Language of document : ECLI:EU:T:2022:448

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

13 de julho de 2022 (*)

«Produtos fitofarmacêuticos — Substância ativa clorpirifos — Determinação dos limites máximos de resíduos de clorpirifos no interior e à superfície das bananas — Regulamento (CE) n.o 396/2005 — Conhecimentos científicos e técnicos disponíveis — Outros fatores legítimos»

No processo T‑629/20,

Delifruit, SA, com sede Guayaquil (Equador), representada por K. Van Maldegem, P. Sellar e S. Abdel‑Qader, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por F. Castilla Contreras, A. Dawes e M. ter Haar, agentes,

recorrida,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção),

composto por D. Spielmann, presidente, U. Öberg e M. Brkan (relatora), juízes,

secretário: S. Spyropoulos,

vistos os autos,

após a audiência de 23 de fevereiro de 2022,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Com o seu recurso baseado no artigo 263.o TFUE, a recorrente, Delifruit, SA, pede a anulação parcial do Regulamento (UE) 2020/1085 da Comissão, de 23 de julho de 2020, que altera os anexos II e V do Regulamento (CE) n.o 396/2005 do Parlamento Europeu e do Conselho no que se refere aos limites máximos de resíduos de clorpirifos e de clorpirifos‑metilo no interior e à superfície de determinados produtos (JO 2020, L 239, p. 7; retificação no JO 2020, L 245, p. 32; a seguir «regulamento impugnado»), na medida em que fixa o limite máximo de resíduos (a seguir «LMR») de clorpirifos no interior e à superfície das bananas em 0,01 mg/kg.

2        A recorrente é uma empresa com sede em Guayaquil (Equador) que produz e exporta bananas, designadamente para a União Europeia.

3        O clorpirifos é uma substância ativa abrangida na categoria dos produtos químicos designados organofosforados, utilizada, nomeadamente, como pesticida em determinadas culturas. Esta substância foi incluída no anexo I da Diretiva 91/414/CEE do Conselho, de 15 de julho de 1991, relativa à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado (JO 1991, L 230, p. 1), pela Diretiva 2005/72/CE da Comissão, de 21 de outubro de 2005, que altera a Diretiva 91/414 (JO 2005, L 279, p. 63).

4        Em junho de 2013, foi apresentado um pedido de renovação da aprovação do clorpirifos nos termos do artigo 1.o do Regulamento de Execução (UE) n.o 844/2012 da Comissão, de 18 de setembro de 2012, que estabelece as disposições necessárias à execução do procedimento de renovação de substâncias ativas, tal como previsto no Regulamento (CE) n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado (JO 2012, L 252, p. 26).

5        O Estado‑Membro relator (o Reino de Espanha), preparou um relatório de avaliação da renovação em consulta com o Estado‑Membro correlator (a República da Polónia) e apresentou‑o, em 3 de julho de 2017, à Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) e à Comissão Europeia, em 3 de julho de 2017.

6        Em 1 de julho de 2019, a Comissão solicitou à EFSA uma declaração sobre os resultados disponíveis da avaliação dos riscos para a saúde humana e uma indicação sobre se é de esperar que a substância ativa cumpra os critérios de aprovação aplicáveis à saúde humana, tal como previsto no artigo 4.o do Regulamento (CE) n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de outubro de 2009, relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado e que revoga as Diretivas 79/117/CEE e 91/414 do Conselho (JO 2009, L 309, p. 1).

7        Em 31 de julho de 2019, a EFSA enviou à Comissão uma declaração intitulada «Statement on the available outcomes of the human health assessment in the context of the pesticides peer review of the active substance clorpirifos» (Declaração sobre os resultados disponíveis da avaliação da saúde humana no âmbito da avaliação pelos pares dos pesticidas da substância ativa clorpirifos) [EFSA Journal 2019;17(5):5809] (a seguir «declaração da EFSA de 31 de julho de 2019 relativa ao clorpirifos»), na qual conclui que não se encontram preenchidas as condições de aprovação aplicáveis à saúde humana, previstas no artigo 4.o do Regulamento n.o 1107/2009.

8        Em 10 de janeiro de 2020, a Comissão adotou o Regulamento de Execução (UE) 2020/18, relativo à não renovação da aprovação da substância ativa clorpirifos, em conformidade com o Regulamento n.o 1107/2009 e que altera o anexo do Regulamento de Execução (UE) n.o 540/2011 da Comissão (JO 2020, L 7, p. 14), pelo qual a aprovação do clorpirifos não foi renovada, de modo que os Estados‑Membros eram obrigados a retirar as autorizações de colocação no mercado dos produtos fitofarmacêuticos que continham esta substância ativa até 16 de fevereiro de 2020, com a possibilidade de concederem um período de tolerância até 16 de abril de 2020.

9        Na reunião do comité permanente dos vegetais, animais e alimentos para consumo humano e animal (Scopaff) de 25 e 26 de novembro de 2019, na qual a Comissão apresentou um projeto de regulamento relativo à redução do LMR de clorpirifos para 0,01 mg/kg, os Estados‑Membros apoiaram esse projeto e solicitaram à Comissão que agendasse a sua votação na reunião de fevereiro de 2020.

10      Na reunião do Scopaff de 17 e 18 de fevereiro de 2020, os Estados‑Membros emitiram um parecer favorável ao projeto de regulamento que alterava o LMR de clorpirifos. Na sequência desse parecer favorável, o projeto de regulamento foi transmitido ao Parlamento Europeu e ao Conselho de União Europeia para controlo.

11      Em 21 de maio de 2020, a EFSA publicou no seu sítio Internet o estudo sobre a [g]enotoxicidade da permetrina e do clorpirifos para as células estaminais e progenitoras humanas nas diversas fases da ontogénese: implicações no desenvolvimento de leucemia («Genotoxicity of permethrin and clorpyriphos on human stem and progenitor cells at different ontogeny stages: implications in leukaemia development»), realizado pelo Instituto Josep Carreras (a seguir «estudo Josep Carreras»), que tinha encomendado ao referido instituto no âmbito de um contrato de prestação de serviços assinado na sequência de um procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio de concurso.

12      Em 23 de julho de 2020, a Comissão adotou o regulamento impugnado.

13      Os considerandos 2 a 5 do regulamento impugnado referem o seguinte:

«(2) As aprovações das substâncias ativas “clorpirifos” e “clorpirifos‑metilo” não foram renovadas, respetivamente, pelo Regulamento de Execução (UE) 2020/18 […] e pelo Regulamento de Execução (UE) 2020/17 da Comissão […].

(3)      Foram revogadas todas as autorizações existentes de produtos fitofarmacêuticos que continham clorpirifos e clorpirifos‑metilo. É, por conseguinte, adequado suprimir os LMR fixados para estas substâncias no anexo II do Regulamento (CE) n.o 396/2005, em conformidade com o artigo 17.o do Regulamento (CE) n.o 396/2005 em conjugação com o seu artigo 14.o, n.o 1, [alínea] a).

(4)      A Comissão consultou os laboratórios de referência da União Europeia quanto à necessidade de adaptar certos limites de determinação (LD) para as duas substâncias. Esses laboratórios concluíram que a evolução técnica permite a fixação de LD em 0,01 mg/kg para clorpirifos e clorpirifos‑metilo em todos os produtos. Esses valores por defeito devem ser enumerados no anexo V, em conformidade com o artigo 18.o, n.o 1, [alínea] b), do Regulamento (CE) n.o 396/2005.

(5)      No contexto da não renovação da aprovação do clorpirifos e do clorpirifos‑metilo, a [EFSA] publicou declarações sobre a avaliação dos riscos dessas substâncias ativas para a saúde humana […] Nessas declarações, a Autoridade confirmou a neurotoxicidade das duas substâncias ativas para o desenvolvimento em crianças e não pôde excluir o potencial genotóxico devido à exposição a resíduos das duas substâncias nos géneros alimentícios.»

14      O regulamento impugnado precisa que é aplicável a partir de 13 de novembro de 2020.

15      O anexo do regulamento impugnado prevê, por um lado, a eliminação das colunas relativas ao clorpirifos e ao clorpirifos‑metilo do anexo II do Regulamento (CE) n.o 396/2005 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de fevereiro de 2005, relativo aos limites máximos de resíduos de pesticidas no interior e à superfície dos géneros alimentícios e dos alimentos para animais, de origem vegetal ou animal, e que altera a Diretiva 91/414 (JO 2005, L 70, p. 1), e, por outro, o aditamento de colunas relativas ao clorpirifos e ao clorpirifos‑metilo no anexo V do mesmo regulamento.

 Pedidos das partes

16      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular o regulamento impugnado na parte em que fixa o LMR de clorpirifos no interior e à superfície das bananas em 0,01 mg/kg;

–        condenar a Comissão nas despesas.

17      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

18      Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca um fundamento único em que considera, em substância, que o regulamento impugnado é ilegal na medida em que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação porquanto não tomou em conta o estudo Josep Carreras, que constituía um fator relevante a ter em conta na adoção do referido regulamento. Ao fazê‑lo, teria violado o artigo 14.o, n.o 2, alíneas a) e f), do Regulamento n.o 396/2005. Na audiência, a recorrente sublinhou que deveria ter sido solicitada à EFSA a avaliação da relevância do estudo Josep Carreras antes da adoção do regulamento impugnado. A Comissão contestou a admissibilidade desse argumento.

 Quanto à admissibilidade do argumento de que deveria ter sido solicitada à EFSA a avaliação da relevância do estudo Josep Carreras antes da adoção do regulamento impugnado

19      A Comissão alega que o argumento da recorrente deve ser declarado inadmissível pelo facto de se tratar de um novo fundamento apresentado durante a audiência. A recorrente contesta a inadmissibilidade alegada.

20      Segundo jurisprudência constante relativa ao artigo 84.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, é proibido deduzir novos fundamentos no decurso da instância, a menos que tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo. Contudo, um fundamento que seja a ampliação de outro apresentado anteriormente, direta ou implicitamente, na petição inicial e que com ele apresente uma ligação estreita deve ser declarado admissível. Para poder ser considerado uma ampliação de um fundamento ou de uma alegação anteriormente enunciados, um novo argumento deve apresentar uma ligação suficientemente estreita com os fundamentos ou as alegações inicialmente expostos na petição, para se poder considerar que resultou da evolução normal do debate num processo contencioso [v. Acórdão de 5 de outubro de 2020, HeidelbergCement e Schwenk Zement/Comissão, T‑380/17, EU:T:2020:471, n.o 87 (não publicado) e jurisprudência referida].

21      No presente caso, importa observar que é verdade que, na petição inicial, a recorrente não invocou expressamente a necessidade de solicitar um parecer à EFSA quanto à avaliação da relevância do estudo Josep Carreras. Todavia, evocou o facto de a EFSA não ter tido em conta esse estudo antes da adoção do regulamento impugnado. Além disso, em resposta à argumentação da Comissão, formulada na contestação, que fazia referência ao papel da EFSA na avaliação dos estudos científicos e à inexistência de uma obrigação de solicitar o seu parecer, a recorrente alegou, na réplica, que as únicas instâncias competentes para analisar a relevância do estudo Josep Carreras eram os Estados‑Membros relatores ou a EFSA e não a Comissão, e precisou que a falta de tomada em consideração do referido estudo seria ainda mais grave pelo facto de ter sido a própria EFSA a encomendá‑lo e de o ter recebido antes da adoção do regulamento impugnado, de modo que, entre a receção do estudo e a adoção do regulamento impugnado, a EFSA teria disposto do tempo necessário para verificar a respetiva relevância.

22      Daqui resulta que o argumento relativo à obrigação de solicitar à EFSA a avaliação da relevância do estudo Josep Carreras constitui a ampliação de um fundamento anteriormente enunciado, direta ou implicitamente, na petição inicial e que apresenta, no caso em apreço, uma ligação suficientemente estreita com esse fundamento para se poder considerar que resultou da evolução normal do debate no presente processo contencioso.

23      Por conseguinte, importa considerar que esse argumento é admissível.

 Quanto ao mérito

24      No seu fundamento único, a recorrente alega que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação pelo facto de, não tendo em conta o estudo Josep Carreras aquando da adoção do regulamento impugnado, não ter efetuado uma análise cuidada e imparcial de todos os elementos do caso concreto. Assim, a recorrente considera que a Comissão violou o artigo 14.o, n.o 2, alíneas a) e f), do Regulamento n.o 396/2005, que enuncia os fatores a tomar em conta para determinar os LMR, a saber, respetivamente, os «conhecimentos científicos e técnicos disponíveis» e «outros fatores legítimos relevantes para a questão em apreço».

25      Segundo a recorrente, na medida em que o potencial genotóxico constitui, conforme resulta da declaração da EFSA de 31 de julho de 2019 relativa ao clorpirifos e do regulamento impugnado, um dos motivos que justificam a supressão dos LMR de clorpirifos, a Comissão deveria ter tido em conta, aquando da adoção do referido regulamento, o estudo Josep Carreras, que punha em causa o potencial genotóxico do clorpirifos.

26      Além disso, a recorrente considera que as únicas instâncias competentes para avaliar a relevância do estudo Josep Carreras são os Estados‑Membros relatores ou a EFSA e não a Comissão. Na sua opinião, a cronologia dos acontecimentos teria permitido tomar em conta esse estudo para efeitos da adoção do regulamento impugnado. A este respeito, a recorrente refere que a EFSA tinha encomendado o estudo Josep Carreras e que os dados deviam estar disponíveis em 1 de fevereiro de 2020. Considera que a EFSA sabia que dispunha de tempo suficiente para proceder à avaliação da relevância do estudo Josep Carreras entre a sua receção e a adoção do regulamento impugnado. Acresce que, na medida em que o estudo Josep Carreras, encomendado pela EFSA, foi publicado no sítio da EFSA em 21 de maio de 2020, ou seja, antes da adoção do regulamento impugnado em 23 de julho de 2020, a recorrente alega que a Comissão violou o artigo 14.o, n.o 2, alíneas a) e f), do Regulamento n.o 396/2005 pelo facto de esse estudo não ter sido tido em conta e de não ter sido solicitada à EFSA a avaliação da respetiva relevância.

27      Segundo a recorrente, mesmo que a Comissão possa, em aplicação do artigo 17.o do Regulamento n.o 396/2005, suprimir os LMR na sequência da revogação de uma autorização existente para um produto fitofarmacêutico sem necessidade de parecer da EFSA, essa disposição não a isenta da sua obrigação de basear as suas decisões nos melhores conhecimentos científicos. Em caso de incumprimento desta obrigação, a supressão dos LMR seria arbitrária por falta de base científica adequada.

28      A Comissão contesta esta argumentação.

29      A título preliminar, recorde‑se que o regulamento impugnado foi adotado com base no Regulamento n.o 396/2005, ele próprio adotado com base no artigo 37.o CE (que passou, após alteração, a artigo 43.o TFUE), relativo à política agrícola comum, e no artigo 152.o, n.o 4, alínea b), CE [que passou, após alteração, a artigo 168.o, n.o 4, alínea b), TFUE], relativo à saúde pública.

30      Conforme resulta do seu considerando 10 e do seu artigo 1.o, o Regulamento n.o 396/2005 visa assegurar um elevado nível de proteção da saúde humana e animal e dos interesses dos consumidores e melhorar o funcionamento do mercado interno através da harmonização das normas relativas aos LMR de pesticidas no interior e à superfície dos géneros alimentícios e dos alimentos para animais de origem vegetal e animal.

31      O Regulamento n.o 396/2005 aplica, assim, o artigo 168.o, n.o 1, TFUE, que prevê que, na definição e execução de todas as políticas e ações da União, é assegurado um elevado nível de proteção da saúde humana. A proteção da saúde pública tem uma importância preponderante sobre as considerações económicas, pelo que pode justificar consequências económicas negativas, mesmo consideráveis, para certos operadores [Acórdãos de 9 de setembro de 2011, Dow AgroSciences e o./Comissão, T‑475/07, EU:T:2011:445, n.o 143, de 12 de abril de 2013, Du Pont de Nemours (França) e o./Comissão, T‑31/07, não publicado, EU:T:2013:167, n.o 132, e de 15 de dezembro de 2016, TestBioTech e o./Comissão, T‑177/13, não publicado, EU:T:2016:736, n.o 87]. A este respeito, há que referir que, segundo o considerando 5 do Regulamento n.o 396/2005, dado que a saúde pública se deve sobrepor ao interesse da proteção das culturas, os resíduos de pesticidas devem ser fixados em níveis que não representem um risco inaceitável para os seres humanos, em especial para os grupos vulneráveis, como as crianças e os nascituros. Do mesmo modo, nos termos do considerando 22 do Regulamento n.o 396/2005, se os pesticidas não forem autorizados na União, os LMR deverão ser fixados num valor baixo, a fim de proteger os consumidores da ingestão de resíduos de pesticidas não autorizados ou de níveis excessivos de resíduos de pesticidas.

32      Além disso, para poder prosseguir de forma eficaz os objetivos que lhe são confiados pelo Regulamento n.o 396/2005, a saber, assegurar um elevado nível de proteção da saúde humana e animal e dos interesses dos consumidores e garantir o bom funcionamento do mercado interno, e tendo em conta as avaliações técnicas complexas que deve efetuar, deve ser reconhecido à Comissão um amplo poder de apreciação (v., por analogia, Acórdãos de 18 de julho de 2007, Industrias Químicas del Vallés/Comissão, C‑326/05 P, EU:C:2007:443, n.o 75, e de 6 de setembro de 2013, Sepro Europe/Comissão, T‑483/11, não publicado, EU:T:2013:407, n.o 38).

33      O exercício desse poder não está, todavia, subtraído à fiscalização jurisdicional. Com efeito, resulta de jurisprudência constante que, no âmbito dessa fiscalização, o juiz da União deve verificar o respeito das regras processuais, a exatidão material dos factos considerados pela Comissão, a inexistência de erro manifesto na apreciação desses factos ou a inexistência de desvio de poder (Acórdãos de 22 de outubro de 1991, Nölle, C‑16/90, EU:C:1991:402, n.o 12, e de 9 de setembro de 2008, Bayer CropScience e o./Comissão, T‑75/06, EU:T:2008:317, n.o 83; v., neste sentido, Acórdão de 25 de janeiro de 1979, Racke, 98/78, EU:C:1979:14, n.o 5).

34      Em particular, quando uma parte invoca um erro manifesto de apreciação alegadamente cometido pela instituição competente, o juiz da União deve fiscalizar se esta instituição examinou, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos pertinentes do caso concreto que apoiam as conclusões deles extraídas (Acórdãos de 21 de novembro de 1991, Technische Universität München, C‑269/90, EU:C:1991:438, n.o 14, de 9 de setembro de 2008, Bayer CropScience e o./Comissão, T‑75/06, EU:T:2008:317, n.o 84, e de 13 de outubro de 2021, European Union Copper Task Force/Comissão, T‑153/19, não publicado, EU:T:2021:688, n.o 67).

35      O regime jurídico aplicável aos atos que fixam, alteram ou suprimem LMR encontra‑se previsto no artigo 14.o do Regulamento n.o 396/2005. O artigo 14.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 396/2005, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 299/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março de 2008 (JO 2008, L 97, p. 67), dispõe que, após receção do parecer da EFSA e tendo em conta esse parecer, a Comissão adota sem demora e o mais tardar no prazo de três meses um regulamento sobre a fixação, alteração ou supressão do LMR. Segundo o artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento n.o 396/2005, para efeitos da adoção de um regulamento que fixa, altera ou suprime um LMR, serão tomados em conta: a) Os conhecimentos científicos e técnicos disponíveis; b) A eventual presença de resíduos de pesticidas resultante de outras fontes que não sejam utilizações fitossanitárias correntes de substâncias ativas, bem como os seus efeitos cumulativos e sinérgicos conhecidos, quando existam métodos de avaliação desses efeitos; c) Os resultados de uma avaliação de quaisquer riscos potenciais para os consumidores que apresentem uma elevada ingestão e uma elevada vulnerabilidade e, se for caso disso, para a saúde animal; d) Os resultados das avaliações efetuadas e das decisões de alterar as utilizações dos produtos fitofarmacêuticos; e) um [LMR fixado pela Comissão do Codex Alimentarius] ou a [boa prática agrícola] aplicados num país terceiro para a utilização legal de uma substância ativa nesse país; f) Outros fatores legítimos relevantes para a questão em apreço. Além disso, uma vez que o regulamento impugnado foi adotado na sequência da não renovação da aprovação do clorpirifos e da retirada das autorizações dos produtos fitofarmacêuticos contendo a referida substância, refira‑se que, segundo o artigo 17.o do Regulamento n.o 396/2005, as alterações dos anexos II ou III, destinadas a suprimir um LMR na sequência da revogação de uma autorização existente para um produto fitofarmacêutico, podem ser aprovadas sem necessidade de parecer da EFSA.

36      É à luz destas considerações que importa apreciar a procedência do fundamento invocado pela recorrente, relativo, por um lado, à violação do artigo 14.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 396/2005 e, por outro, à violação do artigo 14.o, n.o 2, alínea f), do mesmo regulamento.

 Quanto à alegação relativa à violação do artigo 14.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 396/2005

37      Importa verificar se a Comissão, não tendo tomado em conta o estudo Josep Carreras no âmbito do procedimento que levou à adoção do regulamento impugnado e não tendo solicitado à EFSA a avaliação da relevância do referido estudo, violou o artigo 14.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 396/2005, segundo o qual, para efeitos da adoção de um regulamento que fixe, altere ou suprima LMR, devem ser tomados em conta «os conhecimentos científicos e técnicos disponíveis».

38      Em primeiro lugar, quanto ao facto de não ter sido tomado em conta o estudo Josep Carreras, refira‑se que este estudo foi publicado no sítio Internet da EFSA em 21 de maio de 2020, ou seja, antes da adoção do regulamento impugnado, mas após a adoção do Regulamento de Execução 2020/18, que não renovou a aprovação do clorpirifos devido a preocupações relativas à saúde humana identificadas na declaração da EFSA de 31 de julho de 2019 relativa ao clorpirifos. Conforme resulta do seu objeto, esse estudo incide sobre a análise dos efeitos da permetrina e do clorpirifos sobre a alteração do ácido desoxirribonucleico (ADN) causada pela inibição da topoisomerase II. Nas suas conclusões, os autores do estudo Josep Carreras consideraram o seguinte:

«De um modo geral, os resultados obtidos indicam que, apesar da capacidade [da permetrina e do clorpirifos] de induzir cisões na zona específica do gene [da leucemia de linhagem mista (MLL)] depois de 24 horas, esses compostos não são capazes de induzir um grau de alteração global do ADN detetável através dos níveis de γ‑H2AX nem de agir como venenos [topoisomerase II]. Além disso, não se detetam cisões [da leucemia de linhagem mista (MLL)] resultantes de um tratamento crónico nos sistemas in vitro e in vivo utilizados, o que indica que as lesões observadas ao nível dos tratamentos por impulso único não são suficientes para provocar a proliferação de clones [mixed lineage leukemia 1] recombinados.»

39      Importa precisar que, se é verdade que o estudo Josep Carreras foi encomendado pela EFSA a fim de analisar o potencial genotóxico de dois pesticidas, a permetrina e o clorpirifos, em células estaminais humanas em diversas fases de ontogénese, e estudar o respetivo potencial causador de leucemia infantil em modelos animais, a verdade é que, conforme é indicado na sua primeira página, o referido estudo é um relatório científico externo à EFSA. Assim, conforme resulta da advertência constante, nomeadamente, da segunda página, o estudo Josep Carreras não constitui um documento adotado pela EFSA, pelo que esta autoridade não se encontra vinculada pelas suas conclusões.

40      Refira‑se que, no que respeita ao clorpirifos, o regulamento impugnado foi adotado, como decorre do considerando 2, na sequência da não renovação da aprovação da referida substância pelo Regulamento de Execução 2020/18, de modo que, em conformidade com os artigos 3.o e 4.o do referido regulamento, foram retiradas as autorizações dos produtos fitofarmacêuticos que contenham clorpirifos.

41      Nestas condições, para determinar se o facto de não ter sido tomado em conta o estudo Josep Carreras e não ter sido solicitada à EFSA a avaliação da respetiva relevância constitui, como alega a recorrente, uma violação do artigo 14.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 396/2005, importa ter em conta as regras específicas relativas à supressão dos LMR na sequência da não renovação da aprovação de uma substância ativa.

42      A este respeito, há que referir que a fixação de um LMR para uma substância ativa está intrinsecamente ligada à aprovação dessa substância, com base na qual são concedidas as autorizações de introdução no mercado de produtos fitofarmacêuticos. Em particular, um LMR para uma substância ativa, diferente do valor por defeito previsto no artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 396/2005, só se justifica, em princípio, se os produtos fitofarmacêuticos que contenham essa substância se destinarem a ser comercializados (v., por analogia, Acórdãos de 8 de janeiro de 2002, França/Monsanto e Comissão, C‑248/99 P, EU:C:2002:1, n.o 80, e de 12 de julho de 2005, Comissão/CEVA e Pfizer, C‑198/03 P, EU:C:2005:445, n.o 87).

43      Assim, em caso de retirada de autorizações existentes de produtos fitofarmacêuticos na sequência da não renovação da aprovação de uma substância ativa, o artigo 17.o do Regulamento n.o 396/2005 visa permitir à Comissão suprimir, sem demora injustificada, os LMR dessa substância ativa, designadamente para proteger a saúde humana e o consumidor da ingestão de resíduos de pesticidas não autorizados em conformidade com os considerandos 5 e 22 do referido regulamento. Com efeito, a dispensa do parecer da EFSA previsto por essa disposição é explicada pelo facto de, uma vez que a essa autoridade já foi solicitado que tomasse posição quanto às preocupações relativas à saúde humana decorrentes da exposição a uma substância ativa no âmbito do procedimento que resultou na não renovação da aprovação dessa substância, ser redundante que voltasse a ser chamada a emitir um novo parecer sobre a referida substância no âmbito do procedimento de supressão dos LMR, a não ser que, antes da adoção de um regulamento que suprima os LMR, surjam novos elementos científicos credíveis que demonstrem a existência de uma evolução significativa dos conhecimentos científicos desde a tomada de posição da EFSA sobre a referida substância.

44      No presente caso, conforme decorre do considerando 3 do Regulamento impugnado, com base no artigo 17.o do Regulamento n.o 396/2005, em conjugação com o artigo 14.o, n.o 1, alínea a), desse regulamento, a Comissão considerou que os LMR fixados para o clorpirifos no anexo II do Regulamento n.o 396/2005 deviam ser suprimidos. Para esse efeito, resulta do considerando 5 do regulamento impugnado que a Comissão se baseou na declaração da EFSA de 31 de julho de 2019 relativa ao clorpirifos, que foi publicada no contexto da não renovação da aprovação dessa substância. Saliente‑se que a referida declaração foi elaborada com base nos resultados de uma avaliação dessa substância efetuada pelos peritos do painel dos produtos fitossanitários e respetivos resíduos, constituído com base no artigo 28.o, n.o 4, alínea c), do Regulamento (CE) n.o 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2002, que determina os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos géneros alimentícios (JO 2002, L 31, p. 1), conforme alterado pelo artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento (CE) no 575/2006 da Comissão, de 7 de abril de 2006 (JO 2006, L 100, p. 3). Esses peritos, com base na literatura científica existente, incluindo estudos científicos recentes, examinaram diversos fatores com impacto na saúde humana. Mais precisamente, a avaliação dos peritos da EFSA incidiu sobre vários fatores com impacto na saúde humana, referidos no n.o 3.6 do anexo II do Regulamento n.o 1107/2009, nomeadamente, a genotoxicidade, a toxicidade para a reprodução e a desregulação do sistema endócrino, bem como a neurotoxicidade. Na sequência dessa avaliação, os peritos da EFSA concluíram que o clorpirifos não cumpria os critérios de aprovação aplicáveis à saúde humana tal como previsto no artigo 4.o do Regulamento n.o 1107/2009.

45      Para chegar a esta conclusão, antes de mais, os peritos da EFSA referiram que, com base na literatura publicada disponível, não pode ser excluída a existência de um potencial genotóxico no clorpirifos. Em particular, resulta das conclusões da declaração da EFSA de 31 de julho de 2019 relativa ao clorpirifos que as preocupações respeitantes a esse potencial genotóxico se reportavam, por um lado, a estudos que destacavam aberrações cromossómicas e, por outro, a estudos que referiam lesões no ADN causadas quer por oxidações indesejáveis, quer por inibição da topoisomerase II, considerada um fenómeno molecular desencadeador da leucemia infantil.

46      Em seguida, os peritos da EFSA referiram a existência de preocupações respeitantes à neurotoxicidade do clorpirifos no desenvolvimento em crianças. Devido a esses efeitos neurotóxicos, com base numa análise global da literatura disponível, os peritos sugeriram que seria adequado classificar o clorpirifos de substância tóxica para a reprodução (REPRO 1B, H360D «Suscetível de ser lesivo para o feto»), em conformidade com os critérios do Regulamento (CE) n.o 1272/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativo à classificação, rotulagem e embalagem de substâncias e misturas, que altera e revoga as Diretivas 67/548/CEE e 1999/45/CE, e altera o Regulamento (CE) n.o 1907/2006 (JO 2008, L 353, p. 1).

47      Por último, refira‑se que, devido ao potencial genotóxico pouco claro e a incertezas significativas decorrentes do estudo da toxicidade para o desenvolvimento neurológico, no qual foram observados efeitos sobre o desenvolvimento neurológico em baixas dosagens, os peritos da EFSA não conseguiram estabelecer valores de referência a partir dos quais a exposição ao clorpirifos não representaria um risco para a saúde humana e para os consumidores.

48      Uma vez que a declaração da EFSA de 31 de julho de 2019 relativa ao clorpirifos foi emitida pelos peritos do painel científico da EFSA sobre os produtos fitofarmacêuticos e respetivos resíduos, que avaliaram diversos fatores de risco para a saúde humana com base numa análise dos dados científicos disponíveis, há que considerar, como alega com razão a Comissão, que a referida declaração constituía, à data da adoção do regulamento impugnado, a avaliação mais completa e mais recente de todas as preocupações relativas à saúde humana decorrentes da exposição a essa substância.

49      Há que concluir que a recorrente não demonstrou que o estudo Josep Carreras, que, tal como resulta do n.o 39, supra, é um relatório científico externo à EFSA que não a vincula, constituía um elemento suscetível de demonstrar que o estado dos conhecimentos científicos tinha evoluído significativamente desde a adoção da declaração da EFSA de 31 de julho de 2019 relativa ao clorpirifos. Com efeito, há que observar que a recorrente não contesta que o referido estudo não diz respeito às preocupações relativas à neurotoxicidade do clorpirifos para o desenvolvimento em crianças. Além do mais, como salientou a Comissão, o âmbito do estudo Josep Carreras é particularmente limitado em relação às conclusões da EFSA, na medida em que, quanto ao potencial genotóxico dessa substância, que não pode ser excluído, o estudo incide apenas sobre os efeitos do clorpirifos na alteração do ADN causado pela inibição da topoisomerase II, mas não diz respeito às conclusões da EFSA relativas à genotoxicidade potencial do clorpirifos relacionado com aberrações cromossómicas nem a lesões do ADN causadas por oxidações indesejáveis.

50      Por conseguinte, no contexto do presente processo, a Comissão podia, sem violar o artigo 14.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 396/2005, por um lado, adotar o regulamento impugnado sem ter em conta o estudo Josep Carreras para suprimir os LMR de clorpirifos do anexo II do referido regulamento devido a preocupações relativas à saúde humana identificadas na declaração da EFSA de 31 de julho de 2019 relativa ao clorpirifos e, por outro, na ausência de valores de referência a partir dos quais a exposição ao clorpirifos já não apresentava riscos para a saúde humana e para os consumidores, fixar, em conformidade com o artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 396/2005, o valor por defeito dos resíduos de clorpirifos em 0,01 mg/kg.

51      Em segundo lugar, decorre do anteriormente exposto que, contrariamente ao que alega a recorrente, não pode ser exigido que a Comissão tivesse solicitado à EFSA a avaliação da relevância desse estudo, publicado durante o período entre a adoção do regulamento que não renova a aprovação de uma substância ativa e a adoção do regulamento que suprime os LMR da referida substância. Caso contrário, o artigo 17.o do Regulamento n.o 396/2005 seria privado do seu efeito útil na medida em que, em caso de publicação de qualquer novo estudo relativo a uma substância durante o referido período, a Comissão não poderia suprimir os LMR da referida substância ativa cuja aprovação não foi renovada sem previamente solicitar parecer à EFSA, mesmo que esse novo estudo não alterasse significativamente o estado dos conhecimentos científicos e técnicos.

52      Além disso, no que respeita ao clorpirifos, refira‑se que, em conformidade com o artigo 3.o do Regulamento 2020/18, os Estados‑Membros deviam retirar as autorizações dos produtos fitofarmacêuticos que continham essa substância até 16 de fevereiro de 2020, com a possibilidade de concederem um período de tolerância, nos termos do artigo 4.o desse regulamento, até 16 de abril de 2020. Por conseguinte, a partir de 17 de abril de 2020, os produtos que continham clorpirifos não podiam ser comercializados nem utilizados no interior da União. Ora, na medida em que a utilização da referida substância ainda é autorizada em determinados países terceiros, enquanto os LMR de clorpirifos não forem suprimidos continua a ser possível importar legalmente na União géneros alimentícios, como as bananas produzidas pela recorrente, no interior e à superfície das quais se encontravam resíduos dessa substância em níveis que podem apresentar riscos para a saúde humana e para os consumidores. Nestas condições, como decorre do n.o 42, supra, para suprimir sem demora injustificada os LMR de uma substância ativa, o artigo 17.o do Regulamento n.o 396/2005 permite à Comissão adotar um regulamento para esse efeito, sem que seja necessário solicitar um parecer à EFSA.

53      Tendo em conta as preocupações quanto à saúde humana identificadas pela EFSA no que respeita à exposição ao clorpirifos, o Scopaff, na sua reunião de 26 e 27 de setembro de 2019, deu o seu acordo a que as ações necessárias para fixar o LMR dessa substância fossem levadas a efeito com um elevado grau de prioridade e, na sua reunião de 17 e 18 de fevereiro de 2020, emitiu um parecer favorável sobre o projeto de regulamento proposto pela Comissão para esse efeito. Por conseguinte, se, como alega a recorrente, a Comissão tivesse sido obrigada, na sequência da publicação do estudo Josep Carreras em 21 de maio de 2020, a solicitar à EFSA que se pronunciasse sobre a sua relevância, teria sido necessário interromper o processo de adoção do regulamento impugnado, o que teria atrasado significativamente a sua entrada em vigor, prorrogando assim o período durante o qual podiam ser legalmente importados na União géneros alimentícios no interior e à superfície dos quais se podem encontrar resíduos de clorpirifos, nomeadamente nas bananas produzidas pela recorrente para as quais o LMR estava fixado em 4 mg/kg. Assim, nessas condições, a Comissão podia, com razão, considerar que solicitar à EFSA a avaliação da relevância do referido estudo teria implicado uma prorrogação do procedimento de supressão dos LMR de clorpirifos contrária ao objetivo prosseguido pelo Regulamento n.o 396/2005 que consiste em garantir um elevado nível de proteção da saúde humana e dos consumidores (v., neste sentido e por analogia, Acórdãos de 17 de março de 2021, FMC/Comissão, T‑719/17, EU:T:2021:143, n.o 188, e de 6 de outubro de 2021, Sipcam Oxon/Comissão, T‑518/19, não publicado, EU:T:2021:662, n.o 100).

54      Por conseguinte, ao adotar o regulamento impugnado sem solicitar à EFSA a avaliação da relevância do estudo Josep Carreras, a Comissão não violou o artigo 14.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 396/2005.

55      Do exposto resulta que importa julgar improcedente a argumentação da recorrente relativa à violação do artigo 14.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 396/2005.

 Quanto à alegação relativa à violação do artigo 14.o, n.o 2, alínea f), do Regulamento n.o 396/2005

56      Importa verificar se, ao não tomar em conta o estudo Josep Carreras no âmbito do procedimento que conduziu à adoção do regulamento impugnado, a Comissão violou o artigo 14.o, n.o 2, alínea f), do Regulamento n.o 396/2005, segundo o qual, para efeitos da adoção de um regulamento que fixe, altere ou suprima LMR, devem ser tomados em conta «outros fatores legítimos relevantes para a questão em apreço».

57      A este respeito, há que observar que resulta tanto da redação como da sistemática do artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento n.o 396/2005 que os fatores a tomar em conta no âmbito do artigo 14.o, n.o 2, alínea f), são necessariamente diferentes dos mencionados no artigo 14.o, n.o 2, alíneas a) a e), do referido regulamento.

58      Atendendo à sua natureza científica, há que observar que o estudo Josep Carreras, relativo aos efeitos de substâncias ativas na alteração do ADN causada pela inibição da topoisomerase II, não se inclui nos fatores que figuram no artigo 14.o, n.o 2, alíneas b) a e), do Regulamento n.o 396/2005, acima referidas no n.o 35. Em contrapartida, esse estudo, sendo um elemento de natureza científica, pode estar abrangido no âmbito de aplicação do artigo 14.o, n.o 2, alínea a), do mesmo regulamento. A este respeito, como resulta do n.o 55, supra, verificou‑se que, nas circunstâncias do presente processo, o facto de este estudo não ter sido tomado em conta não pode configurar uma violação da referida disposição. No entanto, esse estudo não pode ser considerado «outro fator legítimo relevante para a questão em apreço» na aceção do artigo 14.o, n.o 2, alínea f), do Regulamento n.o 396/2005.

59      Com efeito, há que referir que, segundo os seus considerandos 9 e 11 e nos termos do seu artigo 1.o, o Regulamento n.o 396/2005 é elaborado em conformidade com os princípios gerais da legislação alimentar enunciados nos artigos 5.o a 8.o do Regulamento n.o 178/2002. Por conseguinte, para preservar a coerência dos conceitos aplicáveis em matéria fitossanitária, o Regulamento n.o 396/2005 deve ser interpretado à luz dos conceitos equivalentes tal como são definidos no Regulamento n.o 178/2002.

60      Do artigo 6.o do Regulamento n.o 178/2002, que determina os princípios aplicáveis à análise dos riscos, designadamente no seu n.o 3, resulta que os «outros fatores legítimos» são elementos que devem ser tidos em conta no âmbito da «gestão dos riscos», que, segundo o artigo 3.o, n.o 12, desse regulamento, é definido como um processo, diferente da avaliação dos riscos, que consiste em ponderar alternativas políticas, em consulta com as partes interessadas, tendo em conta a avaliação dos riscos e outros fatores legítimos e, se necessário, selecionar opções apropriadas de prevenção e controlo. A este respeito, decorre do considerando 19 do Regulamento n.o 178/2002 que esses outros fatores pertinentes que devem legitimamente ser tidos em conta no âmbito da gestão dos riscos correspondem a fatores sociais, económicos, tradicionais, éticos, ambientais, assim como à viabilidade dos controlos.

61      Ora, não pode deixar de se observar que o estudo Josep Carreras não diz respeito a esses elementos socioeconómicos, tradicionais, éticos, ambientais ou relativos à viabilidade dos controlos que devem ser tidos em conta pela Comissão, no âmbito da gestão do risco, ao adotar um regulamento que fixe, altere ou suprima LMR.

62      Daqui resulta que o estudo Josep Carreras não se pode incluir nos «outros fatores legítimos relevantes para a questão em apreço» na aceção do artigo 14.o, n.o 2, alínea f), do Regulamento n.o 396/2005.

63      Por conseguinte, importa julgar improcedente a argumentação da recorrente relativa à violação do artigo 14.o, n.o 2, alínea f), do Regulamento n.o 396/2005.

64      Por outro lado, quanto ao argumento de que a Comissão omitiu o seu dever de diligência ao não tomar em conta o estudo Josep Carreras para a adoção do regulamento impugnado, há que constatar que este argumento se sobrepõe à argumentação relativa à violação do artigo 14.o, n.o 2, alíneas a) e f), do Regulamento n.o 396/2005 e não tem um caráter autónomo.

65      Por conseguinte, uma vez que, no contexto do presente processo, a Comissão podia validamente considerar que o estudo Josep Carreras não referia uma evolução significativa dos conhecimentos científicos e técnicos disponíveis, podia considerar que não se tratava de um elemento relevante a tomar em conta no cumprimento da sua obrigação de efetuar uma análise cuidada e imparcial de todos os elementos relevantes do caso concreto.

66      Por último, na medida em que a recorrente invoca um erro manifesto de apreciação da Comissão na adoção do regulamento impugnado, há que concluir que esse argumento de mérito não tem nenhum fundamento, devendo, por esse facto, ser rejeitado.

67      De todas as considerações precedentes resulta que o fundamento único invocado pela recorrente deve ser julgado improcedente, sem que seja necessário apreciar o seu caráter inoperante invocado pela Comissão, e que, por conseguinte, deve ser negado provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

68      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que a condenar a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas da Comissão, em conformidade com o pedido desta.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

decide:

1)      Negar provimento ao recurso.

2)      Condenar a Delifruit, SA, nas despesas.

Spielmann

Öberg

Brkan

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 13 de julho de 2022.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.