Language of document : ECLI:EU:T:2021:285

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Décima Secção alargada)

19 de maio de 2021 (*)

[Texto retificado por Despacho de 11 de agosto de 2021]

«Auxílios de Estado — Espanha — Medidas de recapitalização destinadas a apoiar as empresas sistémicas e estratégicas para a economia espanhola perante a pandemia de COVID‑19 — Decisão de não levantar objeções — Quadro temporário dos auxílios de Estado — Medida destinada a sanar uma perturbação grave da economia de um Estado‑Membro — Medida dirigida ao conjunto da economia de um Estado‑Membro — Princípio da não discriminação — Livre prestação de serviços e liberdade de estabelecimento — Proporcionalidade — Critério do estabelecimento em Espanha dos beneficiários do auxílio — Não ponderação entre os efeitos benéficos do auxílio e os seus efeitos negativos sobre as condições das trocas comerciais e sobre a manutenção de uma concorrência não falseada — Artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE — Conceito de “regime de auxílios” — Dever de fundamentação»

No processo T‑628/20,

[Conforme retificado por Despacho de 11 de agosto de 2021] Ryanair DAC, com sede em Swords (Irlanda), representada por F.‑C. Laprévote, E. Vahida, V. Blanc e I.‑G. Metaxas‑Maranghidis, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por L. Flynn, S. Noë e F. Tomat, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por

Reino de Espanha, representado por L. Aguilera Ruiz e S. Centeno Huerta, na qualidade de agentes,

e por

República Francesa, representada por P. Dodeller e T. Stehelin, na qualidade de agentes,

intervenientes,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE destinado a obter a anulação da Decisão C(2020) 414 final da Comissão, de 31 de julho de 2020, relativa ao auxílio de Estado SA.57659 (2020/N) — Espanha COVID‑19 — Fundo de recapitalização,

O TRIBUNAL GERAL (Décima Secção Alargada),

composto por: A. Kornezov (relator), presidente, E. Buttigieg, K. Kowalik‑Bańczyk, G. Hesse e M. Stancu, juízes,

secretário: I. Pollalis, administrador,

tendo em conta a fase escrita do processo e após a audiência de 24 de fevereiro de 2021,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 20 de julho de 2020, o Reino de Espanha notificou à Comissão Europeia, em conformidade com o artigo 108.o, n.o 3, TFUE, um regime de auxílios destinado à criação do Fundo de Apoio à Solvência das Empresas Estratégicas (a seguir «Fundo»), para apoiar a solvência das empresas viáveis, consideradas sistémicas ou estratégicas para a economia espanhola, que registam dificuldades temporárias devido à pandemia de COVID‑19.

2        O Fundo proporciona um financiamento através da compra de instrumentos financeiros e de títulos emitidos por empresas não financeiras estabelecidas em Espanha, sem limite de dimensão ou de setor económico. É gerido por um conselho de administração que toma as decisões relativas aos pedidos de auxílio e fixa as condições do financiamento público concedido aos beneficiários. A Sociedad Española de Participaciones Industriales (sociedade espanhola de participações industriais, a seguir «SEPI»), uma holding pública que gere as participações do Estado espanhol, está encarregue, nomeadamente, da avaliação prévia dos pedidos, da utilização dos fundos e do registo dos títulos adquiridos pelo Estado. O conselho de administração submete, para aprovação, ao Conselho de Ministros espanhol as decisões relativas à concessão do financiamento público. O conselho de administração do Fundo é um comité interministerial presidido pelo presidente da SEPI e composto, igualmente, por representantes dos ministérios da Economia, das Finanças, da Indústria e da Energia.

3        O orçamento do regime de auxílios é fixado em 10 mil milhões de euros, financiados pelo orçamento de Estado. As intervenções do Fundo excederão, em princípio, 25 milhões de euros por beneficiário. Todavia, os apoios que ultrapassem os 250 milhões de euros por beneficiário serão notificados individualmente à Comissão. As operações temporárias de apoio financiadas pelo Fundo serão concedidas até 30 de junho de 2021.

4        Para beneficiar do regime de auxílios em causa, as empresas devem preencher vários critérios cumulativos de elegibilidade, entre os quais, em substância:

–        serem empresas não financeiras estabelecidas e que tenham os seus principais centros de atividade em Espanha;

–        terem uma importância sistémica ou estratégica pelo facto de pertencerem a um setor de atividade específico, devido às suas ligações à saúde pública e à segurança pública ou também à sua influência em toda a economia, às suas atividades de inovação, ao caráter essencial dos serviços prestados ou ao seu papel na realização dos objetivos a médio prazo relativos à transformação ecológica, à digitalização, ao aumento da produtividade e ao capital humano;

–        estarem perante um risco de cessação das suas atividades ou terem graves dificuldades em continuar em atividade sem apoio público temporário;

–        a cessação forçada das suas atividades ter um impacto negativo e elevado na atividade ou no emprego a nível nacional ou regional;

–        demonstrarem a sua viabilidade a médio e longo prazo, apresentando um plano de viabilidade que indique o modo como a empresa pode ultrapassar a crise e descrevendo a utilização proposta do auxílio público;

–        apresentarem um calendário previsional de reembolso do apoio do Estado pelo Fundo;

–        não serem consideradas como estando já em dificuldade em 31 de dezembro de 2019.

5        Além disso, as empresas que pretendam beneficiar do regime de auxílios em causa devem demonstrar, com base em provas adequadas, que não dispõem de financiamento privado através dos bancos ou dos mercados financeiros ou esse financiamento está disponível a um custo que impediria a sua viabilidade.

6        Em 31 de julho de 2020, a Comissão adotou a Decisão C(2020) 5414 final relativa ao auxílio de Estado SA.57659 (2020/N) — Espanha COVID‑19 — Fundo de recapitalização (a seguir «decisão impugnada»), através da qual concluiu que a medida em causa constituía um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE e que era compatível com o mercado interno, em conformidade com o artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE e com a Comunicação da Comissão, de 19 de março de 2020, intitulada «Quadro temporário relativo a medidas de auxílio estatal em apoio da economia no atual contexto do surto de COVID‑19» (JO 2020, C 91 I, p. 1), alterada em 3 de abril de 2020 (JO 2020, C 112 I, p. 1), em 13 de maio de 2020 (JO 2020, C 164, p. 3) e em 29 de junho de 2020 (JO 2020, C 218, p. 3) (a seguir «quadro temporário»), e, por conseguinte, não levantou quaisquer objeções a seu respeito.

 Tramitação processual e pedidos das partes

7        Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 16 de outubro de 2020, a recorrente, Ryanair DAC, interpôs o presente recurso.

8        Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral no mesmo dia, a recorrente requereu ao Tribunal Geral que julgasse o presente recurso seguindo uma tramitação acelerada, em conformidade com os artigos 151.o e 152.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral. Por decisão de 10 de novembro de 2020, o Tribunal Geral (Décima Secção) deferiu o pedido de tramitação acelerada.

9        A Comissão apresentou a contestação na Secretaria do Tribunal Geral em 30 de novembro de 2020.

10      Em aplicação do artigo 106.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, a recorrente apresentou, em 14 de dezembro de 2020, um pedido fundamentado de audiência de alegações.

11      Sob proposta da Décima Secção, o Tribunal Geral decidiu, em aplicação do artigo 28.o do Regulamento de Processo, remeter o processo a uma formação de julgamento alargada.

12      Mediante requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal Geral, respetivamente, em 18 de dezembro de 2020 e em 22 de dezembro de 2020, o Reino de Espanha e a República Francesa pediram para intervir no presente processo em apoio dos pedidos da Comissão.

13      Por decisões de 12 de janeiro de 2021, o presidente da Décima Secção do Tribunal Geral admitiu as intervenções do Reino de Espanha e da República Francesa.

14      Por medidas de organização do processo notificadas em 14 de janeiro de 2021, o Reino de Espanha e a República Francesa foram autorizados, em aplicação do artigo 154.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, a apresentar os articulados de intervenção. Em 28 e 29 de janeiro de 2021, a República Francesa e o Reino de Espanha apresentaram, respetivamente, na Secretaria do Tribunal Geral, os seus articulados de intervenção.

15      No âmbito de uma medida de organização do processo ao abrigo do artigo 89.o do Regulamento de Processo, o Tribunal Geral convidou, em 5 de fevereiro de 2021, a Comissão e o Reino de Espanha a responder, na audiência, a duas questões. A Comissão e o Reino de Espanha deram cumprimento a este pedido.

16      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

17      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

18      O Reino de Espanha e a República Francesa concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne julgar o recurso inadmissível ou, a título subsidiário, improcedente na íntegra.

 Quanto ao direito

19      Importa recordar que cabe o juiz da União Europeia pode apreciar se uma boa administração da justiça justifica, nas circunstâncias de cada caso, negar provimento ao recurso sem apreciar a questão prévia relativa à sua admissibilidade (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de fevereiro de 2002, Conselho/Boehringer, C‑23/00 P, EU:C:2002:118, n.os 51 e 52, e de 14 de setembro de 2016, Trajektna luka Split/Comissão, T‑57/15, não publicado, EU:T:2016:470, n.o 84). Por conseguinte, a propósito, em particular, das considerações que conduziram ao deferimento do pedido de tramitação acelerada do presente processo e da importância dada, tanto pela recorrente como pela Comissão, pelo Reino de Espanha e pela República Francesa, a uma resposta rápida quanto ao mérito, importa examinar desde logo o mérito do recurso, sem apreciar previamente a sua admissibilidade.

20      Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca cinco fundamentos, relativos, o primeiro, à violação dos princípios da não discriminação, da livre prestação de serviços e da liberdade de estabelecimento, o segundo, à violação da obrigação de ponderar os efeitos benéficos do auxílio com os seus efeitos negativos sobre as condições das trocas comerciais e sobre a manutenção de uma concorrência não falseada, o terceiro, à qualificação errada da medida em causa como regime de auxílios, o quarto, à violação dos seus direitos processuais e, o quinto, a uma violação do dever de fundamentação.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação dos princípios da não discriminação, da livre prestação de serviços e da liberdade de estabelecimento

21      O primeiro fundamento divide‑se, em substância, em quatro partes, relativas, a primeira, ao facto de o regime de auxílios violar o princípio da não discriminação, a segunda, ao facto de não ser necessário nem proporcionado para alcançar o objetivo que lhe foi atribuído, a terceira, ao facto de restringir a livre prestação de serviços e a liberdade de estabelecimento e, a quarta, ao facto de a restrição assim introduzida não ser justificada.

 Quanto às duas primeiras partes do primeiro fundamento, relativas à violação do princípio da não discriminação

22      A recorrente sustenta que a decisão impugnada viola o princípio da não discriminação, uma vez que a medida em causa é discriminatória relativamente às empresas não estabelecidas e que não têm os seus principais centros de atividade em Espanha, as quais estão excluídas do benefício do auxílio, apesar de poderem igualmente revestir uma importância sistémica e estratégica para a economia espanhola, como é o caso da recorrente. Ora, tal diferença de tratamento não é necessária nem proporcionada ao objetivo prosseguido, na medida em que as empresas não estabelecidas e que não têm os seus principais centros de atividade em Espanha, mas que operam neste Estado‑Membro, se depararam com as mesmas dificuldades causadas pela pandemia de COVID‑19, que a sua saída do mercado espanhol provocaria dificuldades sociais e perturbaria seriamente a economia espanhola, e que uma medida alternativa e não discriminatória consistiria na concessão do auxílio em função das quotas de mercado das empresas em questão.

23      A Comissão, apoiada pelo Reino de Espanha e pela República Francesa, contesta os argumentos da recorrente.

24      Nos termos do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, podem ser considerados compatíveis com o mercado interno os auxílios destinados, nomeadamente, a sanar uma perturbação grave da economia de um Estado‑Membro.

25      Segundo a jurisprudência, resulta da economia geral do Tratado que o procedimento previsto no artigo 108.o TFUE não deve nunca conduzir a um resultado que seja contrário às disposições específicas do Tratado. Assim sendo, um auxílio de Estado que, em algumas das suas modalidades, viole outras disposições do Tratado não pode ser declarado compatível com o mercado interno pela Comissão. De igual modo, um auxílio de Estado que, em algumas das suas modalidades, viole os princípios gerais do direito da União, como o princípio da igualdade de tratamento, não pode ser declarado compatível com o mercado interno pela Comissão (Acórdãos de 15 de abril de 2008, Nuova Agricast, C‑390/06, EU:C:2008:224, n.os 50 e 51, e de 22 de setembro de 2020, Áustria/Comissão, C‑594/18 P, EU:C:2020:742, n.o 44).

26      No presente processo, importa constatar que um dos critérios de elegibilidade para beneficiar do regime de auxílios em causa, a saber, o relativo ao estabelecimento dos beneficiários em Espanha e a que os seus principais centros de atividade se situem no território deste Estado‑Membro, resulta num tratamento diferente das empresas estabelecidas e que têm os seus principais centros de atividade em Espanha, que podem beneficiar do regime de auxílios se também preencherem os outros critérios de elegibilidade, das empresas estabelecidas ou que têm os seus principais centros de atividade noutro Estado‑Membro e que não podem beneficiar do mesmo.

27      Admitindo que, como afirma a recorrente, esta diferença de tratamento possa ser equiparada a uma discriminação, há que verificar se a mesma é justificada por um objetivo legítimo e se é necessária, adequada e proporcionada para o alcançar. Do mesmo modo, na medida em que a recorrente faz referência ao artigo 18.o, primeiro parágrafo, TFUE, importa sublinhar que, segundo esta disposição, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade no âmbito de aplicação dos Tratados «sem prejuízo das suas disposições especiais». Por conseguinte, há que verificar se esta diferença de tratamento é permitida à luz do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, que constitui a base jurídica da decisão impugnada. Este exame implica, por um lado, que o objetivo do regime de auxílios em causa satisfaça as exigências desta última disposição e, por outro, que as modalidades de concessão do auxílio não vão além do necessário para alcançar este objetivo.

28      Em primeiro lugar, no que respeita ao objetivo do regime de auxílios em causa, é necessário recordar que o Reino de Espanha baseou esta medida no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE (n.o 5 da decisão impugnada). O referido regime visa, assim, sanar a perturbação grave da economia espanhola provocada pela pandemia de COVID‑19, como resulta dos n.os 57 e 58 da decisão impugnada, o que corresponde a um dos casos previstos no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE. O regime de auxílios em causa permite que as empresas consideradas sistémicas ou estratégicas para a economia espanhola disponham de um financiamento externo suficiente para lhes permitir repor a sua estrutura de capital enquanto o funcionamento dos mercados de crédito e de capitais estiver seriamente perturbado pela pandemia de COVID‑19.

29      Há que considerar que, dado que a existência tanto de uma perturbação grave da economia espanhola devido à pandemia de COVID‑19 como de significantes efeitos negativos desta última na economia espanhola estão demonstrados na decisão impugnada de forma juridicamente bastante, o objetivo do regime de auxílios em causa satisfaz as condições impostas pelo artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE.

30      Acresce que, o critério da importância estratégica e sistémica dos beneficiários do auxílio reflete efetivamente o objetivo do auxílio em causa, a saber, sanar uma perturbação grave da economia espanhola na aceção do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE.

31      Em segundo lugar, no que respeita à análise de se as modalidades de concessão do auxílio não excedem o necessário para alcançar o objetivo do regime de auxílios em causa e satisfazem as condições impostas pelo artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, há que fazer as seguintes considerações.

32      Primeiro, quanto ao caráter adequado e necessário do regime de auxílios em causa, há que salientar que, no caso em apreço, este foi adotado em aplicação, nomeadamente, do ponto 3.11 do quadro temporário intitulado «Medidas de recapitalização», cujos n.os 44 e 45 preveem o seguinte:

«44.      O presente quadro temporário define os critérios ao abrigo das regras da UE em matéria de auxílios estatais, com base nos quais os Estados‑Membros podem conceder apoios públicos sob a forma de instrumentos de capital próprio e/ou de capital híbrido às empresas que enfrentam dificuldades financeiras devido ao surto de COVID‑19. Pretende‑se garantir que a perturbação da economia não resulte na saída desnecessária do mercado de empresas que eram viáveis antes do surto de COVID‑19. Por conseguinte, as recapitalizações não devem exceder o mínimo necessário para assegurar a viabilidade do beneficiário, e não devem ir além da reposição da estrutura de capital anterior ao surto de COVID‑19. As grandes empresas devem dar conta da forma como o auxílio recebido apoia as respetivas atividades, em conformidade com os objetivos da UE e as obrigações nacionais associadas à transformação ecológica e digital, nomeadamente o objetivo da UE de neutralidade climática até 2050.

45.      Ao mesmo tempo, a Comissão salienta que a concessão de apoio público nacional sob a forma de instrumentos de capital próprio e/ou de capital híbrido, no âmbito de regimes especiais ou em casos específicos, só deve ser considerada se não puder ser encontrada outra solução adequada. Além disso, a emissão de tais instrumentos deve obedecer a condições rigorosas, na medida em que provoca importantes distorções de concorrência entre as empresas. Estas intervenções devem, pois, obedecer a condições claras no que respeita à entrada, à remuneração e à saída do Estado do capital próprio das empresas em causa, a regras em matéria de governação e a medidas adequadas para limitar distorções da concorrência. Neste contexto, a Comissão salienta que a conceção de medidas nacionais de apoio de uma forma consentânea com os objetivos políticos da UE associados à transformação digital e ecológica das economias permitirá um crescimento mais sustentável a longo prazo e promoverá a transição para o objetivo da UE de neutralidade climática até 2050.»

33      Por conseguinte, o Reino de Espanha, ao adotar o regime de auxílios em causa, decidiu tomar medidas de recapitalização, em aplicação do ponto 3.11 do quadro temporário, sob a forma de empréstimos participativos, de dívidas híbridas ou de outros instrumentos convertíveis em capitais próprios («instrumentos de capital híbrido»), de subscrições de ações («instrumentos de capital próprio»), de empréstimos subordinados ou de outros instrumentos de capital (n.o 15 da decisão impugnada) a certas empresas que enfrentam dificuldades temporárias devido aos efeitos negativos da pandemia de COVID‑19.

34      A recorrente sustenta, em substância, que não é adequado nem necessário atribuir o auxílio apenas às empresas estabelecidas em Espanha e que tenham os seus principais centros de atividade neste Estado‑Membro.

35      A este respeito, importa salientar, antes de mais, que o regime de auxílios em causa consiste na concessão, pelo Estado espanhol, de fundos próprios ou de instrumentos híbridos, através dos quais, em substância, este Estado‑Membro entra temporariamente no capital das empresas em questão, como resulta do n.o 45 do quadro temporário. Tendo em conta a natureza das medidas de recapitalização em causa, é legítimo que o Estado‑Membro em questão procure assegurar uma presença estável das empresas suscetíveis de beneficiar do referido regime no seu território e de um vínculo duradouro entre estas e a sua economia. Com efeito, as autoridades desse Estado‑Membro devem poder controlar, de modo continuado e eficaz, a forma como o auxílio é utilizado, bem como o cumprimento das regras em matéria de governação e de todas as outras medidas impostas para limitar as distorções da concorrência. Devem, além disso, poder organizar e fiscalizar a saída ordenada posterior do Estado espanhol do capital dessas empresas. Para o efeito, o Estado‑Membro em causa deve ter competência para intervir, se necessário, para impor o respeito das condições e dos compromissos que envolvem a concessão do financiamento público em causa.

36      O critério de elegibilidade relativo a que os beneficiários do auxílio estejam estabelecidos em Espanha e que tenham os seus principais centros de atividade no território deste Estado‑Membro traduz assim a necessidade do Estado‑Membro em causa de se assegurar de uma certa estabilidade da presença destes e da sua implantação duradoura na economia espanhola. Com efeito, o referido critério exige não só que o beneficiário tenha a sua sede social em território espanhol, mas também que os seus principais centros de atividade se encontrem nesse território, o que demonstra precisamente que o regime de auxílios em causa visa apoiar as empresas que estão efetiva e duradouramente implantadas na economia espanhola, o que é coerente com o objetivo do regime que visa sanar a perturbação grave desta economia.

37      Em contrapartida, a existência desse vínculo estável e duradouro com a economia espanhola é, em princípio, menos provável no que respeita tanto aos meros prestadores de serviços, cuja prestação pode, por definição, cessar a muito curto prazo, para não dizer imediatamente, como às empresas estabelecidas em Espanha, mas que têm os seus principais centros de atividade fora do território deste Estado, pelo que um eventual financiamento público destinado a apoiar as suas atividades é menos suscetível de contribuir para sanar a perturbação grave da economia deste Estado‑Membro.

38      Em seguida, importa salientar que a necessidade de assegurar a existência de um vínculo estável e duradouro dos beneficiários do auxílio em questão à economia espanhola está subjacente a todo o regime em causa, como resulta tanto dos outros critérios de elegibilidade como das modalidades da sua concessão.

39      Com efeito, há que constatar que o benefício do auxílio em causa está reservado às empresas consideradas como tendo uma importância sistémica ou estratégica para a economia espanhola. Ao dar esta orientação ao regime de auxílios em causa, o Reino de Espanha optou por apoiar apenas as empresas que desempenham um papel essencial na sua economia, dado que as dificuldades destas empresas afetariam seriamente, por força da sua importância sistémica e estratégica, o estado geral da economia espanhola. Por este motivo, as empresas que não são consideradas sistémicas ou estratégicas para a economia espanhola não podem beneficiar do auxílio em causa, apesar de estarem estabelecidas em Espanha e de terem os seus principais centros de atividade no território deste Estado‑Membro.

40      Vários outros critérios de elegibilidade revelam igualmente a necessidade de o Estado espanhol se assegurar da existência de um vínculo duradouro, ou seja, a médio e a longo prazo, entre os beneficiários do auxílio e a sua economia. Assim, o critério relativo à importância sistémica e estratégica dos beneficiários refere‑se, nomeadamente, ao «seu papel na realização dos objetivos a médio prazo relativos à transformação ecológica, à digitalização, ao aumento da produtividade e ao capital humano». Um outro critério de elegibilidade exige que os beneficiários demonstrem a sua viabilidade a médio e longo prazo, através da apresentação de um plano de viabilidade que indique o modo como a empresa poderia ultrapassar a crise e que descreva a utilização proposta do auxílio público (n.o 10, alínea d), da decisão impugnada). Além disso, as empresas em causa devem apresentar um calendário previsional de reembolso do apoio do Estado pelo Fundo e das medidas a tomar para respeitar esse calendário [n.o 10, alínea e), da decisão impugnada]. Estes critérios traduzem assim, em concreto, a necessidade, por um lado, de o beneficiário em causa estar duradouramente integrado na economia espanhola e continuar a estar a médio e a longo prazo, para que possa honrar os objetivos de desenvolvimento acima referidos, e, por outro, que as autoridades espanholas estejam em condições de controlar o respeito e a execução dos seus compromissos.

41      O regime de auxílios em causa comporta também uma série de restrições ex post que visam limitar as distorções da concorrência e a garantir a governação sólida dos beneficiários, bem como a forma como o auxílio é utilizado (n.os 36 a 39 da decisão impugnada), e impõe obrigações de transparência e de prestação de contas às autoridades nacionais sobre a utilização do auxílio em causa (n.o 40 da decisão impugnada). Assim, a título de exemplo, enquanto não tiverem reembolsado o auxílio obtido, aos beneficiários estão proibidos de assumir riscos excessivos ou de prosseguir uma expansão comercial agressiva financiada pelo auxílio. Do mesmo modo, não podem fazer publicidade do investimento efetuado pelo Fundo para fins comerciais. Os beneficiários estão igualmente proibidos, enquanto não tiverem reembolsado pelo menos 75 % do auxílio, de efetuar determinadas concentrações ou aquisições (n.os 78 a 81 da decisão impugnada). Além disso, enquanto o auxílio não for integralmente reembolsado, os beneficiários não podem pagar dividendos (n.o 82 da decisão impugnada) e é imposto um limite às remunerações dos seus gestores (n.o 83 da decisão impugnada). Por outro lado, se, no termo de um período de seis anos a contar da injeção de capital pelo Fundo, a parte das ações detidas por este último não for reduzida abaixo dos 15 %, o beneficiário deve apresentar um plano de reestruturação às autoridades espanholas, que depois o notificarão à Comissão para aprovação (n.o 89 da decisão impugnada). Será igualmente instituído um mecanismo para evitar o risco de o beneficiário recomprar as ações do Estado por intermédio de terceiros, a preços inferiores aos do investimento nominal do Estado (n.os 35 e 74 da decisão impugnada). Estas restrições ex post também demonstram a necessidade e a obrigação de as autoridades espanholas controlarem, de forma continuada, diversos aspetos das atividades dos beneficiários. Para o efeito, devem ter competência para intervir, se for caso disso, a fim de impor o seu cumprimento.

42      Por conseguinte, afigura‑se que, ao conjugar os critérios de elegibilidade e as restrições ex post acima mencionadas nos n.os 34 a 40, o Reino de Espanha procurou, em substância, assegurar a existência de um vínculo duradouro e recíproco entre os beneficiários do auxílio e a sua economia, que se inscreve numa perspetiva de desenvolvimento económico a médio e a longo prazo.

43      Assim, ao limitar o benefício do auxílio apenas às empresas que revestem uma importância sistémica ou estratégica para a economia espanhola, estabelecidas em Espanha e que têm os seus principais centros de atividade no seu território, devido aos laços estáveis e recíprocos que as ligam à sua economia, o regime de auxílios em causa é simultaneamente adequado e necessário para alcançar o objetivo de sanar a perturbação grave da economia deste Estado‑Membro.

44      Segundo, no que se refere à proporcionalidade do regime de auxílios em causa, a recorrente considera, em substância, que uma empresa pode igualmente revestir uma importância sistémica e estratégica para a economia espanhola mesmo que não esteja estabelecida em Espanha, de modo que o objetivo prosseguido pelo referido regime poderia ser alcançado adotando como critério de elegibilidade não o do Estado‑Membro de estabelecimento, mas outro critério relativo às quotas de mercado das empresas em causa.

45      A este respeito, embora não se possa excluir que uma empresa que não esteja estabelecida em Espanha e que não tenha os seus principais centros de atividade neste Estado‑Membro possa, não obstante, revestir, em determinadas circunstâncias específicas, uma importância sistémica ou estratégica para a economia espanhola, há que recordar que a concessão de fundos públicos no âmbito do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE pressupõe que o auxílio concedido pelo Estado‑Membro em causa, embora se encontre em sérias dificuldades, possa sanar as perturbações da sua economia, o que pressupõe uma tomada em consideração global da situação das empresas suscetíveis de permitir a recuperação da referida economia e que o critério de um vínculo estável e duradouro com a economia desse Estado seja plenamente pertinente.

46      Com efeito, por um lado, a necessidade de uma implantação estável e duradoura dos beneficiários do auxílio na economia espanhola, subjacente ao regime de auxílios em causa, não existiria ou estaria, pelo menos, enfraquecida se o Reino de Espanha tivesse adotado outro critério que permitisse a elegibilidade de empresas que operam no território espanhol como meras prestadoras de serviços, à semelhança da recorrente, cuja prestação pode, por definição, cessar a muito curto prazo, para não dizer imediatamente, como recordado no n.o 36, supra. Assim, nada garantiria ao Reino de Espanha que a entrada na sua economia das empresas não estabelecidas e que não têm os seus principais centros de atividade no seu território se mantivesse após a crise, admitindo que lhes tivesse sido concedido o benefício das medidas de recapitalização.

47      Por outro lado, o facto de a recorrente ser a maior companhia aérea em Espanha, detendo cerca de 20 % do mercado neste Estado‑Membro, ou de a sua saída deste mercado acarreta dificuldades sociais, não significa que a Comissão tenha cometido um erro de apreciação ao considerar que o regime de auxílios em causa era compatível com o mercado interno. Com efeito, esta argumentação baseia‑se na situação específica da recorrente no mercado do transporte aéreo de passageiros em Espanha, ao passo que o regime de auxílios em causa visa apoiar toda a economia espanhola, sem distinção do setor económico em causa, pelo que o Reino de Espanha teve em conta o estado global da sua economia e as perspetivas de desenvolvimento económico a médio e a longo prazo, e não a situação específica de uma ou de outra empresa.

48      Por conseguinte, ao prever as modalidades de concessão do benefício de um regime de auxílios de alcance geral e multissetorial, o Estado‑Membro em causa podia legitimamente basear‑se em critérios de elegibilidade destinados a identificar empresas que têm simultaneamente uma importância sistémica ou estratégica para a sua economia e um vínculo duradouro e estável a esta última.

49      Quanto ao regime de auxílios alternativo preconizado pela recorrente, assente num critério de elegibilidade referente às quotas de mercado das empresas em causa, importa recordar que, segundo a jurisprudência, a Comissão não tem de se pronunciar em abstrato sobre todas as medidas alternativas possíveis, uma vez que, embora o Estado‑Membro em causa deva expor de forma fundamentada as razões que presidiram à adoção do regime de auxílios em causa, em especial quanto à escolha dos critérios de elegibilidade, não é obrigado a demonstrar, de forma positiva, que nenhuma outra medida concebível, por definição hipotética, poderia alcançar melhor o objetivo visado. Se o referido Estado‑Membro não está sujeito a essa obrigação, a recorrente não pode exigir ao Tribunal Geral que imponha à Comissão que se substitua às autoridades nacionais nesta tarefa de prospeção normativa, a fim de examinar toda e qualquer medida alternativa possível (v., neste sentido, Acórdão de 6 de maio de 2019, Scor/Comissão, T‑135/17, não publicado, EU:T:2019:287, n.o 94 e jurisprudência referida).

50      Em todo o caso, o critério de elegibilidade preconizado pela recorrente, assente nas quotas de mercado das empresas interessadas, não tem suficientemente em conta os objetivos prosseguidos pelo regime de auxílios em causa destinado a sanar a perturbação grave da economia espanhola, considerada na sua globalidade, na sua diversidade e numa perspetiva de um desenvolvimento económico sustentável. A este respeito, afigura‑se que o legislador espanhol não quis adotar critérios de elegibilidade baseados na dimensão ou nas quotas de mercado dos beneficiários, mas antes em considerações de desenvolvimento económico a médio e a longo prazo da economia espanhola, adotando critérios sobretudo qualitativos e não quantitativos.

51      A Comissão, na decisão impugnada, aprovou, portanto, um regime de auxílios destinado efetivamente a sanar a perturbação grave da economia de um Estado‑Membro e que não excede, nas suas modalidades de concessão, o necessário para alcançar o objetivo do referido regime. Por conseguinte, há que constatar, à luz dos princípios acima recordados no n.o 27, que o referido regime não viola o princípio da não discriminação e o artigo 18.o, primeiro parágrafo, TFUE pelo simples facto de favorecer as empresas estabelecidas em Espanha e que têm os seus principais centros de atividade neste Estado‑Membro.

52      Resulta do acima exposto que o objetivo do regime de auxílios em causa preenche os requisitos da derrogação prevista no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE e que as modalidades de concessão do auxílio não vão além do que é necessário para alcançar este objetivo.

53      Consequentemente, há que julgar improcedentes as duas primeiras partes do primeiro fundamento.

 Quanto às duas últimas partes do primeiro fundamento, relativas à violação dos princípios da livre prestação de serviços e da liberdade de estabelecimento

54      A recorrente recorda, por um lado, que uma restrição da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços é lícita se for justificada por uma razão imperiosa de interesse geral, não discriminatória, necessária e proporcionada ao objetivo de interesse geral prosseguido e, por outro, que estas condições são cumulativas e que uma restrição se torna injustificada mesmo que apenas uma das condições não esteja preenchida. Ora, no caso em apreço, o regime de auxílios em causa é, segundo a recorrente, em primeiro lugar, discriminatório, pois trata as empresas de forma diferente em função do Estado‑Membro em que estão estabelecidas. Em seguida, não é proporcionado, pois vai além do necessário para alcançar o seu objetivo, dado que este pode ser alcançado sem violar a liberdade de estabelecimento e a livre prestação de serviços se beneficiar todas as empresas que operam em Espanha, qualquer que fosse o Estado‑Membro em que estão estabelecidas, tendo em conta, por exemplo, a respetiva quota de mercado.

55      Por último, segundo a recorrente, o objetivo de interesse geral de sanar a perturbação grave da economia espanhola causada pela pandemia de COVID‑19 não torna necessário ajudar unicamente as empresas estabelecidas em Espanha, dado que algumas das empresas que operam em Espanha ao abrigo da livre prestação de serviços, como a recorrente, são igualmente importantes para a sua economia. Pelo contrário, o facto de apoiar unicamente as empresas nacionais conduz à fragmentação do mercado interno e à eliminação das concorrentes dos outros Estados‑Membros, enfraquece a concorrência, agrava os prejuízos causados pela pandemia de COVID‑19, prejudica a estrutura do setor aéreo e restringe os direitos das transportadoras da União de fornecerem livremente serviços de transporte aéreo no mercado interno, independentemente do Estado‑Membro que tenha emitido a sua licença.

56      A título preliminar, na medida em que a recorrente baseia a sua argumentação na existência de uma discriminação resultante do regime de auxílios em causa e na falta de proporcionalidade que caracteriza este último, há que remeter para o exame das duas primeiras partes do primeiro fundamento.

57      Seguidamente, importa recordar que, por um lado, as disposições do TFUE relativas à liberdade de estabelecimento visam assegurar o benefício do tratamento nacional no Estado‑Membro de acolhimento (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2015, Finanzamt Linz, C‑66/14, EU:C:2015:661, n.o 26 e jurisprudência referida).

58      Por outro lado, a livre prestação de serviços opõe‑se à aplicação de qualquer legislação nacional que tenha como efeito tornar a prestação de serviços entre Estados‑Membros mais difícil que a prestação de serviços puramente interna a um Estado‑Membro, independentemente da existência de discriminação em razão da nacionalidade ou da residência (v., neste sentido, Acórdão de 6 de fevereiro de 2003, Stylianakis, C‑92/01, EU:C:2003:72, n.o 25).

59      Embora o regime de auxílios em causa não vise especificamente o setor dos transportes aéreos, importa sublinhar que a recorrente se queixa de uma alegada restrição à liberdade de estabelecimento e à liberdade de prestação de serviços principalmente no setor dos transportes aéreos. A este respeito, há que constatar que, por força do artigo 58.o, n.o 1, TFUE, a livre prestação de serviços em matéria de transportes é regulada pelas disposições constantes do título relativo aos transportes, ou seja, o título VI do Tratado FUE. A livre prestação de serviços em matéria de transportes está, assim, sujeita, no direito primário, a um regime jurídico específico (Acórdão de 18 de março de 2014, International Jet Management, C‑628/11, EU:C:2014:171, n.o 36). Por conseguinte, no que diz respeito à livre prestação de serviços, o artigo 56.o TFUE não é aplicável enquanto tal ao domínio dos transportes aéreos (Acórdão de 25 de janeiro de 2011, Neukirchinger, C‑382/08, EU:C:2011:27, n.o 22).

60      Assim, as medidas de liberalização para os transportes aéreos apenas podem ser adotadas com base no artigo 100.o, n.o 2, TFUE (Acórdão de 18 de março de 2014, International Jet Management, C‑628/11, EU:C:2014:171, n.o 38). Ora, como a recorrente salienta, e bem, o legislador da União adotou o Regulamento (CE) n.o 1008/2008, de 24 de setembro de 2008, relativo a regras comuns de exploração dos serviços aéreos na Comunidade (JO 2008, L 293, p. 3) com base nessa disposição que tem precisamente por objeto definir, no setor dos transportes aéreos, as condições de aplicação do princípio da livre prestação de serviços (v., por analogia, Acórdão de 6 de fevereiro de 2003, Stylianakis, C‑92/01, EU:C:2003:72, n.os 23 e 24).

61      Ora, embora seja verdade que, devido à definição do âmbito do regime de auxílios em causa, a recorrente se encontra privada do acesso a medidas de recapitalização concedidas pelo Reino de Espanha, não demonstra em que medida esta exclusão é suscetível de a dissuadir de se estabelecer em Espanha ou de efetuar prestações de serviços a partir de Espanha e com destino a Espanha. A recorrente não identificou, nomeadamente, os elementos de facto ou de direito que fazem com que o regime de auxílios em causa produza efeitos restritivos que vão além dos que desencadeiam a proibição prevista no artigo 107.o, n.o 1, TFUE, mas que, como foi declarado no âmbito das duas primeiras partes do primeiro fundamento, são, no entanto, necessários e proporcionados para sanar a perturbação grave da economia espanhola causada pela pandemia de COVID‑19, em conformidade com as exigências do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE.

62      Ademais, na decisão impugnada, a Comissão verificou se a aplicação do regime de auxílios em causa era compatível com as liberdades fundamentais de circulação e, nomeadamente, com a livre circulação de capitais e com a liberdade de estabelecimento. A este respeito, salientou que nenhum dos critérios de elegibilidade, nomeadamente os relativos à importância sistémica ou estratégica dos beneficiários para a economia espanhola e o facto de os seus principais centros de atividade se deverem situar em Espanha, não pode ser interpretado ou aplicado como subordinando o benefício do auxílio à mudança para Espanha das suas atividades exercidas noutro Estado‑Membro (n.os 46, 59 e 60 da decisão impugnada). A recorrente não contesta esta apreciação.

63      Decorre do exposto que nenhuma das partes do primeiro fundamento pode ser acolhida e, portanto, que o referido fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação da obrigação de ponderação dos efeitos benéficos do auxílio com os seus efeitos negativos sobre as condições das trocas comerciais e sobre a manutenção de uma concorrência não falseada

64      Em primeiro lugar, a recorrente alega que a Comissão não cumpriu a sua obrigação de, ao examinar a compatibilidade de um auxílio, ponderar os efeitos positivos em termos de realização dos objetivos enunciados no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE com os seus efeitos negativos em termos de distorção da concorrência e de efeitos no comércio entre os Estados‑Membros, o que constitui um erro manifesto de apreciação dos factos e, portanto, um fundamento suficiente para anular a decisão impugnada. Em segundo lugar, segundo a recorrente, o quadro temporário vincula a Comissão e constitui uma segunda base jurídica distinta que impõe à Comissão a obrigação de efetuar esta ponderação. Em terceiro lugar, no caso de o quadro temporário ser interpretado no sentido de que não prevê essa obrigação de ponderação, a recorrente deduz uma exceção de ilegalidade a seu respeito ao abrigo do artigo 277.o TFUE, com o fundamento de o referido quadro ser então contrário ao artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE.

65      A Comissão, apoiada pelo Reino de Espanha e pela República Francesa, contesta esta argumentação.

66      Nos termos do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE «[p]odem ser considerados compatíveis com o mercado interno […] [o]s auxílios destinados […] a sanar uma perturbação grave da economia de um Estado‑Membro». Resulta da redação desta disposição que os seus autores consideraram que era do interesse da União no seu todo que um ou outro dos seus Estados‑Membros estivesse em condições de ultrapassar uma crise significativa, ou mesmo existencial, que só podia ter consequências graves na economia de todos ou de parte dos demais Estados‑Membros e, portanto, para a União enquanto tal. Esta interpretação literal da letra do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE é confirmada pela sua comparação com o artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE, que diz respeito aos «auxílios destinados a facilitar o desenvolvimento de certas atividades ou regiões económicas, quando não alterem as condições das trocas comerciais de maneira que contrariem o interesse comum», na medida em que a redação desta última disposição comporta uma condição, relativa à demonstração da inexistência de alteração das condições das trocas comerciais numa medida contrária ao interesse comum, que não figura no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 22 de setembro de 2020, Áustria/Comissão, C‑594/18 P, EU:C:2020:742, n.os 20 e 39).

67      Assim, desde que as condições estabelecidas pelo artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE estejam preenchidas, a saber, no caso em apreço, que o Estado‑Membro em causa tenha efetivamente de enfrentar uma perturbação grave da sua economia e que os auxílios adotados para sanar essa perturbação sejam, por um lado, necessários para esse fim e, por outro, adequados e proporcionados, presume‑se que as referidas medidas são adotadas no interesse da União, pelo que não é exigido por esta disposição que a Comissão proceda a uma ponderação entre os efeitos benéficos do auxílio e os seus efeitos negativos sobre as condições das trocas comerciais e sobre a manutenção de uma concorrência não falseada, ao contrário do que é estatuído pelo artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE. Por outras palavras, essa ponderação não teria razão de ser no âmbito do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, uma vez que se presume que o seu resultado é benéfico. O facto de um Estado‑Membro conseguir sanar uma perturbação grave da sua economia só pode, com efeito, beneficiar a União em geral e o mercado interno em particular.

68      Por conseguinte, há que constatar que o artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE não exige que a Comissão proceda a uma ponderação entre os efeitos benéficos do auxílio e os seus efeitos negativos sobre as condições das trocas comerciais e sobre a manutenção de uma concorrência não falseada, contrariamente ao que é estatuído pelo artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE, mas apenas que verifique se o auxílio em causa é necessário, adequado e proporcionado para sanar a perturbação grave da economia do Estado‑Membro em causa. Consequentemente, há que julgar improcedente o argumento da recorrente de que a obrigação de ponderação resulta do caráter excecional dos auxílios compatíveis, incluindo os declarados compatíveis em virtude do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE. Pelas mesmas razões, a recorrente não pode invocar o Acórdão de 19 de setembro de 2018, HH Ferries e o./Comissão (T‑68/15, EU:T:2018:563, n.os 210 a 214), na medida em que nesse processo o Tribunal Geral não teve aí em conta as consequências da diferença de redação entre o artigo 107.o, n.o 3, alínea b), e o artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE, sublinhada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 22 de setembro de 2020, Áustria/Comissão (C‑594/18 P, EU:C:2020:742, n.os 20 e 39).

69      A recorrente também não pode invocar o caráter obrigatório de uma ponderação com fundamento no quadro temporário, alegando que este vincula a Comissão e que fornece uma segunda base distinta para a obrigação desta última a esse respeito, uma vez que tal obrigação não figura no quadro temporário. Em especial, o ponto 1.2 do referido quadro a que a recorrente se refere, relativo à «necessidade de estreita coordenação europeia das medidas nacionais em matéria de auxílios estatais», contém um único número, o n.o 10, que não comporta nenhuma prescrição a este respeito. Quanto ao n.o 16‑A do referido quadro, igualmente evocado pela recorrente, a ponderação mencionada nesse ponto diz respeito à aplicação do artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE e não à do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE. Por conseguinte, a recorrente não pode invocá‑lo.

70      Consequentemente, dado que o artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE não exige essa ponderação, o quadro temporário, que também não a impõe, não o contradiz, pelo que a exceção de ilegalidade deve igualmente ser julgada improcedente.

71      Assim, o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo, em substância, à qualificação errada do auxílio como regime de auxílios

72      A recorrente alega, em substância, que a Comissão cometeu um erro de direito ao qualificar a medida em causa como regime de auxílios. Em seu entender, os critérios de elegibilidade são vagos e abstratos, pelo que as autoridades espanholas encarregadas da seleção posterior dos beneficiários dispõem de uma ampla margem de apreciação. Além disso, a composição do conselho de administração demonstra que a seleção dos beneficiários é puramente política, uma vez que inexistem meios técnicos que permitam definir a qualidade do potencial beneficiário do auxílio. Ora, segundo a jurisprudência do Tribunal Geral (Acórdão de 14 de fevereiro de 2019, Bélgica e Magnetrol International/Comissão, T‑131/16 e T‑263/16, em sede de recurso, EU:T:2019:91), uma medida é qualificada como regime de auxílios se as autoridades nacionais encarregadas da sua execução não puderem dispor de uma margem de apreciação quanto à determinação dos elementos essenciais do auxílio em questão e quanto à oportunidade da sua concessão, o que não sucede no caso em apreço.

73      A Comissão e o Reino de Espanha contestam os argumentos da recorrente.

74      Resulta da decisão impugnada que o auxílio em causa foi qualificado como regime de auxílios e não como auxílio individual (n.o 1 da decisão impugnada).

75      Nos termos do artigo 1.o, alínea d), do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o [TFUE] (JO 2015, L 248, p. 9), o conceito de «regime de auxílios» é definido como «qualquer ato com base no qual, sem que sejam necessárias outras medidas de execução, podem ser concedidos auxílios individuais a empresas nele definidas de forma geral e abstrata e qualquer diploma com base no qual pode ser concedido a uma ou mais empresas um auxílio não ligado a um projeto específico, por um período de tempo indefinido e/ou com um montante indefinido».

76      No caso em apreço, é pacífico que o auxílio em causa não está ligado a um projeto específico e não é concedido por um período de tempo indefinido ou por um montante indefinido na aceção da segunda hipótese mencionada no artigo 1.o, alínea d), do Regulamento 2015/1589, pelo que esta segunda hipótese não é pertinente para o presente caso.

77      Nestas circunstâncias, é necessário verificar se o auxílio em causa constitui um regime de auxílios na aceção da primeira hipótese mencionada no artigo 1.o, alínea d), deste regulamento.

78      Segundo jurisprudência constante, no caso específico de um regime de auxílios, a Comissão pode limitar‑se a estudar as características do regime em causa para apreciar, nos fundamentos da decisão, se, em razão das modalidades que esse regime prevê, este assegura uma vantagem aos beneficiários relativamente aos seus concorrentes e é suscetível de beneficiar as empresas que participam nas trocas comerciais entre Estados‑Membros. Assim, a Comissão, numa decisão que tem por objeto esse regime, não está obrigada a efetuar uma análise do auxílio concedido em cada caso individual com fundamento nesse regime. É apenas na fase da recuperação dos auxílios que será necessário verificar a situação individual de cada empresa em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 9 de junho de 2011, Comitato «Venezia vuole vivere» e o./Comissão, C‑71/09 P, C‑73/09 P e C‑76/09 P, EU:C:2011:368, n.o 63; de 13 de junho de 2013, HGA e o./Comissão, C‑630/11 P a C‑633/11 P, EU:C:2013:387, n.o 114, de 29 de julho de 2019, Azienda Napoletana Mobilità, C‑659/17, EU:C:2019:633, n.o 27, e de 4 de março de 2021, Comissão/Fútbol Club Barcelona, C‑362/19 P, EU:C:2021:169, n.o 65).

79      Por conseguinte, no caso de um tal regime de auxílios, há que proceder a uma distinção entre a adoção desse regime, por um lado, e a concessão de auxílios com base no referido regime, por outro (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de dezembro de 2011, France Télécom/Comissão (C‑81/10 P, EU:C:2011:811, n.o 22, e de 4 de março de 2021, Comissão/Fútbol Club Barcelona, C‑362/19 P, EU:C:2021:169, n.o 66).

80      Além disso, a advogada‑geral J. Kokott precisou que o conceito de regime referido no artigo 1.o, alínea d), do Regulamento 2015/1589 deve ser interpretado de forma ampla. Em seu entender, também ao efeito útil da fiscalização dos auxílios milita a favor de uma interpretação ampla, na medida em que o artigo 1.o, alínea d), deste regulamento se refere a uma pluralidade de casos semelhantes. Ora, a efetividade do trabalho da Comissão seria posta em perigo se os Estados‑Membros ou as partes interessadas pudessem impedir o exame de um regime de auxílios abstrato deslocando esse exame do plano legislativo para o plano administrativo. A Comissão teria então de apreciar individualmente todas as decisões, apesar de serem do mesmo tipo (v., neste sentido, as Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Comissão/Bélgica e Magnetrol International, C‑337/19 P, EU:C:2020:990, n.os 64 e 65).

81      Recordado isto, importa verificar se, em conformidade com a redação do artigo 1.o, alínea d), primeira hipótese, do Regulamento 2015/1589, em primeiro lugar, as disposições do direito espanhol identificadas pela Comissão na decisão impugnada como constituindo a base jurídica do regime de auxílios em causa permitem por si só, isto é, sem que sejam necessárias outras medidas de execução, a concessão individual de auxílios a empresas que o tenham feito e se, em segundo lugar, as referidas disposições definem de forma geral e abstrata os beneficiários do auxílio.

82      Em primeiro lugar, importa salientar que, no caso em apreço, segundo o n.o 7 da decisão impugnada, a base jurídica da medida em causa é o Real Decreto‑ley 25/2020, de 3 de julio, de medidas urgentes para apoyar la reativación económica y el empleo (Real Decreto‑Lei 25/20, de 3 de julho de 2020, Relativo às Medidas Urgentes de Apoio à Retoma Económica e ao Emprego, a seguir «RDL») e o Acuerdo del Consejo de Ministros sobre el funcionamiento del Fondo de Apoyo a la Solvencia de las Empresas Estratégicas (Acordo do Conselho de Ministros sobre o Funcionamento do Fundo de Apoio à Solvência das Empresas Estratégicas, a seguir «ACM»).

83      A este respeito, o Tribunal Geral constata que o RDL e o ACM constituem atos de alcance geral que regem todas as características do auxílio em causa. Em conformidade com a jurisprudência citada no n.o 78, supra, isso permite à Comissão limitar‑se a estudar, nos fundamentos da decisão impugnada, as características desta medida, conforme resultam dos atos acima referidos, e verificar, com base nisso, se a referida medida proporciona uma vantagem aos beneficiários em relação aos seus concorrentes e é suscetível de favorecer empresas que participam nas trocas comerciais entre os Estados‑Membros, sem que seja obrigada a efetuar uma análise do auxílio concedido em cada caso individual com base nesse regime.

84      Com efeito, o RDL e o ACM regulam a forma do auxílio, o seu montante, o período da sua aplicabilidade, os critérios de elegibilidade dos beneficiários, bem como os órgãos encarregados da sua aplicação e o procedimento a seguir.

85      Assim, no que respeita à forma do auxílio, resulta do artigo 3.o, n.os 1 e 3, do anexo II do ACM que o auxílio pode assumir a forma de empréstimos participativos, de dívidas híbridas ou de outros instrumentos convertíveis em capitais próprios (os «instrumentos de capital híbrido»), de subscrições de ações (os «instrumentos de capital próprio»), de empréstimos subordinados ou de outros instrumentos de capitais (n.o 15 da decisão impugnada). Quanto ao orçamento total do auxílio, este é fixado, por força do artigo 2.o, n.o 3, do RDL, em 10 mil milhões de euros, ao passo que, por força do n.o 3 do apêndice do ACM e do n.o 4.1 do anexo II do ACM, os auxílios de montante superior a 250 milhões de euros devem ser notificados individualmente à Comissão, como de resto exige o n.o 51 do quadro temporário (n.o 14 da decisão impugnada) e o montante mínimo dos auxílios individuais concedidos nesta base é fixado, em princípio, em 25 milhões de euros por beneficiário. No que respeita ao período de aplicabilidade do auxílio em causa, o financiamento do Fundo pode ser concedido até 30 de junho de 2021, o mais tardar, em conformidade com o apêndice do ACM (n.o 10 da decisão impugnada). O artigo 2.o do anexo II do ACM prevê, além disso, uma lista exaustiva de treze critérios cumulativos de elegibilidade para efeitos do benefício do auxílio. Do mesmo modo, as disposições pertinentes do RDL e do ACM indicam os órgãos encarregados da aplicação do auxílio e regem o procedimento a seguir para a concessão dos auxílios. Em particular, o Fundo é gerido por um conselho de administração, que constitui um comité interministerial regido pelo presidente da SEPI e composto, igualmente, por representantes dos ministérios da Economia, das Finanças, da Indústria e da Energia. Compete à SEPI, nomeadamente, avaliar os pedidos de auxílio, utilizar os fundos e registar os títulos adquiridos. O conselho de administração decide por deliberação o destino a dar aos pedidos de auxílio, bem como os termos do financiamento concedido que serão estabelecidos num acordo a assinar com o beneficiário. O conselho de administração apresentará para aprovação os referidos acordos ao Conselho de Ministros (n.os 8 e 9 da decisão impugnada).

86      Segundo lugar, no que se refere à questão de saber se as disposições do RDL e do ACM permitem a concessão individual dos auxílios, «sem que sejam necessárias outras medidas de execução», na aceção do artigo 1.o, alínea d), do Regulamento 2015/1589, importa salientar que o critério relativo à «necessidade de outras medidas de execução» implica que a concessão individual dos auxílios só pode ser feita por intermédio de «outras» medidas, que acrescem às disposições que instituem o auxílio em causa, completando‑as ou precisando‑as.

87      No caso em apreço, o Tribunal Geral constata que o artigo 2.o, n.o 15, do RDL prevê expressamente que o funcionamento, a mobilização dos recursos e a liquidação do Fundo, bem como os critérios de elegibilidade e os procedimentos a seguir, devem ser estabelecidos no ACM, «sem necessidade de um dispositivo normativo posterior». Como confirmou o Reino de Espanha na audiência, sem ser contestado pela recorrente quanto a este ponto, não existe qualquer outro ato, qualquer que seja a sua natureza, que acresça às disposições pertinentes do RDL e do ACM, completando‑as ou precisando‑as. Assim, a concessão individualizada dos auxílios em causa efetua‑se apenas com base nas disposições do RDL e do ACM, sem que sejam necessárias outras medidas de execução.

88      Por outro lado, há que sublinhar que o mero facto de se dever seguir um determinado procedimento para efeitos da concessão individual dos auxílios, segundo o qual as empresas que deles pretendam beneficiar devem fazer o pedido e os órgãos encarregados da execução do auxílio devem examiná‑lo e, se for caso disso, dar o seu acordo, não implica a existência de outras medidas de execução na aceção do artigo 1.o, alínea d), do Regulamento 2015/1589.

89      Além disso, a recorrente não identifica nenhuma outra medida de execução na aceção do artigo 1.o, alínea d), do Regulamento 2015/1589, que venha completar ou precisar as disposições pertinentes do RDL e do ACM.

90      Por conseguinte, há que concluir que as disposições do direito espanhol identificadas pela Comissão na decisão impugnada como sendo a base jurídica do regime de auxílios em causa permitem por si só, isto é, sem que sejam necessárias outras medidas de execução, a concessão individual dos auxílios a empresas que o tenham solicitado.

91      Em segundo lugar, quanto à questão de saber se as referidas disposições definem de forma geral e abstrata os beneficiários do auxílio, o Tribunal Geral constata que os beneficiários do auxílio em causa não são nominalmente designados, sendo definidos, em virtude do artigo 2.o do anexo II do ACM, com base numa lista exaustiva de treze critérios cumulativos de aplicação geral, alguns dos quais acima resumidos no n.o 4.

92      Daqui resulta que as disposições do ACM definem de forma geral e abstrata os beneficiários do auxílio, o que, aliás, a recorrente não contesta.

93      Acresce que, questionada na audiência sobre a questão de saber se, em seu entender, o auxílio em causa devia ter sido qualificado como medida individual e não como regime de auxílios, a recorrente respondeu que o referido auxílio não era nem um nem outro, mas uma espécie de auxílio «sui generis» ou «indefinível». Todavia, basta sublinhar a este respeito que, embora o Regulamento 2015/1589 distinga entre regime de auxílios e auxílios individuais, não prevê, em contrapartida, nenhum outro tipo de apoio para além destas duas categorias (v., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral M. Wathelet no processo Comissão/França e IFP Énergies nouvelles, C‑438/16 P, EU:C:2017:951, n.os 79 e 80).

94      Por conseguinte Tribunal Geral conclui que estão preenchidas as condições previstas no artigo 1.o, alínea d), do Regulamento 2015/1589, pelo que a Comissão pôde qualificar o auxílio em causa como regime de auxílios sem cometer um erro de direito.

95      Esta conclusão não é posta em causa pelos outros argumentos da recorrente.

96      Primeiro, carece de base factual o argumento que a recorrente retira da composição do conselho de administração do Fundo para afirmar que a seleção dos beneficiários é puramente política e que o referido conselho é desprovido de meios técnicos que lhe permitam definir a qualidade do beneficiário potencial do auxílio. Com efeito, resulta, nomeadamente, do artigo 2.o do anexo II do ACM que os pedidos de auxílio são, antes de mais, examinados e avaliados pela SEPI, que verifica, com a assistência de peritos independentes, se todos os critérios de elegibilidade estão preenchidos e se as informações apresentadas pelos requerentes são verdadeiras e suficientes. Trata‑se, portanto, de uma avaliação técnica dos pedidos de apoio, efetuada pela SEPI, que constitui uma etapa indispensável do procedimento de concessão dos auxílios. Ora, a recorrente não tem em conta esta fase do procedimento. Por conseguinte, não pode validamente sustentar que o referido procedimento não assenta em nenhum meio técnico que permita definir a qualidade do beneficiário potencial do auxílio.

97      Além disso, o simples facto de o conselho de administração ser composto por representantes de diferentes ministérios encarregados de tomar decisões no domínio em causa não obsta, de modo algum, à qualificação da medida em causa como regime de auxílios. Por um lado, é perfeitamente normal, tendo em conta as consequências orçamentais em causa para o Estado espanhol e a perturbação grave da economia espanhola que o auxílio em causa visa sanar, que os membros do referido conselho ocupem lugares nos referidos ministérios. Por outro lado, é especulativo inferir, unicamente da composição do conselho de administração, que a concessão dos auxílios é fruto de uma oportunidade política. Com efeito, nenhum elemento de que o Tribunal Geral dispõe indica que seja esse o caso. Pelo contrário, como sublinhou o Reino de Espanha, as decisões do conselho de administração, bem como a aprovação posterior do Conselho de Ministros, são tomadas com base na avaliação técnica dos pedidos, efetuados pela SEPI. Além disso, nas suas sessões, o conselho de administração pode igualmente ser assistido pelos serviços técnicos da SEPI que efetuaram a análise e a avaliação dos pedidos, como prevê o artigo 8.o, n.o 3, do anexo III do ACM.

98      Seja como for, a recorrente não apresenta nenhum elemento de prova concreto suscetível de demonstrar que a tomada de decisões sobre os pedidos de auxílio é orientada por razões de oportunidade política.

99      Segundo, no entender da recorrente, os critérios de elegibilidade são vagos e abstratos, pelo que o conselho de administração dispõe de um amplo poder discricionário para efeitos da sua execução.

100    Na petição, a recorrente não especifica quais os critérios, de entre os treze critérios de elegibilidade, visados por este argumento. A leitura global do seu terceiro fundamento permite, no entanto, entender que parece visar principalmente o critério relativo à importância estratégica e sistémica do beneficiário do auxílio, único critério expressamente mencionado nesta parte da petição, como a recorrente confirmou na audiência.

101    A este propósito, importa, antes de mais, sublinhar que corresponde à própria natureza de um regime de auxílios que os critérios de elegibilidade sejam formulados de forma geral e abstrata, de modo a poderem ser aplicados a um número indefinido de beneficiários. É tanto mais assim quanto se trata de um auxílio, como o do caso em apreço, que é aplicável a toda a economia de um Estado‑Membro.

102    Em seguida, o referido critério enumera várias indicações concretas suscetíveis de precisar e de direcionar a sua execução, tais como, nomeadamente, a empresa em causa pertencer aos setores da saúde pública ou da segurança pública, o seu papel na realização dos objetivos a médio prazo de transformação ecológica ou digital, serem empresas inovadoras, ou ainda empresas que prestam serviços de caráter essencial.

103    Por último, a recorrente também não pode invocar o Acórdão de 14 de fevereiro de 2019, Bélgica e Magnetrol International/Comissão (T‑131/16 e T‑263/16, em sede de recurso, EU:T:2019:91, n.o 87). Com efeito, por um lado, o processo que deu origem a esse acórdão caracterizava‑se pelo facto de a maioria dos elementos essenciais do auxílio em causa não resultarem dos atos do direito belga em que se baseava a referida medida. Nessas circunstâncias, o Tribunal Geral examinou se a Comissão tinha conseguido demonstrar de forma juridicamente bastante a existência de uma abordagem sistemática por parte da Administração belga que pudesse ser qualificada em si mesma como regime de auxílios. Ora, ao contrário desse processo, no presente caso todas as características do regime de auxílios em causa resultam dos atos em que este regime assenta (v. n.os 84 e 87, supra), o qual, além disso, não se baseia de forma alguma num padrão de conduta sistemático por parte da administração, questão que nem sequer se coloca no presente processo.

104    Por outro lado, e em todo o caso, a condição estabelecida pelo Tribunal Geral no n.o 87 do Acórdão de 14 de fevereiro de 2019, Bélgica e Magnetrol International/Comissão (T‑131/16 e T‑263/16, em sede de recurso, EU:T:2019:91), à qual se refere a recorrente e segundo a qual, para que um auxílio seja qualificado como regime de auxílios, as autoridades encarregadas da aplicação do referido regime não devem dispor de um poder discricionário quanto à determinação dos elementos essenciais do auxílio em questão e quanto à oportunidade da sua concessão, está preenchida no caso em apreço.

105    A este respeito, importa salientar que esta condição visa, na realidade, assegurar que as disposições que instituem o auxílio em questão contêm todos os elementos pertinentes para efeitos da apreciação da sua compatibilidade com o mercado interno, o que dispensa a Comissão da necessidade de efetuar uma análise do auxílio concedido em cada caso individual, como prevê a jurisprudência referida no n.o 78, supra. Com efeito, se as autoridades nacionais devessem dispor de um poder discricionário que lhes permitisse determinar, alterar, acrescentar ou derrogar os elementos essenciais do auxílio em questão, a Comissão não estaria em condições de apreciar a compatibilidade deste com o mercado interno sem examinar as condições concretas de concessão em cada caso individual.

106    Tal não é, contudo, o caso no presente processo. Como foi salientado no n.o 80, supra, o artigo 2.o do anexo II do ACM contém a lista exaustiva dos critérios de elegibilidade que devem estar cumulativamente preenchidos. As autoridades encarregadas da execução deste regime não podem, portanto, acrescentar outros critérios de elegibilidade, nem derrogá‑los, nem alterar o seu teor. Assim, são obrigadas a conceder o auxílio se todos os critérios forem respeitados e desde que o orçamento total da medida não esteja exaurido, ou a recusar o seu benefício se um desses critérios não estiver preenchido. A este propósito, não dispõem pois de nenhum poder discricionário, atuando no âmbito de uma competência vinculada.

107    É certo que, na avaliação de determinados critérios de elegibilidade, como o relativo à importância estratégica ou sistémica da empresa em causa, as autoridades encarregadas da execução do regime em causa podem ser chamadas a efetuar apreciações, por vezes complexas, de uma multiplicidade de fatores pertinentes. Todavia, o facto de dever efetuar essas apreciações não obsta, enquanto tal, à qualificação da medida em questão como regime de auxílios na aceção do artigo 1.o, alínea d), do Regulamento 2015/1589, tendo em conta, por um lado, os critérios de elegibilidade expressamente enunciados nas disposições que instituem o auxílio que as próprias autoridades nacionais não podem derrogar, cujo teor não podem alterar ou às quais não podem acrescentar outras disposições e, por outro lado, ao facto de os referidos critérios de elegibilidade, alguns dos quais foram indicados no n.o 4, supra, fornecerem, em si mesmos, indicações concretas para orientar as apreciações que as autoridades nacionais devem fazer.

108    Na sua petição, a recorrente critica igualmente o n.o 21 da decisão impugnada pelo facto de «o poder de o conselho de administração decidir, em cada caso, sobre o alcance das decisões de empresa sujeitas a autorização prévia, que serão incluídas no acordo sobre o apoio financeiro público temporário, ser igualmente desprovido de qualquer critério objetivo». Este argumento decorre, todavia, de uma leitura parcial da decisão impugnada. Com efeito, no n.o 20 da decisão impugnada, a Comissão salientou que, quando adquire ações, o Estado dispõe de direitos de veto no que respeita a determinadas decisões estratégicas da empresa. A Comissão sublinhou, contudo, que o exercício dos referidos direitos de veto é estritamente limitado ao objetivo de recuperação da viabilidade do beneficiário, bem como a questões sujeitas a autorização administrativa, tais como o despedimento de trabalhadores, a escolha de métodos de produção menos poluentes ou ainda as soluções digitais. O referido poder do conselho de administração não é, por conseguinte, «desprovido de qualquer critério objetivo», como considera a recorrente.

109    Na audiência, a recorrente acrescentou igualmente que as autoridades espanholas dispõem de um amplo poder discricionário quanto à determinação do montante e da forma do auxílio. Todavia, este argumento não foi invocado na petição e a recorrente não apresentou nenhuma justificação para a sua apresentação tardia. Também não pode ser considerado uma ampliação do terceiro fundamento, no âmbito do qual a recorrente apenas menciona o alegado poder discricionário das autoridades espanholas quanto à seleção dos beneficiários e ao poder do conselho de administração de decidir sobre o alcance das decisões de empresa sujeitas a autorização prévia. Deve, pois, ser julgado inadmissível (v., neste sentido, Acórdãos de 1 de fevereiro de 2007, Sison/Conselho, C‑266/05 P, EU:C:2007:75, n.o 95; de 16 de setembro de 2020, BP/FRA, C‑669/19 P, não publicado, EU:C:2020:713, n.o 15, e de 27 de setembro de 2012, Ballast Nedam Infra/Comissão, T‑362/06, EU:T:2012:492, n.o 137).

110    Terceiro, na petição, a recorrente alega igualmente que «a Comissão Europeia renunciou ao seu poder de apreciação relativo ao controlo dos auxílios de Estado e cometeu um erro de direito ao autorizar que a Espanha atuasse de forma discricionária na seleção dos beneficiários do regime de auxílios». Questionada, na audiência, sobre o alcance exato deste argumento, por um lado, a recorrente admitiu que este coincidia com o relativo à qualificação da medida em causa como regime de auxílios. Por outro lado, acrescentou que, com o referido argumento, acusava a Comissão de ter cometido um desvio de poder. Todavia, um eventual desvio de poder constitui um fundamento distinto de direito, o qual não foi invocado na petição e, portanto, não pode ser suscitado, sem qualquer justificação, pela primeira vez na audiência. Este novo fundamento é, portanto, intempestivo e inadmissível, em conformidade com a jurisprudência acima referida no n.o 109.

111    Tendo em conta tudo o que precede, há que julgar improcedente o terceiro fundamento.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação dos direitos processuais da recorrente

112    O quarto fundamento, relativo à salvaguarda dos direitos processuais da recorrente pelo facto de a Comissão não ter dado início a um procedimento formal de investigação apesar da alegada existência de sérias dúvidas, tem, na realidade, caráter subsidiário, para o caso de o Tribunal Geral não ter examinado a apreciação do auxílio enquanto tal. Com efeito, resulta de jurisprudência constante que esse fundamento visa permitir que se considere que um interessado tem legitimidade, nessa qualidade, para interpor um recurso ao abrigo do artigo 263.o TFUE, o que de outra forma lhe seria recusado (v., neste sentido, Acórdãos de 24 de maio de 2011, Comissão/Kronoply e Kronotex, C‑83/09 P, EU:C:2011:341, n.o 48, e de 27 de outubro de 2011, Áustria/Scheucher‑Fleisch e o., C‑47/10 P, EU:C:2011:698, n.o 44). Ora, o Tribunal Geral examinou os três primeiros fundamentos do recurso, relativos à apreciação do auxílio enquanto tal, pelo que esse fundamento está destituído do seu objetivo declarado.

113    Além disso, importa constatar que este fundamento carece de conteúdo autónomo. Com efeito, no âmbito desse fundamento, a recorrente pode invocar, para efeitos de proteção dos direitos processuais de que beneficia no quadro do procedimento formal de investigação, unicamente fundamentos suscetíveis de demonstrar que a apreciação das informações e dos elementos de que a Comissão dispunha ou podia dispor, na fase da análise preliminar da medida notificada, deveria ter suscitado dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de dezembro de 2008, Régie Networks, C‑333/07, EU:C:2008:764, n.o 81; de 9 de julho de 2009, 3F/Comissão, C‑319/07 P, EU:C:2009:435, n.o 35, e de 24 de maio de 2011, Comissão/Kronoply e Kronotex, C‑83/09 P, EU:C:2011:341, n.o 59), como o caráter insuficiente ou incompleto da análise levada a cabo pela Comissão na fase da análise preliminar ou a existência de queixas apresentadas por terceiros. Ora, há que salientar que o quarto fundamento retoma de forma condensada os argumentos invocados no âmbito dos primeiro a terceiro fundamentos, sem evidenciar elementos específicos relativos a eventuais dificuldades sérias.

114    Por estas razões, importa concluir que, tendo o Tribunal Geral examinado o mérito dos referidos fundamentos, não é necessário examinar a procedência deste fundamento.

 Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação

115    A recorrente sustenta que a Comissão não cumpriu o seu dever de fundamentação ao não apreciar se a exclusão das empresas não estabelecidas em Espanha do benefício do auxílio era conforme com os princípios da não discriminação, da livre prestação de serviços e da liberdade de estabelecimento.

116    A Comissão, apoiada pelo Reino de Espanha e pela República Francesa, pedem que o quinto fundamento seja julgado improcedente.

117    Há que recordar, a este respeito que, embora a fundamentação de um ato da União, exigida pelo artigo 296.o, n.o 2, TFUE, deva revelar, de forma clara e inequívoca, o raciocínio do autor do ato em causa de modo a permitir aos interessados conhecerem as justificações da medida adotada e ao Tribunal Geral de exercer a sua fiscalização, não se exige, porém, que essa fundamentação especifique todos os elementos de direito ou de facto pertinentes. Por outro lado, há que apreciar a observância do dever de fundamentação à luz não apenas do teor do ato mas também do seu contexto assim como do conjunto das regras jurídicas que regem a matéria em causa (v. Acórdão de 7 de fevereiro de 2018, American Express, C‑304/16, EU:C:2018:66, n.o 75 e jurisprudência referida).

118    No caso em apreço, no que respeita à natureza do ato em causa, a decisão impugnada foi adotada no termo da fase da análise preliminar dos auxílios instituída pelo artigo 108.o, n.o 3, TFUE, que tem apenas por objeto permitir à Comissão formar uma primeira opinião sobre a compatibilidade parcial ou total do auxílio em causa, sem que seja dado início ao procedimento formal de investigação previsto no n.o 2 do referido artigo, que, por sua vez, se destina a permitir à Comissão ter uma informação completa sobre todos os dados relativos a este auxílio.

119    Ora, essa decisão, que é tomada em prazos curtos, deve conter apenas as razões pelas quais a Comissão considera não estar perante dificuldades sérias de apreciação da compatibilidade do auxílio em causa com o mercado interno (Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Régie Networks, C‑333/07, EU:C:2008:764, n.o 65).

120    No que se refere ao contexto em que se inscreve a decisão impugnada, este é caracterizado pela pandemia de COVID‑19 e pela extrema urgência em que a Comissão, primeiro, adotou o quadro temporário, fornecendo tanto aos Estados‑Membros como às empresas afetadas pelas consequências da referida pandemia um determinado número de indicações, em seguida, examinou as medidas que lhe foram notificadas pelos referidos Estados, nomeadamente em aplicação deste quadro, e, por último, adotou as decisões relativas a estas últimas, entre as quais a decisão impugnada. A este respeito, resulta dos n.os 1 a 6, supra, que decorreram apenas onze dias entre a notificação do regime de auxílios em causa e a adoção da decisão impugnada.

121    Ora, apesar da natureza da decisão impugnada e das circunstâncias excecionais que rodearam a sua adoção, importa salientar que esta compreende, não obstante, 92 números e permite compreender os fundamentos de facto e de direito pelos quais a Comissão decidiu não levantar objeções ao regime de auxílios em causa. Assim, na decisão impugnada, a Comissão expôs, ainda que por vezes sucintamente, tendo em conta a urgência, as razões pelas quais o regime de auxílios em causa satisfazia as condições impostas pelo artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE.

122    No que respeita, em particular, à fundamentação da decisão impugnada quanto à exclusão das empresas não estabelecidas em Espanha do benefício do auxílio, importa recordar que o Tribunal de Justiça já teve ocasião de declarar que o dever de fundamentação se limita, em princípio, às razões pelas quais uma determinada categoria de operadores beneficia de uma certa medida, mas não implica que se justifique a exclusão de todos os outros operadores que não se encontram numa situação comparável. Com efeito, sendo o número de categorias excluídas do benefício de uma medida potencialmente ilimitado, não se pode exigir à Comissão que apresente uma fundamentação específica para cada uma delas (v., neste sentido, Acórdão de 15 de abril de 2008, Nuova Agricast, C‑390/06, EU:C:2008:224, n.o 81). No caso em apreço, tratando‑se de um regime de auxílios destinado a ser aplicado a toda a economia de um Estado‑Membro, de modo que o número de operadores excluídos do benefício desse regime pode potencialmente ser ilimitado, o dever de fundamentação que incumbe à Comissão não vai ao ponto de lhe impor que examine se todos ou alguns dos operadores assim excluídos se encontram numa situação comparável à dos beneficiários do auxílio e que justifique, se for caso disso, a exclusão de todos esses operadores do benefício do auxílio.

123    Além disso, e em qualquer caso, uma vez que a decisão impugnada estabelece, por um lado, as características do regime de auxílios, incluindo os critérios de elegibilidade do benefício, e, por outro lado, embora sucintamente, as razões pelas quais a Comissão considerou que o regime não infringia as liberdades fundamentais de circulação (v, nomeadamente, n.os 46, 59 e 60 da decisão impugnada), a referida decisão permite tanto à recorrente exercer o seu direito a um recurso efetivo, como resulta do seu primeiro fundamento, o que demonstra que ela pôde compreender o alcance da decisão impugnada a esse respeito, como ao Tribunal Geral exercer a sua fiscalização.

124    Assim, há que julgar improcedente o quinto fundamento.

125    Tendo em conta o que precede, deve ser negado provimento ao recurso na sua totalidade.

 Quanto às despesas

126    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que a condenar a suportar as suas próprias despesas e as despesas da Comissão, em conformidade com o pedido desta última.

127    O Reino de Espanha e a República Francesa suportarão as suas próprias despesas, nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Décima Secção alargada)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Ryanair DAC é condenada a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão Europeia.

3)      O Reino de Espanha e a República Francesa suportarão as suas próprias despesas.

Kornezov

Buttigieg

Kowalik‑Bańczyk

Hesse

 

      Stancu

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 19 de maio de 2021.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.