Language of document : ECLI:EU:C:2021:64

Processo C16/19

VL

contra

Szpitalowi Klinicznemu im. dra J. Babińskiego Samodzielny Publiczny Zakład Opieki Zdrowotnej w Krakowie

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Okręgowy w Szczecinie)

 Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 26 de janeiro de 2021

«Reenvio prejudicial — Política social — Igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional — Diretiva 2000/78/CE — Artigo 2.°, n.° 1 e n.° 2, alíneas a) e b) — “Conceito de discriminação” — Discriminação direta — Discriminação indireta — Discriminação em razão de deficiência — Diferença de tratamento num grupo de trabalhadores com deficiência — Atribuição de um suplemento salarial aos trabalhadores com deficiência que tenham apresentado, posteriormente a uma data escolhida pelo empregador, uma declaração de deficiência — Exclusão dos trabalhadores com deficiência que tenham apresentado a sua declaração antes dessa data»

1.        Política social — Igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional — Diretiva 2000/78 — Conceito de discriminação — Diferença de tratamento num grupo de pessoas com deficiência — Inclusão

(Diretiva 2000/78 do Conselho, artigos 1.°, 2.° e 3.°, n.° 4)

(cf. n.os 29‑31, 34‑36)

2.        Política social — Igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional — Diretiva 2000/78 — Proibição de discriminação por deficiência — Prática de um empregador que consiste na atribuição de um suplemento salarial aos trabalhadores com deficiência que tenham apresentado a sua declaração de deficiência posteriormente a uma data escolhida por ele — Exclusão dos trabalhadores com deficiência que tenham apresentado essa declaração antes da referida data — Existência de uma possível discriminação direta — Critério de apreciação — Prática em questão baseada num critério indissociavelmente ligado à deficiência

(Diretiva 2000/78 do Conselho, artigos 1.° e 2.°)

(cf. n.os 41‑44, 48‑54, 60 e disp.)

3.        Política social — Igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional — Diretiva 2000/78 — Proibição de discriminação por deficiência — Prática de um empregador que consiste na atribuição de um suplemento salarial aos trabalhadores com deficiência que tenham apresentado a sua declaração de deficiência posteriormente a uma data escolhida por ele — Exclusão dos trabalhadores com deficiência que tenham apresentado essa declaração antes da referida data — Existência de uma possível discriminação indireta — Critérios de apreciação — Prática em questão que implica uma desvantagem específica para alguns trabalhadores com deficiência em função da natureza da sua deficiência — Prática não justificada por um objetivo legítimo e desproporcionado

(Diretiva 2000/78 do Conselho, artigo 2.°)

(cf. n.os 56‑60 e disp.)

Resumo

A prática de um empregador que consiste em pagar um suplemento salarial unicamente aos trabalhadores com deficiência que tenham apresentado uma declaração de deficiência após uma data que ele próprio escolheu pode constituir uma discriminação direta ou indireta em razão da deficiência

VL foi contratada por um hospital em Cracóvia (Polónia) de outubro de 2011 a setembro de 2016. Em 8 dezembro de 2011, obteve uma declaração de deficiência, que transmitiu ao seu empregador no mesmo mês. A fim de diminuir o montante das contribuições do hospital para o Fundo Nacional de Readaptação das Pessoas com Deficiência, o diretor dessa instituição, na sequência de uma reunião com o pessoal que teve lugar no segundo semestre de 2013, decidiu atribuir um suplemento salarial mensal aos trabalhadores que lhe entregassem, após essa reunião, uma declaração de deficiência. Com base naquela decisão, o suplemento salarial foi concedido a treze trabalhadores que apresentaram as suas declarações após essa reunião, ao passo que outros dezasseis trabalhadores, entre os quais VL, que a tinham apresentado anteriormente, não beneficiaram do mesmo.

Tendo sido negado provimento em primeira instância ao recurso que interpôs contra o seu empregador, VL interpôs recurso dessa decisão para o órgão jurisdicional de reenvio, o Sąd Okręgowy w Krakowie (Tribunal Regional de Cracóvia, Polónia). Em seu entender, a prática do seu empregador, que teve por efeito excluir certos trabalhadores com deficiência do benefício de um suplemento salarial concedido aos trabalhadores com deficiência e que visava exclusivamente reduzir as contribuições do hospital, incentivando os trabalhadores com deficiência que ainda não tinham apresentado uma declaração de deficiência a fazê‑lo, é contrária à proibição de qualquer discriminação direta ou indireta em razão da deficiência, enunciada pela Diretiva 2000/78 (1).

Neste contexto, tendo dúvidas quanto à interpretação do artigo 2.° desta diretiva e, em especial, quanto à questão de saber se uma discriminação, na aceção desta disposição, é suscetível de ocorrer quando é efetuada uma distinção por um empregador dentro de um grupo de trabalhadores com uma mesma característica protegida, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu submeter uma questão ao Tribunal de Justiça. Pretende saber se a prática de um empregador que consiste em excluir, a partir de uma data por ele escolhida, do benefício de um suplemento salarial pago aos trabalhadores com deficiência em virtude da apresentação de uma declaração de deficiência, aqueles que já tenham apresentado a sua declaração antes da referida data pode constituir uma discriminação na aceção da referida disposição.

Apreciação do Tribunal de Justiça

O Tribunal de Justiça, reunido em Grande Secção, analisa, num primeiro momento, se uma diferença de tratamento que ocorra dentro de um grupo de pessoas com deficiência pode estar abrangida pelo «conceito de discriminação», previsto no artigo 2.° da Diretiva 2000/78. A este respeito, salienta que a redação deste artigo não permite concluir que, no que respeita a este motivo protegido, a proibição de discriminação estabelecida pela referida diretiva se limita unicamente às diferenças de tratamento existentes entre pessoas portadoras de deficiência e pessoas que o não são. O contexto em que este artigo se inscreve também não contém tal limitação. Quanto ao objetivo prosseguido por esta diretiva, milita a favor de uma interpretação segundo a qual a referida diretiva não limita o círculo das pessoas relativamente às quais se pode efetuar uma comparação para identificar uma discriminação baseada na deficiência, com as que não apresentam deficiência. O Tribunal de Justiça constata igualmente que, embora seja verdade que as hipóteses de discriminação em razão da deficiência na aceção da mesma diretiva são, regra geral, aquelas em que as pessoas com deficiência são objeto de um tratamento menos favorável do que as pessoas que não apresentam deficiência, a proteção conferida por esta diretiva seria prejudicada se uma situação em que tal discriminação tem lugar num grupo de pessoas todas com deficiência, não estiver abrangida, por definição, pela proibição da discriminação que estabelece. Assim, o princípio da igualdade de tratamento consagrado pela Diretiva 2000/78 destina‑se a proteger um trabalhador com uma deficiência de qualquer discriminação em razão da mesma, não só em relação aos trabalhadores não portadores de deficiência, mas também em relação aos outros trabalhadores com deficiência.

O Tribunal de Justiça aprecia, num segundo momento, se a prática controvertida pode constituir uma discriminação em razão da deficiência, proibida pela Diretiva 2000/78. Indica, em primeiro lugar, quanto a este aspeto, que, quando um empregador trata um trabalhador de maneira menos favorável do que outro dos seus trabalhadores numa situação comparável e se verifica, à luz de todas as circunstâncias pertinentes do caso em apreço, que esse tratamento desfavorável é efetuado com base na deficiência desse primeiro trabalhador, na medida em que se baseia num critério indissociavelmente ligado a essa deficiência, tal tratamento é contrário à proibição de discriminação direta enunciada no artigo 2.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2000/78. Dado que a prática controvertida está na origem de uma diferença de tratamento entre duas categorias de trabalhadores com deficiência que se encontram numa situação comparável, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se o requisito temporal imposto pelo empregador para o benefício do suplemento salarial em causa, concretamente a apresentação da declaração de deficiência posteriormente a uma data escolhida por este último, constitui um critério indissociavelmente associado à deficiência dos trabalhadores aos quais esse suplemento foi recusado. O Tribunal de Justiça salienta a este respeito que, no caso em apreço, não parece que o empregador tenha permitido aos trabalhadores com deficiência que já tinham apresentado a sua declaração antes dessa data, que a apresentassem novamente ou que apresentassem uma nova, pelo que esta prática poderia ter impossibilitado definitivamente o cumprimento deste requisito temporal por um grupo de trabalhadores claramente identificado, constituído por todos os trabalhadores com deficiência cuja situação de deficiência era necessariamente conhecida do empregador quando a referida prática foi instaurada. Com efeito, estes últimos tinham previamente formalizado essa situação pela apresentação de uma declaração de deficiência. Por conseguinte, tal prática pode constituir uma discriminação direta sempre que seja suscetível de impossibilitar definitivamente o cumprimento deste requisito temporal por um grupo de trabalhadores claramente identificado, constituído por todos os trabalhadores com deficiência cuja situação de deficiência era necessariamente conhecida do empregador quando a referida prática foi instaurada.

Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça sublinha que, se, pelo contrário, o órgão jurisdicional de reenvio vier a constatar que a diferença de tratamento em causa resulta de uma prática aparentemente neutra, caber‑lhe‑á, para determinar se essa prática constitui uma discriminação indireta na aceção do artigo 2.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2000/78, verificar se teve o efeito de colocar as pessoas com determinadas deficiências numa situação de desvantagem particular em relação a pessoas com outras deficiências e, em particular, de colocar em desvantagem certos trabalhadores com deficiência em razão da natureza específica da mesma, designadamente por ser visível, ou do facto de essa deficiência exigir adaptações razoáveis como um lugar ou horários de trabalho adaptados. Com efeito, segundo o Tribunal de Justiça, pode considerar‑se que são principalmente os trabalhadores com tal deficiência que se viram obrigados, antes da data escolhida pelo hospital em causa no processo principal, a formalizar o seu estado de saúde junto deste último, pela apresentação de uma declaração de deficiência, enquanto outros trabalhadores com deficiências de natureza diferente, por exemplo, por serem menos graves ou não exigirem imediatamente tais adaptações, mantiveram a possibilidade de efetuar ou não essa diligência. Por conseguinte, uma prática como a que está em causa, embora aparentemente neutra, pode constituir uma discriminação indiretamente baseada na deficiência sempre que implique uma desvantagem específica para trabalhadores com deficiência em função da natureza da sua deficiência, sem que seja objetivamente justificada por um objetivo legítimo e sem que os meios para alcançar esse objetivo sejam adequados e necessários, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.


1      Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional (JO 2000, L 303, p. 16).