Language of document : ECLI:EU:T:2004:108

Arrêt du Tribunal

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)
21 de Abril de 2004 (1)

«Cônjuge divorciado de um antigo membro de uma instituição comunitária, entretanto falecido – Pensão de alimentos – Acordo verbal entre os antigos cônjuges – Direito aplicável às condições formais do acordo e à admissibilidade dos meios de prova da sua existência (artigo 27.° do anexo VIII do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias)»

No processo T-172/01,

M, residente em Atenas (Grécia), representada por G. Vandersanden e H. Tagaras, advogados,

recorrente,

contra

Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, representado por M. Schauss, na qualidade de agente, assistido por T. Papazissi, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrido,

que tem por objecto um pedido de anulação da recusa de concessão à recorrente de uma pensão de sobrevivência a título do seu ex-cônjuge,



O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Primeira Secção),



composto por: A. W. H. Meij, presidente, N. J. Forwood e H. Legal, juízes,

secretário: I. Natsinas, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 14 de Maio de 2003,

profere o presente



Acórdão




Quadro jurídico do litígio

1
O artigo 15.°, n.° 7, do Regulamento n.° 422/67/CEE e n.° 5/67/Euratom do Conselho, de 25 de Julho de 1967, que fixa o regime pecuniário do presidente e dos membros da Comissão, do presidente, dos juízes, dos advogados‑gerais e do [secretário] do Tribunal de Justiça (JO 1967, 187, p. 1; EE 01 F1 p. 123), com a redacção que lhe foi dada, designadamente, pelo artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento (Euratom, CECA, CEE) n.° 1416/81 do Conselho, do 19 de Maio de 1981 (JO L 142, p. 1; EE 01 F3 p. 79 ) (a seguir «regime pecuniário»), determina os direitos pecuniários dos sucessores dos membros anteriormente referidos das instituições comunitárias por analogia com o disposto nos artigos 22.°, 27.° e 28.° do anexo VIII do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias (a seguir «Estatuto»).

2
Nos termos do artigo 27.° do anexo VIII do Estatuto:

«A mulher divorciada de um funcionário ou antigo funcionário tem direito à pensão de sobrevivência definida no presente capítulo, sob condição de justificar ter direito, a título pessoal por morte do seu ex‑marido, a uma pensão de alimentos a cargo deste e fixada quer por decisão judicial quer por acordo realizado entre ambos.

A pensão de sobrevivência não pode, contudo, exceder a pensão de alimentos que era paga à data da morte do seu ex‑marido, adaptada segundo as regras previstas no artigo 82.° do Estatuto.

[...]»


Antecedentes do litígio

3
A recorrente contraiu matrimónio, em 1981, com o Sr. M, que exerceu funções de juiz no Tribunal de Justiça de 1983 a 1997. O seu matrimónio foi dissolvido por divórcio decretado em 26 de Fevereiro de 1997, em primeira instância, e seguidamente por sentença transitada em julgado proferida em 14 de Julho de 1998. O certificado religioso de divórcio, cuja emissão constitui, na Grécia, uma formalidade necessária em caso de casamento religioso, foi emitido em 4 de Março de 1999.

4
Por telecópia de 15 de Março de 1999, o Sr. M enviou à Divisão do Pessoal do Tribunal de Justiça um certificado oficial de divórcio.

5
Nos termos de um memorando de 2 de Junho de 1999, enviado pelo chefe da Divisão do Pessoal do Tribunal de Justiça ao chefe da Divisão Financeira da instituição, intitulado «Pensão de antiguidade do Sr. Juiz [M]»:

«O Sr. Juiz [M] acaba de nos informar que está divorciado desde 26 de Fevereiro de 1997. O divórcio eclesiástico foi decretado em 4 de Março de 1999.

Além disso, confirmou‑nos, por intermédio da Sr.a [K.], que não era paga à sua ex‑cônjuge qualquer pensão de alimentos.»

6
Nos termos de um testamento hológrafo de 22 de Setembro de 1999, o Sr. M instituiu o seu irmão legatário universal dos seus bens. Um certificado emitido em 31 de Agosto de 2000 pelo secretário do Monomeles Protodikeio (tribunal de primeira instância de juiz singular) de Atenas (Grécia) atesta que o irmão do defunto é o único legatário testamentário de todos os bens da sucessão.

7
O Sr. M faleceu em 23 de Março de 2000.

8
Na sua qualidade de cônjuge divorciada de um antigo membro de uma instituição comunitária, a Sr.a M solicitou, por carta de 18 de Julho de 2000, à administração do Tribunal de Justiça a concessão de uma pensão de sobrevivência a título do falecido Sr. M Nesta carta, a recorrente invocou um acordo celebrado entre ela e o Sr. M «relativo a uma pensão de alimentos que o marido começou a pagar mesmo antes de ser decretado o divórcio».

9
Por ofício de 5 de Outubro de 2000, a administração do Tribunal de Justiça respondeu à recorrente que não podia conceder‑lhe o benefício da pensão de sobrevivência prevista no artigo 15.° do regime pecuniário, na medida em que não justificava ter um direito próprio, aquando do falecimento do seu ex‑marido, a uma pensão de alimentos a cargo deste último e fixada, ou por decisão judicial, ou por acordo celebrado entre ela e o falecido Sr. M.

10
A Sr.a M respondeu, por carta de 8 de Novembro de 2000, que o próprio Sr. M lhe tinha proposto uma pensão mensal de 200 000 francos belgas (BEF) (4 957,87 euros), que ela tinha aceite.

11
Segundo a recorrente, o acordo neste sentido foi celebrado verbalmente pelo Sr. M e pela Sr.a M na Primavera em 1999, por ocasião de um encontro organizado em Atenas entre os antigos cônjuges, ao qual terá assistido o Sr. O.

12
Em apoio das suas alegações, a Sr.a M juntou em anexo à sua carta de 8 de Novembro de 2000 duas declarações efectuadas sob juramento perante notário pelo Sr. O. e pelo Sr. P., respectivamente em 6 e 7 de Novembro de 2000.

13
Na sua declaração, o Sr. O. afirma ter assistido, algumas semanas antes de ser definitivamente decretado o divórcio, a um encontro entre os antigos cônjuges durante o qual a Sr.a M terá aceite que o Sr. M lhe pagasse uma pensão de alimentos de 200 000 BEF por mês.

14
Na sua declaração, o Sr. P. afirma ter pessoalmente assistido, pelo menos numa ocasião, a entrega por um terceiro à Sr.a M, da parte do Sr. M, de uma soma em dinheiro relativamente à qual ela lhe referiu que se tratava do pagamento de uma pensão de alimentos.

15
Por memorando de 5 de Março de 2001, o controlador financeiro do Tribunal de Justiça pediu ao director do Pessoal e das Finanças do Tribunal de Justiça esclarecimentos sobre os elementos susceptíveis de justificar o pagamento de uma pensão de sobrevivência à Sr.a M Fez referência ao memorando já referido do chefe da Divisão do Pessoal do Tribunal de Justiça de 2 de Junho de 1999. O controlador financeiro teve nomeadamente dúvidas sobre a eventual existência de documentos bancários que pudessem reconstituir os movimentos de fundos correspondentes ao pagamento da alegada pensão de alimentos.

16
Na sequência do indeferimento tácito do seu pedido de pensão de sobrevivência, a recorrente reclamou dessa decisão em 23 de Março de 2001.

17
A reclamação foi indeferida por decisão de 29 de Maio de 2001 do comité do Tribunal de Justiça encarregado das reclamações, com o fundamento de que a Sr.a M não tinha provado legalmente de que beneficiava por direito próprio de uma pensão de alimentos a cargo do seu ex‑marido, fixada por sentença ou por acordo. Por um lado, foi referido nessa decisão que os dois depoimentos prestados perante notário apresentados não eram corroborados por qualquer documento escrito referente à existência do alegado acordo, referente ao montante da pensão fixado por esse acordo ou à sua execução, nem por qualquer outro elemento. Por outro lado, era recordado que, pouco tempo após o divórcio eclesiástico decretado em 4 de Março de 1999, o Sr. M tinha comunicado à Divisão do Pessoal do Tribunal de Justiça que «não era paga à sua ex‑mulher qualquer pensão de alimentos» e que esta declaração não tinha sido posteriormente revogada. O comité encarregado das reclamações daí deduziu que a Sr.M não preenchia a condição a que o artigo 27.° do anexo VIII do Estatuto subordina o benefício da concessão de uma pensão de sobrevivência.

18
Contra essa decisão de indeferimento, a Sr.a M interpôs o presente recurso de anulação, que deu entrada na Secretaria em 26 de Julho de 2001.


Tramitação processual no Tribunal de Primeira Instância

19
Devido a impedimento do presidente da Primeira Secção, B. Vesterdorf, o juiz A. W. H. Meij foi designado para o substituir, por decisão do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Setembro de 2001.

20
O recorrido apresentou a contestação em 11 de Outubro de 2001.

21
Por carta de 18 de Dezembro de 2001, o irmão do Sr. M, por sua própria iniciativa, confiou ao recorrido um conjunto de documentos que entendia poderem contribuir para a descoberta da verdade.

22
O recorrido apresentou no Tribunal alguns documentos desta forma comunicados pelo irmão do Sr. M, em anexo à tréplica apresentada em 16 de Janeiro de 2002. Nesse articulado, o recorrido pediu também ao Tribunal que citasse o Sr. T. como testemunha.

23
Após ter sido encerrada a fase escrita, a recorrente apresentou, por carta de 15 de Fevereiro de 2002, duas novas declarações feitas perante notário, respectivamente, em 6 e 7 de Fevereiro de 2002, e respeitantes, designadamente, à tramitação do processo de divórcio entre os antigos cônjuges M, o alegado consentimento do Sr. M no pagamento de uma pensão de alimentos à sua ex‑mulher e sobre as condições em que terá ocorrido o pagamento dessa pensão.

24
Tendo o juiz Moura Ramos ficado impedido devido à cessação das suas funções como juiz no Tribunal de Primeira Instância, o presidente do Tribunal de Primeira Instância designou, em aplicação do artigo 32.°, n.° 3, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, o juiz N. J. Forwood para completar a formação de julgamento.

25
Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal de Primeira Instância (Primeira Secção) decidiu dar início à fase oral e, sem prejuízo das observações das partes, ouvir como testemunhas os Srs. O. e T.

26
Por carta de 11 de Março de 2003, o Tribunal convidou as partes a apresentarem as suas observações sobre esta diligência de instrução num prazo de quinze dias.

27
Por carta de 24 de Março de 2003, a recorrente salientou que a audição do Sr. O. era indispensável, confiando que o Tribunal de Primeira Instância decidiria como de direito no que toca à audição do Sr. T.

28
Por despacho de 3 de Abril de 2003, o Tribunal (Primeira Secção) decidiu ouvir como testemunhas os Srs. O. e T. sobre o eventual acordo celebrado entre os antigos cônjuges M e que fixava, segundo a recorrente, uma pensão de alimentos a cargo do Sr. M a favor da Sr.M, bem como sobre a manutenção em vigor dessa pensão até ao falecimento do Sr. M.

29
Na audiência à porta fechada realizada em 14 de Maio de 2003, prévia à audiência de alegações do mesmo dia, os Srs. O. e T. foram ouvidos na qualidade de testemunhas nas condições fixadas pelos artigos 65.° a 76.° do Regulamento de Processo.

30
Na audiência de alegações, também realizada à porta fechada, foram ouvidas as alegações e as respostas das partes às questões do Tribunal.

31
Após essa audiência, o Tribunal decidiu suspender o encerramento da fase oral a fim de determinar se estava na posse de todos os elementos úteis para decidir ou se, pelo contrário, eram necessárias outras diligências de instrução ou de organização do processo.

32
Finalmente, o Tribunal considerou‑se suficientemente esclarecido pelos documentos dos autos, pela argumentação das partes e pelos depoimentos recolhidos durante a audiência de 14 de Maio de 2003. Em especial, não entendeu útil para a descoberta da verdade a audição de outras testemunhas, dado que os pedidos apresentados nesse sentido pelas duas partes não faziam referência a elementos de facto que pudessem afectar a sua apreciação das circunstâncias pertinentes dos autos.

33
Por conseguinte, o presidente da Primeira Secção encerrou a fase oral e levou o processo a deliberação por decisão de 23 de Outubro de 2003.


Pedidos das partes

34
A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

anular a decisão impugnada;

reconhecer o seu direito à concessão de uma pensão de sobrevivência;

fixar o montante desta pensão em 200 000 BEF mensais (4 957,87 euros);

condenar o recorrido nas despesas.

35
O recorrido conclui pedindo que o Tribunal se digne:

julgar o recurso improcedente;

condenar a recorrente nas despesas.


Quanto à admissibilidade do oferecimento das provas à luz do artigo 48.°, n.° 1, do Regulamento de Processo

36
No decurso da audiência de alegações, a recorrente contestou a admissibilidade dos documentos apresentados pelo recorrido em anexo à tréplica.

37
Por seu turno, o recorrido concluiu pela inadmissibilidade do oferecimento das provas proposto pela recorrente em anexo à sua carta de 15 de Fevereiro de 2002 e constituído por duas novas deposições de testemunhas feitas sob juramento perante notário.

38
O Tribunal recorda que o artigo 48.°, n.° 1, do Regulamento de Processo dispõe:

«As partes podem ainda, em apoio da sua argumentação, oferecer provas na réplica e na tréplica. Devem, porém, justificar o atraso no oferecimento das provas.»

39
Cumprem o prescrito nesta disposição o oferecimento das provas feito pelo recorrido em anexo à tréplica e que se compõe do testamento hológrafo do Sr. M em 22 de Setembro de 1999, do certificado de sucessão emitido pelo tribunal de primeira instância de Atenas, bem como dos extractos bancários e ordens de transferência bancárias do Sr. M.

40
Com efeito, foi apenas por carta de 18 de Dezembro de 2001, após a apresentação da contestação apresentada em 11 de Outubro de 2001, que o irmão do Sr. M fez chegar estes documentos ao recorrido. Portanto, este não estava em posição de os apresentar quando entregou a contestação.

41
O recorrido pôde, portanto, validamente juntar em anexo à tréplica os documentos que apresentou como provenientes do irmão do Sr. M e cuja origem a recorrente não contestou.

42
Por conseguinte, há que aceitar esses documentos como elementos de convicção do Tribunal.

43
Em contrapartida, há que julgar intempestivos os dois oferecimentos de provas que a recorrente propôs juntar aos autos, após o encerramento da fase escrita, na sua carta de 15 de Fevereiro de 2002 e que consistem em duas declarações feitas perante notário em 6 e 7 de Fevereiro de 2002.

44
Com efeito, se a exigência de um processo equitativo pode conduzir o Tribunal, em certas circunstâncias, a admitir a apresentação de prova após a tréplica, esta exigência só é aplicável no caso de o autor do oferecimento não puder, antes do encerramento da fase escrita, dispor das provas em questão ou se as apresentações tardias da outra parte justificarem que os autos sejam completados de forma a assegurar o respeito do princípio do contraditório.

45
Ora, por um lado, nada indica que a recorrente não estava na posição de apresentar as duas declarações feitas perante notário e que constituem os seus últimos oferecimentos de prova logo com a apresentação da sua petição, tendo em conta a identidade das testemunhas propostas e os factos em relação aos quais foi proposto que o Tribunal as ouvisse.

46
Por outro lado, mesmo que tenha por objectivo contrabalançar o efeito da apresentação dos documentos juntos em anexo à tréplica do recorrido, os últimos oferecimentos de prova da recorrente não versam sobre novos factos que tivessem sido apresentados nos autos numa fase tardia, nem, em especial, sobre as disposições testamentárias do Sr. M, mas sobre o contexto geral das relações entre os dois antigos cônjuges e sobre o pagamento pelo Sr. M de uma pensão de alimentos. Ora, estas questões estavam colocadas desde a origem do litígio e a sua pertinência não surgiu com a apresentação dos oferecimentos de prova anexados à tréplica.


Quanto ao mérito

47
Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca três fundamentos assentes, respectivamente, na irregularidade da fase pré‑contenciosa, na falta de fundamentação da decisão de indeferimento impugnada e no erro de direito de que enferma essa decisão.

Quanto ao primeiro fundamento, assente na irregularidade da fase pré‑contenciosa

Argumentos das partes

48
A recorrente censura ao recorrido não lhe ter solicitado em qualquer momento da fase pré‑contenciosa a apresentação de documentos ou outros elementos específicos a fim de provar a veracidade da sua versão dos factos.

49
O recorrido responde que não lhe incumbia exigir um determinado documento, mas que lhe bastava convidar a recorrente, como sustenta ter feito na sua carta de 5 de Outubro de 2000, a apresentar documentos que justificassem o seu direito a uma pensão de alimentos no contexto normativo aplicável.

Apreciação do Tribunal

50
É à recorrente que incumbe a apresentação por sua própria iniciativa de todos os elementos de prova que entenda necessários e bastantes para «justificar», na acepção do artigo 27.°, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto, o direito à pensão de alimentos de que se diz titular nos termos do alegado acordo.

51
Por conseguinte, a carta de 5 de Outubro de 2000 do chefe da Divisão do Pessoal do Tribunal de Justiça que convidava a interessada a «apresentar‑lhe documentos que justificassem o seu direito a uma pensão de alimentos», apesar de não estabelecer a natureza específica dos documentos susceptíveis de serem apresentados, era, contudo, suficientemente precisa a este respeito para não comportar qualquer irregularidade de natureza a viciar o processo.

52
De resto, seria inapropriado que o recorrido convidasse a recorrente a apresentar determinados elementos de prova em apoio do seu pedido de pensão, dado que, como sustenta a própria recorrente na exposição do seu terceiro fundamento, são admissíveis a este respeito todos os meios de prova habitualmente admitidos tanto pelo direito nacional aplicável como pelo Regulamento de Processo do Tribunal.

53
Por conseguinte, o primeiro fundamento só pode ser julgado improcedente.

Quanto ao segundo fundamento, assente na falta de fundamentação da decisão de indeferimento impugnada

Argumentos das partes

54
A recorrente alega que o recorrido não podia, sem outra fundamentação, sob pena de impedir qualquer fiscalização jurisdicional da decisão impugnada, qualificar de insuficientes as declarações prestadas perante notário pelos Srs. O. e P., apresentadas em apoio do seu pedido de pensão de sobrevivência.

55
A decisão de indeferimento impugnada está a este respeito duplamente ferida de falta de fundamentação, tendo em conta a integridade moral, reconhecida e irrepreensível, dos Srs. O. e P. O recorrido não explicou de forma nenhuma por que razão a recorrente deveria ter apresentado documentos escritos em apoio das declarações destas pessoas.

56
Em qualquer caso, a recorrente salienta a contradição que existe entre o reconhecimento pelo recorrido da validade dos acordos orais em matéria de pensões de alimentos e a sua exigência de apresentação de documentos escritos que corroborem as declarações feitas perante notário e que demonstram a existência desse acordo.

57
O recorrido sustenta que a decisão impugnada estava fundamentada de forma bastante, dado que a recorrente entendeu o raciocínio em que assentou o indeferimento do seu pedido de pensão de sobrevivência e que esse raciocínio permite ao tribunal fiscalizar a legalidade dessa decisão.

58
No que toca à integridade moral dos autores das declarações prestadas perante notário, não pode ter por consequência ser‑lhes automaticamente conferida força probatória, sob pena de se admitir que a administração comunitária deve satisfazer‑se, sem qualquer outro exame, com essas declarações sempre que sejam apresentadas em apoio de um pedido de reembolso de despesas ou de prestações financeiras reclamadas nos termos do Estatuto.

59
Por último, não é contraditório reconhecer a possibilidade de se criar o direito a uma pensão de alimentos por acordo verbal, exigindo simultaneamente um documento escrito que corrobore os depoimentos feitos por terceiros. Embora o direito helénico, que o recorrido considera ser o direito que rege as condições de validade dos acordos em causa, não subordine, como admite, a respectiva validade à sua forma escrita, este mesmo direito só permite a prova da sua existência sem a apresentação de um documento escrito em casos bem definidos.

Apreciação do Tribunal

60
Ao referir que tinha considerado que as declarações prestadas sob juramento perante um notário de Atenas pelos Srs. O. e P. eram insuficientes, por não serem corroboradas por qualquer outro documento ou qualquer outro elemento, para justificar o direito a uma pensão de alimentos que permitisse a concessão de uma pensão de sobrevivência, o comité do Tribunal de Justiça encarregado das reclamações permitiu à recorrente e ao Tribunal de Primeira Instância conhecer as circunstâncias de facto e de direito que constituem o fundamento da decisão impugnada. Portanto, essa decisão satisfaz o dever de fundamentação.

61
Quanto ao mais, há que recordar que o dever de fundamentação constitui uma formalidade essencial que deve ser distinguida da questão da procedência da fundamentação, relevando essa procedência da legalidade quanto ao mérito da decisão contestada (acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Março de 2001, França/Comissão, C‑17/99, Colect., p. I‑2481, n.° 35).

62
Assim, na medida em que a recorrente censura ao recorrido ter negado, de forma muito sumária, valor probatório às declarações prestadas perante notário pelos Srs. O. e P., tendo em conta designadamente a sua reconhecida moralidade, essa crítica, que assenta no erro de apreciação do valor dos documentos apresentados, insere‑se, na realidade, na censura do mérito da decisão impugnada.

63
O mesmo se pode dizer da alegada contradição entre a admissão da validade de um acordo verbal e a exigência de documentos escritos que, a ser demonstrada, poderia constituir um erro de direito, mas não revelaria em caso nenhum insuficiência de fundamentação.

64
Portanto, há que apreciar estas críticas no âmbito do exame do terceiro fundamento, que consiste em saber se foi de forma juridicamente correcta que o comité do Tribunal de Justiça encarregado das reclamações entendeu que as declarações prestadas sob juramento perante notário pelos Srs. O. e P. não demonstravam, por si só, o direito da recorrente a uma pensão de alimentos fixada por acordo e suportada pelo seu ex‑marido.

65
Nestas condições, não colhe o segundo fundamento.

Quanto ao terceiro fundamento, assente no erro de direito decorrente da recusa de a instituição recorrida considerar provado o direito da recorrente a uma pensão de alimentos fixada por acordo, na acepção do artigo 27.° do anexo VIII do Estatuto

66
A fim de se pronunciar sobre o mérito da decisão impugnada, há que determinar se se pode entender estar demonstrado o direito da Sr.a M a uma pensão de alimentos fixada por acordo verbal entre os ex‑cônjuges M e da qual, por sua morte, o Sr. M fosse devedor à sua ex‑mulher. Com efeito, essa pensão de alimentos conferiria à Sr.a M, no limite do seu montante, o direito ao benefício de uma pensão de sobrevivência em aplicação do artigo 27.° do anexo VIII do Estatuto.

67
Há que previamente determinar se o alegado acordo podia ter sido legalmente celebrado verbalmente.

No que toca à validade da fixação de uma pensão de alimentos por acordo verbal nos termos do artigo 27.°, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto

68
Há, em primeiro lugar, que identificar o direito que rege as condições em que um acordo que fixa uma pensão de alimentos poderia ser, se for caso disso, validamente celebrado na forma verbal pelos Sr. e Sr.a M.

69
Ambas as partes estão de acordo em considerar que esta questão deve ser resolvida com fundamento nas disposições aplicáveis do direito civil helénico.

70
O Tribunal recorda a este respeito que os termos de uma disposição de direito comunitário que, como o artigo 27.°, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto, é aplicável no caso em apreço em razão da referência a essa disposição constante do artigo 15.°, n.° 7, do regime pecuniário, não contém nenhum reenvio expresso para o direito dos Estados‑Membros a fim de determinar o seu sentido e alcance, devem normalmente ser objecto de uma interpretação autónoma por referência ao contexto da disposição e ao objectivo prosseguido pela regulamentação em causa (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Dezembro de 1992, Díaz García/Parlamento, T‑43/90, Colect., p. II‑2619, n.° 36).

71
Contudo, mesmo na falta de remissão expressa, a aplicação do direito comunitário pode implicar a referência ao direito dos Estados‑Membros quando o juiz comunitário não encontra no direito comunitário ou nos seus princípios gerais elementos que lhe permitam esclarecer o conteúdo e o alcance de uma disposição comunitária através de interpretação autónoma (acórdão Díaz García/Parlamento, já referido, n.° 36).

72
No caso em apreço, o conceito de «pensão de alimentos […] fixada […] por acordo realizado entre os ex‑cônjuges», na acepção do artigo 27.°, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto, não pode ser objecto de interpretação comunitária autónoma. O conceito de obrigação de alimentos acordada entre antigos cônjuges em razão do seu divórcio insere‑se, pelo contrário, nas consequências patrimoniais decorrentes da sentença de divórcio proferida com base nas normas do direito civil aplicável.

73
Por conseguinte, as condições de validade de um acordo que estipula o pagamento de uma pensão de alimentos em benefício do cônjuge divorciado de um agente das Comunidades ou, como no caso em apreço, de um antigo membro de uma instituição comunitária devem, em princípio, ser determinadas nos termos da lei que rege os efeitos do divórcio, ou seja, no caso apreço, a lei helénica nos termos da qual o divórcio foi decretado (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Maio de 1972, Meinhardt/Comissão, 24/71, Colect., p. 89, n.° 6).

74
Está assente que as disposições pertinentes do Código Civil helénico permitem, em caso de divórcio, a constituição de um direito a uma pensão de alimentos em benefício de um dos cônjuges por simples acordo verbal entre os ex‑cônjuges.

75
Portanto, o Sr. M podia validamente estipular a favor da Sr.a M uma pensão de alimentos por acordo verbal.

76
Sendo esse acordo verbal válido, sob essa forma, nos termos do direito nacional aplicável, há ainda que examinar se a sua existência pode, no caso em apreço, ser considerada demonstrada, na falta de um documento escrito, com base na prova testemunhal.

Quanto à admissibilidade da prova testemunhal a fim de provar a existência do alegado acordo

    Argumentos das partes

77
A recorrente entende que a existência de um direito a uma pensão de alimentos estipulada a seu favor num acordo, na acepção do artigo 27.°, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto, pode ser demonstrada por qualquer meio de prova habitualmente admitido pelo direito helénico ou pelo Regulamento de Processo.

78
No caso em apreço, o artigo 393.°, n.° 1, do Código de Processo Civil helénico exige a prova literal, e exclui a prova testemunhal, de um acordo referente a uma obrigação pecuniária que exceda o montante máximo, aumentado pelas novas disposições legislativas de 1 467,35 para 5 869,41 euros.

79
Todavia, nos termos do artigo 394.° do mesmo código, a prova testemunhal será admitida mesmo relativamente a acordos relativos a quantias superiores a este máximo legal, quando:

exista um início de prova por escrito, decorrente de um documento com força probatória;

seja material ou moralmente impossível obter uma prova escrita;

esteja demonstrado que o documento escrito foi acidentalmente perdido;

a natureza das coisas ou as circunstâncias específicas que envolveram a celebração do contrato justifiquem que se recorra à prova testemunhal.

80
O caso em apreço insere‑se claramente tanto na segunda como na quarta destas excepções. Com efeito, está excluída qualquer «negociação» por parte da Sr.a M sobre o montante ou as modalidades da pensão de alimentos, tais como a frequência e o modo de pagamento ou a redacção de um documento escrito, excepto se se corresse o risco de se agravar o estado de saúde muito crítico em que se encontrava o Sr. M no momento do seu encontro com a Sr.a M.

81
No entender do recorrido, os meios de prova que podem ser admitidos para provar a existência do alegado acordo são os que decorrem, por um lado, das disposições adoptadas em matéria de pagamento das prestações financeiras previstas pelo Estatuto e que figuram no Regulamento Financeiro de 21 de Dezembro de 1977 aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias (JO L 356, p. 1), então em vigor, e, por outro, das normas do direito helénico referentes à prova dos acordos que estipulam o pagamento de uma pensão de alimentos em razão do divórcio.

82
Embora, alega o recorrido, o direito helénico admita a criação por acordo verbal de um direito a uma pensão de alimentos em caso de divórcio, exige, todavia, a prova literal, através de um documento escrito preestabelecido pelas partes, dos acordos referentes a uma obrigação pecuniária cujo montante seja, como no caso em apreço, superior ao máximo legal.

83
As declarações feitas perante notário pelos Srs. O. e P. não constituem a prova literal a que se refere o artigo 393.°, n.° 1, do Código de Processo Civil helénico. Esses dois documentos só poderiam, quando muito, completar um início de prova constante de documento escrito.

84
Em qualquer caso, a admissibilidade formal dos depoimentos enquanto meios de prova não impõe que o juiz aceite o mérito desses testemunhos. A respectiva fiabilidade é livre e soberanamente apreciada pelo juiz, que não está obrigado a justificar o facto de deles eventualmente se afastar.

    Apreciação do Tribunal

85
Os princípios que regem a admissibilidade dos meios de prova da existência de um acordo verbal que estipula, devido ao divórcio dos ex‑cônjuges M, uma pensão de alimentos a favor da Sr.a M a cargo do de cujus fazem parte, ao mesmo título que as condições de validade desse acordo, do direito helénico (v., neste sentido, acórdão Meinhardt/Comissão, já referido, n.° 12).

86
Não subordinando o direito helénico a validade de um acordo que fixa uma pensão de alimentos à existência de um documento escrito, o Tribunal não pode afastar um meio de prova admitido nos termos do direito nacional aplicável, para efeitos de provar a existência desse acordo, legalmente celebrado na forma verbal.

87
Embora a admissibilidade dos meios de prova da existência do alegado acordo seja, portanto, regulada pelo direito helénico, é contudo ao Tribunal, ao qual foi submetido o recurso interposto da recusa de concessão de uma pensão de sobrevivência que supostamente decorre da aplicação do artigo 27.°, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto, que incumbe verificar, com vista a assegurar a exacta aplicação desta disposição, se os elementos exigidos pelo direito interno estão reunidos (v., neste sentido, acórdão Meinhardt/Comissão, já referido, n.° 12).

88
Ora, essa obrigação pressupõe o respeito das disposições do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância e dos princípios gerais aplicáveis em matéria de administração da prova, em especial no que toca à admissibilidade dos meios de prova e, por conseguinte, da prova testemunhal, às modalidades da audição das testemunhas citadas e à interpretação a dar aos factos por estas relatados. Como qualquer órgão jurisdicional, o Tribunal deve, com efeito, exercer as suas competências em conformidade com as normas que lhas conferem.

89
Está assente que o alegado acordo tem por objectivo fixar uma pensão de alimentos que comporta obrigações pecuniárias de um montante que excede um máximo para além do qual o direito helénico exclui, em princípio, o recurso à prova testemunhal em matéria de contratos.

90
Contudo, a recorrente sustentou na audiência de alegações, sem ser utilmente contraditada sobre esse facto pelo recorrido, que o seu antigo marido nunca aceitou redigir por escrito um acordo que previsse o pagamento de uma pensão de alimentos a seu favor.

91
Há ainda que admitir que as relações entre os antigos cônjuges, nas circunstâncias como as do caso em apreço, podiam tornar extremamente difícil a um deles pedir ao outro uma prova escrita de um acordo celebrado entre os interessados.

92
Donde decorre que se pode considerar que a recorrente se viu confrontada com a impossibilidade material e moral, na acepção do artigo 394.°, segundo travessão, do Código de Processo Civil helénico, de obter um documento escrito que comprove a celebração do alegado acordo.

93
A fim de provar a existência do acordo, há, portanto, que considerar admissível a prova por testemunhas com base nas disposições concordantes do direito helénico e do Regulamento de Processo. Com efeito, a prova testemunhal é, no caso em apreço, simultaneamente admitida pelas disposições já referidas do Código de Processo Civil helénico e prevista pelo artigo 65.°, alínea c), do Regulamento de Processo.

94
Todavia, constituem unicamente depoimentos admissíveis como tais pelo Tribunal os que foram perante ele prestados na audiência organizada em 14 de Maio de 2003 em conformidade com as disposições dos artigos 65.° a 76.° do Regulamento de Processo. Não podem ser admitidos como constituindo depoimentos na acepção das mesmas normas os depoimentos prestados sob juramento perante notário pelos Srs. O. e P., pois no processo no Tribunal de Primeira Instância têm apenas o estatuto de oferecimento de prova.

No que respeita à existência de um acordo verbal que estipula o pagamento em benefício da Sr.a M de uma pensão de alimentos na acepção do artigo 27.°, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto

    Argumentos das partes

95
A recorrente sustenta que o Sr. M tinha honrado o acordo celebrado verbalmente pelos antigos cônjuges que fixou em seu benefício uma pensão de alimentos, apesar das dificuldades decorrentes dos seus problemas de saúde. Devido à sua reticência em relação às operações bancárias, o Sr. M teria, a fim de proceder à execução do acordo, mandado entregar directamente à Sr.a M dois pagamentos em dinheiro, por intermédio de uma terceira pessoa.

96
O primeiro pagamento teria sido efectuado em Junho de 1999, pouco antes da hospitalização do Sr. M com vista a uma intervenção cirúrgica, e o segundo pagamento em Setembro de 1999, após uma melhoria provisória do estado de saúde do Sr. M, na presença fortuita do Sr. P.

97
Cada um destes dois pagamentos, ocorridos, respectivamente, em Junho e em Setembro de 1999, teria representado o pagamento acumulado de quatro mensalidades da alegada pensão de alimentos e seria, portanto, correspondente ao contravalor em dracmas gregas de 800 000 BEF (19 831,48 euros).

98
Quando do pagamento ocorrido no mês de Junho de 1999, o Sr. M teria calculado as mensalidades a contar de 1 de Março de 1999, apesar de as formalidades do divórcio não estarem ainda terminadas nessa data. O pagamento efectuado em Setembro de 1999 teria incluído a mensalidade devida relativa ao mês de Outubro seguinte.

99
A falta de posteriores pagamentos teria decorrido da grave e súbita deterioração do estado de saúde do Sr. M De resto, este teria estado em tratamento no estrangeiro durante a maior parte deste período.

100
Contudo, o pagamento efectivo de uma pensão de alimentos na acepção do artigo 27.° do anexo VIII do Estatuto não constitui de forma alguma uma condição para a concessão do direito à pensão de sobrevivência. Só o reconhecimento do direito à pensão de alimentos, por decisão judicial ou por acordo privado, é suficiente a este respeito.

101
Em qualquer caso, os registos dos pagamentos efectuados nas contas bancárias da recorrente, associados às declarações feitas perante notário pelo Sr. O. e pelo Sr. P., permitem demonstrar para além de qualquer dúvida razoável a realidade dos pagamentos mensais, a sua continuidade, a sua regularidade, bem como o seu montante.

102
O recorrido contrapõe que os elementos de prova apresentados pela recorrente não demonstram de forma jurídica bastante estarem preenchidas as condições para a concessão de uma pensão de sobrevivência na acepção do artigo 27.° do anexo VIII do Estatuto.

103
Como decorre do termo «justificar» que figura no primeiro parágrafo desta disposição, o ex‑cônjuge requerente deve demonstrar a existência de um acordo que fixa uma obrigação de alimentos e a sua validade no momento do falecimento do devedor. Uma aplicação menos estrita destes requisitos seria contrária à referida disposição e ao princípio da boa gestão financeira consagrado pelo artigo 274.° CE e pelo artigo 2.° do Regulamento Financeiro.

104
Mesmo admitindo que o Sr. M tenha efectuado pagamentos a favor da recorrente, é ainda necessário determinar a sua causa jurídica. Ora, na falta de prova escrita, só se pode tirar uma conclusão sobre esta causa à luz das circunstâncias do caso em apreço. Os extractos de conta bancária da recorrente não demonstram de forma alguma a existência, o conteúdo ou a execução do alegado acordo.

105
No que toca aos problemas de saúde do Sr. M que, segundo a recorrente, seriam a causa da cessação do pagamento da pensão de alimentos, o recorrido observa que o estado de saúde do interessado não o impediu de dar pessoalmente ordens de pagamento ao seu banco durante as semanas que precederam o seu falecimento, apesar da reticência a respeito das transacções bancárias que lhe atribui a recorrente.

106
Nem os documentos que reconstituem os movimentos das contas bancárias do Sr. M nem mesmo o seu testamento contêm o mínimo vestígio ou a mínima menção do acordo alegadamente celebrado. Vista a importância, o montante e o carácter inabitual do acordo, é incompreensível que o Sr. M não tenha julgado útil informar o seu legatário e os terceiros das obrigações que teria contraído relativamente à Sr.M.

    Apreciação do Tribunal

107
É à recorrente que incumbe, por força dos princípios gerais do processo e nos termos do artigo 27.°, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto, apresentar elementos de prova que demonstrem, a contento do Tribunal, que tinha o direito, próprio no momento do falecimento do seu ex‑marido, a uma pensão de alimentos a cargo deste, fixada por acordo celebrado entre os ex‑cônjuges.

108
O depoimento do Sr. O., relativamente ao qual há que aceitar o carácter probatório no que toca aos factos que relata, permite ao Tribunal julgar demonstrado que houve na Primavera do ano de 1999, entre o Sr. M e a Sr.M, um encontro no decurso do qual os antigos cônjuges chegaram a um acordo para que a Sr.M recebesse do seu antigo marido a quantia de 200 000 BEF (4 957,87 euros).

109
A este respeito, o Sr. O. precisou que não se podia recordar de negociações, de discussões sobre o montante, mas que sabia que os antigos cônjuges M «tinham falado e que a Sr.a M tinha dito que estava de acordo quanto aos 200 000 [BEF]».

110
Ainda que a outra testemunha inquirida pelo Tribunal, o Sr. T., tenha considerado serem muito pouco verosímeis as circunstâncias relatadas pelo Sr. O., é forçoso, todavia, referir que, embora o Sr. T. estivesse em contacto telefónico regular com o Sr. M na Primavera do ano de 1999, não se encontrava em Atenas nessa época e, portanto, só poderia ter conhecimento dos factos e actos do Sr. M na medida em que este entendesse útil contar‑lhos. O silêncio mantido sobre este ponto por parte do Sr. M em relação ao Sr. T. não significa portanto e necessariamente que o encontro em causa não tenha ocorrido.

111
Todavia, não se pode deduzir logo à primeira do depoimento do Sr. O. que o acordo de vontades por ele constatado deva ser interpretado, para efeitos da aplicação do Estatuto, como um acordo através do qual o Sr. M se tenha obrigado, de forma juridicamente vinculativa, a pagar à Sr.a M uma pensão de alimentos no montante mensal de 200 000 BEF (4 957,87 euros), reconhecendo‑lhe o direito a essa pensão.

112
Com efeito, é apenas ao Tribunal que incumbe qualificar juridicamente, tendo em conta os tipos dos contratos no direito helénico e tendo em conta todos os factos dos autos, a troca de vontades que lhe foi relatada por uma das testemunhas e que, deixando de lado os alegados pagamentos em dinheiro, é a única concretização tangível de uma eventual intenção dos ex‑cônjuges de fixar por acordo entre ambos uma pensão de alimentos.

113
A este respeito, há que notar que nem todos os acordos de vontade são, no direito helénico, constitutivos de um acordo e que esta ordem jurídica reconhece, como de resto outras, sob terminologias variáveis, uma categoria de actos ditos de «cortesia», que engloba as promessas aceites, quando sejam formuladas num espírito de boa vontade, ou de conveniência, mas sem que o seu autor tenha pretendido assumir um compromisso jurídico ou assumir uma obrigação de execução.

114
Ora, o conjunto das circunstâncias do caso em apreço, como resultam designadamente dos depoimentos, a este respeito concordantes, do Sr. O. e do Sr. T, não permite considerar demonstrada de forma juridicamente bastante a hipótese de uma vontade do Sr. M assumir a obrigação jurídica de pagar uma pensão de alimentos à sua ex‑mulher.

115
Essa hipótese é, em primeiro lugar, contraditada pela circunstância de o Sr. M e de a Sr.a M se terem oposto num processo de divórcio que durou quase dez anos e no termo do qual o Sr. M obteve uma sentença de separação transitada em julgado que não o tornou devedor de quaisquer alimentos à sua ex‑mulher.

116
Está além disso assente que, durante os seis anos que antecederam o decretamento definitivo do divórcio, os ex‑cônjuges viveram separados e não foi efectuado qualquer pagamento em dinheiro pelo Sr. M à sua ex‑mulher durante esse período.

117
Portanto, não se pode ter por credível que, logo após ter sido decretado o divórcio, o Sr. M se tenha apressado em se constituir devedor de alimentos relativamente aos quais tinha até esse momento recusado, com sucesso, assumir a obrigação.

118
Mais verosímil é a explicação fornecida pelo depoimento do Sr. O., nos termos da qual a proposta feita pelo Sr. M à sua ex‑mulher de lhe dar dinheiro se inspirava no desejo de ficar bem com a sua consciência e de cumprir as suas convicções religiosas e morais. Ora, deve‑se observar que tal preocupação, surgida quando já estavam extintas as obrigações jurídicas decorrentes do matrimónio, faz parte das razões que inspiram actos de cortesia não criadores de efeitos vinculativos.

119
Além disso, como também assinala o Sr. O. no seu depoimento, o Sr. M tinha por hábito efectuar numerosos donativos a título de liberalidade, designadamente, a obras filantrópicas. O comportamento assim relatado evoca o carácter de uma pessoa com maior inclinação para se mostrar generosa por opção do que submeter‑se a vínculos impostos.

120
Em segundo lugar, também decorre claramente do depoimento do Sr. O., bem como das afirmações da recorrente, que o Sr. M dava uma importância extrema a que o acordo a que chegou com a sua ex‑mulher não tivesse qualquer publicidade e não produzisse quaisquer efeitos nas suas relações, designadamente financeiras, com terceiros.

121
O Sr. O. relata designadamente a vontade expressa pelo Sr. M de que a testemunha nada dissesse a quem quer que fosse sobre o encontro a que tinha assistido e o seu desejo de que as pessoas, em especial os membros da sua família, não soubessem que tinha dado dinheiro à sua ex‑mulher. Segundo a mesma testemunha, o Sr. M terá declarado que se sentiria ferido na sua honra se viesse a ser conhecido por terceiros o compromisso da sua parte de dar dinheiro à sua ex‑mulher.

122
Estas declarações do Sr. O. confirmam as próprias afirmações da Sr.a M na audiência e nos termos das quais o Sr. M nunca teria acordado reduzir a escrito a transacção acordada entre os dois ex‑cônjuges.

123
Esta preocupação constante manifestada pelo Sr. M de manter o carácter oculto a esta transacção é corroborada pela circunstância de o Sr. M nunca a ter levado ao conhecimento da administração comunitária devedora da sua pensão de antiguidade, como de resto ao do Sr. T., o seu mandatário para as suas operações bancárias no Luxemburgo, assim como pelo silêncio total que o Sr. M, como está assente, manteve no seu testamento a respeito dessa transacção.

124
Ora, é inconcebível que, se tivesse efectivamente pretendido contrair relativamente à sua ex‑mulher uma dívida de alimentos consecutiva ao divórcio, o Sr. M não tivesse mencionado no seu testamento a existência de um encargo que, em semelhante hipótese, poderia onerar a sua sucessão.

125
Com efeito, há que precisar a este respeito que, nos termos do Código Civil helénico, a obrigação do devedor da pensão de alimentos não se extingue com o falecimento do obrigado.

126
Este carácter simultaneamente não obrigatório e oculto que o Sr. M pretendeu conferir à transacção acordada entre os ex‑cônjuges M tem por consequência necessária torná‑la, pela sua própria natureza, tanto inoponível em relação a terceiros e, portanto, à administração do recorrido, como insusceptível de ser judicialmente invocada.

127
Nestas condições, essa transacção só pode ser considerada um acto de pura cortesia que o Sr. M cumpriu relativamente à Sr.M e através do qual não teve de forma alguma a intenção de se comprometer juridicamente a pagar uma pensão de alimentos de que ele se sentisse devedor à interessada, relativamente a terceiros ou aos órgãos jurisdicionais competentes.

128
Decorre das considerações precedentes que não pode ser considerado provado o direito da Sr.a M a uma pensão de alimentos devida pelo Sr. M no momento do seu falecimento nos termos de um acordo celebrado entre os antigos cônjuges.

129
A inexistência de um acordo de vontades que produza entre os ex‑cônjuges M efeitos jurídicos vinculativos é, se tal fosse ainda necessário, corroborada pela inexistência de demonstração credível do cumprimento pelo Sr. M de um acordo que fixa uma pensão de alimentos.

130
É certo que, em princípio, a demonstração da realidade dos pagamentos mensais de uma pensão de alimentos que tivesse sido fixada verbalmente e a prova do montante destes pagamentos, da sua regularidade, da sua continuidade e da sua causa jurídica seriam de natureza a permitir inferir o consentimento do de cujus a ficar vinculado, até ao momento do seu falecimento, por um acordo verbal que estipulasse semelhante pensão a favor da sua ex‑mulher (v., neste sentido, acórdão Meinhardt/Comissão, já referido, n.° 12).

131
Todavia, no caso em apreço, não há qualquer documento probatório, de origem bancária ou de qualquer outra natureza, que venha alicerçar a hipótese de pagamentos regulares e a própria recorrente, por último, refere unicamente dois pagamentos em dinheiro que teriam sido efectuados em Junho e em Setembro de 1999, por intermédio de uma terceira pessoa.

132
Além disso, deve ser referido que mesmo essa hipótese de uma entrega em dinheiro que se teria verificado por duas vezes só constitui uma alegação. A única pessoa, o Sr. P., que declarou perante notário ter assistido a uma dessas entregas de fundos (v. n.° 14 supra) não teve conhecimento do montante que foi entregue à recorrente e, quanto à sua origem e à sua natureza, só pôde repetir o que lhe foi dito, em privado pela destinatária da quantia entregue.

133
Portanto, foi sem cometer qualquer erro de direito que o recorrido se recusou a deferir o pedido de pensão de sobrevivência apresentado pela recorrente, pela razão de não estar preenchida a condição a que o artigo 27.°, primeiro parágrafo, do anexo VIII do Estatuto subordina a concessão dessa pensão à mulher divorciada de um antigo funcionário ou, no caso em apreço, de um antigo membro de uma instituição comunitária.

134
Donde decorre que o recurso deve ser julgado improcedente.

135
Portanto, não há que decidir dos demais pedidos da recorrente destinados a obter do Tribunal, por um lado, o reconhecimento do seu direito à obtenção de uma pensão de sobrevivência e, por outro, a fixação do montante mensal dessa pensão em 200 000 BEF (4 957,87 euros).


Quanto às despesas

136
Por força do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Todavia, nos termos do artigo 88.° do mesmo regulamento, nos litígios entre as Comunidades e os seus agentes, as despesas efectuadas pelas instituições ficam a cargo destas.

137
Em aplicação, por analogia, destas disposições ao presente litígio (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 1989, Kontogeorgis/Comissão, C‑163/88, Colect., p. 4189, n.° 17), há que decidir que cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)

decide:

1)
É negado provimento ao recurso.

2)
Cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.

Meij

Forwood

Legal

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 21 de Abril de 2004.

O secretário

O presidente

H. Jung

A. W. H. Meij


1
Língua do processo: francês.