Language of document : ECLI:EU:C:2010:212

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

JÁN MAZÁK

apresentadas em 22 de Abril de 2010 1(1)

Processo C‑280/08 P

Deutsche Telekom AG

contra

Comissão Europeia

«Recurso – Concorrência – Artigo 82.° CE (actual artigo 102.° TFUE) – Compressão tarifária das margens – Preços de acesso à rede fixa de telecomunicações na Alemanha – Preços aprovados pela autoridade nacional reguladora das telecomunicações – Margem de manobra da empresa em posição dominante – Imputação da infracção – Montante da coima»





1.        No presente recurso, pede a Deutsche Telekom AG (a seguir «a recorrente») ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão do Tribunal de Primeira Instância (agora «Tribunal Geral») (2), que confirmou a decisão da Comissão relativa a um processo de aplicação do artigo 82.° CE (actual artigo 102.° TFUE) (3). É a primeira vez que o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar‑se sobre um abuso de posição dominante no mercado sob a forma de compressão tarifária das margens.

I –    Antecedentes do litígio

2.        Os factos estão expostos nos n.os 1 a 24 do acórdão recorrido. Abordarei apenas os números mais importantes. A recorrente é a operadora de telecomunicações na Alemanha, onde opera rede telefónica fixa. Os mercados alemães de fornecimento de infra‑estruturas e da prestação de serviços de telecomunicações estão liberalizados desde 1 de Agosto de 1996, desde a entrada em vigor da Telekommunikationsgesetz (lei alemã das telecomunicações, a seguir «TKG»). As redes locais da recorrente compõem‑se, cada uma, de vários «lacetes locais para os utilizadores finais» (a expressão «lacete local» designa o circuito físico que liga o ponto terminal da rede nas instalações do assinante ao repartidor principal ou ao recurso equivalente na rede telefónica pública fixa). Há que distinguir entre os serviços de acesso à rede local relativos à prestação de serviços efectuada pela recorrente aos seus concorrentes (a seguir «serviços de acesso grossista») e os serviços de acesso à rede local relativos à prestação de serviços efectuada pela recorrente aos seus utilizadores finais (a seguir «serviços de acesso a utilizadores finais»). A recorrente foi obrigada a facultar aos operadores da concorrência um acesso completamente desagregado ao lacete local a partir de Junho de 1997. As tarifas para os serviços de acesso grossista da recorrente devem ser previamente aprovadas pela autoridade alemã reguladora das telecomunicações e dos correios (a seguir «RegTP»), que verifica se as tarifas propostas pela recorrente para os serviços de acesso grossista são inter alia determinadas em função dos custos correspondentes a uma prestação eficiente dos serviços e se não contêm reduções que prejudiquem as possibilidades dos seus concorrentes. Relativamente aos serviços de acesso a utilizadores finais, a recorrente oferece duas opções de base, a saber, a ligação analógica clássica e a ligação digital de banda estreita (rede digital integrada de serviços, ou RDIS). Estas duas opções de base podem ser oferecidas na rede existente da recorrente, num circuito sob a forma de pares de fios de cobre. Esta última oferece também aos seus utilizadores finais ligações de banda larga (linhas de utilizadores finais digitais assimétricas, ou ADSL), para as quais a recorrente teve de modernizar as redes existentes a fim de poder oferecer serviços de banda larga, por exemplo, o acesso rápido à Internet. As tarifas da recorrente para os serviços de acesso a utilizadores finais (a seguir também denominadas «tarifas cobradas aos utilizadores finais» ou «preços cobrados aos utilizadores finais») são, no que se refere às linhas analógicas e às linhas RDIS, reguladas por um sistema de limitação máxima dos preços. Pelo contrário, a recorrente fixa livremente os preços cobrados aos utilizadores finais para a ADSL, mas estes podem, no entanto, ser sujeitos a uma regulação a posteriori.

3.        Os preços cobrados aos utilizadores finais pela ligação à rede da recorrente e pelas comunicações são determinados em conjunto para várias prestações simultâneas, estando as diferentes prestações reunidas em «pacotes». Por força de decisões do ministério federal dos correios e telecomunicações (a seguir «BMPT») e, posteriormente, da RegTP, a recorrente teve de reduzir o preço global de cada um dos dois pacotes durante o período compreendido entre 1 de Janeiro de 2000 e 31 de Dezembro de 2001. Dentro deste quadro vinculativo de redução dos preços, a recorrente tinha a possibilidade de alterar as tarifas dos diferentes elementos de cada pacote depois de obter autorização prévia da RegTP. As alterações das tarifas eram autorizadas desde que o valor médio de um pacote não excedesse o índice de preços máximo imposto. Durante esse período, a recorrente reduziu os preços cobrados aos utilizadores finais em ambos os pacotes; reduções, essas, que se referiram essencialmente aos custos das comunicações. Pelo contrário, os preços cobrados aos utilizadores finais para as linhas analógicas não foram alterados. Desde 1 de Janeiro de 2002, está em vigor um novo sistema de limitação máxima dos preços, que criou novos pacotes. Em 15 de Janeiro de 2002, a recorrente participou à RegTP a sua intenção aumentar as assinaturas mensais das linhas analógicas e RDIS. A RegTP autorizou este aumento. Em 31 de Outubro de 2002, a recorrente apresentou um novo pedido de aumento das tarifas cobradas aos utilizadores finais. A RegTP rejeitou parcialmente este pedido. As tarifas ADSL não são reguladas no âmbito de um sistema de limitação máxima dos preços mas essas tarifas podem ser objecto de uma regulação a posteriori. Em 2 de Fevereiro de 2001, depois de ter recebido diversas denúncias de concorrentes da recorrente, a RegTP efectuou uma investigação a posteriori relativamente aos preços ADSL da recorrente, ao abrigo das regras de concorrência alemãs. Em 25 de Janeiro de 2002, a RegTP considerou que o aumento das tarifas já não apresentava indícios de «dumping de preços».

4.        No que diz respeito à decisão controvertida, os seus pontos principais constam dos n.os 34 a 46 do acórdão recorrido e abster‑me‑ei de os repetir todos. Essencialmente, em 1999, quinze empresas concorrentes da recorrente apresentaram denúncias à Comissão que punham em causa as práticas tarifárias da recorrente. É dito no n.° 102 da decisão controvertida, essencialmente, que se verifica uma compressão tarifárias das margens sempre que as tarifas cobradas pela recorrente pelo acesso grossista são tão elevadas que obriga os operadores da concorrência a cobrarem aos seus clientes tarifas mais elevadas do que as facturadas pela recorrente aos seus próprios clientes finais. Mesmo que a sua eficiência iguale a da recorrente, os operadores da concorrência jamais conseguirão realizar lucros. É dito, de seguida, no n.° 103 da decisão controvertida, que esses operadores ficam assim impedidos de oferecer serviços de acesso a retalho através do lacete local, a par de serviços de chamadas telefónicas. Dessa forma, ficam estes operadores obrigados a compensar os serviços de acesso que geram prejuízos através de receitas mais elevadas a nível das chamadas telefónicas, como faz a própria recorrente. Nos últimos anos, porém, as tarifas das chamadas telefónicas diminuíram consideravelmente na Alemanha, de forma que, na maioria dos casos, os operadores da concorrência não dispõem de capacidade financeira para compensar uma tarifa com a outra. Para determinar a compressão tarifária das margens, a Comissão inclui apenas as tarifas pelo acesso à rede local, excluindo as receitas das chamadas telefónicas. A conclusão é que houve uma margem negativa entre as tarifas cobradas pelos serviços de acesso grossista e as tarifas facturadas pelo acesso a retalho aos utilizadores finais, entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 2001 (a seguir «o primeiro período»). Essa margem foi positiva de 1 de Janeiro de 2002 a 21 de Maio de 2003 (a seguir «o segundo período»). No entanto, uma vez que a margem positiva foi insuficiente para cobrir os custos específicos dos produtos ligados à prestação de serviços aos seus próprios clientes finais, verificou‑se uma compressão tarifária das margens abusiva também em 2002. A Comissão reconhece que tanto as tarifas grossistas dos serviços de acesso, como as tarifas a retalho dos serviços que presta aos utilizadores finais, estão sujeitas a regulação sectorial específica. Contudo, a recorrente dispõe de uma margem própria que lhe permite reestruturar o seu regime tarifário de forma a – dependendo do período em causa – reduzir ou mesmo pôr termo à compressão das margens. Considerou a Comissão verificar‑se a existência de uma mera infracção grave relativamente ao primeiro período e de uma infracção de gravidade menor relativamente ao segundo período, e aplicou uma coima no valor de 12,6 milhões de euros.

II – O Acórdão recorrido

5.        Quanto ao primeiro pedido da recorrente – anulação da decisão controvertida – o primeiro fundamento invocado é a violação do artigo 82.° CE. Em relação à primeira parte do fundamento, referir‑me‑ei aos n.os 70 a 152 do acórdão recorrido. Abordarei apenas os pontos essenciais. No que diz respeito ao primeiro período, o Tribunal Geral considerou que a Comissão podia acertadamente concluir que a recorrente dispunha de uma margem de manobra suficiente para aumentar as tarifas cobradas pela ligação à rede, para serviços analógicos e RDIS, respeitando o preço máximo para os pacotes. O Tribunal Geral não acolheu o argumento de que devido à intervenção ex ante da RegTP, a recorrente já não deveria estar sujeita ao artigo 82.° CE. Constatou o Tribunal Geral que a RegTP não efectua uma fiscalização ex ante da compatibilidade dos pedidos com o artigo 82.° CE. As autoridades reguladoras nacionais (a seguir «ARN») actuam em conformidade com o direito (nacional) das telecomunicações, o qual pode ter objectivos que sejam diferentes dos da política comunitária de concorrência. Com efeito, a Comissão não pode ficar vinculada a uma decisão proferida por um órgão nacional. Quanto ao segundo período, a margem de manobra de que a recorrente dispôs para aumentar as suas tarifas ADSL foi susceptível de reduzir a compressão tarifária das margens entre os preços dos serviços de acesso grossista, por um lado, e os preços cobrados aos utilizadores finais para todos os serviços de acesso analógicos, RDIS e ADSL, por outro, não somente porque correspondem a uma única prestação de serviços a nível do acesso grossista, mas também porque a ADSL não pode ser oferecida aos utilizadores finais de forma isolada.

6.        No que diz respeito à segunda parte, respeitante à legalidade do método utilizado pela Comissão, referir‑me‑ei aos n.os 153 a 213 do acórdão referido. O Tribunal Geral considerou, no essencial, que, uma vez que o comportamento das recorrentes está relacionado com o carácter não equitativo da diferença entre os seus preços grossistas e os preços por ela cobrados aos utilizadores finais, a Comissão não era obrigada a demonstrar na decisão recorrida que os seus preços de retalho eram abusivos enquanto tais. De seguida, no que diz respeito ao cálculo, foi acertadamente que a Comissão baseou a sua análise relativa ao carácter abusivo das práticas tarifárias da recorrente apenas na situação específica da recorrente – nas suas tarifas e custos – e não na situação específica dos seus concorrentes, efectivos ou potenciais. Acresce que a Comissão considerou também acertadamente que era preciso examinar a existência de compressão tarifária das margens apenas ao nível dos serviços de acesso e, portanto, sem incluir as tarifas das comunicações no seu cálculo. Tal método é compatível com o princípio do reequilíbrio da tarifação e com a igualdade de oportunidades. Em relação à quarta parte do primeiro fundamento invocado – relativa à inexistência no mercado de efeitos da compressão tarifária das margens constatada – referir‑me‑ei aos n.os 225 a 245 do acórdão recorrido. Em especial, no n.° 237, o Tribunal Geral considerou que se «os serviços de acesso grossista da recorrente são assim indispensáveis para permitir a um dos seus concorrentes entrar em concorrência consigo no mercado a jusante dos serviços de acesso a assinantes, a compressão tarifária das margens [em circunstâncias semelhantes às presentes] entravará, em princípio, o desenvolvimento da concorrência nos mercados a jusante». As reduzidas quotas de mercado obtidas pelos concorrentes da recorrente no mercado dos serviços de acesso a utilizadores finais, desde a liberalização do mercado, são prova da existência dos entraves que as práticas tarifárias da recorrente trouxeram ao desenvolvimento da concorrência nesses mercados.

7.        Quanto ao terceiro fundamento, relativo a desvio de poder e à violação dos princípios da proporcionalidade, da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima, referir‑me‑ei aos n.os 257 a 272 do acórdão recorrido. O Tribunal Geral considerou, em particular, que não houve violação do princípio da confiança legítima uma vez que as decisões da RegTP não comportam qualquer referência ao artigo 82.° CE e também porque resulta implícita mas necessariamente que as práticas tarifárias da recorrente produziram um efeito anticoncorrencial, na medida em que os concorrentes da recorrente tiveram de recorrer a uma subvenção cruzada. Além disso, o Tribunal Geral rejeitou a alegação de que a Comissão cometeu um desvio de poder, recordando que, mesmo que a RegTp tivesse violado uma norma comunitária e mesmo que a Comissão tivesse podido, com esse fundamento, iniciar um procedimento de acção por incumprimento contra a República Federal da Alemanha, essas eventualidades não seriam de forma alguma susceptíveis de afectar a legalidade da decisão controvertida, ainda mais por não se aplicar o artigo 82.° CE aos Estados‑Membros, mas apenas aos operadores económicos.

8.        A título subsidiário, a recorrente pediu a redução da coima aplicada. Em relação ao terceiro pedido, referir‑me‑ei aos n.os 290 a 300 do acórdão recorrido. O Tribunal Geral considerou, no essencial, que a recorrente não podia ignorar que, não obstante as decisões de autorização da RegTP, dispunha de uma margem de manobra real para fixar os preços por si cobrados aos utilizadores finais e, consequentemente, para reduzir a compressão tarifária das margens através do aumento destes últimos preços. Além disso, a recorrente não podia ignorar que essa compressão tarifária das margens implicava restrições sérias à concorrência. Quanto ao quarto e sexto fundamentos, referir‑me‑ei aos n.os 301 a 321 do acórdão recorrido. Em particular, a Comissão tinha o direito de qualificar de grave a infracção para o primeiro período. Além disso, a Comissão teve acertadamente em consideração a intervenção da RegTP ao reduzir a coima em 10%. Finalmente, a Comissão opôs‑se acertadamente à aplicação de uma coima simbólica. Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso.

III – O Recurso

9.        A 25 de Novembro de 2009, foram feitas alegações orais no Tribunal de Justiça pela recorrente, pela Vodafone e pela Comissão, bem como pela Versatel, que não havia apresentado alegações por escrito.

10.      Antes de mais, é necessário abordar o argumento da Vodafone segundo o qual a primeira, segunda e terceira partes do primeiro fundamento do recurso, bem como a primeira e segunda partes do segundo fundamento não são admissíveis uma vez que a recorrente se limita a repetir os argumentos já invocados na primeira instância e procura agora um reexame desses mesmos argumentos. Bastará, no entanto, referir que, segundo a jurisprudência, «quando um recorrente contesta a interpretação ou a aplicação do direito comunitário feita pelo [Tribunal Geral], as questões de direito examinadas em primeira instância podem ser de novo discutidas em sede de recurso. Com efeito, se um recorrente não pudesse basear o seu recurso em fundamentos e argumentos já utilizados no [Tribunal Geral], o processo de recurso de decisão do [Tribunal Geral] ficaria privado de uma parte do seu sentido» (4). Entendo que, no presente processo, a recorrente não pede apenas o reexame da argumentação já apresentada perante o Tribunal Geral uma vez que, através essencialmente dos mesmos argumentos, a recorrente contesta a interpretação e aplicação que o Tribunal Geral faz do artigo 82.° CE. Os fundamentos da recorrente são portanto admissíveis.

A –    O primeiro fundamento, relativo a erros de direito quanto à regulação por parte da RegTP enquanto ARN competente

1.      Primeira parte do primeiro fundamento, relativa à imputação da infracção

11.      A Comissão e a Vodafone alegam a improcedência desta parte do primeiro fundamento.

12.      No que diz respeito ao primeiro período, a recorrente alega que o Tribunal Geral errou ao considerar que a infracção não lhe poderia ser imputada apenas se o comportamento tivesse origem apenas no direito nacional e se não houvesse margem para aplicação de tarifas superiores. Na sua primeira alegação, a recorrente afirma essencialmente que a existência de uma margem de manobra é condição necessária mas não suficiente para a imputação. Fica sem resposta a questão de saber se a recorrente poderia ter aplicado tarifas superiores ou se deveria efectivamente tê‑lo feito. Ademais, a RegTP considerou repetidamente que a compressão tarifária das margens não era anticoncorrencial.

13.      Quanto à imputação, o Tribunal Geral seguiu acertadamente a jurisprudência nesta matéria. Embora, por um lado, se possa entender que o facto de a RegTP não se ter oposto à conduta abusiva da recorrente a incitou de certa forma, a verdade é que, por outro lado, esse facto por si só não exime a recorrente de responsabilidade nos termos do artigo 82.° CE (5). De acordo com a jurisprudência, «[é aplicável o artigo 82.° CE] se se revelar que a legislação nacional deixa subsistir a possibilidade de existência de concorrência susceptível de ser entravada, limitada ou falseada por comportamentos autónomos das empresas» (6). Assim, se a recorrente tinha uma margem de manobra, devia ter pedido à ARN para aumentar as suas tarifas cobradas aos utilizadores finais para pôr termo à conduta abusiva. A grande secção do Tribunal de Justiça deu recentemente um seguimento claro a esta abordagem no acórdão Sot. Lélos kai Sia e o. (7). É referido acertadamente no n.° 113 do acórdão recorrido que as ARN, à semelhança de qualquer órgão do Estado, estão obrigadas a respeitar as disposições do Tratado CE. No entanto, as decisões tomadas pelas ARN não podem impedir uma intervenção posterior da Comissão a exigir o respeito pelo artigo 82.° CE, ao abrigo do Regulamento n.° 17 ou, hoje, Regulamento n.° 1/2003 (8). De facto, no acórdão Masterfoods/HB, o Tribunal de Justiça considerou essencialmente que a Comissão não pode ficar vinculada por uma decisão proferida por um órgão jurisdicional nacional em aplicação do artigo 82.° CE (9). A este respeito, como é referido no n.° 265 do acórdão recorrido, também não considero que seja de excluir que as autoridades alemãs também tenham violado o direito comunitário. Esse incumprimento, se viesse a ser constatado, não eliminaria no entanto a margem de manobra de que a recorrente efectivamente dispunha para reduzir a compressão tarifária das margens. Com efeito, a possibilidade de dar início a um procedimento de acção por incumprimento contra o Estado‑Membro em causa completa as competências da Comissão acima referidas mas não as substitui.

14.      De seguida, no entendimento da recorrente, a responsabilidade da ARN no presente caso prevalece e limita a responsabilidade especial da empresa sob regulação, que se confina à obrigação de transmitir toda a informação à ARN de uma forma correcta e completa. A recorrente alega, em primeiro lugar, que no presente processo as tarifas eram objecto de regulação – regulação, essa, que tinha como objectivo a criação de um sector das telecomunicações aberto à concorrência (10). Acresce que a Directiva «Liberalização» 90/388 (11) se baseia no direito da concorrência, em particular no artigo 86.°, n.° 3, CE. A RegTP era assim obrigada a respeitar o direito comunitário da concorrência. Com efeito, nos termos do parágrafo 27, n.° 3, da TKG, a RegTP deve assegurar a compatibilidade das tarifas «com (…) outras disposições legais», incluindo assim o artigo 82.° CE. Além disso, ao abrigo do artigo 10.° CE, essa RegTP, como entidade do Estado, abster‑se‑á de tomar quaisquer medidas susceptíveis de pôr em perigo a realização dos objectivos do presente Tratado.

15.      No que respeita à alegada transferência de responsabilidade, deve ter‑se em conta que, para o direito da concorrência, o que é relevante é a conduta objectiva de uma empresa (12). A conduta de uma empresa deve normalmente ser‑lhe imputada. Nesse sentido, o Tribunal Geral considerou acertadamente, nos n.os 85 e 86 do acórdão recorrido, que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, só são admitidas excepções a este princípio de forma estrita. De qualquer forma, o facto de a empresa ter agido de boa fé não pode ser relevante a este respeito. Com efeito, como afirmei no início, o facto de um Estado‑Membro poder incitar uma conduta anticoncorrencial não altera, por si só, o facto de essa infracção vir sempre a ser imputada à empresa. Para além disso, apesar de o argumento da recorrente estar correcto per se, no sentido de as disposições nacionais, mencionadas na jurisprudência referida nos n.os 86 a 89 do acórdão recorrido, restringirem ou proibirem a concorrência, e o presente quadro regulamentar visar, pelo contrário, abrir o sector das telecomunicações à concorrência, é um facto que, ao abrigo da Directiva 90/388 e do Regulamento n.° 2887/2000, o quadro regulamentar em causa completa as disposições sobre concorrência do Tratado e deve assegurar um contexto concorrencial, com uma segurança que os artigos 81.° e 82.° CE não conseguiriam por si sós (13). A Comissão lembrou acertadamente a este respeito que resulta claramente da legislação comunitária a sua intenção de proteger a concorrência neste sector específico através da adopção de medidas adicionais. Os artigos 81.° e 82.° CE deviam assim constituir um conjunto de critérios mínimos. Em especial, quanto à primeira alegação da recorrente, no que diz respeito ao período de 1 de Janeiro de 1998 a 31 de Dezembro de 2001, será suficiente referir que, nos termos do artigo 1.° da decisão controvertida, a infracção da recorrente não se deve à não apresentação de pedidos de autorização à RegTP, mas antes a uma política de preços incompatível com o artigo 82.° CE. Esses pedidos constituíam um passo necessário, mas meramente formal, para poder utilizar a margem de manobra disponível. Neste contexto, o Tribunal Geral decidiu acertadamente ao confirmar o critério da Comissão neste sentido, nos n.os 125 a 131 do acórdão recorrido.

16.      Em segundo lugar, a recorrente alega que o Bundesgerichtshof (Tribunal Federal de Justiça, República Federal Alemã) não considerou, na sua decisão de 10 de Fevereiro de 2004, que a responsabilidade da recorrente de apresentar pedidos de autorização para alteração das suas tarifas implica que a recorrente substitua a sua avaliação do artigo 82.° CE à da ARN. Pelo contrário, reforçou que é da ARN a responsabilidade de manutenção da estrutura do mercado.

17.      Bastará observar, no entanto, como referiu acertadamente a Comissão a propósito da referida interpretação do Tribunal Geral da decisão, que a recorrente não invocou qualquer desvirtuação de elementos de prova e que, de todo o modo, o Bundesgerichtshof afirmou que podia efectivamente haver um abuso, mesmo sendo as tarifas objecto de fiscalização ex ante por parte da RegTP.

18.      Em terceiro lugar, a propósito do n.° 120 do acórdão recorrido, a recorrente alega que o Acórdão Masterfoods contra HB não pode ser transposto para este processo. Primeiro, a questão neste caso é apenas a imputação e não a de saber se a Comissão está vinculada à apreciação da substância por parte da RegTP. Segundo, as ARN têm um papel autónomo no quadro do regime concorrencial no sector das telecomunicações.

19.      Considero, mais uma vez, que os argumentos da recorrente não abonam em defesa da sua causa. Como acima se refere, a Comissão não pode estar vinculada à decisão de uma entidade nacional e a autorização dessa entidade nacional não pode impedir a Comissão de considerar existir um abuso ao abrigo do artigo 82.° CE, apenas com base numa alegada falta de imputação. Com efeito, a competência da Comissão advém directamente do Tratado e do Regulamento n.° 17 e, hoje, do Regulamento n.° 1/2003. Como também acima referi, o quadro regulamentar em causa completa as disposições de direito da concorrência e os dois conjuntos de normas devem ser consideradas complementares (14). Finalmente, como alegou acertadamente a Comissão, uma directiva baseada no artigo 86.°, n.° 3, CE não pode, no que respeita ao artigo 82.° CE, suscitar a questão da divisão de competências feita ao nível do direito primário pelos artigos 83.° e 85.° CE. Finalmente, nas suas Orientações relativas à análise e avaliação de poder de mercado significativo (15), a Comissão afirmou de forma clara – algo que já era, na realidade, essencialmente verdade no quadro legal anterior (v. Comunicação Acesso, nota 14, supra) – que, na prática, não é de excluir a possibilidade de surgirem procedimentos paralelos no âmbito da regulamentação ex ante e do direito da concorrência e que as autoridades da concorrência podem, por conseguinte, efectuar as suas próprias análises de mercado e impor soluções adequadas em matéria de direito da concorrência, em paralelo com quaisquer medidas sectoriais específicas aplicadas pelas ARN.

20.      Em quarto lugar, a recorrente considera que o princípio da segurança jurídica exige que uma empresa dominante sujeita a regulação possa confiar na conformidade dessa mesma regulação. Em caso de não conformidade das medidas tomadas pelas ARN com o artigo 82.° CE, deve a Comissão dar início a um procedimento de acção por incumprimento contra o Estado‑Membro, e não contra a empresa dominante.

21.      Na minha opinião, o Tribunal Geral considerou acertadamente que, apesar de a RegTP, à semelhança de qualquer órgão do Estado, estar obrigada a respeitar as disposições do Tratado CE, esta autoridade constituía, à época dos factos do litígio, a autoridade alemã responsável pela aplicação da regulamentação sectorial no domínio das telecomunicações, e não a autoridade de concorrência do Estado‑Membro em causa. Considero de certa forma válida a analogia das duas barreiras, feita no argumento da Comissão, a este respeito. A regulação representa uma das barreiras – é respeitada se a recorrente agir de acordo com as disposições da regulação, e é a RegTP que decide nesta matéria. O artigo 82.° CE representa a segunda barreira e – independentemente da obrigação de respeitar as disposições do Tratado CE que recai sobre a RegTP – está no âmbito da competência da autoridade de concorrência, neste caso a Comissão, decidir quando necessário se esta segunda barreira foi ou não respeitada. Além disso, a recorrente não podia ignorar o facto de a regulação das telecomunicações e aplicação do artigo 82.° constituírem dois instrumentos distintos, mesmo se, em última instância, servirem ambos o propósito de promover a concorrência. A recorrente equivoca‑se quanto à separação dos dois instrumentos quando se refere ao parágrafo 61 da Comunicação Acesso da Comissão e argumenta que, se a Comissão considera que as medidas tomadas pela ARN não estão conformes com o artigo 82.° CE, deve dar início a um procedimento de acção por incumprimento contra o Estado‑Membro. Esta é, efectivamente, a via que a Comissão pode seguir para corrigir erros dos Estados‑Membros no quadro da regulação, ou seja, aplicação insuficiente do quadro regulamentar. Não é, no entanto, objecto da presente acção determinar se a RegTP cometeu ou não tal erro. Como afirmou acertadamente a Comissão, a fiscalização da aplicação do artigo 82.° CE não é transferida para a ARN, para esta substituir a Comissão.

22.      Na sua segunda alegação, a recorrente alega que as considerações feitas nos n.os 111 a 119 do acórdão recorrido – investigação de compressão tarifária das margens – são irrelevantes ou têm vícios de erros de direito. A RegTP negou sempre a existência de uma compressão tarifária das margens anticoncorrencial. A recorrente alega, em primeiro lugar, que para a questão da imputação pouco importa que o Tribunal Geral concorde com a opinião da RegTP. O raciocínio leva a um círculo vicioso ilegal: uma vez que o Tribunal Geral chegou a uma conclusão diferente da que chegou a RegTP, a recorrente não teve direito a basear‑se no resultado da investigação levada a cabo pela RegTP. Não havia, até ao momento, jurisprudência comunitária ou prática decisória da Comissão relativamente a esta matéria. Acresce que o conceito de «subvenção cruzada» usado pela RegTP na sua decisão de 29 de Abril de 2003 não deu à recorrente qualquer motivo para duvidar da correcção do entendimento da RegTP de que não havia compressão tarifária das margens. Com efeito, como é dito no n.° 116 do acórdão recorrido, a RegTP aplicou este conceito não apenas em relação às tarifas para as comunicações, mas também em relação ao agrupamento de vários tipos de serviços de acesso prestados ao utilizadores finais, método que o Tribunal Geral teve que considerar constituir uma «subvenção cruzada».

23.      Entendo que a Comissão observou acertadamente que a afirmação do Tribunal Geral de que a RegTP não analisou o artigo 82.° CE, é uma afirmação de facto que não pode ser impugnada no presente recurso. De todo o modo, concordo com o Tribunal Geral em relação ao que afirma nos n.os 114 e 268 do acórdão recorrido, no sentido em que é relevante o facto de nenhuma das decisões da RegTP a que a recorrente se refere em apoio da sua argumentação conter qualquer referência ao artigo 82.° CE. É assim claro que a RegTP aplicou o direito nacional e não o direito comunitário da concorrência. Como observou a Comissão, as afirmações da RegTP em relação à compressão tarifária das margens não dizem respeito à área em que estava provado a recorrente ter uma margem de manobra, isto é, margem para alterar as tarifas de acesso cobradas aos utilizadores finais. Entendo que o Tribunal Geral afirmou acertadamente que a RegTP não examinou a compatibilidade das tarifas em causa com o artigo 82.° CE ou que, pelo menos, aplicou este artigo de forma errada. O Tribunal Geral considerou assim acertadamente que a RegTP não examinou o artigo 82.° CE. De seguida, a recorrente não pode acusar o Tribunal Geral de raciocínio em círculo vicioso. A recorrente deveria ter inferido da decisão da RegTP que a mesma não substituía ou impedia uma análise do artigo 82.° CE por parte da Comissão. Com efeito, não é apenas o resultado das investigações da RegTP e da Comissão que difere – é importante notar que os critérios relevantes também são diferentes. Quanto ao conceito de subvenção cruzada, entendo que o Tribunal Geral não lhe deu uma importância desproporcionada. Na realidade, tanto a RegTP como o Tribunal Geral no n.° 116 do acórdão recorrido foram claramente da opinião que a questão era a subvenção cruzada entre «as tarifas para os serviços de acesso e as tarifas para as comunicações» e não uma questão de agrupamento de vários tipos de serviços de acesso.

24.      Em segundo lugar, a recorrente entende que o raciocínio que o Tribunal Geral faz nos n.os 111 a 114 do acórdão recorrido – segundo o qual a RegTP não era obrigada a examinar a compatibilidade das tarifas com o artigo 82.° CE – contém um erro de direito pelos motivos acima expostos no ponto 14 desta argumentação. Essa questão, ou a de saber se a RegTP se referiu expressamente ao artigo 82.° CE, é de importância reduzida. O que é decisivo é o facto de a RegTP ter agido num quadro regulamentar que visa abrir o sector à concorrência e nele tornar o direito comunitário da concorrência aplicável, e que a RegTP investigou e se decidiu pela não existência de uma compressão tarifária das margens anticoncorrencial.

25.      Este último argumento não procede. Bastará recordar, a este respeito, que a RegTP aplicava, no momento, direito das telecomunicações e não direito da concorrência. O Tribunal Geral afirmou acertadamente no n.° 113 do acórdão recorrido que as ARN actuam em conformidade com o direito nacional, o qual pode ter objectivos que, inscrevendo‑se nas políticas das telecomunicações, são diferentes dos da política comunitária de concorrência (v. Comunicação Acesso, n.° 13).

26.      Na sua terceira alegação, a recorrente alega que, contrariamente ao que é dito nos n.os 109 e 110 do acórdão recorrido, o facto de as suas tarifas finais para as linhas analógicas se basearem numa autorização concedida pelo BMPT é irrelevante para a questão da imputação. O que é importante é o facto de a RegTP ter examinado e declarada infundada a alegada compressão tarifária das margens anticoncorrencial.

27.      No entanto, como se retira dos n.os 109 e 110 do acórdão recorrido, a recorrente não sustenta que o BMPT tenha examinado a compatibilidade das tarifas em causa com o artigo 82.° CE. Com efeito, como observou a Comissão, a margem entre as tarifas finais pelo acesso às linhas analógicas e as tarifas relativas aos serviços de acesso grossista não podia ter sido examinada nesse momento uma vez que estas últimas só mais tarde foram autorizadas, isto é, provisoriamente em Março de 1998, e definitivamente em Fevereiro de 1999.

28.      Quanto ao segundo período, a recorrente defende que é errada a ideia de que existia uma compressão tarifária das margens abusiva que lhe era imputável. Na sua primeira alegação, a recorrente considera que o acórdão recorrido contém um erro porque, como aconteceu para o período anterior, a compressão tarifária das margens não lhe é imputável por força das decisões da RegTP. Na sua segunda acusação, a recorrente alega que o acórdão recorrido contém uma contradição entre avaliação da imputação da infracção e cálculo da compressão tarifária das margens. Com efeito, o último exige a subvenção cruzada entre dois mercados, mas durante o cálculo da compressão tarifária das margens não foram contabilizadas as receitas que os concorrentes obtêm com os serviços telefónicos, uma vez que em relação aos concorrentes não pode colocar‑se a possibilidade de subvenção entre dois mercados.

29.      Na minha opinião, o Tribunal Geral não decidiu de forma contraditória. Na realidade, a separação entre o mercado da banda larga e o mercado da banda estreita só é válida para o mercado de retalho. Já no que diz respeito ao mercado grossista, há um só mercado de serviços de acesso à rede fixa local. É importante referir que a recorrente não contestou os n.os 148 a 150 do acórdão recorrido e sou da opinião que as considerações do Tribunal Geral nesses números estão correctas. Com efeito, é relevante a este respeito que a recorrente não tenha contestado na primeira instância a definição dos mercados em causa. Resulta do n.° 139 do acórdão recorrido que a recorrente não negou que, antes de 2002, dispunha de margem de manobra suficiente para eliminar a compressão tarifária das margens. Se a recorrente tivesse utilizado essa margem, também não teria havido compressão tarifária das margens no período de 2002 a 2003. Efectivamente, por força da nova regulamentação aplicável a partir de 2002, que permite um aumento suplementar dos preços de retalho, e consequentemente uma redução da compressão tarifária das margens (v. n.os 141 e 142 do acórdão recorrido), uma compressão tarifária das margens que já tivesse terminado em 2001 não devia ser reavaliada pela regulação em 2002. Concordo com a Comissão no sentido de que, com o abuso cometido no primeiro período, a recorrente preparou o terreno para o abuso no período subsequente. No n.° 135 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral manifesta o mesmo entendimento no que diz respeito ao período anterior a 2002, e a mesma lógica subjaz ao entendimento do Tribunal em relação ao segundo período.

30.      Na sua terceira alegação, a recorrente alega que houve um erro de direito quanto à possibilidade de redução da compressão tarifária das margens. A afirmação feita no n.° 149 do acórdão recorrido, apesar de correcta, é irrelevante. No entanto, considerar‑se que «um aumento limitado das tarifas ADSL teria conduzido a uma tarifa final média mais elevada para os serviços de acesso à banda estreita e à banda larga consideradas no seu conjunto» é juridicamente incorrecto e não sustentado por factos. A questão de saber se os assinantes de uma ligação de banda estreita considerariam mudar para uma ligação de banda larga devido ao aumento das tarifas para os serviços de acesso à banda larga, e até que ponto o fariam, não foi examinada. Um aumento das tarifas para os serviços de acesso à banda larga teria levado a uma redução do volume de negócios.

31.      Neste contexto, como já referi, a recorrente não contestou a separação dos mercados. Como a recorrente admitiu no seu recurso, o mercado da banda larga cresceu consideravelmente durante o período em causa (v. considerando 27 da decisão controvertida) e, quanto a esta questão, a recorrente não invocou qualquer desvirtuação de elementos de prova. Como observou a Comissão, devido à compressão tarifária das margens existente no sector das linhas analógicas e RDIS, a recorrente estava a assegurar‑se que também tinha clientes no sector ADSL. Consequentemente, um aumento nas tarifas para os serviços ADSL teria, de qualquer modo, promovido a concorrência e reduzido a compressão tarifária das margens. Também concordo com a Comissão no sentido de que a recorrente não impugnou a afirmação (v. considerando 77 e segs. da decisão controvertida) de que os utilizadores finais que, por motivos profissionais, dependem de uma ligação de banda larga não mudam, na maioria dos casos, para uma simples ligação de banda estreita no caso de haver um aumento do preço. Assim sendo, mesmo se tivesse havido um aumento mais limitado do número de clientes, a compressão tarifária das margens teria sido reduzida devido aos preços mais elevados (elasticidade de preços). Neste sentido, considero que não houve um erro de direito por parte do Tribunal Geral quando concordou com a consideração da Comissão segundo a qual a compressão tarifária das margens teria sido reduzida através de um aumento das tarifas para os serviços ADSL. Daqui resulta, pelos motivos expostos, que a primeira parte do primeiro fundamento da recorrente é infundada.

2.      Segunda parte do primeiro fundamento, relativo ao princípio da protecção da confiança legítima

32.      A Comissão e a Vodafone alegam a improcedência desta parte do primeiro fundamento.

33.      A recorrente alega que o Tribunal Geral aplicou o princípio da protecção da confiança legítima de forma errada. Com efeito, as decisões da RegTP criaram na recorrente a legítima expectativa de as suas tarifas serem lícitas. Neste contexto, a questão de saber se essas decisões incluíam uma referência ao artigo 82.° CE é irrelevante pelos motivos acima expostos no n.° 24. Quanto à segunda alegação, contrariamente ao que considerou o Tribunal Geral nos n.os 267 e 268 do acórdão recorrido, nem da afirmação da RegTP relativa à possibilidade de uma subvenção cruzada com as tarifas para as comunicações nem do uso da expressão «subvenção cruzada» se pode referir que as práticas tarifárias da recorrente tinham um efeito anticoncorrencial. Não havia, até ao momento, qualquer decisão da Comissão ou dos tribunais comunitários nesta matéria. Por conseguinte, a recorrente podia confiar nas decisões da RegTP.

34.      No entanto, decorre das considerações feitas a propósito da primeira parte do primeiro fundamento, que na medida em que as afirmações da RegTP não impedem uma avaliação por parte da Comissão, também não podem criar na recorrente a legítima expectativa de que a Comissão seguiria a opinião da RegTP. Esta razão é suficiente para excluir uma violação do princípio da protecção da confiança legítima, não devendo proceder os argumentos da recorrente contra os n.os 267 a 269 do acórdão recorrido. De todo o modo, concordo com a Comissão em que a crítica feita pela recorrente aos n.os 267 e 268 do acórdão recorrido se baseia implicitamente na hipótese de a Comissão estar vinculada à avaliação da RegTP, o que não é o caso, como já constatámos. Com efeito, as decisões da RegTP deveriam ter levantado suspeitas de que pudesse haver problemas potenciais com a sua estrutura tarifária – ainda mais tendo em conta jurisprudência existente (e a prática decisória da Comissão), referida nos n.os 188 a 191 do acórdão recorrido, no sentido de a natureza abusiva das práticas tarifárias de uma empresa dominante se determinarem com base na sua própria situação. Além disso, como observou acertadamente a Vodafone, a recorrente não ignorava o facto de, em 1998 e 1999, 15 dos seus concorrentes terem apresentado denúncias à Comissão relativas à sua estrutura tarifária, e de a Comissão ter dado início a um exame desses factos ao abrigo do artigo 82.° CE.

35.      Na sua terceira alegação, a recorrente afirma que a referência do Tribunal Geral à decisão do Bundesgerichtshof de 10 de Fevereiro de 2004 é irrelevante. Essa decisão foi pronunciada posteriormente ao período em questão e não é decisiva para a questão de saber se a recorrente podia ou não confiar na correcção das decisões tomadas pela RegTP no período em causa. Pelo contrário, podia inferir da decisão do Oberlandesgericht Düsseldorf (Supremo Tribunal Regional de Düsseldorf) de 16 de Janeiro de 2002 que era acertado confiar nas decisões da RegTP e que estava excluído qualquer abuso ao abrigo do artigo 82.° CE.

36.      Relativamente à decisão do Bundesgerichtshof, contrariamente ao poderiam sugerir os argumentos da recorrente, decorre claramente da leitura do acórdão recorrido que o Tribunal Geral não a considerou uma base para confiança legítimas, limitando‑se a indicar que o Bundesgerichtshof chegou à mesma conclusão que o Tribunal Geral. No que diz respeito à decisão do Oberlandesgericht Düsseldorf, concordo com a Vodafone em que essa decisão foi de todo o modo proferida vários anos após o início do período em apreço. Consequentemente, no limite, poderia ser relevante apenas para o período após 16 de Janeiro de 2002. De facto, como realçou a Vodafone, é discutível que a recorrente não tenha efectivamente tido nenhuma confiança legítima que merecesse protecção (16). Decorre das considerações expostas relativamente ao primeiro fundamento de recurso que, como empresa dominante, deveria ter verificado por si própria se o seu comportamento era compatível com o artigo 82.° CE. É igualmente relevante que, nos termos do Regulamento n.° 17, que ainda estava em vigor na altura dos factos, tivesse de facto a possibilidade de endereçar à Comissão um pedido de certificado negativo para a sua estrutura tarifária. Decorre assim do exposto que a segunda parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

3.      Terceira parte do primeiro fundamento de recurso sobre se a infracção foi cometida de forma dolosa ou negligente

37.      A Comissão e a Vodafone alegam que esta parte do primeiro fundamento de recurso deve ser julgada improcedente.

38.      De acordo com a primeira alegação da recorrente, o acórdão recorrido, nos n.os 284 a 289, não preenche os requisitos do artigo 253.° CE, na medida em que julgou erradamente que a decisão controvertida estava suficientemente fundamentada quanto à questão da negligência ou do dolo. Do ponto de vista jurídico, não basta a Comissão mencionar na segunda referência da decisão controvertida o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 como base legal para a aplicação da coima. A referência não faz parte da fundamentação da decisão. De qualquer forma, não realça os motivos pelos quais a Comissão considerou que a infracção foi cometida de forma dolosa ou negligente. Em segundo lugar, as considerações de facto da Comissão, referidas no n.° 287 do acórdão recorrido, não podem fundamentar a alegação de que a infracção ao artigo 82.° CE foi cometida de forma dolosa ou negligente. Essas considerações não têm qualquer nexo com a questão da imputação subjectiva da conduta nos termos da jurisprudência.

39.      Em primeiro lugar, de acordo com a jurisprudência, uma empresa está consciente da natureza anticoncorrencial do seu comportamento quando está «consciente dos elementos de facto que justificam quer a conclusão da existência de uma posição dominante no mercado, quer a avaliação [da conclusão da Comissão] da existência de um abuso dessa posição» (17). Consequentemente, basta realçar que atendendo ao facto de a consciência da infracção das regras da concorrência não ser decisiva, pode haver dolo mesmo se a empresa não conhecer a interpretação que a Comissão faz dessas regras. O argumento da recorrente relativo à regulação sectorial específica apenas pode, a este propósito, desempenhar um papel no máximo relativamente à questão de saber se a recorrente sabia que a sua actuação era ilícita. Não afecta, no entanto, o carácter doloso do seu comportamento. Como também foi acertadamente realçado pela Comissão, nessas circunstâncias, esta parte do primeiro fundamento de recurso torna‑se ineficaz, porquanto a recorrente preencheu claramente as condições subjectivas previstas no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, facto que não contestou. A Comissão admite que a decisão recorrida não contém quaisquer explicações precisas sobre se a infracção foi cometida de forma dolosa ou, pelo menos, negligente. Concordo, no entanto, que dependendo o dever de fundamentação das circunstâncias específicas de determinado caso, o Tribunal Geral tinha o direito de concluir que as condições previstas no artigo 253.° CE não estavam preenchidas no presente processo. A este respeito, pode realçar‑se que as condições relevantes relacionadas com o conceito de dolo e negligência são inequívocas, na medida em que fazem parte de jurisprudência assente (18). Tal como foi acertadamente referido no n.° 286 do acórdão recorrido, a decisão controvertida contém uma referência ao artigo 15.°, n.° 2 do Regulamento n.° 17, devendo tal facto ser entendido no sentido de que a Comissão considerou que a infracção foi cometida de forma dolosa ou, pelo menos, negligente. Seguidamente, como acertadamente referiu o Tribunal Geral no n.° 287 do acórdão recorrido, a Comissão expôs detalhadamente as circunstâncias da infracção e, não menos importante, os motivos pelos quais considerou que a recorrente devia ser considerada responsável, não obstante a regulamentação aprovada. Assim, a alegação de que o Tribunal Geral concluiu erradamente que a decisão controvertida estava suficientemente fundamentada não deverá proceder.

40.      Na sua segunda alegação, a recorrente manifesta o seu entendimento de que a análise feita nos n.os 295 a 300 do acórdão recorrido está viciada por falta de fundamentação. Para além disso, o raciocínio baseia‑se numa aplicação errada do primeiro subparágrafo do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17. Falta a imputação subjectiva de uma potencial infracção do artigo 82.° CE. Tendo em conta as decisões da RegTP e a falta de um precedente comunitário, a recorrente ignorava o carácter alegadamente anticoncorrencial da sua conduta. As considerações relativas às decisões da RegTP constantes dos n.os 267 a 269 do acórdão recorrido, a que é feita referência no n.° 299 do mesmo acórdão, não sustentam a conclusão que a recorrente cometeu uma infracção (dolosa). A análise de uma infracção não depende do facto de a empresa ignorar ou não que a sua conduta viola o artigo 82.° CE, mas sim do facto de esta ignorar ou não o carácter anticoncorrencial da sua conduta. Além disso, nem o conceito de subvenção cruzada utilizado pela RegTP nem a decisão do Bundesgerichtshof sustentam a conclusão de que a recorrente cometeu uma infracção. Finalmente, o Tribunal Geral não apreciou a alegação de que a recorrente podia tirar as conclusões adequadas da conduta geral da Comissão no presente caso.

41.      No meu entendimento, o Tribunal Geral cumpriu, nos n.os 295 e seguintes do acórdão recorrido, o seu dever de fundamentação quando concluiu que a recorrente agiu dolosamente, uma vez que não ignorava elementos factuais relevantes para a análise da sua situação. O argumento da recorrente de que ignorava que determinada conduta era, do ponto de vista da apreciação jurídica, proibida pelas normas aplicáveis – quando se refere aos conceitos de «anticoncorrencial» ou «carácter anticoncorrencial» – não procede. Bastará recordar que esse critério não corresponde aos critérios relevantes definidos na jurisprudência acima referida no n.° 39, segundo os quais o que é relevante são as circunstâncias ou elementos factuais que conduzem à verificação de um abuso contrário ao artigo 82.° CE. Finalmente, o Tribunal Geral considerou acertadamente, no n.° 298 do acórdão recorrido, que os argumentos da recorrente no sentido de se dar início a um procedimento pré‑contencioso contra a República Federal da Alemanha são irrelevantes, na medida em que não dizem respeito aos critérios definidos na jurisprudência para o conceito de infracção dolosa acima referida. No que respeita à alegada promessa por parte Comissão de que não intentaria nenhuma acção contra a recorrente, este não forneceu qualquer prova que a sustentasse pelo que o Tribunal Geral não tinha que a apreciar. Neste sentido, a terceira parte do primeiro fundamento também não deve proceder. Consequentemente, deve o primeiro fundamento ser considerado integralmente improcedente.

B –    Segundo fundamento, relativo a erros de direito na aplicação do artigo 82.° CE

1.      Primeira parte do segundo fundamento, relativa ao método de determinação da compressão tarifária das margens para provar o abuso

42.      A Comissão e a Vodafone alegam a improcedência desta parte do segundo fundamento.

43.      Na sua primeira alegação, a recorrente invoca a violação do dever de fundamentação do acórdão, uma vez que os seus argumentos não foram apreciados pelo Tribunal Geral. O acórdão recorrido baseia‑se num círculo vicioso – o Tribunal Geral aplicou os critérios escolhidos pela Comissão para determinar os elementos de apreciação das tarifas da recorrente. A objecção da recorrente respeita, no entanto, a uma fase anterior do raciocínio – a questão da adequação do método de determinação da compressão tarifária das margens da Comissão.

44.      Deve salientar‑se que é a primeira vez que o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar‑se sobre esta forma de abuso (19). A única jurisprudência comunitária anterior sobre compressão tarifária das margens é o acórdão Industrie des poudres sphériques/Comissão, do Tribunal Geral (20). Esse processo dizia, no entanto, respeito a um indeferimento por parte da Comissão de uma denúncia, e não a uma decisão que considerasse haver um abuso de posição dominante. No processo presente, este Tribunal tem que decidir inter alia a questão de princípio –o Tribunal Geral considerou acertadamente que a compressão tarifária das margens constitui per se um abuso de posição dominante, isto é, mesmo no caso de não haver preços grossistas abusivos e/ou preços de retalho predatórios? Como veremos mais adiante na exposição, entendo que o Tribunal Geral – ao subscrever a definição de compressão tarifária das margens feita pela Comissão na decisão controvertida – podia considerar, sem cometer qualquer erro de direito, que, no caso presente, a compressão tarifária das margens constitui per se um abuso de posição dominante. Focando especificamente a primeira alegação, relativa à violação do dever de fundamentação, não concordo com a alegação da recorrente. Com efeito, o raciocínio do Tribunal Geral neste sentido não se limita aos n.os 166 a 168 do acórdão recorrido. A este respeito são também importantes os n.os 169 a 213, na medida em que, nesses números, o Tribunal Geral aborda o método utilizado pela Comissão para responder à questão de saber se houve ou não uma compressão tarifária das margens e, consequentemente, um abuso ao abrigo do artigo 82.° CE. Este facto é suficiente para afirmar que o Tribunal Geral não violou o artigo 253.° CE. Também não entendo que o Tribunal Geral possa ser acusado de raciocínio em círculo vicioso. Nos n.os 166 a 168 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral limitou‑se assumidamente a subscrever o ponto de vista da Comissão. No entanto, como observou acertadamente a Vodafone, no n.os 183 e seguintes do acórdão recorrido o Tribunal Geral apreciou os argumentos da recorrente e explicou porque era necessário não os aceitar. Em particular, ao analisar o método da Comissão, o Tribunal Geral também apreciou a questão de saber se esse método é ou não adequado a provar a existência de um abuso ao abrigo do artigo 82.° CE. É por esta razão que o Tribunal Geral, no n.° 167 do acórdão recorrido, pôde afirmar que, para esta forma de abuso, o que é relevante é a margem entre os preços e não a natureza abusiva dos preços per se. Neste contexto, nos n.os 189 a 191 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral refere precedentes importantes a este respeito. Claramente, não existe qualquer violação do dever de fundamentação no acórdão recorrido quanto a esse ponto.

45.      Através da sua segunda alegação, a recorrente invoca a existência de uma errada aplicação do artigo 82.° CE: a análise da compressão tarifária das margens é intrinsecamente inadequada para demonstrar um abuso numa situação em que as tarifas dos serviços de acesso grossista são fixadas por uma ARN. De facto, se as tarifas dos serviços de acesso grossista fixadas pela ARN fossem exageradas, a empresa regulada seria obrigada a aplicar aos utilizadores finais tarifas exageradas. Aqui a recorrente foi obrigada a optar entre duas diferentes formas de abuso: uma compressão tarifária das margens ou tarifas excessivas. Não poderia dessa forma evitar cometer um abuso. Uma empresa dominante apenas comete um abuso quando as suas tarifas cobradas aos utilizadores finais são, enquanto tais, abusivamente baixas.

46.      Considero que, tendo o Tribunal Geral julgado acertadamente que a compressão tarifária das margens depende da margem entre duas tarifas e não no nível absoluto das tarifas em si, e desde que, naturalmente, a empresa tenha a liberdade de modificar pelo menos uma das tarifas, deve poder continuar a efectuar‑se uma análise da compressão tarifária das margens mesmo que uma ou ambas as tarifas estejam sujeitas a regulação. De facto, o exemplo de tarifas de acesso grossista demasiado elevadas impostas pela ARN é, em minha opinião, por natureza teórica, pelo menos porque as tarifas dos serviços de acesso grossista eram fixadas com base nos seus custos, como decorre do n.° 8 do acórdão recorrido, tendo a recorrente a opção de apresentar um requerimento para tomar em consideração uma alteração do cálculo da base de custo. Consequentemente, o acórdão recorrido está em conformidade com o artigo 82.° CE, devendo a primeira parte do segundo fundamento de recurso ser julgada improcedente.

2.      Segunda parte do segundo fundamento de recurso relativo ao erro de cálculo da compressão tarifária das margens.

47.      A Comissão e a Vodafone alegam que esta parte do segundo fundamento do recurso deve ser julgada improcedente.

48.      Com a sua primeira alegação, a recorrente afirma que, no contexto da análise da metodologia da Comissão, o acórdão recorrido contém igualmente erros de direito na medida em que se baseia em condições incompatíveis com o artigo 82.° CE. A análise do concorrente com o mesmo grau de eficiência foi erradamente aplicada aos factos do processo, porquanto a recorrente, enquanto empresa dominante, não está sujeita às mesmas condições legais que as suas concorrentes. A recorrente foi obrigada a aceitar todos os assinantes independentemente do seu interesse comercial. Além disso, foi obrigada a fornecer pré‑selecção e chamada‑a‑chamada (em conjunto: «(pré‑)selecção»), enquanto que as concorrentes não estavam sujeitas a essas obrigações. A análise do concorrente com o mesmo grau de eficiência deveria assim ter sido adaptada. A análise não deveria ter sido baseada na estrutura de clientela da recorrente.

49.      Esta parte do segundo fundamento de recurso diz respeito às condições que são relevantes para se considerar se a compressão tarifária das margens deve ser considerada abusiva nos termos do artigo 82.° CE. É claro neste momento que, quer a Comissão na decisão controvertida quer o Tribunal Geral no acórdão recorrido, não condenaram a recorrente pelo nível dos seus preços por grosso, nem tão pouco porque eram impostos pela ARN (mesmo que, como decorre do n.° 93 do acórdão recorrido, esse facto fosse apenas presumido a favor da recorrente). De facto, a questão não era os seus preços dos serviços de acesso grossista serem muito altos, mas antes o facto de os seus preços cobrados ao utilizador final serem muito baixos, sendo a diferença entre estes e os preços por grosso – e, logo, as margens dos concorrentes – serem negativas ou insuficientes, dependendo do período em apreço (21). Consequentemente, como decorre do n.°181 do acórdão recorrido, o argumento da recorrente relativo aos custos específicos dos produtos apenas diz respeito ao segundo período (de 2002 a Maio de 2003), porquanto no primeiro período a margem entre preços dos serviços de acesso grossista e os preços cobrados ao utilizador final da recorrente foi negativa. O critério que deve ser considerado pelo Tribunal de Justiça a este respeito é o da relevância da «análise do concorrente com o mesmo grau de eficiência», que é o objecto da primeira alegação da recorrente. O Tribunal de Justiça terá que responder à questão de saber se, em princípio, nos casos de compressão tarifária das margens, há que tomar em consideração os próprios custos da empresa (a análise do concorrente com o mesmo grau de eficiência), em vez dos custos dos seus concorrentes (a análise do concorrente razoavelmente eficiente) (22). Em 1998, na sua comunicação relativa ao acesso, a Comissão sugeriu expressamente que ambas as análises são importantes. Relativamente à primeira análise, a Comissão referiu o seguinte: «Pode ser demonstrada a existência de uma compressão de [margens] se for comprovado que as operações a jusante de uma empresa em posição dominante não seriam rentáveis com base no preço a montante cobrado aos seus concorrentes por uma divisão de serviços a montante da empresa em posição dominante». Relativamente à segunda análise, referiu o seguinte: «Em circunstâncias adequadas, pode ser igualmente demonstrada a existência de uma compressão de [margens] se for comprovado que a margem entre o preço facturado aos concorrentes no mercado a jusante … em matéria de acesso e o preço imputado pelo operador da rede no mercado a jusante é insuficiente para permitir a um prestador de serviços razoavelmente eficiente no mercado a jusante registar um nível de lucros normal…» (23). Contudo, como é referido de forma correcta no acórdão recorrido, o Tribunal de Justiça teve em consideração a análise do concorrente com o mesmo grau de eficiência no contexto da fixação de preços predatórios no acórdão AKZO/Comissão (24). Em minha opinião, o Tribunal Geral decidiu bem ao considerar que a análise do concorrente com o mesmo grau de eficiência é relevante não só quando o abuso consiste na diferença entre os preços e os custos da empresa dominante, mas também na diferença entre os seus preços dos serviços de acesso grossista e os cobrados ao utilizador final (25). De facto, considero que é difícil apontar uma falha à análise efectuada pelo Tribunal Geral nos n.os 186 a 194 do acórdão recorrido, na medida em que decorre claramente de precedentes relevantes e do princípio da segurança jurídica que a análise do concorrente com o mesmo grau de eficiência é a análise apropriada no contexto do presente processo. Além disso, uma opinião alargada defende que, em geral, a análise do concorrente com o mesmo grau de eficiência constitui o critério apropriado (26).

50.      Em especial, relativamente à primeira alegação, a recorrente aponta o n.° 188 do acórdão recorrido e alega que, para efeitos do presente processo, devia ser relevante a situação dos concorrentes, e não a da empresa dominante. A recorrente alega que no presente processo deveria ter sido adoptada a análise do concorrente com o mesmo grau de eficiência, porquanto, enquanto empresa dominante, está, no presente processo, sujeita a condições legais e materiais distintas. Alega, em particular, que a análise não se deveria ter baseado na estrutura de clientela. Devo, em primeiro lugar, referir que a própria recorrente reconhece que a análise é em geral útil, na medida em que reduz a promoção dos concorrentes ineficientes e aumenta a segurança jurídica das empresas dominantes, porquanto, nos termos desta análise, estas estão em posição de avaliar – ex ante – a legalidade das suas próprias actividades. Em seguida, como a Comissão acertadamente afirmou, a recorrente não se pode defender a si mesma declarando que não era tão eficiente quanto as suas concorrentes. O direito da concorrência não prevê uma «defesa por ineficiência». Pelo contrário, o artigo 82.° CE pretende evitar o comportamento de uma empresa dominante que tente obstruir a concorrência., quando a empresa é precisamente forçada a lutar para eliminar ineficiências. Assim sendo, não estou convencido que o presente processo deva modificar o critério estabelecido pelo artigo 82.° CE neste contexto.

51.      Na sua segunda alegação, a recorrente afirma que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao não tomar em consideração os custos relativos a serviços de telecomunicações adicionais (chamadas telefónicas). Esse método não é compatível com a análise económica nem com a prática decisória de outras autoridades na Europa e nos Estados Unidos. Está em contradição com a realidade do mercado: nem os assinantes nem os operadores consideram o acesso ao serviço de forma isolada. Dum ponto de vista económico, a análise da compressão tarifária das margens deve tomar em consideração todas as receitas e custos relacionados com a venda por grosso. No caso de empresas multi‑produto, se existirem custos dos serviços de venda por grosso que servem de base para uma variedade de serviços prestados a consumidores finais em diversos mercados em simultâneo, a agregação deve ser efectuada a um nível superior se a totalidade de serviços relevantes para os assinantes for tomada em consideração.

52.      De facto, a análise do concorrente com o mesmo grau de eficiência é adequada porquanto demonstra se um concorrente é capaz de competir com a empresa dominante em condições de igualdade de oportunidades. Além disso, como o Tribunal Geral acertadamente referiu no n.° 192 do acórdão recorrido, qualquer outro critério poderia violar o princípio geral de segurança jurídica. Contudo, a recorrente alega que, apesar da compressão tarifária das margens, as suas concorrentes conseguiram concorrer com ela com base em modelos de negócio diferentes do seu e através da oferta de produtos graças a serviços fora dos mercados em questão. Como resulta dos n.os 195 a 199 do acórdão recorrido, a análise do concorrente com o mesmo grau de eficiência demonstrou que os concorrentes da recorrente não tinham capacidade económica para adoptar o modelo de negócio usado em concreto pela recorrente no mercado de acesso. A recorrente não pode pretender uma adaptação da análise do concorrente com o mesmo grau de eficiência no presente processo apenas porque a sua situação não é igual à das suas concorrentes. Tal não é possível simplesmente porque a empresa dominante e as suas concorrentes nunca estarão, por definição, exactamente na mesma situação. Quanto aos argumentos relativos às dificuldades que enfrenta enquanto empresa anteriormente detida pelo Estado no processo de transformação em empresa comercial, com uma estrutura de clientela diferente da das suas concorrentes, basta realçar que, como acima referi, o direito da concorrência não toma em consideração essas ineficiências das empresas dominantes. Ademais, a Comissão referiu que a recorrente tinha antes uma vantagem competitiva, graças aos seus clientes analógicos quando estes pretendem melhorar a sua assinatura de acesso. No que diz respeito ao argumento de que apenas a recorrente oferecia serviços de «chamada‑a‑chamada», a Comissão realçou que isso é incorrecto, pois alguns dos seus concorrentes também ofereciam esse serviço aos seus clientes. A obrigação da recorrente de permitir esse serviço decorria da sua posição particular no mercado, não havendo assim discriminação em relação às suas concorrentes; as situações diferentes eram tratadas de forma diferente. Como referi no início das presentes conclusões, a regulação pode não afectar a aplicação do artigo 82.° CE enquanto a recorrente tiver suficiente liberdade comercial. Assim, a recorrente não pode procurar retirar um estatuto especial da regulação.

53.      A recorrente alega que a análise da compressão tarifária das margens efectuada pelo Tribunal Geral é incompleta, na medida em que não toma em consideração as comunicações possibilitadas pelo serviço grossista. De facto, as concorrentes podem excluir a (pré‑) selecção de operadores e oferecer um acesso agrupado, comunicações e outros através de um lacete local. Aqui, a pedido dos assinantes e a concorrência dos operadores diz respeito uma oferta de serviços agrupados de acesso e comunicações. Em segundo lugar, entende que os n.os 196 a 202 do acórdão recorrido baseiam‑se em diversos erros de direito. A questão de saber se os custos de comunicações são ou não relevantes depende da questão de princípio relativa ao método correcto a ser aplicado a empresas multi‑produto. Afirma ainda que o Tribunal Geral não pode escapar a essa análise com base nos seus limites de fiscalização no n.° 185 do acórdão recorrido.

54.      Em primeiro lugar, as afirmações constantes dos n.os 196 e 197 do acórdão recorrido – segundo as quais o princípio do reequilíbrio tarifário exige a consideração em separado do custo de conexão inicial e do custo das chamadas – constituem um erro de direito. O acórdão recorrido é contraditório. No n.° 113, o Tribunal Geral baseia‑se, em relação à imputação, no facto de os objectivos de regulação sectorial poderem ser diferentes dos da política comunitária da concorrência, mas em seguida extrai precisamente de um princípio regulatório que é necessária a separação entre o custo de conexão inicial e o custo das chamadas, mesmo que os assinantes vejam esses serviços como um todo. Em seguida, o n.° 161 do acórdão recorrido contém uma fundamentação insuficiente na medida em que não justifica por que razão a posição do Tribunal Geral é correcta e não analisa as objecções suscitadas pela recorrente.

55.      Concordo, novamente, com a Comissão que neste processo apenas uma abordagem que permita que os dois mercados possam ser considerados em separado e que analise a compressão tarifária das margens entre o mercado grossista e o mercado retalhista é compatível com o artigo 82.° CE. De facto, nos n.os 195 a 207 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral não cometeu qualquer erro de direito ao confirmar o critério da Comissão. No que respeita ao argumento relativo à análise da compressão tarifária das margens no caso de uma empresa multi‑produto, a Comissão realçou acertadamente que a recorrente ignorou o facto de os serviços de acesso não serem indispensáveis para gerar receitas das comunicações. Com a chamada‑a‑chamada, a recorrente também conseguiu gerar receitas no mercado das comunicações, tal como as suas concorrentes, independentemente da situação dos contratos de assinatura. A Comissão explicou de forma correcta por que razão a conclusão da recorrente de que todos as concorrentes desactivaram a chamada‑a‑chamada estava errada; a recorrente confunde causa e efeito, a compressão tarifária das margens por esta criada impedia as concorrentes de prestar apenas serviços de acesso e cobrir os seus custos. Quanto aos exemplos de decisões de outras autoridades reguladoras que chegaram a diferentes conclusões, poderão, no máximo, ser interessantes do ponto de vista do direito comparado. Não modificam, no entanto, os objectivos e critérios de análise previstos no artigo 82.° CE. Assim, considerando a afirmação constante do n.° 185 do acórdão recorrido, considero que daí decorre que apesar dessa afirmação, o Tribunal Geral procedeu a uma análise detalhada para confirmar o método da Comissão.

56.      Além disso, segundo a recorrente, a conclusão de que o princípio do reequilíbrio tarifário exclui os serviços de telecomunicações é no essencial incorrecta e infringe o artigo 82.° CE. Esse princípio não disponibiliza as condições de aplicação do artigo 82.° CE. Além disso, o princípio do reequilíbrio tarifário apenas se aplica à recorrente e à sua regulação de custos, e não às suas concorrentes. Nada refere quanto às suas possibilidades de concorrer. Apesar de a regulação das telecomunicações poder ser utilizada para a implementação do artigo 82.° CE, esse artigo não é a instrumento previsto para a implementação da regulação sectorial.

57.      No que diz respeito ao princípio do reequilíbrio tarifário, não parece existir qualquer contradição no acórdão recorrido. É inquestionável que o artigo 82.° CE deve tomar em consideração a situação e o quadro jurídico do mercado em apreço. A alegação de que o acórdão recorrido padecia de falta de fundamentação quanto a este ponto não pode proceder, porquanto está insuficientemente detalhada. A recorrente não explica, em particular, quais são as suas objecções ao recurso ao princípio do reequilíbrio tarifário. Além disso, enquanto o n.° 196 do acórdão recorrido define a relação entre o quadro legal e a análise nos termos do artigo 82.° CE, o n.° 197 refere‑se à fundamentação da Comissão. Concordo com a Comissão que, contrariamente às afirmações da recorrida, o reequilíbrio tarifário, previsto na Directiva 96/19/CE da Comissão (27), se destina a separar de forma clara a prestação do serviço universal e serviços sujeitos a concorrência e a efectuar a distinção com base nos custos. A subvenção cruzada deveria assim ser evitada. Contudo, tal conduz à conclusão, acertadamente referida no n.° 196 do acórdão recorrido, que tem que haver uma distinção entre as taxas de conexão e as referentes às comunicações, mesmo no âmbito de uma análise nos termos do artigo 82.° CE. É irrelevante se a regulamentação se aplica aos concorrentes a este respeito, porquanto a Directiva 96/19 visa precisamente proteger as concorrentes da recorrente.

58.      Em primeiro lugar, a recorrente alega que o n.° 199 do acórdão recorrido está insuficientemente fundamentado. O Tribunal Geral deveria ter examinado quais os serviços que se baseiam no lacete local como um serviço grossista. Só então o Tribunal Geral poderia ter concluído pela igualdade de oportunidades. Essa igualdade só é garantida no âmbito de uma análise global de todas as taxas e custos de todos os serviços baseados no lacete local. A recorrente alega que o Tribunal Geral desafiou as leis da lógica e refere‑se ao n.° 238 do acórdão recorrido. A premissa do Tribunal Geral segundo a qual a recorrente não incorre em quaisquer custos com conexões é manifestamente errada. Na realidade, uma vez que as taxas de conexão aplicadas pela recorrente são inferiores aos seus próprios custos, a recorrente deveria, como as suas recorrentes, recorrer à subvenção cruzada entre as taxas de acesso e as taxas de comunicações. Além disso, a afirmação feita no n.° 202 do acórdão recorrido é contraditória, na medida em que está em contradição directa com a análise do concorrente com o mesmo grau de eficiência, nos termos do qual apenas a estrutura de custos e as taxas da recorrente são decisivas.

59.      Considero que as afirmações constantes dos n.os 199 a 201 do acórdão recorrido, segundo as quais a igualdade de oportunidades impõe uma separação, estão correctas, porquanto uma análise global das conexões e comunicações levaria as concorrentes da recorrente a competir com ela apenas com base num determinado modelo de subvenção cruzada que iria consolidar a forte posição da recorrente na área dos serviços de conexão, como foi acertadamente referido pela Comissão. No entanto, como referiu o Tribunal Geral no n.° 202 do acórdão recorrido, o modelo proposto pela recorrente obrigaria as suas concorrentes a compensar as perdas geradas na área dos serviços de conexão com tarifas de comunicações mais elevadas. A esse respeito, é importante realçar que a recorrente não contesta a definição do mercado nos termos da qual os serviços de conexão a utilizadores finais e as tarifas de comunicações constituem cada uma um mercado separado. Além disso, os serviços de comunicações podem ser igualmente prestados sem o recurso a um serviço de conexão. A Comissão defende acertadamente que a alegação de que os princípios da lógica foram violados não ajuda a recorrente. A decisão controvertida denunciou a compressão tarifária das margens apenas por causa do seu efeito no mercado de retalho, não sendo assim a Comissão obrigada a conduzir uma investigação para apurar se as concorrentes estavam pior colocadas do que a recorrente no mercado das comunicações. Em minha opinião, basta referir que o n.° 237 do acórdão recorrido já contém uma resposta completa aos argumentos suscitados em primeira instância, o que é suficiente para confirmar a decisão controvertida. Assim, a crítica feita ao n.° 238 do acórdão recorrido é irrelevante. De todo o modo, a recorrente não provou que essa crítica é procedente. Além disso, o Tribunal Geral julgou acertadamente – sem se contradizer – que, com base na análise do concorrente com o mesmo grau de eficiência, as concorrentes têm uma oportunidade no mercado se oferecerem, com tarifas de ligação superiores para cobrir os custos, tarifas de comunicação inferiores às da recorrente, sendo assim os agrupamentos de serviços comparáveis.

60.      Por último, a recorrente considera que o Tribunal Geral aplicou um critério legal errado no que diz respeito à distribuição do ónus da prova, na medida em que nos n.os 201 e 202 do acórdão recorrido, apenas referiu que «não se pode excluir» a eventualidade os concorrentes nem sequer terem tido possibilidades económicas de proceder à compensação de eventuais perdas geradas pelas conexões telefónicas com as receitas das comunicações, enquanto a recorrente pretendia demonstrar, na sua petição na primeira instância, que era possível realizar subsidiações cruzadas.

61.      Concordo com a Comissão em que o Tribunal Geral decidiu com base na questão de facto suscitada pela recorrente e não decidiu a causa com base no ónus da prova. No n.° 202 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral afirmou que durante o período visado, a recorrente desceu fortemente os seus preços para as comunicações. Esta afirmação não pode ser impugnada pela recorrente, porquanto não alegou qualquer distorção dos factos. Neste termos, a segunda parte do segundo fundamento de recurso não deve proceder.

3.      Terceira parte do segundo fundamento de recurso relativa aos efeitos da compressão tarifária das margens

62.      A Comissão e a Vodafone defendem que esta parte do segundo fundamento de recurso deve ser julgada improcedente.

63.      Através da sua primeira alegação, a recorrente alega que tendo sido a compressão tarifária das margens errada, a análise dos efeitos da alegada compressão tarifária das margens está igualmente viciada por erros de direito. Os n.os 234 e 235 do acórdão recorrido rejeita acertadamente a ideia da Comissão de que não era necessário demonstrar os efeitos anticoncorrenciais. Contudo, a análise constante do n.° 237 do acórdão recorrido baseia‑se numa compressão tarifária das margens que apenas toma em consideração as tarifas de ligação. No n.° 238 do acórdão recorrido é referida uma falsa premissa de que, relativamente à subvenção cruzada entre as tarifas para os serviços de acesso e as tarifas para as comunicações, os concorrentes são discriminados em relação à recorrente, a qual não sofre perdas ao nível dos acessos. Através da sua segunda alegação, a recorrente alega que a fundamentação que demonstrou a existência de efeitos anticoncorrenciais está igualmente viciada de erros de direito. O n.° 239 do acórdão recorrido limita‑se a afirmar que a quota de mercado dos concorrentes nos mercados das ligações em banda larga e em banda estreita permaneceu reduzida, sem provar o nexo entre essas quotas de mercado e a alegada compressão tarifária das margens. Além disso, o n.° 240 do acórdão recorrido baseia‑se numa incorrecta interpretação do considerando 182 da decisão controvertida.

64.      Saliento que, no n.° 235 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral afirmou acertadamente que a Comissão tem que demonstrar que as práticas tarifárias da recorrente têm um efeito anticoncorrencial. Decorre claramente daquele número que o Tribunal Geral considerou que o efeito anticoncorrencial que a Comissão tem que demonstrar no presente processo diz respeito a eventuais impedimentos que as práticas tarifárias da recorrente possam ter causado ao desenvolvimento da concorrência nesse mercado. Assim, apesar de o Tribunal Geral não exigir que a Comissão demonstre a existência de efeitos anticoncorrenciais concretos, exigiu a prova da criação de impedimentos à entrada no mercado e, consequentemente, a demonstração de potenciais efeitos anticoncorrenciais. A esse respeito, o Tribunal Geral, no n.° 237 do acórdão recorrido, considerou que, na medida em que os serviços de acesso grossista da recorrente são indispensáveis para permitir a um concorrente entrar em concorrência com ela no mercado a jusante dos serviços de acesso a assinantes, a compressão tarifária das margens entre as tarifas intermédias e as tarifas de retalho da recorrente entravará, em princípio, o desenvolvimento da concorrência nos mercados a jusante. Assim, em minha opinião, o Tribunal Geral realçou acertadamente o facto de, no presente processo, as prestações intermédias serem indispensáveis e que sem acesso a esses serviços, os concorrentes da recorrente não seriam sequer capazes de entrar no mercado a jusante dos serviços de acesso a assinantes. Tal posição está alinhada com a do Tribunal Geral na sua jurisprudência, segundo a qual o efeito exigido não está necessariamente relacionado com o efeito concreto do comportamento abusivo objecto da acusação. Para demonstrar a violação do artigo 82.° CE, é suficiente demonstrar que o comportamento abusivo da empresa em posição dominante tende a restringir a concorrência, ou, por outras palavras, que o comportamento pode ter esse efeito (28). Em minha opinião, daqui decorre que a Comissão deve demonstrar que no contexto do mercado específico em causa existem potenciais efeitos anticoncorrenciais (29). Assim, a mera alegação de que podem existir efeitos anticoncorrenciais remotos e abstractos não é suficiente. Decorre de tudo o que precede que o Tribunal Geral não cometeu qualquer erro de direito.

65.      No que diz respeito à primeira alegação, segundo a qual a análise dos efeitos está, de todo o modo, incorrecta, porquanto apenas toma em consideração as tarifas de ligação, é ineficaz. Já acima explanei nas minhas conclusões porque devem esses argumentos ser julgados improcedentes. No que diz respeito à segunda alegação da recorrente relativa ao nexo de causalidade e, em particular, ao seu argumento segundo o qual nas telecomunicações não constitui uma surpresa que os operadores apenas penetram no mercado lentamente, não foi apresentado enquanto tal na primeira instância, não sendo, de todo o modo, relevante. Relativamente à inclusão do serviço de chamadas, a recorrente não explicou por que razão era necessário alterar, nesta fase da análise, a abordagem que foi usada como base de cálculo da compressão tarifária das margens e tomar em consideração os serviços de chamadas. Por último, relativamente ao argumento referente ao n.° 182 do acórdão recorrido, deve realçar‑se que não é dirigido contra o acórdão recorrido. Além disso, tal como foi alegado pela Comissão, não tendo sido suscitado na primeira instância, é inadmissível, sendo, de todo o modo, improcedente, porquanto a compressão tarifária das margens no presente processo, independentemente da sua dimensão, impossibilitou economicamente os concorrentes de proporem serviços de acesso ao mesmo preço da recorrente. Nestes termos, a terceira parte do segundo fundamento de recurso deve ser rejeitada por ser parcialmente inadmissível e, de qualquer modo, improcedente. Consequentemente, o segundo fundamento do recurso deve ser julgado totalmente improcedente.

C –    O terceiro fundamento de recurso, relativo a erros de direito no cálculo das coimas

1.      Primeira parte do terceiro fundamento de recurso relativa à gravidade da violação

66.      A recorrente alega que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, foi violado, porquanto nenhum dos argumentos da Comissão nem o raciocínio do Tribunal Geral nos n.os 306 a 310 do acórdão recorrido fundamentam a afirmação de que, no primeiro período, a recorrente cometeu uma violação grave. O Tribunal Geral ignorou o facto de, nos termos da Secção 1A das Orientações para o cálculo das coimas (30), um comportamento restritivo apenas «pode» constituir uma infracção grave.

67.      A Comissão defende que esta parte do terceiro fundamento de recurso deve ser julgada improcedente.

68.      Basta realçar que o argumento da recorrente é ineficaz a partir de 1 de Janeiro de 2002, porquanto a infracção não foi considerada grave, mas apenas pouco grave. Relativamente ao período entre 1998 e 2001, a Comissão alegou acertadamente que nos termos da Secção 1A das Orientações, não é obrigatório, nessa fase de avaliação da gravidade da infracção, tomar em consideração um ligeiro contributo para a infracção (v. n.° 311 do acórdão recorrido). A possibilidade de reconhecer uma circunstância atenuante a este propósito já foi utilizada pela Comissão, como decorre do n.° 312 do acórdão recorrido. Além disso, a recorrente não explica qual o acto em concreto da participação da RegTP na fixação dos preços que deveria ter conduzido à redução adicional da coima. Assim sendo, esta parte do terceiro fundamento de recurso deve ser julgada improcedente.

2.      Segunda parte do terceiro fundamento de recurso, segundo o qual não foram suficientemente consideradas as circunstâncias atenuantes

69.      A recorrente alega que no considerando 212 da decisão controvertida, a Comissão apenas considerou a existência de disposições reguladoras sectoriais à escala nacional e não o conteúdo dessas disposições, ou seja, a análise e rejeição pela RegTP de uma compressão tarifária das margens anticoncorrencial. Entende que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao não criticar a Comissão por esta ter ignorado duas outras circunstâncias atenuantes, na acepção da Secção 3 das Orientações. Atendendo às decisões da RegTP, a recorrente estava convencida da licitude do seu comportamento. De todo o modo, a infracção foi cometida de forma negligente.

70.      A Comissão alega que esta parte do terceiro fundamento de recurso deve ser rejeitada.

71.      Tal como é referido pela Comissão, a recorrente desconsidera de todo o modo o facto de o considerando 212 da decisão controvertida ter sido redigido em termos gerais e que apoia totalmente a interpretação que lhe é dada no n.° 312 do acórdão recorrido. No que diz respeito ao argumento de que a recorrente agiu com mera negligência, este não foi suscitado na primeira instância. De qualquer maneira, o Tribunal Geral decidiu acertadamente nos n.os 295 a 297 do acórdão recorrido que o comportamento da recorrente corresponde à definição de um comportamento doloso. Esta parte do terceiro fundamento de recurso é assim parcialmente inadmissível e, em qualquer caso, improcedente.

3.      Terceira parte do terceiro fundamento de recurso, relativa à aplicação de uma coima simbólica.

72.      No n.° 319 do acórdão recorrido há uma violação do princípio da igualdade de tratamento. A recorrente deveria ter sido objecto de uma coima simbólica, como aconteceu na decisão Deutsche Post (31). A recorrente agiu de uma forma que cumpria com a jurisprudência dos tribunais alemães e com as decisões da RegTP. É irrelevante que a decisão do Oberlandesgericht tenha sido posteriormente anulada, porquanto resultava da possibilidade de uma excepção que não é aplicável ao presente processo e foi apenas após a anulação da decisão que a recorrente poderia proceder com base no facto de poder ser responsabilizada nos termos do artigo 82.° CE. A situação da recorrente é comparável com aquela que esteve na base do acórdão Deutsche Post. A comunicação relativa ao acesso dificilmente constitui «jurisprudência». Finalmente, o facto de uma empresa pôr termo a uma infracção não pode constituir uma condição necessária para a aplicação de uma coima simbólica.

73.      A Comissão alega que esta parte do terceiro fundamento de recurso deve ser julgada improcedente.

74.      A Comissão está certa quando afirma que a alegação da recorrente é irrelevante. Este argumento apenas seria útil à causa da recorrente se os enquadramentos factual e legal dos dois processos fossem directamente comparáveis (32). Os n.os 317 a 320 do acórdão recorrido demonstram que tal não sucedeu e que, de facto, a recorrente não alegou que as afirmações constantes desses números eram erradas quanto aos factos e que as diferenças aí referidas não existiam. A Comissão acerta igualmente ao afirmar que as coimas simbólicas são uma excepção e que não deveria ser obrigada a justificar a decisão de determinar a coima de acordo com as regras normais. Em qualquer caso, a Comissão tomou em consideração as decisões da RegTP como circunstâncias atenuantes. O Tribunal Geral confirmou, nos n.os 312 e 313 que não havia qualquer erro de análise a este respeito. No que diz respeito à decisão da Oberlandesgericht, basta realçar que o Tribunal Geral afirmou acertadamente, no n.° 319 do acórdão recorrido, que foi proferida num período durante o qual a Comissão não aplicou a coima que seria adequada em circunstâncias normais. De qualquer maneira, é igualmente acertado que a Oberlandesgericht não lidou de forma alguma com a questão de saber quais dos factores deveriam ser tomados em consideração na definição de uma compressão tarifárias das margens. Essa decisão é assim irrelevante para a questão da coima simbólica. Por último, essa decisão é incompatível com a jurisprudência comunitária. O facto de ter sido revogada pelo Bundesgerichtshof apenas confirmou aquilo que a recorrente deveria saber. Em segundo lugar, a Comissão deu a conhecer a sua posição em relação a determinadas práticas nas suas comunicações com a recorrente. As declarações da RegTP não diziam respeito ao artigo 82.°CE e, de qualquer maneira, a Comissão divulgou, na sua comunicação relativa ao acesso, que o direito da concorrência comunitário era aplicado em simultâneo com o direito das telecomunicações e que mesmo as práticas autorizadas pelas ARN estavam sujeitas às disposições do Tratado sobre a concorrência. Por último, considero que no presente processo basta realçar, contrariamente ao acórdão Deutsche Post, que a recorrente não deu nenhuma garantia para evitar qualquer outra futura infracção. Além disso, a Comissão acrescentou que, no presente processo, a recorrente não facilitou a sua tarefa como autoridade de concorrência. Esta parte do terceiro fundamento de recurso deve igualmente ser julgada improcedente e, consequentemente, o terceiro fundamento de recurso deve ser julgado totalmente improcedente. Resulta de todas as considerações acima expostas que há que negar provimento ao recurso.

IV – Conclusão

75.      Em face do exposto proponho que o Tribunal de Justiça:

–        negue provimento ao recurso;

–        condene a Deutsche Telekom no pagamento das suas próprias despesas e no pagamento das despesas da Comissão;

–        condene a Vodafone e a Versatel no pagamento das suas próprias despesas.


1 – Língua original: inglês.


2 – Acórdão de 10 de Abril de 2008, Deutsche Telekom/Comissão (T‑271/03, Colect., p. II‑477, a seguir «acórdão recorrido»).


3 – Decisão 2003/707/CE da Comissão, de 21 de Maio de 2003, relativa a um processo de aplicação do artigo 82.° CE (Processo COMP/C‑1/37.451, 37.578, 37.579 – Deutsche Telekom AG) (JO L 263, p. 9) (a seguir «decisão controvertida»).


4 – Acórdão de 12 de Setembro de 2006, Reynolds Tobacco e o./Comissão (C‑131/03 P, Colect., p. I‑7795, n.os 49 a 51 e jurisprudência referida).


5 – V. acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 1975, Suiker Unie e o./Comissão (40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, Colect., p. 1663, n.os 36 a 73), e de 9 de Setembro de 2003, CIF (C‑198/01, Colect., p. I‑8055, n.° 56). V. igualmente acórdão de 30 de Janeiro de 1985, Clair (123/83, Recueil, p. 391, n.os 21 a23).


6 – V. acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1997, Comissão e França/Ladbroke Racing (C‑359/95 P e C‑379/95 P, Colect., p. I‑6265, n.os 33 e 34 e jurisprudência aí referida.)


7 – V. acórdão de 16 de Setembro de 2008, Sot. Lélos kai Sia e o. (C‑468/06 a C‑478/06, Colect., p. I‑7139, n.° 62 e segs.).


8 – V. respectivamente Regulamento (CEE) n.° 17: Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado CE (JO, English Special Edition 1959‑1962, p. 87); e Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de Dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° e 82.° do Tratado CE (JO 2003, L 1, p. 1).


9 – Acórdão de 14 de Dezembro de 2000, Masterfoods e HB (C‑344/98, Colect., p. I‑11369, n.° 48).


10 – Regulamento (CE) n.° 2887/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de Dezembro de 2000, relativo à oferta de acesso desagregado ao lacete local (JO 2000, L 336, p. 4).


11 – Directiva 90/388/CEE da Comissão, de 28 de Junho de 1990, relativa à concorrência nos mercados de serviços de telecomunicações (JO 1990, L 192, p. 10).


12 – V. acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão (85/76, Recueil, p. 461, n.° 91), e de 21 de Fevereiro de 1973, Europemballage e Continental Can/Comissão (6/72, Colect., p. 109, n.° 29).


13 – Neste contexto, no que diz respeito ao Regulamento n.° 2887/2000, v. acórdão de 24 de Abril de 2008, Arcor (C‑55/06, Colect., p. I‑2931, n.os 59 a 64).


14 – Cf. Comunicação da Comissão de 22 de Agosto de 1998 sobre a aplicação das regras da concorrência aos acordos de acesso no sector das telecomunicações – Enquadramento, mercados relevantes e princípios («Comunicação Acesso») (JO 1998 C 265, p. 2), n.° 22: «empresas (…) no sector das telecomunicações devem estar cientes de que a observância das normas comunitárias da concorrência não as exime da sua obrigação de respeitar as obrigações impostas no quadro ORA e vice‑versa» (ênfase nosso). V. também n.° 60: «[O artigo 82.° CE é aplicável] normalmente (…) [a] práticas (…) aprovados[as] ou autorizados[as] por uma [ARN]”. Cf., em geral, de Streel, A., On the edge of antitrust: the relationship between competition law and sector regulation in European electronic communications, EUI Florença, Outubro de 2006; Larouche, P., Contrasting legal solutions and the comparability of EU and US experiences, TILEC Discussion Paper, Novembro de 2006; Monti, G., «Managing the intersection of utilities regulation and EC competition law», Competition Law Review, Vol. 4, 2, Julho 2008, e Klotz, R. em Koenig, Ch., Bartosch, A., Braun, J.‑D. e Romes, M. (eds.), EC competition and telecommunications law, 2.ª edição, Wolters Kluwer, 2009, pp. 108 e segs.


15 – Orientações da Comissão relativas à análise e avaliação de poder de mercado significativo no âmbito do quadro regulamentar comunitário para as redes e serviços de comunicações electrónicas (JO 2002, C 165, p. 6), n.os 6 a 31 e, em particular, n.° 31.


16 – V. acórdão de 20 de Março de 1997, Alcan Deutschland (C‑24/95, Colect., p. I‑1591, n.os 25 e 31).


17 – V. acórdãos de 9 de Novembro de 1983, Nederlandsche Banden‑Industrie‑Michelin/Comissão (322/81, Recueil, p. 3461, n.°107), e de 8 de Novembro de 1983, IAZ International Belgium e o./Comissão (96/82 a 102/82, 104/82, 105/82, 108/82 e 110/82, Recueil, p. 3369, n.° 45). V. igualmente acórdão de 14 de Dezembro de 2006, Raiffeisen Zentralbank Österreich e o./Comissão (T‑259/02 a T‑264/02 e T‑271/02, Colect., p. II‑5169, n.° 206).


18 – Acórdão de 1 de Fevereiro de 1978, Miller International Schallplaten/Comissão (19/77, Recueil, p. 131, n.° 18).


19 – Cf. também processo pendente C‑52/09, TeliaSonera Sverige, em que uma série de questões foi colocada sobre compressão tarifária das margens. No entanto, as questões do litígio e o enquadramento factual e regulamentar são diferentes em vários aspectos importantes (v. g. não há interacção entre regulação das telecomunicações e direito da concorrência e, em particular, não havia qualquer obrigação legal de a TeliaSonera fornecer equipamento para ADSL.


20 – Acórdão de 30 de Novembro de 2000, Industrie des poudres sphériques SA/Comissão das Comunidades Europeias (T‑5/97, Colect., p. II‑3755, também referido como Processo «IPS»). Cf. processos nacionais inter alia: (Itália) Telecom Italia, A 351, provvedimento n.° 13752, 16 de Novembro de 2004; (França) France Télécom/SFR Cegetel/Bouygues, Decisão n.° 04‑D‑48, 14 de Outubro de 2004; (Dinamarca) Song Networks A/S/TDC/SDNOFON, 27 de Abril de 2004; (Suécia) TeliaSonera, dnr 1135/2004, 22 de Dezembro de 2004; (Reino Unido) BSkyB, CA98/20/2002, e Processo NCCN 500, Decisão Ofcom, 1 de Agosto de 2008. V. também notas 26 e 29.


21 – V. a objecção em apreço na Decisão da Comissão n.° 88/518/CEE, de 18 de Julho de 1988, relativa a um processo de aplicação do artigo [82.° CE] (processo n.° IV/30.178 Napier Brown – British Sugar) (JO 1988 L 284, p. 41), considerandos 65 e 66: «a BS deixou a um empacotador e vendedor de açúcar para retalho – tão eficiente quanto a própria BS – … uma margem insuficiente ... A manutenção, por uma empresa em posição dominante … de uma margem entre o preço cobrado pela matéria‑prima às empresas que com ela competem no fabrico do produto derivado e o preço cobrado pelo produto derivado, insuficiente para reflectir os próprios custos de transformação da empresa dominante … constitui um abuso de posição dominante». V. igualmente recital 41.


22 – Este teste pode tomar em consideração tanto os concorrentes concretos como os abstractos (potenciais). Foi abordado pela UK Competition Appeal Tribunal (tribunal de recurso em matéria de concorrência (a seguir «CAT») no processo Genzyme (vias de recurso) [2005] CAT 32, n.° 249, e pelo tribunal de recurso de Bruxelas no processo TELE2/Belgacom, 18 de Dezembro de 2007, R. G. 2006/MR/3.


23 – V. ainda, por exemplo, a comunicação da Comissão Europeia «Questões relativas ao acesso separado ao lacete local», Comité ORA, ONPCOM 01‑17, 25 de Junho de 2001, pp. 1 a 17.


24 – Acórdão de 3 de Julho de 1991, AKZO/Comissão (C 62/86, Colect., p. I‑3359)


25 – V., a este respeito, as conclusões do advogado‑geral N. Fenelly apresentadas em 29 de Outubro de 1998 no processo que deu origem ao acórdão Compagnie maritime belge transports e o./Comissão (processos apensos C‑395/96 P e C‑397/96 P, Colect., p. I‑1365, n.os 123 a 139).


26 – Tal foi confirmado pela UK CAT no processo Genzyme Case No 1016/1/1/03 [2004] CAT 4, e pela UK Court of Appeal no processo Albion (Dwr Cymru Cyfyngedig e Albion Water Limited e Water Services Regulation Authority [2008] EWCA Civ 536), n.° 105. Dito isto, é discutível que no acórdão recorrido (em especial no n.° 188), o Tribunal Geral não tenha excluído totalmente, por uma questão de princípio, a análise do concorrente com o grau de eficiência razoável e considero que não é, de facto, inconcebível, que possa haver outros casos em que a análise do concorrente com o grau de eficiência razoável possa ser apropriada como uma análise secundária e adicional. No que diz respeito à potencial violação do princípio da segurança jurídica, certos comentadores sugerem que deveria ser avaliado caso a caso e que os operadores com uma longa experiência estão frequentemente muito bem colocados para avaliar os custos dos recém‑chegados ou, pelo menos, os custos de um recém‑chegado razoavelmente eficiente, pelo menos porque têm um conhecimento do mercado sem paralelo. V. Amory, B. e Verheyden, A., Comments on the CFI’s recent ruling in Deutsche Telekom, Global Competition Policy, Maio de 2008, e Clerckx, S. e De Muyter, L., Price squeeze abuse in the EU telecommunications sector, Global Competition Policy, Abril de 2009. V. também: O’Donoghue, R., e Padilla, A. J., The Law and Economics of Article 82 EC, Oxford: Hart, 2006, pp. 191 e 331.


27 – Directiva 96/19/CE da Comissão, de 13 de Março de 1996, que altera a Directiva 90/388/CEE no que diz respeito à introdução da plena concorrência nos mercados das telecomunicações (JO 1996, L 74, p. 13).


28 – Acórdão de 15 de Março de 2007, British Airways/Comissão (C‑95/04 P, Colect., p. I‑2331, n.° 30), relacionado com os acórdãos de 30 de Setembro de 2003, Michelin/Comissão («Michelin II») (T‑203/01, Colect., p. II‑4071, n.os 238 e 239), e de 17 de Dezembro de 2003, British Airways/Comissão (T‑219/99, Colect., p. II‑5917, n.° 293). V. igualmente conclusões do advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer apresentadas no processo Sot. Lélos kai Sia e o., já referido na nota de rodapé n.° 7, n.° 50. V., sobre esta matéria, advogado‑geral J. Kokott Economic thinking in EU competition law, Madrid, 29 de Outubro de 2009.


29 – Esta abordagem está em linha com a do acórdão Sot. Lélos kai Sia e o., ibid., onde o Tribunal de Justiça parece ter implicitamente rejeitado a noção de um abuso per se e procedeu à análise de justificações objectivas tomando em consideração o contexto do mercado específico em causa. V. processo CW/00615/05/03, Vodafone/O2/Orange/T‑Mobile, decisão da Ofcom, de Maio de 2004, e BTOpenworld’s consumer broadband products, decisão da Oftel, Novembro de 2003.


30 – Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA (JO 1998, C 9, p. 3, a seguir «orientações»).


31 – Decisão da Comissão, de 25 de Julho de 2001, relativa a um processo de aplicação do artigo 82.° do Tratado CE (COMP/C‑1/36.915 — Deutsche Post AG – Intercepção de correio transfronteiriço) (JO 2001, L 331, p. 40; a seguir «decisão Deutsche Post»).


32 – V., a este respeito, acórdão de 2 de Outubro de 2003, Aristrain/Comissão (C‑196/99 P, Colect., p. I‑11005, n.os 76 e segs.).