Language of document : ECLI:EU:T:2021:284

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL

19 de maio de 2021 (*)

«Auxílios de Estado — Mercado português dos transportes aéreos — Auxílio concedido por Portugal à TAP devido à pandemia de COVID‑19 — Empréstimo de Estado — Decisão de não levantar objeções — Ponto 22 das Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade — Sociedade que faz parte de um grupo — Dificuldades específicas e que não resultam de uma afetação arbitrária dos custos dentro do grupo — Dificuldades demasiado graves para serem resolvidas pelo próprio grupo — Dever de fundamentação — Manutenção dos efeitos da decisão»

No processo T‑465/20,

Ryanair DAC, com sede em Swords (Irlanda), representada por E. Vahida, F.‑C. Laprévote, S. Rating, I.‑G. Metaxas‑Maranghidis e V. Blanc, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por L. Flynn, V. Bottka e S. Noë, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por

República Francesa, representada por P. Dodeller e E. de Moustier, na qualidade de agentes,

por

República da Polónia, representada por B. Majczyna, na qualidade de agente,

e por

República Portuguesa, representada por L. Inez Fernandes, P. Barros da Costa e S. Jaulino, na qualidade de agentes, assistidos por N. Mimoso Ruiz, advogado,

intervenientes,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE e destinado à anulação da Decisão C(2020) 3989 final da Comissão, de 10 de junho de 2020, relativa ao auxílio de Estado SA.57369 (2020/N) — COVID‑19 — Portugal — Auxílio a favor da TAP,

O TRIBUNAL GERAL (Décima Secção alargada),

composto por: M. van der Woude, presidente, A. Kornezov, E. Buttigieg, K. Kowalik‑Bańczyk e G. Hesse (relator), juízes,

secretário: P. Cullen, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 9 de dezembro de 2020,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 9 de junho de 2020, a República Portuguesa notificou à Comissão Europeia uma medida de auxílio sob a forma de um empréstimo de Estado, ou seja, uma combinação de um empréstimo desse tipo e de uma garantia de Estado, no montante máximo de 1,2 mil milhões de euros (a seguir «medida em causa»), destinado à Transportes Aéreos Portugueses, SGPS, SA (a seguir «beneficiário»), em conformidade com o artigo 108.o, n.o 3, TFUE.

2        A medida em causa destina‑se a manter o beneficiário, sociedade‑mãe e acionista a 100 % da Transportes Aéreos Portugueses, SA (a seguir «TAP Air Portugal»), em atividade durante seis meses, entre julho de 2020 e dezembro de 2020. À data da adoção da decisão impugnada, metade das ações do beneficiário eram detidas pela Participações Públicas, SGPS, SA (a seguir «Parpública»), que geria as participações do Estado português. A Atlantic Gateway, SGPS, Lda (a seguir «AGW»), detinha 45 % das ações do beneficiário, e 5 % das ações eram detidas por outros acionistas. A medida em causa diz respeito a um contrato de mútuo celebrado, nomeadamente, entre a República Portuguesa, na qualidade de mutuante, a TAP Air Portugal, na qualidade de mutuário, e o beneficiário, enquanto garante. A AGW e a Parpública podem igualmente participar no contrato de mútuo, na qualidade de acionistas do beneficiário.

3        Em 10 de junho de 2020, a Comissão adotou a Decisão C(2020) 3989 final, relativa ao auxílio estatal SA.57369 (2020/N) — COVID‑19 — Portugal — Auxílio à TAP (a seguir «decisão impugnada»), na qual, após ter concluído que a medida em causa constituía um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, avaliou a sua compatibilidade com o mercado interno, mais concretamente à luz do artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE e das suas Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas não financeiras em dificuldade (JO 2014, C 249, p. 1; a seguir «Orientações»). A Comissão declarou a medida em causa compatível com o mercado interno.

 Tramitação processual e pedidos das partes

4        Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 22 de julho de 2020, a recorrente, Ryanair DAC, interpôs o presente recurso.

5        Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral no mesmo dia, a recorrente requereu que o presente recurso fosse julgado seguindo uma tramitação acelerada, em conformidade com os artigos 151.o e 152.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral. Por decisão de 11 de agosto de 2020, o Tribunal Geral (Décima Secção) deferiu o pedido de tramitação acelerada.

6        A Comissão apresentou a contestação na Secretaria do Tribunal Geral, em 26 de agosto de 2020.

7        Nos termos do artigo 106.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, a recorrente apresentou, em 31 de agosto de 2020, um pedido fundamentado de audiência de alegações.

8        Sob proposta da Décima Secção, o Tribunal Geral decidiu, em aplicação do artigo 28.o do Regulamento de Processo, remeter o processo a uma formação de julgamento alargada.

9        Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal Geral, respetivamente, em 17 de setembro, 21 de outubro e 22 de outubro de 2020, a República Portuguesa, a República Francesa e a República da Polónia pediram autorização para intervir no presente processo em apoio dos pedidos da Comissão. Por decisões de 1 de outubro e 3 de novembro de 2020, o presidente da Décima Secção do Tribunal Geral admitiu estas intervenções.

10      Através das medidas de organização do processo de 13 de outubro e 4 de novembro de 2020, a República Portuguesa, a República Francesa e a República da Polónia foram autorizadas, nos termos do artigo 154.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, a apresentar um articulado de intervenção.

11      Em 28 de outubro de 2020, a República Portuguesa e, em 19 de novembro de 2020, a República Francesa e a República da Polónia, respetivamente, apresentaram na Secretaria do Tribunal Geral os seus articulados de intervenção.

12      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

13      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

14      A República Francesa conclui pedindo que o recurso seja declarado inadmissível na parte em que se destina a contestar o mérito da decisão impugnada e que lhe seja negado provimento quanto ao restante. A título subsidiário, pede que seja negado provimento ao recurso na íntegra.

15      A República da Polónia e a República Portuguesa, à semelhança da Comissão, pedem que seja negado provimento ao recurso.

 Questão de direito

 Quanto à admissibilidade

16      A recorrente alega, nos n.os 33 e 34 da petição resumida, que tem legitimidade ativa enquanto «interessada» e mantém um interesse em agir que decorre da proteção dos direitos processuais de que dispõe, nessa mesma qualidade, ao abrigo do artigo 108.o, n.o 2, TFUE.

17      Com efeito, a recorrente é «interessada», na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, e «parte interessada», na aceção do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o [TFUE] (JO 2015, L 248, p. 9), uma vez que, enquanto concorrente da TAP Air Portugal, os seus interesses são afetados pela concessão de um empréstimo de Estado à sociedade‑mãe da TAP Air Portugal. O auxílio concedido ao beneficiário permite à TAP Air Portugal continuar a operar no mercado, na qualidade de concorrente subvencionado da recorrente. Contrariamente à TAP Air Portugal, a recorrente, seu principal concorrente em Portugal, não beneficia de um empréstimo de Estado. Por conseguinte, é penalizada em termos de concessão de empréstimos e das condições que regem os empréstimos, sobretudo no que respeita à respetiva taxa de juro.

18      A esse título, tem o direito, ao abrigo do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, de interpor um recurso de anulação de uma decisão que declara o auxílio em causa compatível com o mercado interno, adotada sem ter sido dado início ao procedimento formal de exame, como é o caso da decisão impugnada.

19      A Comissão não contesta a admissibilidade do recurso.

20      Há que constatar que a admissibilidade do presente recurso não suscita dúvidas na medida em que, através dele, a recorrente pretende demonstrar que a Comissão deveria ter dado início ao procedimento formal de exame previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE.

21      Com efeito, no âmbito do procedimento de controlo previsto no artigo 108.o TFUE, devem distinguir‑se duas fases. Por um lado, a fase preliminar de exame instituída pelo artigo 108.o, n.o 3, TFUE, que permite à Comissão formar uma primeira opinião sobre a compatibilidade do auxílio em causa. Por outro lado, o procedimento formal de exame previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE, que permite à Comissão ter uma informação completa sobre os dados do processo. É apenas no âmbito deste procedimento que o Tratado FUE prevê a obrigação de a Comissão notificar os interessados para apresentarem as suas observações (Acórdãos de 19 de maio de 1993, Cook/Comissão, C‑198/91, EU:C:1993:197, n.o 22; de 15 de junho de 1993, Matra/Comissão, C‑225/91, EU:C:1993:239, n.o 16; e de 15 de outubro de 2018, Vereniging Gelijkberechtiging Grondbezitters e o./Comissão, T‑79/16, não publicado, EU:T:2018:680, n.o 46).

22      Quando não é dado início ao procedimento formal de exame, as partes interessadas, que poderiam ter apresentado observações durante essa segunda fase, ficam privadas dessa possibilidade. Para remediar tal situação, é‑lhes reconhecido o direito de impugnar, perante o juiz da União Europeia, a decisão tomada pela Comissão de não dar início ao procedimento formal de exame. Assim, é admissível um recurso de anulação de uma decisão baseada no artigo 108.o, n.o 3, TFUE, interposto por uma parte interessada na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, quando o recorrente pretenda salvaguardar os direitos processuais que lhe confere esta última disposição (v. Acórdão de 18 de novembro de 2010, NDSHT/Comissão, C‑322/09 P, EU:C:2010:701, n.o 56 e jurisprudência referida).

23      No presente caso, o procedimento formal de exame não foi iniciado pela Comissão, e a recorrente invoca, no âmbito do quarto fundamento, uma violação dos seus direitos processuais. À luz do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento 2015/1589, uma empresa concorrente do beneficiário de uma medida de auxílio figura incontestavelmente entre as «partes interessadas», na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE (Acórdãos de 18 de novembro de 2010, NDSHT/Comissão, C‑322/09 P, EU:C:2010:701, n.o 59, e de 3 de setembro de 2020, Vereniging tot Behoud van Natuurmonumenten in Nederland e o./Comissão, C‑817/18 P, EU:C:2020:637, n.o 50).

24      No caso em apreço, é incontestável que existe uma relação de concorrência entre a recorrente e a TAP Air Portugal. Assim, a recorrente alegou, sem ser contestada, que contribuía para o serviço aéreo de Portugal desde 2003 e que, em 2019, transportou 10,9 milhões de passageiros nas linhas portuguesas. Também não foi contestado entre as partes que a recorrente era a concorrente mais importante da TAP Air Portugal e que as duas companhias estiveram em concorrência direta em 32 linhas em 2019. A recorrente salientou igualmente que o seu programa de voos para o verão de 2020, estabelecido antes da crise sanitária, incluía 126 linhas a partir de 5 aeroportos portugueses. A recorrente é, portanto, uma parte interessada com interesse em garantir a salvaguarda dos direitos processuais que lhe são conferidos pelo artigo 108.o, n.o 2, TFUE.

25      Por conseguinte, há que declarar o recurso admissível na parte em que a recorrente invoca a violação dos seus direitos processuais.

26      A recorrente invoca cinco fundamentos de recurso, relativos, o primeiro, à aplicação incorreta dos pontos 8 e 22 das Orientações, o segundo, à violação do artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE, o terceiro, à violação dos princípios da não discriminação, da livre prestação de serviços e da liberdade de estabelecimento, o quarto, à aplicação incorreta do artigo 108.o, n.o 2, TFUE e, o quinto, à violação do dever de fundamentação, na aceção do artigo 296.o TFUE.

27      Neste contexto, impõe‑se constatar que o quarto fundamento, que visa expressamente obter o respeito dos direitos processuais da recorrente, é admissível, tendo em conta a sua qualidade de parte interessada. Com efeito, a recorrente pode invocar, com vista à preservação dos direitos processuais de que beneficia no âmbito do procedimento formal de exame, fundamentos que demonstrem que a apreciação das informações e dos elementos de que a Comissão dispunha ou podia dispor, aquando da fase preliminar de exame da medida notificada, deveria ter suscitado dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de dezembro de 2008, Régie Networks, C‑333/07, EU:C:2008:764, n.o 81; de 9 de julho de 2009, 3F/Comissão, C‑319/07 P, EU:C:2009:435, n.o 35; e de 6 de maio de 2019, Scor/Comissão, T‑135/17, não publicado, EU:T:2019:287, n.o 73).

28      A este respeito, deve recordar‑se que, para fazer prova da violação dos seus direitos processuais devido às dúvidas que a medida em causa deveria ter suscitado quanto à sua compatibilidade com o mercado interno, a recorrente tem o direito de invocar argumentos destinados a demonstrar que a constatação da compatibilidade dessa medida com o mercado interno a que a Comissão chegou estava errada, o que, a fortiori, é suscetível de demonstrar que a Comissão deveria ter tido dúvidas aquando da apreciação da compatibilidade dessa medida com o mercado interno. Por conseguinte, o Tribunal Geral está habilitado a examinar os argumentos de mérito apresentados pela recorrente, a fim de verificar se são suscetíveis de confirmar o fundamento por ela expressamente invocado em relação à existência de dúvidas que justificavam o início do procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 13 de junho de 2013, Ryanair/Comissão, C‑287/12 P, não publicado, EU:C:2013:395, n.os 57 a 60, e de 6 de maio de 2019, Scor/Comissão, T‑135/17, não publicado, EU:T:2019:287, n.o 77).

29      Quanto ao quinto fundamento, relativo à falta de fundamentação da decisão impugnada, importa salientar que a inobservância deste dever constitui uma violação de formalidades essenciais e um fundamento de ordem pública que deve ser conhecido ex officio pelo juiz da União e não diz respeito à legalidade em sede de mérito da decisão impugnada (v., neste sentido, Acórdão de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, EU:C:1998:154, n.os 67 a 72).

 Quanto ao mérito

30      Importa começar por examinar o quinto fundamento.

 Quanto ao quinto fundamento, relativo à falta de fundamentação da decisão impugnada

31      Com o seu quinto fundamento, a recorrente sustenta, em substância, que a decisão impugnada peca por falta de fundamentação em vários aspetos.

32      Na primeira parte do quinto fundamento, a recorrente sustenta que a Comissão não analisou se as dificuldades do beneficiário eram demasiado graves para serem resolvidas pelo próprio grupo, na aceção do ponto 22 das Orientações. Além disso, a Comissão não demonstrou que as dificuldades do beneficiário lhe eram específicas e não resultavam de uma afetação arbitrária dos custos no âmbito do grupo, na aceção desta disposição. A decisão impugnada faz apenas referência ao facto de que, por um lado, o beneficiário tinha fundos próprios negativos e, por outro, a notação de risco da TAP Air Portugal tinha baixado consideravelmente devido à crise sanitária. Todavia, a decisão impugnada não indica se uma afetação arbitrária dos custos no âmbito do grupo tinha contribuído para esse resultado. A este respeito, a recorrente salienta que os dois acionistas reunidos no consórcio AGW também operam no domínio dos transportes através das suas próprias empresas e que, por conseguinte, não se pode excluir que estas tenham sido favorecidas em detrimento da posição financeira da TAP Air Portugal.

33      No que se refere ao considerando 43 da decisão impugnada, a recorrente alega que a Comissão se limitou a afirmar, sem o demonstrar, a respeito da elegibilidade do beneficiário de um auxílio de emergência, que, «[e]mbora o beneficiário seja controlado por outros acionistas [considerando 3], as dificuldades com que se depara são‑lhe específicas, são demasiado graves para serem resolvidas pelos seus acionistas maioritários ou outros acionistas e não resultam de uma afetação arbitrária dos custos em benefício dos seus acionistas ou de outras filiais, como ilustram os considerandos 7 a 9».

34      Segundo a recorrente, a Comissão não fundamentou, nem sequer sucintamente, a alegada falta de capacidade dos acionistas para fazer face às dificuldades do beneficiário. Do mesmo modo, a Comissão não avaliou de todo a afetação dos custos no âmbito do grupo nem a questão de saber se as dificuldades eram específicas do beneficiário.

35      A Comissão, apoiada pela República Francesa, pela República da Polónia e pela República Portuguesa, contesta esta argumentação.

36      Cumpre começar por recordar que, segundo jurisprudência constante, a fundamentação exigida pelo artigo 296.o TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e revelar de forma clara e inequívoca o raciocínio da instituição, autora do ato, de modo a permitir aos interessados conhecerem as justificações da medida adotada e à jurisdição competente exercer a sua fiscalização. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas direta e individualmente afetadas pelo ato podem ter em obter explicações. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do referido artigo 296.o TFUE deve ser apreciada tendo em conta não só o seu teor mas também o seu contexto e o conjunto das regras jurídicas que regulam a matéria em causa (v. Acórdão de 8 de setembro de 2011, Comissão/Países Baixos, C‑279/08 P, EU:C:2011:551, n.o 125 e jurisprudência referida).

37      Neste contexto, a decisão de não dar início ao procedimento formal de exame previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE deve apenas conter as razões pelas quais a Comissão considera não estar perante dificuldades sérias de apreciação da compatibilidade do auxílio em causa com o mercado interno, e mesmo uma fundamentação sucinta dessa decisão deve ser considerada suficiente face à exigência de fundamentação prevista no artigo 296.o TFUE se revelar de forma clara e inequívoca as razões pelas quais a Comissão entendeu não estar em presença de tais dificuldades, sendo a questão do mérito dessa fundamentação alheia a essa exigência (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de dezembro de 2008, Régie Networks, C‑333/07, EU:C:2008:764, n.os 65, 70 e 71; de 27 de outubro de 2011, Áustria/Scheucher‑Fleisch e o., C‑47/10 P, EU:C:2011:698, n.o 111; e de 12 de maio de 2016, Hamr — Sport/Comissão (T‑693/14, não publicado, EU:T:2016:292, n.o 54).

38      No que respeita à acusação da recorrente segundo a qual a Comissão não expôs as razões pelas quais, por um lado, as dificuldades eram específicas do beneficiário e não resultavam de uma afetação arbitrária dos custos no âmbito do grupo e, por outro, as dificuldades do beneficiário eram demasiado graves para serem resolvidas pelo grupo de que fazia parte, na aceção do ponto 22 das Orientações, deve recordar‑se que, nos termos deste ponto, «[u]ma empresa que pertencer a, ou estiver em vias de ser adquirida por, um grupo de empresas não pode, em princípio, beneficiar de auxílios ao abrigo das presentes Orientações, salvo se puder demonstrar que as suas dificuldades lhe são específicas e não resultam de uma afetação arbitrária dos custos no âmbito do grupo e que essas dificuldades são demasiado graves para serem resolvidas pelo próprio grupo».

39      O objetivo dessa proibição é, portanto, impedir que um grupo de empresas faça o Estado suportar o custo de uma operação de emergência de uma das empresas que o compõem, quando essa empresa esteja em dificuldade e o próprio grupo esteja na origem dessas dificuldades ou tenha os meios para as enfrentar por si próprio (v., neste sentido, Acórdão de 13 de maio de 2015, Niki Luftfahrt/Comissão, T‑511/09, EU:T:2015:284, n.o 159).

40      Conclui‑se que o ponto 22 das Orientações enuncia três requisitos cumulativos que permitem considerar compatível com o mercado interno um auxílio concedido a uma sociedade que faz parte de um grupo. Assim, incumbe à Comissão examinar, em primeiro lugar, se o beneficiário do auxílio faz parte de um grupo e, sendo caso disso, a composição desse grupo, em segundo lugar, se as dificuldades com que o beneficiário se depara lhe são específicas e não resultam de uma afetação arbitrária dos custos no âmbito do grupo e, em terceiro lugar, se essas dificuldades são demasiado graves para serem resolvidas pelo próprio grupo.

41      Ora, no considerando 43 da decisão impugnada, a Comissão afirmou o seguinte:

«Embora o beneficiário seja controlado por outros acionistas [considerando 3], as dificuldades com que se depara são‑lhe específicas, são demasiado graves para serem resolvidas pelos seus acionistas maioritários ou outros acionistas e não resultam de uma afetação arbitrária dos custos em benefício dos seus acionistas ou de outras filiais, como ilustram os considerandos 7 a 9. No que respeita [ao beneficiário], as dificuldades em causa foram agravadas pelas medidas públicas sem precedentes tomadas por Portugal e por outros países relativamente ao transporte aéreo.»

42      Em primeiro lugar, quanto à questão de saber se o beneficiário faz parte de um grupo, impõe‑se referir que a Comissão não declarou nem especificou previamente se o beneficiário fazia parte desse grupo. Com efeito, nenhum dos fundamentos da decisão impugnada revela que a Comissão tenha efetuado essa análise. O considerando 43 da decisão impugnada pode, assim, ser interpretado quer no sentido de que não contém nenhuma posição da Comissão sobre este ponto quer no sentido de sugerir que a Comissão partiu provavelmente da premissa, sem, no entanto, a explicar, de que o beneficiário fazia parte de um grupo na aceção do ponto 22 das Orientações. Com efeito, se assim não fosse, a Comissão não teria tido a necessidade de abordar os dois outros requisitos previstos no ponto 22 das Orientações. Além disso, no âmbito da análise que fez dos mencionados requisitos previstos, a Comissão salientou que o beneficiário era «controlado por outros acionistas» e remeteu, a este respeito, para o considerando 3 da decisão impugnada, que enumera as sociedades acionistas do beneficiário, entre as quais a AGW.

43      De resto, embora a Comissão tenha empregado os mesmos termos que os utilizados no ponto 22 das Orientações para descrever as duas exceções à proibição de conceder uma medida de auxílio, ao abrigo das Orientações, a uma sociedade que faz parte de um grupo, o facto de se limitar a reproduzir a redação do referido ponto 22 não pode substituir a análise sobre a existência de um grupo.

44      A este respeito, resulta dos seus articulados e dos debates na audiência de alegações que as partes principais estão em desacordo quanto à questão de saber se o beneficiário e os seus acionistas, nomeadamente o consórcio AGW, faziam parte de um grupo na aceção do ponto 22 das Orientações. Quanto a este ponto, há que observar que, à data da adoção da decisão impugnada, a Parpública detinha 50 % das ações do beneficiário, a AGW 45 %, e os outros 5 % das ações pertenciam a terceiros.

45      A recorrente sustentou na petição e na audiência que, à data da decisão impugnada, o beneficiário formava um grupo com o consórcio AGW, incluindo com os dois acionistas deste último, a saber, as sociedades HPGB, SGPS, SA, e DGN Corporation. Ficou demonstrado que a AGW e estas duas últimas sociedades exerciam um controlo conjunto e real sobre o beneficiário.

46      Na contestação e na audiência, a Comissão negou a existência de um grupo, na aceção do ponto 22 das Orientações, de que a AGW e o beneficiário fizessem parte. Segundo ela, não resulta da decisão impugnada que se trate de um grupo de que o beneficiário e a AGW façam parte. A AGW é um consórcio que detém, na realidade, as ações de duas pessoas singulares e não constitui uma empresa em si mesma.

47      Todavia, esta conclusão não resulta da decisão impugnada. Assim, como foi salientado no n.o 42, supra, nem o considerando 43 nem nenhuma outra passagem da decisão impugnada contêm uma conclusão ou uma análise relativas à existência ou à inexistência de um grupo de empresas na aceção do ponto 22 das Orientações, e muito menos à composição desse grupo de empresas. Além disso, a Comissão limitou‑se a fornecer, no considerando 4 da decisão impugnada, informações sobre as sociedades controladas pelo beneficiário. No entanto, a decisão impugnada não contém informações sobre as relações entre o dito beneficiário e as sociedades acionistas referidas no seu n.o 3, nomeadamente a AGW.

48      Mais concretamente, importa salientar a este respeito que, relativamente ao conceito de «grupo de sociedades», o ponto 21, alínea b), das Orientações se refere ao anexo da Recomendação 2003/361/CE da Comissão, de 6 de maio de 2003, relativa à definição de micro, pequenas e médias empresas (JO 2003, L 124, p. 36). Com efeito, em conformidade com a nota de pé de página n.o 28 das Orientações, «[p]ara determinar se uma empresa é independente ou faz parte de um grupo, atende‑se aos critérios estabelecidos no anexo I da Recomendação 2003/361».

49      Ora, como se referiu no n.o 47, supra, a decisão impugnada não indica se a Comissão tinha examinado a questão de saber se, tendo em conta, nomeadamente, os critérios enunciados no referido anexo, o beneficiário e as sociedades suas acionistas podiam ser qualificados de grupo na aceção do ponto 22 das Orientações. O Tribunal Geral não está, portanto, em condições de fiscalizar se era esse o caso.

50      É jurisprudência constante que a fundamentação não pode ser explicitada, pela primeira vez e a posteriori, perante o juiz, salvo circunstâncias excecionais (v. Acórdão de 20 de setembro de 2011, Evropaïki Dynamiki/BEI, T‑461/08, EU:T:2011:494, n.o 109 e jurisprudência referida). Por conseguinte, as explicações apresentadas pela Comissão na contestação e na audiência, segundo as quais o beneficiário não fazia parte de um grupo, não podem completar, no decurso da instância, a fundamentação da decisão impugnada.

51      Em segundo lugar, e admitindo que o considerando 43 da decisão impugnada devia ser interpretado no sentido de que se baseia na premissa implícita de que o beneficiário e os seus acionistas faziam parte de um mesmo grupo (v. n.o 42, supra), contrariamente, portanto, às afirmações feitas pela Comissão na contestação e na audiência, impõe‑se constatar que a Comissão não explicou suficientemente por que razão considerava que o segundo e o terceiro requisito previstos no ponto 22 das Orientações e recordados no n.o 38, supra, estavam preenchidos. Com efeito, a este respeito, a Comissão limitou‑se a afirmar, no considerando 43 da decisão impugnada, respetivamente, que as dificuldades do beneficiário lhe eram específicas e «não result[avam] de uma afetação arbitrária dos custos em benefício dos seus acionistas ou de outras filiais» e que as referidas dificuldades eram «demasiado graves para serem resolvidas pelos seus acionistas maioritários ou outros acionistas», sem, todavia, fundamentar de algum modo estas afirmações.

52      Efetivamente, embora, no considerando 43 da decisão impugnada, a Comissão remeta para os considerandos 7 a 9 e 11 a 13 dessa decisão, importa salientar que, nos considerandos 7 a 9 de decisão impugnada, se limitou a clarificar a situação financeira do beneficiário e as dificuldades geradas pela pandemia de COVID‑19. Do mesmo modo, os considerandos 11 e 13 da decisão impugnada expõem o impacto das perturbações causadas pela referida pandemia nos resultados operacionais da TAP Air Portugal e na sua posição em termos de liquidez. Por conseguinte, estes considerandos não precisam, de modo algum, se as dificuldades do beneficiário lhe eram específicas e não resultavam de uma afetação arbitrária dos custos no âmbito do grupo alegadamente constituído pelo referido beneficiário e os seus acionistas. Também não expõem a situação financeira das sociedades acionistas do beneficiário nem a sua eventual capacidade para resolver, mais que não fosse em parte, as dificuldades deste último. O Tribunal Geral não está, portanto, em condições de fiscalizar a bondade das afirmações referidas.

53      Consequentemente, o Tribunal Geral vê‑se na impossibilidade de verificar se os requisitos estabelecidos no ponto 22 das Orientações estão preenchidos no caso em apreço e se se opõem à elegibilidade do beneficiário para a concessão de um auxílio de emergência. Assim, a decisão impugnada não contém as razões pelas quais a Comissão considerou não estar perante dificuldades sérias de apreciação da compatibilidade do auxílio em causa com o mercado interno, na aceção da jurisprudência referida no n.o 37, supra.

54      Por conseguinte, o quinto fundamento deve ser julgado procedente, sem que seja necessário examinar as restantes partes do referido fundamento.

55      A falta de fundamentação de que enferma a decisão impugnada conduz à sua anulação. Com efeito, o ponto 22 das Orientações prevê os requisitos para que um auxílio de emergência concedido a uma sociedade que faz parte de um grupo possa ser considerado compatível com o mercado interno. Ora, na falta de fundamentação suficiente a este respeito na decisão impugnada, o Tribunal Geral não está em condições de verificar se a Comissão considerou acertadamente não estar perante dificuldades sérias de apreciação da compatibilidade do auxílio em causa com o mercado interno. Por conseguinte, há que anular a decisão impugnada, sem que seja necessário apreciar os demais fundamentos invocados pela recorrente.

 Quanto à manutenção dos efeitos da decisão anulada

56      Cabe recordar a jurisprudência segundo a qual, sempre que considerações imperiosas de segurança jurídica o justifiquem, o juiz da União dispõe, nos termos do artigo 264.o, segundo parágrafo, TFUE, de um poder de apreciação para determinar, em cada caso concreto, quais os efeitos do ato em causa que devem ser considerados definitivos (v., por analogia, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Régie Networks, C‑333/07, EU:C:2008:764, n.o 121 e jurisprudência referida).

57      Decorre, portanto, dessa disposição que, se considerar necessário, o juiz da União pode, mesmo oficiosamente, limitar o efeito da anulação no seu acórdão (v., neste sentido, Acórdão de 1 de abril de 2008, Parlamento e Dinamarca/Comissão, C‑14/06 e C‑295/06, EU:C:2008:176, n.o 85).

58      De acordo com essa jurisprudência, o Tribunal de Justiça fez uso da possibilidade de limitar no tempo os efeitos da declaração de invalidade de uma regulamentação da União sempre que considerações imperiosas de segurança jurídica respeitantes ao conjunto dos interesses, públicos e privados, em jogo nos processos em causa impeçam que se ponha em causa o recebimento ou o pagamento de quantias de dinheiro efetuados com base nessa regulamentação no período anterior à data do acórdão (Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Régie Networks, C‑333/07, EU:C:2008:764, n.o 122).

59      No caso em apreço, o Tribunal Geral considera que existem considerações imperiosas de segurança jurídica que justificam a limitação no tempo dos efeitos da anulação da decisão impugnada. Com efeito, impõe‑se observar que a medida em causa foi concedida por um período inicial de seis meses já decorrido, após o qual a República Portuguesa devia transmitir à Comissão, em conformidade com o ponto 55, alínea d), das Orientações, quer a prova de que o empréstimo foi integralmente reembolsado, quer um plano de reestruturação, quer um plano de liquidação. Por outro lado, em conformidade com a referida disposição, no caso da apresentação de um plano de reestruturação, a autorização do auxílio de emergência seria prorrogada automaticamente até que a Comissão tomasse uma decisão definitiva sobre o plano de reestruturação, a menos que decidisse que essa prorrogação não se justificava ou que a sua duração ou o seu âmbito deviam ser limitados.

60      Nesse contexto em que a aplicação da medida de auxílio em causa faz parte de um processo ainda em curso e composto por diferentes fases sucessivas, pôr em causa, na fase atual, o recebimento dos montantes pecuniários previstos pela medida de auxílio em causa teria consequências particularmente prejudiciais para um conjunto de interesses, tanto públicos como privados. Mais concretamente, há que ter em conta os efeitos prejudiciais das perturbações causadas pela pandemia de COVID‑19 no serviço aéreo e na economia de Portugal e a importância da TAP Air Portugal para esse serviço e para a economia deste Estado‑Membro. Por último, há que salientar que a ilegalidade constatada corresponde a falta de fundamentação e não a um erro quanto ao mérito. Estas circunstâncias são suscetíveis de justificar a limitação no tempo dos efeitos da anulação da decisão impugnada.

61      Por força do artigo 266.o TFUE, a Comissão, de que emana o ato anulado, deve tomar as medidas necessárias à execução do presente acórdão.

62      Por conseguinte, há que suspender os efeitos da anulação da decisão impugnada até à adoção de uma nova decisão pela Comissão. Tendo em conta a celeridade com que a Comissão agiu desde a pré‑notificação e a notificação da medida em causa, os referidos efeitos manter‑se‑ão em suspenso durante um período que não pode exceder dois meses a contar da data da prolação do presente acórdão, caso a Comissão decida adotar essa nova decisão no âmbito do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, e durante um período suplementar razoável, caso a Comissão decida dar início ao procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Régie Networks, C‑333/07, EU:C:2008:764, n.o 126).

 Quanto às despesas

63      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená‑la a suportar as suas próprias despesas e as despesas da recorrente, em conformidade com os pedidos desta última.

64      Por outro lado, nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas. Por conseguinte, a República Francesa, a República da Polónia e a República Portuguesa suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Décima Secção alargada)

decide:

1)      A Decisão C(2020) 3989 final da Comissão, de 10 de junho de 2020, relativa ao auxílio de Estado SA.57369 (2020/N) — COVID19 — Portugal — Auxílio a favor da TAP, é anulada.

2)      Há que suspender os efeitos da anulação da referida decisão até à adoção de uma nova decisão pela Comissão Europeia, ao abrigo do artigo 108.o TFUE. Os referidos efeitos mantêm‑se em suspenso durante um período que não pode exceder dois meses a contar da data da prolação do presente acórdão, caso a Comissão decida adotar essa nova decisão no âmbito do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, e durante um período suplementar razoável, caso a Comissão decida dar início ao procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE.

3)      A Comissão é condenada a suportar as suas próprias despesas, bem como as despesas efetuadas pela Ryanair DAC.

4)      A República Francesa, a República da Polónia e a República Portuguesa suportarão as suas próprias despesas.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 19 de maio de 2021.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.