Language of document : ECLI:EU:T:2012:320

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

27 de junho de 2012 (*)

«Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercado dos fechos de correr e dos ‘outros tipos de fecho’ — Decisão que declara uma infração ao artigo 81.° CE — Aumentos coordenados de preços, fixação de preços mínimos, partilha da clientela e dos mercados e troca de outras informações comerciais — Prova — Infração única e continuada — Prescrição — Direitos de defesa — Coimas — Orientações»

No processo T‑439/07,

Coats Holdings Ltd, com sede em Uxbridge, Middlesex (Reino Unido), representada por W. Sibree, C. Jeffs, K. O’Connell, J. Boyce, solicitors, e D. Anderson, QC,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por F. Castillo de la Torre e K. Mojzesowicz, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto, a título principal, um pedido de anulação da Decisão C (2007) 4257 final da Comissão, de 19 de setembro de 2007, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° [CE] (processo COMP/39.168 – PO/Artigos de retrosaria metálicos e plásticos: fechos), na parte respeitante à recorrente e, a título subsidiário, um pedido de anulação ou de redução do montante da coima aplicada à recorrente,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção),

composto por: O. Czúcz, presidente, I. Labucka (relator) e D. Gratsias, juízes,

secretário: N. Rosner, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 7 de julho de 2011,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        A recorrente, Coats Holdings Ltd (a seguir «Coats»), é um dos principais fabricantes e fornecedores de linhas de costura industriais e de bordar e o segundo fornecedor mundial de fechos de correr, a seguir ao grupo YKK. Produz uma gama completa de fechos de correr de poliéster leve, nylon, metálicos e moldados. A recorrente adquiriu a sociedade Opti em 1988, após o que passou a utilizar o nome da referida sociedade como marca de fechos de correr. Assim, após 1988, a atividade de «fechos de correr» da Coats foi rebatizada de Coats Opti.

2        O setor do fabrico de artigos de fecho pode ser dividido em duas grandes categorias, a saber, a dos fechos de correr e a dos «outros tipos de fecho», a qual inclui vários tipos de botões de mola e fechos de pressão, bem como colchetes, fivelas, ilhoses, botões para jeans, rebites e acessórios em metal e em plástico destinados aos setores do couro e do vestuário.

3        A 7 e 8 de novembro de 2001, a Comissão das Comunidades Europeias efetuou diligências de instrução, nos termos do artigo 14.°, n.° 3, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de fevereiro de 1962, primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.°] e [82.° CE] (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), nas instalações de vários produtores comunitários de artigos de retrosaria metálicos e plásticos, de outros artigos de retrosaria e de linhas (entre os quais a Entaco Ltd, a Coats plc e a William Prym GmbH & Co. KG), bem como junto da Fachverband Verbindungs ‑ und Befestigungstechnik (a seguir «VBT»).

4        Em 26 de novembro de 2001, os grupos Prym e Coats, invocando a comunicação da Comissão sobre a não aplicação de coimas ou a redução de coimas nos processos relativos a acordos, decisões e práticas concertadas (JO 1996, C 207, p. 4, a seguir «comunicação sobre a cooperação de 1996»), apresentaram pedidos que visavam a aplicação dessa comunicação ao setor dos fechos de correr.

5        Por carta de 22 de fevereiro de 2002, a Coats forneceu certas informações à Comissão.

6        Em 8 de agosto de 2003, a Stocko (atual YKK Stocko Fasteners), invocando a comunicação da Comissão relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis (JO 2002, C 45, p. 3, a seguir «comunicação sobre a cooperação de 2002»), apresentou um pedido relativo aos «outros tipos de fechos».

7        Seguidamente, a Comissão enviou vários pedidos de informações a um certo número de interessados, com base no artigo 11.° do Regulamento n.° 17.

8        Em 16 de setembro de 2004, a Comissão dirigiu uma comunicação de acusações (a seguir «comunicação de acusações») relativa aos «outros tipos de fechos», às máquinas de montagem e aos fechos de correr, às sociedades Prym Fashion, William Prym, Éclair Prym, Fiocchi Prym, Fiocchi Snaps France, YKK Stocko Fasteners, YKK Holding Europe, YKK Corp., Coats, A. Raymond, Berning & Söhne, Berning France, Scovill Fasteners Europe (anteriormente Unifast), Scovill Fasteners, bem como à VBT.

9        Essas sociedades e a associação em causa tiveram acesso ao dossiê instruído pela Comissão, na forma de uma cópia em CD‑ROM que lhes foi enviada em 1 de outubro de 2004.

10      Em 12 de novembro de 2004, o grupo Prym, invocando a comunicação sobre a cooperação de 2002, apresentou um pedido de imunidade ou, a título subsidiário, de redução do montante das coimas relativas aos «outros tipos de fechos».

11      Por telecópia de 18 de novembro de 2004, o grupo Prym completou o seu pedido. Por correios eletrónicos, respetivamente de 3, 4 e 11 de janeiro de 2005, enviou à Comissão informações complementares. Por correio eletrónico de 27 de janeiro de 2005, apresentou um pedido destinado a obter o benefício da comunicação sobre a cooperação de 2002.

12      Em 18 de fevereiro de 2005, o grupo YKK, invocando a comunicação sobre a cooperação de 2002, apresentou um pedido de redução das coimas relativas aos «outros tipos de fechos».

13      Em 25 de fevereiro de 2005, o grupo YKK completou esse pedido.

14      Os elementos de prova apresentados em apoio dos pedidos destinados a obter o benefício da comunicação sobre a cooperação de 2002 dos grupos Prym e YKK permitiram à Comissão dirigir às empresas em causa, em 7 de março de 2006, uma comunicação de acusações complementar (a seguir «comunicação de acusações complementar»).

15      A comunicação de acusações complementar, relativa aos «outros tipos de fechos», às máquinas de montagem e aos fechos de correr, foi notificada às sociedades A. Raymond, Berning & Söhne e Berning France, Coats e Coats Deutschland, Éclair Prym, Prym Fashion, Fiocchi Prym, Scovill Fasteners Europe, Scovill Fasteners, William Prym, YKK Corp., YKK Holding Europe e YKK Stocko Fasteners, bem como à VBT. O CD‑ROM contendo o dossiê da Comissão foi enviado às partes em 13 de março de 2006.

16      A comunicação de acusações complementar incidia sobre os mesmos produtos que os da comunicação de acusações e, sempre que necessário, corrigia, precisava, sintetizava e estendia o alcance das acusações nela formuladas. Na comunicação de acusações complementar, a Comissão não mencionava sistematicamente todas as infrações definidas na comunicação das acusações, em particular quando não se tinha verificado qualquer alteração relativamente a estas infrações na sequência dos pedidos destinados a obter o benefício da comunicação sobre a cooperação de 2002.

17      Teve lugar uma audição em 11 de julho de 2006.

18      Após consulta do Comité consultivo em matéria de acordos e de posições dominantes, e visto o relatório final do consultor‑auditor, a Comissão adotou, em 19 de setembro de 2007, a Decisão C (2007) 4257 final, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° [CE] (processo COMP/39.168 – PO/Artigos de retrosaria metálicos e plásticos: fechos de correr) (a seguir «decisão recorrida»), de que foi publicado um resumo no Jornal Oficial da União Europeia de 26 de fevereiro de 2009 (JO C 47, p. 8).

19      Nos termos do artigo 1.°, n.° 3, da parte decisória da decisão recorrida, no que respeita à cooperação entre, primeiro, a YKK Holding e a YKK Europe Ltd, segundo, a Coats Holdings e a Coats Deutschland, e, terceiro, a Prym Fashion e a Éclair Prym Group, no mercado dos fechos de correr (a seguir «cooperação tripartida entre os grupos YKK, Coats e Prym»), considerou‑se que, designadamente, as empresas seguintes tinham infringido o artigo 81.° CE, durante os períodos indicados, ao trocarem informações sobre os preços, ao se concertarem em matéria de preços e de aumentos dos preços, e ao acordarem um método de fixação dos preços mínimos dos produtos standard no mercado europeu:

¾        Coats Holdings, de 28 de abril de 1998 até 12 de novembro de 1999;

¾        Coats Deutschland, de 28 de abril de 1998 até 12 de novembro de 1999.

20      Nos termos do artigo 1.°, n.° 4, da decisão recorrida, no que respeita à cooperação bilateral entre a Coats Holdings e a William Prym/Prym Fashion nos mercados dos «outros tipos de fechos» e dos fechos de correr (a seguir «cooperação bilateral entre os grupos Coats e Prym»), considerou‑se que a empresa seguinte infringiu o artigo 81.° CE, durante os períodos indicados, ao aceitar repartir com outras empresas o mercado dos artigos de retrosaria, impedindo que o grupo Coats penetrasse no mercado europeu dos «outros tipos de fechos»:

¾        Coats Holdings, de 15 de janeiro de 1977 até 15 de julho de 1998.

21      Com base nos factos apurados e nas apreciações jurídicas constantes da decisão recorrida, a Comissão aplicou às empresas em causa coimas cujo montante foi calculado de acordo com a metodologia exposta nas orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado [CA] (JO 1998, C 9, p. 3, a seguir «orientações») e das comunicações sobre a cooperação de 1996 e de 2002.

22      O artigo 2.°, n.° 3, segundo travessão, da decisão recorrida prevê, nomeadamente, a aplicação da seguinte coima pela cooperação tripartida entre os grupos YKK, Coats e Prym: Coats Holdings e Coats Deutschland, solidariamente responsáveis: 12 155 000 euros.

23      O artigo 2.°, n.° 4, segundo travessão, da decisão recorrida prevê, nomeadamente, a aplicação da seguinte coima pela cooperação bilateral entre os grupos Coats e Prym: Coats Holdings: 110 250 000 euros.

24      No artigo 4.° da decisão recorrida, é ordenado às empresas enumeradas no artigo 1.° que ponham imediatamente termo, se ainda não o tiverem feito, às infrações mencionadas nesse mesmo artigo e se abstenham de qualquer ato ou comportamento descrito no artigo 1.° ou de qualquer medida com objeto ou efeito equivalente.

25      Por Decisão C (2011) 2070 final da Comissão, de 31 de março de 2011, após ter procedido a uma avaliação do impacto das coimas sobre a situação financeira de uma das sociedades em causa, que não a recorrente, e ter examinado a incapacidade de pagar por ela alegada, a Comissão decidiu reduzir parcialmente o montante inicial da coima que lhe tinha sido aplicada.

 Tramitação processual e pedidos das partes

26      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 4 de dezembro de 2007, a recorrente interpôs o presente recurso.

27      Uma vez que a composição das secções do Tribunal foi alterada, o juiz‑relator foi afetado à terceira Secção, à qual o presente processo foi, consequentemente, distribuído.

28      No âmbito das medidas de organização do processo adotadas em 7 de fevereiro de 2011, o Tribunal convidou a Comissão a apresentar determinados documentos. A Comissão deu cumprimento a este pedido no prazo fixado.

29      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal (Terceira Secção) decidiu dar início à fase oral do processo.

30      Por carta registada na Secretaria do Tribunal Geral em 20 de junho de 2011, a recorrente fez determinadas observações sobre o relatório de audiência que lhe tinha sido enviado em 14 de abril de 2011, relativamente à importância da jurisprudência em matéria do ónus e do nível da prova.

31      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal na audiência que se realizou em 7 de julho de 2011.

32      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal de digne:

¾        a título principal, anular o artigo 1.°, n.° 4, e o artigo 2.°, n.° 4, da decisão recorrida na parte em que lhes dizem respeito;

¾        a título subsidiário, anular ou reduzir o montante da coima que lhe foi aplicada no artigo 2.°, n.° 4, da decisão recorrida;

¾        condenar a Comissão nas despesas.

33      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

¾        negar provimento ao recurso na sua totalidade;

¾        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

34      A recorrente invoca cinco fundamentos para o seu recurso, o qual incide unicamente sobre a cooperação bilateral entre os grupos Coats e Prym, relativos:

¾        o primeiro, à violação da obrigação da Comissão, por um lado, de fazer prova da infração, e, por outro, de respeitar o nível de prova exigido a este respeito;

¾        o segundo, à violação do artigo 25.°, n.° 5, do Regulamento n.° 1/2003;

¾        o terceiro, à falta de prova de uma infração única e continuada;

¾        o quarto, à violação do artigo 6.°, n.° 3, alínea d), da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»);

¾        e, o quinto, à aplicação errada das orientações.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação da obrigação da Comissão, por um lado, de fazer prova da infração, e, por outro, de respeitar o nível de prova exigido a este respeito

 Argumentos das partes

35      A recorrente considera, no essencial, que a análise a que a Comissão procedeu de todos os elementos de prova está viciada de erros manifestos de apreciação, como o facto de a Comissão não ter dado cumprimento à obrigação que lhe cabia de provar que o grupo Coats era parte num acordo bilateral de repartição do mercado com o grupo Prym, que durou de janeiro de 1977 até julho de 1998. A Comissão não respeitou os princípios enunciados pelo Tribunal Geral no seu acórdão de 12 de setembro de 2007, Coats Holdings e Coats/Comissão (T‑36/05, não publicado na Coletânea, a seguir «acórdão Coats», n.° 71), a propósito do ónus da prova, a saber, que a Comissão estava obrigada a apresentar provas em apoio da sua «firme convicção» da existência de uma infração e a conceder o benefício da dúvida ao recorrido nesse processo.

36      A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

 Apreciação do Tribunal Geral

37      Na medida em que as partes divergem quanto à questão da repartição, entre si, do ónus da prova e, mais geralmente, quanto à questão da observância ou não das regras aplicáveis à produção da prova de uma violação do artigo 81.° CE, e à prova da participação da recorrente nessa infração, convém recordar, a título preliminar, o regime aplicável na matéria.

38      Resulta do artigo 2.° do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO 2003, L 1, p. 1), bem como de jurisprudência assente, proferida no âmbito da aplicação dos artigos 81.° CE e 82.° CE, que, no domínio do direito da concorrência, em caso de litígio quanto à existência de uma infração, cabe à Comissão apresentar a prova das infrações por ela declaradas e produzir os elementos de prova adequados a demonstrar, de forma bastante, a existência dos factos constitutivos de uma infração (acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão, C‑185/95 P, Colet., p. I‑8417, n.° 58, e de 6 de janeiro de 2004, BAI e Comissão/Bayer, C‑2/01 P e C‑3/01 P, Colet., p. I‑23, n.° 62; acórdão do Tribunal Geral de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão, T‑201/04, Colet., p. II‑3601, n.° 688). Para esse efeito, a Comissão tem de reunir elementos de prova suficientemente precisos e concordantes para demonstrar que a infração alegada ocorreu (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 28 de março de 1984, CRAM e Rheinzink/Comissão, 29/83 e 30/83, Recueil, p. 1679, n.° 20, e de 31 de março de 1993, Ahlström Osakeytiö e o./Comissão, C‑89/85, C‑104/85, C‑114/85, C‑116/85, C‑117/85 e C‑125/85 a C‑129/85, Colet., p. I‑1307, n.° 127; acórdão do Tribunal Geral de 21 de janeiro de 1999, Riviera Auto Service e o./Comissão, T‑185/96, T‑189/96 e T‑190/96, Colet., p. II‑93, n.° 47).

39      Quando a Comissão se baseia, no âmbito da determinação de uma infração aos artigos 81.° CE e 82.° CE, em elementos de prova documentais, cabe às empresas em causa não apenas apresentar uma alternativa plausível à tese da Comissão, mas suscitar a insuficiência das provas tidas em conta na decisão recorrida para provar a existência da infração (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 15 de março de 2000, Cimenteries CBR e o./Comissão, dito «Cimento», T‑25/95, T‑26/95, T‑30/95 a T‑32/95, T‑34/95 a T‑39/95, T‑42/95 a T‑46/95, T‑48/95, T‑50/95 a T‑65/95, T‑68/95 a T‑71/95, T‑87/95, T‑88/95, T‑103/95 e T‑104/95, Colet., p. II‑491, n.os 725 a 728, e de 8 de julho de 2004, JFE Engineering e o./Comissão, T‑67/00, T‑68/00, T‑71/00 e T‑78/00, Colet., p. II‑2501, n.° 187). Há que considerar que, numa situação como a do presente caso, quando a Comissão se baseia em elementos de prova diretos, cabe às empresas em causa demonstrar que os elementos de prova invocados pela Comissão são insuficientes. Já foi declarado que semelhante inversão do ónus da prova não violava a presunção de inocência (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de julho de 1999, Montecatini/Comissão, C 235/92 P, Colet., p. I‑4539, n.° 181).

40      No entanto, cada uma das provas apresentadas pela Comissão não tem de corresponder necessariamente a estes critérios em relação a cada elemento da infração. Basta que o conjunto de indícios invocado pela instituição, apreciado globalmente, satisfaça essa exigência (v. acórdão JFE Engineering e o./Comissão, já referido no n.° 39, supra, n.° 180 e jurisprudência citada).

41      Com efeito, os indícios invocados pela Comissão na decisão a fim de provar a existência de uma violação do artigo 81.°, n.° 1, CE por uma empresa não devem ser apreciados isoladamente mas no seu conjunto (v. acórdão do Tribunal Geral de 8 de julho de 2008, BPB/Comissão, T‑53/03, Colet., p. II‑1333, n.° 185 e jurisprudência citada).

42      Deve igualmente ter‑se em conta que as atividades anticoncorrenciais decorrem de forma clandestina e que, portanto, na maior parte dos casos, a existência de uma prática ou de um acordo anticoncorrencial deve ser inferida de um determinado número de coincidências e de indícios que, considerados no seu todo, podem constituir, na falta de outra explicação coerente, a prova de uma violação das regras da concorrência (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C 205/00 P, C 211/00 P, C 213/00 P, C 217/00 P e C 219/00 P, Colet., p. I‑123, n.os 55 a 57).

43      Por outro lado, resulta de jurisprudência assente que basta que a Comissão demonstre que a empresa em causa participou em reuniões durante as quais foram concluídos acordos de natureza anticoncorrencial, sem se ter manifestamente oposto a isso, para provar de forma suficiente a participação da referida empresa no acordo. Quando a participação nessas reuniões tenha sido demonstrada, cabe a essa empresa apresentar indícios que possam estabelecer que a sua participação nas referidas reuniões era desprovida de qualquer espírito anticoncorrencial, demonstrando que tinha indicado aos seus concorrentes que participava nessas reuniões numa ótica diferente da deles (acórdãos do Tribunal de Justiça de 8 de julho de 1999, Hüls/Comissão, C 199/92 P, Colet., p. I‑4287, n.° 155; e Comissão/Anic Partecipazione, C‑49/92 P, Colet., p. I‑4125, n.° 96; e acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, já referido no n.° 42, supra, n.° 81).

44      A razão que subjaz a este princípio de direito é que, visto ter participado na referida reunião sem se distanciar publicamente do seu conteúdo, a empresa deu a entender aos outros participantes que subscrevia o seu resultado e atuaria em conformidade com ele (acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, já referido no n.° 42, supra, n.° 82).

45      Quanto ao valor probatório dos diversos elementos de prova, há que lembrar que o único critério pertinente para apreciar as provas livremente produzidas reside na sua credibilidade (v. acórdão do Tribunal Geral de 8 de julho de 2004, Mannesmannröhren Werke/Comissão, T‑44/00, Colet., p. II‑2223, n.° 84 e jurisprudência citada; v. acórdãos do Tribunal Geral de 8 de julho de 2004, Dalmine/Comissão, T‑50/00, Colet., p. II‑2395, n.° 72, e JFE Engineering e o./Comissão, já referido no n.° 39, supra, n.° 273). Segundo as regras normalmente aplicáveis em matéria de prova, a credibilidade e, portanto, o valor probatório de um documento dependem da sua origem, das circunstâncias da sua elaboração, do seu destinatário e do caráter sensato e fiável do seu conteúdo (acórdão Cimento, já referido no n.° 39, supra, n.° 1053; conclusões do juiz B. Vesterdorf, exercendo funções de advogado‑geral, no processo que deu lugar ao acórdão do Tribunal Geral de 24 de outubro de 1991, Rhône‑Poulenc/Comissão, T‑1/89, Colet., p. II‑867, II‑869, II‑956). Deve atribuir‑se grande importância, designadamente, à circunstância de um documento ter sido elaborado em cima dos acontecimentos (acórdãos do Tribunal Geral de 11 de março de 1999, Ensidesa/Comissão, T‑157/94, Colet., p. II‑707, n.° 312, e de 16 de dezembro de 2003, Nederlandse Federatieve Vereniging voor de Groothandel op Elektrotechnisch Gebied e Technische Unie/Comissão, T‑5/00 e T‑6/00, Colet., p. II‑5761, n.° 181) ou por uma testemunha direta destes factos (acórdão JFE Engineering e o./Comissão, já referido no n.° 39, supra, n.° 207). Além disso, importa recordar que o simples facto de a informação ter sido prestada por empresas que apresentaram um pedido destinado a obter o benefício das comunicações sobre a cooperação de 1996 ou de 2002 não põe em causa o seu valor probatório.

46      Com efeito, segundo jurisprudência assente, nenhuma disposição nem nenhum princípio geral do direito da União proíbe a Comissão de invocar, contra uma empresa, declarações de outras empresas incriminadas. Se assim não fosse, o ónus da prova de comportamentos contrários aos artigos 81.° CE e 82.° CE, que incumbe à Comissão, seria insustentável e incompatível com a missão de vigilância da boa aplicação dessas disposições que lhe é atribuída pelo Tratado (v. acórdão JFE Engineering e o./Comissão, já referido no n.° 39, supra, n.° 192 e jurisprudência citada).

47      É compreensível uma certa desconfiança relativamente aos depoimentos voluntários dos principais participantes num acordo ilícito, uma vez que esses participantes poderiam minimizar a importância da sua contribuição na infração e maximizar a dos outros. Contudo, atendendo à lógica inerente ao procedimento previsto pelas comunicações sobre a cooperação de 1996 ou de 2002, o facto de pedir para beneficiar da aplicação destas comunicações a fim de obter uma redução da coima não cria necessariamente um incentivo à apresentação de elementos de prova deformados relativamente aos outros participantes no acordo em causa. Com efeito, qualquer tentativa de induzir a Comissão em erro poderia colocar em causa a sinceridade bem como a integralidade da cooperação da empresa e, portanto, pôr em risco a possibilidade de beneficiar plenamente das referidas comunicações (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 16 de novembro de 2006, Peróxidos Orgánicos/Comissão, T‑120/04, Colet., p. II‑4441, n.° 70, e de 8 de julho de 2008, Lafarge/Comissão, T‑54/03, não publicado na Coletânea, n.° 58).

48      Em especial, deve considerar‑se que o facto de uma pessoa confessar que cometeu uma infração e admitir, desse modo, a existência de factos que ultrapassam aqueles cuja existência se podia inferir diretamente dos documentos em questão implica, a priori, na inexistência de circunstâncias especiais suscetíveis de indicar o contrário, que essa pessoa resolveu dizer a verdade. Assim, as declarações que vão contra os interesses do declarante devem, em princípio, ser consideradas elementos de prova particularmente fiáveis (acórdãos do Tribunal Geral, JFE Engineering e o./Comissão, já referido no n.° 39, supra, n.os 211 e 212; de 26 de abril de 2007, Bolloré e o./Comissão, T‑109/02, T‑118/02, T‑122/02, T‑125/02, T‑126/02, T‑128/02, T‑129/02, T‑132/02 e T‑136/02, Colet., p. II‑947, n.° 166; e Lafarge/Comissão, já referido no n.° 47, supra, n.° 59).

49      Todavia, as declarações feitas pelas empresas em causa no âmbito dos pedidos destinados a obter o benefício das comunicações sobre a cooperação de 1996 ou de 2002 devem ser avaliadas com prudência e, em geral, não podem ser consideradas elementos de prova particularmente fiáveis enquanto não forem corroboradas por outros elementos.

50      Com efeito, segundo jurisprudência assente, a declaração de uma empresa acusada de ter participado num acordo cuja exatidão seja contestada por várias outras empresas acusadas, não pode ser considerada prova suficiente da existência de uma infração cometida por estas últimas sem ser sustentada por outros elementos de prova (acórdãos do Tribunal Geral de 25 de outubro de 2005, Groupe Danone/Comissão, T‑38/02, Colet., p. II‑4407, n.° 285; Bolloré e o./Comissão, já referido no n.° 48, supra, n.° 167; e Lafarge/Comissão, já referido n.° 47, supra, n.° 293).

51      Por último, há que recordar que, no considerando 215 da decisão recorrida, a Comissão afirmou que a cooperação bilateral entre os grupos Coats e Prym tinha por objetivo permitir‑lhes repartir o mercado dos artigos de retrosaria impedindo o grupo Coats de entrar no mercado europeu dos «outros tipos de fechos».

52      É à luz das regras expostas nos n.os 38 a 50, supra, que se deve verificar se, na decisão recorrida, a Comissão referiu elementos suficientemente credíveis, precisos e concordantes para demonstrar, no âmbito de uma apreciação global e após o exame das explicações ou justificações alternativas fornecidas pela recorrente, que a infração declarada no artigo 1.°, n.° 4, da decisão recorrida tinha ocorrido.

—       Quanto à reunião de 1975 (considerando 217 da decisão recorrida)

53      Segundo a recorrente, a Comissão fez uma interpretação errada da ata da reunião de 1975, que teve lugar entre a recorrente e a William Prym, ao considerar que se tratava de uma etapa prévia a uma repartição dos mercados, quando resulta da referida ata que se tratava exclusivamente de discussões anódinas sobre a distribuição exclusiva e conjunta, e de compromissos por parte do distribuidor de se abster de fabricar ou de distribuir produtos concorrentes. Esta interpretação é corroborada pela nota de E. F., de 27 de outubro de 1975, destinada a A. P. senior e a D. P., que relata uma reunião realizada entre M. F. e B. em 17 de outubro de 1975.

54      Resulta do argumento da recorrente que a mesma não contesta a realização da reunião nem a sua presença nela. Em contrapartida, contesta a interpretação que a Comissão fez da ata dessa reunião.

55      O considerando 217 da decisão recorrida enuncia o seguinte:

«Em 1975, [os grupos] Coats e Prym decidiram cooperar no domínio da venda e da distribuição, num elevado número de países, agindo como empresas comuns de negócio ou como distribuidores exclusivos dos produtos do outro, em função do seu poder de mercado respetivo em cada país. A ata de uma reunião realizada em Stolberg [Alemanha] em 16 e 17 de novembro de 1975, define as grandes linhas da cooperação entre estes dois grupos».

56      Uma parte importante da ata da reunião que se realizou em Stolberg trata do comércio interno: «No âmbito destes princípios, surgiram as seguintes grandes linhas de acordo ao nível do mercado, com base nas quais as discussões prosseguirão». O ponto 2, n.° 5, da referida ata indica, a respeito de Itália, o seguinte:

«[O grupo] Prym não colocará no mercado os seus fechos de correr».

57      A nota de 27 de outubro de 1975 acima referida reflete o conteúdo de uma conversa com a Coats que teve lugar em 17 de outubro de 1975, em Glasgow (Reino Unido), e contém um ponto I, intitulado «Marketing», redigido como segue:

«As exceções à regra, como a Itália, que já previmos desde o início, devem ser examinadas em profundidade.»

58      A recorrente indica, na nota de pé de página n.° 2 da petição inicial, que «a Coats Italy adquiriu uma participação no [capital da] Lamprom, um fabricante de fechos de correr italiano detido por acionistas privados, e concessionário de uma licença da Opti [adquirida pela Coats em 1989], e seguidamente adquiriu todo o seu controlo em 1975/1976».

59      Resulta do exposto que a ata faz alusão não apenas às «discussões anódinas sobre a distribuição exclusiva e conjunta, e [aos] compromissos por parte do distribuidor de se abster de fabricar ou de distribuir produtos concorrentes», como alega a recorrente, mas também a uma repartição do mercado relativa aos fechos de correr no mercado italiano. Além disso, resulta da lista de presenças que se tratava de uma reunião dos quadros superiores das duas empresas.

60      Além disso, há que recordar que a Comissão não considerou a reunião de 16 e 17 de novembro de 1975 como data de início da infração, mas que se baseou nesse documento, com data anterior àquela que foi considerada a data do início da referida infração (15 de janeiro de 1977), a fim de melhor apreciar as provas relativas ao período da infração. Nada impedia a Comissão de ter em conta as etapas preparatórias à criação propriamente dita do acordo, para analisar a situação económica que precedeu e explicou a criação do acordo ou para determinar e avaliar o papel respetivo que os membros do acordo tinham desempenhado na sua conceção, criação e execução. De resto, a Comissão pode ter em conta, pelos mesmos motivos, a fase posterior ao período da infração propriamente dita, a fim de avaliar, no âmbito da comunicação sobre a cooperação ou de eventuais circunstâncias atenuantes, a colaboração efetiva das empresas na denúncia do seu acordo (acórdão do Tribunal Geral de 29 de abril de 2004, Tokai Carbon e o./Comissão, dito «Tokai I», T‑236/01, T‑239/01, T‑244/01 a T‑246/01, T‑251/01 e T‑252/01, Colet., p. II‑1181, n.° 304).

61      Além disso, o documento de 15 de janeiro de 1977, que será examinado a seguir, enuncia o seguinte:

«Os princípios gerais que regulam a [cooperação bilateral entre os grupos Coats e Prym] são fixados do modo definido na ata da reunião de Stolberg de 16 e 17 de novembro de 1975, completado como segue [...]»

—       Quanto ao documento de 15 de janeiro de 1977 (considerandos 218 a 222 da decisão recorrida)

62      A recorrente alega que a Comissão não teve em conta o facto de que o documento de 15 de janeiro de 1977, no qual se baseou na decisão recorrida, não está assinado nem é completo, e que nada permite saber qual delas, a Coats ou a William Prym, o redigiu ou concordou com ele verbalmente, pois não existe nenhuma prova de um consentimento escrito. Todos estes elementos constituem indícios úteis para avaliar o valor probatório desse tipo de documento. Segundo a recorrente, resulta implicitamente do conceito de cooperação total e explicitamente da comunicação sobre a cooperação de 2002 que a Comissão deveria ter pedido à William Prym que apresentasse provas emanadas de antigos trabalhadores para poder invocar o benefício da referida comunicação.

63      Resulta destes argumentos que a recorrente não contesta a existência do documento de 15 de janeiro de 1977. Em contrapartida, contesta a interpretação que dele fez a Comissão.

64      Os considerandos 218 e 219 da decisão recorrida estão assim redigidos:

«(218) Partindo deste quadro de cooperação, a Coats e a William Prym celebraram um acordo de repartição do mercado no setor da retrosaria, como prova o acordo escrito datado de 15 de janeiro de 1977 (a seguir ‘acordo de 1977), nos termos do qual a Coats se compromete ‘a não exercer, diretamente ou no quadro de uma associação, qualquer atividade de fabrico de artigos de retrosaria metálicos e plásticos [...], ou qualquer atividade de distribuição na Europa de artigos de retrosaria metálicos e plásticos concorrentes sem o consentimento prévio da [William] Prym’. Por sua vez, a [William] Prym comprometeu‑se ‘a não exercer, diretamente ou no quadro de uma associação, qualquer atividade de fabrico de linhas de costura e de linhas para uso artesanal, etc. [...], nem qualquer atividade de distribuição na Europa de linhas de costura e de linhas para uso artesanal concorrentes, etc., sem o consentimento prévio da Coats’.

(219) Uma cláusula do acordo de 1977 especifica que os compromissos nele expressos, embora não sejam juridicamente executórios, ‘refletem, não obstante, o espírito do acordo Coats‑[William] Prym e constituem, enquanto tais, uma obrigação moral que vincula as duas partes’.»

65      No documento de 15 de janeiro de 1977 pode ler‑se o seguinte:

«Os princípios gerais que regulam a [cooperação bilateral entre os grupos Coats e Prym] são fixados do modo definido na ata da reunião de Stolberg de 16 e 17 de novembro de 1975, completado como segue:

Com exceção de situações já constituídas [enumeradas na lista a)], a Coats compromete‑se:

1) a não exercer, diretamente ou no quadro de uma associação, qualquer atividade de fabrico de artigos de retrosaria metálicos e plásticos [enumerados na lista b), com base no contrato italiano que exclui as agulhas para máquinas], nem qualquer atividade de distribuição na Europa de artigos de retrosaria metálicos e plásticos concorrentes, sem o consentimento prévio da [William] Prym;

2) no resto do Mundo, a não exercer, diretamente ou no quadro de uma associação, qualquer atividade de fabrico de artigos de retrosaria metálicos e plásticos, sem o consentimento prévio da Prym, nem qualquer atividade de distribuição de artigos de retrosaria metálicos e plásticos concorrentes, sem a consulta prévia à [William] Prym.

A [William] Prym compromete‑se:

1) a não exercer, diretamente ou no quadro de uma associação, qualquer atividade de fabrico de linhas de costura e de linhas para uso artesanal, etc. [que figuram na lista c)], nem qualquer atividade de distribuição na Europa de linhas de costura e de linhas para uso artesanal concorrentes, etc., sem o consentimento prévio da Coats;

2) no resto do Mundo, a não exercer, diretamente ou no quadro de uma associação, qualquer atividade de fabrico de linhas de costura e de linhas para uso artesanal, etc., sem o consentimento prévio da Coats, nem qualquer atividade de distribuição de linhas de costura e de linhas para uso artesanal concorrentes, etc., sem a consulta prévia à Coats.

É aceite que estes compromissos não são juridicamente executórios, mas refletem, não obstante, o espírito do acordo Coats‑[William] Prym e constituem, enquanto tais, uma obrigação moral que vincula as duas partes.»

66      Resulta da própria leitura deste documento que o mesmo se refere à reunião realizada em Stolberg em 16 e 17 de novembro de 1975 e, mais precisamente, que tem por objeto completar os princípios gerais que tinham sido discutidos nessa reunião. O referido documento reproduz os detalhes da cooperação entre as duas empresas no plano comercial.

67      Quanto ao argumento da recorrente relativo à falta de valor probatório do documento de 15 de janeiro de 1977, impõe‑se referir que a credibilidade desse documento não é forçosamente reduzida por não estar assinado. Primeiro, o facto de não estar assinado não pode surpreender, uma vez que se trata de uma nota relativa a uma reunião cujo objeto anticoncorrencial justificava, para o seu autor, que deixasse o mínimo de vestígios possível (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 10 de março de 1992, Shell/Comissão, T‑11/89, Colet., p. II‑757, n.° 86). Segundo, a data inscrita no documento («15.1.1977») permite considerar que foi elaborado no momento dos factos (v., neste sentido, acórdão Bolloré e o./Comissão, já referido no n.° 48, supra, n.° 173). Terceiro, na medida em que este documento contém informações específicas que correspondem às que constam de outros documentos, deve considerar‑se que esses elementos se podem reforçar mutuamente (v., neste sentido, acórdão JFE Engineering e o./Comissão, já referido no n.° 39, supra, n.° 275). Quarto, como o Tribunal Geral recordou no acórdão de 20 de abril de 1999, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão (T‑305/94 a T‑307/94, T‑313/94 a T‑316/94, T‑318/94, T‑325/94, T‑328/94, T‑329/94 e T‑335/94, Colet., p. II‑931, n.° 715), para que haja acordo, na aceção do artigo 81.°, n.° 1, CE, basta que as empresas em causa tenham manifestado a sua vontade comum de se comportarem no mercado de determinada maneira.

68      Importa salientar, a este respeito, que o pedido do grupo Prym destinado a obter o benefício da comunicação sobre a cooperação de 2002 contém a seguinte passagem, citada no considerando 220 da decisão recorrida:

«Através de um acordo datado de 15 de janeiro de 1977, ainda em vigor, a Coats e a [William] Prym repartiram entre si o mercado dos artigos de retrosaria. Nenhuma das partes pode intervir no segmento de mercado da outra parte sem o seu consentimento. A Coats era e continua a ser responsável pelo segmento dos produtos têxteis de retrosaria (linhas de costura, algodão para bordados, lã); a [William] Prym era e continua a ser responsável pelo segmento dos artigos de retrosaria metálicos e plásticos (agulhas e botões de mola).

Nos termos do acordo‑quadro de 1976/1977, a Coats e a [William] Prym decidiram fundir, para fins de comercialização, a sua gama de produtos complementares de linhas de costura, algodão para bordado e lã (produtos têxteis de retrosaria), por um lado, e de fechos de correr, botões de mola e agulhas (artigos de retrosaria metálicos e plásticos), por outro. Essa fusão assentava na ideia de que é preciso uma agulha para utilizar linhas de costura e que esses dois produtos deviam ser comercializados conjuntamente através de um mesmo canal de venda. O acordo‑quadro destinava‑se a garantir a consolidação de cada empresa no seu principal domínio de atividade e, em especial, o seu desenvolvimento mediante a internacionalização da sua posição no mercado, realizando sinergias em matéria de comercialização através da eliminação de duplicidades. Nos termos do acordo, cada empresa comprometia‑se a não intervir no domínio da outra parte sem o seu consentimento.

Tinha sido igualmente acordado que a Coats adquiriria uma participação de 24,9% no capital da [William] Prym e teria o direito de nomear um membro do [seu] conselho de administração [...] e dois membros do seu conselho de supervisão. A Coats exerceu estes dois direitos até 1994.»

69      A circular de 20 de janeiro de 1977 da Coats Patons (a seguir «circular de 1977»), confirma a aquisição pela Coats de uma participação de 24,9% no capital da William Prym, bem como a nomeação de um membro do seu conselho de administração (J. G.) e dois membros do seu conselho de supervisão (B. e W. H.).

70      As declarações de A. P. fundamentam, completam e confirmam o conteúdo do acordo de 15 de janeiro de 1977 (a seguir «acordo de 1977»). Quanto ao valor probatório dessas declarações, contestado pela recorrente, há que recordar que, embora se devam geralmente encarar com certa desconfiança os depoimentos voluntários dos principais participantes num acordo ilícito, atendendo à possibilidade de esses participantes terem tendência para minimizar a importância da sua contribuição na infração e para maximizar a dos outros, não é menos verdade que o argumento da recorrente não corresponde à lógica inerente ao procedimento previsto pelas comunicações sobre a cooperação de 1996 e de 2002. Com efeito, o facto de pedir para beneficiar da aplicação das comunicações sobre a cooperação de 1996 e de 2002 a fim de obter uma redução da coima não cria necessariamente um incentivo à apresentação de elementos de prova deformados relativamente aos outros participantes no acordo em causa. Com efeito, qualquer tentativa de induzir em erro a Comissão poderia colocar em causa a sinceridade bem como a integralidade da cooperação da empresa e, portanto, pôr em risco a possibilidade de beneficiar plenamente da comunicação sobre a cooperação aplicável (v. n.os 47 e 48, supra). Por outro lado, resulta do considerando 246 da decisão recorrida que, relativamente aos pedidos do grupo Prym destinados a obter o benefício das comunicações sobre a cooperação de 1996 e de 2002, a Comissão agiu com uma certa prudência, pois procurou corroborar essa declaração através de outros elementos de prova. Assim, não considerou o ano de 2004 como data do termo da infração, como indicava o grupo Prym nos referidos pedidos, mas a reunião de 15 de julho de 1998.

71      Todavia, a declaração prestada sob juramento por M. F. em 11 de maio de 2006 enuncia, sob a epígrafe «O acordo de 1977 e as relações entre a Coats e a [William] Prym desde os anos 70 até aos anos 90», um ponto 5 como segue:

«5       Embora nunca tenha visto o acordo de 1977 antes da [comunicação de acusações complementar], sou capaz de compreender as razões pelas quais a Coats e a [William] Prym poderiam ter celebrado um acordo dessa natureza em 1977. Em janeiro de 1977, a Coats adquiriu uma participação de 24,9% no capital da [William] Prym e um acordo teria sido coerente com aquilo que descreverei como o ‘grande projeto’ de B. e [...] E. F., que eram, à época, respetivamente, diretor‑geral da J & P Coats Ltd (a filial da Coats Patons plc que se ocupava do setor das linhas) e gerente da [William] Prym. Baseando‑me no seu encontro de 1975, na aquisição pela Coats da participação no capital da [William] Prym e nas empresas conjuntas criadas nos anos 70 e 80, direi que B. e [...] E. F. pretenderam estabelecer, a partir de meados dos anos 70, uma cooperação mais estreita entre a Coats e a [William] Prym relativamente à conjugação do marketing e da distribuição. Não penso, porém, que tenham querido proceder a uma repartição dos mercados entre as duas sociedades através de um acordo. Nos anos 70, uma tomada de posição da Coats no setor dos artigos de retrosaria metálicos e plásticos (que não através da aquisição da [William] Prym), ou da [William] Prym no setor das linhas, teria sido altamente improvável. O compromisso, por um lado, da Coats, de não tomar posição no setor dos artigos de retrosaria metálicos e plásticos e, por outro, da [William] Prym, de não tomar posição no setor das linhas, não teria tido, portanto, qualquer valor.»

72      Resulta daqui que M. F. reconhece que, embora não tivesse tido conhecimento da existência desse acordo, podia perfeitamente compreender as razões pelas quais as duas empresas o teriam celebrado (após a aquisição pela Coats de 24,9% do capital da William Prym). Em contrapartida, segundo M. F., as referidas empresas não tinham intenção de repartir entre si os mercados em causa.

73      A este respeito, há que recordar que a Comissão afirmou, no considerando 223 da decisão recorrida, que dispunha de outros elementos de prova que confirmavam o conteúdo do documento transmitido pelo grupo Prym, a saber, o extrato do discurso de D. P. de 9 de novembro de 1988 (v. n.os 87 a 89, infra), a nota preparada por A. com data de 12 de dezembro de 1991 (v. n.os 90 a 94, infra), a ata da reunião com a Coats Patons de 11 de fevereiro de 1993 (v. n.os 95 a 100, infra). Estes elementos de prova serão examinados a seguir.

74      Quanto à afirmação da recorrente segundo a qual resultava implicitamente do conceito de cooperação total e explicitamente da comunicação sobre a cooperação de 2002 que a Comissão deveria ter pedido à William Prym que apresentasse provas emanadas de antigos trabalhadores para poder ter direito a beneficiar da referida comunicação, há que observar que não resulta de modo algum desta última que a William Prym tenha sido obrigada a fornecer declarações de antigos empregados a fim de lhe ser concedida uma redução do montante da coima. Esta alegação não deve, por conseguinte, ser acolhida.

—       Quanto à carta de 12 de abril de 1977 (considerando 224 da decisão recorrida)

75      A recorrente é de opinião que a Comissão interpretou, erradamente, uma carta de 12 de abril de 1977 que S. (diretor de marketing da Coats) enviou à Needles Industries Ltd (a seguir «NIL») no sentido de que fazia referência a um acordo sobre repartição dos mercados, quando uma leitura atenta revela que essa carta diz respeito aos acordos de distribuição exclusiva na Europa, bem como à aquisição pela Coats de uma participação estratégica no capital da William Prym. A referida carta deve ser lida no contexto dos diversos projetos em matéria de distribuição iniciados na reunião de 16 e 17 de novembro de 1975. Esses projetos são mencionados numa minuta de carta dirigida aos quadros dirigentes datada de janeiro de 1976.

76      O considerando 224 da decisão recorrida enuncia o seguinte:

«Já em abril de 1977, numa carta datada de 10 de abril de 1977, dirigida à NIL, a Coats tinha feito claramente referência a um acordo Coats‑[William] Prym e a um comité de comercialização NIL‑[William] Prym que zelava por que ‘as operações sejam conduzidas no espírito e em conformidade com a letra do acordo Coats‑[William] Prym’. Também estava escrito nessa carta que ‘o princípio fundamental que a [NIL] dev[ia] ter em mente [era] que a Prym de[via] ser considerad[a] como um [parceiro] e não como um concorrente amigável [...] Em caso de divergência importante ou de qualquer incerteza respeitante à aplicação do acordo Coats‑[William] Prym a mercados específicos ou a problemas específicos, a [NIL devia] sempre consultar o administrador do mercado correspondente em Glasgow [Coats]’.»

77      A título preliminar, cabe referir que, na verdade, se trata de uma carta com data de 12 de abril de 1977.

78      A recorrente invoca uma carta de janeiro de 1976 e a circular de 1977 para mostrar que os elementos de prova que constam do dossiê da Comissão indiciam igualmente a existência de uma cooperação lícita, isto para negar o valor de outros elementos de prova que demonstram a existência de uma cooperação ilícita.

79      No entanto, a carta de janeiro de 1976 revela, além da existência de uma cooperação lícita, a necessidade de respeitar, em princípio, nos mercados onde já existia uma concorrência com a NIL, as posições então estabelecidas. A referida carta contém, a este respeito, a passagem seguinte:

«Nos mercados onde já existe concorrência com a NIL, foi alcançado um acordo, pelo que, em princípio, as posições de mercado atuais serão respeitadas. No caso dos fechos de correr, a [William] Prym concorre com a Opti/LF em apenas alguns mercados europeus, e estão a decorrer conversações com a Opti/LF a fim de demonstrar que uma associação com a [William] Prym não é incompatível com os nossos atuais acordos globais.»

80      Aliás, no que respeita à carta de 12 de abril de 1977, a recorrente não indicou por que motivo S. tenha sido impedido de «se refer[ir] abertamente a um acordo de repartição do mercado numa carta [...] dirigida à [NIL]».

—       Quanto ao acordo Hugenpoet (considerandos 225 e 226 da decisão recorrida)

81      A recorrente considera que a Comissão não apresentou qualquer elemento de prova suscetível de confirmar a existência do acordo dito «acordo Hugenpoet», além da declaração de A. P., e não teve em conta elementos de prova que contradiziam a existência desse acordo, como o facto de a William Prym ter prosseguido a sua atividade enquanto fabricante de fechos de correr. A única atuação invocada pela Comissão para sustentar a existência do acordo Hugenpoet é o facto de a William Prym ter subcontratado o aprovisionamento em bandas de tecido dentadas junto da Opti. Ora, a recorrente afirma que a William Prym tinha continuado a fabricar fechos de correr e que a subcontratação se devia a uma mera questão de custos, não fazendo parte de uma retirada do setor dos fechos de correr (v., a este respeito, a resposta da recorrente à comunicação de acusações complementar).

82      A recorrente considera que a anulação da conclusão a que a Comissão chegou reveste uma importância considerável tendo em conta a gravidade e a duração de qualquer infração alegada. Com efeito, decorre daí que, mesmo na versão do processo mais favorável para a Comissão, existe um período de onze anos e meio [desde a carta da Coats à NIL de 12 de abril de 1977 até ao Beirat (conselho de supervisão) da William Prym de 9 de novembro de 1988] relativamente ao qual não existe qualquer prova de que a alegada infração tenha prosseguido.

83      Os considerandos 225 e 226 da decisão recorrida enunciam o seguinte:

«(225) Segundo a [William] Prym, no início dos anos 80, [ela mesma], a Coats e a Opti, fabricante independente de artigos de retrosaria metálicos e plásticos até 1988, reuniram‑se no quadro daquilo que foi designado o acordo Hugenpoet. A [William] Prym escreve a este respeito: ‘Isto significava que cada empresa deste triunvirato estava proibida de fabricar e de comercializar os produtos que as outras duas fabricavam e comercializavam. Foi por este motivo que a Opti vendeu à [William] Prym o seu departamento de acondicionamento e de comercialização de artigos de retrosaria metálicos e plásticos nos Países Baixos [...] Um segundo resultado foi que a [William] Prym manifestou a sua vontade de se retirar, por seu turno, do mercado dos fechos de correr. Numa primeira fase, a recorrente cessou o fabrico em série de fechos de correr no início dos anos 80 e passou a abastecer‑se junto da Opti, situação que se manteve durante vários anos, no âmbito de um contrato de fornecimento’. O grupo Prym (ao abrigo do acordo designado pela [William] Prym como ‘acordo relativo ao fornecimento de cadeias para fechos de correr’) abandonou no início dos anos 80 o fabrico do principal componente dos fechos de correr e passou a ser um ator menor desse mercado até 1 de julho de 1998 (presente sobretudo na Alemanha), data em que a Prym Fashion adquiriu 50% da atividade de fechos de correr da Bonduel Sarl para fundi‑la com a atividade limitada da Prym Fashion nesse domínio, no quadro de uma empresa comum denominada Bonduel‑Prym, e rebatizada de Éclair Prym após ter sido integralmente adquirida pela Prym Fashion, em 2001.

(226) Segundo a Coats, as alegações da [William] Prym relativamente ao acordo Hugenpoet são vagas e incoerentes. A [William] Prym reconhece que não existe qualquer vestígio escrito do acordo Hugenpoet. Contudo, a Coats não contesta o facto de que a [William] Prym se havia retirado do fabrico de cadeias para fechos de correr, o que tinha sido feito, de acordo com a comunicação da [William] Prym, em conformidade com o acordo [...] Hugenpoet e representava a primeira etapa da sua retirada do setor do fabrico dos fechos de correr. Seja como for, a Comissão reconhece que a existência do acordo Hugenpoet não é sustentada por nenhuma prova escrita. Considera, no entanto, que esse acontecimento, tal como descrito pela [William] Prym, demonstra o modo como a situação do mercado dos artigos de retrosaria evoluía e como a Coats e a [William] Prym tentavam adaptar o seu acordo de repartição dos mercados em função dessa evolução. Paralelamente a esta repartição geral do mercado dos artigos de retrosaria, os fechos de correr eram o único domínio em que havia sobreposição das suas atividades (à exceção do setor das agulhas). Nenhuma das empresas era ator de primeiro plano nesses mesmos mercados geográficos. O grupo Prym fabricava e distribuía fechos de correr essencialmente na Alemanha e na Áustria e apenas pequenas quantidades nos mercados vizinhos. Quanto à Coats, vendia na Áustria os seus fechos de correr juntamente com a Prym, ao passo que, na Alemanha, nunca fabricou nem vendeu fechos de correr até à sua aquisição da Opti.»

84      Resulta do considerando 226 da decisão recorrida que a Comissão reconheceu que a afirmação relativamente à existência do acordo Hugenpoet, que consta dos pedidos do grupo Prym destinados a obter o benefício das comunicações sobre a cooperação de 1996 e de 2002, não é corroborada por nenhum elemento de prova escrito. Todavia, esse acontecimento demonstrava, segundo a Comissão, a evolução da situação no mercado e a da relação entre as empresas em causa. Quando do acordo de 1977, a prioridade dessas empresas tinha sido separar os seus mercados principais, os artigos de retrosaria metálicos e plásticos para a William Prym e as linhas para a Coats, ao passo que o segmento dos fechos de correr constituía um dos dois domínios em que existia uma sobreposição das suas atividades.

85      O argumento da recorrente segundo o qual a William Prym tinha continuado a fabricar fechos de correr, devendo‑se a subcontratação do seu aprovisionamento em bandas de tecido dentadas apenas a uma questão de custos, e não a uma retirada do setor dos fechos de correr, poderia, em parte, ser confirmado pelo contrato de fornecimento celebrado entre a Opti e a William Prym, o qual terminava em 31 de março de 1999. Em contrapartida, à exceção da alegação da recorrente sobre a continuação do fabrico de fechos de correr da William Prym, o dossiê não contém elementos de prova que permitam corroborar a manutenção dessa atividade.

86      Quanto ao valor probatório das declarações do grupo Prym, a própria Comissão admite que as mesmas só podem ser utilizadas como prova suficiente do acordo de repartição dos mercados concluído nos anos 70. Contudo, alega que, mesmo sem ter em conta o acordo Hugenpoet, não pode ser negada a existência do acordo de repartição dos mercados desde os anos 70. Acrescenta que a existência do acordo Hugenpoet é igualmente plausível perante as críticas do grupo Prym a respeito da aquisição da Opti. Com efeito, mesmo que a existência de um acordo não tenha sido corroborada por provas que datem da época da infração, a declaração do grupo Prym a esse respeito corresponde a um período (anos 80) relativamente ao qual a Comissão considera ter elementos suficientes que provam a infração. Além disso, atendendo a que a declaração do grupo Prym se revelou fiável a respeito de outros aspetos e que vai contra os seus próprios interesses, não há qualquer razão para duvidar da sua fiabilidade quanto à existência do referido acordo.

—       Quanto à reunião do Beirat de 9 de novembro de 1988 (considerandos 227 a 230 da decisão recorrida)

87      A recorrente alega, no essencial, que a Comissão interpretou erradamente a ata do Beirat da William Prym, de 9 de novembro de 1988, no sentido de que fazia alusão ao acordo de 1977. Na sua opinião, tratava‑se, mais provavelmente, de uma alusão a um relatório efetuado a pedido da William Prym (v. considerandos 227 e 230 da decisão recorrida). Não foi produzida qualquer prova credível da existência do acordo Hugenpoet. Por conseguinte, existe um vazio de mais de onze anos na alegada aplicação continuada do acordo de 1977.

88      Trata‑se, concretamente, de um discurso proferido por D. P., em 9 de novembro de 1988, perante o Beirat da William Prym, pouco tempo após a aquisição, pela Coats, do fabricante de fechos de correr Opti.

89      Resulta efetivamente desse discurso que D. P. acusa B., presidente e diretor‑geral da Coats e membro do Beirat da William Prym, de não ter respeitado as obrigações da Coats para com a William Prym ao adquirir a Opti sem a ter consultado, contrariamente aos interesses da William Prym tal como tinham sido registados por escrito.

—       Quanto à nota de William Prym de 12 de dezembro de 1991 (considerando 231 da decisão recorrida)

90      A recorrente alega, no essencial, que a Comissão não teve em conta a nota da William Prym de 12 de dezembro de 1991, que sugeria que o conteúdo do acordo de 1977 apenas podia ter sido conhecido por duas pessoas e que, na sequência, respetivamente, da morte e da reforma dessas pessoas (B. e E. F.), o referido acordo não tinha sido transmitido à direção‑geral da William Prym. A recorrente afirma que a referência feita nessa nota a um acordo celebrado em 1975, corresponde, na realidade, à reunião de 16 e 17 de novembro de 1975, em Stolberg. A recorrente observa que a Comissão fez a mesma interpretação errada de um compromisso legítimo de não concorrência no processo que deu lugar à Decisão C (2004) 4221 final da Comissão, de 26 de outubro de 2004, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° [CE] (processo COMP/F 1/38.338 — PO/Needles). Nesse processo, a Coats estava protegida, na qualidade de compradora exclusiva da Entaco, pela obrigação imposta a esta última de não lhe fazer concorrência nas suas principais áreas de venda. A Comissão considerou que se tratava de uma repartição de mercados mas, no acórdão Coats, já referido no n.° 35, supra, o Tribunal Geral anulou esta conclusão e considerou que se tratava antes de uma medida de proteção legítima. A recorrente refere, em especial, o n.° 150 do referido acórdão.

91      O considerando 231 da decisão recorrida enuncia o seguinte:

«A Coats cita a nota de 12 de dezembro de 1991, que figura no dossiê da Comissão. A Comissão dá a entender que a nota foi provavelmente preparada por A., da [William] Prym, uma vez que as iniciais ‘vA’ aparecem no canto superior da nota. O primeiro parágrafo do documento faz expressamente referência às negociações de 1975 sobre o acordo de distribuição e a repartição das zonas geográficas entre a [William] Prym e a Coats. Os negociadores eram B. (do lado da Coats) e E. F. (do lado da [William] Prym). A Coats cita esse documento para fundamentar o seu argumento segundo o qual o texto do acordo de 1977, mesmo que este acordo tenha sido celebrado, não passou das mãos dos negociadores, ou seja, B. e E. F. Esta prova revela claramente a existência de um acordo de partilha do mercado, que fixava a repartição dos mercados entre a [William] Prym e a Coats. Ao chamar a atenção da Comissão para esta prova, a Coats contradiz os seus argumentos anteriores quando afirma que esse acordo não existia. Além disso, o facto de, em 1991, apenas B. e E. F. terem acesso ao texto do referido acordo não implica necessariamente que os seus sucessores não estivessem ao corrente da sua existência. A nota de 12 de dezembro de 1991 menciona claramente o acordo de repartição dos mercados, cuja existência não era confidencial. Por conseguinte, em 1991, já existiam mais pessoas ao corrente da existência desse acordo. De qualquer modo, os documentos examinados nos considerandos 232 a 234, 237, 239, 240 e 242 provam que a relação entre a [William] Prym e a Coats continuou a girar em torno da repartição dos mercados, mesmo depois de B. e E. F. terem deixado a direção das duas empresas.»

92      Resulta da leitura da nota de 12 de dezembro de 1991 que, em 1975, foi celebrado um acordo de repartição de mercados na sequência de negociações conduzidas por B. e E. F., como condição de uma cooperação aprofundada. Além disso, segundo o autor desta nota, o resultado dessas negociações foi transcrito para um documento confidencial a que apenas tinham acesso os próprios negociadores. Por último, no segundo parágrafo da referida nota, A. indica que, segundo ele, o elemento principal do acordo consistia na declaração pela qual a William Prym se comprometia a não se tornar, direta ou indiretamente, ativa no plano comercial na área das linhas de costura e de bordar, enquanto a Coats se comprometia, sem prejuízo da exceção já aceite relativamente à NIL e à sociedade Linhas Corrente Ltda Brasil, a não desenvolver, direta ou indiretamente, qualquer atividade comercial na área dos artigos de retrosaria metálicos e plásticos.

93      Consequentemente, o argumento da recorrente segundo o qual o conteúdo do acordo de 1977 apenas podia ter sido conhecido por duas pessoas e, na sequência, respetivamente, da morte e da reforma dessas pessoas, não havia sido transmitido à direção‑geral da William Prym, não pode ser aceite, porquanto está provado que, em 12 de dezembro de 1991, o autor da referida nota, pelo menos, sabia da existência e do conteúdo desse acordo.

94      Quanto ao argumento da recorrente segundo o qual essa nota refere o acordo celebrado em 1975, que corresponde, na realidade, à reunião de 16 e 17 de novembro de 1975 realizada em Stolberg, cabe apenas sublinhar que o facto de o acordo poder ter sido celebrado verbalmente em 1975 e confirmado na ata daquela reunião não exclui que, mais tarde, tenha sido passado a papel, em 1977 (v. igualmente n.° 67, supra).

—       Quanto à reunião de 11 de fevereiro de 1993 (considerando 232 da decisão recorrida)

95      A recorrente entende que a Comissão considerou, erradamente, que uma declaração de J. G., representante da William Prym, com data de 11 de fevereiro de 1993, fazia referência a um acordo de repartição dos mercados, apesar de o Tribunal Geral ter entendido que esta declaração não implicava a Coats e que a Comissão não tinha provado a «natureza anticoncorrencial da reunião», e ainda menos que a declaração se referia ao acordo de 1977 (acórdão Coats, já referido no n.° 35, supra, n.° 91).

96      A Comissão fez questão de precisar, na audiência, que, no n.° 91 do acórdão Coats, já referido no n.° 35, supra, o Tribunal Geral examinou de maneira isolada a reunião em causa, uma vez que, à época, não tinha o privilégio de beneficiar de toda uma série de informações de que hoje dispõe, o que o levou a considerar, no referido acórdão, que a reunião não tinha um objeto anticoncorrencial.

97      Resulta do argumento da recorrente que a mesma não contesta a realização da reunião nem a sua presença nela. Em contrapartida, por um lado, alega que a Comissão não fez prova bastante da natureza anticoncorrencial dessa reunião e, por outro, contesta a interpretação que a Comissão fez da declaração de J. G.

98      No que respeita à primeira asserção, há que observar que resulta do n.° 11 da ata da reunião de 11 de fevereiro de 1993 que J. G. aludiu às origens das relações entre a Coats e a William Prym, sendo esta última considerada responsável pelos artigos de retrosaria metálicos e plásticos. Segundo ele, a Coats estava moralmente obrigada a resolver a situação que era então a da NIL, de modo a poder finalmente realizar o projeto inicial graças ao qual devia controlar o fabrico dos artigos têxteis de retrosaria e deixar à William Prym o cuidado de fornecer os artigos de retrosaria metálicos e plásticos.

99      Quanto ao n.° 91 do acórdão Coats, já referido no n.° 35, supra, há que recordar que, nele, o Tribunal Geral tinha examinado os acordos celebrados entre a William Prym e a Entaco no setor das agulhas, de que a Coats não era signatária direta. A Entaco e a William Prym tinham assinado um acordo‑quadro, que entrou em vigor em 10 de setembro de 1994. Este acordo foi celebrado para efeitos da aquisição das atividades de embalagem e de acabamentos da NIL (anteriormente detida pela Coats Holdings) e produziu efeitos na data dessa aquisição. O Tribunal Geral concluiu, nesse caso, que a natureza anticoncorrencial da reunião de 11 de fevereiro de 1993 não tinha sido demonstrada de maneira indubitável, designadamente em razão do facto de que a afirmação segundo a qual «a Coats estava moralmente obrigada a pôr ordem na atual situação da [NIL]» era muito ambígua no âmbito da venda de uma atividade e não se referia necessariamente a uma repartição do mercado, na medida em que podia igualmente significar que a Coats devia aceitar a oferta anterior da William Prym em vez de vender a NIL à Entaco. No referido acórdão, o Tribunal Geral precisava igualmente que o resto da ata não era pertinente.

100    No que respeita à segunda asserção, há que recordar que resulta da declaração de J. G., reproduzida na ata da reunião em causa, lida em conjugação com os termos do acordo de 1977 (v. n.° 65, supra), que este último continuava a impor a cada parte a obrigação de não tomar posição nos mercados da outra. De resto, foi esta a razão pela qual a Comissão invocou essa nota (v. considerando 232 da decisão recorrida).

—       Quanto à cessão pela Coats da sua participação no capital da William Prym (considerandos 233 a 236 da decisão recorrida)

101    A recorrente alega, no essencial, que a Comissão não teve em conta o facto de que o acordo de cooperação de 1995 e o acordo‑quadro de setembro de 1997 (a seguir «acordo‑quadro de 1997») marcaram uma alteração importante nas relações entre a Coats e a William Prym, e que teriam sido redundantes se o acordo de 1977 tivesse prevalecido.

102    Em primeiro lugar, a recorrente considera que as relações comerciais entre a Coats e a William Prym mudaram radicalmente após a cessão pela Coats da sua participação no capital da William Prym, em finais de 1994. Em segundo lugar, quanto à reunião de 11 de junho de 1996 (v. considerando 233 da decisão recorrida), a recorrente sustenta que a mesma apenas dizia respeito à cooperação em matéria de distribuição. Refere, em especial, o corolário da designação na qualidade de distribuidor exclusivo, a saber, a obrigação de não fabricar nem distribuir os produtos concorrentes. Em terceiro lugar, no que respeita à teoria da Comissão, desenvolvida nos considerandos 234 e 236 da decisão recorrida, segundo a qual o acordo‑quadro de 1997 confirma que «a Coats e a [William] Prym continuaram a atuar num espírito de repartição dos mercados com estratégias de não‑concorrência», a recorrente considera que a Comissão não fez a mínima prova de um nexo de causalidade entre o referido acordo‑quadro e o acordo de 1977. A recorrente conclui que tudo o que podia ter existido anteriormente foi substituído por um acordo restrito de cooperação em matéria de distribuição nos mercados destinados aos particulares.

103    O considerando 233 da decisão recorrida enuncia o seguinte:

«Em de dezembro de 1994, a Coats vende à família Prym a sua participação na William Prym; esta cessão produz efeitos em 31 de dezembro de 1994. Segundo [os pedidos do grupo Prym destinados a obter o benefício das comunicações sobre a cooperação de 1996 e de 2002], a cooperação entre a Coats e a [William] Prym no mercado europeu é regularizada em fevereiro de 1995, e as duas partes acordam que seria de seu interesse prolongá‑la. O grupo Prym não deu, porém, outras informações sobre as modalidades exatas dessa operação. A [William] Prym e a Coats encontraram‑se em 11 de junho de 1996 em Stolberg [...]. D. G., da Coats, declara nessa ocasião:

‘A estratégia de distribuição da [sociedade] Coats Craft na Europa consiste em cooperar, em toda a medida do possível, com os grandes fornecedores de produtos de marca, como a [William] Prym, e a não introduzir as suas próprias marcas. Se for implementado um sistema de parceria, a Coats retirará então suas próprias marcas.»

104    A Comissão invoca o considerando 234 da decisão recorrida para demonstrar que, depois de 1995, após a cessão pela Coats da sua participação no capital da William Prym, as duas empresas continuaram a agir num espírito de repartição dos mercados com estratégias de não‑concorrência. Esta constatação é corroborada pelo grupo Prym.

105    Segundo o ponto 9 do pedido do grupo Prym destinado a obter o benefício da comunicação sobre a cooperação de 2002:

«Com este acordo, a [William] Prym pretende zelar pela segurança da comercialização dos seus produtos através dos canais da Coats. O acordo‑quadro regula a cooperação no setor industrial e comercial. A Coats, por seu lado, estava interessada na venda de outros produtos através do seu dispendioso sistema de comercialização. Estava particularmente interessada nos produtos de marca, bem consolidados, da [William] Prym.»

106    A recorrente afirma que esse acordo tinha efetivamente sido assinado em 3 de setembro de 1997 e que criou um largo quadro para a distribuição conjunta dos artigos de retrosaria destinados ao mercado de consumo (v. considerando 235 da decisão recorrida). Alega que seria difícil de entender as razões pelas quais o acordo de 1977 teria sido necessário, caso tivesse efetivamente continuado a ser aplicado, dado que o mesmo «estabelecia o princípio de que nenhuma das duas partes distribuiria produtos concorrentes dos da outra parte» (v. a resposta da recorrente à comunicação de acusações complementar).

107    O ponto 5 do acordo‑quadro de 1997 tem o seguinte teor:

«O acordo cobrirá os artigos de retrosaria metálicos e plásticos e os produtos elásticos, fabricados ou adquiridos a terceiros, acondicionados e com a marca da [sociedade] Prym Consumer, bem como as linhas e os projetos acessórios com elas relacionados, sejam estes artigos fabricados ou adquiridos a terceiros, com a marca da Coats, além de outros produtos, sendo caso disso, para mercados precisos.»

108    A este respeito, há que recordar, em primeiro lugar, que, segundo a Comissão, a nota relativa à reunião de 11 de junho de 1996 e a assinatura do acordo‑quadro de 1997 não provam, em si mesmas, a existência de uma prática concertada, mas também não indicam que a Coats tenha abandonado essa prática.

109    Em segundo lugar, no considerando 236 da decisão recorrida, a Comissão afirmou que o acordo de 1977 previa, primeiro, que a Coats e a Prym Consumer estabeleceriam contratos exclusivos de fornecimento e de distribuição para os seus respetivos produtos, isto é, os artigos de retrosaria metálicos e plásticos fabricados pela Prym Consumer e os restantes artigos de retrosaria fabricados pela Coats, e, segundo, que um acordo‑quadro fixaria as regras de distribuição conjunta dos produtos das partes, mas não regularia o fabrico ou a distribuição dos produtos concorrentes.

110    Todavia, importa salientar que a segunda afirmação é errada, uma vez que resulta do ponto 5 do acordo‑quadro, referido no n.° 107, supra, que este acordo cobria igualmente a distribuição exclusiva dos produtos concorrentes (artigos de retrosaria metálicos e plásticos fabricados pela William Prym e fios e outros artigos acessórios fabricados pela Coats), bem como de outros produtos específicos.

111    Todavia, a Comissão salienta, acertadamente, que decorreram 20 anos desde o acordo inicial de repartição do mercado de 1977 e que o novo acordo foi celebrado após a relação comercial entre as duas empresas ter sido alterada, na sequência da cessão da participação da Coats no capital da William Prym.

—       Quanto à aquisição da Bonduel pela William Prym e à reunião de 15 de julho de 1998 (considerandos 237 a 245 da decisão recorrida)

112    No entender da recorrente, a Comissão considerou, erradamente, que as atas da reunião de 15 de julho de 1998, realizada em Stolberg, faziam referência ao acordo de 1977. Segundo a recorrente, as referidas atas evocam unicamente o acordo de aprovisionamento em bandas de tecido dentadas concluído entre a William Prym e a Opti (v. n.° 81, supra), bem como o acordo‑quadro de 1997.

113    Na audiência, a recorrente recordou que a própria Comissão tinha admitido, no decurso do presente processo, que nenhuma das notas relativas a essa reunião provava a existência de uma prática concertada. A prova apresentada pela Comissão relativamente ao período posterior a 1995 baseia‑se, portanto, nas notas de uma única reunião, a de 15 de julho de 1998.

114    Segundo a recorrente, as notas manuscritas por ela apresentadas são bem mais detalhadas do que a nota datilografada relativa à mesma reunião e, ao invés desta última, foram redigidas na época da referida reunião. Quanto à fiabilidade dessa nota, a recorrente sublinha que se trata de uma nota de A.P., que não transcreve literalmente as declarações de M. F. Aliás, na sua segunda declaração prestada sob juramento, este último apresentou uma explicação perfeitamente plausível e legítima para as observações nela reproduzidas.

115    Resulta dos considerandos 237 a 245 da decisão recorrida que a Comissão se baseou, por um lado, nas atas da reunião de 15 de julho de 1998 e, por outro, nos pedidos do grupo Prym destinados a obter o benefício da comunicação sobre a cooperação de 1996 e de 2002.

116    A nota datilografada de 7 de novembro de 2001, assinada por A. P., relativa ao encontro que decorreu em 15 de julho de 1998 com M. F., enuncia o seguinte:

«M. F. falava em termos vagos acerca do caso Bonduel Prym. Manifestou a sua deceção devida ao facto de a informação lhe ter sido comunicada tardiamente. As suas críticas diziam mais particularmente respeito ao facto de A. P. não discutir os problemas dos fechos de correr com a Coats Opti nas reuniões gerais e de não nos ter sido dado conhecimento de que o acordo tinha deixado de ser válido.

[...]

O indício de que, em 1988, com a aquisição da Opti, a [William] Prym também não foi incluíd[a] nas [negociações], não foi evocado.

[...]

M. F. suscitou a questão de saber se a Prym admitia a ideia de que um dia viesse a existir liberdade neste setor industrial, de modo que a Coats pudesse entrar no mercado dos botões de mola tal como a [William] Prym no mercado das linhas. Esta questão requer uma resposta clara e nítida.»

117    Segundo a Comissão, isto demonstra, primeiro, que a Coats reagiu a essa aquisição da mesma forma que a William Prym tinha reagido à aquisição da Opti pela Coats em 1988 (v. n.° 89, supra). As suas reações respetivas confirmam a existência de uma prática concertada continuada entre as duas empresas, baseada no acordo de 1977 (v. considerando 238 da decisão recorrida). Segundo, deve deduzir‑se daqui que M. F. fazia referência à repartição dos mercados tal como tinha sido estabelecida de origem no acordo de 1977 (v. considerando 234 da decisão recorrida). Terceiro, decorre daí que a repartição inicial dos mercados entre as duas empresas (artigos de retrosaria plásticos e metálicos, por um lado, e outros artigos de retrosaria, por outro) continuava a ser respeitada por elas (v. considerando 245 da decisão recorrida).

118    A ata da reunião de 15 de julho de 1998, que menciona que não se devia fazer concorrência com a Opti em matéria de preços, vem corroborar essa conclusão. Além disso, resulta da mesma passagem da referida ata que a William Prym não estava interessada em concorrer com a Opti, sobretudo em matéria de preços. A William Prym propunha, portanto, discutir uma solução para os fechos de correr bem como para os acordos existentes. Além disso, alegava‑se que as empresas em causa precisavam de recorrer a um diálogo estratégico.

119    O ponto 4 da referida ata diz o seguinte:

«O acordo ‘guarda‑chuva’ entre a Coats e a [William] Prym foi discutido [...]

As duas partes explicaram que tinham de suportar numerosos custos para aplicar esse acordo ‘guarda‑chuva’, nomeadamente com o pagamento das despesas respeitantes ao termo dos acordos já estabelecidos, a remodelação da organização e a implementação de novas estruturas.»

120    Os elementos de prova acima mencionados corroboram a conclusão da Comissão segundo a qual as duas empresas começaram a encontrar problemas no mercado dos fechos de correr relativamente a esse produto comum, após uma série de alterações nas suas relações durante esse período. Todavia, apesar do facto de serem concorrentes no mercado dos fechos de correr, continuaram a respeitar a sua obrigação moral de não‑concorrência e declararam expressamente que não estavam interessadas em concorrer em matéria de preços nesse mercado.

121    Quanto à declaração prestada sob juramento por M. F. em 24 de abril de 2006, trata‑se de uma declaração preparada por um representante da recorrente, destinada a atenuar a sua responsabilidade na infração declarada e, consequentemente, não pode diminuir o valor probatório dos documentos encontrados durante as verificações e das explicações dadas nesses documentos (acórdão Lafarge/Comissão, já referido no n.° 47, supra, n.° 379).

122    Quanto à afirmação da recorrente segundo a qual, à época, não forneceu nenhuma garantia relativamente a concorrência através dos preços, cabe referir que, em contrapartida, a recorrente não contesta que o grupo Prym ofereceu claramente essa garantia. De qualquer forma, embora a ata da reunião de 15 de julho de 1998 não seja, por si só, suficiente para provar a infração, pode seguramente ser tomada em consideração como elemento de prova no âmbito do conjunto de indícios precisos e concordantes mencionado nos n.os 38 a 40, supra.

123    No que diz respeito ao argumento da recorrente segundo o qual a própria Comissão admitiu, no decurso do presente processo, que nenhuma das notas relativas à reunião de 15 de julho de 1997 provava a existência de uma prática concertada, importa referir que, nos seus articulados, a Comissão se limitou simplesmente a observar que esses documentos não eram, em si mesmos, uma prova da existência da prática concertada, mas também não indicavam que a recorrente tivesse abandonado essa prática.

—       Quanto aos elementos de prova ilibatórios

124    A recorrente alega que a Comissão não teve em conta certos elementos de prova ilibatórios no que dizia respeito à existência de um acordo de repartição dos mercados:

¾        primeiro, a ata de uma reunião de 1 de agosto de 1989 entre a Coats e a William Prym;

¾        segundo, a ata de uma reunião entre G. J. (William Prym) e R. H. (Coats) de 11 de setembro de 1989;

¾        terceiro, o facto de cinco dos seis quadros dirigentes da Coats encarregados desse setor ao longo da última década terem prestado declarações sob juramento segundo as quais não tinham conhecimento do acordo de 1977, não tinham sido informados desse acordo e nunca se tinham comportado como se tivesse existido um acordo de repartição dos mercados desse tipo.

125    Relativamente ao primeiro elemento de prova, importa indicar que a ata da reunião de 1 de agosto de 1989, redigida por R. H., da Coats, enuncia o seguinte:

«[2] c) A divisão ‘Consumidor europeu’ impôs, como um dos seus objetivos, ‘tornar‑se o principal fornecedor e distribuidor europeu de uma gama completa de todos os produtos pertencentes à categoria do artesanato’— o que inclui as linhas de costura e as linhas para uso artesanal, os fechos, os artigos de retrosaria metálicos e plásticos, os artigos de retrosaria têxteis, caixas de costura, etc.

d) Preferencialmente, isso seria feito com a [William] Prym e não contra a [William] Prym [...]

e) E. F. indicou que a estratégia da Coats — isto é, a estratégia definida na alínea c), supra — não é diferente da que tinha fundamentado a adoção da decisão original de 1976 — o que significa que a Coats devia ser o distribuidor mundial exclusivo da [William] Prym e que isso seria sustentado pela aquisição de uma participação de 25% no capital da [William] Prym pela Coats.

[...]

A reunião terminou com o acordo de ambas as partes quanto ao facto de que os aspetos concretos da cooperação [bilateral entre os grupos] Coats e Prym seriam examinados posteriormente, mediante o respeito de certos critérios:

Deveríamos limitar a nossa análise à Europa.

Será necessário estudarmos a exclusividade recíproca — ou seja, o facto de a Coats ser distribuidor exclusivo e vender apenas os produtos da [William] Prym na gama dos artigos de retrosaria metálicos e plásticos.

Deveríamos procurar soluções para os ‘problemas’ específicos — NIL

      Opti: [William] Prym — fechos de correr

      ‘Preços mundiais’ contra custos alemães, ou seja — é Stolberg viável como base de fabrico a longo prazo para todos os produtos?»

126    Segundo a recorrente, resulta da referida ata que, se o acordo de 1977 tivesse vigorado, não seria minimamente necessário estudar a oportunidade de estabelecer uma exclusividade recíproca. Esta diligência consistira inteiramente numa duplicação, na medida em que a Coats já tinha sido proibida de distribuir artigos de retrosaria metálicos concorrentes dos da [William] Prym.

127    Cabe observar que, no ponto 2, alínea e), da ata da reunião de 1 de agosto de 1989, E. F. recorda que a estratégia proposta pela Coats na alínea c) não é diferente daquilo que tinha fundamentado a decisão inicial de 1976, a saber, que a Coats se tornasse distribuidor exclusivo mundial da William Prym e adquirisse, nesse âmbito, uma participação de 25% no capital desta última.

128    Os participantes na reunião de 1 de agosto de 1989 chegaram a acordo para estudar o princípio de uma exclusividade recíproca — nos termos da qual a Coats seria o distribuidor exclusivo e apenas venderia, no setor dos artigos de retrosaria metálicos e plásticos, os produtos da William Prym. Além disso, alguns problemas tinham de ser resolvidos, como a situação Opti/William Prym. A este respeito, importa recordar que a William Prym considerava que, ao adquirir a Opti, a Coats não tinha respeitado os seus compromissos nesse domínio (v. n.° 89, supra).

129    O facto de, passados dez anos sobre o acordo de repartição dos mercados, as duas empresas terem sentido a necessidade de celebrar um novo acordo não exclui de modo nenhum a existência do acordo inicial. O novo acordo, em particular, permitia ter em conta os desenvolvimentos ocorridos durante essa década e permitia aos participantes analisar de forma mais aprofundada a questão da distribuição exclusiva e resolver alguns problemas, como a aquisição da Opti pela Coats.

130    Relativamente ao segundo elemento de prova, há que considerar que o ponto 10 da ata da reunião de 11 de setembro de 1989, intitulado «Reino‑Unido», demonstra, primeiro, que a recorrente já estava representada no mercado inglês de artigos de retrosaria metálicos e plásticos e que pretendia desenvolver uma nova marca denominada «Stitchpoint». Segundo, após a aquisição da sociedade Tootal, a Coats passava a deter uma marca suplementar de artigos de retrosaria metálicos e plásticos no Reino‑Unido. A questão do fabrico dos fechos de correr da William Prym também foi suscitada no âmbito da discussão sobre a NIL.

131    A este respeito, cabe observar que a notificação evocada pela recorrente apenas se refere à situação no Reino‑Unido. A recorrente já estava representada nesse mercado desde os anos 70, isto é, no momento da conclusão do acordo inicial. Por conseguinte, a introdução de uma nova marca e a aquisição da Tootal não modificaram nem a relação entre as duas empresas nem as suas obrigações recíprocas. Consequentemente, a manutenção e o reforço pela Coats da sua posição no mercado do Reino‑Unido não têm, no caso em apreço, consequências sobre a existência e a evolução da prática concertada.

132    Quanto ao terceiro elemento de prova, a saber, as declarações de cinco dos seis quadros dirigentes da Coats, há que recordar que, embora se trate de declarações preparadas pelos representantes da recorrente com a finalidade de atenuar a sua responsabilidade na infração declarada, essa circunstância não pode, por si só, retirar‑lhes o crédito inerente a essa tomada de posição. Importa, contudo, referir que isso também não pode diminuir o valor probatório dos documentos encontrados durante as verificações e das explicações dadas nesses documentos (acórdão Lafarge/Comissão, já referido no n.° 47, supra, n.° 379).

—       Conclusão

133    À luz do que precede, deve concluir‑se que o acordo de 1977 mantém um valor probatório para corroborar, no quadro do conjunto de indícios precisos e concordantes tido em conta pela Comissão (v. n.os 38 a 40, supra), algumas das afirmações essenciais que figuram nas declarações de A. P. relativamente à existência de um acordo de repartição do mercado dos artigos de retrosaria, que impedia o grupo Coats de entrar no mercado europeu dos «outros tipos de fechos» e o grupo Prym de entrar no mercado europeu das linhas. Esta constatação é também confirmada por outros elementos contextuais acima examinados. Em primeiro lugar, importa apreciar globalmente os documentos encontrados durante as verificações, a saber, a carta de 12 de abril de 1977, a ata da reunião de 11 de fevereiro de 1993, a ata da reunião de 11 de junho de 1996, o acordo‑quadro de 1997, a nota datilografada de A. P. de 7 de novembro de 2001 relativa a uma conversa com M. F. de 15 de julho de 1998, bem a ata da reunião de 15 de julho de 1998. Em segundo lugar, importa insistir no facto de que estes documentos são, além disso, confirmados pelos documentos que acompanham os pedidos do grupo Prym destinados a obter o benefício das comunicações sobre a cooperação de 1996 e de 2002, a saber, a cópia do acordo de 1977, um extrato do discurso do D. P. de 9 de novembro de 1988 e uma nota redigida por A., com data de 12 de dezembro de 1991. Todos estes elementos de prova demonstram que a relação estreita que ligou as empresas em causa ao longo do período posterior aos acordos de 1975 e 1977 prosseguiu, e que, ocasionalmente, esta relação foi objeto de adaptações através de outros acordos, como o acordo de aprovisionamento de 1990 e o acordo‑quadro de 1997.

134    No que respeita à questão de saber se estes elementos de prova são, ou não, de natureza a estabelecer a duração da infração imputada à recorrente, cabe lembrar que é normal que as atividades decorrentes das práticas e dos acordos anticoncorrenciais sejam levadas a cabo clandestinamente, que as reuniões se realizem secretamente, a maioria das vezes num país terceiro, e que a correspondente documentação seja reduzida ao mínimo. Mesmo que a Comissão descubra documentos que comprovem de maneira explícita a existência de contactos ilegais entre operadores, como as atas de uma reunião, normalmente, estas atas apenas serão fragmentadas e dispersas, pelo que se revela frequentemente necessário reconstituir certos detalhes através de dedução. Assim, na maioria dos casos, a existência de uma prática ou de um acordo anticoncorrencial deve ser inferida de um determinado número de coincidências e de indícios que, considerados no seu todo, podem constituir, na falta de outra explicação coerente, a prova de uma violação das regras da concorrência (v. n.° 42, supra).

135    Resulta das análises efetuadas no âmbito do presente fundamento que a recorrente não apresentou elementos suficientemente probatórios ou explicações alternativas convincentes para infirmar as provas documentais mencionadas na decisão recorrida, das quais resulta, ao invés, que participou num acordo bilateral de repartição do mercado com o grupo Prym.

136    Por conseguinte, há que considerar que, na decisão recorrida, a Comissão fez prova bastante da participação da recorrente na infração em causa, em conformidade com as regras recordadas nos n.os 38 a 51, supra, e sem cometer os erros manifestos de apreciação de que é acusada no quadro do presente recurso. O primeiro fundamento deve, portanto, ser julgado improcedente.

137    O Tribunal considera oportuno analisar prioritariamente o terceiro fundamento, relativo à falta de prova de uma infração única e continuada, antes de examinar o segundo fundamento, relativo à violação do artigo 25.°, n.° 5, do Regulamento n.° 1/2003, dado que a duração da infração constitui não só um elemento que integra essa infração e, como tal, é indissociável de qualquer declaração de infração, como é um dos requisitos que regulam a prescrição do procedimento por infração continuada (acórdão Peróxidos Orgánicos/Comissão, já referido no n.° 47, supra, n.° 21).

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à falta de prova de uma infração única e continuada

 Argumentos das partes

138    A recorrente considera que a Comissão não conseguiu demonstrar a existência de uma infração continuada, de janeiro de 1975 até 15 de julho de 1998, que lhe permitiria aplicar‑lhe uma coima correspondente a uma infração com a duração de 21 anos e meio. Nos considerandos 339 e 347 da decisão recorrida, a Comissão considerou que a infração era única e continuada desde janeiro de 1977 até julho de 1998, afirmando que a manutenção do acordo de repartição dos mercados tinha sido demonstrada «por várias provas escritas reunidas pela Comissão, no âmbito de inspeções e nos pedidos [do grupo Prym destinados a obter o benefício das comunicações sobre a cooperação de 1996 e de 2002], e pelas provas escritas fornecidas por [este grupo]».

139    A recorrente é de opinião que o exame da prova em questão demonstra lacunas imensas no tempo, que são demasiado importantes para que a Comissão possa fazer prova de uma infração única e continuada. Com efeito, na realidade, decorreu um lapso de 21 anos entre, segundo os termos da recorrente, um documento não assinado de origem incerta e um documento altamente ambíguo escrito pela própria pessoa que o apresentou. Nenhum elemento de prova permite considerar que o acordo de 1977 se destinava a ser aplicado ao longo de vários anos, uma vez que o mesmo é totalmente omisso sobre a questão da duração prevista da sua execução.

140    A Comissão recorda, no que se refere à duração e à relação entre uma sucessão de acontecimentos e uma infração única e continuada, que a violação do artigo 81.° CE pode resultar não apenas de um ato isolado mas igualmente de uma série de atos ou mesmo de um comportamento continuado. Esta interpretação não pode ser contestada, segundo ela, pelo facto de um ou vários elementos dessa série de atos ou desse comportamento continuado poderem igualmente constituir, em si mesmos, considerados isoladamente, uma violação da referida disposição. Quando as diferentes ações em causa se inscrevem num «plano de conjunto» em razão do seu objeto idêntico, que falseia o jogo da concorrência no interior do mercado comum, a Comissão pode imputar a responsabilidade por essas ações em função da participação na infração considerada no seu todo. No que toca à alegada falta de provas da existência da infração entre 1978 e 1990, a Comissão considera que dispunha de provas documentais suficientes, que corroboravam a realidade da repartição do mercado entre as empresas a partir de 1977.

 Apreciação do Tribunal

141    Antes de mais, há que lembrar que o conceito de infração única visa uma situação na qual várias empresas participaram numa infração constituída por um comportamento continuado com uma única finalidade económica, destinada a falsear a concorrência, ou ainda em infrações individuais ligadas entre si através de uma identidade de objeto (mesma finalidade de todos os elementos) e de sujeitos (identidade das empresas em causa, conscientes de participarem no objeto comum) (acórdão BPB/Comissão, já referido no n.° 41, supra, n.° 257).

142    Seguidamente, uma violação do artigo 81.°, n.° 1, CE pode resultar não apenas de um ato isolado mas igualmente de uma série de atos ou mesmo de um comportamento continuado. Esta interpretação não pode ser contestada com base no facto de um ou vários elementos dessa série de atos ou desse comportamento continuado poderem igualmente constituir, em si mesmos, considerados isoladamente, uma violação da referida disposição. Quando as diferentes ações se inscrevem num «plano de conjunto» em razão do seu objeto idêntico, que falseia o jogo da concorrência no interior do mercado comum, a Comissão pode imputar a responsabilidade por essas ações em função da participação na infração considerada no seu todo (acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, já referido no n.° 42, supra, n.° 258).

143    Além disso, segundo jurisprudência assente, o conceito de infração única pode estar ligado à qualificação jurídica de um comportamento anticoncorrencial que consista na existência de acordos, de práticas concertadas e de decisões de associações de empresas (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, já referido no n.° 67, supra, n.os 696 a 698; de 20 de março de 2002, HFB e o./Comissão. T‑9/99, Colet., p. II‑1487, n.° 186; e de 12 de dezembro de 2007, BASF e UCB/Comissão, T‑101/05 e T‑111/05, Colet., p. II‑4949, n.° 159).

144    Importa também esclarecer que o conceito de objetivo único não pode ser determinado por referência geral à distorção da concorrência no mercado onde ocorreu a infração, pois a afetação da concorrência constitui, enquanto objeto ou efeito, um elemento consubstancial a qualquer comportamento abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE. Essa definição do conceito de objetivo único pode retirar ao conceito de infração única e continuada uma parte do seu sentido, na medida em que tem como consequência que vários comportamentos relativos a um setor económico, proibidos pelo artigo 81.°, n.° 1, CE, devam ser sistematicamente qualificados de elementos constitutivos de uma infração única. Assim, para efeitos da qualificação de diversas atuações como sendo de infração única e continuada, há que verificar se apresentam uma relação de complementaridade, no sentido de que cada uma delas se destina a enfrentar uma ou mais consequências do jogo normal da concorrência, e contribuem, através de uma interação, para a realização do conjunto dos efeitos anticoncorrenciais pretendidos pelos seus autores, no âmbito de um plano global com um objetivo único. A este respeito, há que ter em conta quaisquer circunstâncias suscetíveis de demonstrar ou de pôr em causa o referido nexo, como o período de aplicação, o conteúdo (incluindo os métodos empregues) e, correlativamente, o objetivo das diversas atuações em questão (v., neste sentido, acórdão BASF e UCB/Comissão, já referido no n.° 143, supra, n.os 179 a 181).

145    É portanto por razões objetivas que a Comissão pode dar início a procedimentos distintos, dar por provadas várias infrações distintas e aplicar várias coimas distintas (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 15 de junho de 2005, Tokai Carbon e o./Comissão, dito «acórdão Tokai II», T‑71/03, T‑74/03, T‑87/03 e T‑91/03, não publicado na Coletânea, n.° 124).

146    Por último, há que observar que a qualificação de certas atuações ilícitas de atuações constitutivas de uma única e mesma infração ou de uma pluralidade de infrações afeta, em princípio, a sanção que pode ser aplicada. Com efeito, a constatação de uma pluralidade de infrações pode levar à aplicação de várias coimas distintas, sempre dentro dos limites estabelecidos pelo artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e pelo artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 (acórdão BASF e UCB/Comissão, já referido no n.° 143, supra, n.° 158).

147    Por conseguinte, há que determinar se os factos imputados à recorrente se inscrevem num dispositivo de conjunto destinado a falsear o jogo normal da concorrência nos mercados dos «outros tipos de fechos» e dos fechos de correr, e se integram efetivamente na infração única e continuada que constitui a prática concertada nesses mercados.

148    No caso em apreço, a qualificação, pela Comissão, da cooperação bilateral entre os grupos Coats e Prym de infração única e continuada teve por consequência a declaração de uma única prática concertada que durou, pelo menos, de 15 de janeiro de 1977 até 15 de julho de 1998 (v. considerandos 339 a 347 da decisão recorrida). Há, portanto, que examinar se, tendo em conta a jurisprudência referida nos n.os 141 a 146, supra, a Comissão cometeu um erro de direito ao qualificar as atuações imputadas à recorrente de infração única e continuada com base nos elementos de prova de que dispunha (v. considerandos 217 a 245 da decisão recorrida), os quais foram examinados, em grande parte, no âmbito do primeiro fundamento.

149    Quanto ao argumento da recorrente segundo o qual a análise dos elementos de prova em questão demonstra lacunas imensas no tempo, que são demasiado importantes para que se possa considerar que a Comissão fez prova da existência de uma infração única e continuada, cabe recordar que o facto de essa prova não ter sido produzida relativamente a determinados períodos não obsta a que a infração seja considerada praticada durante um período global mais extenso do que esses períodos, desde que tal conclusão assente em indícios objetivos e concordantes. No âmbito de uma infração que se estende por vários anos, o facto de as manifestações do acordo ocorrerem em períodos diferentes, podendo ser separadas por lapsos de tempo mais ou menos longos, não tem incidência quanto à existência desse acordo, desde que as diferentes ações que fazem parte dessa infração prossigam uma única finalidade e se inscrevam no âmbito de uma infração com caráter único e continuado (acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de setembro de 2006, Technische Unie/Comissão, C‑113/04 P, Colet., p. I‑8831, n.° 169).

150    Assim, embora o período compreendido entre duas manifestações de um comportamento ilícito constitua um critério pertinente para determinar o caráter continuado de uma infração, também é certo que a questão de saber se o referido período é ou não suficientemente longo para consubstanciar uma interrupção da infração não pode ser examinada em abstrato. Pelo contrário, deve ser apreciada no contexto do funcionamento do acordo em causa (acórdão do Tribunal Geral de 19 de maio de 2010, IMI e o./Comissão, T‑18/05, Colet., p. II‑1769, n.° 89).

151    No caso vertente, o Tribunal concluiu, no âmbito do exame do primeiro fundamento, que o acordo em causa respeitava à cooperação bilateral entre os grupos Coats e Prym. Nos termos desse acordo, a Coats tinha‑se comprometido «a não exercer, diretamente ou no quadro de uma associação, qualquer atividade de fabrico de artigos de retrosaria metálicos e plásticos [...] sem o consentimento prévio da [William] Prym». Por sua vez, a [William] Prym tinha‑se comprometido «a não exercer, diretamente ou no quadro de uma associação, qualquer atividade de fabrico de linhas de costura e de linhas para uso artesanal, etc. [...], nem qualquer atividade de distribuição na Europa de linhas de costura e de linhas para uso artesanal concorrentes, etc., sem o consentimento prévio da Coats». Cabe, por conseguinte, concluir que o acordo controvertido incide sobre a repartição do mercado entre dois concorrentes.

152    Diversamente de um acordo sobre a fixação dos preços, no âmbito do qual os participantes se devem reunir regularmente para ter em conta a avaliação do mercado a fim de adaptarem o seu comportamento nesse mercado durante o período de duração do acordo, um acordo de repartição do mercado, por definição, deve ser respeitado pelos respetivos participantes desde sua celebração e pode, ocasionalmente, ser objeto de adaptações, mediante a modificação do acordo existente ou através de outros acordos.

153    Neste contexto, deve recordar‑se que o Tribunal Geral concluiu, no n.° 133, supra, que os elementos de prova reunidos pela Comissão no âmbito das inspeções, as provas que constam dos pedidos do grupo Prym destinadas a obter o benefício das comunicações sobre a cooperação de 1996 e de 2002, bem como as provas escritas fornecidas por este grupo, demonstram que a relação estreita que ligou as empresas em causa ao longo do período posterior aos acordos de 1975 e de 1977 prosseguiu, e que, ocasionalmente, essa relação foi objeto de adaptações através de outros acordos, como o acordo de aprovisionamento de 1990 e o acordo‑quadro de 1997.

154    Por conseguinte, a Comissão podia legitimamente concluir que as partes tinham chegado a acordo sobre um projeto comum que limitava ou era suscetível de limitar a sua autonomia comercial, determinando as grandes linhas da sua ação comum no mercado (v. considerando 334 da decisão recorrida).

155    O terceiro fundamento deve, portanto, ser julgado improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 25.°, n.° 5, do Regulamento n.° 1/2003

 Argumentos das partes

156    A recorrente entende que a Comissão não logrou demonstrar a continuação de qualquer infração para lá de 19 de setembro de 1997, isto é, dez anos antes da adoção da decisão recorrida, pelo que qualquer coima aplicável estava prescrita, em aplicação do artigo 25.°, n.° 5, do Regulamento n.° 1/2003. A prova de 15 de julho de 1998 não apenas está longe de satisfazer as exigências impostas na matéria como também é seriamente contestada pelos elementos de prova fornecidos sob juramento, designadamente por M. F. e K., que, naquela época, eram os quadros dirigentes da Coats em causa.

157    A Comissão contrapõe que recolheu elementos suficientes para provar que a infração tinha prosseguido, pelo menos, até 15 de julho de 1998. Além disso, resulta claramente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o artigo 81.° CE é igualmente aplicável aos acordos que deixaram de estar em vigor, mas que produzem efeitos para além da sua cessação formal.

 Apreciação do Tribunal

158    O artigo 25.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1/2003 estabelece um prazo de prescrição de cinco anos para as infrações do tipo da que é imputada à recorrente. Nos termos do n.° 2, segundo período, desse artigo, em relação às infrações continuadas ou reiteradas, a prescrição começa a correr a partir do dia em que a infração tiver cessado. Nos termos do artigo 25.°, n.° 3, primeiro período, do mesmo regulamento, a prescrição é interrompida por qualquer ato da Comissão destinado à instrução ou à repressão da infração. Segundo a própria letra do artigo 25.°, n.° 4, do referido regulamento, a interrupção da prescrição é válida relativamente a todas as empresas e associações de empresas que tenham participado na infração. Nos termos do n.° 5 do mesmo artigo, a prescrição começa a correr de novo a partir de cada interrupção. Todavia, a prescrição produz efeitos, o mais tardar, no dia em que um prazo igual ao dobro do prazo de prescrição chegar ao seu termo sem que a Comissão tenha aplicado uma coima ou uma sanção pecuniária compulsória.

159    Deve recordar‑se que a duração de uma infração constitui não só um elemento que integra essa infração e, como tal, é indissociável de qualquer declaração de infração, como um dos requisitos que regulam a prescrição do procedimento por infração continuada (acórdão Peróxidos Orgánicos/Comissão, já referido no n.° 47, supra, n.° 21). O respeito das regras de prescrição pela Comissão implica, portanto, que a mesma determine corretamente o período durante o qual a recorrente participou na infração. Por conseguinte, há que verificar se a Comissão demonstrou de forma juridicamente suficiente que a participação da recorrente na infração tinha perdurado, pelo menos, até 19 de setembro de 1997 (isto é, dez anos antes da decisão recorrida), para permitir ao Tribunal Geral determinar se o prazo decenal de prescrição, previsto no artigo 25.°, n.° 5, do Regulamento n.° 1/2003, tinha ou não expirado.

160    Quanto à questão de saber em que data a participação da recorrente na infração terminou, importa recordar, a título preliminar, a jurisprudência assente segundo a qual, por um lado, incumbe à parte ou à autoridade que alega uma violação das regras da concorrência fazer a respetiva prova demonstrando, de forma juridicamente suficiente, os factos constitutivos de uma infração, e, por outro, compete à empresa que invoca o benefício de um meio de defesa contra uma declaração de infração fazer prova de que os requisitos de aplicação desse meio de defesa estão preenchidos, pelo que a referida autoridade deverá então recorrer a outros elementos de prova (v., neste sentido, acórdão Baustahlgewebe/Comissão, já referido no n.° 38, supra, n.° 58, e Aalborg Portland e o./Comissão, já referido no n.° 42, supra, n.° 78).

161    Por outro lado, a duração da infração é um elemento constitutivo do conceito de infração nos termos do artigo 81.°, n.° 1, CE, elemento esse cujo ónus da prova incumbe, a título principal, à Comissão. A este respeito, a jurisprudência exige que, na falta de elementos de prova que permitam determinar diretamente a duração de uma infração, a Comissão se baseie, pelo menos, em elementos de prova relativos a factos suficientemente próximos no tempo, de modo a que se possa razoavelmente admitir que esta infração perdurou ininterruptamente entre duas datas precisas (acórdão do Tribunal Geral de 7 de julho de 1994, Dunlop Slazenger/Comissão, T‑43/92, Colet., p. II‑441, n.° 79).

162    Além disso, no caso de acordos que deixaram de estar em vigor, para que o artigo 81.° CE seja aplicável, basta que prossigam os seus efeitos para além da sua cessação formal (v. acórdãos do Tribunal Geral de 29 de junho de 1995, Solvay/Comissão, T‑30/91, Colet., p. II‑1775, n.° 71, e de 11 de dezembro de 2003, Ventouris/Comissão, T‑59/99, Colet., p. II‑5257, n.° 182 e jurisprudência citada). Decorre daí que a duração de uma infração não deve ser apreciada em função do período durante o qual um acordo está em vigor, mas em função do período durante o qual as empresas acusadas adotaram um comportamento proibido pelo artigo 81.° CE.

163    Há que recordar que, segundo o artigo 1.°, n.° 4, da decisão recorrida, a participação da recorrente na infração em causa foi considerada provada relativamente ao período entre 15 de janeiro de 1977 e 15 de julho de 1998. A recorrente contesta, no âmbito do presente fundamento, esta afirmação relativa ao período de infração. Segundo ela, a Comissão não conseguiu demonstrar a continuação de qualquer infração para lá de 19 de setembro de 1997, isto é, dez anos antes da adoção da decisão recorrida.

164    Resulta da apreciação das provas efetuada no quadro do primeiro e terceiro fundamentos que se trata, no caso vertente, de uma infração única e continuada, que se manteve, pelo menos, até 15 de julho de 1998.

165    Por conseguinte, deve concluir‑se que o prazo de prescrição de dez anos correu entre 15 de julho de 1998 e 19 de setembro de 2007, ou seja, durante cerca de 9 anos e 2 meses. Resulta daqui que a decisão recorrida foi adotada antes de ter expirado o prazo de prescrição de dez anos.

166    Resulta de tudo o que precede que o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do artigo 6.°, n.° 3, alínea d), da CEDH

 Argumentos das partes

167    A recorrente alega, no essencial, que a Comissão infringiu os seus direitos processuais tal como estabelecidos no artigo 6.°, n.° 3, alínea d), da CEDH, mais especificamente o de «interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação» em instâncias de natureza penal, como acontece no caso vertente.

168    A recorrente considera que a Comissão não se pode basear no acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, já referido no n.° 42, supra. No caso em apreço, após ter recebido o pedido complementar do grupo Prym mencionado no n.° 11, supra, a Comissão reabriu a sua investigação e adotou a comunicação de acusações complementar, na qual alegava contra a recorrente, pela primeira vez, a existência de um acordo de repartição de mercados por produtos com uma duração de 21 anos. Tanto o contexto processual como o peso atribuído, na decisão recorrida, aos novos elementos juntos aos autos pela William Prym obrigavam a concluir que lhes foi atribuído um peso «determinante», na aceção da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

169    Segundo a recorrente, as circunstâncias do presente processo são diferentes das circunstâncias do processo que deu lugar ao acórdão Bolloré/Comissão (já referido no n.° 48, supra, n.os 86 a 89). Em primeiro lugar, a identidade do autor da declaração em que a Comissão baseou a sua constatação da existência de uma infração no caso vertente, A. P., era conhecida e a recorrente tinha procurado formalmente interrogá‑lo. Em segundo lugar, na medida em que a Comissão recorda que não é um tribunal, na aceção da CEDH, a recorrente alega que é à Comissão que cabe assegurar que todo o procedimento administrativo respeita o artigo 6.°, n.° 3, alínea d), da CEDH. Em terceiro lugar, a Comissão sustenta, com base no acórdão do Tribunal Geral de 6 de outubro de 1994, Tetra Pak/Comissão (T‑83/91, Colet., p. II‑755, n.° 235), que as coimas aplicadas por violação de uma disposição do direito da concorrência não têm natureza penal.

170    A este respeito, a Comissão alega que A. P. estava presente na audição de 11 de julho de 2006, durante a qual todos os participantes tiveram oportunidade de apresentar oralmente os seus argumentos. Quando lhe foi dada oportunidade para o fazer, o advogado da recorrente decidiu limitar a sua intervenção a um simples esclarecimento sobre o programa de cumprimento e a um reparo geral acerca das provas utilizadas pela Comissão e das declarações do grupo Prym. Por conseguinte, embora tenha tido a possibilidade de colocar questões à parte da sua escolha, a recorrente não aproveitou essa ocasião.

 Apreciação do Tribunal

171    Há que recordar que, embora o artigo 6.°, n.° 3, alínea d), da CEDH disponha que «[o] acusado tem, no mínimo, os seguintes direitos [...]: [...] interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e obter a convocação e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação», resulta, contudo, de jurisprudência assente, que a Comissão não é um tribunal, na aceção desta disposição (acórdãos do Tribunal de Justiça de 29 de outubro de 1980, van Landewyck e o./Comissão, 209/78 a 215/78 e 218/78, Recueil, p. 3125, n.° 81, e de 7 de junho de 1983, Musique Diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, Recueil, p. 1825, n.° 7).

172    Segundo jurisprudência também assente, os direitos fundamentais são parte integrante dos princípios gerais do direito cujo respeito é assegurado pelo juiz da União (Parecer do Tribunal de Justiça 2/94, de 28 de março de 1996, Colet., p. I‑1759, n.° 33, e acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de maio de 1997, Kremzow, C‑299/95, Colet., p. I‑2629, n.° 14). Para este efeito, o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral inspiram‑se nas tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, bem como nas indicações fornecidas pelos instrumentos internacionais relativos à proteção dos direitos do Homem em que os Estados‑Membros colaboraram e a que aderiram. A CEDH reveste, a este respeito, um significado especial (acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de maio de 1986, Johnston, 222/84, Colet., p. 1651, n.° 18, e Kremzow, já referido, n.° 14). Além disso, nos termos do artigo 6.°, n.° 2, UE, a União Europeia respeitará os direitos fundamentais, tal como são garantidos pela CEDH e como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, enquanto princípios gerais do direito.

173    Por conseguinte, há que examinar se, à luz destas considerações, a Comissão violou o princípio fundamental do ordenamento jurídico comunitário que é o respeito dos direitos de defesa (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de novembro de 1983, Nederlandsche Banden‑Industrie‑Michelin/Comissão, 322/81, Recueil, p. 3461, n.° 7), não oferecendo alegadamente à recorrente a possibilidade de interrogar diretamente A. P. na qualidade de testemunha.

174    A este respeito, importa recordar que este princípio exige que as empresas e as associações de empresas visadas por um inquérito da Comissão em matéria de concorrência sejam colocadas em condições de, logo na fase administrativa do processo, darem utilmente a conhecer o seu ponto de vista sobre a realidade e a pertinência dos factos, acusações e circunstâncias alegadas pela Comissão (v. acórdão do Tribunal Geral de 27 de setembro de 2006, Avebe/Comissão, T‑314/01, Colet., p. II‑3085, n.° 49 e jurisprudência citada). Em contrapartida, o referido princípio não exige que, no âmbito do procedimento administrativo seja dada a essas empresas oportunidade para interrogarem, elas mesmas, as testemunhas ouvidas pela Comissão (v., neste sentido, acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, já referido no n.° 42, supra, n.° 200).

175    Com efeito, a este respeito, é suficiente que as declarações utilizadas pela Comissão tenham sido fornecidas no dossiê transmitido à recorrente, que pode assim contestá‑las perante o juiz da União (acórdão Lafarge/Comissão, já referido no n.° 47, supra, n.os 147 a 149).

176    A título exaustivo, há que observar, à semelhança da Comissão, que, embora A. P. tenha estado presente na audição de 11 de julho de 2006, a recorrente não aproveitou essa ocasião para lhe colocar questões. Além do mais, nada impedia a recorrente de pedir a convocação e o interrogatório das testemunhas perante o Tribunal Geral, mediante a apresentação de um pedido de medidas de instrução nesse sentido. Ora, a recorrente não apresentou qualquer pedido dessa natureza.

177    Atendendo a estas considerações, a recorrente não pode invocar uma violação do seu direito de interrogar ou fazer interrogar as testemunhas acusatórias. Por conseguinte, o quarto fundamento invocado pela recorrente deve ser julgado improcedente, quer de facto quer de direito.

 Quanto ao quinto fundamento, relativo à aplicação errada das orientações para o cálculo das coimas

 Argumentos das partes

178    A recorrente considera que a Comissão deveria ter exercido, no quadro da determinação do agravamento do montante da coima em função da duração da infração, o seu poder discricionário de aplicar um coeficiente multiplicador de 10% nos termos do ponto 1B das orientações para o cálculo das coimas. A Comissão não deveria ter aplicado automaticamente um agravamento de 215% a título da duração da infração. A Comissão deveria ter tido em conta, primeiro, a insuficiência das provas em que se baseou para declarar a existência da infração, segundo, os longos intervalos decorridos entre as manifestações do acordo dadas como provadas, terceiro, a inexistência de qualquer conhecimento da infração por parte do quadro da direção da recorrente e, quarto, a inexistência de prova da execução da infração.

179    A recorrente considera que a Comissão não procedeu dessa forma na medida em que, como ela própria admite, tinha por prática constante fixar um agravamento máximo. Embora, noutros processos (com uma duração sensivelmente inferior), os factos tenham podido justificar um agravamento de 10% por ano, nem por isso a Comissão escapa ao dever de exercer corretamente o seu poder discricionário.

180    A Comissão refuta os argumentos da recorrente.

 Apreciação do Tribunal

181    Antes de examinar os argumentos aduzidos pela recorrente, importa recordar que resulta dos considerandos 489 e 692 da decisão recorrida que as coimas em razão da infração foram aplicadas pela Comissão ao abrigo do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003. Além disso, a Comissão determinou o montante das coimas aplicando a metodologia definida nas orientações e na comunicação sobre a cooperação de 1996.

182    Apesar de não poderem ser qualificadas de normas jurídicas, as orientações enunciam uma norma de conduta indicativa da prática a seguir, de que a Comissão não se pode afastar, num caso concreto, sem apresentar razões que sejam compatíveis com o princípio da igualdade de tratamento (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de maio de 2006, Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, C‑397/03 P, Colet., p. I‑4429, n.° 91 e jurisprudência citada).

183    Consequentemente, compete ao Tribunal Geral verificar, no âmbito da fiscalização da legalidade das coimas aplicadas pela Comissão, se esta exerceu o seu poder de apreciação segundo o método previsto nas orientações e, caso conclua que a Comissão se afastou desse método, verificar se esse desvio se justifica e é fundamentado de forma juridicamente suficiente. A este respeito, importa salientar que o Tribunal de Justiça confirmou a validade, por um lado, do próprio princípio das orientações e, por outro, do método geral nelas indicado (acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C 205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colet., p. I‑5425, n.os 252 a 255, 266 e 267, 312 e 313).

184    Com efeito, a autolimitação do poder de apreciação da Comissão resultante da adoção das orientações não é incompatível com a manutenção de uma margem de apreciação substancial. As orientações contêm diversos elementos de flexibilidade que permitem à Comissão exercer o seu poder discricionário em conformidade com as disposições dos Regulamentos n.os 17 e 1/2003, tais como interpretadas pelo Tribunal de Justiça (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido no n.° 183, supra, n.° 267).

185    Por conseguinte, nos domínios em que a Comissão conservou uma margem de apreciação, por exemplo no que respeita ao montante de partida ou à percentagem de agravamento do montante da coima em função da duração da infração, a fiscalização da legalidade dessas operações limita‑se à verificação da inexistência de erros manifestos de apreciação (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 18 de julho de 2005, Scandinavian Airlines System/Comissão, T‑241/01, Colet., p. II‑2917, n.os 64 e 79).

186    Por outro lado, a margem de apreciação da Comissão e os limites que ela lhe introduziu não prejudicam, em princípio, o exercício pelo juiz comunitário da sua competência de plena jurisdição (acórdão JFE Engineering e o./Comissão, já referido no n.° 39, supra, n.° 538), que o habilita a suprimir, reduzir ou agravar o montante da coima aplicada pela Comissão (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de fevereiro de 2007, Groupe Danone/Comissão, C‑3/06 P, Colet., p. I‑1331, n.os 60 a 62, e acórdão do Tribunal Geral de 21 de outubro de 2003, General Motors Nederland e Opel Nederland/Comissão, T‑368/00, Colet., p. II‑4491, n.° 181).

187    Decorre daqui que o simples facto de a Comissão se ter reservado a possibilidade de agravar o montante da coima em função da duração da infração, agravamento que pode ir, relativamente às infrações de longa duração, até 10% do montante fixado pela gravidade da infração, de modo nenhum a obriga a fixar essa taxa em função da intensidade das atividades do acordo ou dos seus efeitos, ou até da gravidade da infração. Com efeito, cabe à Comissão escolher, no âmbito da sua margem de apreciação (v. n.° 183, supra), a taxa de agravamento que considera dever aplicar a título da duração da infração (acórdão do Tribunal Geral de 19 de maio de 2010, Boliden e o./Comissão, T‑19/05, Colet., p. II‑1843, n.° 98).

188    Os argumentos da recorrente destinados a demonstrar que a Comissão devia ter tido em conta, primeiro, a insuficiência das provas em que se baseou para declarar a existência da infração, segundo, os longos intervalos entre as manifestações do acordo dadas como provadas e, terceiro, a inexistência de qualquer conhecimento da infração pelo quadro da direção da recorrente confundem‑se com os argumentos expostos no âmbito do primeiro e terceiro fundamentos. Assim, uma vez que o Tribunal Geral considerou que a Comissão não tinha cometido qualquer erro ao considerar, com base nos diferentes elementos de prova de que dispunha, que se tratava de uma infração única e continuada que durou desde 15 de janeiro de 1977 até 15 de julho de 1998, há que rejeitar os argumentos da recorrente.

189    No que respeita ao argumento da recorrente relativo à inexistência de prova da execução da infração, recorde‑se que o artigo 15.°, n.° 2, último parágrafo, do Regulamento n.° 17 estabelece que se tome em consideração não apenas a gravidade da infração mas também a sua duração, para determinar o montante da coima. Por conseguinte, a incidência da duração da infração no montante de base da coima deve, regra geral, ser significativo. Isto opõe‑se, salvo em circunstâncias especiais, a um agravamento puramente simbólico do montante de partida em razão da duração da infração. Assim, quando um acordo que tem um objeto anticoncorrencial não é executado, importa, não obstante, ter em conta o período durante o qual existiu, ou seja, o período decorrido entre a data da sua celebração e a data em que lhe foi posto termo (acórdão do Tribunal Geral de 19 de março de 2003, CMA CGM e o./Comissão, T‑213/00, Colet., p. II‑913, n.° 280).

190    No caso em apreço, a Comissão concluiu que a colaboração bilateral entre os grupos Prym e Coats tinha durado 21 anos e meio, o que corresponde a uma longa duração, na aceção das orientações. Por conseguinte, a Comissão agravou, a esse título, o montante de partida da coima aplicada à recorrente em 215%. Há que recordar que, de acordo com o ponto 1B, terceiro travessão, das orientações, o montante de base da coima fixado a título da gravidade pode ser agravado em 10% por ano de infração no que respeita às infrações de longa duração. Há que constatar que, ao proceder dessa forma, a Comissão não se afastou das regras que impôs a si própria nas orientações.

191    Por conseguinte, o quinto fundamento deve ser julgado improcedente.

192    Resulta de todas as considerações precedentes que nenhum dos fundamentos invocados pela recorrente pode ser acolhido. O recurso de anulação deve, portanto, ser julgado improcedente na sua totalidade, sem que seja necessário, nas circunstâncias do caso em apreço, proceder, além disso, a título da plena jurisdição, à reforma do montante da coima aplicada à recorrente.

 Quanto às despesas

193    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com os pedidos da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Coats Holdings Ltd é condenada nas despesas.

Czúcz

Labucka

Gratsias

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 27 de junho de 2012.

Assinaturas

Índice


Antecedentes do litígio

Tramitação processual e pedidos das partes

Questão de direito

Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação da obrigação da Comissão, por um lado, de fazer prova da infração, e, por outro, de respeitar o nível de prova exigido a este respeito

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal Geral

— Quanto à reunião de 1975 (considerando 217 da decisão recorrida)

— Quanto ao documento de 15 de janeiro de 1977 (considerandos 218 a 222 da decisão recorrida)

— Quanto à carta de 12 de abril de 1977 (considerando 224 da decisão recorrida)

— Quanto ao acordo Hugenpoet (considerandos 225 e 226 da decisão recorrida)

— Quanto à reunião do Beirat de 9 de novembro de 1988 (considerandos 227 a 230 da decisão recorrida)

— Quanto à nota de William Prym de 12 de dezembro de 1991 (considerando 231 da decisão recorrida)

— Quanto à reunião de 11 de fevereiro de 1993 (considerando 232 da decisão recorrida)

— Quanto à cessão pela Coats da sua participação no capital da William Prym (considerandos 233 a 236 da decisão recorrida)

— Quanto à aquisição da Bonduel pela William Prym e à reunião de 15 de julho de 1998 (considerandos 237 a 245 da decisão recorrida)

— Quanto aos elementos de prova ilibatórios

— Conclusão

Quanto ao terceiro fundamento, relativo à falta de prova de uma infração única e continuada

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 25.°, n.° 5, do Regulamento n.° 1/2003

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do artigo 6.°, n.° 3, alínea d), da CEDH

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto ao quinto fundamento, relativo à aplicação errada das orientações para o cálculo das coimas

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto às despesas


* Língua do processo: inglês.