Language of document : ECLI:EU:C:2020:595

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MICHAL BOBEK

apresentadas em 16 de julho de 2020 (1)

Processo C761/18 P

Päivi LeinoSandberg

contra

Parlamento Europeu

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Acesso a documentos das instituições da União Europeia — Regulamento (CE) n.o 1049/2001 — Pedido de acesso por parte de um terceiro a um documento objeto de impugnação no Tribunal Geral à data do pedido — Recusa do Parlamento Europeu de conceder acesso com base na proteção dos processos judiciais — Recurso de anulação — Declaração de que não é necessário conhecer do recurso devido à disponibilidade do documento solicitado no blogue internet do seu destinatário — Finalidade do recurso de anulação — Conservação do interesse em agir — Consequências jurídicas decorrentes da publicação, pelo destinatário, de uma versão do documento solicitado»






I.      Introdução

1.        Para fãs de ficção científica, «travelling without moving» [viajar sem sair do lugar] estará sempre associado à obra Dune, de Frank Herbert (2), em particular à sua adaptação no filme fantástico surreal realizado por David Lynch em 1984 (3).

2.        Não obstante, nos termos do Regulamento (CE) n.o 1049/2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (4), é possível «divulgar sem dar»? Metaforicamente, resume‑se a isto a questão fundamental em causa no presente recurso.

3.        Päivi Leino‑Sandberg pediu acesso a um documento do Parlamento Europeu. O seu pedido foi indeferido com o fundamento de que o documento solicitado era objeto de impugnação pelo seu destinatário no Tribunal Geral (5). Por conseguinte, segundo o Parlamento, não podia ser divulgado devido à proteção dos processos judiciais prevista no artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, do Regulamento n.o 1049/2001. P. Leino‑Sandberg interpôs recurso de anulação desta decisão no Tribunal Geral. Contudo, sem o conhecimento quer de P. Leino‑Sandberg quer do Parlamento, o destinatário do documento solicitado já tinha disponibilizado uma versão do mesmo num blogue (privado). Tendo em consideração este facto, o Tribunal Geral declarou posteriormente que não era necessário conhecer do recurso, uma vez que o documento solicitado já estava disponível na internet.

4.        Quais as consequências jurídicas resultantes da publicação em linha, por um terceiro, de uma versão de um documento objeto de um pedido de acesso nos termos do Regulamento n.o 1049/2001 sobre os processos pendentes nos órgãos jurisdicionais da União? Pode um recurso contra essa recusa de grantir o acesso ao documento considerar‑se que ficou sem objeto, deixando o recorrente de ter interesse na resolução do processo, se ainda estiver vigente a decisão negativa original da instituição de recusar acesso, e se nunca tiver sido fornecida ao recorrente pela referida instituição nenhuma versão autêntica do documento pedido?

II.    Quadro jurídico da União

A.      Regulamento n.o 1049/2001

5.        O artigo 1.o do Regulamento n.o 1049/2001 estabelece que:

«O presente regulamento tem por objetivo:

a) Definir os princípios, as condições e os limites que, por razões de interesse público ou privado, regem o direito de acesso aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (adiante designados “instituições”), previsto no artigo 255.o do Tratado CE, de modo a que o acesso aos documentos seja o mais amplo possível,

b) Estabelecer normas que garantam que o exercício deste direito seja o mais fácil possível; e

c) Promover boas práticas administrativas em matéria de acesso aos documentos.»

6.        O artigo 2.o, sob a epígrafe «Beneficiários e âmbito de aplicação», dispõe que:

«1. Todos os cidadãos da União e todas as pessoas singulares ou coletivas que residam ou tenham a sua sede social num Estado‑Membro têm direito de acesso aos documentos das instituições, sob reserva dos princípios, condições e limites estabelecidos no presente regulamento.

[…]»

7.        O artigo 3.o estabelece algumas definições para efeitos do Regulamento n.o 1049/2001:

«[…]

a) “Documento” qualquer conteúdo, seja qual for o seu suporte (documento escrito em suporte papel ou eletrónico, registo sonoro, visual ou audiovisual) sobre assuntos relativos às políticas, ações e decisões da competência da instituição em causa;

b) “Terceiros”, qualquer pessoa singular ou coletiva ou qualquer entidade exterior à instituição em causa, incluindo os Estados‑Membros, as restantes instituições ou órgãos comunitários e não‑comunitários e os Estados terceiros.»

8.        O artigo 4.o do Regulamento n.o 1049/2001 tem a seguinte redação:

«1. As instituições recusarão o acesso aos documentos cuja divulgação pudesse prejudicar a proteção:

a) Do interesse público, no que respeita:

–        à segurança pública,

–        à defesa e às questões militares,

–        às relações internacionais,

–        à política financeira, monetária ou económica da Comunidade ou de um Estado‑Membro;

b) Da vida privada e da integridade do indivíduo, nomeadamente nos termos da legislação comunitária relativa à proteção dos dados pessoais.

2. Da vida privada e da integridade do indivíduo, nomeadamente nos termos da legislação comunitária relativa à proteção dos dados pessoais:

— interesses comerciais das pessoas singulares ou coletivas, incluindo a propriedade intelectual,

— processos judiciais e consultas jurídicas,

— objetivos de atividades de inspeção, inquérito e auditoria,

exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação.

[…]

7. As exceções previstas nos n.os 1 a 3 só são aplicáveis durante o período em que a proteção se justifique com base no conteúdo do documento. As exceções podem ser aplicadas, no máximo, durante 30 anos […]»

9.        Nos termos do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1049/2001, o requerente não é obrigado a declarar as razões do pedido.

10.      O artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001 estabelece que:

«Se um documento já tiver sido divulgado pela instituição em causa, e for facilmente acessível pelo requerente, aquela poderá cumprir a sua obrigação de possibilitar o acesso aos documentos informando o requerente sobre a forma de obter o documento solicitado.»

III. Factos e tramitação processual

A.      Antecedentes do litígio e tramitação processual no Tribunal Geral

11.      Os factos do processo e a tramitação no Tribunal Geral, conforme referidos no despacho recorrido (6) e resultantes dos autos, podem ser resumidos da seguinte forma.

12.      Em 8 de julho de 2015, através da Decisão A (2015) 4931 (a seguir «documento solicitado»), o Parlamento Europeu recusou conceder a Emilio De Capitani acesso aos documentos LIBE‑2013‑0091‑02 e LIBE‑2013‑0091‑03 que continham a quarta coluna de duas tabelas elaboradas no âmbito dos trílogos que decorriam à época. Em 18 de setembro de 2015, E. De Capitani interpôs recurso de anulação dessa decisão de recusa no Tribunal Geral (a seguir «processo De Capitani»).

13.      Entretanto, ao que parece, em 12 de julho de 2015, E. De Capitani publicou num blogue (7) uma versão num anotada do documento solicitado. Contudo, na versão html aberta do blogue, partes do texto reproduzido parecem ter sido editadas. Partes de frases ou parágrafos inteiros foram inseridos a negrito, outras partes foram inseridas em itálico, algumas frases estão sublinhadas e outras parecem ter sido omitidas. Há também várias inserções no texto, feitas pelo autor do blogue nas quais este expressava as suas observações ou discordância relativamente às declarações do Parlamento.

14.      Em dezembro de 2016, enquanto o processo De Capitani ainda estava pendente no Tribunal Geral, Päivi Leino‑Sandberg (a seguir «recorrente»), à data professora de Direito Internacional e Europeu na Universidade da Finlândia Oriental, pediu ao Parlamento (a seguir «recorrido») acesso à decisão do Parlamento relativa ao pedido de E. De Capitani. Afirmou que esse acesso ao documento solicitado era necessário para completar dois projetos de investigação que estava a dirigir.

15.      Em 23 de janeiro de 2017, o recorrido recusou conceder à recorrente acesso ao documento solicitado com o fundamento de que a sua divulgação seria contrária à proteção dos processos judiciais prevista no segundo travessão do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001. Posteriormente, a recorrente apresentou um pedido confirmativo.

16.      Em 3 de abril de 2017, através da Decisão A (2016) 15112 (a seguir «decisão recorrida»), o recorrido confirmou a sua recusa de conceder à recorrente acesso ao documento solicitado. Em particular, invocou o facto de que a decisão de recusa relativa De Capitani era objeto de impugnação no Tribunal Geral e a sua divulgação pública prejudicaria o direito a um processo equitativo e a igualdade de armas entre as partes. Além disso, teria, em grande medida, o efeito de expor as atividades judiciais a pressão externa e, inevitavelmente, perturbaria a serenidade do processo.

17.      Em 6 de julho de 2017, a recorrente interpôs recurso de anulação da decisão recorrida no Tribunal Geral. O recorrido apresentou posteriormente a sua resposta.

18.      Em 14 de novembro de 2017, através de uma medida de organização do processo adotada ao abrigo do artigo 89.o do seu Regulamento de Processo, o Tribunal Geral alertou a recorrente para o facto de que E. De Capitani publicou, no referido blogue (8), o documento solicitado. O Tribunal Geral pediu à recorrente que indicasse se se considerava satisfeita com o facto de poder aceder em linha ao documento pedido.

19.      Em 30 de novembro de 2017, a recorrente respondeu que até ao momento em que o Tribunal Geral a alertou não tinha conhecimento de que o documento solicitado estava disponível em linha. Afirmou que não ficava satisfeita com o facto de o documento em causa estar disponível na internet.

20.      Em seguida, o Tribunal Geral instou as partes a centrarem‑se na admissibilidade do recurso da recorrente na sua segunda troca de articulados. Em janeiro de 2018, a recorrente apresentou a sua réplica. Em 9 de março de 2018, o recorrido apresentou a sua tréplica. Este declarou, nomeadamente, que não tinha, também ele, tido conhecimento da publicação em linha do documento solicitado até ao momento em que o Tribunal Geral o assinalou. Em sua opinião, o facto de a recorrente estar agora a par dessa publicação deixou o seu recurso de anulação desprovido de objeto. Assim, o Parlamento, na sua tréplica, pediu que fosse declarado que não era necessário conhecer do recurso.

21.      Por cartas de 15 de março de 2018, o Tribunal Geral informou as partes de que o pedido do Parlamento de declaração de que não era necessário conhecer do recurso, não tinha sido apreciado por não ter sido apresentado em requerimento separado, conforme exige o artigo 130.o, n.o 2, do seu Regulamento de Processo.

22.      Em 27 de março de 2018, por documento separado, o Parlamento apresentou um pedido para que fosse declarado que não era necessário conhecer do recurso. A título subsidiário, o recorrido defendeu que o Tribunal Geral deveria julgar o recurso da recorrente inadmissível ou improcedente e condená‑la nas despesas.

23.      Em 5 de abril de 2018, o Tribunal Geral convidou a recorrente a apresentar observações relativas ao pedido do recorrido, segundo o qual não era necessário conhecer do recurso. Na sua resposta, a recorrente assinalou que nem ela nem o recorrido tinham tomado conhecimento de que E. De Capitani tinha posto o documento solicitado num blogue na internet até de tal terem sido informados pelo Tribunal geral. Insistiu em que o termo «publicado» é bastante desadequado para casos em que um documento foi posto num blogue por um particular algures, no ciberespaço. Além disso, declarou que a decisão de recusa do Parlamento que permanece válida não pode deixar de ser objeto de fiscalização judicial pelo simples facto de alguém ter posto o documento solicitado num blogue.

24.      Entretanto, em 22 de março de 2018, enquanto o processo principal ainda decorria em primeira instância, o Tribunal Geral decidiu o processo De Capitani. Anulou a decisão do Parlamento relativa a E. De Capitani, declarando que o Parlamento violou o primeiro parágrafo do artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1049/2001 ao recusar divulgar, no decurso do processo, a quarta coluna dos documentos em causa com o fundamento de que fazê‑lo prejudicaria gravemente o seu processo decisório (9).

B.      Despacho recorrido e tramitação processual no Tribunal de Justiça

25.      No seu Despacho de 20 de setembro de 2018 (a seguir «despacho recorrido») (10), o Tribunal Geral declarou que já não era necessário conhecer do recurso interposto pela recorrente.

26.      O Tribunal Geral declarou, no essencial, que um recurso de anulação de uma decisão de recusa de acesso a documentos deixa de ter objeto quando os documentos em questão foram tornados acessíveis por um terceiro, podendo o ou a requerente aceder a esses documentos e utilizá‑los de maneira tão legal como se os tivesse obtido no seguimento do seu pedido de acesso apresentado nos termos do Regulamento n.o 1049/2001 (11). Tendo em conta que uma versão integral do documento solicitado foi tornada acessível pelo próprio destinatário do documento, não havia dúvida de que a recorrente poderia utilizá‑lo de maneira totalmente legal para efeitos do seu trabalho universitário (12).

27.      Além disso, segundo o Tribunal Geral, não era provável que a alegada ilegalidade da recusa de acesso voltasse a verificar‑se no futuro fora das circunstâncias específicas do processo. A recusa do recorrido de conceder acesso ao documento solicitado era específica ao processo e tinha uma natureza ad hoc, uma vez que, em primeiro lugar, o processo De Capitani ainda estava pendente e, em segundo lugar, o contexto do pedido da recorrente caracterizava‑se por discussões intensas em blogues e pontos de vista suscetíveis de influenciar a própria posição do recorrido no processo (13). Acresce que, uma vez que foi o próprio destinatário, e não o recorrido, que divulgou o documento solicitado, a recorrente não poderia alegar que este último utilizou táticas dilatórias que consistiam em aguardar pela interposição de um eventual recurso nos órgãos jurisdicionais da União antes de divulgar o documento cujo acesso era pedido (14).

28.      Por conseguinte, o Tribunal Geral concluiu que o recurso interposto pela recorrente ficou desprovido de objeto devido à divulgação, por E. De Capitani, do documento solicitado. Assim, deixou de ser necessário conhecer do recurso ou dos pedidos de intervenção apresentados pela República da Finlândia e pelo Reino da Suécia. O Tribunal Geral condenou cada uma das partes a suportar as suas próprias despesas. Condenou igualmente a República da Finlândia e o Reino da Suécia a suportarem as suas próprias despesas.

29.      Com o presente recurso, a recorrente pede ao Tribunal de Justiça para anular o despacho recorrido, decidir definitivamente o litígio e condenar o recorrido no pagamento das despesas do processo, incluindo as despesas dos intervenientes.

30.      A recorrente invoca dois fundamentos de recurso. Em primeiro lugar, alega que o Tribunal Geral incorreu em erro de direito ao concluir que o recurso ficou sem objeto. Em segundo lugar, incorreu em erro de direito e em erros processuais ao concluir que a recorrente já não tinha interesse em agir.

31.      Na sua contestação, o Parlamento alega que ambos os fundamentos de recurso devem ser julgados parcialmente inadmissíveis e parcialmente improcedentes, ou improcedentes.

32.      A recorrente e o Parlamento também apresentaram, respetivamente, uma réplica e uma tréplica.

33.      A República da Finlândia e o Reino da Suécia intervieram em apoio da recorrente.

IV.    Apreciação

34.      As presentes conclusões estão estruturadas da seguinte forma. Em primeiro lugar, apreciarei a relação entre os dois fundamentos de recurso invocados pela recorrente, e, em particular, a diferença entre a finalidade (ou o objeto) de um recurso de anulação e o interesse suplementar (residual) em tal processo judicial no caso de o processo ter efetivamente perdido o seu objeto inicial (A). Em seguida, apreciarei o primeiro fundamento de recurso (B). Uma vez que considero, concordando com a recorrente, que o objeto do presente litígio não deixou de existir e que, por conseguinte, o primeiro fundamento de recurso deve ser julgado procedente, limitar‑me‑ei, em seguida, a apreciar de forma breve o segundo fundamento de recurso C), antes de chegar a uma conclusão relativa ao objetivo do presente recurso (D).

A.      Relação entre os dois fundamentos de recurso da recorrente

35.      No seu recurso, a recorrente invoca dois fundamentos: em primeiro lugar, o Tribunal Geral cometeu erros de direito ao concluir que o recurso ficou sem objeto; em segundo lugar, cometeu erros de direito ao concluir que a recorrente já não tinha qualquer interesse em agir.

36.      No que diz respeito à relação entre estes dois fundamentos de recurso, a recorrente afirma que o despacho recorrido estabeleceu uma ligação indevida entre a alegada falta de objeto do recurso de anulação e o interesse em agir. Não obstante, trata‑se de dois conceitos jurídicos diferentes que devem ser apreciados em separado. O recorrido considera que a necessidade da conservação do objeto do recurso deve ser avaliada juntamente com a continuidade do interesse em agir.

37.      Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o interesse em agir da recorrente deve, tendo em conta o objeto da ação, existir no momento em que o recurso é interposto, sob pena de inadmissibilidade. Este objetivo do litígio deve perdurar, da mesma maneira que o interesse em agir, até à prolação da decisão jurisdicional, sob pena de não conhecimento do mérito, o que pressupõe que o recurso possa, pelo seu resultado, conferir um benefício à parte que o interpôs (15).

38.      Um recorrente pode conservar um interesse em pedir a anulação de uma decisão a fim de repor a sua situação anterior ou a fim de levar o autor do ato impugnado a introduzir no futuro as modificações adequadas e, assim, evitar o risco de repetição da ilegalidade de que esse ato pretensamente padece (16).

39.      Concordo com o recorrido em relação ao facto de que pode haver alguma sobreposição entre a finalidade do recurso de anulação e a continuidade do interesse em agir. É igualmente evidente que a terminologia utilizada nem sempre é coerente. Por exemplo, o termo «finalidade» do litígio e os termos «objeto», «matéria» ou mesmo «objetivo» são usados indistintamente. Além disso, quando é evidente que o documento solicitado foi entretanto divulgado pela instituição e, por conseguinte, o recorrente viu satisfeito, na essência, o seu pedido original, o Tribunal de Justiça tende a examinar o interesse de uma forma expedita, o que conduz ao potencial desaparecimento da «finalidade» do recurso apreciada enquanto fator no contexto geral da persistência de qualquer interesse em agir (17).

40.      No entanto, como é lógico, o Tribunal de Justiça distingue, de facto, entre dois tipos de interesses: em primeiro lugar, o interesse inicial em agir do recorrente e, em segundo lugar, qualquer interesse residual, suplementar por parte do recorrente que perdure mesmo que algum acontecimento tenha posto termo ao interesse inicial.

41.      Em termos mais específicos no âmbito efetivo de litígios relativos ao acesso a documentos nos termos do Regulamento n.o 1049/2001, o objeto de um recurso (18) interposto para fazer valer direitos de acesso é a anulação das decisões recorridas. É certamente este o objeto formal do recurso: a anulação da decisão desfavorável, obrigando assim a instituição em causa a decidir novamente. Pode também afirmar‑se que um recurso de anulação de uma decisão negativa relativa ao acesso a um documento solicitado tem um objeto substantivo implícito, ou melhor, neste sentido, uma finalidade (posterior): obter o documento em questão no pedido inicial de acesso.

42.      Um recorrente mantém o interesse inicial (e o recurso não pode ser desprovido do seu objeto) a menos que uma de duas alternativas se verifique: i) a decisão impugnada foi formalmente retirada (desaparecimento formal do objeto do litígio), ou ii) a instituição concede ao recorrente acesso integral ao documento solicitado, sem ter necessariamente revogado a decisão anterior satisfazendo integralmente, no essencial, o recorrente (desaparecimento material do objeto do litígio).

43.      Em seguida, admitindo que esse interesse inicial efetivamente desapareceu, o recorrente pode conservar um interesse residual em agir, ou, como sucede mais frequentemente na prática, em que o processo seja definitivamente julgado, apesar de receber o documento no decurso deste processo.

44.      A este último respeito, a jurisprudência do Tribunal de Justiça reflete dois cenários em particular. Em primeiro lugar, um recorrente mantém o interesse em agir processualmente «para repor a sua situação anterior». Foi baseando‑se nisso que, por exemplo, o Tribunal de Justiça declarou que um pedido de anulação pode conservar interesse enquanto base para de uma possível ação fundada em responsabilidade (19). Tal interesse deve ser apreciado in concreto, tendo em conta, nomeadamente, as consequências da ilegalidade alegada (20). Em segundo lugar, um recorrente pode manter interesse em agir «a fim de levar o autor do ato impugnado a introduzir no futuro as modificações adequadas e, assim, evitar o risco de repetição da ilegalidade de que esse ato pretensamente padece» (21).

45.      Em suma, o interesse inicial na interposição de um recurso de anulação perdurará até que a decisão impugnada seja formalmente anulada ou até que o recorrente obtenha satisfação material integral. Qualquer outro interesse (suplementar ou residual) estará relacionado com todas as restantes considerações que, não obstante, possam levar o Tribunal de Justiça a proferir ainda uma decisão sobre o assunto mesmo que o objeto inicial do recurso tenha desaparecido.

46.      Significativamente, no que respeita à ordem de apreciação, as duas categorias são duas etapas (crono‑)lógicas sucessivas. Só se, na primeira fase, se concluir que o recorrente perdeu o seu interesse inicial em interpor o recurso, é que se torna necessário apreciar a segunda fase. Em contrapartida, sempre que o recorrente não tenha ficado plenamente satisfeito de um ponto de vista formal ou material, não é necessário examinar qualquer interesse potencial ou suplementar na obtenção de uma decisão de anulação adotada por um órgão jurisdicional da União.

47.      Pelos motivos expostos, considero que no presente processo é útil apreciar em seguida cada um dos fundamentos de recurso invocados pela recorrente. Com efeito, estes correspondem à ordem lógica segundo a qual a questão deve ser devidamente analisada.

B.      Primeiro fundamento de recurso

48.      O primeiro fundamento de recurso resume‑se, no essencial, à questão de saber se a recorrente obteve satisfação material, e, por conseguinte, se o objeto original (e o interesse inicial em agir) deixou de existir.

49.      A recorrente, apoiada pelos Governos finlandês e sueco, alega que não é esse o caso. O recorrido não retirou a decisão recorrida. Como decorre do Acórdão ClientEarth (22), a publicação de documentos em relação aos quais foi pedido acesso não é um fator relevante para determinar se o objeto de um recurso se mantém. Além disso, a recorrente alega igualmente que nunca recebeu qualquer versão autêntica do documento solicitado ao Parlamento. Para efeitos da sua investigação, não se pode basear em qualquer tipo de informação parcial ou não autêntica retirada de blogues privados na internet.

50.      Segundo o recorrido, o recurso da recorrente ficou desprovido de objeto após ter sido descoberta a publicação do documento pedido pelo seu destinatário. O blogue onde E. De Capitani publicou o documento era muito provavelmente conhecido da recorrente, uma vez que as suas próprias contribuições eram aí publicadas. Assim, a recorrente poderia aceder a este documento e utilizá‑lo de maneira legal para fins da sua investigação académica ou para qualquer outro fim.

51.      Não resulta do processo no Tribunal Geral, nem foi afirmado perante o Tribunal de Justiça, que o Parlamento chegou a revogar formalmente a sua decisão negativa original. Assim, este cenário não se materializou no presente processo e, por conseguinte, não tem de ser apreciado.

52.      A recorrente obteve satisfação material, desaparecendo, portanto, o objeto original (e o interesse inicial em agir)?

53.      A questão do interesse inicial e da conservação do interesse em agir, reveste, como resulta da secção anterior, uma natureza processual perante os órgãos jurisdicionais da União. Existe ainda processo, tendo em conta a alteração de circunstâncias? Embora em grande medida independente e transversal a uma categoria, aplicável a qualquer tipo de litígio perante os órgãos jurisdicionais da União, a questão do interesse em prosseguir um processo está igualmente ligada ao objeto ou ao domínio do direito em que o processo foi instaurado. De que outro modo se poderia apreciar se o recurso é desprovido de qualquer objeto e, por conseguinte, potencialmente espúrio, se o direito que o recorrente procura fazer cumprir por força do direito da União não for claro?

54.      Por esta razão, em seguida, começo precisamente por recordar esta questão: quais são, de facto, os direitos dos indivíduos (e as obrigações correspetivas das instituições) ao abrigo do Regulamento n.o 1049/2001, que pode invocar um recorrente que pede a anulação de uma decisão negativa relativa ao acesso adotada por uma instituição? (1) Seguidamente, abordarei o que parece ser o critério utilizado pelo Tribunal Geral no presente processo para determinar se um recorrente obteve satisfação material (2). Depois, utilizando o exemplo do presente processo, demonstrarei por que razão esse critério é conceptualmente errado e, em termos práticos, insustentável (3), antes de terminar explicando qual deveria ser o critério adequado (4).

1.      Direitos dos indivíduos ao abrigo do Regulamento n.o 1049/2001

55.      O artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1049/2001 estabelece expressamente um direito de acesso (subjetivo) a documentos do Parlamento Europeu, Conselho e Comissão a «[t]odos os cidadãos da União e todas as pessoas singulares ou coletivas que residam ou tenham a sua sede social num Estado‑Membro». Nos termos do artigo 2.o, n.o 3, do regulamento, este direito é, em substância, extensível a «todos os documentos na posse de uma instituição, ou seja, aos documentos por ela elaborados ou recebidos que se encontrem na sua posse, em todos os domínios de atividade da União Europeia».

56.      No entanto, o que sucede em relação aos documentos que já foram disponibilizados ao público, que se encontram no domínio público? A história legislativa do Regulamento n.o 1049/2001 e o sistema da regulamentação atual fornecem uma resposta bastante clara a este respeito.

57.      Em primeiro lugar, no que se refere à história legislativa, o projeto de proposta da Comissão prevê uma exceção ao acesso a documentos, dispondo que o regulamento não era aplicável a «documentos já publicados ou acessíveis ao público por outras vias» (23). No entanto, durante o processo legislativo, o Parlamento não apenas expressou a intenção de eliminar este projeto de disposição, mas introduziu uma disposição (projeto de artigo 2.o‑A, n.o 1) que previa expressamente que «o direito de acesso a documentos das instituições inclui o acesso a documentos publicados» (24). Por conseguinte, afigura‑se que era o Parlamento que tencionava incluir documentos já disponibilizados ao público por outras vias (portanto, os documentos que eram geralmente disponibilizados pela própria instituição da União ou por um terceiro) entre os documentos cujo acesso poderia ser pedido a uma instituição da União nos termos do Regulamento n.o 1049/2001.

58.      Em segundo lugar, quanto à sua lógica interna, a versão atual do regulamento parece adotar uma posição intermédia. No caso específico de documentos que já tenham sido divulgados pela instituição em causa e são facilmente acessíveis ao requerente, o artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001 inclui uma obrigação atenuada de uma instituição da União em relação ao requerente. Nestas circunstâncias, a instituição da União não é obrigada a fornecer o documento pedido, podendo limitar‑se a informar o requerente sobre a forma de obter o documento pedido.

59.      Gostaria de sublinhar dois pontos que decorrem claramente da redação do artigo 10.o, n.o 2, do regulamento. Em primeiro lugar, um documento que já tenha sido divulgado pela instituição em causa poderia talvez, com alguma generosidade de espírito, interpretar‑se como significando que esse documento foi divulgado quer pela instituição em causa ou talvez também por qualquer outra instituição, desde que, evidentemente, não haja dúvidas quanto à autenticidade do documento pedido (25). Em segundo lugar, em todo o caso, existe sempre «aprovação oficial» da cópia referida quando se informa o requerente sobre a forma de obter o documento solicitado.

60.      O Regulamento n.o 1049/2001 é omisso no que respeita aos documentos disponibilizados ao público por terceiros. Define «terceiros» no seu artigo 3.o, alínea b),  mas por diferentes razões, nomeadamente para efeitos do acesso a documentos de terceiros nos termos do artigo 4.o, n.o 4. É certo que não prevê o cumprimento da obrigação de conceder acesso por um terceiro ou, em caso algum, por um particular (26). No entanto, isso é totalmente lógico.

61.      Em primeiro lugar, quanto ao texto legislativo, o Regulamento n.o 1049/2001 não prevê quaisquer exceções quanto ao facto de o documento pedido ter sido tornado público por um terceiro. As exceções ao acesso estão previstas de forma exaustiva no artigo 4.o do Regulamento n.o 1049/2001.

62.      Em segundo lugar, quanto ao seu objeto, o artigo 1.o e os considerandos 1, 2, 3 e 4 do Regulamento n.o 1049/2001 estabelecem que este visa assegurar transparência e abertura nas instituições da União a que se aplica e garantir a qualquer cidadão da União o acesso aos documentos da União mais amplo possível e o exercício mais fácil possível deste direito através de um diálogo direto entre a instituição e o requerente. Assim, este tem direito a uma resposta da instituição da União em causa, inclusivamente no que respeita a documentos que se encontram no domínio público.

63.      Em terceiro lugar, a «aprovação oficial» pela instituição do documento em causa ao abrigo do artigo 10.o, n.o 2, é crucial para a sua exaustividade, integridade, autenticidade e utilização lícita. Naturalmente, ninguém estaria autorizado a apresentar informação encontrada algures na internet como se se tratasse de um documento oficial ou como postura da instituição, até que, e a menos que, tenha recebido o original do documento, ou uma resposta oficial ou, no mínimo, uma aprovação clara por parte desta instituição nos termos da qual o que foi encontrado efetivamente tinha origem nesta instituição e refletia a sua posição oficial. Qualquer informação nos termos do artigo 10.o, n.o 2, é ainda mais importante quando a instituição da União inicialmente recusou conceder acesso à mesma com base nas exceções previstas no artigo 4.o do referido regulamento.

64.      Em resumo, decorre claramente do Regulamento n.o 1049/2001 que os cidadãos da União possuem um direito subjetivo de acesso. Perante um pedido individual, uma instituição tem, no essencial, três opções. Em primeiro lugar, conceder o acesso. Em segundo lugar, recusar o acesso, explicando o motivo pelo qual o acesso não pode ser concedido. Em terceiro lugar, se o pretender, e com efeito como método para dar uma resposta positiva no âmbito da primeira opção, pode responder de acordo com o artigo 10.o, n.o 2. A instituição pode indicar à recorrente o sítio, facilmente acessível, onde pode encontrar por si mesmo a informação solicitada, garantindo assim a autenticidade e a idoneidade das informações em causa.

65.      No entanto, a disponibilização de um documento ao público por um terceiro nem satisfaz nem extingue o direito de os requerentes receberem uma resposta adequada da instituição da União em causa nos termos do Regulamento n.o 1049/2001. Nem o texto nem o espírito deste regulamento sugerem que as obrigações claras e específicas que incumbem às instituições da União podem ser com efeito externalizadas a um terceiro.

2.      Jurašinović

66.      Geralmente, uma recorrente insatisfeita que considere que os direitos que lhe são garantidos pelo Regulamento n.o 1049/2001 foram infringidos interporá um recurso de anulação de uma decisão negativa adotada pela respetiva instituição. No âmbito de tal recurso, o objeto inicial e permanente do litígio pode desaparecer materialmente se, em geral no decurso do processo, a instituição em causa eventualmente conceder acesso integral ao que tiver sido pedido, adotando materialmente uma decisão positiva e concedendo acesso nos termos do artigo 10.o, n.o 1. Pode igualmente admitir‑se que a instituição comunique com a recorrente no decurso do referido processo, informando‑a de que o documento já está publicamente acessível nos termos do artigo 10.o, n.o 2, e dando a essa pessoa informação sobre o sítio onde se encontra o documento, garantindo, assim, a integridade e autenticidade do mesmo.

67.      A menos que se tente interpretar, enquanto decisão nos termos do artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001 (27), a tréplica do Parlamento ou o seu posterior pedido de declaração de que não era necessário conhecer do processo no Tribunal Geral (tendo o conteúdo desta decisão sido, talvez de forma algo surpreendente, transmitido ao recorrente pelo Tribunal Geral), essa satisfação material não se verificou no caso em apreço.

68.      Contudo, nos n.os 27 e 28 do despacho recorrido, baseando‑se ainda essencialmente no Acórdão Jurašinović/Conselho (a seguir «Acórdão Jurašinović») (28), o Tribunal Geral declarou que «um recurso de anulação de uma decisão de recusa de acesso a documentos deixa de ter objeto quando os documentos em questão foram tornados acessíveis por um terceiro, podendo o requerente aceder a esses documentos e utilizá‑los de maneira tão legal como se os tivesse obtido no seguimento do seu pedido de acesso apresentado nos termos do Regulamento n.o 1049/2001 […]». Esta jurisprudência é aplicável a fortiori no presente processo, uma vez que o próprio destinatário do documento tornou acessível uma versão integral do documento solicitado, pelo que não há dúvida de que a recorrente pode utilizá‑lo de maneira totalmente legal para efeitos do seu trabalho universitário.

69.      Conforme referido, a categoria processual geral de interesse em agir pode ser entendida como sendo, em certa medida, independente dos direitos substantivos que qualquer recurso deste tipo pretende fazer valer (29). Assim, tal categoria processual pode não corresponder inteiramente à substância. Além disso, deve haver um grau razoável de pragmatismo ao definir a categoria de interesse em agir. Com efeito, os órgãos jurisdicionais da União, tais como quaisquer outros órgãos jurisdicionais, não são, pelo menos no que diz respeito a recursos de anulação, consultorias jurídicas a que devem poder recorrer pessoas sem nenhum interesse manifesto na resolução do processo.

70.      Por outro lado, há alguns limites a tal distinção. Estes limites têm origem no cordão umbilical que existe entre a substância e o processo que é suposto materializar esta substância. No âmbito dos litígios relativos ao acesso a documentos, o potencial de satisfação material do pedido e, assim, a potencial perda do objeto do litígio devem ser apreciados à luz daquilo a que o recorrente tinha direito em primeiro lugar.

71.      Nesta perspetiva, considero que a abordagem adotada pelo Tribunal Geral com base no Acórdão Jurašinović, referida em seguida simplesmente como «critério Jurašinović», está errada, quer em termos conceptuais quer em termos práticos. Antes de indicar o motivo pelo qual isto efetivamente sucede no presente recurso, começarei por explicar esta decisão no seu contexto adequado: como surgiu tal abordagem i); por que razão se dificilmente compatibiliza com outras decisões do Tribunal Geral, revelando uma falta de coerência da jurisprudência ii); e, sobretudo, por que não pode ser mantida após a decisão da Grande Secção do Tribunal de Justiça no Acórdão ClientEarth iii).

i)      De Weber a Jurašinović: a origem do critério

72.      Aparentemente, foi no processo Weber/Comissão (a seguir «processo Weber») (30) que o Tribunal Geral declarou pela primeira vez, por intermédio de um despacho, que deixava de ser necessário proferir uma decisão quando o documento pedido tivesse sido disponibilizado (em linha) ao público por um terceiro.

73.      Neste processo, um jornalista pediu à Comissão para lhe conceder acesso a uma carta da Direção‑Geral da Concorrência dirigida ao Governo alemão, relativa a um auxílio estatal alemão. Em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal Geral às partes, a Comissão confirmou que esta carta estava integralmente acessível numa revista disponível na internet. No n.o 41 do despacho, o Tribunal Geral declarou que «segundo a Comissão o recorrente tem acesso à carta que pretende consultar e pode utilizá‑la de maneira tão legal como se a tivesse obtido em resultado do pedido que apresentou ao abrigo do Regulamento n.o 1049/2001». No entanto, uma vez que o recurso de anulação foi declarado manifestamente inadmissível com base noutro fundamento, esta declaração foi apenas efetuada in passim para completar o raciocínio do Tribunal Geral, embora não fosse realmente aplicável nesse processo.

74.      Em seguida, no Acórdão Jurašinović, foi recusado à recorrente acesso a documentos do Conselho relativos ao Tribunal Penal Internacional para a antiga Jugoslávia («TPIJ») no âmbito de um processo aí pendente. O Conselho alegou em sua defesa que a recorrente não tinha interesse em agir, na medida em que, à data da interposição do recurso, alguns dos documentos aos quais a recorrente tinha pedido acesso já tinham sido tornados públicos pelo TPIJ na sua base de dados judiciais, suscetível de consulta na internet.

75.      Neste contexto, o Tribunal Geral baseou‑se expressamente no processo Weber para declarar que «um recurso de anulação de uma decisão de recusa de acesso a documentos deixa de ter objeto quando os documentos em questão foram tornados acessíveis por um terceiro, podendo o requerente aceder a esses documentos e utilizá‑los de maneira tão legal como se os tivesse obtido no seguimento do seu pedido de acesso apresentado nos termos do Regulamento n.o 1049/2001» (31). No entanto, uma vez que o Tribunal Geral observou que os documentos em causa não estavam disponíveis no sítio eletrónico do TPIJ «à data da interposição do recurso», acabou por afastar a exceção de inadmissibilidade alegada pelo Conselho, uma vez que não resultava do processo que os documentos em questão estavam acessíveis ao público nessa data (32).

76.      Assim, ao apreciar os processos referidos pelo Tribunal Geral como precedentes para a sua proposta jurídica fundamental no despacho recorrido (33), afigura‑se que, de facto, o critério estabelecido no caso em apreço nunca foi anteriormente aplicado. Com efeito, isto não é, por si só, decisivo. A existência orgânica da jurisprudência da União significa que um passim dictum num processo pode de um momento para o outro tornar‑se a ratio noutro. A razão pela qual o critério nunca foi realmente aplicado é referida com o objetivo de enfatizar que o seu impacto e consequências continuam necessariamente em certa medida inexplorados.

ii)    Variações na jurisprudência do Tribunal Geral

77.      Além disso, há também outras linhas jurisprudenciais significativas da jurisprudência do Tribunal Geral relativa à mesma questão: se, e em que medida, o objeto (finalidade) de um recurso de anulação relativo ao acesso a documentos deixa de existir na sequência da divulgação do documento solicitado por um terceiro.

78.      Antes das decisões proferidas nos processos Weber e Jurašinović, em 1995, numa época em que o acesso a documentos na posse das instituições da União era regido por regras específicas de cada instituição, a Svenska Journalistförbundet viu indeferido pelo Conselho o pedido que de acesso a certos documentos relativos ao Serviço Europeu de Polícia (Europol). Em qualquer caso, a mesma recorrente já tinha obtido os documentos em questão das autoridades suecas. Neste contexto, o Tribunal Geral declarou, no entanto, que «uma pessoa a quem tenha sido recusado o acesso a um documento ou a uma parte de um documento tem, apenas por esse facto, interesse em obter a anulação da decisão de indeferimento […] O facto de os documentos pedidos terem caído no domínio público não tem, nesta discussão, qualquer pertinência» (34). Em seguida, o Tribunal Geral apreciou o mérito do processo, acabando por anular a decisão do Conselho de recusar o acesso da recorrente aos documentos solicitados.

79.      Porventura ainda mais importante, após as decisões proferidas nos processos Weber e Jurašinović, no processo Access Info Europe/Conselho (35), a recorrente contestou a recusa do Conselho de lhe conceder o acesso a determinada informação, incluída numa nota, respeitante à proposta para um novo regulamento relativo ao acesso a documentos das instituições da União, com o fundamento de que isso poderia prejudicar o seu processo decisório. Na sua contestação, o Conselho alegou que uma versão integral do documento solicitado já estava disponível, antes da interposição do recurso, no sítio eletrónico da organização Statewatch. Segundo o Conselho, esta publicação não foi autorizada. O Conselho não tinha conhecimento da mesma quando decidiu do pedido de acesso. Na sua réplica, a recorrente reconheceu que já estava na posse de uma cópia da versão integral do documento e também que não tinha tido conhecimento de tal cópia à data em que apresentou o seu pedido de acesso.

80.      O Tribunal Geral declarou que a divulgação da versão do documento solicitado na internet, tal como o posterior conhecimento do conteúdo desta versão pela recorrente, não permitem concluir que esta deixou de ter interesse em pedir a anulação da decisão recorrida (36). O comportamento da Statewatch foi declarado irrelevante para efeitos da apreciação do interesse da recorrente na anulação dessa decisão. Por conseguinte, apesar de a recorrente ter conseguido obter o conteúdo da informação a que o Conselho recusou o acesso, continua a ter interesse na anulação da decisão de recusa (37).

81.      Ao contrário do Tribunal Geral (38), tenho alguma dificuldade em distinguir a abordagem do Tribunal Geral nesses processos da abordagem no presente processo. A solução adotada pelo Tribunal Geral nesses processos continua a ser surpreendentemente diferente quanto à sua lógica e abordagem: considerou que a divulgação do documento solicitado por terceiros (quer seja «legal» como no processo Svenska Journalistförbundet, quer seja com efeito «não autorizada» como no processo Access Info Europe) era considerada como não tendo qualquer impacto na satisfação material e, portanto, no interesse de um recorrente em interpor recurso de anulação de uma decisão de recusa.

iii) ClientEarth

82.      Por último, e talvez mais importante, a Grande Secção do Tribunal de Justiça teve recentemente a oportunidade de apreciar a questão do impacto da satisfação material num recurso de anulação do acesso a documentos sobre o interesse da recorrente no processo ClientEarth (39).

83.      A ClientEarth é um organismo sem fins lucrativos que tinha por objeto a proteção do ambiente. Pediu à Comissão que lhe concedesse acesso a determinados relatórios de avaliação de impacto. Inicialmente, a Comissão recusou com fundamento na proteção do processo decisório. No entanto, em seguida, divulgou gradualmente todos os documentos pedidos pela ClientEarth no decurso do processo no Tribunal de Justiça (40).

84.      Em resposta ao pedido da Comissão, segundo o qual, por conseguinte, não era necessário conhecer do recurso, o Tribunal de Justiça declarou que «apesar da publicação ou da comunicação [à recorrente] […] dos diferentes documentos [pedidos]» no decurso do processo, «as decisões controvertidas não foram revogadas pela Comissão, pelo que o litígio conservou o seu objeto» (41).

85.      Concordo com a recorrente quanto ao facto de o Acórdão ClientEarth ser, a este respeito, relevante para efeitos do presente processo. Apesar de ser visto devido aos seus factos, o Acórdão ClientEarth é sobretudo instrutivo pela questão da existência de qualquer interesse em agir suplementar ou residual nos casos em que a recorrente obteve satisfação plena, e, por isso, será sobretudo relevante para efeitos da apreciação do segundo fundamento de recurso da recorrente, não podendo também ser ignorado o seu impacto no primeiro fundamento.

86.      No Acórdão ClientEarth, se for visto a partir do esclarecimento posterior efetuado no Despacho Rogesa (42), o Tribunal de Justiça confirmou que, para que o objeto do recurso deixe de existir, deve verificar‑se a satisfação formal da recorrente (a decisão recorrida deve ter sido retirada pela instituição) ou a satisfação material plena e completa por parte da própria instituição. Gostaria de salientar que, em ambos os casos, a satisfação material plena significa (para o Tribunal de Justiça) apenas uma situação em que o recorrente recebeu i) todos os documentos solicitados na íntegra e ii) por parte da instituição em causa.

87.      Em contrapartida, esta abordagem não é aplicável a i) um recorrente ao qual foi dado conhecimento de que uma versão editada do presumível documento solicitado existe, ii) não pela instituição à qual solicitou o documento, mas por um tribunal iii) tendo essa versão sido publicada em linha por um terceiro particular sem o conhecimento do recorrente ou da instituição.

88.      Admitir tal perda de interesse seria totalmente contrário à lógica e ao espírito do Regulamento n.o 1049/2001. Além disso, mesmo na fase da potencial reivindicação judicial de qualquer um desses direitos nos órgãos jurisdicionais da União (43), a lógica, prima facie sedutora, de concluir rapidamente um processo seria incorreta, na medida em que jamais teria qualquer utilidade (44). Para além da sua clara incompatibilidade no que respeita ao espírito do regulamento, o critério Jurašinović coloca, na realidade, mais problemas práticos do que aqueles que alguma vez poderia potencialmente resolver em soluções (fáceis), questão que abordarei em seguida.

3.      Problemas do Acórdão Jurašinović (como demonstrado pelo processo principal)

89.      No Acórdão Jurašinović, o Tribunal Geral estabeleceu três critérios ou requisitos que devem ser preenchidos para concluir que um recurso de anulação da recusa de uma instituição da União deixou de ter objeto. Afiguram‑se que estes são cumulativos: i) o documento deve ter sido tornado acessível por um terceiro, de tal modo que já era do domínio público à data da interposição do recurso de anulação ou, pelo menos, à data da sua apreciação; ii) o recorrente pode aceder‑lhe; iii) a utilização deste documento é lícita.

90.      Os problemas práticos deste critério são, pelo menos, três: conhecimento, autenticidade e utilização lícita.

91.      Em primeiro lugar, coloca‑se a questão do conhecimento e da disponibilização do documento. A recorrente alegou que o seu direito à informação nos termos do Regulamento n.o 1049/2001 não pode depender da sua capacidade de utilizar o Google ou de estar ciente do facto de que um terceiro colocou o documento solicitado no ciberespaço. Obrigar os cidadãos a pesquisar no ciberespaço seria contrário ao objetivo do Regulamento n.o 1049/2001 de garantir o exercício mais fácil possível do direito de acesso a documentos. Por sua vez, o recorrido declarou que era provável que a recorrente tivesse conhecimento dessa publicação, uma vez que algumas das suas contribuições são efetivamente publicadas nesse blogue.

92.      A este respeito, concordo inteiramente com a recorrente. O Regulamento n.o 1049/2001 estabeleceu uma via institucional para a obtenção de determinados documentos. Será que qualquer recorrente que agora pretenda solicitar um documento terá primeiro pesquisar exaustivamente na internet por esse documento? Além disso, se alguma vez pretendesse interpor posteriormente um recurso de anulação de uma decisão negativa, teria essa pessoa de indagar periodicamente, com intervalos regulares, enquanto a ação estiver pendente, para garantir que o documento solicitado não é exibido algures na internet nos anos vindouros?

93.      O presente processo destaca outro elemento inédito do primeiro requisito do Acórdão Jurašinović: o interesse não apenas se perderá se, já no momento da interposição do recurso, se afigurar que o recorrente estava materialmente satisfeito, mas também em qualquer momento posterior, «pelo menos à data da decisão». Isto contradiz não só as anteriores afirmações do próprio Tribunal Geral (45) como também a decisão posteriormente proferida no Acórdão ClientEarth, que sustentavam, com motivos válidos, que o que acontece após a interposição do recurso de anulação de uma decisão de recusa pode ter uma relevância apenas limitada.

94.      Além disso, o presente processo leva tal lógica para além do absurdo: essa perda de interesse verificar‑se‑ia não apenas porque os documentos foram disponibilizados algures na internet por um terceiro, mas também em relação aos próprios documentos de que nem a recorrente nem a instituição recorrida tinham conhecimento? Não tinham conhecimento disso, conforme ambos declararam no Tribunal Geral, a partir do momento em que o Parlamento adotou a sua decisão confirmativa e até ao tempo em que este facto lhes foi comunicado pelo próprio Tribunal Geral. Assim, em resposta à questão introdutória suscitada nestas conclusões, extraída da obra Dune, efetivamente «divulgar (um documento solicitado) sem (nunca) dar (acesso ao mesmo)», ou mesmo «divulgar sem saber», passaria a ser, no essencial, possível segundo o Tribunal Geral.

95.      Em segundo lugar, no que respeita à questão da autenticidade e integridade do documento solicitado: a recorrente e o Governo sueco alegam que a recorrente deve obter informação a partir de fontes autênticas, especialmente tendo em conta a sua atividade profissional, designadamente, investigação académica. A recorrente afirmou que é uma investigadora académica financiada pela Academia da Finlândia. Limitada por padrões de qualidade, objetividade e ética da investigação, não pode confiar na pesquisa de informação divulgada ou redigida na internet, sendo obrigada a utilizar informação proveniente unicamente de fontes autênticas. Neste contexto, salientou que E. De Capitani referiu no seu blogue que o que publicou corresponde a «uma versão sublinhada/comentada por mim».

96.      Por sua vez, o Tribunal Geral observou que as partes concordaram que E. De Capitani «disponibilizou ao público uma versão integral deste documento na internet» e que «o Tribunal de Justiça expôs em pormenor o conteúdo do documento solicitado» (46) no Acórdão De Capitani (47).

97.      Não devo comentar a declaração factual proferida pelo Tribunal Geral neste contexto. A recorrente não invocou qualquer distorção da prova. Por conseguinte, não me compete apreciar o que constitui, de facto, uma «versão integral» do documento solicitado, o qual, pelo menos quando o apreciei, correspondia a uma entrada num blogue html aberto, redigido e com anotações efetuadas pelo autor (48).

98.      Resulta das declarações da recorrente no Tribunal de Justiça e no Tribunal Geral, que esta não estava satisfeita com o documento «divulgado», uma vez que a versão publicada em linha por E. De Capitani não era autêntica e não a podia utilizar para os fins que pretendia.

99.      Uma vez mais, só posso estar de acordo com isto. Em meu entender, o objetivo pelo qual um requerente pretendia obter um documento é irrelevante para efeitos do Regulamento n.o 1049/2001 (49). Qualquer requerente, seja um jornalista, um investigador académico ou apenas um cidadão curioso, possui um direito claro ao abrigo do regulamento de obter uma resposta da instituição. Conforme acima referido (50), insistir na resposta da instituição, no caso de uma decisão positiva nos termos do artigo 10.o, n.o 1 ou 2, garante, por si só, a autenticidade e fiabilidade da informação fornecida. De acordo com o regulamento, qualquer requerente possui este direito, independentemente do objetivo pelo qual pretende obter a informação.

100. Mais uma vez, as consequências práticas a que a declaração do Tribunal Geral no n.o 26 do despacho conduz são, na essência, «faça a sua própria versão de uma decisão oficial com base em informação retirada de um blogue escrito por um particular e da decisão do Tribunal Geral noutro processo», ambas divulgadas ou «descobertas» muito depois da adoção da decisão original que ainda se encontra sob fiscalização.

101. Em terceiro lugar, ambos os pontos anteriores estão relacionados com a questão da utilização lícita, que constitui o terceiro requisito do Acórdão Jurašinović. O n.o 28 do despacho recorrido estabelece que «uma versão integral do documento solicitado foi disponibilizada pelo próprio destinatário do documento, de modo que não há dúvida de que a recorrente pode utilizá‑lo de maneira totalmente legal para efeitos do seu trabalho universitário».

102. Mais uma vez, esta proposta deixa‑me algo confuso. Como pode uma pessoa, que pretende aceder a um documento, que foi informada pela instituição de que o documento não pode ser divulgado, ter a certeza, após lhe ter sido dito que existe uma versão do mesmo algures num blogue privado, de que a utilização desse documento encontrado em linha é «tão legal como se este tivesse sido obtido com base no Regulamento n.o 1049/2001»? A recorrente foi informada de que não pode obter esse mesmo documento. Não deveria a recorrente presumir logicamente, devido a uma recusa a tal ponto expressa, que o documento em causa foi parar à internet sem autorização? De facto, não deveria ser essa a dedução correta quando, mesmo depois de ter tido conhecimento de tal divulgação em linha por um terceiro, o Parlamento nunca retirou a sua decisão negativa original e manteve‑a até ao dia de hoje?

103. Quanto aos factos do processo principal, o raciocínio razoável sobre a «utilização legítima» que a recorrente deve fazer seria precisamente o oposto ao raciocínio defendido pelo Tribunal Geral. Além disso, em termos gerais, não se deve seguramente esperar que uma pessoa que seguiu a via institucional correta para obter acesso a um determinado documento nos termos do Regulamento n.o 1049/2001 realize uma apreciação jurídica aprofundada — ou submeta o caso aos órgãos jurisdicionais da União para que estes efetuem tal apreciação — a fim de determinar se pode utilizar licitamente uma versão do documento solicitado encontrado em linha. Mais uma vez, ao abrigo do sistema estabelecido pelo Regulamento n.o 1049/2001, esta pessoa tem o direito de obter uma resposta inequívoca e direta da instituição da União, o que, ao mesmo tempo, também garante a integridade, a autenticidade e a legalidade da utilização dos documentos disponibilizados ao público por um terceiro.

104. A clareza quanto à utilização lícita é ainda mais importante num mundo em que, mais cedo ou mais tarde, todos os tipos de informação circulam na internet (51). Avaliar a legalidade da utilização de alguma dessa informação pode ser complexo, desde logo no que respeita à questão da autoria genuína e da autenticidade do documento. Por conseguinte, o sistema estabelecido pelo Regulamento n.o 1049/2001 é fundamental para determinar com autoridade a utilização legítima pela própria instituição, de modo que tais questões não surjam, de facto, em quaisquer casos ou litígios futuros (52).

4.      Regresso às origens: requisitos relativos à satisfação material de um recorrente num caso de acesso a documentos

105. As presentes conclusões debruçaram‑se alongadamente, e com bastante detalhe, sobre os critérios Jurašinović invocados pelo Tribunal Geral no despacho recorrido. Pretendeu‑se explicar a razão pela qual, em meu entender, esta abordagem é conceptualmente errada e, na prática, absurda.

106. Conforme demonstrado na secção anterior, a energia que será despendida pelos órgãos jurisdicionais da União, nos quais poderão dar entrada eventuais recursos de anulação de decisões negativas adotadas ao abrigo do Regulamento n.o 1049/2001, teria muito pouco a ver com a análise ao mérito de um processo. Degeneraria em discussões (factuais) intermináveis sobre quem publicou exatamente o quê, onde e quando foi efetuada a publicação, quem tinha conhecimento disso e se um documento publicado por algures um terceiro tem, ou não, o mesmo número de parágrafos que o original, e assim sucessivamente.

107. Além disso, tais discussões factuais seriam na realidade utilizadas para privar efetivamente um indivíduo do acesso aos tribunais da União. Importa ter presente que um despacho que declare que não há necessidade de conhecer do processo é sim uma medida forte em que, contra a vontade de um recorrente, os tribunais da União chegam à conclusão de que o recurso interposto por um recorrente é, no essencial, espúrio e desprovido de qualquer conteúdo real. Deve, por conseguinte, ser usado de forma comedida, para não dizer com cautela, sobretudo em situações em que o objeto formal de um litígio já foi substituído pelos tribunais da União por um objeto material, como sucede nos processos relativos ao acesso aos documentos (53). Se, na fase seguinte, o conteúdo da satisfação material começar a ser redefinido para além do reconhecimento no que respeita ao que foi inicialmente pedido a um órgão jurisdicional (54), o risco de privação de qualquer acesso real a um órgão jurisdicional torna‑se perigosamente iminente.

108. Por todas estas razões, proponho que o Tribunal de Justiça julgue procedente o primeiro fundamento de recurso e que retome a simplicidade racional do atual critério de satisfação material, tal como recentemente confirmado nos seus Acórdãos ClientEarth e Rogesa, que pode ser resumido da seguinte forma.

109. Um recorrente que pretenda obter a anulação de uma decisão adotada por uma instituição nos termos do Regulamento n.o 1049/2001 pode perder o seu interesse inicial em agir se, e apenas se, obtiver, formal ou materialmente, satisfação plena. A satisfação formal significa que a instituição retira a decisão recorrida. A satisfação material pode igualmente ocorrer na falta de retirada formal, mas apenas se o recorrente receber i) integralmente todos os documentos solicitados na forma e extensão que solicitou e ii) da instituição em causa, segundo as modalidades previstas no artigo 10.o, n.o 1 ou n.o 2, ou no Regulamento n.o 1049/2001.

110. A referida satisfação plena pode conduzir à perda do interesse inicial em interpor ou prosseguir um recurso nos órgãos jurisdicionais da União. Se não existir interesse suplementar ou outro interesse do recorrente em prosseguir o processo (questão abordada na secção seguinte no âmbito do segundo fundamento de recurso), a perda total de interesse no processo pode excecionalmente ser declarada, não sendo necessário conhecer do mérito da causa (55).

111. Atendendo aos factos do processo, é evidente que não se verificou nem a satisfação formal nem a satisfação material da recorrente. A recorrente mantém claramente o seu interesse inicial em obter no processo uma decisão de mérito. Assim, o Tribunal Geral incorreu em erro de direito. O despacho recorrido deve ser anulado.

C.      Segundo fundamento de recurso

112. Em meu entender, o primeiro fundamento de recurso da recorrente deve ser julgado improcedente. No caso de o Tribunal de Justiça concordar com a minha análise a este respeito, não será necessário apreciar o segundo fundamento de recurso. No entanto, tendo em conta a missão dos advogados‑gerais de apoiarem plenamente o Tribunal de Justiça, apresentarei também algumas observações finais breves sobre o segundo fundamento de recurso.

113. Estas observações podem, de facto, ser relativamente concisas, uma vez que, após o Acórdão ClientEarth, a recorrente também teria certamente razão quanto ao segundo fundamento de recurso. Aplicando as conclusões nesse processo aos factos em causa no processo principal, não se pode deixar de concluir que, além de nunca perder o seu interesse inicial no presente processo, a recorrente teria igualmente interesse suplementar em obter uma decisão do Tribunal Geral, pelo menos com o fim de evitar que a ilegalidade se reproduza por ocasião de quaisquer potenciais pedidos de acesso que a recorrente possa fazer no futuro.

114. No n.o 33 do despacho recorrido, o Tribunal Geral declarou que a recusa do Parlamento de conceder acesso era específica ao processo e tinha uma natureza ad hoc. A alegada ilegalidade não era suscetível de se repetir no futuro fora das circunstâncias específicas do processo principal. Em particular, «a recusa do Parlamento expressa na decisão recorrida baseou‑se na exceção relativa ao fundamento da proteção dos processos judiciais […] enquanto o processo estiver pendente, uma vez que o Parlamento observou que o documento solicitado tinha uma ligação relevante com o processo judicial em curso no caso que deu origem ao Acórdão [De Capitani] e que o âmbito do pedido de acesso se caracterizou por discussões intensas em blogues e pontos de vista suscetíveis de influenciar a sua própria posição no processo».

1.      Alegações das partes

115. A recorrente e os Governos finlandês e sueco partilham o entendimento de que a recorrente conservou interesse em agir, uma vez que a ilegalidade em causa pode repetir‑se no futuro, independentemente das circunstâncias concretas do processo. Segundo a recorrente, a recusa do recorrido de conceder acesso ao documento solicitado nem era específica do processo nem tinha natureza ad hoc. Tal como no Acórdão ClientEarth, é altamente provável que a recorrente apresente no futuro outros pedidos de acesso a documentos semelhantes ao que está em causa, uma vez que a sua atual investigação sobre este tema continuará, pelo menos, até 2021.

116. A recorrente mantém igualmente que um documento objeto de impugnação no Tribunal de Justiça da União Europeia faz inerentemente parte do processo judicial. A existência de discussões intensas em blogues não pode constituir uma razão para recusa de documentos. Através do despacho recorrido, o Tribunal Geral teria, de facto, criado uma categoria de documentos, nomeadamente decisões finais de recusa sujeitas a impugnação judicial, que não estaria sujeita a divulgação e à qual se aplicaria uma presunção geral (de facto) de não divulgação.

117. Por sua vez, o Governo finlandês considera que existe efetivamente um risco significativo de o recorrido vir a recusar a divulgação das decisões que adota com fundamento na proteção dos processos judiciais no futuro.

118. Segundo o recorrido, a recorrente confunde a questão da persistência do interesse em agir com a legalidade da decisão recorrida. O Tribunal Geral teve razão ao considerar que a questão de saber se a decisão de recusa era específica do processo e tinha natureza ad hoc era um elemento relevante. A recusa de acesso era específica às circunstâncias do processo. Baseava‑se numa apreciação do documento relevante no âmbito específico de processos judiciais que despertaram um interesse significativo da imprensa e do público em geral. Assim, o recorrido alega que o Tribunal Geral teve razão ao não caracterizar a sua decisão de recusa como uma efetiva presunção geral de não divulgação. As circunstâncias do processo principal são diferentes das que estavam em causa no Acórdão ClientEarth, pelo que este não é aplicável.

2.      Acórdão ClientEarth revisto

119. Concordo com as partes em relação ao facto de a decisão do Tribunal de Justiça no Acórdão ClientEarth ser efetivamente decisiva para o processo principal. No entanto, uma vez que ambas as partes parecem extrair conclusões um pouco diferentes desta decisão, afigura‑se necessário expor em pormenor as suas constatações.

120. Importa recordar que nesse processo (56), uma vez que a Comissão, ao tempo em que o Tribunal de Justiça se pronunciou, já tinha dado satisfação material integral ao pedido da recorrente, o que se tornou efetivamente decisivo foi um interesse suplementar ou adicional em agir. Devido a este interesse suplementar ou residual, o Tribunal de Justiça identificou três fatores como sendo relevantes.

121. Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça assinalou que a divulgação extemporânea dos documentos, que se verificou após a conclusão do processo decisório, impediu que os objetivos que a ClientEarth prosseguia com o seu pedido de acesso fossem alcançados, nomeadamente, influenciar o processo decisório («frustração da finalidade de divulgação») (57).

122. Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça considerou que a Comissão baseou a sua decisão inicial na presunção geral de que a divulgação de documentos elaborados no contexto da preparação de uma avaliação de impacto prejudicaria gravemente o processo decisório em curso. Esta presunção geral podia voltar a ser aplicada no futuro pela Comissão, por ocasião da resposta a novos pedidos de acesso a documentos elaborados no âmbito da preparação de uma avaliação de impacto em curso. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça concluiu que a ilegalidade era suscetível de se repetir no futuro («perigo de repetição») (58).

123. Em terceiro lugar, o Tribunal de Justiça observou que a ClientEarth era particularmente vulnerável a tais aplicações dessa presunção no futuro. Enquanto organização que tinha por objetivo a proteção do ambiente, uma das suas missões consistia em atuar a favor de uma transparência e de uma legitimidade reforçadas do processo legislativo da União. Assim, era provável que, no futuro, voltasse a pedir acesso a documentos e que a Comissão voltasse a recusar conceder esse acesso com base na referida presunção geral. Por conseguinte, a ClientEarth teria de interpor novo recurso de anulação para impugnar o mérito dessa mesma presunção («especial posição de vulnerabilidade») (59).

3.      Perigo de repetição

124. Contrariamente à recorrente, não tenho a certeza absoluta quanto à medida em que os três pontos acima referidos constituem, de facto, um «critério» e à medida em que são apenas três elementos circunstanciais distintos que o Tribunal de Justiça considerou relevantes nesse caso específico, de modo a levar a ClientEarth a ultrapassar a linha final em termos de interesse em agir residual.

125. No entanto, concordo plenamente com a recorrente quanto ao facto de que caso a abordagem adotada no Acórdão ClientEarth, relativa à probabilidade do perigo de repetição da alegada ilegalidade cometida pela instituição, fosse aplicada no processo principal, esse requisito estaria preenchido.

126. Em meu entender, a lógica subjacente à segunda categoria do Acórdão ClientEarth pode ser mantida relativamente simples: a recusa de conceder acesso nesse processo i) baseou‑se numa proposta jurídica geral suscetível de ser aplicada pelo recorrido em processos futuros ii) no que respeita ao mesmo recorrente?

127. A lógica da exceção definida em conformidade é bastante clara: nem o particular (interesse subjetivo), nem, de facto, os órgãos jurisdicionais da União (interesse objetivo) pretendem lidar repetidamente com os mesmos tipos de casos em que, devido ao comportamento da instituição recorrida, o mérito nunca será apreciado. Assim, no interesse da legalidade e também da boa administração da justiça, o mecanismo de anulação pode ocasionalmente ser ativado e um processo pode ser decidido com base no mérito, mesmo que, em sentido estrito, o objeto original desse litígio tenha desaparecido.

128. No entanto, quanto à sua abordagem global, o Acórdão ClientEarth é, de facto, bastante generoso para os recorrentes.

129. Em primeiro lugar, a probabilidade de reincidência está claramente dissociada das circunstâncias particulares do processo, ou seja, de uma forma clara, ocorre «independentemente das circunstâncias particulares» (60). Com efeito, isto é bastante lógico: o objetivo é que a mesma premissa jurídica (questionável) não seja aplicada noutros casos semelhantes. Se assim não fosse, poderia chegar‑se a uma leitura muito problemática (e vaga) deste requisito, afirmando‑se sistematicamente que cada caso é diferente e, por isso, cada decisão tem natureza ad hoc e intransmissível. No entanto, é evidente que não é isso que aqui se pretende: é precisamente a potencial transferibilidade entre casos individuais que deve ser abrangida.

130. Em segundo lugar, por conseguinte, o que importa estabelecer é a formulação de uma proposta jurídica geral a partir de um nível razoável de abstração, aplicável em processos futuros. Se tal premissa puder ser formulada com base no caso em apreço, é evidente que o potencial recorrente não é obrigado a apresentar qualquer prova de que será esse o caso (61). A probabilidade razoável é suficiente (62).

131. Em terceiro lugar, no entanto, é também evidente que esta probabilidade de repetição deve dizer respeito ao mesmo recorrente. O facto de se tratar de uma pessoa «particularmente exposta» pode ter alguma importância neste âmbito, mas afigura‑se que o Acórdão ClientEarth não vai ao ponto de introduzir a possibilidade de um indivíduo mover um processo com base no interesse geral, limitando‑se a alegar que o mesmo tipo de ilegalidade pode ser cometido pela instituição em relação a outros futuros recorrentes. O interesse em agir continua a ser específico do recorrente que tinha, em primeiro lugar, um interesse individual em impugnar a decisão negativa da União em causa até que um acontecimento sobre o qual esse recorrente não tinha qualquer controlo, nomeadamente o facto de o autor do ato impugnado ter mudado de opinião em proveito do recorrente num processo específico (63).

132. No que respeita ao processo principal, concordo efetivamente com a recorrente quanto ao facto de estes elementos do Acórdão ClientEarth do Tribunal de Justiça serem inteiramente aplicáveis no presente recurso.

133. Em primeiro lugar, a recusa baseou‑se numa ampla proposta jurídica relativa à aplicação do Regulamento n.o 1049/2001, que poderia ser novamente aplicada? Na verdade, sim. Sob todos os pontos de vista práticos, esta presunção, ou melhor, esta norma ou proposta jurídica (64), parece sugerir que a divulgação de decisões da União impugnadas nos órgãos jurisdicionais da União poderia prejudicar gravemente a proteção dos processos judiciais para efeitos do artigo 4. o, n. o 1, alínea b), do Regulamento n. o 1049/2001, nomeadamente quando estas decisões dão origem a discussões intensas (65).

134. Pode tal proposta legal ser aplicada em casos futuros? É evidente que sim, muito facilmente e com um impacto muito significativo no acesso aos documentos em quaisquer casos semelhantes: qualquer decisão judicial administrativa definitiva que venha a ser objeto de fiscalização jurisdicional nos tribunais da União pode realmente ser excluída da possibilidade de acesso ao abrigo do Regulamento n.o 1049/2001 durante os períodos bastante alargados necessários para concluir a fiscalização jurisdicional nos órgãos jurisdicionais da União (66).

135. Em segundo lugar, sem querer entrar no interessante debate sobre se os académicos que recebem bolsas de investigação constituem um grupo particularmente exposto (na aceção do Acórdão ClientEarth), foi sugerida a probabilidade de a própria recorrente apresentar no futuro novos pedidos de acesso a documentos emanados das instituições da União. A recorrente está a desenvolver uma investigação precisamente sobre este tema, financiada, atualmente, por uma bolsa que durará até 2021, pelo menos. Assim em conformidade com o Acórdão ClientEarth do Tribunal de Justiça, existe uma probabilidade razoável de a mesma recorrente vir a apresentar outros pedidos, ou melhor, com base nos factos submetidos à apreciação do Tribunal de Justiça, tal probabilidade de futuros pedidos não pode certamente ser excluída.

136. Em resumo, caso o Tribunal de Justiça também pretenda apreciar o segundo fundamento de recurso invocado pela recorrente, a minha opinião é que este deve ser igualmente julgado procedente.

D.      Objeto do presente processo

137. A recorrente pediu ao Tribunal de Justiça que anulasse o despacho recorrido. Além disso, pediu igualmente a este Tribunal para aplicar o segundo período do artigo 61.o do seu Estatuto. Esta disposição atribui competência ao Tribunal de Justiça da União Europeia para decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado, sem remeter o processo ao Tribunal Geral para julgamento.

138. No processo principal, uma vez que o Tribunal Geral não apreciou a admissibilidade nem o mérito do litígio que lhe foi submetido, proponho que o Tribunal de Justiça anule o despacho recorrido e remeta o processo ao Tribunal Geral, nos termos do primeiro período do artigo 61.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia. Com efeito, tendo em conta o desenrolar deveras peculiar do processo principal, a discussão necessária que deveria ter tido lugar sobre estas matérias foi abreviada pelo facto de o Tribunal Geral ter recentrado o litígio mediante uma medida de organização do processo adotada nos termos do artigo 89.o do seu Regulamento de Processo.

V.      Conclusão

139. Proponho que o Tribunal de Justiça deveria:

–        anular o Despacho do Tribunal Geral da União Europeia de 20 de setembro de 2018, Leino‑Sandberg/Parlamento (T‑421/17, não publicado, EU:T:2018:628);

–        remeter o processo ao Tribunal Geral;

–        reservar para final a decisão sobre as despesas.


1      Língua original: inglês.


2      Primeira edição publicada pela Chilton, Philadelphia, em 1965.


3      No entanto, é possível que haja quem associe «Travelling Without Moving» ao título do terceiro álbum de estúdio da banda britânica de funk e acid jazz Jamiroquai, lançado em 1996.


4      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001 (JO 2001, L 145, p. 43).


5      Esse processo deu posteriormente origem ao Acórdão de 22 de março de 2018, De Capitani/Parlamento (T‑540/15, EU:T:2018:167).


6      Despacho de 20 de setembro de 2018, Leino‑Sandberg/Parlamento (T‑421/17, não publicado, EU:T:2018:628).


7      No sítio web www.free‑group.eu/2015/07/12/eus‑laws‑are‑like‑sausages‑you‑should‑never‑watch‑them‑being‑made (reproduzido no processo no Tribunal Geral, na versão acedida pela última vez em 21 de maio de 2020).


8      Nota 7 das presentes conclusões, que reproduz a hiperligação indicada pelo Tribunal Geral.


9      Acórdão de 22 de março de 2018, De Capitani/Parlamento (T‑540/15, EU:T:2018:167).


10      Despacho de 20 de setembro de 2018, Leino‑Sandberg/Parlamento (T‑421/17, não publicado, EU:T:2018:628).


11      N.o 27 do despacho recorrido.


12      N.o 28 do despacho recorrido.


13      N.o 33 do despacho recorrido.


14      N.o 35 do despacho recorrido.


15      V., por exemplo, Acórdãos de 7 de junho de 2007, Wunenburger/Comissão (C‑362/05 P, EU:C:2007:322, n.o 42); de 17 de abril de 2008, Flaherty e o./Comissão (C‑373/06 P, C‑379/06 P e C‑382/06 P, EU:C:2008:230, n.o 25); de 28 de maio de 2013, Abdulrahim/Conselho e Comissão (C‑239/12 P, EU:C:2013:331, n.o 61); de 9 de novembro de 2017, HX/Conselho (C‑423/16 P, EU:C:2017:848, n.o 30); de 23 de novembro de 2017, Bionorica e Diapharm/Comissão (C‑596/15 P e C‑597/15 P, EU:C:2017:886, n.os 84 e 85); e de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão (C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.o 43).


16      V., por exemplo, Acórdãos de 7 de junho de 2007, Wunenburger/Comissão (C‑362/05 P, EU:C:2007:322, n.o 50); de 28 de maio de 2013, Abdulrahim/Conselho e Comissão (C‑239/12 P, EU:C:2013:331, n.o 63); e de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão (C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.o 48).


17      V., por exemplo, Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão (C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.o 43 a 52).


18      Utilizo o termo «objeto» do recurso deliberadamente, de preferência ao usado nas traduções inglesas de alguns acórdãos do Tribunal de Justiça nesta matéria, relativos à «finalidade» da ação.


19      V., por exemplo, Acórdãos de 5 de março de 1980, Könecke Fleischwarenfabrik/Comissão (76/79, EU:C:1980:68, n.o 9) e de 28 de maio de 2013, Abdulrahim/Conselho e Comissão (C‑239/12 P, EU:C:2013:331, n.o 64).


20      V., por exemplo, Acórdão de 28 de maio de 2013, Abdulrahim/Conselho e Comissão (C‑239/12 P, EU:C:2013:331, n.o 65).


21      V., por exemplo, Acórdão de 28 de maio de 2013, Abdulrahim/Conselho e Comissão (C‑239/12 P, EU:C:2013:331, n.o 63), relativo a medidas restritivas e ao facto de o recorrente conservar o interesse apesar de o seu nome ter sido removido de uma lista que impunha tais medidas, ou Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão (C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.os 49 a 54).


22      Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão (C‑57/16 P, EU:C:2018:660).


23      Artigo 2.o, n.o 2, do projeto de regulamento, sem ser dada nenhuma definição de «outras vias». [COM(2000) 30 final].


24      Relatório do Parlamento Europeu de 27 de outubro de 2000, sobre a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (Procedimento Hughes reforçado) — Comissão das Liberdades e dos Direitos dos Cidadãos, da Justiça e dos Assuntos Internos [2000/0032(COD)], PE 285.961. V., em especial, pp. 19, 20 e 72. Sublinhado nosso.


25      Assim, por exemplo, uma resposta da Comissão a um requerente que indica que os documentos solicitados estão efetivamente disponíveis num sítio eletrónico (claramente identificado) do Conselho respeitaria o espírito do artigo 10.o, n.o 2, mesmo que eventualmente não tenha sido referido de forma estrita na sua carta.


26      Questão distinta é a da potencial divulgação (coordenada) de um documento solicitado por um Estado‑Membro nos termos do artigo 5.o do regulamento.


27      O que também suscitaria uma série de questões curiosas, incluindo a questão de saber em que medida o Parlamento reconheceu o blogue em causa, uma vez que este também inclui uma série de observações e declarações do seu autor pouco elogiosas da «análise jurídica» realizada pelo Parlamento, incluídas nas partes reproduzidas do documento solicitado.


28      Acórdão de 3 de outubro de 2012, Jurašinović/Conselho (T‑63/10, EU:T:2012:516).


29      V., n.o 53 das presentes conclusões, supra.


30      Despacho de 11 de dezembro de 2006, Weber/Comissão (T‑290/05, não publicado, EU:T:2006:381).


31      Acórdão de 3 de outubro de 2012, Jurašinović/Conselho (T‑63/10, EU:T:2012:516, n.o 24).


32      Ibidem, n.o 26.


33      Na última decisão referida no n.o 27 do despacho recorrido, Acórdão de 15 de outubro de 2013, European Dynamics Belgium e o./EMA (T‑638/11, não publicado, EU:T:2013:530), a invocação in passim do Acórdão Jurašinović não era relevante.


34      Acórdão de 17 de junho de 1998, Svenska Journalistförbundet/Conselho (T‑174/95, EU:T:1998:127, n.os 67 e 69). Sublinhado nosso.


35      Acórdão de 22 de março de 2011, Access Info Europe/Conselho (T‑233/09, EU:T:2011:105), confirmado em sede de recurso pelo Acórdão de 17 de outubro de 2013, Conselho/Access Info Europe (C‑280/11 P, EU:C:2013:671).


36      Ibidem, n.o 34.


37      Ibidem, n.os 36 e 37.


38      N.os 29 e 30 do despacho recorrido. A única tentativa ao distinguir o processo Svenska Journalistförbundet (embora omissa quanto a este ponto do processo Access Info Europe) consiste em sugerir que, contrariamente ao que sucedida no processo Svenska Journalistförbundet, não existem dúvidas sobre a legalidade da divulgação em causa no presente processo. Não obstante, esta proposta não só é discutível como também irrelevante, conforme será demonstrado na secção seguinte das presentes conclusões.


39      Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão (C‑57/16 P, EU:C:2018:660).


40      Ibidem, n.o 38.


41      N.o 45, no qual o Tribunal de Justiça invocou o Acórdão de 7 de junho de 2007, Wunenburger/Comissão (C‑362/05 P, EU:C:2007:322, n.os 48 e 49).


42      No Despacho de 17 de dezembro de 2019, Rogesa/Comissão (C‑568/18 P, não publicado, EU:C:2019:1092), o Tribunal de Justiça declarou que não era necessário pronunciar‑se num processo em que a Comissão acabou por divulgar os documentos solicitados, embora sem retirar a sua decisão negativa inicial. No entanto, conforme o Tribunal de Justiça esclareceu no n.o 26, a recorrente não contestou o facto de a divulgação satisfazer integralmente os objetivos que prosseguia no seu pedido de acesso, tendo recebido da Comissão tudo o que solicitou.


43      Desde que, evidentemente, ainda haja algo a reivindicar, uma vez que atualmente, mais cedo ou mais tarde, aparecerá sempre qualquer coisa algures na internet […]


44      Quid non. No entanto, existe sempre a tentação.


45      V., n.os 77 a 81 das presentes conclusões, supra.


46      N.o 26 do despacho recorrido.


47      Acórdão de 22 de março de 2018, De Capitani/Parlamento (T‑540/15, EU:T:2018:167).


48      Conforme referido no n.o 13 das presentes conclusões.


49      Cf. Artigo 6.o, n.o 1, último período, do regulamento (referido no n.o 9 das presentes conclusões).


50      V., n.os 58 a 64 das presentes conclusões, supra.


51      V., recentemente, Acórdão de 18 de julho de 2017, Comissão/Breyer (C‑213/15 P, EU:C:2017:563, n.o 62) ou Despacho de 14 de maio de 2019, Hungria/Parlamento (C‑650/18, não publicado, EU:C:2019:438, n.o 14). V., igualmente, Despacho de 29 de janeiro de 2009, Donnici/Parlamento (C‑9/08, não publicado, EU:C:2009:40, n.o 18).


52      No Despacho de 14 de maio de 2019, Hungria/Parlamento (C‑650/18, não publicado, EU:C:2019:438), a Hungria incluiu como anexo à sua petição que apresentou no Tribunal Justiça um parecer jurídico emitido pelo serviço jurídico do Parlamento. No entanto, sem que a sua divulgação tenha sido solicitada pela Hungria ou por qualquer outra parte, esse parecer jurídico foi disponibilizado no sítio eletrónico do Politico. O Tribunal de Justiça declarou que autorizar este Estado‑Membro a apresentar um parecer jurídico do Parlamento, cuja divulgação não foi autorizada por este último, equivaleria a contornar o procedimento de pedido de acesso a esse documento previsto no Regulamento (CE) n.o 1049/2001.


53      Especialmente, se aplicado num contexto em que não existem regras claras quanto ao comportamento adequado da instituição em tais circunstâncias. Pode uma instituição satisfazer materialmente um requerente sem nunca rever formalmente a sua decisão anterior? Podem as suas ações contradizer, assim, a sua própria decisão válida? Se houver necessidade de a rever, será ex officio ou apenas na sequência de um novo pedido apresentado pelo requerente, geralmente quando o anterior impedimento de divulgação tiver sido removido? Uma maior flexibilidade para as instituições da União decorrente do facto de não existir um Código Europeu de Procedimento Administrativo, no qual em princípio estas questões seriam reguladas, não pode ser utilizada e invocada efetivamente contra os requerentes individuais que pretendem ter acesso à fiscalização jurisdicional. Deveria acontecer exatamente o contrário: o facto de não existirem regras deveria, quando muito, ser interpretado contra a instituição ou as instituições, principalmente no que diz respeito ao acesso individual aos órgãos tribunais da União.


54      Sem querer ser demasiado formalista, o objeto original do recurso é, e continua a ser, a anulação da decisão recorrida do Parlamento. Imaginemos, por analogia, uma situação em que compro bilhetes para um concerto que nunca chegaram a ser entregues pelos organizadores (independentemente da razão). Quando intento uma ação contra os organizadores num tribunal cível para que enviem esses bilhetes ou devolvam o dinheiro, o tribunal pergunta‑me se eu ficaria satisfeito com o facto de ver o concerto (ou partes deste) que acabou por ser publicado em linha, gravado, com uma imagem tremida, através de um telemóvel por alguém na multidão. Uma vez que este vídeo foi aparentemente carregado em conformidade com as regras dos direitos de autor, o tribunal cível declara que não é necessário conhecer do recurso, pois posso ver esse vídeo em linha.


55      Nos casos em que esta perda do interesse inicial se verificou apenas após a apresentação do pedido e em que não existem quaisquer fatores específicos, a totalidade das despesas deve ser suportada pela instituição da União — v., neste sentido, Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão (C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.o 130); e Despacho de 17 de dezembro de 2019, Rogesa/Comissão (C‑568/18 P, não publicado, EU:C:2019:1092, n.o 37).


56      V., n.os 82 a 85 das presentes conclusões.


57      Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão (C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.os 46 e 47).


58      Ibidem, n.os 49 a 53.


59      Ibidem, n.o 54.


60      V., por exemplo, além do Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão (C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.os 48 e 50), Acórdão de 7 de junho de 2007, Wunenburger/Comissão (C‑362/05 P, EU:C:2007:322, n.o 52), e de 30 de abril de 2020, Izba Gospodarcza Producentów i Operatorów Urządzeń Rozrywkowych/Comissão (C‑560/18 P, EU:C:2020:330, n.o 40).


61      O que, evidentemente, não evitaria que houvesse alguns recorrentes dotados de capacidades mágicas e que pudessem apresentar provas sobre o futuro.


62      Com efeito, no n.o 53 do Acórdão ClientEarth, o Tribunal de Justiça vai inclusivamente ao ponto de fazer recair este ónus sobre a instituição recorrida, declarando que «a presunção geral […] pode voltar a ser aplicada no futuro pela Comissão, por ocasião de novos pedidos […] o que, de resto, essa instituição não contestou». Sublinhado nosso.


63      V., neste sentido, Acórdão de 30 de abril de 2020, Izba Gospodarcza Producentów i Operatorów Urządzeń Rozrywkowych/Comissão (C‑560/18 P, EU:C:2020:330, n.os 49 a 50), que reiterou o Acórdão ClientEarth, apesar de estabelecer uma distinção entre a matéria de facto dos dois processos, de modo a chegar a um resultado diferente. V., igualmente, Conclusões do advogado‑geral G. Pitruzzella no processo Izba Gospodarcza Producentów i Operatorów Urządzeń Rozrywkowych/Comissão (C‑560/18 P, EU:C:2019:1052, n.o 88).


64      Em meu entender, o que a ClientEarth pretendia não era, de facto, uma presunção legal (no sentido de presumptio iuris e todas as consequências jurídicas de tal interpretação), mas sim uma proposta jurídica ou uma norma jurídica.


65      Sendo a proposta jurídica formulada para o efeito muito semelhante à proposta referida pelo Tribunal de Justiça no n.o 49 do Acórdão ClientEarth.


66      Sem sequer precisar de entrar numa discussão sobre o possível significado do contexto do pedido ser «caracterizado por discussões intensas em blogues» (n.o 33 do despacho recorrido), e, em vez disso, simplesmente constatar o fascinante paradoxo dessa proposta: se algo tem interesse e, por isso, é passível de suscitar discussão, deve o acesso a isso ser, consequentemente, recusado? Será que a frequentemente mencionada abertura, transparência e maior responsabilidade das instituições da União (considerando 2 do Regulamento n.o 1049/2001) deve apenas ser reivindicada no que diz respeito a decisões que são seguramente de interesse nulo para todos?