fundamento é necessário determinar se esses anúncios constituíam, como o Tribunal Geral considerou, o quadro jurídico vinculativo dos concursos em causa. Com efeito, na medida em que produziam, em si mesmos, efeitos jurídicos vinculativos, os anúncios de concurso controvertidos não podem ser qualificados de atos confirmativos nem de atos de mera execução das referidas disposições gerais, e, portanto, o Tribunal Geral teve razão em não proceder a uma comparação dos seus respetivos conteúdos.

49      Nos termos do artigo 29.o, n.o 1, do Estatuto dos Funcionários, o processo de concurso é regido pelas disposições constantes do seu anexo III. A este respeito, decorre do artigo 1.o, n.o 1, desse anexo que o anúncio de concurso é estabelecido pela autoridade competente para proceder a nomeações e deve especificar a natureza e as modalidades do concurso, a natureza das funções e as atribuições correspondentes aos lugares a prover, os diplomas e ou o nível de experiência requerido para esses lugares, a data‑limite de receção das candidaturas, bem como outras eventuais condições, como os conhecimentos linguísticos exigidos pela natureza específica dos lugares a prover. Além disso, o anexo III contém disposições que regulam a publicidade dos anúncios de concurso, os formulários de candidatura, a composição e os trabalhos do júri, bem como as condições em que as instituições da União podem delegar no EPSO tarefas relativas aos processos de seleção.

50      Conclui‑se que a organização de um concurso é regulada por um anúncio cujos elementos essenciais devem ser estabelecidos em conformidade com o disposto no anexo III do Estatuto dos Funcionários. Nestas condições, como salientou o Tribunal Geral no n.o 66 do acórdão recorrido, um anúncio de concurso institui o «quadro normativo» de um concurso específico em função do objetivo fixado pela autoridade investida do poder de nomeação, regendo esse quadro «o processo do concurso em causa, desde o momento da publicação do anúncio em causa até à publicação da lista de reserva com os nomes dos laureados do concurso».

51      Por conseguinte, uma vez que estabelecem esse quadro normativo, os anúncios de concurso controvertidos produzem efeitos jurídicos vinculativos, na aceção da jurisprudência referida no n.o 44 do presente acórdão.

52      Esta apreciação da natureza jurídica dos anúncios de concurso é, no caso vertente, corroborada pelo enunciado das disposições gerais aplicáveis aos concursos gerais, adotadas pelo EPSO, bem como pelo dos próprios anúncios de concurso controvertidos.

53      A este respeito, resulta, por um lado, das indicações que figuram na primeira página das disposições gerais aplicáveis aos concursos gerais que estas «fazem parte integrante do anúncio de concurso e juntamente com este constituem o quadro vinculativo do procedimento de concurso». No que respeita aos conhecimentos linguísticos exigidos aos candidatos, nos termos destas disposições gerais, precisa‑se, nomeadamente nos n.os 1.3 e 2.1.4, que a escolha tanto da língua 2 do concurso como a dos atos de candidaturas está, «[s]alvo indicação em contrário no anúncio de concurso», limitada às línguas inglesa, francesa e alemã. Por outro lado, a parte introdutória dos anúncios de concurso controvertidos precisa, remetendo para as referidas disposições gerais, que «[e]stas disposições, que fazem parte integrante do anúncio de concurso, podem ajudá‑lo a compreender as regras relativas aos procedimentos e às modalidades de inscrição».

54      Uma vez que, segundo a sua letra, as disposições gerais aplicáveis aos concursos gerais apenas constituem o quadro vinculativo do procedimento de concurso em combinação com «o anúncio», essas disposições não regulam, por si só, o processo dos concursos objeto dos anúncios de concurso controvertidos. Assim, embora as referidas disposições gerais façam «parte integrante do anúncio de concurso», e sejam, é certo, suscetíveis de ser tomadas em consideração a este título na análise de um anúncio de concurso, não podem, por si só, estabelecer o quadro jurídico dos concursos, como os que são regulados pelos anúncios de concurso controvertidos.

55      Por conseguinte, o Tribunal Geral declarou, acertadamente, no n.o 70 do acórdão recorrido, que os anúncios de concurso controvertidos não constituíam meros atos confirmativos ou de mera execução das disposições gerais aplicáveis aos concursos gerais, mas atos que produziam «efeitos jurídicos obrigatórios quanto ao regime linguístico dos concursos em causa».

56      Nestas condições, e dado que o Tribunal Geral podia retirar esta conclusão à luz do simples exame dos próprios anúncios de concurso controvertidos, não se pode considerar que violou o seu dever de fundamentação por não ter procedido, na análise da natureza jurídica destes anúncios, a uma comparação do seu conteúdo com o das disposições gerais aplicáveis aos concursos gerais.

57      Além disso, as considerações que figuram nos n.os 68 e 69 do acórdão recorrido foram emitidas pelo Tribunal Geral a título exaustivo, na hipótese de os anúncios de concurso controvertidos serem qualificados de atos confirmativos ou de atos de mera execução das disposições gerais aplicáveis aos concursos gerais. Ora, perante a constatação feita no n.o 55 do presente acórdão, estas considerações não podem, mesmo admitindo que enfermam de erros, conduzir à anulação do acórdão recorrido. Os argumentos dirigidos contra elas são, portanto, inoperantes (v., neste sentido, Acórdão de 24 de outubro de 2013, Kone e o./Comissão, C‑510/11 P, não publicado, EU:C:2013:696, n.o 69 e jurisprudência aí referida).

58      Nestas condições, a quarta parte do primeiro fundamento deve ser rejeitada.

–       Quanto às partes primeira, segunda e terceira do primeiro fundamento, relativas a uma interpretação errada da natureza jurídica das disposições gerais aplicáveis aos concursos gerais

59      As partes primeira, segunda e terceira do primeiro fundamento dizem respeito aos n.os 45 a 59 do acórdão recorrido, que incidem sobre a natureza jurídica das disposições gerais aplicáveis aos concursos gerais. No entanto, resulta dos próprios termos do n.o 59 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral apenas formulou as considerações que figuram nos referidos números a título preliminar, a fim de poder decidir, seguidamente, sobre a admissibilidade dos recursos que lhe haviam sido submetidos.

60      Como salientou o advogado‑geral no n.o 58 das suas conclusões, na medida em que os anúncios de concurso controvertidos produzem efeitos jurídicos vinculativos e, portanto, podiam ser impugnados independentemente do valor jurídico a atribuir às disposições gerais aplicáveis aos concursos gerais, a análise da natureza jurídica destas disposições não era indispensável para apreciar a admissibilidade dos recursos submetidos ao Tribunal Geral.

61      Conclui‑se que os argumentos desenvolvidos nas partes primeira a terceira do primeiro fundamento são dirigidos contra motivos avançados a título exaustivo no acórdão recorrido e não podem, enquanto tais, acarretar a anulação desse acórdão. Por conseguinte, devem ser considerados inoperantes (v., neste sentido, Acórdão de 24 de outubro de 2013, Kone e o./Comissão, C‑510/11 P, não publicado, EU:C:2013:696, n.o 69 e jurisprudência aí referida).

62      Consequentemente, o primeiro fundamento deve ser julgado parcialmente improcedente e parcialmente inoperante.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo a uma violação do artigo 1.oD do Estatuto dos Funcionários e do dever de fundamentação

 Quanto à primeira parte do segundo fundamento, relativa a uma interpretação errada do artigo 1.oD do Estatuto dos Funcionários

–       Argumentação das partes

63      A Comissão sustenta que, no n.o 91 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral fez uma interpretação errada do artigo 1.o‑D do Estatuto dos Funcionários e do Acórdão de 27 de novembro de 2012, Itália/Comissão (C‑566/10 P, EU:C:2012:752), ao ter considerado que decorria desse acórdão que «a limitação da escolha da segunda língua pelos candidatos de um concurso a um número restrito de línguas, com exclusão das outras línguas oficiais, constitu[ía] uma discriminação em razão da língua». A este respeito, o Tribunal Geral também cometeu um erro de direito ao entender, no n.o 92 do acórdão recorrido, que o artigo 1.o‑D do Estatuto dos Funcionários «proíbe» as discriminações em razão da língua, quando esta disposição permite justificar as diferenças de tratamento, nomeadamente em razão de considerações relativas ao interesse do serviço.

64      A República Italiana contesta esta argumentação.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

65      No n.o 91 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral constatou, com base, nomeadamente, no Estatuto dos Funcionários e no Acórdão de 27 de novembro de 2012, Itália/Comissão (C‑566/10 P, EU:C:2012:752), que «a limitação da escolha da segunda língua pelos candidatos de um concurso a um número restrito de línguas, com exclusão das outras línguas oficiais, constitui uma discriminação em razão da língua». A este respeito, o Tribunal Geral indicou que, «através dessa estipulação, certos candidatos potenciais, a saber, os que possuem um conhecimento satisfatório de, pelo menos, uma das línguas designadas, são favorecidos, na medida em que podem participar no concurso e ser recrutados como funcionários ou agentes da União, ao passo que os outros, que não possuem esse conhecimento, são excluídos». Seguidamente, o Tribunal Geral considerou, no n.o 92 do acórdão recorrido, que o argumento, aduzido pela Comissão, relativo à inexistência, no caso em apreço, de discriminação em razão da nacionalidade devia ser julgado inoperante, uma vez que o artigo 1.o‑D do Estatuto dos Funcionários proíbe não só a discriminação em razão da nacionalidade como também a discriminação em razão da língua.

66      Perante estes elementos, cabe recordar, por um lado, como o Tribunal de Justiça expôs no n.o 82 do Acórdão de 27 de novembro de 2012, Itália/Comissão (C‑566/10 P, EU:C:2012:752), que, nos termos do artigo 1.o‑D, n.o 1, do Estatuto dos Funcionários, «[n]a aplicação [deste] Estatuto, é proibida qualquer discriminação em razão, designadamente, […] da língua […]», e, por outro lado, que o n.o 6 deste artigo prevê a possibilidade de derrogar, sob certas condições, a proibição enunciada no n.o 1 do mesmo artigo.

67      Contrariamente ao que sustenta a Comissão, é manifesto que o Tribunal Geral não quis excluir, no n.o 91 do acórdão recorrido, a possibilidade de, em determinadas condições, justificar as limitações à utilização das línguas oficiais com fundamento no artigo 1.o‑D, n.o 6, do Estatuto dos Funcionários. Com efeito, antes de declarar, no referido n.o 91, que «a limitação da escolha da segunda língua pelos candidatos de um concurso a um número restrito de línguas, com exclusão das outras línguas oficiais, constitui uma discriminação em razão da língua», o Tribunal Geral recordou, no n.o 88 desse acórdão, que «o artigo 1.o‑D do Estatuto [dos Funcionários] autoriza limitações» à utilização das línguas oficiais, nomeadamente a título do interesse do serviço.

68      Do mesmo modo, o Tribunal Geral teve razão em considerar, no n.o 92 do acórdão recorrido, que o artigo 1.o‑D do Estatuto dos Funcionários proíbe não só qualquer discriminação em razão da nacionalidade mas também qualquer discriminação em razão da língua.

69      Nestas condições, a primeira parte do fundamento deve ser rejeitada.

 Quanto à segunda parte do segundo fundamento, relativa a um erro de direito e a uma falta de fundamentação na apreciação da fundamentação dos anúncios de concurso controvertidos pelo Tribunal Geral

–       Argumentação das partes

70      A Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao ter considerado que os anúncios de concurso controvertidos não estavam suficientemente fundamentados, apesar de não ter examinado, nos n.os 98 a 104 do acórdão recorrido, se as disposições gerais aplicáveis aos concursos gerais continham uma fundamentação suficiente que permitisse justificar a limitação da escolha da língua 2 do concurso às línguas inglesa, francesa e alemã. Segundo ela, o Tribunal Geral violou igualmente o seu dever de fundamentação ao não examinar se as referidas disposições gerais constituíam outro tipo de atos, como comunicações que estabelecem os critérios para uma limitação da escolha de uma língua como segunda língua para participar nos concursos, na aceção do n.o 91 do Acórdão de 27 de novembro de 2012, Itália/Comissão (C‑566/10 P, EU:C:2012:752).

71      A República Italiana contesta estes argumentos.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

72      No n.o 103 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que o quadro normativo dos concursos em causa foi estabelecido pelos anúncios de concurso controvertidos, e não pelas disposições gerais aplicáveis aos concursos gerais e pela orientação geral sobre a utilização das línguas anexa a essas disposições, embora os referidos anúncios remetessem para estes últimos textos. O Tribunal Geral considerou igualmente, nesse número do acórdão recorrido, que esses anúncios tinham estabelecido regras autónomas para esses concursos, inclusive quanto ao regime linguístico que lhes era aplicável. O Tribunal Geral também decidiu, no n.o 104 desse acórdão, examinar a fundamentação utilizada pelo EPSO nos anúncios de concurso controvertidos para justificar a limitação da escolha da língua 2 do concurso às línguas inglesa, francesa e alemã.

73      É certo que, como foi declarado no n.o 51 do presente acórdão, os anúncios de concurso controvertidos produziam efeitos jurídicos vinculativos e constituíam, portanto, o quadro normativo dos concursos em causa. Nessa medida, uma vez que as disposições gerais aplicáveis aos concursos gerais «fazem parte integrante» dos referidos anúncios, incumbia ao Tribunal Geral apreciar o mérito dos fundamentos invocados pelo EPSO para justificar as exigências linguísticas em causa, não apenas à luz dos fundamentos que figuram nos próprios anúncios de concurso controvertidos, mas também à luz dos fundamentos contidos nas referidas disposições gerais.

74      Ora, o argumento da Comissão segundo o qual o Tribunal Geral limitou a sua análise ao conteúdo dos anúncios de concurso controvertidos não é procedente, uma vez que ele também fez incidir a sua análise, como resulta dos n.os 115 a 117 do acórdão recorrido, na fundamentação pertinente a este respeito que consta das disposições gerais aplicáveis aos concursos gerais, bem como na orientação geral sobre a utilização das línguas, enquanto «parte integrante» dos anúncios de concurso controvertidos.

75      Além disso, quanto ao argumento da Comissão segundo o qual o Tribunal Geral «violou o dever de fundamentação, na medida em que não examinou se as disposições gerais aplicáveis aos concursos gerais eram comunicações ou outros atos, na aceção do n.o 91 do Acórdão [de 27 de novembro de 2012, Itália/Comissão (C‑566/10 P, EU:C:2012:752)]», basta observar que o Tribunal Geral recordou, nomeadamente nos n.os 58 e 69 do acórdão recorrido, que «as disposições gerais […] devem ser interpretadas no sentido de que constituem […] comunicações, na aceção do n.o 91 do Acórdão de 27 de novembro de 2012, Itália/Comissão (C‑566/10 P, EU:C:2012:752)». Por conseguinte, este argumento deve ser rejeitado.

76      Consequentemente, há que rejeitar a segunda parte do segundo fundamento e julgar o segundo fundamento improcedente na íntegra.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à limitação da escolha da língua 2 do concurso às línguas inglesa, francesa e alemã

 Quanto à primeira parte do terceiro fundamento, relativa a um erro de direito e a uma violação do dever de fundamentação na interpretação do artigo 28.o, alínea f), do Estatuto dos Funcionários

–       Argumentação das partes

77      A Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na interpretação do artigo 28.o, alínea f), do Estatuto dos Funcionários, ao considerar, no n.o 106 do acórdão recorrido, que uma diferença de tratamento em razão da língua não era adequada para facilitar o recrutamento de funcionários que possuam as mais elevadas qualidades de competência, rendimento e integridade, na aceção do artigo 27.o, primeiro parágrafo, do referido Estatuto, com o fundamento de que essas características são, segundo ele, manifestamente independentes dos conhecimentos linguísticos de um candidato. A Comissão entende que as competências linguísticas integram as qualidades de competência exigidas na aceção desta última disposição.

78      A República Italiana contesta estes argumentos.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

79      No n.o 105 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral expôs o argumento da Comissão segundo o qual, quando as instituições da União determinam as necessidades linguísticas dos seus serviços, o princípio da não discriminação apenas é violado em caso de escolhas arbitrárias ou manifestamente inadequadas em relação aos objetivos que consistem em «dispor de candidatos imediatamente operacionais» e em «recrutar funcionários que possuam as mais elevadas qualidades de competência, rendimento e integridade, na aceção do artigo 27.o, primeiro parágrafo, do Estatuto [dos Funcionários]». Todavia, o Tribunal Geral considerou, no n.o 106 do acórdão recorrido, que só o primeiro destes objetivos era capaz de justificar, eventualmente, uma diferença de tratamento em razão da língua, ao passo que o segundo não o era, uma vez que as competências referidas no artigo 27.o, primeiro parágrafo, do Estatuto dos Funcionários são independentes dos conhecimentos linguísticos de um candidato.

80      A este respeito, há que observar, por um lado, que o artigo 27.o, primeiro parágrafo, do Estatuto dos Funcionários enuncia o objetivo segundo o qual o recrutamento deve ter em vista assegurar que os funcionários possuam «as mais elevadas qualidades de competência, rendimento e integridade». Por outro lado, o artigo 28.o desse Estatuto enumera as condições exigidas para a sua nomeação, de entre as quais constam, designadamente, ser nacional de um Estado‑Membro, encontrar‑se no gozo dos seus direitos civis, encontrar‑se em situação regular face a eventuais obrigações militares, oferecer garantias de moralidade, ter sido selecionado, preencher as condições de aptidão física requeridas e possuir os conhecimentos linguísticos exigidos.

81      Ora, na medida em que já declarou, no n.o 94 do Acórdão de 27 de novembro de 2012, Itália/Comissão (C‑566/10 P, EU:C:2012:752), que o objetivo de recrutar funcionários que possuam «as mais elevadas qualidades de competência, rendimento e integridade», na aceção do artigo 27.o, primeiro parágrafo, do Estatuto dos Funcionários, pode ser mais bem preservado «quando os candidatos são autorizados a efetuar as provas de seleção na sua língua materna ou na segunda língua que consideram que dominam melhor», o Tribunal de Justiça reconheceu que os conhecimentos linguísticos são, em princípio, independentes das competências visadas naquele artigo.

82      Assim, embora os conhecimentos linguísticos de um candidato possam, ou até devam, ser objeto de uma avaliação no âmbito do processo de concurso, a fim de as instituições se assegurarem de que o candidato possui os conhecimentos exigidos no artigo 28.o, alínea f), do Estatuto dos Funcionários, esta avaliação prossegue um objetivo independente daquele que visa a determinação das «mais elevadas qualidades de competência, rendimento e integridade», na aceção do artigo 27.o, primeiro parágrafo, do Estatuto dos Funcionários. Conclui‑se que os conhecimentos linguísticos exigidos no artigo 28.o, alínea f), do Estatuto dos funcionários não podem ser equiparados às «competências», na aceção do artigo 27.o, primeiro parágrafo.

83      Nestas condições, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao concluir, no n.o 106 do acórdão recorrido, que «as mais elevadas qualidades de competência, rendimento e integridade» são «independentes dos conhecimentos linguísticos» de um candidato. Daqui resulta igualmente que não violou o seu dever de fundamentação ao não apreciar a limitação da escolha da língua 2 do concurso às línguas inglesa, francesa e alemã, que figura nos anúncios de concurso controvertidos, à luz do objetivo de recrutar funcionários que possuam as mais elevadas qualidades de competência, rendimento e integridade, na aceção do artigo 27.o, primeiro parágrafo, do Estatuto dos Funcionários.

84      Consequentemente, a primeira parte do terceiro fundamento deve ser rejeitada.

 Quanto à segunda parte do terceiro fundamento, relativa a uma definição errada do grau de intensidade da fiscalização jurisdicional aplicável e a uma interpretação errada da orientação geral sobre a utilização das línguas

–       Argumentação das partes

85      A Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao proceder, nos n.os 107 a 117 do acórdão recorrido, à fiscalização da legalidade dos anúncios de concurso controvertidos sem ter em conta o amplo poder de apreciação de que o EPSO dispõe para determinar os critérios de capacidade linguística exigida aos candidatos. Enquanto o Tribunal de Justiça exigiu, no n.o 90 do Acórdão de 27 de novembro de 2012, Itália/Comissão (C‑566/10 P, EU:C:2012:752), a adoção de critérios «claros, objetivos e previsíveis» que justifiquem objetivamente a limitação da escolha da língua 2 do concurso às línguas inglesa, francesa e alemã, o Tribunal Geral exigiu, erradamente, que o EPSO fornecesse uma fundamentação detalhada, acompanhada de «indicações concretas» sobre os motivos da limitação dessa escolha. De qualquer modo, a fundamentação detalhada que figura na orientação geral sobre a utilização das línguas e nos anúncios de concurso controvertidos contém esses critérios.

86      A República Italiana contesta estes argumentos.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

87      Nos n.os 107 a 109 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral salientou que, apesar do amplo poder de apreciação de que dispõem as instituições da União «quanto à criação de um lugar de funcionário ou de agente, quanto à escolha do funcionário ou do agente para efeitos de prover o lugar criado e quanto à natureza da relação de trabalho que as vincula a um agente», as referidas instituições devem zelar pelo cumprimento das disposições pertinentes, incluindo o artigo 1.o‑D do Estatuto dos Funcionários. O Tribunal Geral precisou igualmente que cabia ao juiz da União verificar, sendo caso disso, que as eventuais exigências relativas aos conhecimentos linguísticos específicos dos candidatos de um concurso eram objetivamente justificadas e proporcionadas às reais necessidades do serviço.

88      A este respeito, cabe recordar, em primeiro lugar, que, de acordo com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as instituições da União devem dispor de um amplo poder de apreciação na organização dos respetivos serviços, mais especificamente na determinação dos critérios de capacidade exigidos pelos lugares a prover e, em função desses critérios e do interesse do serviço, as modalidades e as condições de organização do concurso (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de outubro de 1975, Deboeck/Comissão, 90/74, EU:C:1975:128, n.o 29; de 9 de fevereiro de 1984, Fabius/Comissão, 39/83, EU:C:1984:52, n.o 7; e de 9 de outubro de 2008, Chetcuti/Comissão, C‑16/07 P, EU:C:2008:549, n.o 76). Assim, as instituições, tal como o EPSO, quando este último exerce os poderes que lhe são conferidos por elas, devem poder determinar, em função das suas necessidades, as capacidades que convém exigir aos candidatos que participam nos concursos, a fim de organizar os seus serviços de modo útil e razoável.

89      No entanto, como foi recordado no n.o 66 do presente acórdão, as instituições devem zelar, na aplicação do Estatuto dos Funcionários, pelo respeito do artigo 1.o‑D, que proíbe a discriminação em razão da língua. Embora o n.o 6 deste artigo preveja que são possíveis algumas limitações a essa proibição, é na condição de essas limitações serem «justificada[s] em fundamentos objetivos e razoáveis» e se destinarem a prosseguir «objetivos legítimos de interesse geral no quadro da política de pessoal».

90      Assim, o amplo poder de apreciação de que dispõem as instituições da União, assim como o EPSO, na organização dos respetivos serviços, nas condições visadas no n.o 88 do presente acórdão, encontra‑se imperativamente enquadrado pelo artigo 1.o‑D do Estatuto dos Funcionários, pelo que as diferenças de tratamento em razão da língua que resultam de uma limitação do regime linguístico de um concurso a um número restrito de línguas oficiais só podem ser admitidas se essa limitação for objetivamente justificada e proporcionada às reais necessidades do serviço (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de novembro de 2012, Itália/Comissão, C‑566/10 P, EU:C:2012:752, n.o 88). Nestas condições, o Tribunal Geral considerou, acertadamente, no n.o 107 do acórdão recorrido, que o poder de apreciação do EPSO não o pode dispensar da obrigação de respeitar, nomeadamente, o artigo 1.o‑D do Estatuto dos Funcionários.

91      Em segundo lugar, no que respeita à fiscalização jurisdicional que o Tribunal Geral é chamado a exercer sobre uma diferença de tratamento em razão da língua, como a que resulta da limitação da escolha da língua 2 do concurso a um número restrito de línguas oficiais da União, deve recordar‑se, como resulta da jurisprudência referida no número anterior do presente acórdão, que tal limitação pode, em princípio, ser admitida no interesse do serviço, desde que esse interesse seja objetivamente justificado e que o nível de conhecimento linguístico exigido se revele proporcionado às necessidades reais do serviço. Decorre, além disso, dessa jurisprudência que as regras que limitam a escolha da língua 2 do concurso devem assentar em critérios «claros, objetivos e previsíveis» (v., neste sentido, Acórdão de 27 de novembro de 2012, Itália/Comissão, C‑566/10 P, EU:C:2012:752, n.os 88 e 90).

92      Assim, na medida em que a legalidade de uma limitação da escolha da língua 2 do concurso depende, em conformidade com o artigo 1.o‑D do Estatuto dos Funcionários, do seu caráter justificado e proporcionado, e que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, esse caráter deve ser sustentado por critérios claros, objetivos e previsíveis, o Tribunal Geral teve razão ao declarar, nos n.os 108 e 109 do acórdão recorrido, que os órgãos jurisdicionais da União têm competência para fiscalizar se a limitação da escolha da língua 2 do concurso é objetivamente justificada e proporcionada às necessidades reais do serviço.

93      Por outro lado, quanto ao argumento segundo o qual o Tribunal Geral errou ao exigir, nomeadamente no n.o 113 do acórdão recorrido, «indicações concretas» para complementar a fundamentação dos anúncios de concurso controvertidos relativa à limitação da escolha da língua 2 do concurso, há que precisar que compete à instituição que criou uma diferença de tratamento em razão da língua demonstrar que essa diferença é perfeitamente apta para responder a necessidades reais relativas às funções que os candidatos recrutados serão chamados a exercer. Além disso, qualquer condição relativa a conhecimentos linguísticos específicos deve ser proporcionada a esse interesse e assentar em critérios claros, objetivos e previsíveis que permitam aos candidatos compreender os motivos dessa condição e aos órgãos jurisdicionais da União fiscalizar a sua legalidade (v. Acórdão, hoje proferido, Espanha/Parlamento, C‑377/16, n.o 69).

94      Por conseguinte, para o Tribunal Geral poder verificar se as regras que regulam os concursos em causa são conformes com o artigo 1.o‑D do Estatuto dos Funcionários, tinha de efetuar um exame in concreto das referidas regras e das circunstâncias particulares em causa. Com efeito, só esse exame permite determinar os conhecimentos linguísticos suscetíveis de ser objetivamente exigidos, no interesse do serviço, pelas instituições no caso de funções específicas, e, portanto, se a limitação da escolha das línguas suscetíveis de ser utilizadas para participar nesses concursos é objetivamente justificada e proporcionada às necessidades reais do serviço.

95      Nestas condições, o Tribunal Geral teve razão ao proceder, nomeadamente no n.o 113 do acórdão recorrido, ao exame da questão de saber se os anúncios de concurso controvertidos, as disposições gerais aplicáveis aos concursos gerais e ainda os elementos de prova apresentados pela Comissão continham «indicações concretas» que pudessem demonstrar, de forma objetiva, a existência de um interesse do serviço suscetível de justificar, no caso em apreço, a limitação da escolha da língua 2 do concurso.

96      Em terceiro lugar, na medida em que a Comissão alega que, em qualquer caso, a fundamentação detalhada constante da orientação geral sobre a utilização das línguas e dos anúncios de concurso controvertidos continha, «manifestamente», critérios claros, objetivos e previsíveis que justificavam a limitação da escolha da língua 2 do concurso ao inglês, ao francês e ao alemão, importa sublinhar, por um lado, que esse argumento não está fundamentado, pelo que não pode ser acolhido.

97      Por outro lado, na medida em que, com esse argumento, a Comissão pretendia pôr em causa a análise feita pelo Tribunal Geral, nos n.os 110 a 117 do acórdão recorrido, do conteúdo das disposições gerais aplicáveis aos concursos gerais, incluindo da orientação geral sobre a utilização das línguas, e dos anúncios de concurso controvertidos, bem como dos articulados que a Comissão lhe tinha submetido, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, resulta do artigo 256.o TFUE e do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia que o recurso de uma decisão do Tribunal Geral está limitado às questões de direito. Só o Tribunal Geral é, assim, competente para constatar e apreciar os factos pertinentes. A apreciação destes factos não constitui, portanto, exceto em caso de desvirtuação dos mesmos, uma questão de direito sujeita, enquanto tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral (Acórdão de 8 de novembro de 2016, BSH/EUIPO, C‑43/15 P, EU:C:2016:837, n.o 50). Ora, a Comissão não invocou uma desvirtuação deste tipo.

98      Atendendo às considerações anteriores, há que rejeitar a segunda parte do terceiro fundamento.

 Quanto à terceira parte do terceiro fundamento, relativa a erros de direito cometidos pelo Tribunal Geral no exercício da sua fiscalização jurisdicional

–       Argumentação das partes

99      A Comissão sustenta que o Tribunal Geral excedeu os limites da sua fiscalização jurisdicional e substituiu a apreciação da administração pela sua própria apreciação nos n.os 120 a 144 do acórdão recorrido, nomeadamente nos n.os 129 a 131, 139, 140, 142 e 146. Segundo ela o Tribunal Geral devia limitar‑se a estabelecer o caráter arbitrário ou manifestamente inadequado das apreciações do EPSO relativas à limitação da escolha da língua 2 do concurso às línguas inglesa, francesa e alemã, uma vez que a definição da política de pessoal e dos critérios de capacidade dos candidatos de um concurso contém avaliações complexas que apenas podem ser objeto de uma fiscalização jurisdicional limitada à busca de eventuais erros manifestos de apreciação.

100    A República Italiana contesta estes argumentos.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

101    Nos n.os 118 a 146 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral refutou sucessivamente os argumentos da Comissão segundo os quais, em primeiro lugar, as três línguas às quais a escolha da língua 2 do concurso foi limitada nos anúncios de concurso controvertidos constituíam as principais línguas das deliberações das instituições da União, em segundo lugar, a quase totalidade das traduções da Comissão são efetuadas nestas três línguas, em terceiro lugar, estas são as línguas mais faladas pelos funcionários e pelos agentes da Comissão, e, em quarto lugar, estas são as línguas maioritariamente estudadas e faladas, como línguas estrangeiras nos Estados‑Membros da União.

102    Na medida em que a Comissão alega que o Tribunal Geral substituiu indevidamente a apreciação do EPSO pela sua, importa recordar, como foi salientado nos n.os 89 e 90 do presente acórdão, que, quando o EPSO determina as exigências linguísticas de um concurso, o seu poder de apreciação está, tal como o das instituições que lhe confiam as suas tarefas, enquadrado pelas exigências previstas no artigo 1.o‑D do Estatuto dos Funcionários, segundo as quais qualquer diferença de tratamento em razão da língua deve ser objetivamente justificada e proporcionada às necessidades reais do serviço.

103    É verdade que decorre dos princípios recordados no n.o 88 do presente acórdão que o Tribunal Geral não pode substituir a apreciação do EPSO pela sua, no que diz respeito à definição da política de pessoal e dos critérios de capacidade que devem ser exigidos no interesse do serviço aos candidatos de um concurso. Todavia, como foi exposto nos n.os 91 a 94 do presente acórdão, não deixa de ser verdade que incumbe ao Tribunal Geral exercer uma fiscalização tanto de direito como de facto sobre as escolhas feitas pelo EPSO neste domínio, a fim de garantir que qualquer diferença de tratamento em razão da língua entre os candidatos de um concurso é, em conformidade com o artigo 1.o‑D do Estatuto dos Funcionários, objetivamente justificada e proporcionada às reais necessidades do serviço e que essas escolhas assentam em critérios claros, objetivos e previsíveis.

104    Com efeito, o juiz da União deve, designadamente, não só verificar a exatidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência mas também fiscalizar se estes elementos constituem a totalidade dos dados pertinentes a tomar em consideração para apreciar uma situação complexa e se são suscetíveis de fundamentar as conclusões que deles se retiram (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de fevereiro de 2005, Comissão/Tetra Laval, C‑12/03 P, EU:C:2005:87, n.o 39; de 8 de dezembro de 2011, Chalkor/Comissão, C‑386/10 P, EU:C:2011:815, n.o 54; e de 6 de novembro de 2012, Otis e o., C‑199/11, EU:C:2012:684, n.o 59).

105    A fim de examinar se, no acórdão recorrido, o Tribunal Geral substituiu a apreciação do EPSO pela sua e excedeu dessa forma os limites da sua fiscalização jurisdicional, há que examinar, em primeiro lugar, os n.os 120 a 126, 132 a 138 e 141 a 144 do acórdão recorrido, que contêm os fundamentos enunciados pelo Tribunal Geral a título principal.

106    Pelos fundamentos que figuram nos n.os 120 a 122 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral começou por rejeitar, como «vaga e geral», a afirmação da Comissão segundo a qual o inglês, o francês e o alemão constituem as principais línguas das deliberações das instituições da União. A este respeito, considerou, nomeadamente, que essa alegação não era corroborada pelo regime linguístico do Tribunal de Justiça da União Europeia, nem pelo do Parlamento Europeu. Acrescentou, no essencial, que, mesmo admitindo que essa afirmação seja exata, não se pode presumir, sem mais explicações, que um funcionário que acabe de ser recrutado e não domine nenhuma das línguas de deliberação não é capaz de estar imediatamente operacional. Em seguida, nos n.os 123 a 126 desse acórdão, o Tribunal Geral contestou a pertinência das estatísticas apresentadas pela Comissão, relativas aos documentos traduzidos pela Direção‑Geral da Tradução dessa instituição, por considerar, nomeadamente, que não permitiam sustentar a conclusão de que aquelas três línguas são as mais utilizadas em todas as instituições. Do mesmo modo, nos n.os 132 a 136 desse acórdão, o Tribunal Geral rejeitou as conclusões que a Comissão retirou de um quadro estabelecido por ela onde figuravam as línguas maioritariamente indicadas pelos seus funcionários e agentes como línguas principais. Considerou, por um lado, que este quadro apenas visava o pessoal da Comissão e, por outro, que essa informação sobre a língua principal dos funcionários e dos agentes desta instituição não permitia, em todo o caso, determinar a proporção das línguas faladas por eles, dado que os mesmos tinham de dominar de forma satisfatória, pelo menos, outra língua, conforme exigido pelo artigo 28.o, alínea f), do Estatuto dos Funcionários. Por último, nos n.os 141 a 144 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral rejeitou as estatísticas avançadas pela Comissão segundo as quais o inglês, o francês e o alemão são as línguas mais estudadas e faladas na União Europeia, com o fundamento de que não se pode presumir que essas estatísticas refletem os conhecimentos linguísticos dos funcionários da União e que, em todo o caso, esta circunstância só poderia ser pertinente se a Comissão tivesse demonstrado que a limitação em causa respondia ao interesse do serviço, o que não era o caso.

107    Impõe‑se constatar que, nestes números, o Tribunal Geral criticou o facto de os elementos factuais apresentados pela Comissão em apoio dos seus argumentos não permitirem sustentar as conclusões que deles são retirados. Nestas condições, o Tribunal Geral limitou‑se a avaliar a pertinência e a coerência das justificações e dos elementos de prova apresentados por aquela instituição. Não se pode, portanto, acusá‑lo de, neste contexto, ter substituído a apreciação do EPSO pela sua.

108    Além disso, na medida em que a Comissão acusa, em substância, o Tribunal Geral de não se ter limitado a uma fiscalização de um erro manifesto das apreciações efetuadas pelo EPSO, há que acrescentar que, tendo em conta os n.os 89, 90 e 102 do presente acórdão, nada justifica essa restrição à fiscalização do mérito dos fundamentos avançados pelo EPSO para justificar a limitação da escolha da língua 2 do concurso.

109    No que respeita, em segundo lugar, aos argumentos da Comissão que visam obter a declaração de que o Tribunal Geral excedeu os limites da sua fiscalização jurisdicional nos n.os 127 a 131, 139 e 140 do acórdão recorrido, ao considerar que, em todo o caso, a limitação da escolha da língua 2 do concurso às línguas inglesa, francesa e alemã não pode ser justificada com o fundamento de que os dados fornecidos pela Comissão demonstravam, designadamente, a diferença significativa entre o uso da língua inglesa em relação à língua francesa e, em particular, à língua alemã, esses argumentos são dirigidos contra números do acórdão recorrido que dizem respeito a fundamentos indicados a título exaustivo.

110    Nestas condições, mesmo admitindo que o Tribunal Geral excedeu os limites da sua fiscalização jurisdicional na apreciação efetuada nos referidos números, essa circunstância não pode, em todo o caso, implicar a anulação do acórdão recorrido, em conformidade com a jurisprudência recordada nos n.os 57 e 61 do presente acórdão. Por conseguinte, os argumentos referidos no n.o 109 do presente acórdão são inoperantes.

111    Por conseguinte, há que rejeitar a terceira parte do terceiro fundamento por ser, em parte, improcedente e, em parte, inoperante.

112    Atendendo às considerações anteriores, o terceiro fundamento deve ser julgado parcialmente improcedente e parcialmente inoperante.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo à limitação da escolha da língua de comunicação entre os candidatos e o EPSO às línguas inglesa, francesa e alemã

 Argumentação das partes

113    A Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao basear‑se, nos n.os 183 a 185 do acórdão recorrido, numa interpretação extensiva dos n.os 68 e 69 do Acórdão de 27 de novembro de 2012, Itália/Comissão (C‑566/10 P, EU:C:2012:752), para concluir que o Regulamento n.o 1/58 era plenamente aplicável às comunicações entre os candidatos dos concursos e o EPSO. Segundo a Comissão, os referidos números deste último acórdão apenas dizem respeito à obrigação de publicar os anúncios de concurso em todas as línguas oficiais da União. O Tribunal de Justiça, embora tenha declarado que os candidatos de um concurso não estão «totalmente excluídos» do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1/58, considerou que os mesmos permanecem sujeitos ao Estatuto dos Funcionários. Por conseguinte, o Tribunal Geral deveria ter admitido que o artigo 1.o‑D do Estatuto dos Funcionários permitia, sendo esse o caso, limitar as línguas de comunicação suscetíveis de ser utilizadas no âmbito de um concurso.

114    A República Italiana contesta estes argumentos.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

115    Após ter recordado, no n.o 183 do acórdão recorrido, que, no passado, havia considerado que o Regulamento n.o 1/58 não era aplicável às relações entre, por um lado, as instituições da União, e, por outro, os seus funcionários e agentes, aos quais os candidatos a esses lugares deviam ser equiparados, o Tribunal Geral prosseguiu o seu raciocínio, nos seguintes termos:

«184      Todavia, na sequência do Acórdão de 27 de novembro de 2012, Itália/Comissão (C‑566/10 P, EU:C:2012:752), estas considerações deixaram de ser válidas. Com efeito, o Tribunal de Justiça declarou que, na falta de disposições regulamentares especiais aplicáveis aos funcionários e aos agentes e de disposições a este respeito nos regulamentos internos das instituições em causa, nenhum texto permite concluir que as relações entre essas instituições e os seus funcionários e agentes estão totalmente excluídas do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1[/58]. O mesmo sucede a fortiori no que respeita às relações entre instituições e candidatos a um concurso externo que, em princípio, não são funcionários nem agentes (Acórdão de 27 de novembro de 2012, Itália/Comissão, C‑566/10 P, EU:C:2012:752, n.os 68 e 69).

185      A este propósito, deve rejeitar‑se o argumento da Comissão […] relativo à falta de pertinência desta parte do Acórdão de 27 de novembro de 2012, Itália/Comissão (C‑566/10 P, EU:C:2012:752), no que respeita à legalidade da limitação das línguas de comunicação entre os candidatos e o EPSO. Com efeito, nessa parte do seu acórdão, o Tribunal de Justiça examinou a aplicabilidade do Regulamento n.o 1[/58] aos candidatos de um concurso e concluiu que lhes era aplicável. Esta conclusão é igualmente pertinente para a questão suscitada no sexto fundamento invocado pela República Italiana [relativa à legalidade da limitação das línguas suscetíveis de ser utilizadas nas comunicações entre os candidatos e o EPSO].»

116    Por entender que o Regulamento n.o 1/58 regulava as comunicações entre os candidatos e o EPSO, o Tribunal Geral considerou, no n.o 188 do acórdão recorrido, que os anúncios de concurso controvertidos violavam o referido regulamento na parte em que previam que os candidatos eram obrigados a comunicar com o EPSO numa língua, escolhida por eles, de entre as línguas inglesa, francesa e alemã.

117    Na medida em que o presente fundamento é relativo a uma interpretação errada, pelo Tribunal Geral, do Acórdão de 27 de novembro de 2012, Itália/Comissão (C‑566/10 P, EU:C:2012:752), importa recordar que o raciocínio seguido pelo Tribunal de Justiça nesse acórdão se divide em duas partes. Assim, por um lado, os n.os 62 a 78 do referido acórdão diziam respeito à apreciação dos fundamentos da República Italiana relativos à falta de publicação no Jornal Oficial da União Europeia dos anúncios de concurso em causa em todas as línguas oficiais da União. Por outro lado, nos n.os 79 a 98 desse acórdão, o Tribunal de Justiça pronunciou‑se sobre os fundamentos relativos ao facto de que esses anúncios de concurso obrigavam a escolher a língua inglesa, francesa ou alemã como língua 2 do concurso, língua de comunicação entre os candidatos e o EPSO e língua que devia ser utilizada para as provas dos concursos.

118    É verdade que o Tribunal de Justiça considerou, nos n.os 68 e 69 do Acórdão de 27 de novembro de 2012, Itália/Comissão (C‑566/10 P, EU:C:2012:752), que, na falta de disposições regulamentares especiais aplicáveis aos funcionários e aos agentes nos regulamentos internos das instituições que tinham publicado os anúncios de concurso em causa, nenhum texto permitia concluir que as relações entre essas instituições e os seus funcionários e agentes estavam totalmente excluídas do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1/58. Daí deduziu que esta conclusão se devia aplicar, por maioria de razão, às relações entre as instituições e os candidatos de um concurso externo.

119    Deve, porém, sublinhar‑se que, como resulta dos n.os 62 a 78 do referido acórdão, esta precisão relativa ao âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1/58 no que respeita às relações entre as instituições e os candidatos do concurso não foi enunciada pelo Tribunal de Justiça a propósito das línguas de comunicação entre o EPSO e os candidatos, mas a propósito das línguas de publicação dos anúncios de concurso. Assim, o Tribunal de Justiça declarou, nomeadamente no n.o 71 desse acórdão, que os anúncios de concurso em causa nesse processo deveriam ter sido integralmente publicados no Jornal Oficial da União Europeia em todas as línguas oficiais da União, nos termos do artigo 1.o, n.o 2, do anexo III do Estatuto dos Funcionários, lido em conjugação com o artigo 5.o do Regulamento n.o 1/58.

120    Em contrapartida, na parte da sua fundamentação relativa à apreciação da legalidade da limitação da escolha da língua 2 do concurso ao inglês, ao francês e ao alemão, nomeadamente ao requisito de que essas três línguas eram as únicas línguas de comunicação aceites pelos anúncios de concurso em causa, o Tribunal de Justiça declarou, no n.o 88 do Acórdão de 27 de novembro de 2012, Itália/Comissão (C‑566/10 P, EU:C:2012:752), que, nos processos de seleção do pessoal da União, as diferenças de tratamento no que respeita ao regime linguístico dos concursos podem ser autorizadas, em aplicação do artigo 1.o‑D, n.o 6, do Estatuto dos Funcionários, se forem objetiva e razoavelmente justificadas por um objetivo legítimo de interesse geral no âmbito da política de pessoal. Decorre assim desse número que, nos processos de seleção do pessoal da União, não podem ser impostas às instituições obrigações que vão além das exigências previstas no artigo 1.o‑D do Estatuto dos Funcionários.

121    Nestas condições, como considerou o advogado‑geral no n.o 124 das suas conclusões, uma vez que o Tribunal de Justiça se pronunciou sobre a questão das línguas impostas para as comunicações entre os candidatos e o EPSO apenas nos n.os 79 a 98 do Acórdão de 27 de novembro de 2012, Itália/Comissão (C‑566/10 P, EU:C:2012:752), o Tribunal Geral não podia validamente deduzir dos n.os 68 e 69 do referido acórdão, nos n.os 184 e 185 do acórdão recorrido, que o Tribunal de Justiça tinha declarado que as línguas suscetíveis de ser utilizadas nas comunicações eram determinadas em aplicação do artigo 2.o do Regulamento n.o 1/58.

122    Por conseguinte, o raciocínio seguido pelo Tribunal Geral, nos n.os 184 a 188 do acórdão recorrido, para afirmar que, por analogia, à semelhança do que tinha sido entendido pelo Tribunal de Justiça no contexto da publicação dos anúncios de concurso, o Regulamento n.o 1/58 regulava qualquer limitação das línguas oficiais impostas para as comunicações entre o EPSO e os candidatos dos concursos, é errado.

123    No entanto, cabe salientar que, nos n.os 204 a 211 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral acrescentou, em substância, que, em todo o caso, os motivos apresentados para justificar a escolha das línguas de comunicação não eram suscetíveis de justificar, na aceção do artigo 1.o‑D, n.os 1 e 6, do Estatuto dos Funcionários, a limitação da escolha das línguas de comunicação com o EPSO.

124    A este respeito, embora não se possa excluir que o interesse do serviço possa justificar a limitação da escolha da língua 2 do concurso a um número restrito de línguas oficiais mais conhecidas na União (v., por analogia, Acórdão de 9 de setembro de 2003, Kik/OHMI, C‑361/01 P, EU:C:2003:434, n.o 94), e isso mesmo no âmbito dos concursos de natureza geral, como o que é objeto do «Anúncio de concurso geral — EPSO/AD/276/14 — Administradores (AD 5)», tal limitação deve, porém, tendo em conta as exigências recordadas nos n.os 92 e 93 do presente acórdão, assentar imperativamente em elementos objetivamente verificáveis tanto pelos candidatos do concurso como pelos órgãos jurisdicionais da União, que permitam justificar os conhecimentos linguísticos exigidos, os quais devem ser proporcionados às necessidades reais do serviço.

125    Ora, uma vez que não preveem esses elementos que permitam constatar os motivos justificativos da limitação da língua de comunicação entre os candidatos e o EPSO a uma das três línguas escolhida como língua 2 do concurso, os anúncios de concurso foram adotados em violação do artigo 1.o‑D, n.os 1 e 6, do Estatuto dos Funcionários. Por conseguinte, o Tribunal Geral tinha, em todo o caso, de dar provimento ao recurso da República Italiana na medida em que este se referia a essa limitação.

126    Nestas condições, o erro de direito, exposto no n.o 122 do presente acórdão, de que padece o acórdão recorrido não é suscetível de invalidar esse ato.

127    Por conseguinte, o quarto fundamento de recurso é improcedente, e, atendendo a todas as considerações anteriores, deve ser negado provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

128    Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal Geral nos termos do artigo 184.o, n.o 1, do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

129    Tendo a República Italiana pedido a condenação da Comissão e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

130    O artigo 140.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, igualmente aplicável aos recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, deste regulamento, prevê que os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas. Em conformidade com esta disposição, decide‑se, por conseguinte, que o Reino de Espanha suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Comissão Europeia suportará as suas próprias despesas e as despesas da República Italiana.

3)      O Reino de Espanha suportará as suas próprias despesas.

Assinaturas


*      Língua do processo: italiano.