Language of document : ECLI:EU:C:2017:349

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

ELEANOR SHARPSTON

apresentadas em 4 de maio de 2017 (1)

Processo C‑18/16

K.

contra

Staatssecretaris van Veiligheid en Justitie

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo rechtbank Den Haag zittingsplaats Haarlem (Tribunal de primeira instância da Haia, juízo de Haarlem, Países Baixos)]

«Política de asilo — Normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional — Diretiva 2013/33/UE — Artigo 9.o — Colocação em detenção — Alíneas a) e b) do artigo 8.o, n.o 3, primeiro parágrafo — Verificação da identidade ou da nacionalidade — Verificação de elementos em que se baseia o pedido de proteção internacional — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigos 6.o e 52.o — Proporcionalidade»






1.        Através do presente pedido de decisão prejudicial o rechtbank Den Haag zittingsplaats Haarlem (Tribunal de primeira instância da Haia, juízo de Haarlem, Países Baixos) interroga o Tribunal de Justiça sobre a validade das alíneas a) e b) do artigo 8.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da Diretiva 2013/33/UE, que estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional (2). O órgão jurisdicional de reenvio pretende, em substância, saber se tais disposições são compatíveis com o direito à liberdade e à segurança consagrado no artigo 6.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (3). Esta questão surgiu num litígio relativo a uma decisão de 17 de dezembro de 2015 que ordenou a colocação em detenção nos Países Baixos de K., requerente de asilo que tinha sido interpelado e detido no aeroporto de Schiphol por utilizar um passaporte falso quando se dirigia para o Reino Unido.

 Direito internacional

 Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados

2.        O artigo 31.o, n.o 1, da Convenção de Genebra (4) proíbe a aplicação de sanções penais em virtude da sua entrada ou permanência irregulares (ou da sua presença sem autorização) aos refugiados que, chegado diretamente do território no qual a sua vida ou a sua liberdade estavam ameaçadas, conquanto se apresentem sem demora às autoridades e lhes exponham razões aceitáveis para a sua entrada ou presença irregulares. O artigo 31.o, n.o 2, estabelece que não serão aplicadas às deslocações dos refugiados outras restrições além das necessárias. Tais restrições serão aplicadas somente enquanto o estatuto dos refugiados no país de acolhimento não tiver sido regularizado ou enquanto não tiver sido admitido noutro país.

 Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais

3.        O artigo 5.o, n.o 1, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (5) garante o direito de toda a pessoa à liberdade e à segurança. Este direito é caracterizado por várias exceções igualmente previstas no artigo 5.o, n.o 1, devendo, cada uma delas, ser aplicada «de acordo com o procedimento legal». O que está em causa no presente processo é saber se se deve considerar que o direito à liberdade é, neste caso, caracterizado pela exceção prevista no artigo 5.o, n.o 1, alínea f), que se aplica em caso de «prisão ou detenção legal de uma pessoa para lhe impedir a entrada ilegal no território ou contra a qual está em curso um processo de expulsão ou de extradição».

4.        A ingerência no direito à liberdade e à segurança das pessoas, com base nas exceções enumeradas no artigo 5.o, n.o 1, alíneas a) a f), deve, para ser legítima, respeitar também as garantias previstas no artigo 5.o, n.os 2 a 5, da CEDH. Relativamente a um requerente de asilo, essas garantias incluem a comunicação de informações sobre a detenção no mais breve prazo; o direito de recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, em curto espaço de tempo, sobre a legalidade da sua detenção e ordene a sua libertação (se a detenção for ilegal); e o direito a indemnização, em caso de violação das disposições do artigo 5.o da CEDH (6).

 Direito da União Europeia

 Carta

5.        O artigo 6.o da Carta corresponde ao artigo 5.o, n.o 1, da CEDH. Dispõe que «toda a pessoa tem direito à liberdade e segurança».

6.        O artigo 52.o da Carta tem como epígrafe «Âmbito e interpretação dos direitos e dos princípios» e dispõe o seguinte:

«1.      Qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela presente Carta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades. Na observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros.

2.      Os direitos reconhecidos pela presente Carta que se regem por disposições constantes dos Tratados são exercidos de acordo com as condições e limites por eles definidos.

3.      Na medida em que a presente Carta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa Convenção. Esta disposição não obsta a que o direito da União confira uma proteção mais ampla.

[…]

7.      Os órgãos jurisdicionais da União e dos Estados‑Membros têm em devida conta as anotações destinadas a orientar a interpretação da presente Carta.»

 Diretiva Regresso

7.        A Diretiva 2008/115/CE relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular (7) visa estabelecer um conjunto de normas horizontais aplicáveis a todos os nacionais de países terceiros que não preencham as condições de entrada, permanência ou residência num Estado‑Membro (8). Nos termos do artigo 1.o, a diretiva «estabelece normas e procedimentos comuns a aplicar nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular, no respeito dos direitos fundamentais enquanto princípios gerais do direito [da União] e do direito internacional, nomeadamente os deveres em matéria de proteção dos refugiados e de direitos do Homem».

8.        O artigo 2.o, n.o 1, dispõe que a Diretiva Regresso é aplicável aos nacionais de países terceiros em situação irregular no território de um Estado‑Membro. Segundo o artigo 3.o, n.o 1, entende‑se por «nacional de país terceiro» «uma pessoa que não seja cidadão da União, na aceção do [n.o 1 do artigo 20.o TFUE], e que não beneficie do direito da [União] à livre circulação nos termos do n.o 5 do artigo 2.o do Código das Fronteiras Schengen» (9). De acordo com o artigo 3.o, n.o 4, entende‑se por «decisão de regresso» «uma decisão ou ato administrativo ou judicial que estabeleça ou declare a situação irregular de um nacional de país terceiro e imponha ou declare o dever de regresso».

 Diretiva Condições

9.        A Diretiva 2011/95/UE (10) estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional (11). Nos termos do artigo 2.o, alínea h), entende‑se por «pedido de proteção internacional» «um pedido de proteção apresentado a um Estado‑Membro por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida que deem a entender que pretendem beneficiar do estatuto de refugiado ou de proteção subsidiária e não solicitem expressamente outra forma de proteção não abrangida pelo âmbito de aplicação da presente diretiva e suscetível de ser objeto de um pedido separado».

10.      O artigo 4.o, n.o 1, estabelece que os Estados‑Membros podem considerar que incumbe aos requerentes apresentar o mais rapidamente possível todos os elementos necessários para justificar o pedido de proteção internacional. Em conformidade com o artigo 4.o, n.o 2, esses elementos consistem nas declarações do requerente e em «toda a documentação de que o requerente disponha sobre a sua idade, história pessoal, incluindo a dos familiares pertinentes, identidade, nacionalidade(s), país(es) e local(is) de residência anteriores, pedidos de asilo anteriores, itinerários, documentos de viagem e os motivos pelos quais solicita proteção internacional». Nos termos do artigo 4.o, n.o 3, a apreciação dos pedidos de proteção internacional deve ser efetuada a título individual e ter em conta: os factos pertinentes respeitantes ao país de origem à data da decisão sobre o pedido, incluindo a respetiva legislação e regulamentação e a forma como estas são aplicadas; as declarações e documentos pertinentes apresentados pelo requerente, incluindo informações sobre se o requerente sofreu ou pode sofrer perseguição ou ofensa grave; e a situação e as circunstâncias pessoais do requerente, incluindo fatores como a sua história pessoal, sexo e idade (12). Nesse sentido, o considerando 22 estabelece que «[a] realização de consultas junto do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados pode fornecer orientações úteis aos Estados‑Membros para a determinação do estatuto de refugiado».

11.      Os motivos de exclusão do estatuto de refugiado encontram‑se enunciados no artigo 12.o O efeito da aplicação de tais motivos é o de privar o requerente da proteção do estatuto de refugiado. Nesse sentido, constituem uma exceção ao direito de asilo de uma pessoa que, de outro modo, estaria abrangida pelo âmbito dessa proteção (13).

 Diretiva Procedimentos

12.      Nos termos do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32/UE, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (14), os requerentes são autorizados a permanecer no Estado‑Membro na pendência da análise de tais pedidos de proteção.

13.      O artigo 10.o prevê determinadas condições aplicáveis a essa apreciação. Estas condições incluem a necessidade de determinar, em primeiro lugar, se os requerentes preenchem as condições necessárias para beneficiar do estatuto de refugiado e, caso contrário, determinar se são elegíveis para proteção subsidiária; de assegurar uma apreciação adequada do pedido; e de assegurar que tais pedidos sejam apreciados e as subsequentes decisões sejam proferidas de forma individual, objetiva e imparcial (15).

14.      Em conformidade com o artigo 13.o, os Estados‑Membros devem impor aos requerentes a obrigação de cooperar com as autoridades competentes, a fim de determinar a respetiva identidade e outros elementos referidos no artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva Condições.

15.      O artigo 24.o estabelece garantias processuais especiais para determinados requerentes e o artigo 25.o regula a situação dos menores não acompanhados.

16.      O artigo 26.o, n.o 1, reflete o artigo 31.o da Convenção de Genebra no que diz respeito à ideia geral de que os Estados‑Membros não podem colocar uma pessoa em detenção pelo simples facto de esta ser um nacional de um país terceiro que pede proteção internacional enquanto o seu pedido se encontra pendente. Se um requerente for detido, os motivos e as condições da sua colocação em detenção, bem como as garantias ao seu dispor, devem ser conformes com a Diretiva Acolhimento.

17.      Nos termos do artigo 33.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva Procedimentos, os Estados‑Membros podem considerar um pedido de proteção internacional não admissível em certas circunstâncias, designadamente quando outro Estado‑Membro tiver concedido proteção internacional.

 Diretiva Acolhimento

18.      Os considerandos da Diretiva Acolhimento estabelecem o seguinte:

–        Uma política comum de asilo, que inclua um sistema europeu comum de asilo (a seguir «SECA»), faz parte integrante do objetivo da União Europeia de estabelecer progressivamente um espaço de liberdade, de segurança e de justiça aberto às pessoas que, obrigadas pelas circunstâncias, procuram legitimamente proteção no território da União Europeia (16).

–        O SECA baseia‑se na aplicação integral e global da Convenção de Genebra (17).

–        No que se refere ao tratamento das pessoas abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva Acolhimento, os Estados‑Membros encontram‑se vinculados por obrigações ao abrigo de instrumentos de direito internacional de que são partes (18).

–        A detenção de requerentes deverá ser aplicada de acordo com o princípio subjacente de que as pessoas não deverão ser detidas apenas com fundamento no facto de solicitarem proteção internacional, de acordo, em especial, com as obrigações jurídicas internacionais dos Estados‑Membros e com o artigo 31.o da Convenção de Genebra. Os requerentes só poderão ser detidos em circunstâncias excecionais, definidas de forma muito clara na presente diretiva, e de acordo com o princípio da necessidade e da proporcionalidade, no que se refere tanto à forma como à finalidade da detenção. Se um requerente for colocado em detenção, esse ou essa requerente deverá ter acesso efetivo às garantias processuais necessárias, tal como o direito de recurso perante uma autoridade judicial nacional (19).

–        O conceito de «diligência devida» exige que, no mínimo, os procedimentos administrativos relativos aos fundamentos de detenção sejam levados a cabo o mais rapidamente possível, especialmente no que respeita à adoção de «medidas concretas e significativas» para verificar os fundamentos de detenção. A detenção de um requerente não deve exceder o tempo razoavelmente necessário para completar os procedimentos necessários (20).

–        A fim de garantir melhor a integridade física e psicológica dos requerentes, a detenção deverá ser uma medida de último recurso e só poderá ser aplicada depois de terem sido devidamente analisadas todas as medidas alternativas à detenção que não impliquem privação de liberdade. As medidas alternativas à detenção devem respeitar os direitos humanos fundamentais dos requerentes (21).

–        A Diretiva Acolhimento respeita os direitos fundamentais e os princípios reconhecidos, nomeadamente, pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (22).

19.      O artigo 2.o, alínea a), incorpora na Diretiva Acolhimento a definição de «pedido de proteção internacional» estabelecida na Diretiva Condições. De acordo com o artigo 2.o, alínea b), entende‑se por «requerente» «um nacional de um país terceiro ou um apátrida que apresentou um pedido de proteção internacional que ainda não foi objeto de decisão definitiva» (23). O artigo 2.o, alínea h), define «detenção» como «qualquer medida de reclusão de um requerente por um Estado‑Membro numa zona especial, no interior da qual o requerente é privado da liberdade de circulação».

20.      Nos termos do artigo 3.o, n.o 1, a diretiva é aplicável «a todos os nacionais de países terceiros e apátridas que apresentem um pedido de proteção internacional no território de um Estado‑Membro, incluindo na fronteira, em águas territoriais ou em zonas de trânsito, enquanto lhes for permitido permanecer nesse território na qualidade de requerentes, bem como aos membros das suas famílias, se estes estiverem abrangidos pelo referido pedido de proteção internacional nos termos do direito nacional».

21.      Em conformidade com o artigo 8.o:

«1.      Os Estados‑Membros não podem manter uma pessoa detida pelo simples motivo de ela ser requerente nos termos da [Diretiva Procedimentos].

2.      Quando se revele necessário, com base numa apreciação individual de cada caso, os Estados‑Membros podem manter os requerentes detidos se não for possível aplicar de forma eficaz outras medidas alternativas menos coercivas.

3.      Os requerentes só podem ser detidos:

a)      Para determinar ou verificar a respetiva identidade ou nacionalidade;

b)      Para determinar os elementos em que se baseia o pedido de proteção internacional que não poderiam obter‑se sem essa detenção, designadamente se houver risco de fuga do requerente;

[…]

Os fundamentos da detenção devem ser previstos no direito nacional.»

22.      O artigo 9.o estabelece determinadas garantias dos requerentes detidos. Estas garantias incluem os seguintes requisitos:

–        a detenção dos requerentes deve ter a duração mais breve possível e só pode ser mantida enquanto forem aplicáveis os fundamentos previstos no artigo 8.o, n.o 3 (artigo 9.o, n.o 1);

–        a detenção dos requerentes deve ser ordenada por escrito pelas autoridades competentes e a ordem de detenção deve indicar os motivos de facto e de direito em que se baseia (artigo 9.o, n.o 2);

–        os Estados‑Membros devem submeter a legalidade da detenção a um controlo judicial acelerado, nos termos do artigo 9.o, n.o 3;

–        os requerentes detidos devem ser imediatamente informados por escrito, numa língua que compreendam ou seja de presumir que compreendam, dos motivos da sua detenção e dos meios previstos no direito nacional para contestar a decisão de detenção (artigo 9.o, n.o 4);

–        a detenção deve ser objeto de reapreciação por uma autoridade judicial (artigo 9.o, n.o 5); e

–        os requerentes devem ter acesso a assistência jurídica e representação legal a título gratuito para contestar a detenção nos termos do artigo 9.o, n.o 3 (artigo 9.o, n.os 6 e 7).

 Direito nacional

23.      O artigo 59.o‑B, n.o 1, alíneas a) e b) do Regulamento dos Estrangeiros de 2000 (Vreemdelingenbesluit 2000, a seguir «Vb») dispõe o seguinte:

«1.      O estrangeiro em situação regular nos termos do artigo 8.o, alínea f) […] [(24)] pode, na medida em que essa situação diga respeito a um pedido de asilo temporário, ser colocado em detenção por ordem do [Ministro da Segurança e da Justiça], se:

a.      a detenção for necessária para determinar ou verificar a respetiva identidade ou nacionalidade;

b.      a detenção for necessária para obter elementos necessários para a apreciação de um pedido de asilo temporário […], designadamente se houver risco de fuga do requerente;

[…]

2. A detenção ao abrigo do n.o 1, alíneas a) ou b) […] não pode exceder quatro semanas […].»

 Matéria de facto, tramitação processual e questões prejudiciais

24.      O processo principal respeita a K. (a seguir «recorrente»), um cidadão de nacionalidade iraniana. Em 30 de novembro de 2015, o recorrente chegou ao aeroporto de Amsterdam Schiphol (Países Baixos) através de um voo proveniente de Viena (Áustria). Era sua intenção continuar viagem no mesmo dia para Edimburgo (Reino Unido). O controlo efetuado no controlo de passaportes criou a suspeita, antes do seu embarque no voo com destino a Edimburgo, de que o recorrente utilizava um passaporte falso. Depois de uma análise mais aprofundada, foi confirmado que o passaporte era, de facto, falso.

25.      K. foi colocado em detenção enquanto contra ele foi instaurado um processo penal por apresentação de um passaporte falso às autoridades neerlandesas. O órgão jurisdicional de reenvio afirma que nada sugere que foi colocado em detenção para impedir a sua entrada ilegal nos Países Baixos. Pelo contrário, a detenção inicial do recorrente estava relacionada com a suspeita da prática de um crime (ou de crimes). A natureza exata da acusação ou acusações feita(s) ao recorrente não se encontra reproduzida no despacho de reenvio. Não obstante, o órgão jurisdicional de reenvio esclarece que o processo penal tem por base o seguinte: entrada ilegal nos Países Baixos; violação da legislação de estrangeiros; falta de cooperação ou cooperação insuficiente com vista à determinação da sua identidade e nacionalidade; falta de demonstração de uma razão válida para se desfazer dos seus documentos de viagem e de identificação; e utilização de documentos falsos ou falsificados. Estas circunstâncias são descritas como «motivos graves». São igualmente citados os seguintes «motivos sem gravidade», imputados a K.: não ter cumprido uma ou mais obrigações que lhe incumbiam por força do Capítulo 4 do Regulamento dos Estrangeiros de 2000 (Vreemdelingenbesluit 2000); não ter residência ou paradeiro certos; não dispor de recursos financeiros bastantes; ser suspeito de ter cometido uma infração ou de ter sido condenado pela prática de uma infração.

26.      Durante a sua detenção, o recorrente comunicou que tencionava submeter um pedido de asilo nos Países Baixos por temer pela sua vida no Irão. Segundo declarou, o pedido foi feito em 9 de dezembro de 2015.

27.      Em 15 de dezembro de 2015, o tribunal criminal nacional declarou inadmissível o procedimento criminal instaurado contra K. Daí resulta que, em consequência, as autoridades competentes decidiram declarar extinto o processo contra o recorrente (25). Por força de um despacho de «libertação imediata», datado de 16 de dezembro de 2015, o Ministério Público ordenou a sua libertação. Em 17 de dezembro, K. deu entrada de um pedido formal de asilo. Na mesma data, foi colocado em detenção nos termos do artigo 59.o‑B, n.o 1, alíneas a) e b), do Vb (a seguir «decisão de detenção»).

28.      A detenção baseou‑se na premissa de que esta era, em primeiro lugar, necessária para determinar a identidade ou a nacionalidade do requerente (26) e, em segundo lugar, exigida para obter os dados necessários à avaliação do seu pedido de asilo. Foi, designadamente, invocado o risco de fuga por parte do recorrente (27).

29.      Em 17 de dezembro de 2015, K. recorreu da decisão de detenção e simultaneamente deduziu um pedido de indemnização. K. sustenta que, à luz do acórdão do Tribunal de Justiça no processo N. (28), a sua detenção era contrária ao artigo 5.o da CEDH, e que as disposições do artigo 8.o, n.o 3, alíneas a) e b), da Diretiva Acolhimento são contrárias a esta regra e violam igualmente o artigo 6.o da Carta.

30.      O órgão jurisdicional de reenvio formula as seguintes observações. Em primeiro lugar, K. não é alvo de uma decisão de regresso. Em segundo lugar, o artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva Procedimentos estabelece a regra base segundo a qual um requerente (na aceção da referida diretiva) deve ser autorizado a permanecer no Estado‑Membro em causa até ser tomada uma decisão sobre o seu pedido de proteção internacional. Assim, não se pode considerar que essa pessoa se encontra em situação de permanência irregular no território de um Estado‑Membro na aceção da Diretiva Regresso. Em terceiro lugar, tanto a Diretiva Procedimentos como a legislação nacional parecem obstar à expulsão de um requerente nestas circunstâncias. Em quarto lugar, esta posição é confirmada pela interpretação do artigo 5.o, n.o 1, alínea f), da CEDH pelo Tribunal de Estrasburgo no acórdão Nabil e o./Hungria (29). Em quinto lugar, uma detenção com base nos motivos estabelecidos no artigo 8.o, n.o 3, alíneas a) e b), da Diretiva Acolhimento (a seguir «disposições em causa») parece não ter por objetivo o afastamento de um nacional de país terceiro. O órgão jurisdicional de reenvio considera que a posição descrita é incompatível com o artigo 5.o, n.o 1, alínea f), da CEDH. Conclui, por conseguinte, que é necessário examinar a validade do artigo 8.o, n.o 3, alíneas a) e b), da referida diretiva.

31.      O órgão jurisdicional de reenvio reconhece que resulta do acórdão Foto‑Frost (30)que um órgão jurisdicional nacional não tem competência para declarar inválidos os atos das instituições da União. Nesta conformidade, submeteu ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 8.o, n.o 3, alíneas a) e b), da Diretiva Acolhimento é válido à luz do artigo 6.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia:

1)      numa situação em que um nacional de um país terceiro foi colocado em detenção por força do artigo 8.o, n.o 3, alíneas a) e b), da Diretiva Acolhimento e tem o direito de, ao abrigo do artigo 9.o da [Diretiva Procedimentos], permanecer num Estado‑Membro até o seu pedido de asilo ser decidido em primeira instância, e

2)      atendendo à Anotação (JO 2007 C 303, p. 17), segundo a qual as restrições que possam ser legitimamente impostas aos direitos consagrados no artigo 6.o da Carta não poderão exceder as autorizadas pela CEDH nos termos do disposto no artigo 5.o, n.o 1, alínea f), da CEDH, e à interpretação dada pelo [Tribunal de Estrasburgo] a esta última disposição, designadamente no [acórdão Nabil], no sentido de que a detenção de um refugiado viola o referido artigo 5.o, n.o 1, alínea f), se essa detenção não tiver sido imposta para efeitos de afastamento?»

32.      Foram apresentadas observações escritas pela Bélgica, Estónia, Irlanda e Países Baixos, assim como pelo Conselho da União Europeia, pelo Parlamento Europeu e pela Comissão Europeia. Não foi solicitada nem realizada qualquer audiência.

 Análise

 Admissibilidade

33.      O Parlamento Europeu entende que a questão prejudicial do órgão jurisdicional de reenvio é inadmissível. Alega que a questão colocada e as razões que lhe estão subjacentes são, em substância, idênticas às questões suscitadas pelo Raad van State no acórdão N. (31). No essencial, o requerente nesse processo foi objeto de uma decisão de regresso, ao passo que K. não o foi. O Parlamento considera que as questões expostas na decisão de reenvio não são relevantes para determinar se as disposições em causa estão em conformidade com a Carta.

34.      Discordo do entendimento do Parlamento Europeu, pelas seguintes razões.

35.      Em primeiro lugar, é jurisprudência constante que, quando um órgão jurisdicional nacional tem dúvidas quanto à validade de um ato da UE, incumbe‑lhe submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial (32). Em segundo lugar, quando uma questão sobre a validade de uma medida da União é suscitada perante um órgão jurisdicional nacional, cabe a este decidir se é necessária uma decisão sobre a questão em causa para poder proferir a sua decisão e, consequentemente, se deve pedir ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre essa questão. Por conseguinte, quando as questões do órgão jurisdicional de reenvio tiverem por objeto a validade de uma disposição do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se. O Tribunal de Justiça pode recusar‑se a pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional quando, nomeadamente, for manifesto que a decisão proferida pelo órgão jurisdicional de reenvio quanto à interpretação ou à validade do direito da União não tem relação alguma com os factos ou a finalidade da ação principal ou quando o problema é hipotético (33).

36.      Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio refere, no n.o 1 do despacho de reenvio, a respeito dos «fundamentos» do pedido de decisão prejudicial que, se as disposições em causa forem inválidas, a detenção de K. não tem base jurídica e o seu recurso deve ser julgado procedente. O resultado do presente processo também é relevante para o seu pedido de indemnização por detenção ilegal alegada. Por conseguinte, é manifesto que a validade das disposições em causa tem uma incidência direta no processo no órgão jurisdicional nacional.

37.      Em quarto lugar, o artigo 6.o, n.o 3, TUE confirma que os direitos fundamentais reconhecidos pela CEDH constituem princípios gerais do direito da União. A este respeito, as Anotações Relativas à Carta deixam claro que os direitos previstos no artigo 6.o da Carta correspondem aos direitos garantidos pelo artigo 5.o da CEDH (34). Assim, se as disposições em causa forem incompatíveis com a Carta, à luz da CEDH, não podem ser válidas, e a detenção de K., baseada nas regras nacionais de execução do artigo 8.o, n.o 3, alíneas a) e b), da Diretiva Acolhimento, não pode ser legal.

38.      Em quinto lugar, no essencial, o órgão jurisdicional de reenvio pede que seja proferida uma decisão prejudicial porque interpreta o acórdão Nabil do Tribunal de Estrasburgo no sentido de que a detenção de pessoas (incluindo requerentes de asilo) só será justificada na aceção do artigo 5.o, n.o 1, alínea f), da CEDH enquanto o processo de expulsão ou extradição estiver em curso. O órgão jurisdicional de reenvio entende que o artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva Procedimentos proíbe a expulsão de um requerente de asilo enquanto o seu pedido de proteção internacional está pendente. Relembra que K. não está sujeito a uma decisão de regresso na aceção da Diretiva Regresso. O órgão jurisdicional de reenvio indica que a sua detenção ao abrigo das disposições em causa não se baseia em motivos relativos à sua expulsão do território da União.

39.      Dado que os direitos consagrados no artigo 6.o da Carta são também os direitos garantidos pelo artigo 5.o da CEDH e que, em conformidade com o artigo 52.o, n.o 3, da Carta, têm o mesmo significado e âmbito de aplicação (35), considero que é necessário analisar a decisão do Tribunal de Estrasburgo no acórdão Nabil para determinar se tem implicações na interpretação e validade do artigo 8.o, n.o 3, alíneas a) e b), da Diretiva Acolhimento. É manifesto que esta análise diz respeito aos factos expostos no despacho de reenvio, bem como aos fundamentos do pedido de decisão prejudicial. A resposta do Tribunal de Justiça será decisiva para a questão no cerne do processo principal — saber se a detenção do K. foi ou não legal. A questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio também não é manifestamente hipotética. O pedido de decisão prejudicial é, portanto, admissível.

 Observações preliminares

40.      Como esclarece o artigo 78.o, n.o 1, TFUE, a política comum em matéria de asilo deve estar em conformidade com a Convenção de Genebra e outros tratados pertinentes. Nos termos do artigo 78.o, n.o 2, alíneas c) e f), TFUE, o legislador da União está habilitado a adotar medidas para esse sistema que incluem, nomeadamente, «normas relativas às condições de acolhimento dos requerentes de asilo […]».

41.      O artigo 31.o da Convenção de Genebra proíbe a aplicação de sanções penais, devido à sua entrada ou permanência irregulares, aos refugiados chegados de um território onde a sua vida ou a sua liberdade foi ameaçada. Este princípio aplica‑se quando os refugiados entram ou permanecem sem autorização, desde que os interessados se apresentem sem demora às autoridades e lhes exponham razões reconhecidas como válidas para a sua entrada ou permanência irregulares. As Orientações do Alto‑Comissariado das Nações Unidas para a Detenção de Refugiados (36) estabelecem que «a detenção no contexto migratório não é proibida pelo Direito Internacional per se, assim como o direito da pessoa à liberdade não é absoluto». As referidas orientações estabelecem os seguintes princípios gerais: a detenção nesse contexto i) deve estar de acordo com a lei e ser permitida por lei; ii) não deve ser arbitrária, mas basear‑se na apreciação das circunstâncias específicas da pessoa em causa; iii) deve ser utilizada como medida excecional e apenas pode ser justificada para um fim legítimo, designadamente para verificação inicial da identidade e para estabelecer os elementos em que se baseia um pedido de proteção internacional que não possam ter sido obtidos sem a detenção; e iv) deve ser proporcionada (37).

42.      O Tribunal de Justiça referiu‑se às Orientações do ACNUR em matéria de detenção no acórdão N. (38). Nesse processo, porém, o requerente foi detido nos termos do artigo 8.o, n.o 3, alínea e), da Diretiva Acolhimento (por motivos de proteção da segurança nacional e ordem pública). O requerente foi submetido a uma decisão de regresso (ou seja, uma decisão de saída da União Europeia) e a uma proibição de entrada pelo período de 10 anos, emitida na sequência da rejeição de um pedido de asilo anterior. Essas medidas foram impostas nos termos das regras nacionais de execução da Diretiva Regresso (39). N. encontrava‑se igualmente em detenção no momento em que o seu processo foi submetido ao Tribunal de Justiça para decisão prejudicial.

43.      As circunstâncias de K. são muito diferentes. Não está em causa que a sua detenção tenha constituído uma privação de liberdade (40). No entanto, os motivos de detenção no seu caso eram os do artigo 8.o, n.o 3, alíneas a) e b), da Diretiva Acolhimento. O órgão jurisdicional de reenvio não sugere que, no seu caso, tenham sido tomadas medidas nos termos da Diretiva Regresso. K. não está sujeito a uma decisão de expulsão do território da União, nem foi emitida contra ele uma proibição de entrada; nem tal medida está, portanto, suspensa enquanto aguarda a decisão do seu pedido de proteção internacional.

44.      Assim, considero que o Tribunal de Justiça deveria aplicar no caso presente a mesma metodologia que adotou no acórdão N. Desse modo, a avaliação deve ser realizada unicamente por referência aos direitos fundamentais garantidos pela Carta (41).

 Validade à luz do artigo 52.o, n.o 1, da Carta.

45.      Todas as partes que apresentaram observações escritas ao Tribunal de Justiça no presente processo — em que, todavia, K. não estava incluído — concordam que a validade do artigo 8.o n.o 3, alíneas a) e b), da Diretiva Acolhimento não está em causa.

46.      Partilho do mesmo ponto de vista.

47.      Segundo o despacho de reenvio, o recorrente foi inicialmente detido por suspeita de ter cometido uma infração penal. O considerando 17 da Diretiva Acolhimento estabelece que os fundamentos de detenção previstos no artigo 8.o, n.o 3, aplicam‑se sem prejuízo de outros fundamentos de detenção, designadamente os fundamentos de detenção no âmbito de processos‑crime. Assim, a detenção inicial do recorrente por parte das autoridades neerlandesas com fundamento na suspeita de ter cometido uma infração penal — a apresentação de um passaporte falso — não está em causa no presente processo.

48.      Depois de o processo penal ter sido declarado inadmissível, K. foi detido no contexto do seu pedido de asilo. É pacífico que a sua reclusão constituiu uma detenção na aceção da Diretiva Acolhimento (42). As autoridades neerlandesas deram duas razões para a detenção de K.: por um lado, era necessário determinar a sua identidade e/ou nacionalidade e, por outro, a sua detenção era necessária para apurar os elementos para a apreciação do seu pedido e tinha sido considerado que havia risco de fuga.

49.      O direito fundamental à liberdade garantido no artigo 6.o da Carta tem o mesmo significado que no artigo 5.o da CEDH, embora este último não faça parte do acervo comunitário (43). As «[…] restrições suscetíveis de ser legitimamente impostas ao exercício dos direitos consagrados [no artigo 6.o da Carta] não podem exceder as autorizadas pela CEDH […]» (44). Constitui também princípio geral de interpretação que um ato da União deve ser construído, na medida do possível, de forma a não pôr em causa a sua validade e em conformidade com o direito primário no seu conjunto, nomeadamente com as disposições da Carta (45).

50.      Na medida em que o artigo 8.o, n.o 3, alíneas a) e b), permite que os Estados‑Membros coloque os requerentes de asilo em detenção, estas disposições autorizam uma limitação do exercício do direito à liberdade consagrado no artigo 6.o da Carta (46). Esta limitação decorre de uma diretiva — um ato legislativo da União Europeia. Por conseguinte, a lei prevê a sua aplicação na aceção do artigo 52.o, n.o 1, da Carta (47).

51.      Serão as disposições em causa compatíveis com o direito à liberdade consagrado no artigo 6.o da Carta?

52.      No meu entender, a resposta é afirmativa.

53.      Em primeiro lugar, o ponto de partida enunciado no artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva Acolhimento, é o de que os Estados‑Membros estão proibidos de deter pessoas pelo simples facto de terem apresentado um pedido de proteção internacional (48). Em segundo lugar, na Diretiva Acolhimento a detenção é vista como «uma medida particularmente drástica tomada contra um requerente de proteção internacional» (49), que apenas pode ser adotada «em circunstâncias excecionais, definidas de forma muito clara» (50). Em terceiro lugar, de acordo com o artigo 8.o, n.o 2, a detenção é permitida em circunstâncias precisas: (i) quando se revele necessário; (ii) com base numa apreciação individual de cada caso; e (iii) se não for possível aplicar de forma eficaz outras medidas alternativas menos coercivas. Em quarto lugar, um requerente só pode ser detido se existir um dos motivos enumerados no artigo 8.o, n.o 3. Cada motivo corresponde a uma necessidade específica e reveste caráter autónomo (51).

54.      Essas condições estritas estão igualmente sujeitas ao requisito de que os motivos de detenção devem ser estabelecidos no direito nacional e de que as garantias processuais dos requerentes detidos devem ser respeitadas (52). Essas garantias incluem a condição de a duração da detenção ser tão curta quanto possível e de a liberdade do requerente só poder ser restringida enquanto os fundamentos previstos no artigo 8.o, n.o 3, forem aplicáveis (artigo 9.o, n.o 1).

55.      A própria redação do artigo 8.o, n.o 3, alíneas a) e b), da Diretiva Acolhimento não é contrária ao direito à liberdade consagrado no artigo 6.o da Carta (53).

56.      Resulta do artigo 78.o TFUE que o estabelecimento e o bom funcionamento do SECA constituem um objetivo de interesse geral reconhecido pela União.

57.      É, pois, necessário analisar se a ingerência no direito à liberdade permitida pelas disposições em causa excede os limites do que é adequado e necessário para atingir os objetivos legítimos prosseguidos pela legislação em causa. Isto deve‑se ao facto de as desvantagens causadas pelas normas jurídicas não deverem ser desproporcionadas em relação aos objetivos prosseguidos (54).

58.      Os elementos do SECA preveem um estatuto uniforme para as pessoas elegíveis para proteção internacional com base na aplicação integral e global da Convenção de Genebra (55). O sistema baseia‑se na ideia de que os Estados‑Membros devem aplicar critérios comuns para identificar as pessoas que verdadeiramente necessitam de tal proteção (56).

59.      No que diz respeito ao artigo 8.o, n.o 3, alínea a), da Diretiva Acolhimento, a determinação ou verificação da identidade ou da nacionalidade de um requerente é essencial para determinar se o mesmo preenche os requisitos para obter o estatuto de refugiado. É necessário verificar, para efeitos da definição de «refugiado» do artigo 2.o, alínea d), da Diretiva Condições, se o requerente receia «[…] com razão ser perseguido em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a um determinado grupo social, se encontre fora do país de que é nacional e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção desse país, ou [for um] apátrida que, estando fora do país em que tinha a sua residência habitual, pelas mesmas razões que as acima mencionadas, não possa ou, em virtude do referido receio, a ele não queira voltar […]». A nacionalidade de um requerente é um critério importante que é tido em conta na avaliação efetuada nos termos do artigo 4.o, n.o 3, da diretiva. A informação sobre a situação no país de origem do requerente é precisamente o tipo de pormenor que os Estados‑Membros podem procurar verificar junto de organizações como o ACNUR (57). Todavia, tais investigações só podem ser efetuadas se a nacionalidade do requerente (ou o estatuto de apátrida) for conhecida.

60.      Além disso, é igualmente necessário que os Estados‑Membros averiguem se a pessoa em causa não merece proteção internacional por estar excluída da qualidade de refugiado por força do artigo 12.o da Diretiva Condições. Essa averiguação apenas pode existir se a identidade da pessoa tiver sido previamente estabelecida.

61.      De um modo geral, a identidade do requerente é um elemento significativo no âmbito do SECA e é particularmente pertinente no que diz respeito ao funcionamento do denominado «sistema de Dublim» (58). Este sistema prevê um processo de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro. Sem informações sobre a identidade do requerente, os Estados‑Membros não poderiam aplicar os critérios estabelecidos no Regulamento (UE) n.o 604/2013 para determinar o Estado‑Membro responsável em cada caso.

62.      A identidade também é pertinente para determinar se um pedido é inadmissível nos termos do artigo 33.o da Diretiva Procedimentos. Um pedido de asilo seria recusado nos termos do artigo 33.o, n.o 2, alínea a), da referida diretiva, quando outro Estado‑Membro já tivesse concedido proteção internacional.

63.      Finalmente, a identidade de um requerente é igualmente pertinente para a questão de saber se devem ser aplicadas garantias processuais especiais em conformidade com o artigo 24.o da Diretiva Procedimentos ou em casos de menores não acompanhados (artigo 25.o da referida diretiva).

64.      Tendo em conta estas características sistémicas do SECA, afigura‑se‑me que a detenção de um requerente para verificar a sua identidade ou nacionalidade com base no artigo 8.o, n.o 3, alínea a), da Diretiva Acolhimento, pode, em casos específicos, ser uma medida adequada.

65.      O artigo 8.o, n.o 3, alínea b), da Diretiva Acolhimento, respeita à determinação dos «elementos em que se baseia o pedido de proteção internacional que não poderiam obter‑se sem essa detenção». Aqui relembro que o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva Condições dispõe que, para efeitos de apreciação dos factos e circunstâncias relacionados com um pedido de proteção internacional, os Estados‑Membros podem considerar que incumbe ao requerente apresentar o mais rapidamente possível todos os elementos necessários para justificar o seu pedido. Em muitos casos, o próprio requerente é a principal fonte de informação, uma vez que a apreciação dos Estados‑Membros se baseia principalmente na descrição da sua história, que pode ser verificada por referência a outras fontes (59). Os Estados‑Membros devem analisar todos os pedidos de proteção internacional de forma individual, objetiva e imparcial (60). Ao fazê‑lo, os Estados‑Membros devem igualmente verificar a credibilidade da conta bancária de um requerente (61).

66.      Assim, se uma pessoa pede asilo com base no receio de perseguição devido às suas opiniões políticas, as autoridades dos Estados‑Membros são obrigadas a verificar essas alegações de acordo com a Diretiva Condições e a Diretiva Procedimentos. O artigo 13.o da Diretiva 2013/32/UE impõe aos requerentes a obrigação de cooperar com as autoridades competentes, a fim de determinar a respetiva identidade e outros elementos referidos no artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva Condições.

67.      Se o requerente não cooperar com as autoridades competentes e, a fortiori, recusar disponibilizar‑se para uma entrevista ou fugir, essa avaliação não pode ter lugar.

68.      Por conseguinte, considero que, para atingir o objetivo geral do SECA de aplicar critérios comuns para identificar aqueles que necessitam verdadeiramente de proteção internacional e distingui‑los dos candidatos que não podem beneficiar dessa proteção, o artigo 8.o, n.o 3, alínea b), da Diretiva Acolhimento, constitui uma medida adequada.

69.      O Tribunal de Justiça já salientou que, tendo em conta a importância do direito à liberdade consagrado no artigo 6.o da Carta e a gravidade da ingerência nesse direito que a detenção representa, as limitações ao exercício do direito só devem aplicar‑se na medida em que é estritamente necessário (62).

70.      Ambas as disposições em causa estão sujeitas à observância de um conjunto de condições que têm como objetivo delimitar de forma estrita o recurso a cada medida (63).

71.      Os motivos de detenção enunciados no artigo 8.o, n.o 3, alíneas a) e b), revestem caráter autónomo. Por conseguinte, analisarei separadamente cada medida para verificar se satisfaz o critério da necessidade.

72.      Dado que os requerentes de asilo estão a fugir da perseguição, é de esperar que muitos viajem com documentos falsos ou incompletos. Decorre da redação do artigo 8.o, n.o 3, alínea a), da Diretiva Acolhimento, lido em conjugação com o artigo 8.o, n.os 1 e 2, que a detenção de um requerente com base neste motivo só pode existir se este não tiver fornecido a sua identidade ou nacionalidade, ou se as autoridades competentes não aceitarem as suas declarações. Nem todos os requerentes podem ser detidos para verificação da sua identidade ou nacionalidade. Além disso, o artigo 8.o, n.o 3, alínea a), deve ser aplicado em função dos objetivos da diretiva. Estes objetivos incluem os princípios da proporcionalidade e da necessidade e o objetivo de que o tempo necessário para verificar os motivos da detenção seja o mais curto possível (64).

73.      O artigo 8.o, n.o 3, alínea b), circunscreve‑se expressamente aos casos em que as informações de apoio ao pedido «não poderiam obter‑se sem essa detenção». Assim, a redação utilizada indica que o legislador quis sublinhar que os Estados‑Membros não podem invocar arbitrariamente esse motivo. Esta limitação é sublinhada pelas palavras «designadamente se houver risco de fuga do requerente». Do mesmo modo, os objetivos estabelecidos nos considerandos 15 e 16 confirmam que essa disposição deve ser aplicada apenas quando estritamente necessário.

74.      Acresce que as garantias legais estabelecidas no artigo 8.o, n.os 1 e 2, refletem a Recomendação REC(2003)5 do Comité de Ministros dos Estados‑Membros e as Orientações do ACNUR em matéria de detenção, no sentido de que esta deve ser reservada aos casos excecionais.

75.      Cumpre igualmente recordar que a Diretiva Acolhimento deve ser lida em conjunto com os requisitos processuais estabelecidos na Diretiva Procedimentos. O artigo 6.o da Diretiva Procedimentos proíbe a detenção de uma pessoa pelo simples facto de ser requerente. O contexto mais amplo do SECA deixa também claro que as disposições relativas à detenção previstas artigo 8.o, n.o 3, da Diretiva Acolhimento são aplicáveis em casos excecionais e não enquanto regra geral.

76.      Os trabalhos preparatórios da Diretiva Acolhimento confirmam que a questão da detenção foi considerada por referência ao esquema geral e aos objetivos do SECA e que a detenção só é permitida quando é coerente com os direitos fundamentais e quando é necessária e proporcional (65).

77.      Por último, considero que as disposições em causa estabelecem um equilíbrio justo entre o interesse individual e o interesse geral de garantir um bom funcionamento do SECA, que concede proteção internacional aos nacionais de países terceiros que preenchem os critérios, rejeitando os pedidos que não satisfaçam os critérios, e que permitem aos Estados‑Membros mobilizarem os seus recursos limitados para o cumprimento das suas obrigações internacionais, incluindo os requisitos da legislação da União que evoluíram à luz dos princípios estabelecidos na Convenção de Genebra e na CEDH (66).

 Validade à luz do artigo 52.o, n.o 3, da Carta

78.      Conforme já referido supra, o artigo 6.o da Carta corresponde ao artigo 5.o, n.o 1, da CEDH (67). Em conformidade com o artigo 52.o, n.o 3, da Carta, o significado e o alcance do direito à liberdade e segurança das pessoas garantido pelo artigo 6.o da Carta são, portanto, os mesmos que os previstos na CEDH (68). Por conseguinte, o Tribunal de Justiça deve ter em conta o artigo 5.o da CEDH, tal como interpretado pelo Tribunal de Estrasburgo, para apreciar a validade das disposições em causa à luz do artigo 6.o da Carta.

79.      O artigo 5.o da CEDH deu origem a abundante jurisprudência do Tribunal de Justiça. O direito à liberdade e à segurança garantido por essa disposição não é absoluto, encontrando‑se sujeito a uma lista exaustiva das circunstâncias admissíveis em que uma pessoa pode ser privada da sua liberdade (69). O artigo 5.o, n.o 1, alínea f), da CEDH foi descrito como o motivo que permite aos Estados deter «um estrangeiro» (ou um nacional de um país terceiro) no contexto do exercício de funções no domínio da imigração ou asilo. Esta disposição tem duas partes. A primeira parte estabelece que a detenção pode ser permitida para impedir uma entrada não autorizada num país. A segunda parte estabelece que um nacional de um país terceiro pode ser detido com vista à expulsão ou extradição.

80.      Tendo em conta os factos expostos no despacho de reenvio, parece‑me necessário analisar a validade das disposições em causa apenas no que se refere à primeira parte do artigo 5.o, n.o 1, alínea f), da CEDH.

81.      O Tribunal de Estrasburgo interpretou esta parte do artigo 5.o, n.o 1, alínea f), da CEDH pela primeira vez no acórdão Saadi (70).Com efeito, relembrou que «sob reserva das obrigações que lhes incumbem por força da Convenção os Estados gozam de um “direito soberano inegável de controlar a entrada e a permanência de estrangeiros no seu território” […]. É um complemento necessário a este direito que os Estados possam deter os candidatos a imigrantes que tenham pedido autorização de entrada, seja através de asilo ou não. É evidente que […] a detenção de potenciais imigrantes, incluindo os requerentes de asilo, pode ser compatível com o artigo 5.o, n.o 1, alínea f) [da CEDH]» (71).

82.      O Tribunal de Estrasburgo afirmou ainda que «[…] enquanto um Estado não tiver “autorizado” a entrada no país, qualquer entrada é considerada “não autorizada”, e a detenção de uma pessoa que pretende e necessita de entrar, mas que ainda não tem autorização para o fazer, pode destinar‑se, sem qualquer distorção de linguagem, a “impedir que [essa pessoa] efetue uma entrada não autorizada”. [A Grande Secção] rejeita a ideia de que, caso um requerente de asilo se apresenta ele próprio, às autoridades de imigração, isso significa que procura fazer uma entrada “autorizada”, com a consequência de que a detenção não pode ser justificada nos termos da primeira parte do artigo 5.o, n.o 1, alínea f). A interpretação da primeira parte do artigo 5.o, n.o 1, alínea f), no sentido de que apenas permite a detenção de uma pessoa que comprovadamente tenha tentado subtrair‑se às restrições de entrada equivaleria a interpretar de modo demasiado restrito os termos dessa disposição e do poder do Estado de exercer o seu inegável direito de controlo referido supra» (72). O Tribunal de Estrasburgo considerou que tal interpretação seria incompatível com a Conclusão n.o 44 do Comité Executivo do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, com as Orientações do ACNUR em matéria de detenção e com a Recomendação Rec (2003)5 do Comité de Ministros do Conselho da Europa (73). Estes textos reconhecem que os requerentes de asilo podem, em certas circunstâncias, ser detidos a fim de serem efetuados controlos de identidade ou para determinar os elementos em que se baseia o pedido de proteção internacional.

83.      Daqui decorre que a primeira parte do artigo 5.o, n.o 1, alínea f), pode aplicar‑se como exceção à regra geral que garante a liberdade nos casos de requerentes de asilo que não estão sujeitos a uma ordem de expulsão do território da União Europeia. Em princípio, não é incompatível com essa disposição nem, portanto, com o artigo 6.o da Carta, deter um requerente de asilo no momento em que tenta entrar no território da União para determinar ou verificar a sua identidade [artigo 8.o, n.o 3, alínea a), da Diretiva Acolhimento]. Tão‑pouco é incompatível com aquela disposição a detenção de um requerente para determinar os elementos em que se baseia o seu pedido e que não podem ser obtidos sem a sua detenção, nomeadamente quando existe risco de fuga [artigo 8.o, n.o 3, alínea b), da Diretiva Acolhimento].

84.      Em relação à possibilidade de fuga por parte de um requerente, parece‑me que não é imperativo demonstrar que a detenção é necessária para impedir a fuga do indivíduo (74). É necessário, sim, que sejam tomadas medidas para assegurar que as autoridades competentes possam desempenhar as suas funções nos termos do artigo 4.o da Diretiva Condições e do artigo 10.o da Diretiva Procedimentos, a fim de apreciar o pedido de proteção internacional, e que deve existir um risco possível de fuga do requerente.

85.      Contudo, o Tribunal de Estrasburgo decidiu, por diversas vezes, que qualquer privação de liberdade deve, além de estar abrangida por uma das exceções enumeradas no artigo 5.o, n.o 1, alíneas a) a f), ser «regular». Nesse sentido, a CEDH «remete, no essencial, para o direito nacional e estabelece a obrigação de conformidade com as regras substantivas e processuais do direito nacional» (75).

86.      A detenção ao abrigo do artigo 5.o, n.o 1, alínea f), não pode ser compatível com a CEDH se for arbitrária (76). Não existe uma definição global quanto ao que possa constituir uma conduta arbitrária por parte das autoridades nacionais. Conceitos‑chave aplicados numa análise casuística consistem em determinar se a detenção, apesar de conforme com a letra da lei nacional, encerra um elemento de má‑fé ou artifício por parte das autoridades (77). Quando um requerente de asilo é detido, a sua detenção «deve estar estreitamente ligada ao objetivo de impedir a sua entrada não autorizada no país». O Tribunal de Estrasburgo declarou igualmente que o lugar e as condições de detenção devem ser adequados, tendo em conta que «a medida é aplicável não aos que cometeram infrações penais, mas aos estrangeiros que, muitas vezes temendo pela sua vida, fugiram do seu próprio país». Assim, a duração da detenção não deve exceder o prazo razoavelmente necessário para o fim prosseguido (78).

87.      Resulta da minha análise do artigo 8.o, n.o 3, alíneas a) e b), da Diretiva Acolhimento por referência ao artigo 52.o, n.o 1, da Carta, que entendo que o recurso à detenção constitui uma restrição proporcional do direito à liberdade nos casos previstos, dentro das circunstâncias especificadas nessas disposições. Esta análise aplica‑se igualmente para efeitos do artigo 52.o, n.o 3 (79).

88.      Acrescentaria que as restrições estabelecidas no artigo 8.o, n.o 3, alíneas a) e b), da Diretiva Acolhimento devem também ser lidas à luz do seu artigo 9.o, que reflete as garantias dos requerentes previstas no artigo 5.o, n.o 5, da CEDH. Estas compreendem a informação imediata sobre os motivos da privação de liberdade, o controlo judicial imediato da detenção, o direito de intentar uma ação para contestar a legalidade da detenção e um direito à indemnização pela prisão ou detenção abusiva. O artigo 9.o da Diretiva Acolhimento, em especial, nos n.os 1 a 5, estabelece garantias equivalentes. Tal como afirmei minha tomada de posição no processo N., embora não tenha uma disposição equivalente ao artigo 5.o, n.o 5 da CEDH, aquela diretiva «deixa aos Estados‑Membros toda a margem necessária para darem cumprimento» ao reconhecimento do direito à indemnização (80).

89.      Assim, as restrições ao direito à liberdade estabelecidas no artigo 8.o, n.o 3, alíneas a) e b), da Diretiva Acolhimento, lidas em conjugação com as garantias dos requerentes detidos, asseguram que o direito à liberdade, descrito como sendo «da mais alta importância numa “sociedade democrática”» (81), aplica‑se em conformidade com o significado e o espírito do artigo 5.o da CEDH.

90.      Por último, gostaria de observar que o órgão jurisdicional de reenvio formula a sua questão com base no acórdão proferido pelo Tribunal de Estrasburgo no acórdão Nabil. Nesse processo, os requerentes de asilo eram objeto tanto a uma decisão de afastamento da Hungria como a uma proibição de entrada. As duas medidas tinham sido tomadas antes de apresentarem pedidos de asilo. Os processos dos recorrentes foram analisados para determinar se o recurso à detenção era conforme ao direito à liberdade, com base na segunda parte do artigo 5.o, n.o 1, alínea f), da CEDH — detenção de uma pessoa contra a qual está em curso um processo com vista à expulsão ou à extradição (82).

91.      Uma vez que o pedido de asilo de K. continua pendente de análise dado que não há informações na decisão de reenvio que indiquem que tenha sido tomada uma qualquer medida contra K. ao abrigo da Diretiva Regresso, nada indica que este esteja atualmente objeto de «expulsão ou de extradição». Neste sentido, encontra‑se numa posição muito diferente da dos recorrentes no acórdão Nabil. Desta forma, e tendo em conta os factos expostos pelo órgão jurisdicional de reenvio, as suas circunstâncias não podem estar abrangidas pela segunda parte do artigo 5.o, n.o 1, alínea f), da CEDH. Por conseguinte, a interpretação desta disposição feita pelo Tribunal de Estrasburgo no acórdão Nabil não tem qualquer influência sobre a apreciação da validade do artigo 8.o, n.o 3, alínea a), para o presente efeito.

92.      Acrescento, para quaisquer fins úteis, que, tendo em conta que o Tribunal de Justiça declarou no acórdão N. que não resulta necessariamente do acórdão Nabil que a existência de um processo de asilo pendente signifique que a detenção de uma pessoa que apresentou tal pedido já não se verifique «com vista a uma expulsão», a situação é, de qualquer modo, mais matizada do que o órgão jurisdicional de reenvio sugere (83).

 Conclusão

93.      À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que declare que:

A análise da questão prejudicial submetida pelo rechtbank Den Haag zittingsplaats Haarlem (Tribunal de primeira instância da Haia, juízo de Haarlem, Países Baixos) ao Tribunal de Justiça não revelou qualquer elemento suscetível de afetar a validade do artigo 8.o, n.o 3, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), da Diretiva 2013/33/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional, à luz dos artigos 6.o e 52.o, n.os 1 e 3, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.


1      Língua original: inglês.


2      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013 (JO 2013, L 180, p. 96) (a seguir «Diretiva Acolhimento»).


3      JO 2010, C 83, p. 389 (a seguir «Carta»).


4      Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra em 28 de julho de 1951, que entrou em vigor em 22 de abril de 1954 [Nações Unidas, Coletânea de Tratados, vol. 189, p. 150, n.o 2545 (1954)], complementada pelo Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados, celebrado em Nova Iorque em 31 de janeiro de 1967, que entrou em vigor em 4 de outubro de 1967 (a seguir, conjuntamente, «Convenção de Genebra»). O Protocolo não é relevante para a resposta ao presente pedido de decisão prejudicial.


5      Assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»).


6      V. artigo 5.o, n.os 2, 4 e 5, respetivamente. O artigo 5.o, n.o 3, diz respeito a pessoas presas ou detidas nas condições previstas no artigo 5.o, n.o 1, alínea c), quando houver suspeita razoável de terem cometido uma infração, ou for necessário impedi‑las de cometerem uma infração. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (a seguir «Tribunal de Estrasburgo») declarou que essa disposição só se aplica no âmbito do processo penal (v. acórdão de 31 de julho de 2000, Jėčius/Lituânia, CE:ECHR:2000:0731JUD003457897, n.o 50). Resulta do despacho de reenvio que a detenção de K. não estava relacionada com um processo penal (v. n.os 24 a 28, infra). Por conseguinte, nem o artigo 5.o, n.o 1, alínea c), nem o artigo 5.o n.o 3, da CEDH são pertinentes para o presente processo.


7      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008 (JO 2008, L 348, p. 98) (a seguir «Diretiva Regresso»).


8      Considerando 5.


9      As categorias de pessoas que beneficiam do direito à liberdade de circulação dentro do território da UE para efeitos do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva Regresso encontram‑se definidas no artigo 2.o, n.o 5, do Regulamento (UE) 2016/399 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, que estabelece o código da União relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen) (JO 2016, L 77, p. 1). Este ato revogou e substituiu as disposições do Regulamento (CE) n.o 562/2006, que constituía a versão anterior desse código. Essas categorias incluem os cidadãos da União, na aceção do artigo 20.o, n.o 1, TFUE, bem como os nacionais de países terceiros membros da família de um cidadão da União que exerça o seu direito à livre circulação. Incluem ainda nacionais de países terceiros e membros das suas famílias que, por força de acordos celebrados entre a União Europeia e os seus Estados‑Membros e o país terceiro em causa, beneficiem de direitos de livre circulação equivalentes aos de cidadãos da União (esses países são a Islândia, o Listenstaine, a Noruega e a Suíça).


10      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9) (a seguir «Diretiva Condições»).


11      Artigo 1.o


12      V. artigo 4.o, n.o 3, alíneas a), b) e c), respetivamente.


13      Não enunciei os motivos individuais, uma vez que apenas o conceito de exclusão do estatuto de refugiado é relevante para o caso em apreço.


14      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013 (JO 2013, L 180, p. 60) (a seguir «Diretiva Procedimentos»).


15      V., em especial, artigo 10.o, n.o 2 e n.o 3, alínea a).


16      Considerando 2.


17      Considerando 3.


18      Considerando 10.


19      Considerando 15.


20      Considerando 16.


21      Considerando 20.


22      Considerando 35.


23      A mesma definição é também utilizada no artigo 2.o, alínea i), da Diretiva Condições e no artigo 2.o, alínea c), da Diretiva Procedimentos.


24      Creio inferir do despacho de reenvio que, nos termos do artigo 8.o, alínea f), do Vb, um nacional de país terceiro que submeteu um pedido de asilo é considerado residente legal nos Países Baixos enquanto aguarda a decisão sobre a concessão de um título de residência e que, com base no seu pedido (ou numa decisão judicial), a sua expulsão será adiada até que seja tomada uma decisão sobre esse pedido.


25      Da minha própria pesquisa baseada no processo nacional resulta que a declaração de inadmissibilidade se deveu ao facto de K. ter pedido o estatuto de refugiado. Por conseguinte, as autoridades neerlandesas consideraram‑no sujeito a medidas de proteção ao abrigo da Convenção de Genebra, designadamente nos termos do seu artigo 31.o


26      Artigo 59.o‑B, n.o 1, alínea a), do Vb.


27      Artigo 59.o‑B, n.o 1, alínea b), do Vb.


28 —      Acórdão de 15 de fevereiro de 2016, N., C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84.


29      Acórdão de 22 de setembro de 2015, CE:ECHR:2015:0922JUD006211612 (a seguir «acórdão Nabil»).


30      Acórdão de 22 de outubro de 1987, 314/85, EU:C:1987:452, n.os 15 e 16.


31      Acórdão de 15 de fevereiro de 2016, N., C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84.


32      Acórdão de 10 de janeiro de 2006, IATA e ELFAA, C‑344/04, EU:C:2006:10, n.os 30 e 31.


33      Acórdão de 12 de julho de 2012, Association Kokopelli, C‑59/11, EU:C:2012:447, n.os 28 e 29 e jurisprudência aí referida.


34      Artigo 6.o, n.o 1, TUE e artigo 52.o, n.o 7, da Carta. V., também, Anotações Relativas à Carta dos Direitos Fundamentais (JO 2007, C 303, p. 17) (a seguir «Anotações»).


35      Anotação ao artigo 6.o, «Direito à liberdade e segurança», p. 19 das Anotações.


36      Orientações para a Detenção — Orientações sobre os critérios e padrões aplicáveis, relativos à detenção de requerentes de asilo e alternativas à detenção, publicadas pelo Alto‑Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (2012) (a seguir «Orientações do ACNUR em matéria de detenção»).


37      V., também, Relatório da Assembleia Geral das Nações Unidas do Grupo de Trabalho sobre a Detenção Arbitrária, publicado em 4 de maio de 2015 «Orientação 21. Medidas específicas para estrangeiros incluindo migrantes, independentemente do seu estatuto migratório, requerentes de asilo, refugiados e apátridas».


38      Orientações sobre os critérios aplicáveis e os padrões relativos à detenção de requerentes de asilo, de 26 de fevereiro de 1999.


39      À luz do pedido de asilo apresentado por N., a sua expulsão dos Países Baixos permaneceu em suspenso nos termos do direito nacional e em conformidade com o artigo 9.o da Diretiva Procedimentos.


40      Acórdão do Tribunal de Estrasburgo de 23 de fevereiro de 2012, Creangă/Roménia, CE:ECHR:2012:0223JUD002922603, n.o 92.


41      Acórdão de 15 de fevereiro de 2016, N., C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.o 46.


42      V. artigo 2.o, alínea h), da Diretiva Acolhimento.


43      Acórdão de 15 de fevereiro de 2016, N., C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.o 45 e jurisprudência aí referida.


44      Acórdão de 15 de fevereiro de 2016, N., C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.o 47.


45      Acórdão de 15 de fevereiro de 2016, N., C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.o 48 e jurisprudência aí referida.


46      V., por analogia [no que se refere ao artigo 8.o, n.o 3, alínea e)], acórdão de 15 de fevereiro de 2016, N., C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.o 49.


47      V., por analogia [no que se refere ao artigo 8.o, n.o 3, alínea e)], acórdão de 15 de fevereiro de 2016, N., C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.os 50 e 51.


48      V., também, artigo 9.o da Diretiva Procedimentos.


49      V. minha tomada de posição no processo N., C‑601/15 PPU, EU:C:2016:85, n.o 113; v., também, considerando 20 da Diretiva Acolhimento.


50      V. considerando 15 da Diretiva Acolhimento.


51      Acórdão de 15 de fevereiro de 2016, N., C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.o 59.


52      V. artigos 8.o, n.o 3, in fine, e 9.o da Diretiva Acolhimento.


53      V., por analogia, acórdão de 15 de fevereiro de 2016, N., C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.o 52.


54      Acórdão de 15 de fevereiro de 2016, N., C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.o 54 e jurisprudência aí referida.


55      V. artigo 1.o da Diretiva Condições e considerando 3 da Diretiva Acolhimento.


56      Artigo 4.o da Diretiva Condições.


57 —      V. considerando 22 da Diretiva Condições.


58      O «sistema de Dublim» refere‑se, nomeadamente, às normas do Regulamento (UE) n.o 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida (JO 2013, L 180, p. 31). O artigo 28.o deste regulamento prevê expressamente a retenção de requerentes para efeitos de transferência. No entanto, esta disposição não é relevante para o caso presente.


59      Artigo 4.o da Diretiva Condições.


60      Artigo 10.o, n.o 2 e n.o 3, alínea a), da Diretiva Procedimentos.


61      V., por exemplo, acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de dezembro de 2014, A e o., C‑148/13 a C‑150/13, EU:C:2014:2406, n.os 55 e segs.


62      Acórdão de 15 de fevereiro de 2016, N., C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.o 56 e jurisprudência aí referida.


63      V., por analogia, [relativamente ao artigo 8.o, n.o 3, alínea e)] acórdão de 15 de fevereiro de 2016, N., C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.o 57,


64      V., respetivamente, considerandos 15 e 16 da Diretiva Acolhimento.


65      V. Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece normas mínimas em matéria de acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados‑Membros, COM(2008) 815 final, pp. 6 e 8; v., também, considerando 35 da Diretiva Acolhimento.


66      V., por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de fevereiro de 2016, N., C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.o 68.


67      V. n.o 5, supra.


68      V. n.os 49 e 50, supra.


69      V. acórdão Nabil, n.o 26.


70      Acórdão do Tribunal de Estrasburgo de 29 de janeiro de 2008, Saadi/Reino Unido, CE:ECHR:2008:0129JUD001322903 (a seguir «acórdão Saadi»).


71      Acórdão Saadi, n.o 64.


72      Acórdão Saadi, n.o 65.


73      Acórdão Saadi, n.os 34, 35 e 37.


74      V., por analogia, acórdão do Tribunal de Estrasburgo de 15 de novembro de 1996, Chahal/Reino Unido, CE:ECHR:1996:1115JUD002241493, n.o 112.


75      Acórdão Saadi, n.o 67.


76      Acórdão Saadi, n.o 67.


77      Acórdão Saadi, n.os 69 a 73.


78      Acórdão Saadi, n.o 74.


79      V. n.os 57 a 77, supra.


80      V. minha tomada de posição no processo N., C‑601/15 PPU, EU:C:2016:85, n.o 136.


81      V. acórdão do Tribunal de Estrasburgo de 29 de março de 2010, Medvedyev e o./França, CE:ECHR:2010:0329JUD000339403, n.o 76.


82      Acórdão Nabil, n.os 28 e 38 e segs.


83      A única exigência é que sejam tomadas medidas com vista à expulsão ou extradição (v. acórdão de 15 de fevereiro de 2016, N., C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.os 79 e 80). Esta posição é confirmada pela jurisprudência do Tribunal de Estrasburgo (v., por exemplo, acórdão do Tribunal de Estrasburgo de 23 de outubro de 2008, Soldatenko/Ucrânia, CE:ECHR:2008:1023JUD000244007, n.o 109). O Tribunal de Estrasburgo também decidiu que a detenção pode ser justificada ao abrigo da segunda parte do artigo 5.o, n.o 1, alínea f), da CEDH, mesmo que não tenha sido emitido um pedido formal ou uma decisão de extradição (v. Decisão da Comissão de 9 de dezembro de 1980, X./Suíça,CE:ECHR:1980:1209DEC000901280).