Language of document : ECLI:EU:T:2024:26

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção)

24 de janeiro de 2024 (*)

«Acesso aos documentos — Regulamento (CE) n.o 1049/2001 — Documento comunicado no âmbito de um processo EU Pilot de reembolso do IVA — Documento emanado de um Estado‑Membro — Recusa de acesso — Acordo prévio do Estado‑Membro — Exceção relativa à proteção dos processos judiciais — Dever de fundamentação»

No processo T‑602/22,

Veneziana Energia Risorse Idriche Territorio Ambiente Servizi SpA (Veritas), com sede em Veneza (Itália), representada por A. Pasqualin, advogado,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por A.‑C. Simon e A. Spina, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

República Italiana, representada por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por S. Fiorentino, avvocato dello Stato,

interveniente,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção),

composto por: R. da Silva Passos, presidente, S. Gervasoni (relator) e N. Półtorak, juízes,

secretário: V. Di Bucci,

vistos os autos,

visto não terem as partes requerido a marcação de uma audiência de alegações no prazo de três semanas a contar da notificação do encerramento da fase escrita do processo e tendo sido decidido, nos termos do artigo 106.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, julgar o recurso sem fase oral do processo,

visto o Despacho de 20 de setembro de 2023 que ordena à Comissão que apresente o documento cujo acesso tinha recusado à recorrente e a apresentação desse documento pela Comissão em 26 de setembro de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso interposto ao abrigo do artigo 263.o TFUE, a recorrente, Veneziana Energia Risorse idriche Territorio Ambiente Servizi SpA (Veritas), pede a anulação da Decisão C (2022) 5221 final da Comissão, de 15 de julho de 2022, que recusa o acesso ao ofício enviado em 17 de outubro de 2019 pelas autoridades italianas no âmbito do processo EU Pilot 9456/19/TAXUD, relativo ao reembolso do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) indevidamente cobrado sobre a taxa italiana de higiene ambiental [tariffa di igiene ambientale, instituída pelo artigo 49.o do decreto legislativo n.o 22 (Decreto Legislativo n.o 22), de 5 de fevereiro de 1997, a seguir «taxa TIAI»].

 Quadro jurídico

2        O artigo 4.o do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO 2001, L 145, p. 43), dispõe, nos seus n.os 2, 4 e 5:

«2.      As instituições recusarão o acesso aos documentos cuja divulgação pudesse prejudicar a proteção de:

[…]

–        processos judiciais e consultas jurídicas,

[…]

exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação.

[…]

4.      No que diz respeito a documentos de terceiros, a instituição consultará os terceiros em causa tendo em vista avaliar se qualquer das exceções previstas nos n.os 1 ou 2 é aplicável, a menos que seja claro se o documento deve ou não ser divulgado.

5.      Qualquer Estado‑Membro pode solicitar à instituição que esta não divulgue um documento emanado desse Estado‑Membro sem o seu prévio acordo.»

 Antecedentes do litígio

3        O processo EU Pilot constitui um processo de cooperação entre a Comissão Europeia e os Estados‑Membros que visa permitir à Comissão formar uma opinião quanto a saber se, relativamente a uma determinada questão, o direito da União Europeia é respeitado e corretamente aplicado nos Estados‑Membros. Este tipo de processo, que substituiu, a partir de 2008, a fase informal da fase pré‑contenciosa de uma ação por incumprimento, nos termos do artigo 258.o TFUE, visa resolver de forma eficaz eventuais infrações ao direito da União, evitando, na medida do possível, a abertura de um processo por incumprimento, podendo, no entanto, resultar na instauração de tal processo (v. Acórdão de 9 de outubro de 2018, Pint/Comissão, T‑634/17, não publicado, EU:T:2018:662, n.o 31 e jurisprudência referida).

4        No âmbito do processo EU Pilot 9456/19/TAXUD iniciado no caso em apreço, nomeadamente na sequência da denúncia da recorrente (a seguir «processo EU Pilot»), a Comissão pediu esclarecimentos às autoridades italianas a propósito das modalidades de reembolso do IVA indevidamente cobrado sobre a taxa TIAI.

5        Por carta de 2 de agosto de 2021, a Comissão informou a recorrente de que tinha recebido a resposta das autoridades italianas e que havia decidido não instaurar um processo por infração por violação do direito da União por parte dessas autoridades.

6        Em 21 de outubro de 2021, a recorrente pediu à Comissão uma cópia da resposta das autoridades italianas, que tinha sido resumida na carta de 2 de agosto de 2021.

7        A Comissão respondeu por carta de 15 de novembro de 2021 (a seguir «resposta inicial»), identificando, em primeiro lugar, o documento solicitado como sendo o ofício das autoridades italianas de 17 de outubro de 2019, enviado no âmbito do processo EU Pilot, recusando, em seguida, o acesso a esse ofício com o fundamento de que a sua divulgação prejudicaria a proteção de processos judiciais pendentes em Itália, nos termos do artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do Regulamento n.o 1049/2001.

8        Em 30 de novembro de 2021, a recorrente dirigiu um pedido confirmativo à Comissão, no sentido de esta rever a sua posição.

9        A Comissão confirmou, em 15 de julho de 2022, a recusa de facultar o acesso ao ofício das autoridades italianas de 17 de outubro de 2019 na sequência da oposição, por parte destas últimas, à divulgação do referido ofício, ao abrigo do artigo 4.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1049/2001, com fundamento na exceção ao direito de acesso prevista no artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do mesmo regulamento (a seguir «decisão impugnada»).

 Pedidos das partes

10      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        a título de diligência de instrução, ordenar à Comissão que apresente o ofício das autoridades italianas de 17 de outubro de 2019;

–        também a título de diligência de instrução, ordenar à Comissão que apresente a resposta das referidas autoridades à sua consulta prévia à adoção da decisão impugnada;

–        ordenar qualquer outra diligência de instrução considerada útil;

–        anular a decisão recorrida;

–        condenar a Comissão nas despesas,

11      Na sequência da comunicação da Comissão, que se encontra anexa à contestação, da sua correspondência com as autoridades italianas posterior à resposta inicial e ao pedido confirmativo da recorrente, esta última limitou o seu pedido de apresentação da resposta das autoridades italianas ao pedido anterior ao referido pedido confirmativo (v. n.o 10, segundo travessão, supra).

12      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

13      A República Italiana pede que seja negado provimento ao recurso.

 Questão de direito

14      A recorrente invoca dois fundamentos de recurso. O primeiro baseia‑se, em substância, na violação do artigo 4.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1049/2001 e do dever de fundamentação. O segundo baseia‑se, em substância, na violação do artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do referido regulamento, em conjugação com o n.o 5 do mesmo artigo, da obrigação de exame diligente e no dever de fundamentação.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo, em substância, à violação do artigo 4.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1049/2001 e do dever de fundamentação

15      Em primeiro lugar, a recorrente alega que, tendo em conta a contradição entre a resposta inicial, por um lado, que não faz nenhuma referência ao artigo 4.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1049/2001 nem à oposição das autoridades italianas permitida por esta disposição e, por outro, a decisão recorrida, que menciona a referida disposição e essa oposição, não está em condições de determinar qual o procedimento que foi aplicado e se o foi corretamente. Na réplica, a recorrente especifica que não acusa a Comissão de uma diferença entre a resposta inicial e a decisão impugnada, mas de uma inexatidão da decisão impugnada, na medida em que esta última indicou erradamente que a resposta inicial se baseava nas disposições conjugadas do artigo 4.o, n.os 4 e 5, do Regulamento n.o 1049/2001.

16      Em segundo lugar, a recorrente deduz daí que, na medida em que não se verificou, no processo na Comissão, uma manifestação de vontade anterior por parte das autoridades italianas, era exigível uma avaliação exaustiva do pedido de acesso, ao contrário da hipótese de oposição efetiva de um Estado‑Membro, para qual a jurisprudência admite uma primeira análise da oposição por parte da Comissão. Ora, no caso em apreço, a Comissão não procedeu ao exame aprofundado nem à apreciação autónoma exigida na falta de exercício da faculdade prevista no artigo 4.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1049/2001 pelas autoridades italianas.

17      Deve salientar‑se, em primeiro lugar, a propósito da alegação de violação do dever de fundamentação, que a recorrente se limita, na realidade, a contestar o mérito da invocação pela Comissão do artigo 4.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1049/2001.

18      Com efeito, o dever de fundamentação constitui uma formalidade essencial que deve ser distinguida da questão do mérito da fundamentação, que tem a ver com a legalidade substantiva do ato controvertido (Acórdãos de 22 de março de 2001, França/Comissão, C‑17/99, EU:C:2001:178, n.o 35, e de 15 de setembro de 2016, Philip Morris/Comissão, T‑796/14, EU:T:2016:483, n.o 28). Um ato insuficientemente fundamentado, na aceção do dever de fundamentação formal, é aquele que não permite compreender a razão nem o fundamento que levaram à sua adoção, sendo que os fundamentos de um ato, que são as suas razões e justificações, podem ser suficientemente conhecidos e compreensíveis, mas insuficientes para o justificar legalmente, por não estarem fundamentados, nem serem pertinentes ou conformes com as disposições aplicáveis.

19      Ora, no caso em apreço, a recorrente clarificou a sua argumentação na réplica, especificando que não criticava a Comissão por uma diferença entre a resposta inicial e a decisão impugnada que a impedia de conhecer, de compreender e, portanto, de contestar os fundamentos dessa decisão, o que teria correspondido a uma contestação formal, mas que criticava a invocação errada do artigo 4.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1049/2001, na falta de uma oposição efetiva à divulgação por parte das autoridades italianas, em especial antes da resposta inicial (v. n.o 15, supra). Assim, a recorrente contesta a não conformidade da decisão impugnada com as disposições aplicáveis.

20      Em todo o caso, pode considerar‑se, no caso em apreço, que a decisão impugnada, na medida em que menciona o artigo 4.o, n.os 4 e 5, do Regulamento n.o 1049/2001, permite à recorrente conhecer os seus fundamentos e ao Tribunal Geral fiscalizar a sua legalidade, como exige a jurisprudência relativa ao respeito do dever de fundamentação (v. Acórdão de 24 de maio de 2011, NGL/Comissão, T‑109/05 e T‑444/05, EU:T:2011:235, n.o 81 e jurisprudência referida). Com efeito, resulta sem ambiguidade da decisão impugnada que as autoridades italianas foram consultadas nos termos do artigo 4.o, n.o 4, do referido regulamento e que manifestaram a sua oposição à divulgação do seu ofício de 17 de outubro de 2019, com base no artigo 4.o, n.o 5, do mesmo regulamento. Em especial, a Comissão indica aí, numa parte introdutória (n.o 1), que adotou uma resposta inicial de recusa de divulgação na sequência da consulta das autoridades italianas, em aplicação do artigo 4.o, n.os 4 e 5 deste regulamento, tendo consagrado uma parte da decisão impugnada (n.o 2.1) à exposição dos motivos da oposição das autoridades italianas.

21      É verdade que o artigo 4.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1049/2001 não foi mencionado na resposta inicial. Todavia, esta circunstância não permite considerar que a decisão impugnada está insuficientemente fundamentada. Com efeito, por um lado, mesmo sem citar esta disposição, a resposta inicial indica claramente a oposição das autoridades italianas à divulgação do seu ofício de 17 de outubro de 2019. Por outro lado, a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.o TFUE deve ser apreciada à luz do seu contexto, mas deve sê‑lo sobretudo à luz da sua redação, clara no caso em apreço (v. n.o 20, supra), e igualmente do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (Acórdãos de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, EU:C:1998:154, n.o 63, e de 15 de setembro de 2016, Philip Morris/Comissão, T‑796/14, EU:T:2016:483, n.o 29). Ora, no caso em apreço, como sublinham a Comissão e a República Italiana, os artigos 7.o e 8.o do referido regulamento preveem um procedimento em duas etapas, permitindo à instituição em causa tratar com mais rapidez os pedidos iniciais, antes de adotar, se for caso disso, em caso de pedido confirmativo, uma posição fundamentada, e assim mais completa, de recusa do referido pedido. (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de janeiro de 2010, Internationaler Hilfsfonds/Comissão, C‑362/08 P, EU:C:2010:40, n.o 54, e de 11 de dezembro de 2018, Arca Capital Bohemia/Comissão, T‑440/17, EU:T:2018:898, n.o 18). A falta de uma referência ao artigo 4.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1049/2001 na resposta inicial não pode, por isso, fazer nascer uma dúvida quanto ao facto de a decisão impugnada se basear efetivamente nesta disposição, que aí é citada.

22      Tal dúvida é tanto menos admissível quanto resulta dos articulados da recorrente que a fundamentação da decisão impugnada lhe permitiu compreender que esta última se baseava no artigo 4.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1049/2001, uma vez que, por outro lado, contesta que se aplique a referida disposição ao caso em apreço, pelo facto de as autoridades italianas não terem exercido a faculdade prevista pela mesma.

23      Em segundo lugar, concretamente, no que respeita ao facto de a decisão impugnada invocar, de forma alegadamente ilegal, o artigo 4.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1049/2001, o Tribunal de Justiça declarou que não resulta desta disposição nem da jurisprudência que, para poder deduzir oposição, seja necessário o Estado‑Membro, autor do documento em causa, apresentar previamente um pedido formal específico à instituição interessada, nem se exige que o Estado‑Membro invoque expressamente a referida disposição. Nada indica na redação desta última, que é uma disposição de caráter processual consagrada ao processo de adoção de uma decisão da União (Acórdãos de 18 de dezembro de 2007, Suécia/Comissão, C‑64/05 P, EU:C:2007:802, n.os 78 e 81, e de 21 de junho de 2012, IFAW Internationaler Tierschutz‑Fonds/Comissão, C‑135/11 P, EU:C:2012:376, n.o 53), que o Estado‑Membro deve apresentar um pedido formal, sem o qual a oposição expressa por este não pode ser tomada em consideração na adoção da referida decisão (Acórdão de 8 de fevereiro de 2018, POA/Comissão, T‑74/16, não publicado, EU:T:2018:75, n.os 32 a 34). Assim, contrariamente ao que pretende a recorrente, o Estado‑Membro não é obrigado a proceder em dois tempos para se opor à divulgação de um dos seus documentos, pedindo, numa primeira fase, à Comissão que não divulgue o documento em causa sem o seu acordo prévio, e recusando, em seguida, dar o seu consentimento.

24      Daqui resulta igualmente que, ao contrário do que sustenta a recorrente, o facto de o Estado‑Membro em causa ser consultado nos termos do artigo 4.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1049/2001 não exclui a aplicação subsequente do artigo 4.o, n.o 5, do mesmo regulamento. Estas duas disposições não devem ser interpretadas no sentido de que uma exclui a outra, considerando‑se antes, como resulta dos trabalhos preparatórios do referido regulamento (v. proposta alterada de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, JO 2001, 240 E, p. 165, n.o 2.4), que uma disposição é relativa a terceiros em geral (n.o 4) e a outra disposição é aplicável a terceiros específicos, que são os Estados‑Membros, e que reproduz a Declaração n.o 35 anexa ao Tratado de Amesterdão (n.o 5) (v., neste sentido, Acórdão de 3 de maio de 2018, Malta/Comissão, T‑653/16, EU:T:2018:241, n.os 98 e 99, e Conclusões do advogado‑geral M. Poiares Maduro no processo Suécia/Comissão, C‑64/05 P, EU:C:2007:433, n.o 48).

25      Além disso, para garantir uma aplicação efetiva do artigo 4.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1049/2001, nomeadamente dando ao Estado‑Membro em causa a possibilidade de exigir o seu acordo prévio para a divulgação de um documento de que é autor, é ainda necessário que este seja informado da existência de um pedido de acesso a esse documento, o que é precisamente o objeto da consulta prevista no artigo 4.o, n.o 4, do mesmo regulamento.

26      Assim, no caso em apreço, pode considerar‑se que as objeções expressas pelas autoridades italianas à divulgação do seu ofício de 17 de outubro de 2019, na sequência da sua consulta, e resultantes das mensagens de correio eletrónico enviadas à Comissão em 31 de março, 5 de abril e 6 de maio de 2022, refletem a recusa dessas autoridades em divulgar o referido ofício sem o seu acordo prévio, bem como o seu subsequente desacordo relativamente a essa divulgação nos termos do artigo 4.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1049/2001. Mais precisamente, as referidas autoridades indicaram, em 31 de março de 2022, que, enquanto aguardavam a obtenção dos elementos exigidos, não podiam autorizar o acesso a esse ofício. Em 5 de abril de 2022 essas mesmas autoridades confirmaram a recusa de acesso e, em 6 de maio de 2022, prestaram esclarecimentos relativos a essa recusa. Daqui resulta a manifestação efetiva de vontade por parte das autoridades italianas, anterior à decisão impugnada no caso em apreço, de se oporem à divulgação, o que basta, considerando que a única exigência temporal específica fixada pelo artigo 4.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1049/2001 é que o acordo seja «prévio» à divulgação.

27      Por conseguinte, não é relevante que a Comissão não tenha demonstrado, como afirma na decisão impugnada, sem que isso tenha sido confirmado pela República Italiana no seu articulado de intervenção, que as autoridades italianas teriam manifestado a sua oposição antes do envio da resposta inicial.

28      Daqui resulta que a Comissão se baseou, acertadamente, no artigo 4.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1049/2001 e que, em conformidade com a fiscalização dos motivos de não divulgação apresentados pelo Estado‑Membro implicado por esta disposição (v. n.o 40, infra), não lhe competia proceder a uma apreciação exaustiva das razões da decisão de oposição das autoridades italianas.

29      O primeiro fundamento deve, por conseguinte, ser rejeitado, sem que seja necessário pedir à Comissão que apresente as trocas de correspondência com as autoridades italianas anteriores ao envio da resposta inicial.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo, em substância, à violação do artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, em conjugação com o n.o 5 do mesmo artigo, da obrigação de exame diligente e do dever de fundamentação

30      A recorrente acusa a Comissão de não ter cumprido a sua obrigação — que persistiria mesmo na hipótese de uma avaliação prima facie da oposição à divulgação — de verificar e de explicar de que modo o acesso ao documento pedido poderia prejudicar de forma concreta e efetiva o interesse protegido, que, no caso em apreço, se refere à proteção dos processos judiciais, ao abrigo do artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do Regulamento n.o 1049/2001. A este respeito, a recorrente baseia‑se na necessária interpretação estrita das exceções ao direito de acesso do público aos documentos, bem como nos termos hipotéticos utilizados na decisão impugnada, na menção de um único processo judicial nacional em curso, aliás não especificado, e na falta de explicação relativa à inobservância da igualdade de armas perante o juiz relativamente a si, requerente de acesso no caso em apreço. A recorrente sublinha ainda, nas suas observações sobre as alegações de intervenção, a insuficiência do fundamento relativo ao caráter particularmente plausível de um reenvio prejudicial nos processos judiciais nacionais em causa, que tinha sido invocado pelas autoridades italianas para justificar a recusa de acesso. Além disso, alega que os fundamentos apresentados na decisão impugnada são insuficientes, vagos e desprovidos de qualquer substância.

31      A recorrente sublinha, na réplica, com base na jurisprudência, a necessidade de uma ligação efetiva entre o acesso pedido e a rutura do equilíbrio processual no âmbito de um litígio claramente determinado, ao passo que, no caso em apreço, o único procedimento em que era parte teria sido definitivamente encerrado antes da adoção da decisão impugnada. Por outro lado, refere que, contrariamente ao que a Comissão alega no âmbito da presente instância, esta última advertiu as autoridades italianas da necessidade de explicar de que forma a divulgação do documento pedido prejudicaria concretamente e efetivamente o interesse protegido em causa, tanto mais que, segundo a sua própria apreciação, o referido documento podia ser divulgado. Acrescenta que, de qualquer modo, a Comissão não cumpriu o seu dever de examinar se o Estado‑Membro tinha fundamentado devidamente a sua posição, assegurando‑se da existência de tal fundamentação e referindo‑se à mesma na decisão impugnada.

32      Há que recordar que o Regulamento n.o 1049/2001 visa, como indicam o seu considerando 4 e o seu artigo 1.o, conferir ao público um direito de acesso aos documentos das instituições que seja o mais amplo possível (Acórdãos de 1 de julho de 2008, Suécia e Turco/Conselho, C‑39/05 P e C‑52/05 P, EU:C:2008:374, n.o 33, e de 25 de setembro de 2014, Spirlea/Comissão, T‑669/11, EU:T:2014:814, n.o 40). Por força do artigo 2.o, n.o 3, do referido regulamento, esse direito abrange não só os documentos elaborados por uma instituição mas também os que ela recebe de terceiros, entre os quais se incluem os Estados‑Membros, como especifica expressamente o artigo 3.o, alínea b), do mesmo regulamento.

33      Todavia, este direito de acesso não deixa de estar sujeito a certos limites baseados em razões de interesse público ou privado (Acórdãos de 1 de fevereiro de 2007, Sison/Conselho, C‑266/05 P, EU:C:2007:75, n.o 62, e de 25 de setembro 2014, Spirlea/Comissão, T‑669/11, EU:T:2014:814, n.o 41). Em especial, o artigo 4.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1049/2001 estabelece que qualquer Estado‑Membro pode solicitar à instituição que esta não divulgue um documento emanado desse Estado sem o seu prévio acordo.

34      No caso em apreço, como resulta do exame do primeiro fundamento, a República Italiana exerceu a faculdade que lhe é conferida pelo artigo 4.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1049/2001 e pediu à Comissão que não divulgasse o ofício das autoridades italianas de 17 de outubro de 2019.

35      Com efeito, o exercício do poder que o artigo 4.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1049/2001 confere ao Estado‑Membro em causa encontra‑se enquadrado pelas exceções materiais enumeradas nos n.os 1 a 3 desse mesmo artigo, apenas sendo reconhecido a esse Estado‑Membro um poder de participação na decisão da instituição. O acordo prévio do Estado‑Membro em causa ao qual se refere este artigo 4.o, n.o 5, assemelha‑se assim não a um direito de veto discricionário, mas a uma forma de confirmação de que não existe nenhum dos motivos de exceção enunciados nos n.o os 1 a 3 do mesmo artigo. O processo decisório assim instituído pelo referido artigo 4.o, n.o 5, exige, portanto, que a instituição e o Estado‑Membro em causa se atenham às exceções materiais previstas nos referidos n.o os 1 a 3 (v. Acórdão de 21 de junho de 2012, IFAW Internationaler Tierschutz‑Fonds/Comissão, C‑135/11 P, EU:C:2012:376, n.o 58 e jurisprudência referida).

36      Uma vez que a execução de regras do direito da União é assim confiada conjuntamente à instituição e ao Estado‑Membro que exerceu a faculdade conferida pelo artigo 4.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1049/2001 e que, por conseguinte, essa implementação depende do diálogo que se deve estabelecer entre eles, estes são obrigados, em conformidade com o dever de cooperação leal enunciado no artigo 4.o, n.o 3, TUE, a agir e a cooperar de modo que as referidas regras possam ter uma aplicação efetiva (Acórdão de 18 de dezembro de 2007, Suécia/Comissão, C‑64/05 P, EU:C:2007:802, n.o 85).

37      No entanto, a intervenção do Estado‑Membro em causa não afeta, no que diz respeito ao requerente, a natureza de ato da União da decisão que a instituição lhe dirige posteriormente, em resposta ao pedido de acesso que lhe foi apresentado relativamente a um documento na posse desta última (Acórdãos de 18 de dezembro de 2007, Suécia/Comissão, C‑64/05 P, EU:C:2007:802, n.o 94, e de 21 de junho de 2012, IFAW Internationaler Tierschutz‑Fonds/Comissão, C‑135/11 P, EU:C:2012:376, n.o 60).

38      Resulta da jurisprudência acima exposta nos n.os 32 a 37, supra, em primeiro lugar, que o Estado‑Membro em causa que, no termo do diálogo estabelecido com a instituição, se oponha à divulgação do documento em causa, é obrigado a fundamentar essa oposição à luz das exceções enumeradas no artigo 4.o, n.os 1 a 3, do Regulamento n.o 1049/2001. Com efeito, a instituição não pode dar seguimento à oposição manifestada por um Estado‑Membro à divulgação de um documento que dele emana se essa oposição não tiver qualquer fundamentação ou se a fundamentação aduzida não for articulada por referência a essas exceções. Quando, apesar do convite expresso nesse sentido dirigido pela instituição ao Estado‑Membro em causa, este último continuar a não lhe fornecer essa fundamentação, a referida instituição, se considerar, por sua vez, que não se aplica nenhuma das referidas exceções, deve permitir o acesso ao documento solicitado (Acórdão de 18 de dezembro de 2007, Suécia/Comissão, C‑64/05 P, EU:C:2007:802, n.os 87 e 88).

39      Além disso, como resulta designadamente dos artigos 7.o e 8.o do Regulamento n.o 1049/2001, a própria instituição é obrigada a fundamentar a decisão de recusa que opõe ao autor do pedido de acesso. Essa obrigação implica que a instituição refira, na sua decisão, não só a oposição manifestada pelo Estado‑Membro em causa à divulgação do documento pedido, mas igualmente as razões invocadas por esse Estado‑Membro para concluir pela aplicação de uma das exceções ao direito de acesso previstas no artigo 4.o, n.os 1 a 3, do mesmo regulamento. Com efeito, estas indicações são suscetíveis de permitir ao requerente compreender a origem e as razões da recusa e ao tribunal exercer, eventualmente, a fiscalização que lhe compete (Acórdão de 18 de dezembro de 2007, Suécia/Comissão, C‑64/05 P, EU:C:2007:802, n.o 89).

40      Daqui decorre, em segundo lugar, que não incumbe à instituição proceder, a respeito do documento cuja divulgação foi recusada, a uma apreciação exaustiva dos fundamentos de oposição invocados pelo Estado‑Membro com base nas exceções previstas no artigo 4.o do Regulamento n.o 1049/2001 (Acórdãos de 21 de junho de 2012, IFAW Internationaler Tierschutz‑Fonds/Comissão, C‑135/11 P, EU:C:2012:376, n.o 65, e de 5 de abril de 2017, França/Comissão, T‑344/15, EU:T:2017:250, n.o 45). Assim, a obrigação de exame concreto e individual que decorre do princípio da transparência não é aplicável quando o pedido de acesso diz respeito a um documento que emana de um Estado‑Membro, ao abrigo do artigo 4.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1049/2001 (Acórdãos de 25 de setembro de 2014, Spirlea/Comissão, T‑669/11, EU:T:2014:814, n.o 81, e de 8 de fevereiro de 2018, POA/Comissão, T‑74/16, não publicado, EU:T:2018:75, n.o 61). Com efeito, exigir essa apreciação exaustiva poderia levar a que, uma vez efetuada, a instituição em causa pudesse, erradamente, proceder à comunicação do documento em causa ao requerente, não obstante a oposição devidamente fundamentada do Estado‑Membro de que emana esse documento (Acórdão de 21 de junho de 2012, IFAW Internationaler Tierschutz‑Fonds/Comissão, C‑135/11 P, EU:C:2012:376, n.o 64).

41      Em contrapartida, a obrigação de exame diligente da instituição deve levá‑la a verificar se as explicações dadas pelo Estado‑Membro para se opor à divulgação dos seus documentos lhe parecem à partida fundadas. A instituição deve verificar se, tendo em conta as circunstâncias do caso em apreço e as normas de direito aplicáveis, os fundamentos apresentados pelo Estado‑Membro em apoio da sua oposição eram suscetíveis de justificar à primeira vista essa recusa e, consequentemente, se esses fundamentos permitiam à referida instituição assumir a responsabilidade que lhe confere o artigo 8.o do Regulamento n.o 1049/2001. Trata‑se de evitar a adoção pela instituição de uma decisão que não considerava defensável, uma vez que é o seu autor e, portanto, responsável pela sua legalidade (v. Acórdão de 6 de fevereiro de 2020, Compañía de Tranvías de la Coruña/Comissão, T‑485/18, EU:T:2020:35, n.o 70 e jurisprudência referida).

42      Com o presente fundamento, a recorrente contesta precisamente tanto o respeito do dever de fundamentação (primeira acusação) como o do dever de exame diligente (segunda acusação) e o resultado desse exame (terceira acusação).

43      No que respeita, em primeiro lugar, ao respeito do dever de fundamentação no caso em apreço, importa salientar que, no n.o 2.1 da decisão impugnada, a Comissão expôs que as autoridades italianas, invocando o artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, tinham baseado a sua recusa de divulgação no prejuízo para a integridade de processos judiciais pendentes relativos ao reembolso do IVA, cujas referências já tinham sido comunicadas, bem como na violação da igualdade de armas no caso de a outra parte nos processos referidos aceder ao seu ofício de 17 de outubro de 2019, que tinha sido comunicado, a título confidencial, às autoridades da União, no âmbito do processo EU Pilot relativo ao reembolso do IVA indevidamente cobrado sobre a taxa TIAI. A Comissão mencionou igualmente os eventuais reenvios prejudiciais ao Tribunal de Justiça evocados pelas autoridades italianas com base no facto de o IVA objeto dos processos nacionais em causa estar sujeito a regras europeias harmonizadas.

44      Daqui pode deduzir‑se que a Comissão se certificou da existência da fundamentação da oposição das autoridades italianas e fez referência aos fundamentos invocados a este respeito na decisão impugnada. Permitiu, assim, à recorrente compreender os motivos da recusa de divulgação do ofício das referidas autoridades de 17 de outubro de 2019.

45      A primeira acusação relativa à violação do dever de fundamentação deve, portanto, ser julgada improcedente.

46      Em segundo lugar, quanto ao respeito, por parte da Comissão, da obrigação de exame diligente da recusa de divulgação das autoridades italianas, importa observar que, no n.o 2.2 da decisão impugnada intitulado «Avaliação prima facie da Comissão», após ter recordado as disposições aplicáveis, em especial o artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, bem como a jurisprudência correspondente, a Comissão recordou que as referidas autoridades tinham sublinhado que o seu ofício de 17 de outubro de 2019 continha a sua posição sobre a questão do reembolso do IVA indevidamente cobrado sobre a taxa TIAI, que esta questão estava em causa nos processos pendentes nos órgãos jurisdicionais italianos, cujas referências tinham sido fornecidas, e que havia uma grande probabilidade de reenvios prejudiciais para o Tribunal de Justiça. Em seguida, a Comissão considerou que a divulgação do referido ofício colocaria essas autoridades numa situação de clara desvantagem em relação às outras partes, uma vez que estas conheceriam antecipadamente a posição das autoridades em questão e poderiam ajustar e aperfeiçoar os seus argumentos, o que implicaria uma vantagem sistemática a seu favor. Daí concluiu que existia um risco real e não hipotético de pôr em perigo e de comprometer seriamente os processos judiciais em curso em Itália, nos termos do artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do Regulamento n.o 1049/2001.

47      Tal análise corresponde à avaliação prima facie exigida pela jurisprudência referida nos n.o os 40 e 41, supra.

48      Com efeito, a Comissão deve apenas verificar se os elementos fornecidos pelas autoridades italianas tornam plausível o prejuízo causado à proteção dos processos judiciais, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do Regulamento n.o 1049/2001. Tal controlo de plausibilidade implica, pela sua própria natureza, a utilização de termos não claramente afirmativos, não se podendo criticar a Comissão por tal.

49      Por outro lado, não compete à Comissão assegurar que o prejuízo causado à proteção dos processos judiciais em Itália seja concreto e efetivo. A este respeito, contrariamente ao que alega a recorrente, ao recordar às autoridades italianas a necessidade de explicar de que forma a divulgação do documento pedido prejudicaria o interesse protegido em causa de forma concreta e efetiva, a Comissão limitou‑se a recordar a essas autoridades a sua obrigação de efetuar esse controlo, não considerando que ela própria tivesse de proceder a esse controlo.

50      Por último, o facto de a Comissão ter indicado às autoridades italianas, após o pedido confirmativo, que considerava que o seu ofício de 17 de outubro de 2019 podia ser divulgado, comprova igualmente o exame diligente levado a cabo no caso em apreço, uma vez que esta indicação foi acompanhada de um pedido de explicações suplementares e da recapitulação dos critérios jurisprudenciais que permitem a proteção do interesse em causa, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 41, supra, e com o diálogo que a Comissão e o Estado‑Membro em causa devem estabelecer por força da obrigação de cooperação leal (v. n.o36, supra).

51      Daqui resulta que a segunda acusação, relativa ao desrespeito pela Comissão da sua obrigação de exame diligente da oposição das autoridades italianas, deve igualmente ser rejeitada.

52      No que respeita, em terceiro lugar, à justeza da recusa de divulgação do ofício das autoridades italianas de 17 de outubro de 2019, com fundamento na proteção dos processos judiciais ao abrigo do artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, importa recordar, a título preliminar, que, quando um Estado‑Membro invoca o artigo 4.o, n.o 5, do referido regulamento e apresenta os motivos de recusa enumerados nos n.o os 1 a 3 do mesmo artigo, é da competência do juiz da União fiscalizar, a pedido do interessado a quem foi oposta uma recusa de acesso pela instituição solicitada, se essa recusa pôde ser validamente fundamentada nas referidas exceções, apesar do facto de essa recusa não resultar da apreciação das mesmas pela própria instituição, mas pelo Estado‑Membro em causa (Acórdãos de 21 de junho de 2012, IFAW Internationaler Tierschutz‑Fonds/Comissão, C‑135/11 P, EU:C:2012:376, n.o 72, e de 24 de maio de 2011, Batchelor/Comissão, T‑250/08, EU:T:2011:236, n.o 67). Quando a recusa do acesso se baseia no artigo 4.o, n.o 5, do regulamento em questão, o juiz da União exerce, portanto, uma fiscalização completa da decisão de recusa da Comissão que assenta na apreciação material, pelo Estado‑Membro em causa, da aplicabilidade das exceções previstas no artigo 4.o, n.os 1 a 3, deste regulamento, mesmo que a Comissão tenha recusado o acesso a um documento emanado de um Estado‑Membro depois de ter constatado, com base numa fiscalização prima facie, que, em seu entender, os fundamentos de oposição apresentados por esse Estado‑Membro não eram invocados de forma manifestamente inadequada (v., neste sentido, Acórdão de 21 de junho de 2012, IFAW Internationaler Tierschutz‑Fonds/Comissão, C‑135/11 P, EU:C:2012:376, n.o 70 a 72).

53      Há também que recordar que, nos termos do artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, as instituições recusarão o acesso aos documentos cuja divulgação pudesse prejudicar a proteção de processos judiciais, exceto quando um interesse público superior imponha a sua divulgação.

54      A proteção dos processos judiciais implica, nomeadamente, que tanto o respeito pelo princípio da igualdade de armas como a boa administração da justiça e a integridade do processo judicial sejam assegurados (Acórdão de 6 de fevereiro de 2020, Compañía de Tranvías de la Coruña/Comissão, T‑485/18, EU:T:2020:35, n.o 38).

55      Por um lado, no que se refere ao respeito do princípio da igualdade de armas, importa observar que, se o conteúdo de documentos que expõem a posição de uma instituição ou de um Estado‑Membro num litígio devesse ser objeto de debate público, as críticas aos mesmos poderiam influenciar indevidamente a posição defendida pela instituição ou pelo Estado‑Membro nos tribunais em causa. Além disso, o acesso da contraparte aos documentos relativos à posição de uma instituição ou de um Estado‑Membro, num processo judicial em curso, poderia falsear o equilíbrio indispensável entre as partes num litígio, equilíbrio que está na base do princípio da igualdade de armas, na medida em que só a instituição ou o Estado‑Membro a quem foi dirigido um pedido de acesso a documentos, e não todas as partes no processo, seria sujeita à obrigação de divulgação. O respeito do princípio da igualdade de armas é, no entanto, indispensável, uma vez que é um corolário do próprio conceito de «processo equitativo» (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de setembro de 2010, Suécia e o./API e Comissão, C‑514/07 P, C‑528/07 P e C‑532/07 P, EU:C:2010:541, n.os 86 e 87 e jurisprudência referida, e de 28 de junho de 2012, Comissão/Éditions Odile Jacob, C‑404/10 P, EU:C:2012:393, n.o 132).

56      Por outro lado, no que respeita à boa administração da justiça e à integridade do processo judicial, importa recordar que a exclusão da atividade judicial do âmbito de aplicação do direito de acesso aos documentos justifica‑se à luz da necessidade de garantir, no decurso de todo o processo judicial, que os debates entre as partes e a decisão do órgão jurisdicional em causa sobre o processo que lhe foi submetido decorrem com toda a serenidade, sem pressões externas sobre a atividade judicial. Ora, a divulgação de documentos que expõem a posição defendida por uma instituição ou um Estado‑Membro num processo judicial pendente permitiria exercer, ainda que apenas na perceção do público, pressões externas sobre a atividade judicial e prejudicar a serenidade dos debates (v., neste sentido, Acórdão de 21 de setembro de 2010, Suécia e o./API e Comissão, C‑514/07 P, C‑528/07 P e C‑532/07 P, EU:C:2010:541, n.os 92 e 93).

57      Assim, nos termos do artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, o interesse público opõe‑se à divulgação do conteúdo dos documentos redigidos exclusivamente para efeitos de um determinado processo judicial. Esses documentos compreendem os articulados ou requerimentos apresentados durante o processo judicial, os documentos internos relativos à instrução de um processo em curso, as comunicações relativas ao processo entre a direção‑geral em causa e o serviço jurídico ou um escritório de advogados (v., neste sentido, Acórdão de 6 de fevereiro de 2020, Compañía de Tranvías de la Coruña/Comissão, T‑485/18, EU:T:2020:35, n.o 41 e jurisprudência aí referida).

58      O artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do Regulamento n.o 1049/2001 opõe‑se igualmente à divulgação dos documentos que não foram exclusivamente redigidos para efeitos de um litígio concreto, mas cuja divulgação é suscetível de comprometer, no âmbito de um litígio concreto, o princípio da igualdade de armas. Todavia, para que esta exceção se possa aplicar, é necessário que os documentos solicitados, no momento da decisão que recusa o acesso aos mesmos, tenham uma ligação pertinente com um processo judicial pendente. Nesse caso, embora os referidos documentos não tenham sido elaborados no âmbito de um processo judicial concreto, a integridade do processo judicial em causa e o princípio igualdade de armas entre as partes poderiam ser seriamente postas em causa se as partes beneficiassem de um acesso privilegiado às informações internas da outra parte estreitamente relacionadas com os aspetos jurídicos de um litígio pendente ou potencial, mas iminente (v., neste sentido, Acórdão de 6 de fevereiro de 2020, Compañía de Tranvías de la Coruña/Comissão, T‑485/18, EU:T:2020:35, n.o 42 e jurisprudência referida).

59      No caso em apreço, é facto assente que o ofício das autoridades italianas de 17 de outubro de 2019 não foi redigido unicamente para efeitos de um litígio particular. Trata‑se de uma resposta das referidas autoridades a um pedido de informações da Comissão no âmbito do processo EU Pilot, aberto na sequência de denúncias relativas às modalidades de reembolso do IVA indevidamente cobrado sobre a taxa TIAI. Recorde‑se que o objetivo dos processos EU Pilot é verificar se o direito da União é respeitado e aplicado corretamente no interior dos Estados‑Membros (v. n.o 3, supra). Para esse efeito, a Comissão recorre habitualmente a pedidos de informações, dirigidos tanto aos Estados‑Membros envolvidos como aos cidadãos e empresas em causa (Acórdão de 25 de setembro de 2014, Spirlea/Comissão, T‑669/11, EU:T:2014:814, n.o 64). Trata‑se, portanto, de um procedimento de natureza administrativa, que pode conduzir ao início de um processo por incumprimento, incluindo uma ação por incumprimento no Tribunal de Justiça, o que, todavia, não aconteceu no caso em apreço, uma vez que a Comissão decidiu não dar início a esse procedimento (v. n.o 5, supra).

60      No entanto, as autoridades italianas alegaram junto da Comissão que a divulgação do seu ofício de 17 de outubro de 2019 poderia prejudicar a posição das Administrações competentes enquanto partes numa série de ações pendentes nos órgãos jurisdicionais italianos, comunicando uma tabela recapitulativa de todos os processos judiciais em causa (a seguir «tabela»), tabela essa que a Comissão apresentou em anexo à contestação.

61      Importa, antes de mais, salientar que, ao contrário do que sustenta a recorrente, resulta da tabela que estão pendentes vários processo e não apenas um. Tendo em conta a tabela e a menção, por diversas vezes na decisão impugnada, de uma pluralidade de processos judiciais nacionais (n.o 2.1, quarto, oitavo e nono parágrafos, dos quais um faz referência à tabela, bem como ponto 2.2, décimo segundo e décimo quarto parágrafos), a referência a um único processo nos dois últimos parágrafos do n.o 2.2 da decisão impugnada pode ser considerada um erro de escrita. Pode acrescentar‑se que, em todo o caso, a exceção relativa à proteção dos processos judiciais pode justificar uma recusa de divulgação, mesmo que esteja em causa um único processo judicial (v., neste sentido, Acórdão de 15 de setembro de 2016, Philip Morris/Comissão, T‑796/14, EU:T:2016:483, n.o 98).

62      Por outro lado, na medida em que a recorrente se baseia no facto de ela própria só ser parte num dos processos referidos na tabela, o qual, de resto, estava encerrado no momento da tomada de decisão sobre o pedido de acesso, deve salientar‑se que a divulgação do ofício das autoridades italianas de 17 de outubro de 2019 lhe poderia conferir uma publicidade muito ampla, permitindo, nomeadamente, às partes nos outros processos ainda pendentes, invocá‑la contra as autoridades italianas no âmbito dos referidos processos (v., neste sentido, Acórdão de 6 de fevereiro de 2020, Compañía de Tranvías de la Coruña/Comissão, T‑485/18, EU:T:2020:35, n.o 56 e jurisprudência referida).

63      Importa, em seguida, determinar se o ofício das autoridades italianas de 17 de outubro de 2019 apresenta uma ligação pertinente com os processos judiciais nacionais identificados no quadro, além da ligação ao processo no qual a recorrente era parte e que estava encerrado no momento da tomada de decisão sobre o pedido de acesso.

64      Como resulta da tabela, dos doze processos mencionados, com exceção do da recorrente, nove estavam pendentes no momento da tomada de decisão sobre o pedido de acesso, como exige a jurisprudência relativa ao artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do Regulamento n.o 1049/2001 (v. Acórdão de 6 de fevereiro de 2020, Compañía de Tranvías de la Coruña/Comissão, T‑485/18, EU:T:2020:35, n.o 42 e jurisprudência referida), e tinham por objeto recursos interpostos pela Administração Fiscal italiana ou contra a Administração Fiscal italiana a propósito do reembolso do IVA sobre a taxa TIAI, em aplicação do artigo 30.o‑B, n.o 2, do decreto n.o 633 del Presidente della Repubblica — Istituzione e disciplina dell’imposta sul valore aggiunto (Decreto n.o 633 do Presidente da República que Institui e Regula o IVA), de 26 de outubro de 1972 (suplemento ordinário da GURI n.o 292, de 11 de novembro de 1972).

65      Existe, portanto, uma ligação evidente entre esses processos, que têm por objeto litígios que opõem a Administração Fiscal italiana aos contribuintes a respeito do reembolso do IVA sobre a taxa TIAI, e o ofício das autoridades italianas de 17 de outubro de 2019, apresentado em execução de uma diligência de instrução, que, como resulta dos seus termos, constitui uma tomada de posição das autoridades ministeriais italianas relativamente às modalidades desse reembolso. Com efeito, o referido ofício divulga a posição das autoridades italianas quanto à questão controvertida suscitada nos processos pendentes nos órgãos jurisdicionais italianos, estabelecendo assim a ligação pertinente e a relação estreita com os aspetos jurídicos dos litígios pendentes exigidos pela jurisprudência (v., neste sentido Acórdão de 26 de julho de 2023, Troy Chemical Company/Comissão, T‑662/21, não publicado, EU:T:2023:442, n.o 57 e jurisprudência referida).

66      Ora, por um lado, a igualdade de armas entre as partes poderia ser seriamente posta em causa no caso de uma das partes beneficiar de um acesso privilegiado a informações da outra parte com uma estreita relação com os aspetos jurídicos dos litígios pendentes, mas comunicadas a título confidencial à Comissão no âmbito do processo EU Pilot (v., neste sentido, Acórdão de 28 de setembro de 2022, Leino‑Sandberg/Parlement, T‑421/17 RENV, não publicado, EU:T:2022:592, n.o 41 e jurisprudência referida). Por outro lado, a divulgação do ofício das autoridades italianas de 17 de outubro de 2019 seria suscetível de obrigar, de facto, as autoridades italianas a defenderem‑se das alegações feitas pelas partes contrárias contra considerações que figuram no referido ofício que, eventualmente, não invocaram para efeitos da sua defesa nos órgãos jurisdicionais italianos e, assim, prejudicaria a eficácia da sua defesa, ao passo que as outras partes nos processos em causa não sofreriam tal constrangimento (v., neste sentido Acórdão de 28 de setembro de 2022, Leino‑Sandberg/Parlement, T‑421/17 RENV, não publicado, EU:T:2022:592, n.o 51 e jurisprudência referida). Com efeito, como sublinha a República Italiana, tendo em conta a diferente natureza, por um lado, do processo EU Pilot, que visa sanar uma eventual infração ao direito da União, e, por outro, dos processos judiciais pendentes em causa, que opõem a Administração Fiscal italiana a contribuintes, os elementos indicados pelas autoridades italianas à Comissão e aos juízes nacionais não são necessariamente os mesmos.

67      Por outro lado, a divulgação do ofício das autoridades italianas de 17 de outubro de 2019, que expõe a posição defendida por essas autoridades sobre uma questão que está no cerne de vários litígios pendentes, permitiria exercer, ainda que apenas na perceção do público, pressões externas sobre a atividade judicial e prejudicar a serenidade dos debates (v., neste sentido, Acórdão de 21 de setembro de 2010, Suécia e o./API e Comissão, C‑514/07 P, C‑528/07 P e C‑532/07 P, EU:C:2010:541, n.os 92 e 93). Ora, a exclusão da atividade judicial do âmbito de aplicação do direito de acesso aos documentos justifica‑se à luz da necessidade de garantir, no decurso de todo o processo judicial, que os debates entre as partes e a decisão do órgão jurisdicional em causa sobre o processo que lhe foi submetido decorrem com toda a serenidade, sem pressões externas sobre a atividade (v. Acórdão de 6 de fevereiro de 2020, Compañía de Tranvías de la Coruña/Comissão, T‑485/18, EU:T:2020:35, n.o 40 e jurisprudência referida).

68      Estas considerações não são postas em causa pelo argumento da recorrente segundo o qual a mera afirmação do caráter particularmente plausível de um reenvio prejudicial por parte dos órgãos jurisdicionais italianos em causa não basta para justificar a recusa de divulgação do ofício das autoridades italianas de 17 de outubro de 2019.

69      É certo que foi declarado que, para que a exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do Regulamento n.o 1049/2001 se possa aplicar a documentos que não foram elaborados no âmbito de um processo judicial específico, é necessário que os documentos pedidos, no momento da tomada da decisão que recusou o seu acesso, tenham uma ligação pertinente com um processo judicial pendente perante o juiz da União relativamente ao qual a instituição em causa invoca esta exceção, ou com um processo pendente num órgão jurisdicional nacional, desde que suscite uma questão de interpretação ou de validade de um ato de direito da União, de modo que, atendendo ao contexto do processo, um reenvio prejudicial pareça particularmente plausível (Acórdãos de 15 de setembro de 2016, Philip Morris/Comissão, T‑796/14, EU:T:2016:483, n.os 88 e 89, e de 7 de fevereiro de 2018, Access Info Europe/Comissão, T‑852/16, EU:T:2018:71, n.o 67).

70      Todavia, os acórdãos mencionados no n.o 69, supra, foram proferidos em processos relativos a documentos elaborados pelas próprias instituições, e não, como no caso em apreço, relativamente a documentos emanados de Estados‑Membros e transmitidos a uma instituição. Com efeito, tratando‑se de um documento elaborado por uma instituição, a violação da igualdade de armas e da capacidade de defesa da instituição em causa apenas pode ocorrer no âmbito de instâncias em que esta última participa, ou seja, instâncias que correm, em princípio, perante o juiz da União.

71      Em contrapartida, no caso de um documento emanado de um Estado‑Membro e ligado a processos pendentes nos órgãos jurisdicionais nacionais em que o Estado é parte, como no caso em apreço, é a garantia da igualdade de armas nesses processos nacionais que é tomada em consideração. Daqui resulta que, no caso em apreço, é irrelevante a questão de saber se um reenvio prejudicial pelos órgãos jurisdicionais italianos chamados a conhecer dos processos nacionais em causa era particularmente plausível (v., neste sentido, Despacho de 27 de março de 2014, Ecologistas en Acción/Comissão, T‑603/11, não publicado, EU:T:2014:182, n.os 56 a 65).

72      Por conseguinte, há que julgar improcedente a terceira acusação, relativa à inexistência de prejuízo para a proteção dos processos judiciais pela divulgação do ofício das autoridades italianas de 17 de outubro de 2019.

73      Resulta de todo o exposto que o segundo fundamento deve ser julgado improcedente, do mesmo modo que deve ser negado provimento ao recurso na totalidade, sem ser necessário ordenar outras diligências de instrução.

 Quanto às despesas

74      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.

75      Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros que intervenham no processo suportam as suas despesas. A República Italiana suportará, portanto, as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Veneziana Energia Risorse Idriche Territorio Ambiente Servizi SpA (Veritas) é condenada a suportar as suas próprias despesas, bem como as despesas efetuadas pela Comissão Europeia.

3)      A República Italiana suportará as suas próprias despesas.

Da Silva Passos

Gervasoni

Półtorak

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 24 de janeiro de 2024.

Assinaturas


*      Língua do processo: italiano.