ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)
8 de Julho de 1999 (1)
«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância - Regulamento interno
da Comissão - Processo de adopção de uma decisão pelo colectivo da Comissão
- Regras de concorrência aplicáveis às empresas - Noções de acordo e de
prática concertada - Prescrição - Multa»
No processo C-235/92 P,
Montecatini SpA, antigamente Montedison SpA, em seguida Montepolimeri SpA,
e mais tarde Montedipe SpA, com sede em Milão (Itália), representada por G.
Aghina e G. Celona, advogados no foro de Milão, e por P. A. M. Ferrari, advogado
no foro de Roma, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do
advogado G. Margue, 20, rue Philippe II,
apoiada por
DSM NV, com sede em Heerlen (Países Baixos), representada por I. G. F. Cath,
advogado no foro de Haia, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório
do advogado L. Dupong, 14 A, rue des Bains,
interveniente no presente recurso,
que tem por objecto a anulação do acórdão proferido pelo Tribunal de Primeira
Instância das Comunidades Europeias (Primeira Secção) em 10 de Março de 1992,
Montedipe/Comissão (T-14/89, Colect., p. II-1155),
sendo recorrida
Comissão das Comunidades Europeias, representada por G. Marenco, consultor
jurídico principal, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo
no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre
Wagner, Kirchberg,
recorrida em primeira instância,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),
composto por: P. J. G. Kapteyn, presidente de secção, G. F. Mancini (relator) G.
Hirsch, J. L. Murray e H. Ragnemalm, juízes,
advogado-geral: G. Cosmas,
secretário: H. von Holstein, secretário adjunto, e D. Louterman-Hubeau,
administradora principal,
visto o relatório para audiência,
ouvidas as alegações das partes na audiência de 12 de Março de 1997,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 15 de Julho
de 1997,
profere o presente
Acórdão
- 1.
- Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 22 de
Maio de 1992, a Montecatini SpA, antigamente Montedison SpA, em seguida
Montepolimeri SpA, e mais tarde Montedipe SpA (a seguir «Monte») interpôs, nos
termos do artigo 49.° do Estatuto CE do Tribunal de Justiça, recurso do acórdão
do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Março de 1992, Montedipe/Comissão
(T-14/89, Colect., p. II-1155, a seguir «acórdão recorrido»).
Matéria de facto e tramitação processual no Tribunal de Primeira Instância
- 2.
- Os factos subjacentes ao litígio, tal como foram descritos no acórdão recorrido, são
os seguintes.
- 3.
- Várias empresas activas na indústria europeia de produtos petroquímicos
interpuseram um recurso de anulação no Tribunal de Primeira Instância da
Decisão 86/398/CEE da Comissão, de 23 de Abril de 1986, relativa a um processo
para aplicação do artigo 85.° do Tratado CEE (IV/31.149 - Polipropileno) (JO
L 230, p. 1, a seguir «decisão polipropileno»).
- 4.
- Segundo os factos apurados pela Comissão e confirmados, neste aspecto, pelo
Tribunal de Primeira Instância, o mercado do polipropileno era abastecido, antes
de 1977, por dez produtores, dos quais quatro [Montedison SpA, Hoechst AG,
Imperial Chemical Industries plc (a seguir «ICI») e Shell International Chemical
Company Ltd (a seguir «Shell») (a seguir «quatro grandes»)] representavam, em
conjunto, 64% do mercado. Após terem caído no domínio público as patentes de
que era titular a Monte, surgiram novos produtores no mercado, em 1977, o que
determinou um aumento substancial da capacidade real de produção, que não foi
seguido por um aumento correspondente da procura. Isto teve como consequência
uma utilização das capacidades de produção entre 60% em 1977 e 90% em 1983.
Cada um dos produtores estabelecidos na altura na Comunidade vendia em todos
os Estados-Membros ou quase.
- 5.
- A Monte fazia parte dos produtores que abasteciam o mercado em 1977. Era o
principal produtor de polipropileno e, por conseguinte, era um dos quatro grandes.
A sua quota de mercado na Europa Ocidental situava-se entre cerca de 14,2% e
15%. Em 1983, após ter assumido os negócios da Enichem Anic SpA, passou a
deter 18% do mercado do polipropileno da Europa Ocidental.
- 6.
- Na sequência de diligências de instrução efectuadas simultaneamente em várias
empresas do sector, a Comissão enviou a vários produtores de polipropileno
pedidos de informações, nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17 do
Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos
artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22). Resulta do
n.° 6 do acórdão recorrido que as informações obtidas levaram a Comissão a
concluir que, entre 1977 e 1983, os produtores em causa, em violação do artigo 85.°
do Tratado CE (actual artigo 81.° CE), através de uma série de iniciativas de
preços, tinham fixado regularmente objectivos de preços e elaborado um sistema
de controlo anual do volume de vendas, com vista a repartir entre si o mercado
disponível com base em quantidades ou percentagens acordadas. O que levou a
Comissão a instaurar o processo previsto no artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 17
e a enviar uma comunicação escrita das acusações a várias empresas, entre as quais
a Monte.
- 7.
- No termo deste processo, a Comissão adoptou a decisão polipropileno, pela qual
declarou que a Monte tinha infringido o disposto no n.° 1 do artigo 85.° doTratado, ao participar, com outras empresas, desde meados de 1977 até, pelo
menos, Novembro de 1983, num acordo e prática concertada criados em meados
de 1977 pelo qual os produtores fornecedores de polipropileno no território do
mercado comum:
- se contactaram e encontraram regularmente (desde o início de 1981, duas
vezes por mês) no âmbito de reuniões secretas, a fim de examinar e definir
a sua política comercial;
- fixaram periodicamente preços-«objectivo» (ou mínimos) para a venda do
produto em cada Estado-Membro da Comunidade;
- acordaram diversas medidas destinadas a facilitar a aplicação de tais
objectivos de preços, incluindo (principalmente) limitações temporárias da
produção, troca de informações pormenorizadas sobre as suas entregas,
efectivação de reuniões locais e, a partir do final de 1982, um sistema de
«account management» que visava aplicar subidas de preços a clientes
específicos;
- aplicaram aumentos de preços simultâneos, executando os ditos objectivos;
- repartiram o mercado, atribuindo a cada produtor um objectivo ou «quota»
anual de vendas (em 1979, 1980 e durante parte, pelo menos, de 1983) ou,
na falta de acordo definitivo quanto a todo o ano, obrigando os produtores
a limitarem as suas vendas mensais por referência a um período anterior
(1981, 1982) (artigo 1.° da decisão polipropileno).
- 8.
- A Comissão ordenou, a seguir, às várias empresas em causa que pusessem termo
imediatamente a estas infracções e que se abstivessem de então em diante de
qualquer acordo ou prática concertada susceptível de ter objectivos ou efeitos
idênticos ou semelhantes. A Comissão ordenou-lhes igualmente que pusessem
termo a qualquer sistema de troca de informações do tipo normalmente abrangido
pelo segredo comercial e que gerissem qualquer sistema de troca de informações
gerais (como, por exemplo, o sistema FIDES) de forma a excluir qualquer
informação susceptível de identificar o comportamento de produtores determinados
(artigo 2.° da decisão polipropileno).
- 9.
- Uma multa de 11 000 000 ecus, ou seja, 16 187 490 000 LIT, foi aplicada à Monte
(artigo 3.° da decisão polipropileno).
- 10.
- Em 6 de Agosto de 1986, a Monte interpôs um recurso de anulação desta decisão
no Tribunal de Justiça. Toda a fase escrita do processo decorreu no Tribunal de
Justiça. Por despacho de 15 de Novembro de 1989, este remeteu-o ao Tribunal de
Primeira Instância, em aplicação da Decisão 88/591/CECA, CEE, Euratom do
Conselho, de 24 de Outubro de 1988, que institui um Tribunal de Primeira
Instância das Comunidades Europeias (JO L 319, p. 1).
- 11.
- A Monte, nas suas conclusões de recurso no Tribunal de Primeira Instância,
requereu que a decisão polipropileno fosse anulada na parte em que ela diz
respeito, a título subsidiário, que fosse anulada na parte que lhe aplica uma multa,
a título ainda mais subsidiário, que fosse a anulada na parte em que lhe aplica uma
multa de 11 000 000 de ecus e reduzida para a um montante simbólico ou, em todo
o caso, equitativo, que, pelo menos, atenda à prescrição, e sempre a condenação
da Comissão nas despesas, no reembolso de todas as despesas suportadas no
âmbito do processo administrativo, bem como na reparação de todos os prejuízos
decorrentes da execução da decisão polipropileno ou da prestação de uma garantia
para o caso de execução dessa decisão, incluindo os juros e a revalorização das
somas pagas a título de execução ou para prestação da garantia.
- 12.
- A Comissão concluiu pedindo que fosse negado provimento ao recurso e que a
recorrente fosse condenadas nas despesas.
- 13.
- Por carta que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 6
de Março de 1992, a Monte pediu ao Tribunal que ordenasse a reabertura da fase
oral do processo e medidas de instrução, com fundamento nas declarações feitas
pela Comissão na conferência de imprensa dada pela Comissão no dia 28 de
Fevereiro de 1992, depois de ter sido proferido o acórdão do Tribunal de Primeira
Instância de 27 de Fevereiro de 1992, BASF e o./Comissão (T-79/89, T-84/89 a
T-86/89, T-89/89, T-91/89, T-92/89, T-94/89, T-96/89, T-98/89, T-102/89 e T-104/89,
Colect., p. II-315, a seguir «acórdão PVC do Tribunal de Primeira Instância»).
O acórdão recorrido
Quanto ao apuramento da infracção - Matéria de facto
O acordo quanto aos preços mínimos
- 14.
- Nos n.os 68 e 69 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância observou
que o texto da nota do empregado da Hercules, à qual a Comissão fizera
referência para provar a existência de um acordo sobre os preços mínimos, era
claro e desprovido de ambiguidades e que a Monte não adiantara nenhum
elemento susceptível de pôr em dúvida o seu valor probatório.
- 15.
- De acordo com o n.° 70, o facto de os preços mínimos acordados não terem podido
ser atingidos também não é susceptível de desmentir a adesão da Monte ao acordo
sobre os preços mínimos, visto que, mesmo supondo este facto provado, isso
apenas provaria que os preços mínimos não foram atingidos e não que não foram
acordados. No n.° 71, o Tribunal de Primeira Instância considerou que os preços
mínimos não diferiam, quanto à sua natureza, dos objectivos de preços
ulteriormente fixados pelos produtores de polipropileno.
- 16.
- Daqui o Tribunal de Primeira Instância concluiu, no n.° 72, que a Comissão fez
prova suficiente de que, por meados de 1977, houve convergência de vontades de
vários produtores, entre os quais figurava a Monte, para fixar preços mínimos.
O Sistema de reuniões periódicas
- 17.
- No n.° 82, o Tribunal de Primeira Instância observou que a Monte não contestava
a sua participação nas reuniões periódicas de produtores de polipropileno e que,
portanto, se devia considerar que ela participara em todas as reuniões cuja
realização a decisão polipropileno refere. No n.° 83, o Tribunal de Primeira
Instância declarou que tinha sido com razão que a Comissão considerara, com base
nos elementos que fornecidos pela ICI na sua resposta ao pedido de informações
e confirmados por numerosos relatórios de reuniões, que as reuniões tinham como
objectivo, nomeadamente, fixar objectivos de preços e de volumes de venda.
- 18.
- O Tribunal de Primeira Instância também sublinhou, no n.° 84, que o conteúdo dos
relatórios das reuniões, provenientes da ICI, era confirmado por diferentes
documentos, como um certo números de quadros numéricos relativos aos volumes
de vendas dos diferentes produtores e instruções de preços correspondendo aos
objectivos de preços mencionados nos referidos relatórios, do mesmo modo que -
globalmente - pelas respostas dos diferentes produtores aos pedidos de
informações da Comissão. Por conseguinte, de acordo com o n.° 85, a Comissão
pôde considerar que os relatórios das reuniões encontrados na ICI reflectiam
bastante objectivamente o conteúdo das reuniões. No n.° 86, o Tribunal de
Primeira Instância considerou que, nessas circunstâncias, era a Monte que devia
fornecer outra explicação do conteúdo das reuniões nas quais participou,
apresentando elementos precisos para o efeito, mas constatou que a recorrente não
apresentou nem se ofereceu para apresentar tais elementos.
- 19.
- De acordo com o n.° 88 do acórdão recorrido, também foi com razão que, da
resposta da ICI relativa à periodicidade das reuniões de «patrões» e de «peritos»
bem como da identidade de natureza e de objecto das reuniões, a Comissão
deduziu que estas se inscreviam num sistema de reuniões periódicas.
- 20.
- No que respeita ao papel particular desempenhado pelos «quatro grandes» no
sistema de reuniões, o Tribunal sublinhou, no n.° 89, que a Monte não contestou
a ocorrência de reuniões entre essas empresas nas datas indicadas pela Comissão.
De acordo com o n.° 90, essas reuniões tiveram lugar, a partir de Dezembro de
1982, na véspera das reuniões de «patrões» e tinham por objecto determinar as
acções que eles aí poderiam tomar em conjunto para efectuar um aumento dos
preços, como mostra a nota de um empregado da ICI relativa ao conteúdo de uma
pré-reunião de 19 de Maio de 1983, na qual tinham participado os «quatro
grandes».
- 21.
- No n.° 91, o Tribunal de Primeira Instância concluiu que a Comissão fez prova
suficiente de que a Monte tinha participado regularmente nas reuniões periódicasde produtores de polipropileno entre fins de 1977 e Setembro de 1983, que essas
reuniões tinham sido presididas por membros do pessoal da Monte até ao mês de
Agosto de 1982, que tinham como finalidade, nomeadamente, a fixação de
objectivos de preços e de volumes de vendas e que se inscreviam num sistema.
As Iniciativas de preços
- 22.
- No n.° 128, o Tribunal de Primeira Instância referiu que os relatórios das reuniões
periódicas de produtores de polipropileno provavam que os que nelas participaram
tinham chegado a acordo sobre as iniciativas de preços referidas na decisão
polipropileno. De acordo com o n.° 129, uma vez que tinha sido suficientemente
provada a participação da Monte nessas reuniões, esta não podia afirmar não ter
subscrito as iniciativas de preços aí decididas, organizadas e controladas se não
fornecesse indícios capazes de corroborar essa afirmação.
- 23.
- No n.° 131, o Tribunal de Primeira Instância considerou que a argumentação da
Hüls, segundo a qual esta não tinha tido em conta os resultados das reuniões para
determinar o seu comportamento no mercado em matéria de preços, não podia ser
aceite como indício para corroborar a afirmação segundo a qual não subscrevera
as iniciativas de preços convencionadas nas reuniões, apenas servindo, quando
muito, para demonstrar que a recorrente não aplicou o resultado das reuniões. No
n.° 132 o Tribunal de Primeira Instância sublinhou que, de qualquer modo, a
Monte não podia invocar o carácter puramente interno das suas instruções de
preços, visto que, embora elas fossem internas, na medida em que tinham sido
enviadas aos serviços de vendas pela sede central, tinham sido enviadas para serem
cumpridas e, portanto, para produzirem, directa ou indirectamente, efeitos
externos, o que lhes fazia perder o seu carácter interno.
- 24.
- No que respeita ao contexto económico em que se inscreveram as iniciativas de
preços, o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 133, que este não
permitia explicar a concordância mútua das instruções de preços dadas pelos
diferentes produtores, nem a sua concordância com os objectivos de preços fixados
nas reuniões de produtores. De acordo com o n.° 134, a identidade dos entraves
que pesavam sobre os diferentes produtores também não permitia explicar a quase
simultaneidade das instruções de preços da Monte e dos outros produtores.
- 25.
- Além disso, de acordo com o n.° 135, não se podia tratar de uma forma qualquer
de «price leadership» de um produtor, uma vez que a Comissão fez prova
suficiente de que esse produtor tinha participado com outros numa concertação
relativa aos preços. No n.° 136, o Tribunal de Primeira Instância acrescentou que
a Comissão teve razão para deduzir da resposta da ICI ao pedido de informações
que as iniciativas se inscreviam num sistema de fixação de objectivos de preços.
- 26.
- Daqui o Tribunal de Primeira Instância concluiu, no n.° 137, que a Comissão tinha
feito prova bastante de que a Monte figurava entre os produtores de polipropilenoentre os quais tiveram lugar convergências de vontades incidido sobre as iniciativas
de preços mencionadas na decisão polipropileno, que estas se inscreviam num
sistema e que os efeitos dessas iniciativas se produziram até Novembro de 1983.
As Medidas destinadas a facilitar a concretização das iniciativas de preços
- 27.
- No n.° 143, o Tribunal de Primeira Instância considerou que a decisão
polipropileno devia ser interpretada no sentido de imputar a cada produtor o facto
de, em vários momentos, aquando das reuniões, ter adoptado, juntamente com os
outros produtores, um conjunto de medidas destinadas a criar condições favoráveis
a um aumento dos preços, através, nomeadamente, da redução artificial da oferta
de polipropileno, conjunto de medidas esse cuja execução era repartida de comum
acordo entre os diferentes produtores em função da sua situação específica. No
n.° 144, o Tribunal de Primeira Instância concluiu que, ao participar nas reuniões
em que este conjunto de medidas foi adoptado, a Monte tinha subscrito o mesmo,
pois não tinha apresentado qualquer indício susceptível de provar o contrário.
- 28.
- No que respeita ao «account leadership», o Tribunal de Primeira Instância
observou, no n.° 145, que dos relatórios das reuniões de 2 de Setembro de 1982,
de 2 de Dezembro de 1982 e da Primavera de 1983, nas quais a recorrente
participou, resultava que os produtores presentes tinham aderido a esse sistema.
De acordo com o n.° 146, o estudo apresentado pela Monte, em virtude do seu
carácter excessivamente limitado, não demonstra que ela não desempenhou o papel
de «account leader» relativamente aos clientes para os quais tinha sido designada
nessa qualidade.
- 29.
- Nos n.os 147 e 148, o Tribunal de Primeira Instância concluiu que a aplicação, pelo
menos parcial, desse sistema era confirmada pelo relatório da reunião de 3 de
Maio de 1983 e pelo de um outra reunião da Primavera de 1983, bem como pela
resposta da ICI ao pedido de informações. Por outro lado, o Tribunal de Primeira
Instância concluiu, no n.° 149, que a Monte não contestava especificadamente o
facto de ter participado na decisão de adoptar outras medidas destinadas a facilitar
a aplicação das iniciativas de preços.
- 30.
- No n.° 150, o Tribunal de Primeira Instância conclui que a Comissão tinha feito
prova suficiente de que a Monte figurava entre os produtores de polipropileno
entre os quais se estabeleceu uma convergência de vontades que incidiu sobre as
medidas destinadas a facilitar a concretização das iniciativas de preços mencionadas
na decisão polipropileno.
Os objectivos de quantidades e quotas
- 31.
- O Tribunal de Primeira Instância recordou, antes de mais, no n.° 175, que a Monte
participou, desde o início, nas reuniões periódicas de produtores de polipropileno
onde se discutiram questões relativas aos volumes de vendas dos vários produtores
e se trocaram informações a este propósito. No n.° 176, salientou-se que,paralelamente a essa participação, o nome da Monte figurava em quadros
descobertos nas instalações dos produtores de polipropileno e cujo conteúdo
revelava claramente destinarem-se à definição de objectivos de volumes de venda.
A Comissão estava, portanto, no direito de considerar que o conteúdo desses
quadros, que deviam ter sido realizados com base em informações provenientes dos
produtores e não a partir das estatísticas do sistema FIDES, tinha sido, no que à
Monte se refere, fornecido por ela própria no âmbito das reuniões. Quanto ao
alegado carácter enganador destas informações, o Tribunal observou, no n.° 177,
por um lado, que era desmentido pela menção, num dos quadros, de uma
comparação entre os números fornecidos por certos produtores e os números do
sistema Fides. Por outro lado, de acordo com o Tribunal de Primeira Instância, o
carácter eventualmente enganador das informações tendia a confirmar que eram
destinadas a uma tomada de decisão, no seguimento de negociações, que tinha por
objecto conciliar interesses individualmente opostos, mas globalmente convergentes.
No n.° 178, o Tribunal de Primeira Instância concluiu que a terminologia utilizada
nos quadros relativos aos anos de 1979 e 1980 permitia concluir que se verificou
uma convergência de vontades entre produtores.
- 32.
- No que se refere mais especificamente ao ano de 1979, o Tribunal de Primeira
Instância referiu, no n.° 179, que o relatório da reunião de 26 e 27 de Setembro de
1979 bem como o quadro «Producers' Sales to West Europe», encontrado na ICI,
indicavam que o regime inicialmente previsto para o ano de 1979 se devia tornar
mais rigoroso nos três últimos meses do ano.
- 33.
- No n.° 180, o Tribunal de Primeira Instância verificou que, para o ano de 1980, a
fixação de objectivos de volumes de venda para todo o ano resultava do quadro
datado de 26 de Fevereiro de 1980, encontrado na Atochem SA, bem como do
relatório das reuniões de Janeiro de 1981; a este respeito, sublinhou que, embora
os números constantes dessas duas fontes fossem diferentes, isso resultava do facto
de as previsões dos produtores terem tido de ser revistas em baixa; no n.° 181,
acrescentou que, segundo o relatório das reuniões de Janeiro de 1981, a Monte
fornecera os seus volumes de venda para 1980 a fim de os comparar com os
volumes de venda definidos e aceites para 1980.
- 34.
- Nos n.os 182 a 187, o Tribunal de Primeira Instância sublinhou que, para o ano de
1981, os produtores eram acusados de terem participado em negociações com vista
a alcançar um acordo sobre quotas, de terem comunicado as suas «expectativas»,
de terem aceite, a título de medida temporária, reduzir as suas vendas mensais a
1/12 de 85% do «objectivo» acordado para 1980, de se terem limitado no resto do
ano à mesma quota teórica do ano anterior, de terem dado conhecimento das suas
vendas todos os meses nas reuniões e, por último, de terem controlado se as
vendas respeitavam a quota teórica atribuída. Segundo o Tribunal de Primeira
Instância, a existência das referidas negociações e a comunicações das
«expectativas» eram comprovadas por diferentes elementos de prova, como
quadros e uma nota interna da ICI; a adopção de medidas temporárias durante osmeses de Fevereiro e Março de 1981 resultava do relatório das reuniões de Janeiro
de 1981; o facto de os produtores se terem atribuído entre si, para o resto do ano,
a mesma quota teórica do ano anterior e terem verificado o respeito dessa quota,
trocando mensalmente informações sobre os seus volumes de vendas, estava
demonstrado pela conjugação de um quadro datado de 20 de Dezembro de 1981,
de um quadro não datado intitulado «Scarti per società» descoberto na ICI e de
um quadro não datado também descoberto na ICI; segundo o Tribunal de Primeira
Instância, a participação da Monte nessas diferentes actividades resultava da sua
participação nas reuniões em que essas acções tiveram lugar e da menção do seu
nome nos diversos documentos acima referidos.
- 35.
- Nos n.os 188 a 192, o Tribunal de Primeira Instância sublinhou que, para o ano de
1982, os produtores eram acusados de ter participado em negociações com vista
a alcançar um acordo sobre quotas, de terem comunicado as suas «expectativas»
em matéria de quantidades, de terem, na falta de um acordo definitivo,comunicado os volumes de vendas mensais durante o primeiro semestre,
comparando-os com a percentagem realizada durante o ano anterior e de se terem
esforçado, durante o segundo semestre, por limitar as suas vendas mensais à
percentagem de mercado global realizada durante o primeiro semestre desse ano.
Segundo o Tribunal, a existência das referidas negociações e a comunicação das
«expectativas» eram comprovadas por um documento intitulado «Scheme for
discussions 'quota system 1982», por uma nota da ICI intitulada «Polypropylene
1982, Guidelines», por um quadro datado de 17 de Fevereiro de 1982 e por um
quadro redigido em italiano que constituía uma proposta complexa; as medidas
adoptadas no primeiro semestre eram atestadas pelo relatório da reunião de 13 de
Maio de 1982 e pelas declarações da Monte que aí figuram; a execução dessas
medidas era comprovada pelos relatórios das reuniões de 9 de Junho, 20 e 21 de
Julho e 20 de Agosto de 1982; as medidas adoptadas para o segundo semestre de
1982 eram comprovadas pelo relatório da reunião de 6 de Outubro de 1982 e a sua
manutenção era confirmada pelo relatório de 2 de Dezembro de 1982 sublinhou
que, para 1982, os produtores eram acusados de terem participado em negociações
com vista a alcançar um acordo sobre quotas, de terem comunicado as suas
«ambições» em matéria de quantidades, de terem, na falta de um acordo
definitivo, comunicado nas reuniões os seus volumes de vendas mensais durante o
primeiro semestre, comparando-os com a percentagem realizada durante o ano
anterior e de se terem esforçado, durante o segundo semestre, por limitar as suas
vendas mensais à percentagem de mercado global realizada durante o primeiro
semestre do mesmo ano. De acordo com o Tribunal, a existência das referidas
negociações e a comunicação das «ambições» ficavam demonstradas por um
documento intitulado «Scheme for discussions 'quota system 1982», por uma nota
da ICI intitulada «Polypropylene 1982, Guidelines», por um quadro datado de 17
de Fevereiro de 1982 e por um quadro redigido em italiano que constituía uma
proposta complexa; as medidas adoptadas para o primeiro semestre de 1982
ficavam provadas pelo relatório da reunião de 13 de Maio de 1982 e pelas
declarações da Monte que aí figuram; a execução dessas medidas era atestada
pelos relatórios das reuniões de 9 de Junho, 20 e 21 de Julho e 20 de Agosto de1982; as medidas adoptadas para o segundo semestre de 1982 eram comprovadas
pelo relatório da reunião de 6 de Outubro de 1982 e a sua manutenção era
confirmada pelo relatório da reunião de 2 de Dezembro de 1982.
- 36.
- O Tribunal de Primeira Instância também observou, no n.° 193, que, no que
respeita aos anos de 1981 e 1982, foi correctamente que a Comissão deduziu da
vigilância recíproca, nas reuniões periódicas, quanto à aplicação de um sistema de
limitação das vendas mensais em relação a um período anterior, que esse sistema
tinha sido adoptado pelos participantes nas reuniões.
- 37.
- Quanto ao ano de 1983, o Tribunal de Primeira Instância observou, nos n.os 194 a
200, que dos documentos apresentados pela Comissão resultava que, no final de
1982 e inícios de 1983, os produtores de polipropileno discutiram um regime de
quotas para 1983, que a Monte participou nas reuniões em que se realizaram essas
discussões, que nessa ocasião forneceu dados relativos às suas vendas e que a
menção «aceitável» figura ao lado da quota junta ao seu nome no quadro 2 apenso
ao relatório da reunião de 2 de Dezembro de 1982, de forma que a Monte tinha
participado nas negociações organizadas com vista a definir um regime de quotas
para 1983. Segundo o Tribunal de Primeira Instância, foi correctamente que a
Comissão deduziu, da conjugação do relatório da reunião de 1 de Junho de 1983
e do de uma reunião interna do grupo Shell de 17 de Março de 1983, confirmados
por outros dois documentos que mencionam o valor de 11% como parte de
mercado da Shell, que essas negociações tinham conduzido à instauração de um tal
sistema. Além disso, de acordo com o Tribunal de Primeira Instância, o facto de
as vendas da Monte nem sempre terem correspondido às quotas que lhe tinham
sido atribuídas era irrelevante, pois a decisão da Comissão não se apoiava na
aplicação efectiva pela Monte do sistema de quotas no mercado para provar a sua
participação neste sistema. O Tribunal de Primeira Instância acrescentou que, em
virtude da identidade de objectivo das diversas medidas de limitação dos volumes
de venda - ou seja, diminuir a pressão exercida sobre os preços pelo excesso da
oferta - a Comissão deduziu correctamente que aquelas medidas se inscreviam
num sistema de quotas.
- 38.
- Daqui o Tribunal de Primeira Instância concluiu, no n.° 201, que a Comissão
provou de modo suficiente que a Monte figurava entre os produtores de
polipropileno entre os quais se tinha verificado uma convergência de vontades que
incidia sobre os objectivos de volumes de vendas para 1979, 1980 e primeira
metade de 1983 e sobre a limitação das suas vendas mensais em 1981 e 1982 em
relação a um período anterior mencionado na decisão polipropileno e que se
inscrevia num sistema de quotas.
Quanto à aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado
Qualificação jurídica
- 39.
- O Tribunal de Primeira Instância observou, nos n.os 228 e 229 do acórdão
recorrido, que a Comissão qualificara cada elemento de facto ou, a título principal,
como acordo, ou, a título subsidiário, como prática concertada na acepção do artigo
85.°, n.° 1, do Tratado. No n.° 230, referindo-se aos acórdãos do Tribunal de Justiça
de 15 de Julho de 1970, ACF Chemiefarma/Comissão (41/69, Colect. 1969-1970,
p. 447), e de 29 de Outubro de 1980, Van Landewyck e o./Comissão (209/78 a
215/78 e 218/78, Recueil, p. 3125), o Tribunal concluiu que, para existir acordo, na
acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, basta que as empresas em causa tenham
expresso a sua vontade comum de se comportarem no mercado de uma forma
determinada. A Comissão tinha, portanto, base legal para qualificar como acordo
a convergência de vontades entre a Monte e os outros produtores e que incidia
sobre preços mínimos em 1977, sobre iniciativas de preços, sobre medidas
destinadas a facilitar a execução das iniciativas de preços, sobre objectivos de
volumes de vendas para os anos de 1979 e 1980 e para a primeira metade de 1983,
bem como sobre medidas de limitação das vendas mensais nos anos de 1981 e 1982
por referência a um período anterior. Além disso, o Tribunal de Primeira Instância
referiu, no n.° 231, que a Comissão, tendo provado de forma bastante que os
efeitos das iniciativas de preços continuaram até Novembro de 1983, teve razão em
considerar que a infracção se prolongou pelo menos até Novembro de 1983. A este
respeito, e referindo-se ao acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de Julho de 1985,
Binon (243/83, Recueil, p. 2015), o Tribunal observou que o artigo 81.° CE também
era aplicável aos acordos cuja vigência cessou, mas cujos efeitos se mantêm para
além da sua cessação formal.
- 40.
- Com o objectivo de definir o conceito de prática concertada, o Tribunal remeteu,
no n.° 232, para o acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 1975,
Suiker Unie e o./Comissão (40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e
114/73, Colect., p. 563). Quanto ao caso em apreço, concluiu, no n.° 233, que a
Monte tinha participado em reuniões que tinham como objecto influenciar o
comportamento dos produtores no mercado e revelar o comportamento que cada
produtor pretendia adoptar no mercado. O Tribunal de Primeira Instância
acrescentou, no n.° 234, que a Monte não só prosseguiu a finalidade de eliminar
antecipadamente a incerteza relativa ao comportamento futuro dos seus
concorrentes, mas também teve necessariamente de tomar em conta, directa ou
indirectamente, as informações obtidas nessas reuniões para determinar a política
que pretendia seguir no mercado. Do mesmo modo, de acordo com o Tribunal de
Primeira Instância, os seus concorrentes tiveram necessariamente de tomar em
conta, directa ou indirectamente, as informações que a Monte lhes revelou sobre
o comportamento que tinha decidido ou que pretendia ela própria adoptar no
mercado para determinarem a política que pretendiam seguir no mercado. Daqui
o Tribunal de Primeira Instância concluiu, no n.° 235, que, em virtude do seu
objecto, a Comissão teve base legal para qualificar, a título subsidiário, como
práticas concertadas, na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, as reuniões
periódicas em que a Monte participou entre o fim do ano de 1977 e Setembro de
1983.
- 41.
- Quanto à existência de uma infracção única, qualificada no artigo 1.° da decisão
como «um acordo e uma prática concertada», após ter recordado, no n.° 236, que
as diversas práticas concertadas observadas e os diversos acordos se inscreviam, no
caso em apreço, em virtude da sua identidade de objecto, em sistemas de reuniões
periódicas, de fixação de objectivos de preços e de quotas, o Tribunal de Primeira
Instância sublinhou, no n.° 237, que esses sistemas se inscreviam, por sua vez, numa
série de esforços das empresas em causa que prosseguiam um único fim
económico, a saber, falsear a evolução normal dos preços no mercado do
polipropileno. De acordo com o Tribunal de Primeira Instância, era portanto
artificial subdividir esse comportamento contínuo, caracterizado por uma única
finalidade, vendo nele diversas infracções distintas. Com efeito, a Monte participou
- durante anos - num conjunto integrado de sistemas que constituem uma
infracção única que se concretizou progressivamente, tanto através de acordos,
como através de práticas concertadas ilícitas.
- 42.
- Assim, o Tribunal de Primeira Instância concluiu, no n.° 238, que a Comissão tinha
base legal para qualificar essa infracção única como «um acordo e uma prática
concertada», na medida em que essa infracção comportava simultaneamente
elementos que devem ser qualificados como «acordos» e elementos que devem ser
qualificados como «práticas concertadas». De acordo com o Tribunal de Primeira
Instância, perante uma infracção complexa, a dupla qualificação efectuada pela
Comissão no artigo 1.° da decisão polipropileno devia ser entendida não como uma
qualificação que exige simultânea e cumulativamente a prova de que cada um
destes elementos de facto tem elementos constitutivos de um acordo e de uma
prática concertada, mas sim como designando um todo complexo que comporta
elementos de facto, alguns dos quais tinham sido qualificados como acordos e
outros como práticas concertadas, na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, que
não prevê qualificação específica para este tipo de infracção complexa.
O efeito restritivo sobre a concorrência
- 43.
- Quanto à argumentação da Monte destinada a demonstrar que a sua participação
nas reuniões periódicas de produtores de polipropileno não tinha efeitos
anti-concorrenciais, o Tribunal de Primeira Instância recordou, no n.° 246, que, de
qualquer modo, essas reuniões tinham por finalidade restringir a concorrência no
interior do mercado comum, nomeadamente pela fixação de objectivos de preços
e de volumes de vendas, pelo que a sua participação nessas reuniões não estava
desprovida de objecto anti-concorrencial na acepção do n.° 1 do artigo 85.° do
Tratado.
A afectação do comércio entre Estados-Membros
- 44.
- O Tribunal de Primeira Instância sublinhou, no n.° 253, que a Comissão, na
perspectiva do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, não tinha a obrigação de demonstrar
que a participação da recorrente num acordo e numa prática concertada teve umefeito sensível nas trocas comerciais entre Estados-Membros, mas apenas que os
acordos e práticas concertadas eram susceptíveis de afectar o comércio entre
Estados-Membros. A este propósito, e recordando o acórdão Van Landewyck e
o./Comissão, já referido, o Tribunal de Primeira Instância observou que as
restrições da concorrência verificadas no caso em apreço eram susceptíveis de
desviar as correntes comerciais da direcção que noutras condições teriam tido.
Daqui o Tribunal de Primeira Instância deduziu, no n.° 254, que a Comissão tinha
feito prova bastante de que a infracção em que a Monte participou era susceptível
de afectar o comércio entre Estados-Membros, sem que fosse necessário
demonstrar que a participação individual da Monte tinha afectado as trocas
comerciais entre Estados-Membros.
Os factos justificativos
- 45.
- Relativamente aos argumentos da Monte segundo os quais a Comissão devia ter
examinado o conteúdo dos acordos tendo em consideração o contexto económico
em que se inseriam e, em todo o caso, aplicar a «rule of reason», o Tribunal
recordou, no n.° 264, que a Comissão fez prova suficiente de que os acordos e as
práticas concertadas tinham um objectivo anti-concorrencial, na acepção do artigo85.°, n.° 1, do Tratado. Assim, de acordo com o Tribunal de Primeira Instância, a
pertinência da questão de saber se tiveram um efeito anti-concorrencial limitava-se
à apreciação do montante da multa. No n.° 265, o Tribunal de Primeira Instância
sublinhou que o carácter patente da infracção se opunha, de qualquer modo, à
aplicação de uma «rule of reason», supondo que uma tal regra tem aplicação no
âmbito do direito comunitário da concorrência, visto que se trataria, nessa hipótese,
de uma infracção per se às regras da concorrência.
- 46.
- No n.° 271, o Tribunal concluiu que a Monte não podia invocar o facto de os
acordos que realizou e de as práticas concertadas em que participou deverem
beneficiar da aplicação do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado. Com efeito, nos termos do
artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 17, a Monte devia, antes de mais, ter
notificado os acordos e as práticas concertadas à Comissão a fim de poder
beneficiar do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado, o que não tinha feito. De acordo com
o n.° 272, a Monte não podia pretender ser vítima de uma discriminação em
relação a empresas cujos acordos tinham sido isentos ao abrigo da referida
disposição.
- 47.
- Como a Monte tinha alegado que as medidas adoptadas pelos produtores tinham
tido efeitos extraordinariamente benéficos, ao preço de enormes perdas para os
produtores, o Tribunal de Primeira Instância observou, nos n.os 279 e 280, que, a
supor que a tal evolução positiva do mercado tenha tido lugar e que tenha tido
qualquer pertinência neste caso, a Monte não demonstrou, de modo nenhum, que
essa evolução era imputável aos acordos que concluiu e às práticas concertadas em
que participou. De acordo com o Tribunal de Primeira Instância, o argumento da
Monte, de que os produtores estabelecidos no mercado teriam podido impedir a
entrada de novos produtores no mercado, em vez de canalizar a sua chegada, nãotomava em consideração o facto de esses novos produtores serem empresas de
dimensão importante que podiam permitir-se sofrer prejuízos, mesmo importantes,
durante vários anos, para penetrar no mercado do polipropileno.
- 48.
- Nos n.os 286 e 287, o Tribunal de Primeira Instância observou que o princípio da
repartição dos sacrifícios entre as empresas de um acordo comum, invocado pela
Monte, atenta a existência de um estado de necessidade, se opunha à concorrência
que o artigo 85.° do Tratado tem por objecto preservar. Por conseguinte, de acordo
com o Tribunal de Primeira Instância, não competia às empresas aplicar esse
princípio, sem o comunicar à autoridade competente e sem respeitar os processos
previstos para o efeito.
- 49.
- Nos n.os 295 e 296, o Tribunal de Primeira Instância observou que a venda abaixo
do preço de custo pode constituir uma forma de concorrência desleal se tiver como
objectivo reforçar a posição concorrencial de uma empresa em detrimento das suas
concorrentes, mas não se a venda a um preço inferior ao preço de custo resultar
do jogo da oferta e da procura, como acontecia no caso em apreço. Por
conseguinte, de acordo com o Tribunal de Primeira Instância, os participantes num
acordo que tem por objectivo fazer passar os preços de um nível inferior ao preço
de custo a um nível igual ou superior a este não podem invocar o facto de este
acordo ter como objectivo pôr fim a uma concorrência desleal para justificarem o
seu comportamento.
- 50.
- No n.° 301, o Tribunal de Primeira Instância considerou que a analogia feita pela
Monte com as associações de produtores e/ou de consumidores de matérias-primas,
que tinham estabilizado os mercados, não tinha qualquer fundamento, uma vez que
os acordos em questão constituíam regulamentações públicas de mercado, que não
podiam ser comparadas aos acordos concluídos, no caso em apreço, pelos
produtores de polipropileno.
- 51.
- O Tribunal de Primeira Instância concluiu, nos n.os 310 e 311, que as obrigações a
que Monte pretende ter sido submetida, por força de um acordo sindical de
manutenção do emprego bem como da declaração do estado de crise, que lhe
permitiram beneficiar de auxílios ligados à aplicação da Lei n.° 675 de 12 de
Agosto de 1977, e que a impediram de proceder aos despedimentos que tinha
projectado, tinham surgido mais de três anos depois da conclusão do acordo sobre
os preços mínimos e tinham sido aceites pela Monte para beneficiar das vantagens
correlativas aos compromissos que assumia. Por conseguinte, de acordo com o
n.° 312, a Monte não podia pretender que as suas obrigações a tinham colocado
numa situação que tornava inevitável a sua participação em acordos e em práticas
concertadas contrárias ao artigo 85.° do Tratado. Por último, no n.° 313, o Tribunal
de Primeira Instância considerou inadmissível o argumento apresentado pela Monte
na sua réplica e assente na chantagem que as «brigadas vermelhas» exerceram
sobre si, na medida em que constituía um fundamento novo na acepção dos artigos48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância e 42.°,
n.° 2, do Tribunal de Justiça.
Quanto ao montante da multa
A prescrição
- 52.
- No n.° 330, o Tribunal de Primeira Instância observou que, nos termos do artigo
1.°, n.° 2, do Regulamento (CEE) n.° 2988/74 do Conselho, de 26 de Novembro de
1974, relativo à prescrição quanto a procedimentos e execução de sanções no
domínio do direito dos transportes e da concorrência da Comunidade Económica
Europeia (JO L 319, p. 1; EE 08 F2 p. 41), a prescrição de cinco anos do poder
da Comissão para aplicar multas por infracções permanentes ou continuadas só
começa a correr no dia em que a infracção tiver cessado. Dos n.os 331 e 332 resulta
que, no caso em apreço, a Monte participou, sem interrupção, numa infracção
única e continuada (na versão italiana, língua do processo, «un'infrazione unica e
continuata») a partir da conclusão do acordo de preços mínimos em meados do
ano de 1977 até ao mês de Novembro de 1983 e não pode, por conseguinte,
invocar a prescrição das multas.
A duração da infracção
- 53.
- No n.° 336, o Tribunal de Primeira Instância recordou que, segundo o que concluiu,
a Comissão apreciou correctamente o período durante o qual a Monte infringiu o
artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.
A gravidade da infracção
- 54.
- O Tribunal de Primeira Instância observou, no n.° 346, que, segundo a
jurisprudência do Tribunal de Justiça, para apreciar a gravidade de uma infracção
com o objectivo de determinar o montante da multa, a Comissão deve tomar em
linha de conta, não apenas as circunstâncias particulares do caso em apreço, mas
também o contexto em que a infracção é cometida e velar pela natureza dissuasora
da sua acção, sobretudo em relação aos tipos de infracções particularmente
prejudiciais à concretização dos objectivos da Comunidade; é também desejável
que a Comissão tenha em consideração o facto de serem relativamente frequentes
as infracções de um determinado tipo, cuja ilegalidade foi demonstrada, por causa
do lucro que algumas empresas interessadas delas podem retirar, e, portanto, que
lhe era possível aumentar as multas com o objectivo de reforçar o seu efeito
dissuasor; o facto de a Comissão, no passado, ter aplicado multas de um certo nível
a determinados tipos de infracções não pode privá-la da possibilidade de as
aumentar, dentro dos limites do Regulamento n.° 17, se isso for necessário para
assegurar a aplicação de uma política comunitária da concorrência (acórdão de 7
de Junho de 1983, Musique Diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80,
Recueil, p. 1825).
- 55.
- À luz destas considerações, o Tribunal de Primeira Instância concluiu, no n.° 347,
que a Comissão teve razão ao qualificar como infracções particularmente graves
e patentes a fixação de objectivos de preços e de volumes de vendas, bem como
a adopção de medidas destinadas a facilitar a aplicação de objectivos de preços.
- 56.
- Nos n.os 351 a 355, o Tribunal sublinhou que, para determinar o montante da
multa, a Comissão tinha, por um lado, definido os critérios destinados a fixar o
nível geral das multas aplicadas às empresas destinatárias da decisão polipropileno
(n.° 108 da decisão), que justificam amplamente o nível geral das multas aplicadas,
e, por outro, definido os critérios destinados a ponderar equitativamente as multas
aplicadas a cada uma dessas empresas (n.° 109 da referida decisão). No que
respeita a esta última categoria de critérios, considerandos pertinentes e suficientes,
o Tribunal de Primeira Instância considerou que a Comissão tinha individualizado
suficientemente, no que respeita à Monte, a tomada em consideração dos critérios
relativos ao papel de cada empresa nos arranjos colusórios e ao lapso de tempo
durante o qual participou na infracção e não aplicou de modo equitativo os
critérios relativos aos fornecimentos respectivos dos diferentes produtores de
polipropileno na Comunidade e aos seus volumes de negócios totais.
- 57.
- Nos n.os 361 a 363, o Tribunal de Primeira Instância conclui que a Comissão
determinou correctamente o papel desempenhado pela Monte na infracção e que
tinha sido correctamente que a Comissão se baseara nesse papel para calcular a
multa. Além disso, de acordo com o Tribunal, os factos provados revelam, pela sua
gravidade intrínseca - nomeadamente a fixação de objectivos de preços e de
volumes de vendas - que a Monte não agiu por imprudência, nem mesmo por
negligência, mas sim deliberadamente. A este respeito, o Tribunal sublinhou que
as empresas implicadas detinham a quase totalidade do mercado em questão e que
era portanto manifesto que a infracção que em conjunto cometeram podia ter
restringido a concorrência.
- 58.
- O Tribunal de Primeira Instância observou, no n.° 369, que a Comissão tinha
distinguido dois tipos de efeitos: por um lado, as instruções de preços que os
produtores tinham dado aos seus serviços de vendas; por outro, a evolução dos
preços facturados aos diferentes clientes. Nos termos do n.° 370, o primeiro tipo
de efeitos foi provado de forma bastante pela Comissão, a partir de numerosas
instruções de preços, dadas pelos diferentes produtores. No que respeita ao
segundo tipo de efeitos, o Tribunal sublinhou, no n.° 371, que da decisão
polipropileno resultava que a Comissão tinha tomado em consideração, para
reduzir o montante das penas, o facto de as iniciativas de preços, em geral, não
terem atingido plenamente o seu objectivo e de não existir nenhuma medida de
coerção susceptível de assegurar o respeito das quotas ou de outros entendimentos.
Daqui o Tribunal de Primeira Instância concluiu, nos n.os 372 e 373, que a
Comissão tinha, correctamente, tomado inteiramente em consideração o primeiro
tipo de efeitos e tomado em consideração o carácter limitado do segundo tipo de
efeitos, numa medida tal que a Monte não conseguiu demonstrar que tinha sidoinsuficiente, que os fundamentos da decisão da Comissão justificavam o seu
dispositivo e que não havia nenhum indício que permitisse afirmar que a Comissão
tinha fundamentado a decisão polipropileno em efeitos mais vastos do que os
indicados na fundamentação da referida decisão, contrariamente ao que a Monte
pretendia. Não podia, por conseguinte, haver desvio de poder.
- 59.
- O Tribunal observou, no n.° 379, que a Comissão tomou em consideração o facto
de as empresas terem sofrido prejuízos substanciais na exploração do sector do
polipropileno durante um período muito longo e que, por essa razão, tinha tomado
igualmente em consideração as condições económicas desfavoráveis do sector com
vista a determinar o nível geral das multas. Acrescentou, no n.° 380, que o limite
máximo de 10% do volume de negócios inscrito no artigo 15.°, n.° 2, do
Regulamento n.° 17 se aplicava em todas as circunstâncias.
- 60.
- Nos n.os 385 e 386, o Tribunal de Primeira Instância recordou que os diferentes
factos invocados pela Monte, e que estavam relacionados, designadamente, com o
contexto político e social nacional, ou com os efeitos benéficos do acordo, não
eram susceptíveis de anular o carácter ilícito do seu comportamento, visto que a
participação num acordo não pode constituir um fundamento de legítima defesa.
Segundo o Tribunal de Primeira Instância, a Comissão tinha podido eventualmente
tomar em consideração esses factos como circunstância atenuante, no momento dafixação das multas, sem contudo ter obrigação de o fazer. A este respeito, e na
medida em que a recorrente apelou ao Tribunal de Primeira Instância para que
exercesse a sua competência de plena jurisdição, este recordou que os critérios
enumerados no n.° 108 da decisão polipropileno justificavam amplamente o nível
geral das multas, particularmente tendo em vista o carácter especialmente patente
da infracção cometida.
- 61.
- Em conclusão, no n.° 388, o Tribunal de Primeira Instância declarou que a multa
aplicada à Monte era adequada à duração e à gravidade da violação das regras de
concorrência verificada. De acordo com o Tribunal de Primeira Instância, como a
decisão da Comissão não estava ferida por qualquer ilegalidade, nem qualquer
erro, a responsabilidade da Comissão não podia ser questionada.
Quanto ao pedido de reabertura da fase oral do processo
- 62.
- Pronunciando-se sobre o pedido de reabertura da fase oral referido no n.° 389, o
Tribunal de Primeira Instância, após ter de novo ouvido o advogado-geral,
considerou, no n.° 390, que não havia motivo para determinar, nos termos do artigo
62.° do seu Regulamento de Processo, a reabertura da fase oral, nem para ordenar
as medidas de instrução solicitadas pela Monte.
- 63.
- No n.° 391, o Tribunal referiu:
«Há que salientar que o acórdão de 27 de Fevereiro de 1992, BASF e o./Comissão
(T-79/89, T-84/89 a T-86/89, T-89/89, T-91/89, T-92/89, T-94/89, T-96/89, T-98/89,T-102/89 e T-104/89, Colect., p. II-315) não justifica por si só a reabertura da fase
oral deste processo. Com efeito, o Tribunal verifica que um acto notificado e
publicado deve presumir-se válido. Por conseguinte, cabe a quem invoca o vício da
validade formal ou a inexistência de um acto fornecer ao Tribunal as razões para
ignorar a aparência de validade do acto formalmente notificado e publicado. No
caso sub judice, as recorrentes não apresentaram nenhum indício susceptível de
sugerir que o acto notificado e publicado não tinha sido adoptado colegialmente
pelos membros da Comissão. Em especial, contrariamente aos processos PVC
(acórdão de 27 de Fevereiro de 1992, já referido, T-79/89, T-84/89 a T-86/89,
T-89/89, T-91/89, T-92/89, T-94/89, T-96/89, T-98/89, T-102/89 e T-104/89, n.os 32
e seguintes), no litígio em apreço, as recorrentes não apresentaram nenhum indício
de que o princípio da inalterabilidade do acto adoptado tenha sido violado por uma
modificação do texto da decisão após a reunião do colégio dos comissários em que
esta foi adoptada.»
- 64.
- O Tribunal de Primeira Instância negou provimento ao recurso e condenou a
Monte nas despesas.
O pedido de revisão e o despacho do Tribunal de Primeira Instância
- 65.
- Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em
11 de Junho de 1992, a Monte requereu, nos termos dos artigos 41.° do Estatuto
CE do Tribunal de Justiça e 125.° do Regulamento de Processo do Tribunal de
Primeira Instância, a revisão do acórdão recorrido.
- 66.
- Por despacho de 4 de Novembro de 1992, Montecatini/Comissão (T-14/89 Rev.,
Colect., p. II-2409), o Tribunal julgou o pedido de revisão inadmissível.
O recurso do acórdão do Tribunal de Primeira Instância
- 67.
- Na petição de recurso, a Monte conclui pedindo que o Tribunal se digne:
- a título prévio, declarar o recurso admissível;
- a título principal, anular todo o acórdão recorrido e remeter os autos a
outra secção do Tribunal de Primeira Instância para nova apreciação da
matéria de facto, relativamente aos factos que não foram apreciados, e
aplicação dos princípios de direito exactos quando estes foram violados;
- a título subsidiário, anular parcialmente o acórdão recorrido, com remessa
idêntica à supra referida;
- de qualquer modo, condenar a Comissão nas despesas de ambas as
instâncias.
- 68.
- Por despacho do Tribunal de Justiça de 30 de Setembro de 1992, a sociedade DSM
NV (a seguir «DSM») foi admitida como interveniente em apoio dos pedidos da
Monte. A DSM conclui pedindo que o Tribunal se digne:
- anular o acórdão recorrido;
- declarar inexistente ou anular a decisão polipropileno;
- declarar inexistente ou anular a decisão polipropileno em relação a todos
os destinatários desta ou, se não, em relação à DSM, independentemente
da questão de saber se os destinatários desta decisão interpuseram recurso
do acórdão que lhes dizia respeito ou se o respectivo recurso contra o
acórdão do Tribunal de Primeira Instância foi rejeitado;
- a título subsidiário, remeter o processo ao Tribunal de Primeira Instância
para que este decida se a decisão polipropileno é inexistente ou deve ser
anulada;
- em qualquer dos casos, condenar a Comissão nas despesas, tanto do
processo no Tribunal de Justiça como do no Tribunal de Primeira Instância,
incluindo as despesas efectuadas pela DSM com a sua intervenção.
- 69.
- A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:
- julgar o recurso inteiramente improcedente;
- confirmar a improcedência do recurso interposto no Tribunal de Primeira
Instância;
- condenar a Monte nas despesas do processo correspondentes a ambas as
instâncias;
- julgar inadmissível a intervenção no seu todo;
- a título subsidiário, julgar inadmissíveis os pedidos da intervenção de que
o Tribunal de Justiça declare inexistente ou anule a decisão polipropileno
em relação a todos os destinatários da decisão ou, se não, em relação à
DSM, independentemente da questão de saber se os destinatários dessa
decisão recorreram do acórdão ou se o recurso do acórdão foi ou não
rejeitado, e rejeitar a intervenção quanto ao restante por improcedente;
- a título ainda mais subsidiário, julgar improcedente a intervenção;
- em qualquer caso, condenar a DSM nas despesas da intervenção.
- 70.
- Em apoio do seu recurso, a Monte invoca cinco fundamentos assentes em violação
do direito comunitário, na acepção do artigo 51.°, primeiro parágrafo, do Estatuto
CE do Tribunal de Justiça, decorrentes, em primeiro lugar, da omissão de verificar
oficiosamente a existência da decisão polipropileno; em segundo lugar, da violação
do artigo 85.° do Tratado; em terceiro, do apuramento dos factos; em quarto, da
violação das regras aplicáveis em matéria de prescrição e, em quinto e a título
subsidiário, da determinação do montante da multa.
- 71.
- A pedido da Comissão e na falta de objecções por parte da Monte o processo foi
suspenso, por decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 27 de Julho de 1992,
até 15 de Setembro de 1994, a fim de examinar as consequências a tirar do
acórdão de 15 de Junho de 1994, Comissão/BASF e o. (C-137/92 P, Colect.,
p. I-2555, a seguir «acórdão PVC do Tribunal de Justiça»), proferido sobre o
recurso contra o acórdão PVC do Tribunal de Primeira Instância.
Quanto à admissibilidade da intervenção
- 72.
- A Comissão considera que o pedido de intervenção da DSM deve ser julgado
inadmissível. Com efeito, a DSM teria invocado que, como interveniente, tinha
interesse em obter a anulação do acórdão recorrido em relação à Monte. Segundo
a Comissão, a anulação não pode aproveitar a todos os destinatários individuais de
uma decisão, mas apenas aos que recorreram apresentando esse pedido; esta seria
precisamente uma das diferenças entre a anulação de um acto e a sua inexistência.
Negar esta distinção equivaleria a negar qualquer força vinculativa aos prazos de
interposição de recursos de anulação. A DSM não poderia, portanto, beneficiar de
uma eventual anulação, visto que se absteve de impugnar no Tribunal de Justiça
o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Dezembro de 1991,
DSM/Comissão (T-8/89, Colect., p. II-833), que lhe dizia respeito. Com a sua
intervenção, a DSM procuraria apenas escapar a um prazo de caducidade.
- 73.
- O despacho de 30 de Setembro de 1992, já referido, que autorizou a intervenção
da DSM, teria sido proferido numa altura em que o Tribunal de Justiça ainda não
se tinha pronunciado sobre a questão da anulação ou da inexistência no acórdão
PVC. Segundo a Comissão, depois deste acórdão, os vícios invocados, admitindo
que tenham fundamento, só podem levar à anulação da decisão polipropileno e
não à declaração da sua inexistência. Nestas condições, a DSM teria deixado de ter
interesse na intervenção.
- 74.
- Por outro lado, a Comissão contesta, em especial, a admissibilidade do pedido da
DSM de que o acórdão do Tribunal de Justiça declare inexistente ou anule a
decisão polipropileno em relação a todos os seus destinatários ou, se não, em
relação à DSM, independentemente da questão de saber se estes recorreram do
acórdão que lhes dizia respeito ou se os respectivos recursos foram rejeitados. Este
pedido seria inadmissível, visto que a DSM estaria a procurar introduzir uma
questão que só a ela diz respeito, quando, como interveniente, só pode aceitar oprocesso no estado em que se encontra. Nos termos do artigo 37.°, quarto
parágrafo, do Estatuto CE do Tribunal de Justiça, um interveniente só pode apoiar
os pedidos de uma parte, sem apresentar os seus próprios. Este pedido da DSM
confirmaria que a DSM pretende utilizar a intervenção para se eximir ao termo do
prazo para recorrer do acórdão do Tribunal de Primeira Instância DSM/Comissão,
já referido, que lhe dizia respeito.
- 75.
- Quanto à inadmissibilidade arguida contra a intervenção no seu todo, deve
salientar-se, liminarmente, que o despacho de 30 de Setembro de 1992, pelo qual
o Tribunal de Justiça admitiu a intervenção da DSM em apoio dos pedidos da
Monte, não obsta a que se proceda a uma nova apreciação da admissibilidade da
intervenção (v., neste sentido, o acórdão de 29 de Outubro de 1980, Roquette
Frères/Conselho, 138/79, Recueil, p. 3333).
- 76.
- Neste contexto, há que recordar que, nos termos do artigo 37.°, segundo parágrafo,
do Estatuto CE do Tribunal de Justiça, o direito de intervir numa causa submetida
ao Tribunal é reconhecido a qualquer pessoa que demonstre interesse na solução
da causa. Nos termos do quarto parágrafo deste artigo, as conclusões do pedido de
intervenção só podem ter como objecto o apoio das conclusões de uma das partes.
- 77.
- Ora, os pedidos da Monte no presente recurso destinam-se, designadamente, a
obter a anulação do acórdão recorrido, pelo facto de o Tribunal não ter declarado
a inexistência da decisão polipropileno. Resulta do n.° 49 do acórdão PVC do
Tribunal de Justiça que, por excepção à presunção de legalidade de que beneficiam
os actos das instituições, os actos inquinados por uma irregularidade cuja gravidade
seja tão evidente que não pode ser tolerada pela ordem jurídica comunitária devem
ser considerados insusceptíveis de produzir qualquer efeito jurídico, ainda que
provisório, ou seja, devem ser considerados juridicamente inexistentes.
- 78.
- Ao contrário do que foi sustentado pela Comissão, o interesse da DSM não
desapareceu na sequência do acórdão pelo qual o Tribunal de Justiça anulou o
acórdão PVC do Tribunal de Primeira Instância e considerou que os vícios
verificados por este não eram susceptíveis de levar à inexistência da decisão que
era impugnada nos processos PVC. Com efeito, o acórdão PVC do Tribunal de
Justiça não dizia respeito à inexistência da decisão polipropileno e não fez,
portanto, desaparecer o interesse da DSM na declaração dessa inexistência.
- 79.
- Quanto à inadmissibilidade alegada pela Comissão contra os pedidos da DSM de
que o Tribunal de Justiça declare inexistente ou anule a decisão polipropileno emrelação a todos os seus destinatários ou, se não, em relação à DSM, deve
declarar-se que estes pedidos dizem especificamente respeito à DSM e não são
coincidentes com os pedidos da Monte. Não satisfazem, portanto, os requisitos
exigidos pelo artigo 37.°, quarto parágrafo, do Estatuto CE do Tribunal de Justiça,
de modo que devem ser declarados inadmissíveis.
Quanto aos fundamentos invocados em apoio do recurso
- 80.
- Como fundamento do recurso, a Monte alega em primeiro lugar, referindo-se aos
n.os 389 a 391 do acórdão recorrido, que, na medida em que não controlou a
existência da decisão polipropileno, o Tribunal de Primeira Instância violou os
princípios que regem o ónus da prova e não cumpriu a sua obrigação de proceder,
oficiosamente, às investigações necessárias. Em segundo lugar, referindo-se aos
n.os 57 a 202 e 203 a 315 do acórdão recorrido, a Monte alega que, aquando do
apuramento dos factos submetidos à sua apreciação e do controlo da aplicação do
artigo 85.°, n.° 1, do Tratado a esses factos, o Tribunal de Primeira Instância violou
o referido artigo 85.° Em terceiro lugar, tendo ainda em atenção os n.os 57 a 202
já referidos, a recorrente alega que, aquando do apuramento dos factos submetidos
à sua apreciação, o Tribunal de Primeira Instância violou os princípios aplicáveis
em matéria de prova e de apreciação da responsabilidade individual dos
participantes na infracção. Em quarto lugar, referindo-se aos n.os 236 e 237, bem
como 328 a 337 do acórdão recorrido, a Monte alega que o Tribunal de Primeira
Instância violou as regras aplicáveis em sede de prescrição. Em quinto lugar e a
título subsidiário, a Monte alega que, ao recusar-se a reduzir a multa que lhe fora
aplicada, o Tribunal de Primeira Instância violou as regras aplicáveis à
determinação do montante da multa.
Quanto ao não reconhecimento da inexistência da decisão polipropileno ou à sua
anulação por violação de formalidades essenciais
- 81.
- Através do seu primeiro fundamento, a Monte acusa o Tribunal de Primeira
Instância de ter violado os princípios que regem o ónus da prova, bem como o
princípio segundo o qual o juiz devia verificar oficiosamente a existência do acto
impugnado e recusar qualquer acto ilegal. A Monte sublinha que, na sequência do
processo PVC que correu os seus termos no Tribunal de Primeira Instância e das
declarações do porta-voz da Comissão, reproduzidas na imprensa, se tornou claro
que, no momento da assinatura e, portanto, da adopção da decisão polipropileno,
alguns textos não existiam materialmente e que, entre os textos prontos no
momento da assinatura e os notificados, existiam diferenças por vezes importantes,
devido às intervenções dos serviços da Comissão após a adopção do acto. Esses
procedimentos eram tanto mais graves quanto se tratava, aqui, de uma decisão que
aplicava uma multa.
- 82.
- Além disso, no caso em apreço, a Monte tinha todas as razões para crer que a
decisão polipropileno, na versão italiana, não tinha sido adoptada em 26 de Abril
de 1986. Esse vício acarretava a inexistência da referida decisão e o Tribunal de
Primeira Instância devia ter controlado esse elemento oficiosamente, em
conformidade com um princípio existente nas ordens jurídicas dos
Estados-Membros. As formas mais graves de nulidade eram equiparadas à
inexistência, produzindo por isso efeitos ex tunc e sendo imprescritíveis.
- 83.
- A Monte sustenta que a própria Comissão tinha reconhecido a identidade dos dois
casos PVC e polipropileno quando solicitou que o presente processo fosse suspensoaté à prolação do acórdão PVC pelo Tribunal de Justiça. Quando a Comissão
afirma que os vícios que, em conformidade com os princípios enunciados nesse
acórdão, acarretam a nulidade e não a inexistência da decisão deviam ter sido
invocados aquando da interposição do recurso em primeira instância, esquece que,
no acórdão PVC, o Tribunal de Justiça anulou a decisão da Comissão sem que esse
vício tivesse sido especificamente invocado. Ora, mesmo que se tratasse de um caso
de inexistência e não de nulidade, o Tribunal de Justiça, no seu acórdão PVC,
considerara que isso em nada alterava o seu poder de proceder à anulação da
decisão impugnada.
- 84.
- A inexistência não constituía uma categoria independente dos vícios do acto
administrativo, mas apenas uma espécie específica dentro da categoria da nulidade.
Os actos que padecem de vícios graves só eram considerados inexistentes dentro
de limites muito restritos e em casos extremos (v. conclusões do advogado-geral
Trabucchi no processo Kortner e o./Conselho e o., 15/73 a 33/73, 52/73, 53/73,
57/73 a 109/73, 116/73, 117/73, 123/73, 132/73 e 135/73 a 137/73, acórdão de 21 de
Fevereiro de 1974, Recueil, p. 177, Colect., p. 111). No caso em apreço, não havia
que invocar a verificação oficiosa do vício de nulidade, pois esse vício fora invocado
no recurso, embora sob a designação de inexistência.
- 85.
- No caso em apreço, tal como nos processos PVC, existiam sérios indícios de que
o texto da decisão em língua italiana tinha sido redigido após a adopção da decisão
e que a decisão fora objecto de modificações antes de a Monte ter sido notificada.
Assim, o Tribunal de Primeira Instância deveria, como hoje o Tribunal de Justiça,
ter solicitado à Comissão a apresentação do texto original da sua decisão.
- 86.
- A DSM explica que novos desenvolvimentos tiveram lugar noutros processos
julgados pelo Tribunal. Esses elementos confirmam que cabe à Comissão fazer
prova de que respeitou as regras processuais essenciais que ela própria se fixou e
que, para clarificar este aspecto, o Tribunal deve, oficiosamente ou a requerimento
da parte, ordenar medidas de instrução para verificar as provas documentais
pertinentes. Nos processos que deram lugar aos acórdãos de 29 de Junho de 1995,
Solvay/Comissão (T-30/91, Colect., p. II-1775) e ICI/Comissão (T-36/91, Colect.,
p. II-1847), (a seguir «processos carbonato de sódio») a Comissão teria alegado
que o complemento da réplica apresentado pela ICI nestes processos depois do
acórdão PVC do Tribunal de Primeira Instância não continha qualquer prova da
violação, pela Comissão, do seu próprio regulamento interno e que o pedido de
medidas de instrução apresentado pela ICI constituía um novo fundamento. O que
não impediu o Tribunal de interrogar a ICI e a Comissão sobre as consequências
a tirar do acórdão PVC do Tribunal de Justiça e de perguntar à Comissão se,
tendo em conta o n.° 32 do acórdão PVC do Tribunal de Justiça, podia apresentar
os extractos da acta e os textos autenticados das decisões contestadas. No
prosseguimento do processo, a Comissão teria acabado por admitir que os
documentos apresentados como autenticados só o tinham sido depois de o Tribunal
ter pedido a apresentação desses documentos.
- 87.
- Segundo a DSM, nos processos ditos do «politileno de baixa densidade» (acórdão
de 6 de Abril de 1995, BASF e o./Comissão, T-80/89, T-81/89, T-83/89, T-87/89,
T-88/89, T-90/89, T-93/89, T-95/89, T-97/89, T-99/89, T-100/89, T-101/89, T-103/89,
T-105/89, T-107/89 e T-112/89, Colect., p. II-729, a seguir «processos PEBD»), o
Tribunal também teria ordenado à Comissão que apresentasse uma versão
autenticada da decisão contestada. A Comissão teria admitido que nenhuma
autenticação tinha tido lugar na reunião em que foi adoptada essa decisão pelo
colégio dos comissários. A DSM sublinha, em consequência, que o processo de
autenticação dos actos da Comissão deve ter sido iniciado após o mês de Março
de 1992. De onde decorreria que o mesmo vício decorrente da falta de
autenticação deve afectar a decisão polipropileno.
- 88.
- A DSM acrescenta que o Tribunal desenvolveu uma argumentação semelhante à
dos acórdãos polipropileno nos acórdãos de 27 de Outubro de 1994, Fiatagri e New
Holland Ford/Comissão (T-34/92, Colect., p. II-905, n.os 24 a 27), e Deere/Comissão
(T-35/92, Colect., p. II-957, n.os 28 a 31), ao rejeitar os fundamentos dos recorrentes
pelo facto de não terem apresentado qualquer indício susceptível de pôr em causa
a presunção de validade da decisão que contestavam. No acórdão de 7 de Julho
de 1994, Dunlop Slazenger/Comissão (T-43/92, Colect. p. II-441), o Tribunal não
teria acolhido a argumentação da recorrente pelo facto de a decisão ter sido
adoptada e notificada em conformidade com o regulamento interno da Comissão.
O Tribunal não teria rejeitado em nenhum destes processos a argumentação das
recorrentes a respeito de irregularidades na adopção do acto impugnado pelo facto
de não terem sido respeitadas regras processuais.
- 89.
- As únicas excepções seriam as dos despachos de 26 de Março de 1992,
BASF/Comissão (T-4/89 REV, Colect., p. II-1591), e de 4 de Novembro de 1992,
DSM/Comissão (T-8/89 REV, Colect., p. II-2399); no entanto, mesmo nestes
processos, os recorrentes não teriam invocado o acórdão PVC do Tribunal de
Primeira Instância como um facto novo, mas outros factos. No acórdão de 15 de
Dezembro de 1994, Bayer/Comissão (C-195/91 P, Colect., p. I-5619), o Tribunal de
Justiça teria rejeitado o argumento baseado em violação pela Comissão do seu
próprio regulamento processual, por não ter sido validamente apresentado no
Tribunal de Primeira Instância. Em contrapartida, no processo polipropileno, o
mesmo fundamento teria sido apresentado no Tribunal e teria sido rejeitado pelo
facto de não haver indícios suficientes.
- 90.
- A DSM considera que a defesa da Comissão no presente processo se baseia em
argumentos processuais impertinentes, tendo em conta o teor do acórdão recorrido
que, no essencial, diz respeito à questão do ónus da prova. Segundo a DSM, se nos
acórdãos polipropileno a Comissão não fizer ela própria prova da legalidade do
processo seguido, tal será porque não pode provar que respeitou o seu próprio
regulamento interno.
- 91.
- A Comissão sustenta que, na sequência do acórdão PVC do Tribunal de Justiça,
a crítica formulada pela Monte foi ultrapassada pelos acontecimentos. Mesmo que
se tivesse de aceitar que a inexistência deve ser oficiosamente reconhecida, do
referido acórdão resultava que a Monte só podia invocar os alegados vícios
processuais para solicitar a anulação da decisão polipropileno. Ora, os fundamentos
de anulação deviam ser invocados na petição, o que não fora feito.
- 92.
- A Comissão sublinha que, mesmo que se devesse considerar que o pedido de
reconhecimento da inexistência inclui o de declaração de nulidade, a crítica
desenvolvida pela Monte no seu recurso, segundo a qual o Tribunal de Primeira
Instância devia actuar oficiosamente, tem a ver com o caso da inexistência e não
com o da nulidade. Acrescenta que, nos processos polipropileno, os autos não
revelaram a existência de elementos de facto análogos aos surgidos durante os
processos PVC.
- 93.
- Quanto aos argumentos da DSM, a Comissão refere que padecem de um vício
insuperável, visto que não têm em conta as diferenças entre os acórdãos PVC e o
presente processo e assentam numa compreensão deficiente do acórdão PVC do
Tribunal de Justiça.
- 94.
- A Comissão mantém, por outro lado, que, nos processos carbonato de sódio, as
recorrentes não tinham apresentado elementos suficientes para justificar o pedido
de documentos que o Tribunal de Primeira Instância dirigiu à Comissão. De
qualquer modo, tanto nestes processos como nos processos PEBD, igualmente
invocados pela DSM, o Tribunal ter-se-ia pronunciado em relação às circunstâncias
específicas do caso que lhe tinha sido submetido. No processo polipropileno, as
alegadas imperfeições da decisão polipropileno podiam ter sido assinaladas desde
1986, mas ninguém o fez.
- 95.
- Se o Tribunal, nos acórdãos Fiatagri e New Holland Ford/Comissão e
Deere/Comissão, já referidos, rejeitou as alegações das recorrentes atempadamente
formuladas pelo facto de não terem sido seguidas da prova correspondente, a
mesma solução se imporia a fortiori no presente processo, no qual os argumentos
respeitantes às irregularidades formais da decisão polipropileno só foram avançados
tardiamente e sem provas.
- 96.
- Relativamente, em primeiro lugar, às condições que podem acarretar a inexistênciade um acto, importa recordar que, como nomeadamente resulta dos n.os 48 a 50 do
acórdão PVC do Tribunal de Justiça, os actos das instituições comunitárias gozam,
em princípio, da presunção de legalidade, produzindo assim efeitos jurídicos, ainda
que viciados de irregularidades, enquanto não forem anulados ou revogados
- 97.
- Porém, por derrogação a este princípio, os actos inquinados por irregularidade cuja
gravidade seja tão evidente que não pode ser tolerada pela ordem jurídica
comunitária devem ser considerados insusceptíveis de produzir qualquer efeito
jurídico, ainda que provisório, ou seja, devem ser considerados juridicamenteinexistentes. Esta excepção destina-se a manter o equilíbrio entre duas exigências
fundamentais, mas por vezes antagónicas, que qualquer ordem jurídica deve
satisfazer: a estabilidade das relações jurídicas e o respeito da legalidade.
- 98.
- A gravidade das consequências associadas à declaração de inexistência de um acto
das instituições comunitárias determina, por razões de segurança jurídica, que tal
declaração seja reservada a hipóteses extremas.
- 99.
- Ora, como acontecia nos processos PVC, considerados cada um de per si ou no seu
conjunto, as alegadas irregularidades invocadas pela Monte a respeito do processo
de aprovação da decisão polipropileno não parecem ser de uma gravidade de tal
modo evidente que leve a considerar a decisão juridicamente inexistente.
- 100.
- Em consequência, relativamente às condições susceptíveis acarretar a inexistência
de um acto, o Tribunal de Primeira Instância não infringiu o direito comunitário.
- 101.
- Em segundo lugar, relativamente à recusa, pelo Tribunal de Primeira Instância, de
declarar que, no que toca à adopção e à notificação da decisão polipropileno,
existiam vícios susceptíveis de implicar a sua anulação, basta observar que esse
fundamento foi apresentado pela primeira vez no pedido de reabertura da fase oral
do processo e de medidas de organização do processo e de instrução. Por
conseguinte, a questão de saber se o Tribunal de Primeira Instância era obrigado
a examiná-la confunde-se com a de saber se esse órgão jurisdicional devia dar
provimento ao referido pedido, questão que foi objecto do fundamento relativo às
irregularidades processuais.
- 102.
- A este respeito, e na medida em que esse pedido é relativo às medidas de
instrução, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça (v., designadamente, os
acórdãos de 16 de Junho de 1971, Prelle/Comissão, 77/70, Recueil, p. 361, n.° 7,
Colect., p. 219, e de 15 de Dezembro de 1995, Bosman, C-415/93, Colect.,
p. I-4921, n.° 53) que, quando esse pedido é apresentado após o encerramento da
fase oral, só pode ser acolhido se se fundar em factos susceptíveis de exercer
influência decisiva quanto à solução do litígio e que o interessado não tenha podido
invocar antes do encerramento da fase oral.
- 103.
- A mesma solução se impõe relativamente ao pedido de reabertura da fase oral. É
verdade que, nos termos do artigo 62.° do Regulamento de Processo do Tribunal
de Primeira Instância, este órgão jurisdicional dispõe, neste domínio, de um poder
discricionário. Porém, o Tribunal só está obrigado a acolher esse pedido se a parte
interessada se basear em factos susceptíveis de exercer uma influência decisiva que
não tivesse podido invocar antes do termo da fase oral do processo.
- 104.
- No caso ora em apreço, o pedido de reabertura da fase oral e de medidas de
instrução apresentado no Tribunal de Primeira Instância baseava-se em declaraçõesfeitas numa conferência de imprensa que teve lugar após a prolação do acórdão
PVC do Tribunal de Primeira Instância.
- 105.
- Deve declarar-se, a este propósito, por um lado, que indicações de carácter geral
a respeito de uma prática presumida da Comissão em sede de regime linguístico
ou de modificações introduzidas a posteriori e resultantes de um acórdão proferido
noutros processos ou de declarações feitas em relação com outros processos não
podiam ser consideradas, como tal, decisivas para a solução do litígio no Tribunal
de Primeira Instância.
- 106.
- Por outro lado, deve salientar-se que a recorrente podia ter apresentado no
Tribunal de Primeira Instância, logo na petição de recurso, pelo menos um mínimo
de elementos que demonstrassem a utilidade das medidas de organização do
processo ou de instrução para o bom andamento do processo, a fim de provar que
a decisão polipropileno tinha sido adoptada com violação do regime linguístico
aplicável ou alterada após a sua aprovação pelo colégio dos comissários, ou ainda
que faltavam os originais, como o fizeram alguns dos recorrentes nos processos
PVC (v., neste sentido, acórdão de 17 de Dezembro de 1998,
Baustahlgewebe/Comissão, C-185/95 P, Colect., p. I-8417, n.os 93 e 94).
- 107.
- Deve acrescentar-se que o Tribunal não estava obrigado a ordenar a reabertura da
fase oral do processo devido a uma pretensa obrigação de averiguar oficiosamente
a procedência de fundamentos respeitantes à regularidade do processo de
aprovação da decisão polipropileno. Com efeito, esta obrigação de averiguação
oficiosa de fundamentos de ordem pública só poderia surgir de elementos de facto
trazidos aos autos.
- 108.
- Deve, assim, concluir-se que o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum
erro de direito ao recusar reabrir a fase oral do processo e ordenar medidas de
organização do processo e de instrução.
- 109.
- Em terceiro e último lugar, porquanto a recorrente solicita ao Tribunal de Justiça
que ordene medidas de instrução com vista a determinar as condições em que a
Comissão aprovou a decisão polipropileno, basta referir que essas medidas não
integram o âmbito de um recurso de uma decisão de primeira instância, que está
limitado às questões de direito.
- 110.
- Com efeito, por um lado, medidas de instrução levariam o Tribunal de Justiça a
pronunciar-se necessariamente sobre questões de facto e alterariam o objecto do
litígio submetido ao Tribunal de Primeira Instância, em violação do disposto no
artigo 113.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.
- 111.
- Por outro lado, o presente recurso diz apenas respeito ao acórdão recorrido e só
no caso de este ser anulado é que, nos termos do disposto no artigo 54.°, primeiro
parágrafo, do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, é que este poderia decidir ele
próprio sobre o litígio. De onde resulta que, enquanto o acórdão recorrido não éanulado, o Tribunal de Justiça não pode conhecer de eventuais vícios da decisão
polipropileno.
- 112.
- Do que precede resulta que o primeiro fundamento não pode ser acolhido.
Quanto à violação do artigo 85.° do Tratado
- 113.
- Através do seu segundo fundamento, a Monte acusa o Tribunal de Primeira
Instância de ter violado o artigo 85.° do Tratado, tanto por referência à sua letra
como na interpretação que dele fizeram a Comissão e o Tribunal de Justiça.
As distorções de concorrência
- 114.
- Através da primeira vertente deste fundamento, a Monte alega que o Tribunal de
Primeira Instância não tomou em consideração as distorções de concorrência
provocadas por elementos estranhos às empresas, designadamente o contexto
económico. A Monte alegou, desde que interpôs o recurso em primeira instância,
que, nos finais dos anos 70, o mercado se caracterizava por uma situação de
excesso de capacidade, agravado pela triplicação do preço do petróleo pelo cartel
da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (a seguir «OPEP»), a quem
a Comissão nunca se tentou opor. As graves distorções do mercado do
polipropileno eram devidas não às reuniões dos produtores, mas aos preços
impostos pela OPEP e tinham a sua origem, portanto, em elementos estranhos à
conduta das empresas. A Monte remete, a este propósito, para o acórdão Suiker
Unie e o./Comissão, já referido, e para as conclusões que o advogado-geral Mayras
apresentou nesse processo.
- 115.
- Contrariamente ao que a Comissão pretendia, o princípio enunciado no acórdão
Suiker Unie e o./Comissão, já referido, não foi ultrapassado pela jurisprudência
posterior, designadamente pelos acórdãos Van Landewijk e o./Comissão, já
referido, ou de 10 de Setembro de 1985, Stichting Sigarettenindustrie e o./Comissão
(240/82 a 242/82, 261/82, 262/82, 268/82 e 269/82, Recueil, p. 3831).
- 116.
- Face à sua obrigação de atender ao contexto económico, o Tribunal de Primeira
Instância limitou a tomada em consideração desse contexto à circunstância, referida
no n.° 257 do acórdão recorrido, de todos os fabricantes produzirem com prejuízo,
desprezando as razões, a importância e a duração desse período negativo, devido
aos supra referidos factores. Por outro lado, o Tribunal de Primeira Instância nunca
tomou em consideração a existência de instruções formais dadas pelo Governo
italiano no sentido de manter os contactos entre as empresas italianas e entre estas
e as multinacionais, nem superioridade contratual dos utilizadores de polipropileno,
nem a obrigação jurídica e moral de diminuir os prejuízos que incumbia às
empresas em causa.
- 117.
- Perante este conjunto de circunstâncias, em que cada uma podia servir de base a
uma interpretação completamente diferente da conduta da Monte, o Tribunal de
Primeira Instância tinha-se contentado em indicar, no n.° 264, que a Comissão tinha
feito prova suficiente de que os acordos e as práticas concertadas verificadas
tinham um objectivo anti-concorrencial. Ora, a Monte alega que nunca se apurou
a existência de um qualquer acordo ou prática concertada, pois a Comissão só
conseguiu provar a existência de reuniões. Assim, foi com total desprezo por todos
os elementos de facto que o Tribunal de Primeira Instância pôde confirmar a
apreciação dos factos alegados pela Comissão. Ao fazê-lo, violou o princípio
reafirmado pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 2 de Março de 1994,
Hilti/Comissão (C-53/92, Colect., p. I-667), segundo o qual, quando a argumentação
da Comissão se baseia numa suposição, basta ao recorrente que nega a existência
da violação demonstrar a existência de outras circunstâncias susceptíveis de
apresentar os factos observados pela Comissão sob outro prisma e que permitam
assim substituir a explicação que a Comissão deu desses factos por outra.
- 118.
- A Comissão retorque que nenhum diploma ou princípio geral autoriza as empresas
a violar o artigo 85.° do Tratado em reacção à actividade anti-concorrencial de
terceiros. De acordo com o acórdão Suiker Unie e o./Comissão, já referido, a
Comissão devia ter tomado em consideração os efeitos da regulamentação de um
Estado-Membro, enquanto a actividade da OPEP não era objecto de uma tal
regulamentação. O referido acórdão estava, aliás, ultrapassado sob este aspecto
pelos acórdãos Van Landewijk e o./Comissão e Stichting Sigarettenindustrie e
o./Comissão, já referidos, nos quais o Tribunal de Justiça tinha analisado se a
regulamentação nacional excluía, na prática, toda a possibilidade de concorrência.
Ora, o aumento do preço do petróleo não afastou, por si só, a concorrência entre
os produtores de polipropileno, que, no entanto, sofreu uma contracção em virtude
dos acordos constatados pela Comissão e pelo Tribunal de Primeira Instância. De
qualquer modo, os convites da administração italiana e a dificuldade de, na prática,
atingir os objectivos de preços prosseguidos pelo acordo não podiam desculpar a
violação do artigo 85.° do Tratado.
- 119.
- Em primeiro lugar, deve recordar-se que, nos termos dos artigos 168.°-A doTratado CE (actual artigo 225.° CE) e 51.°, primeiro parágrafo, do Estatuto CE do
Tribunal de Justiça, um recurso de um acórdão do Tribunal de Primeira Instância
só pode basear-se em fundamentos relativos à violação das normas de direito, com
exclusão de qualquer apreciação dos factos. A apreciação, pelo Tribunal de
Primeira Instância, dos elementos de prova que lhe foram apresentados não
constitui, excepto em caso de deformação desses elementos, uma questão de direito
sujeita, como tal, ao controlo do Tribunal de Justiça (v., designadamente, o acórdão
de 2 de Março de 1994, Hilti/Comissão, já referido, n.os 10 e 42).
- 120.
- De onde resulta que, na medida em que visa a apreciação que o Tribunal de
Primeira Instância fez dos elementos de prova que lhe foram submetidos, este
fundamento não pode ser examinado no quadro de um recurso de uma decisão do
Tribunal de Primeira Instância.
- 121.
- Em segundo lugar, na medida em que a Monte acusa o Tribunal de Primeira
Instância de não ter atendido ao contexto económico para apreciar os efeitos da
infracção, importa sublinhar que o Tribunal de Primeira Instância, tendo
considerado que a Comissão tinha feito prova suficiente de que os acordos e as
práticas concertadas observadas tinham uma finalidade anti-concorrencial, pôde
considerar, com razão, que não era necessário examinar se esses acordos e essas
práticas tinham tido efeitos a nível das condições de concorrência.
- 122.
- Com efeito, de uma jurisprudência constante resulta que, para efeitos da aplicação
do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, a tomada em consideração dos efeitos concretos
de um acordo é supérflua, desde que seja evidente que tem por objecto restringir,
impedir ou falsear a concorrência (acórdão de 13 de Julho de 1966, Consten e
Grundig/Comissão, 55/64 e 58/64, Colect. 1965-1968, p. 423, p. 434; v., igualmente,
neste sentido, acórdãos de 11 de Janeiro de 1990, Sandoz prodotti
farmaceutici/Comissão, C-277/87, Colect., p. I-45, e de 17 de Julho de 1997,
Ferriere Nord/Comissão, C-219/95 P, Colect., p. I-4411, n.os 14 e 15).
- 123.
- Do mesmo modo, uma prática concertada integra o âmbito do artigo 85.°, n.° 1, do
Tratado, mesmo que não existam efeitos anti-concorrenciais no mercado.
- 124.
- Antes de mais, da própria letra da referida disposição resulta que, como no caso
dos acordos entre empresas e das decisões de associações de empresas, as práticas
concertadas são proibidas, independentemente dos seus efeitos, quando tenham um
objecto anti-concorrencial.
- 125.
- Em seguida, embora a própria noção de prática concertada pressuponha um
comportamento no mercado das empresas que nela participam, não implica
necessariamente que esse comportamento tenha por efeito concreto restringir,
impedir ou falsear a concorrência.
- 126.
- Por último, a interpretação acolhida não é incompatível com a natureza restritiva
da proibição instituída no artigo 85.°, n.° 1, do Tratado (v. acórdão de 29 de
Fevereiro de 1968, Parke Davis, 24/67, Colect., p. 759, p. 762), pois, longe de
alargar o seu âmbito de aplicação, corresponde à acepção literal dos termos
utilizados na referida disposição.
- 127.
- Em terceiro lugar, na medida em que a crítica formulada pela Monte se destina a
demonstrar que, em razão de circunstâncias externas à conduta das empresas
implicadas, os acordos e as práticas concertadas que são objecto da decisão
polipropileno não podiam ter qualquer objectivo anti-concorrencial, cabe sublinhar
que as alegações da Monte, admitindo que sejam fundadas, não são susceptíveis
de provar que o contexto económico excluía qualquer possibilidade de concorrência
eficaz (v., neste sentido, os já referidos acórdão Van Landewijk e o./Comissão,
n.° 153, e Stichting Sigarettenindustrie e o./Comissão, n.os 24 a 29).
- 128.
- Em quarto lugar, na medida em que a Monte acusa o Tribunal de Primeira
Instância de ter desprezado os convites que lhe foram feitos pelo Governo italiano,
sem que seja necessário verificar se uma pressão irresistível exercida pelas
autoridades de um Estado-Membro é susceptível de afastar a responsabilidade uma
empresa em matéria de violação do direito comunitário da concorrência, basta
sublinhar que a Monte nem sequer pretendeu ter sofrido tal pressão e, portanto,
ter sido obrigada a participar num acordo com os outros produtores de
polipropileno. Assim, este argumento não é susceptível de excluir a
responsabilidade da Monte pelas violações ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, que se
verificaram.
- 129.
- Segue-se que a primeira vertente deste fundamento não pode ser acolhida.
A «rule of reason»
- 130.
- Através da segunda vertente desse fundamento, a Monte alega que, no n.° 265 do
acórdão recorrido, foi erradamente que o Tribunal de Primeira Instância não
aplicou o princípio da «rule of reason» em virtude apenas de a infracção ser
manifesta. A doutrina e o Parlamento Europeu criticaram a atitude da Comissão
que consistia em considerar a protecção da concorrência em termos puramente
formais, sem tentar determinar o espírito que inspirou as disposições comunitárias.
A este respeito, o Tribunal de Justiça sempre tinha sustentado não poder ser posta
em prática qualquer protecção da concorrência se se abstrair do contexto
económico e regulamentar, bem como dos efeitos das alegadas infracções.
- 131.
- Segundo a Monte, a Comissão sustentava que o princípio da «rule of reason» era
próprio da ordem jurídica dos Estados Unidos da América e parecia limitar esse
princípio à obrigação que incumbe ao juiz de efectuar uma análise com vista a
determinar se, eventualmente, as vantagens dadas à concorrência não são
superiores aos prejuízos. Segundo a Monte, por um lado, não se percebe por que
é que, para aplicar a lei de uma forma racional e não insensata, era necessário
recorrer a um princípio de direito norte-americano. Por outro, importava antes de
mais determinar a ratio legis da norma a aplicar e, em seguida, determinar se os
comportamentos são contrários, ou não, a essa regra. Para o efeito, era
indispensável apreciar o contexto em que os referidos comportamentos foram
adoptados. No caso em apreço, admitindo que as reuniões tenham tido objectivos
anti-concorrenciais, longe de constituir um elemento de facto apurado, isso seria
destituído de qualquer racionalidade e verosimilhança. Nem sequer era possível
fazer um balanço entre os prejuízos causados e os benefícios para a concorrência,
pois não se podia considerar que uma proposta de preço mais próxima do custo
de produção era um acto que punha em causa a concorrência, pois o adquirente
está em condições de recusar essa proposta, ameaçando escolher outros
fornecedores.
- 132.
- A Comissão recorda que, ao argumento da Monte, segundo o qual, para interpretar
o artigo 85.°do Tratado, havia que aplicar a «rule of reason», o Tribunal dePrimeira Instância respondeu que a Comissão tinha feito prova bastante de que o
acordo tinha um objectivo anti-concorrencial, na acepção dessa disposição.
Correctamente, o Tribunal de Primeira Instância tinha acrescentado que, admitindo
que esse princípio fosse aplicável no quadro do direito comunitário da
concorrência, a Comissão podia dispensar-se de analisar o seu efeito sobre a
concorrência, pois não existiam dúvidas de que um acordo sobre a fixação dos
preços, sobre a limitação da produção e sobre a repartição dos mercados constitui
por si só uma infracção. Dito de outra forma, em virtude da natureza
extremamente grave, para a concorrência, dessa infracção, não havia que ponderar
se existem circunstâncias positivas que servem de contrapeso aos efeitos negativos.
De qualquer modo, a Comissão sublinha que, tanto na Europa como nos Estados
Unidos, os acordos horizontais sobre preços são proibidos, mesmo quando as
empresas produzem com prejuízo. Nesses casos, os acordos travavam a necessária
reestruturação da oferta através do desaparecimento das empresas marginais e da
consolidação das mais rentáveis.
- 133.
- A este respeito, basta observar que, mesmo admitindo que a «rule of reason»
tenha o seu lugar no âmbito do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, não pode de forma
alguma obstar à aplicação dessa disposição no caso de um acordo que implica para
os produtores que detinham a quase totalidade do mercado comunitário e que
respeita a objectivos de preços, a limitação da produção e a repartição do mercado.
Assim, o Tribunal de Primeira Instância não cometeu qualquer erro de direito ao
considerar que o carácter óbvio da infracção se opunha, de qualquer modo, à
aplicação da «rule of reason».
- 134.
- Assim, a segunda vertente deste fundamento também não pode ser acolhida.
A presunção de ilegalidade das reuniões entre produtores
- 135.
- Através da terceira vertente deste fundamento, a Monte alega que foi erradamente
que o Tribunal de Primeira Instância considerou, nos n.os 82 e 91 do acórdão
recorrido, que, para um empresário, participar em reuniões entre membros da
mesma categoria é por si só um delito. Teria assim criado, em violação dos direitos
de reunião, de liberdade de opinião, de discussão e de associação, uma presunção
arbitrária de ilegalidade das reuniões entre produtores, que no entanto nunca
foram secretas.
- 136.
- Segundo a Comissão, através desta crítica, a Monte procede a uma leitura errónea
do acórdão recorrido e que também era contrária ao que resulta do referido
acórdão. Esta crítica era, portanto, inadmissível ou, pelo menos, manifestamente
improcedente. Era óbvio que o Tribunal de Primeira Instância associa a violação
das regras de concorrência não à simples participação em reuniões, mas igualmente
ao objectivo destas, que era o de fixar objectivos de preço e de volumes de venda.
- 137.
- A este respeito, importa recordar que a liberdade de expressão e a de reunião
pacífica e de associação, consagradas, respectiva e designadamente, nos artigos 10.°
e 11.° da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das
Liberdades Fundamentais de 4 de Novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), fazem
parte dos direitos fundamentais que, segundo jurisprudência assente do Tribunal
de Justiça, reafirmada no preâmbulo do Acto Único Europeu e no artigo F, n.° 2,
do Tratado da União Europeia (que passou, após alteração, a artigo 6.°, n.° 2, UE),
são protegidos na ordem jurídica comunitária (v., neste sentido, acórdão Bosman,
já referido, n.° 79).
- 138.
- No entanto, do n.° 91 do acórdão recorrido, a que a Monte fez referência, resulta
expressamente que as reuniões periódicas dos produtores de polipropileno não
foram consideradas contrárias ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado enquanto tais, mas
apenas na medida em que tinham um objectivo anti-concorrencial. Por outro lado,
esse objectivo foi confirmado pelo Tribunal de Primeira Instância com base nas
provas referidas nos n.os 83 a 90 do acórdão recorrido e não com base numa
presunção.
- 139.
- Segue-se que a terceira vertente deste fundamento também não pode ser acolhida.
A presunção arbitrária de um nexo de causalidade
- 140.
- No entender da Monte, através da quarta vertente deste fundamento, o Tribunal
de Primeira Instância presumiu arbitrariamente, nos n.os 132 a 134 do acórdão
recorrido, que existia um nexo de causalidade entre dois acontecimentos sucessivos.
Para que a tese da Comissão tivesse sentido, era necessário que as reuniões
conduzissem as empresas a um comportamento diferente daquele que seria
provavelmente o seu se esse acordo não existisse. No caso em apreço, não houve
alternativa ao comportamento das empresas, pois todos os produtores tinham
sofrido grandes prejuízos, que tinham necessariamente de reduzir. O
comportamento incriminado correspondia então a um imperativo das empresas, no
plano tanto económico como jurídico e ético. Quando os náufragos nadam todospara a terra que se encontra à vista não o fazem porque chegaram a um acordo,
mas sim porque essa é a expressão de um instinto natural de sobrevivência. As
regras de concorrência visavam preservar a liberdade das empresas de efectuarem
escolhas, atentas as limitações exteriores e não por referência às necessidades que
derivam da própria função da empresa, designadamente a de obter lucros.
- 141.
- A Comissão observa que, para a Monte, as reuniões deviam ter um objectivo
diferente do de criar compromissos recíprocos. Esse fundamento era inadmissível,
pois destinava-se a pôr em causa os factos apurados. De qualquer modo era
improcedente, pois o Tribunal de Primeira Instância considerara, como aliás a
Comissão, que as reuniões se destinavam a fixar os preços e as partes de mercado,
baseando a sua conclusão em provas documentais.
- 142.
- Cabe observar que, na medida em que esta acusação pretende pôr em causa a
apreciação do Tribunal de Primeira Instância, que figura no n.° 133 do acórdão
recorrido, segundo a qual o contexto económico não permite explicar a
concordância entre si das instruções de preços dadas pelos diferentes produtores,
nem a sua concordância com os objectivos de preços fixados nas reuniões de
produtores, incide sobre a apreciação dos elementos de prova apresentados ao
Tribunal de Primeira Instância e não pode ser examinado pelo Tribunal de Justiça
no âmbito deste recurso.
- 143.
- Na medida em que a Monte critica o acórdão recorrido em virtude de este não ter
tomado em consideração um estado de necessidade, susceptível de impor às
empresas destinatárias da decisão polipropileno a adopção do comportamento que
lhes é censurado, importa observar que, embora não se possa excluir que o estado
de necessidade possa autorizar uma conduta violadora do artigo 85.°, n.° 1, do
Tratado, esse estado não pode de forma alguma resultar da simples exigência de
evitar uma perda económica.
- 144.
- Assim, a quarta vertente deste fundamento também não pode ser acolhida.
As razões susceptíveis de justificar o comportamento
- 145.
- Através da quinta vertente deste fundamento, a Monte sublinha, atentos os n.os 232
e 233 do acórdão recorrido, que o Tribunal de Primeira Instância violou o princípio
segundo o qual na dúvida entre duas razões possíveis para um comportamento, há
que optar por aquela que o pode justificar. Se um comportamento paralelo pode
encontrar a sua justificação em algo diferente da concertação, o juiz tinha de
abandonar a presunção de que fora provocado por um acordo anti-concorrencial
e não por outra causa. A Monte remete para o acórdão do Tribunal de Justiça de
13 de Julho de 1989, Tournier (395/87, Colect., p. 2521). No caso em apreço, era
normal que as iniciativas das empresas se tenham verificado com uma certa
simultaneidade, pois tratava-se da prática do mercado, que dizia respeito a um
produto semi-acabado, destinado a utilizadores industriais. Tratava-se de uma
clientela que devia programar os fornecimentos necessários e efectuar as suas
opções de compra com muita antecipação. Nos mercados deste tipo, era corrente
os preços serem anunciados pelas empresas de acordo com uma certa
periodicidade e por um período pré-estabelecido. A Monte observa que o facto de,
após o anúncio de uma modificação nos preços, todos os outros produtores terem
indicado nos dias seguintes os seus próprios preços é uma resposta às referidas
exigências dos utilizadores e corresponde à prática no sector. Além disso, era
prática corrente que uma ou mais empresas de grande dimensão desempenhem as
funções de «price-leaders» e antecedam as outras na fixação dos preços. Isso
eliminava qualquer suspeita de concertação. No que respeita à amplitude dos
aumentos ensaiados, estes tinham sido mais ou menos homogéneos em virtude da
necessidade de trabalhar com a realidade do mercado.
- 146.
- De acordo com a Comissão, apesar da referência aos n.os 232 e 233, a alegada
violação não pode abranger nenhuma parte do acórdão, pois nem a Comissão nem
o Tribunal de Primeira Instância tiveram qualquer dúvida sobre a interpretação dos
comportamentos da Monte. Assim, esse fundamento era inadmissível, pois nada
tinha a ver com o acórdão recorrido. A este respeito, a Comissão remete para o
acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Dezembro de 1993, Eppe/Comissão
(C-354/92 P, Colect., p. I-7027), bem como para os despachos do Tribunal de
Justiça de 26 de Abril de 1993, Kupka-Floridi/Comité Económico e Social
(C-244/92 P, Colect., p. I-2041) e de 7 de Março de 1994, De Hoe/Comissão
(C-338/93 P, Colect., p. I-819), dos quais resultava que, em conformidade com os
artigos 51.° do Estatuto CE do Tribunal de Justiça e 112.°, n.° 1, alínea c), do
Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, nos recursos de decisões do
Tribunal de Primeira Instância a petição deve conter argumentos jurídicos que
especificamente ponham em causa um aspecto preciso do acórdão recorrido. O
recurso que se limita a repetir os argumentos apresentados no Tribunal de
Primeira Instância, sem conter qualquer argumento jurídico em apoio das
conclusões do recurso, não satisfazia essa exigência. Com efeito, isso equivalia a um
simples pedido de reexame da petição, que não era da competência do Tribunal
de Justiça e devia ser julgado inadmissível nos termos do artigo 119.° do
Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. A simples remissão para os
fundamentos e argumentos já apresentados no Tribunal de Primeira Instância ou
a simples afirmação de que este último podia ter julgado de uma forma diferente
integravam esta categoria.
- 147.
- A este respeito, importa sublinhar, por um lado, que a jurisprudência invocada pela
Monte diz respeito a uma situação em que, perante o paralelismo de
comportamento de diversas empresas no mercado, se tratava de determinar se esse
fenómeno é o efeito de uma concertação entre essas empresas ou se é possível
explicá-lo por outras razões. É pois irrelevante para o presente caso, pois a
Comissão fez prova bastante, de acordo com as conclusões a que o Tribunal de
Primeira Instância chegou, da existência de uma concertação com um objectivo
anti-concorrencial.
- 148.
- Por outro lado, foi correctamente que o Tribunal de Primeira Instância considerou,
no n.° 135 do acórdão recorrido, que não se tratava de uma qualquer forma de
«price leadership» de um produtor, pois esse produtor participou com os outros
numa concertação relativa aos preços.
- 149.
- Do que precede resulta que a quinta vertente deste fundamento também não pode
ser acolhida.
O dever de lealdade entre as empresas obrigadas a produzir com prejuízo
- 150.
- Através da sexta vertente deste fundamento, a Monte critica o não acolhimento,
pelo Tribunal de Justiça, da argumentação segundo a qual o dever de lealdade
impunha às empresas que tentassem reduzir as suas perdas e não praticassem o«predatory pricing». A tese exposta no n.° 295 do acórdão recorrido, segundo a
qual a venda abaixo do preço de custo pode constituir uma forma de concorrência
desleal se visar reforçar a posição concorrencial de uma empresa em detrimento
dos seus concorrentes, e não quando resulta do jogo da oferta e da procura, não
se aplicava no caso em apreço. Aquilo de que as empresas se acusavam entre si,
era de vender ainda mais do que o necessário abaixo do preço de custo para
conquistar clientes e obrigar os concorrentes a abandonarem o mercado. As
tentativas de aumentar os preços tinham por objectivo reduzir as perdas e evitar
a solução, gravemente ilícita, do «predatory pricing». A Monte nunca afirmou
existir um acordo, ainda que com o único objectivo de não criar uma situação de
concorrência desleal. Pelo contrário, sempre sustentou que um comportamento
determinado pelo contexto económico não era, nem podia ser, o resultado uma
concertação, pois constituía a única conduta jurídica e economicamente correcta.
- 151.
- Segundo a Comissão, a Monte sustentou no Tribunal de Primeira Instância que um
acordo entre empresas com o objectivo de não praticar preços inferiores ao preço
de custo não era contrário ao artigo 85.° do Tratado, pois visa excluir uma forma
de concorrência desleal. É verdade que esta tese tinha sido formulada de modo
ambíguo, mas não se pode contestar que foi sustentada e que o Tribunal de
Primeira Instância lhe respondeu no n.° 295 do seu acórdão. No seu recurso, a
Monte contentava-se em criticar o Tribunal de Primeira Instância por este ter
optado por um determinado conteúdo do acordo, e não por outro, ao afirmar que
as empresas vendiam abaixo do preço de custo a um nível inferior ao necessário,
de forma que tinham chegado a acordo para vender a um nível menos baixo, mas
sempre inferior ao preço de custo. Este argumento era inadmissível, pois o seu
objectivo era, por um lado, obter o reexame dos factos e, por outro, modificar o
objecto do litígio no Tribunal de Primeira Instância, em violação do artigo 113.°,
n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. Com efeito, no Tribunal
de Primeira Instância, a Monte não tinha fito qualquer referência à venda a um
nível mais baixo do que o necessário. De todo o modo, este fundamento era
improcedente, pois o Tribunal de Primeira Instância tinha considerado, com
conhecimento de causa, que a única venda a um nível de preço inferior ao preço
de custo qualificável de concorrência desleal, era a praticado por uma empresa que
ocupa uma posição dominante, com o objectivo de eliminar a restante concorrência
do mercado.
- 152.
- A este respeito, basta observar que esta critica, na medida em que é relativa ao
facto de as empresas em causa venderem a um nível ainda mais baixo do que o
que resultava do jogo da oferta e da procura, deve ser julgada inadmissível por
duas razões, ou seja, visa contestar a matéria de facto que o Tribunal de Primeira
Instância considerou provada e constitui um fundamento novo, que modifica o
objecto do litígio que foi submetido ao Tribunal de Primeira Instância, em violação
do artigo 113.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.
A aplicação discriminatória do artigo 85.° do Tratado em proveito exclusivo dos
utilizadores
- 153.
- Pela sétima vertente deste fundamento, a Monte considera, remetendo para os
n.os 132 e 237 do acórdão, que o Tribunal de Primeira Instância aplicou o artigo
85.° do Tratado de forma discriminatória, em proveito exclusivo dos utilizadores,
quando a liberdade dos produtores era limitada devido à sua posição entre os
fornecedores de petróleo, que abusavam de uma posição dominante, e os clientes,
dotados de uma força contratual superior. A este propósito, contesta que o facto
de anunciar um ligeiro aumento de preços a alguém que, dominando o mercado,
já sabe que pode recusar esse aumento constitui uma distorção da concorrência
grave. Existia aí uma protecção da concorrência que visava salvaguardar apenas os
interesses das indústrias utilizadoras, em detrimento das outras. Tal interpretação
do artigo 85.° do Tratado era incompatível com o artigo 2.° do Tratado CE (que
passou, após alteração, a artigo 2.° CE), que incumbia a Comunidade de promover
um desenvolvimento harmonioso das actividades económicas, uma expansão
contínua e equilibrada e uma estabilidade acrescida. Com efeito, era contrário a
qualquer ratio legis considerar que a situação existente na sequência do aumento
do preço do petróleo correspondia ao ponto de equilíbrio entre a procura e a
oferta, quando as consequências apenas tinham atingido os produtores de
polipropileno. Além disso, era contrário ao artigo 2.° do Tratado impedir um sector
económico de reagir contra o poder dominante de outro sector.
- 154.
- A Comissão observa quanto ao mérito que, embora a formulação genérica desta
crítica não seja uma razão suficiente que conduza à sua inadmissibilidade, o artigo
85.° do Tratado aplica-se às empresas que celebram acordos restritivos da
concorrência de que, se esses acordos forem relativos à venda, os compradores
beneficiarão. A Comissão não percebe em que é que consistia a discriminação. De
qualquer modo, tinha sido correctamente que o Tribunal de Primeira Instância
considerou que a situação de «mercado do adquirente» não isentava da obrigação
de respeitar o artigo 85.° do Tratado.
- 155.
- A este respeito, basta sublinhar, por um lado, tal como a Comissão correctamente
fez, que uma decisão sobre acordos restritivos da concorrência celebrados porvendedores poderá beneficiar os clientes sem que isso implique uma qualquer
forma de discriminação. Por outro lado, a aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do
Tratado, a esses acordos não é de afastar apenas por os adquirentes se
encontrarem numa situação favorável no mercado.
- 156.
- Assim, a sétima vertente deste fundamento também não pode ser acolhida.
A não tomada em consideração da realidade económica
- 157.
- Através da oitava vertente deste fundamento, a Monte sustenta, por referência aos
n.os 143, 199 e 200 do acórdão recorrido, que o Tribunal de Primeira Instância não
tomou em consideração a realidade económica ao atender à acusação de «reduçãoartificial da oferta e de instauração de um sistema de quotas». Recorda que as
empresas estão a produzir a cerca de 60% das suas capacidades e com prejuízo e
só podiam vender mais se aumentassem as suas perdas. Os produtores tiveram de
aceitar as condições impostas pelos adquirentes. A existência de um sistema de
quotas, no caso em apreço, não só era uma infracção não provada, mas ainda uma
infracção impossível de realizar, pois a limitação da sua quota de venda só era
possível para uma empresa que pudesse escolher o seu nível de produção. Ora,
essa situação não era realizável quando o aumento da quota significasse aumentar
os prejuízos reduzindo ulteriormente o preço, enquanto reduzir a quota não
equivalia a aumentar o preço, mas apenas aumentar os prejuízos decorrentes da
sub-utilização das instalações.
- 158.
- A Comissão refere que a Monte defende, em substância, as posições que já
defendeu na quarta vertente deste fundamento. Por um lado, essas alegações eram
inadmissíveis, pois destinavam-se a pôr em causa os factos apurados. Por outro,
eram improcedentes, pois a participação da Monte no acordo resultava de provas
documentais.
- 159.
- Importa observar que esta vertente do segundo fundamento comporta, em
substância, as mesmas críticas que já antes foram examinadas no âmbito dos
primeiro e quarto fundamentos. Assim, deve ser rejeitada por idênticas razões.
A introdução de novos elementos de infracção: o concurso de vontades e o
objectivo anti-concorrencial
- 160.
- Através da nona vertente deste fundamento, a Monte remete para os n.os 150, 201,
230 e 264 do acórdão recorrido e sustenta que, aprovando a tese da Comissão, o
Tribunal de Primeira Instância introduziu novos elementos de infracção,
designadamente, o «concurso de vontades» e o «scopo anti-concorrenziale»
(«objectivo anticoncorrencial»). Quanto ao primeiro, era absolutamente irrelevante
quando não é fruto de um acordo ou de uma concertação. Quanto ao «objectivo
anti-concorrencial», a Monte considera que essa possibilidade conduz a punir uma
conduta que em si é lícita, que não produz efeitos proibidos, mas que talvez tivesse
objectivos «anti-concorrenciais». Isto equivalia a punir simples intenções. Não
tendo chegado à conclusão de que existia um objecto ou um efeito
anti-concorrencial, o Tribunal de Primeira Instância tinha introduzido uma terceira
condição que permitia a aplicação do artigo 85.° do Tratado, ou seja, o objectivo
anti-concorrencial.
- 161.
- De acordo com a Comissão, por «concurso de vontades» o Tribunal de Primeira
Instância pretendia referir-se ao elemento fundamental que permite determinar a
existência de um acordo na acepção do artigo 85.° do Tratado. Quanto ao
«objectivo anti-concorrencial», o texto italiano do acórdão recorrido utilizava um
termo alternativo («scopo») para designar o objectivo de impedir, restringir oufalsear o jogo da concorrência. «Scopo» era assim o equivalente de «objectivo».
Deste modo, este fundamento era improcedente.
- 162.
- Relativamente, por um lado, ao «concurso de vontades», há que observar que, tal
como claramente resulta do acórdão recorrido, essa expressão foi utilizada para
descrever um comportamento susceptível de abranger a qualificação jurídica do
acordo, na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. Ora, de acordo com
jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, recordada no n.° 230 do acórdão
recorrido, tal acordo resulta da expressão da vontade comum das empresas em
causa de se comportarem no mercado de uma forma determinada (v.,
designadamente, acórdãos já referidos ACF Chemiefarma/Comissão, n.° 112, e Van
Landewyck e o./Comissão, n.° 86). Assim, o Tribunal de Primeira Instância, longe
de criar novas formas de infracção, utilizou correctamente a expressão «concurso
de vontades» para designar um comportamento que podia ser qualificado de
acordo.
- 163.
- Por outro lado, quanto à expressão «scopo anticoncorrenziale», foi utilizada, no
n.° 264 do acórdão recorrido, como sinónimo de «objectivo anti-concorrencial», o
que parece estar em conformidade com o conceito de objectivo que figura no
artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, tal como resulta de uma confrontação das diferentes
versões linguísticas dessa disposição, designadamente das versões dinamarquesa
(«formål»), alemã («bezwecken»), finlandesa («tarkoituksena»), irlandesa
(«gcuspóir»), neerlandesa («strekken»), portuguesa («objectivo») e sueca
(«syfte»).
- 164.
- Esta crítica não pode, portanto, ser acolhida.
A atribuição errónea de uma natureza secreta a dados divulgados pela imprensa
especializada
- 165.
- Através da décima vertente deste fundamento, a Monte crítica o Tribunal de
Primeira Instância por este ter, nos n.os 175 a 177 do acórdão recorrido,
erroneamente atribuído uma natureza secreta a dados, como os relativos à
produção, normalmente divulgados pela imprensa especializada. Toda a gente tinha
acesso a esses «segredos». A Comissão devia ter provado que os dados eram
reunidos de um modo informal antes de serem divulgados pela imprensa e explicar
que o conhecimento desses dados dava azo a distorções da concorrência, o que não
fez.
- 166.
- A Comissão sublinha que este fundamento é inadmissível por diversas razões. Não
era possível determinar nem os dado a que a Monte alude, nem a parte do
acórdão recorrido que critica, pois a referência aos n.os 175 a 177 era insuficiente
para o efeito. Além disso, esse fundamento suscitava questões de facto, que, aliás,
não parecem ter sido suscitadas no Tribunal de Primeira Instância. Por conseguinte,
a Monte estava a tentar modificar o objecto do litígio, com violação do artigo 113.°,
n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.
- 167.
- Como esta crítica é relativa à apreciação que o Tribunal de Primeira Instância fez
dos factos, há que a rejeitar por inadmissível.
Quanto à afectação das trocas comerciais
- 168.
- No âmbito da décima primeira vertente deste fundamento, a Monte observa,
remetendo para os n.os 253 e 254 do acórdão recorrido, que as trocas comerciais
não foram de forma alguma afectadas, pois as empresas mais não podiam fazer do
que continuar a vender seis anos com prejuízo para continuarem no mercado. Se
a Monte tivesse cessado a sua actividade, os fluxos comerciais teriam sido
modificados, embora sem qualquer utilidade.
- 169.
- De acordo com a Comissão, esta vertente do fundamento não contém qualquer
argumentação susceptível de pôr em causa a fundamentação do Tribunal de
Primeira Instância. Equivale a dizer que o Tribunal de Primeira Instância devia ter
julgado de outra forma. Este fundamento era portanto inadmissível em
conformidade com o acórdão Eppe/Comissão, já referido, bem como com os
despachos Kupka-Floridi/Comité Económico e Social e De Hoe/Comissão, já
referidos.
- 170.
- A este respeito, importa observar que esta acusação assenta numa má
compreensão do conceito de afectação do comércio entre Estados-Membros. Em
conformidade com a jurisprudência constante, esta condição encontra-se satisfeita
quando, com base num conjunto de elementos de direito ou de facto, se pode
concluir com um grau de probabilidade suficiente que o acordo existente pode
exercer uma influência directa ou indirecta, actual ou potencial, sobre os fluxos
comerciais entre Estados-Membros (v., neste sentido, designadamente, acórdão de
10 de Julho de 1980, Lancôme, 99/79, Colect., p. 2511, n.° 23).
- 171.
- Daqui decorre que o Tribunal de Primeira Instância não cometeu erro de direito,
pelo que esta última critica também não pode ser acolhida. Assim, há que negar
provimento a todo o segundo fundamento.
Quanto às violações do direito comunitário aquando do apuramento dos factos
submetidos à apreciação do Tribunal de Primeira Instância
- 172.
- Através do seu terceiro fundamento, ao remeter para os n.os 82, 86, 89, 129, 144,
146 e 149 do acórdão recorrido, a Monte alega que, aquando do apuramento dos
factos, o Tribunal de Primeira Instância inverteu o ónus da prova, violou os
princípios da presunção de inocência e do carácter pessoal da falta, atribuiu à
Monte confissões inexistentes, afirmou sem provas que os produtores tinham
adoptado um plano comum e rejeitou erroneamente o argumento que incluía o
terrorismo das «brigadas vermelhas» entre os factores que condicionaram o
comportamento da Monte.
- 173.
- Tinha sido erroneamente que o Tribunal de Primeira Instância afirmou que a
Monte não contestou a sua participação nas reuniões periódicas de produtores e
que, portanto, havia que considerar que ela participara no conjunto das reuniões.
Foi também erradamente que o Tribunal de Primeira Instância acrescentou que era
à Monte que cabia fornecer outra explicação para o conteúdo das reuniões em que
participara. Tinha assim invertido o ónus da prova e introduzido uma presunção
de culpabilidade, pois para o Tribunal de Primeira Instância a participação numa
reunião equivalia a uma adesão a todas as iniciativas que aí se supõe terem sido
tomadas. Incumbia portanto ao arguido fornecer a prova da sua inocência. A este
propósito, a Monte observa igualmente que, de acordo com um princípio comum
a todas as ordens jurídicas civilizadas, o juiz não pode utilizar uma confissão
presumida daí extraindo apenas os elementos favoráveis à acusação. Era ilegal só
se limitar ao reconhecimento da existência dessas reuniões atribuindo-lhes um
conteúdo que a Monte sempre negou. A Monte tinha, pelo contrário, demonstrado
que o alegado sistema de «account leadership» não tinha funcionado no seu caso,
para um grande número dos seus pretensos clientes preferenciais, sem que a
Comissão tenha conseguido demonstrar que a sua aplicação a outros clientes. A
Monte recorda o facto de também ter fornecido a prova de que a evolução dos
seus preços tinha sido autónoma, tanto por referência aos preços da sua tabela,
como por referência aos preços-objectivo alegados ou aos preços indicados pela
imprensa especializada. Acrescenta que o Tribunal de Primeira Instância a acusou
de não ter apresentado os relatórios das reuniões redigidos pelos membros do seu
pessoal, sem possuir qualquer elemento que demonstrasse a sua existência.
- 174.
- De acordo com a Comissão, uma vez que a participação da Monte nas reuniões
estava demonstrada e que dispunha dos relatórios das reuniões encontrados na ICI,
incumbia à Monte fornecer outra explicação para o conteúdo das referidas
reuniões. Isto mais não era do que a aplicação de regras elementares relativas ao
ónus da prova. Quanto aos relatórios do pessoal da Monte, a Comissão observa
que o Tribunal de Primeira Instância não afirmou a sua existência, antes os
mencionou como exemplo dos elementos que a Monte devia ter invocado para
justificar a sua participação nas reuniões. A Comissão observa igualmente que a
Monte parece querer afirmar que não participou em nenhum acordo, mesmo lícito,
quando essa participação resulta das provas documentais. Relativamente ao sistema
do «account leadership», o Tribunal de Primeira Instância tinha correctamente
concluído, com base nas provas documentais disponíveis, que a Monte nele
participara. Segundo a Comissão, a Monte esquece que a conclusão do Tribunalde Primeira Instância é relativa à existência do acordo, e não sobre a sua aplicação,
e que essa conclusão se baseia num certo número de provas. Acrescenta que o
eventual insucesso do acordo no plano prático não bastava, de qualquer modo,
para neutralizar as outras provas da sua existência. Esse fundamento era, portanto,
improcedente.
- 175.
- A este respeito, há que antes de mais reconhecer que o princípio da presunção de
inocência, tal como resulta designadamente do artigo 6.°, n.° 2, da CEDH, faz parte
dos direitos fundamentais que, segundo a jurisprudência constante do Tribunal deJustiça, recordada no n.° 137 do presente acórdão e reafirmada no preâmbulo do
Acto Único Europeu e no artigo F, n.° 2, do Tratado da União Europeia, são
protegidos na ordem jurídica comunitária.
- 176.
- Importa igualmente admitir que, atenta a natureza das infracções em causa, bem
como a natureza e grau de severidade das sanções aplicáveis, o princípio da
presunção de inocência aplica-se aos processos atinentes a violações das regras de
concorrência aplicáveis às empresas susceptíveis de conduzir à aplicação de multas
ou de sanções pecuniárias compulsórias (v., neste sentido, Tribunal Europeu dos
Direitos do Homem, acórdãos Öztürk de 21 de Fevereiro de 1984, Série A, n.° 73,
e Lutz de 25 de Agosto de 1987, Série A, n.° 123-A).
- 177.
- Quanto à procedência das acusações formuladas pela Monte, cabe sublinhar, em
primeiro lugar, que esta não contestou, no Tribunal de Primeira Instância, o facto
de ter participado nas reuniões referidas na decisão polipropileno, antes tendo
sustentado que essas reuniões não tinham nem a natureza nem o alcance descritos
na referida decisão.
- 178.
- Nestas condições, foi correctamente que o Tribunal de Primeira Instância pôde
declarar, e isto sem desvirtuar as declarações da Monte, que esta não contestava
a materialidade da sua participação nas reuniões em questão.
- 179.
- Importa recordar, em segundo lugar, que, em caso de litígio quanto à existência de
uma infracção às regras da concorrência, compete à Comissão apresentar a prova
das infracções por ela verificadas e produzir os elementos probatórios adequados
à demonstração juridicamente satisfatória da existência dos factos constitutivos da
infracção (acórdão Baustahlgewebe/Comissão, já referido, n.° 58).
- 180.
- Ora, contrariamente ao que a Monte alega, o Tribunal de Primeira Instância de
modo algum se baseou em presunções para concluir pelo carácter
anti-concorrencial das reuniões em questão, antes se tendo apoiado nos elementos
de prova referidos nos n.os 83 a 85 do acórdão recorrido. A sua apreciação desses
elementos não pode ser posta em causa no âmbito de um recurso como o presente.
- 181.
- Na medida em que, de acordo com as conclusões do Tribunal de Primeira
Instância, a Comissão conseguiu demonstrar que a Monte participou em reuniões
entre empresas de natureza manifestamente anti-concorrencial, o Tribunal de
Primeira Instância pôde, com razão, considerar que era à Monte que incumbia
fornecer outra explicação para o conteúdo dessas reuniões. Segue-se que o
Tribunal de Primeira Instância não procedeu a uma inversão indevida do ónus da
prova e não violou a presunção de inocência.
- 182.
- A este respeito, tal como a Comissão justamente sublinhou, a referência às notas
tomadas pelos membros do pessoal da Monte durante as reuniões, que figura no
n.° 87 do acórdão recorrido, deve ser entendida como um simples exemplo doselementos de prova que a Monte podia ter apresentado para sustentar as suas
teses quanto à natureza e ao objecto das reuniões, de forma que o Tribunal de
Primeira Instância não estabeleceu qualquer presunção quanto à existência dessas
notas.
- 183.
- Em terceiro lugar, na medida em que a Monte pretende contestar as conclusões
constantes dos n.os 145 e 148 do acórdão recorrido e que são relativas à sua
participação no sistema do «account leadership» e à aplicação, pelo menos parcial,
desse sistema, a sua crítica é relativa à apreciação, pelo Tribunal de Primeira
Instância, dos elementos de prova que lhe foram submetidos e não pode, portanto,
ser examinada no âmbito de um recurso deste tipo.
- 184.
- Em quarto lugar, foi correctamente que o Tribunal de Primeira Instância
considerou que o argumento extraído da chantagem que as «brigadas vermelhas»
teriam exercido sobre a Monte devia ser declarado inadmissível nos termos do
artigo 42.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, por ser um
fundamento novo apresentado pela primeira vez na réplica. Com efeito, o Tribunal
de Primeira Instância concluiu que esse fundamento assentava num elemento de
facto que não se tinha revelado durante o processo, mas já em 1981, ou seja, muito
antes do início deste.
Quanto à prescrição
- 185.
- Segundo a Monte, que remete para os n.os 236, 237 e 336 do acórdão recorrido, o
Tribunal de Primeira Instância violou o artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento
n.° 2988/74 em matéria de prescrição, bem como o ónus da prova no que respeita
à continuidade do comportamento, pertinente para efeitos da prescrição. Tal como
o juiz B. Vesterdorf, designado advogado-geral no processo no Tribunal de
Primeira Instância, entendeu, não existia qualquer prova da continuidade do
comportamento entre 1977 e 1983. Isso implicava, portanto, a prescrição do
período de cinco anos que precedeu a interpelação. Esta prescrição não podia ser
interrompida por actos cujos destinatários eram outras empresas, pois a este
respeito não tinha sido provada a existência de qualquer cumplicidade. Esta
cumplicidade não podia consistir numa simples participação em reuniões.
- 186.
- Na sua réplica, a Monte acrescenta que, por força do referido regulamento, o
Tribunal de Primeira Instância devia, para rejeitar a excepção de prescrição, basear
a sua fundamentação na continuidade da infracção e na participação da Monte
nessa continuidade. À luz do acórdão recorrido, o único elemento comum a todos
os comportamentos em causa, acolhido pelo Tribunal de Primeira Instância, era o
de visar um único objectivo económico, o de falsear a evolução normal dos preços
no mercado do polipropileno, que, por sua vez, constituía um comportamento
continuado. Em consequência, o único elemento unificador da conduta era, para
o Tribunal de Primeira Instância, o «falsear a evolução normal dos preços». A
Monte observa que um mercado com as características já descritas não pode ser
qualificado de «normal», de forma que as tentativas para reduzir os prejuízos nãopodiam constituir o único desenho unificador dos comportamentos das empresas.
Além disso, o Tribunal de Primeira Instância não tinha invocado qualquer elemento
que permitisse a conclusão de que o comportamento da Monte era contínuo ou
continuado. Por último, o Tribunal de Primeira Instância devia ter precisado o
número de reuniões em que a Monte tinha participado, bem como o período
durante o qual nelas participou. Como essas precisões não existiam, a aplicação da
prescrição prevista para as infracções múltiplas contínuas ou continuadas carecia
de fundamentação.
- 187.
- A Comissão considera que este fundamento é inadmissível por diversas razões. Por
um lado, era impossível compreender a fundamentação da Monte e a crítica
formulada ao acórdão recorrido. Enquanto o Tribunal de Primeira Instância tinha
qualificado os factos como uma infracção única, pondo em evidência o nexo entre
os diversos comportamentos das empresas, do que se tratava, segundo o título
desse fundamento, era da violação do ónus da prova da continuidade do
comportamento, em seguida remetia-se para as conclusões do advogado-geral e,
por último, excluía-se que actos cujo destinatários fossem outras empresas
pudessem interromper a prescrição. A Comissão recorda, a este respeito, que uma
argumentação por remissão é inadmissível. Por outro lado, na medida em que o
fundamento é relativo à qualificação dos factos como infracção única, tratava-se de
uma questão de facto, que escapava à competência do Tribunal de Justiça no
âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância.
- 188.
- Segundo a Comissão, a Monte argumentou, pela primeira vez na réplica, que, para
afastar a prescrição, o Tribunal de Primeira Instância tinha recorrido ao conceito
de «continuidade do comportamento». A Comissão remete para o douto
entendimento do Tribunal de Justiça no que toca à admissibilidade destes
argumentos.
- 189.
- A este respeito, importa antes de mais sublinhar que, contrariamente ao que a
Monte alega, o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 202 do acórdão
recorrido, que a Comissão tinha feito prova bastante de todos os factos que apurou
contra a Monte no acto impugnado. Do acórdão recorrido não resulta que os
diferentes comportamentos imputados à Monte tenham sido interrompidos num
momento qualquer.
- 190.
- Ora, não compete ao Tribunal de Justiça, pronunciando-se no âmbito de um
recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância, apreciar o bem fundado
desta apreciação da matéria de facto.
- 191.
- O Tribunal de Primeira Instância concluiu em seguida, nos n.os 230, 231 e 235 do
acórdão recorrido, que a Monte participara em actividades qualificadas de acordos
e práticas concertadas que cobriam o período compreendido entre 1977 e
Setembro de 1983 e que produziram os seus efeitos, no caso dos acordos, até
Novembro de 1983. Considerou, nos n.os 236 e 237, que esses acordos e essaspráticas concertadas se inscreviam, em razão da identidade de objecto, em sistemas
de reuniões periódicas, de fixação de objectivos de preços e de quotas, sistemas
que se inscreviam, por sua vez, numa série de esforços das empresas em causa na
prossecução de um único fim económico, que era o de falsear a evolução dos
preços. Considerou que era portanto artificial subdividir esse comportamento
contínuo, caracterizado por uma única finalidade, considerando que aí existiam
diversas infracções distintas, quando, pelo contrário, se tratava de uma única
infracção que se foi progressivamente concretizando tanto através de acordos como
através de práticas concertadas.
- 192.
- A única crítica que a Monte formula a este respeito consiste em sustentar que o
objectivo económico comum a todos os esforços das empresas implicadas, que o
Tribunal de Primeira Instância descreve como sendo o de «falsear a evolução
normal dos preços», não tinha objecto no caso do mercado do polipropileno, que
não podia ser considerado normal.
- 193.
- Esta crítica não pode ser acolhida, pois a expressão «evolução normal dos preços»
deve ser entendida como designando a evolução que os preços teriam se não
existem comportamentos anti-concorrenciais por parte das empresas. A
circunstância de, na época, o mercado do polipropileno se encontrar numa situação
de desequilíbrio que não podia ser qualificada de normal é, portanto, irrelevante.
- 194.
- Por último, no n.° 331, o Tribunal de Primeira Instância considerou que a Monte
participou numa infracção única e continuada (na versão italiana, língua do
processo, «un'infrazione unica e continuata») a partir da conclusão do acordo
sobre os preços mínimos em meados do ano de 1977 até ao mês de Novembro de
1983.
- 195.
- A este respeito, basta observar que embora a noção de infracção continuada tenha
um conteúdo um pouco diferente nas ordens jurídicas dos diferentes
Estados-Membros, de qualquer modo comporta uma pluralidade de infracções, ou
de actos de execução de uma única infracção, reunidos por um elemento subjectivo
comum.
- 196.
- Assim, foi correctamente que o Tribunal de Primeira Instância considerou que
actividades que se inscrevem em sistemas e que prosseguem um único objectivo
constituem uma infracção continuada ao disposto no artigo 85.°, n.° 1, do Tratado,
pelo que o prazo de prescrição de cinco anos previsto no artigo 1.° do
Regulamento n.° 2988/74 só podia começar a correr a contar do dia do termo da
infracção, dia que, de acordo com o que o Tribunal de Primeira Instância concluiu,
se situa em Novembro de 1983.
- 197.
- Nessas condições, sem que seja necessário examinar as acusações relativas aos
actos que interrompem a prescrição, há que concluir que o Tribunal de Primeira
Instância não cometeu erro de direito ao considerar que a Monte não podia
invocar a prescrição das multas.
- 198.
- Assim, o quarto fundamento também não pode ser acolhido.
Quanto à determinação do montante da multa
- 199.
- Através do seu quinto fundamento, considerado subsidiário, a Monte crítica o
Tribunal de Primeira Instância, atentos os n.os 70, 374, 379 e 385 do acórdão
recorrido, por este não ter fundamentado a alegada tomada em consideração de
circunstâncias atenuantes, pela Comissão, no cálculo da multa, de ter efectuado
uma equiparação injusta entre acordo ou prática não notificada e comportamentos
gravemente ilícitos e de não ter fundamentado o facto de não lhe ter concedido
uma redução substancial da multa. Uma infracção que não afectou o mercado era
decerto menos grave do que a que o afectou. A multa tinha, para além de uma
função dissuasora, igualmente a função de restabelecer uma situação de
concorrência equilibrada através da aplicação, à empresa responsável da violação,
de um sacrifício financeiro proporcional, designadamente, aos benefícios que
retirou da sua conduta ilícita. De acordo com a Monte, daqui decorre que, quando
o apuramento da infracção não é corroborado pela prova da aplicação concreta
dos alegados acordos, nem por dados que demonstrem os benefícios obtidos pelas
empresas responsáveis, a multa deve ser calculada com especial prudência, dado
que, em semelhante hipótese, a sua função é puramente dissuasora. Foi
erradamente que o Tribunal de Primeira Instância não atendeu a esses elementos
na sua apreciação do carácter proporcionado da multa.
- 200.
- A Monte observa, além disso, que é difícil compreender a forma como o Tribunal
de Primeira Instância pôde apreciar o carácter adequado da multa sem resolver o
problema que é a sua premissa lógica, ou seja, o da gravidade da violação do artigo
85.° do tratado. Quanto à apreciação dos efeitos restritivos de um acordo, a
Comissão devia ter tomado em consideração a situação específica do mercado,
dominado pelos compradores. Por outro lado, era obrigada a apreciar a parte
específica que cabe a cada empresa nesses efeitos quando examina a possibilidade
de aplicar uma multa e o cálculo do seu montante. Como o artigo 15.°, n.° 2, do
Regulamento n.° 17 é uma disposição de natureza repressiva, não podia ser
aplicado sem se apurar, de forma rigorosa, a responsabilidade individual da pessoa
punida.
- 201.
- Ao acolher o argumento da Comissão, segundo o qual não era necessário
determinar se os presumidos acordos podiam ou não estar isentos nos termos do
artigo 85.°, n.° 3, do Tratado, o Tribunal de Primeira Instância tinha negligenciado
considerar que esse exame era sempre necessário, pelo menos para estabelecer o
nível da multa. Um acordo que pudesse, em substância, estar isento não podia ser
punido da mesma forma que um outro que não o pudesse. O Tribunal de Primeira
Instância devia ter detectado essa falta de fundamentação na decisão polipropileno.
- 202.
- O Tribunal de Primeira Instância também não parece ter considerado na sua
integralidade o fundamento de recurso relativo à natureza intencional da violação.A esse respeito, a Monte sublinha que o elemento subjectivo da infracção é uma
condição indispensável para poder infligir a multa e não apenas uma circunstância
agravante como a Comissão considera. O Tribunal de Primeira Instância não tinha
examinado esse aspecto do fundamento do recurso relativo ao carácter intencional
da infracção. Após ter concluído que a Monte tinha procedido intencionalmente,
o Tribunal de Primeira Instância devia ainda ter examinado se esse elemento podia
ser utilizado como circunstância agravante susceptível de implicar um agravamento
da pena. Segundo a Monte, o apuramento do carácter intencional da infracção é
um elemento importante para efeitos da avaliação da gravidade intrínseca da
violação e, portanto, do montante da sanção pecuniária. O facto de o Tribunal de
Primeira Instância não ter tomado em consideração esse elementos equivalia, por
consequência, a um vício de fundamentação do acórdão.
- 203.
- A Comissão sublinha, antes de mais, que os pontos a que se refere a Monte não
são verdadeiramente relevantes, enquanto nenhum argumento se refere aos n.os 365
a 374, nos quais o Tribunal de Primeira Instância toma cuidadosamente em atenção
o problema dos efeitos. De grande importância era também o n.° 386 que,
igualmente na perspectiva do n.° 385 (o único citado pela Monte), revelava que o
Tribunal de Primeira Instância aprovou tanto a lista das circunstâncias tomadas em
consideração pela Comissão, inclusive a circunstância atenuante segundo a qual, de
um modo geral, as iniciativas de preços não atingiram plenamente o seu objectivo,
como o nível da multa decidida ao tomar essas circunstâncias em consideração.
- 204.
- Em seguida, no n.° 254, o Tribunal de Primeira Instância tinha considerado que,
para provar a existência do prejuízo a nível das trocas comerciais entre
Estados-Membros, era necessário tomar em consideração os efeitos do acordo e
não os devidos à participação de cada empresa no acordo. A este respeito, a
Comissão observa que se trata de verificar a existência de uma das condições da
infracção. Em contrapartida, esta fundamentação do Tribunal de Primeira Instância
de modo algum provava que a responsabilidade individual da empresa para efeitos
da determinação da multa não fora correctamente tomada em consideração.
- 205.
- Por último, quanto aos argumentos extraídos do facto de não se ter atendido à
possibilidade de obter uma decisão de isenção do acordo, na acepção do artigo
85.°, n.° 3, do Tratado, e do facto de não se ter determinado se o carácter
intencional da infracção podia constituir uma circunstância agravante, a Comissão
alega que não foram apresentados ao Tribunal de Primeira Instância e que,
portanto, são inadmissíveis nos termos do artigo 113.°, n.° 2, do Regulamento de
Processo do Tribunal de Justiça. De qualquer modo, o Tribunal de Primeira
Instância tinha por diversas vezes sublinhado a especial gravidade da infracção, de
tal modo que a questão da isentabilidade da infracção não se colocava.
- 206.
- Em primeiro lugar, importa recordar que, tal como resulta expressamente dos
n.os 369, 371 e 372 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância
considerou que a Comissão tinha, correctamente, atendido ao carácter limitado dos
efeitos da infracção quanto à evolução dos preços facturados aos diferentesclientes. A crítica formulada pela Monte a este respeito não pode portanto ser
acolhida.
- 207.
- Em segundo lugar, é efectivamente de jurisprudência que quando uma infracção
seja cometida por diversas empresas, há que examinar a gravidade relativa da
participação de cada uma (v., neste sentido, acórdão Suiker Unie e o./Comissão,
já referido, n.° 623). Todavia, no n.° 361 do acórdão recorrido, o Tribunal de
Primeira Instância observou que a Comissão determinou correctamente o papel
desempenhado pela Monte na infracção e que também foi correctamente que se
baseou nesse papel para calcular a multa a aplicar à Monte. Assim, o Tribunal de
Primeira Instância não podia ser acusado de, a este respeito, ter cometido um erro
de direito.
- 208.
- Em terceiro lugar, a crítica relativa ao facto de se não ter controlado se o acordo
podia ser isento nos termos do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado, é inadmissível por ser
um fundamento novo, que modifica o objecto do litígio que foi submetido ao
Tribunal de Primeira Instância, em violação do artigo 113.°, n.° 2, do Regulamento
de Processo do Tribunal de Justiça.
- 209.
- Em quarto e último lugar, do n.° 362 do acórdão recorrido resulta que, segundo o
Tribunal de Primeira Instância, os factos apurados revelam, pela sua gravidade
intrínseca, que a Monte não actuou por imprudência, nem mesmo por negligência,
mas com um propósito deliberado. É portanto manifesto que, ao pronunciar-se
sobre a multa aplicada à Monte, o Tribunal de Primeira Instância tomou em
consideração o elemento intencional da infracção enquanto circunstância agravante,
de forma que a crítica formulada pela Monte não tem qualquer fundamento.
- 210.
- Segue-se que o quinto fundamento também não pode ser acolhido.
- 211.
- Como nenhum dos fundamentos apresentados pela Hüls foi acolhido, há que negar
provimento ao presente recurso na íntegra.
Quanto às despesas
- 212.
- Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, aplicável aos
processos de recurso de uma decisão de primeira instância por força do artigo
118.°, a parte vencida é condenada nas despesas, se tal tiver sido pedido. Tendo a
Monte sido vencida, há que condená-la nas despesas. A DSM suportará as suas
próprias despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),
decide:
- 1.
- É negado provimento ao recurso.
- 2.
- A Montecatini SpA é condenada nas despesas.
- 3.
- A DSM NV suportará as suas próprias despesas.
KapteynHirsch
Mancini
Murray Ragnemalm
|
Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 8 de Julho de 1999.
O secretário
O presidente da Sexta Secção
R. Grass
P. J. G. Kapteyn