Language of document : ECLI:EU:T:2023:248

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Décima Secção alargada)

10 de maio de 2023 (*)

«Auxílios de Estado — Mercado alemão do transporte aéreo — Auxílio concedido pela Alemanha a favor de uma companhia aérea no âmbito da pandemia de COVID‑19 — Recapitalização da Deutsche Lufthansa — Decisão de não levantar objeções — Quadro temporário relativo a medidas de auxílio estatal — Recurso de anulação — Legitimidade processual — Afetação substancial da posição concorrencial — Admissibilidade — Poder de mercado significativo — Medidas adicionais para a concorrência efetiva no mercado — Dever de fundamentação»

Nos processos apensos T‑34/21 e T‑87/21,

Ryanair DAC, com sede em Swords (Irlanda), representada por E. Vahida, F.‑C. Laprévote, S. Rating, I.‑G. Metaxas‑Maranghidis e V. Blanc, advogados,

recorrente no processo T‑34/21,

Condor Flugdienst GmbH, com sede em Neu‑Isenburg (Alemanha), representada por A. Israel, J. Lang e E. Wright, advogados,

recorrente no processo T‑87/21,

contra

Comissão Europeia, representada por L. Flynn, S. Noë e F. Tomat, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

República Federal da Alemanha, representada por J. Möller e P.‑L. Krüger, na qualidade de agentes,

interveniente no processo T‑34/21,

por

República Francesa, representada por T. Stéhelin, J.‑L. Carré e P. Dodeller, na qualidade de agentes,

interveniente no processo T‑34/21,

e por

Deutsche Lufthansa AG, com sede em Colónia (Alemanha), representada por H.‑J. Niemeyer e J. Burger, advogados,

interveniente nos processos T‑34/21 e T‑87/21,

O TRIBUNAL GERAL (Décima Secção alargada),

composto, na deliberação, por: A. Kornezov (relator), presidente, E. Buttigieg, K. Kowalik‑Bańczyk, G. Hesse e D. Petrlík, juízes,

secretário: P. Cullen, administrador,

vistos os autos, nomeadamente a Decisão de 9 de junho de 2022 que decretou a apensação dos processos T‑34/21 e T‑87/21 para efeitos da fase oral e da decisão que ponha termo à instância,

após a audiência de 11 de julho de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        Nos recursos que interpuseram ao abrigo do disposto no artigo 263.o TFUE, as recorrentes, Ryanair DAC e Condor Flugdienst GmbH (a seguir «Condor»), pedem a anulação da Decisão C (2020) 4372 final da Comissão, de 25 de junho de 2020, relativa ao auxílio de Estado SA 57153 (2020/N) — Alemanha — COVID‑19 — Auxílio a favor da Lufthansa (a seguir «decisão impugnada»).

I.      Antecedentes do litígio e factos posteriores à interposição dos recursos

2        Em 12 de junho de 2020, a República Federal da Alemanha notificou a Comissão Europeia, nos termos do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE e da Comunicação da Comissão, de 19 de março de 2020, intitulada «Quadro temporário relativo a medidas de auxílio estatal em apoio da economia no atual contexto do surto de COVID‑19» (JO 2020, C 91 I, p. 1), conforme alterada em 3 de abril de 2020 (JO 2020, C 112 I, p. 1), e em 8 de maio de 2020 (JO 2020, C 164, p. 3) (a seguir «quadro temporário»), de um auxílio individual sob a forma de uma recapitalização no montante de 6 mil milhões de euros (a seguir «medida em causa»), concedido à Deutsche Lufthansa AG (a seguir «DLH»).

3        A DLH é a sociedade‑mãe do Grupo Lufthansa, que inclui nomeadamente as companhias aéreas Lufthansa Passenger Airlines, Brussels Airlines SA/NV, Austrian Airlines AG, Swiss International Air Lines Ltd e Edelweiss Air AG.

4        A medida em causa tem por objetivo restabelecer a posição do balanço e a liquidez das empresas do Grupo Lufthansa na situação excecional causada pela pandemia de COVID‑19. O auxílio é financiado e gerido pelo Governo alemão através do Wirtschaftsstabilisierungsfonds (Fundo de Estabilização da Economia, Alemanha) (a seguir «FEE»), um organismo público que concede apoio financeiro a curto prazo às empresas alemãs afetadas pela pandemia de COVID‑19.

5        A medida em causa inclui os três elementos seguintes:

–        uma participação no capital de 306 044 326,40 euros;

–        uma «participação passiva» de 4 693 955 673,60 euros, que constitui um instrumento híbrido, tratado como capital próprio segundo as normas internacionais de contabilidade (a seguir «participação passiva I»);

–        uma «participação passiva» de mil milhões de euros com as características de uma obrigação convertível (a seguir «participação passiva II»).

6        A medida em causa integra‑se num conjunto mais vasto de medidas de apoio ao Grupo Lufthansa, que podem ser resumidas, no momento da adoção da decisão impugnada, do seguinte modo:

–        uma garantia de Estado de 80 % sobre um empréstimo de 3 mil milhões de euros, que a República Federal da Alemanha entendeu conceder à DLH ao abrigo de um regime de auxílios já aprovado pela Comissão [Decisão C(2020) 1886 final da Comissão, de 22 de março de 2020, relativa ao auxílio de Estado SA.56714 (2020/N) — Alemanha — medidas COVID‑19];

–        uma garantia de Estado de 90 % sobre um empréstimo de 300 milhões de euros, que a República da Áustria entendeu conceder à Austrian Airlines ao abrigo de um regime de auxílios já aprovado pela Comissão [Decisão C(2020) 2354 final da Comissão, de 8 de abril de 2020, relativa ao auxílio de Estado SA.56840 (2020/N), Áustria COVID‑19: regime austríaco de auxílio à liquidez];

–        um empréstimo de 150 milhões de euros, que a República da Áustria entendeu conceder à Austrian Airlines para a indemnizar pelos danos resultantes do cancelamento ou da reprogramação dos seus voos no contexto da pandemia de COVID‑19;

–        250 milhões de euros de liquidez e um empréstimo de 40 milhões de euros que o Reino da Bélgica entendeu conceder à Brussels Airlines;

–        uma garantia de Estado de 85 % sobre um empréstimo de 1,4 mil milhões de euros concedido pela Confederação Suíça à Swiss International Air Lines e à Edelweiss Air.

7        Em 25 de junho de 2020, a Comissão adotou a decisão impugnada, na qual concluiu que a medida em causa constituía um auxílio de Estado compatível com o mercado interno, nos termos do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE e do quadro temporário. Em 20 de novembro de 2020, a Comissão publicou uma informação relativa à referida decisão no Jornal Oficial da União Europeia (JO 2020, C 397, p. 2).

8        Em 14 de dezembro de 2021, ou seja, após a interposição dos presentes recursos, a Comissão adotou a Decisão C(2021) 9606 final, que corrige a decisão impugnada (a seguir «decisão retificativa»).

II.    Pedidos das partes

9        Na petição de recurso apresentada no processo T‑34/21, a Ryanair conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

10      Numa resposta à medida de organização do processo de 11 de maio de 2022, apresentada em 26 de maio de 2022, a Ryanair pede, em substância, a anulação da decisão impugnada, conforme retificada pela decisão retificativa, e a condenação da Comissão nas despesas.

11      No processo T‑87/21, a Condor conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

12      Por articulado de adaptação apresentado em 22 de março de 2022, a Condor pede ainda que o Tribunal Geral se digne anular a decisão impugnada, conforme retificada pela decisão retificativa, e condenar a Comissão nas despesas.

13      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento aos recursos;

–        condenar as recorrentes nas despesas.

14      A DLH pede que seja negado provimento aos recursos e que as recorrentes sejam condenadas nas despesas. A República Federal da Alemanha e a República Francesa, intervenientes unicamente no processo T‑34/21, pedem que seja negado provimento ao recurso neste último processo. A República Federal da Alemanha pede ainda a condenação da Ryanair nas despesas.

III. Questão de direito

A.      Quanto à admissibilidade dos recursos

1.      Quanto à legitimidade processual da Ryanair

15      Em primeiro lugar, a Ryanair alega ser parte interessada, na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE e do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o TFUE (JO 2015, L 248, p. 9), e que, por conseguinte, tem legitimidade para defender os seus direitos processuais. Em segundo lugar, a Ryanair sustenta que a sua posição concorrencial no mercado foi substancialmente afetada pela medida em causa  e que tem igualmente legitimidade processual para contestar o mérito da decisão impugnada.

16      A Comissão não contesta a admissibilidade do recurso.

17      Em contrapartida, a República Francesa alega que a Ryanair não demonstrou que a sua posição concorrencial tivesse sido substancialmente afetada pela medida em causa.

18      Importa recordar que, quando a Comissão adota uma decisão de não levantar objeções com base no artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento 2015/1589, como no caso em apreço, não só declara que as medidas em causa são compatíveis com o mercado interno mas também recusa implicitamente dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE e no artigo 6.o, n.o 1, do referido regulamento (v. Acórdão de 27 de outubro de 2011, Austria/Scheucher‑Fleisch e o., C‑47/10 P, EU:C:2011:698, n.o 42 e jurisprudência referida). Quando, após uma análise preliminar, a Comissão considerar que a medida notificada suscita dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno, deverá, com fundamento no artigo 4.o, n.o 4, do Regulamento n.o 2015/1589, dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE e no artigo 6.o, n.o 1, do referido regulamento. Nos termos desta última disposição, tal decisão incluirá um convite ao Estado‑Membro em causa e às outras partes interessadas para apresentarem observações num prazo fixado, normalmente não superior a um mês (Acórdão de 24 de maio de 2011, Comissão/Kronoply e Kronotex, C‑83/09 P, EU:C:2011:341, n.o 46).

19      No caso em apreço, a Comissão decidiu, após uma análise preliminar, não levantar objeções à medida em causa com fundamento no facto de esta ser compatível com o mercado interno, nos termos do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE. Na medida em que não foi dado início ao procedimento formal de investigação, as partes interessadas, que teriam podido apresentar observações durante essa fase, ficaram privadas dessa possibilidade. Para sanar essa situação, é‑lhes reconhecido o direito de impugnar, perante o juiz da União, a decisão tomada pela Comissão de não dar início ao procedimento formal de investigação. Assim, é admissível o recurso interposto por um interessado, na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, para a anulação da decisão impugnada quando o autor desse recurso pretenda salvaguardar os direitos processuais que esta última disposição lhe confere (v. Acórdão de 18 de novembro de 2010, NDSHT/Comissão, C‑322/09 P, EU:C:2010:701, n.o 56 e jurisprudência referida).

20      À luz do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento 2015/1589, uma empresa concorrente da beneficiária de uma medida de auxílio figura entre as «partes interessadas», na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE (Acórdão de 3 de setembro de 2020, Vereniging tot Behoud van Natuurmonumenten in Nederland e o./Comissão, C‑817/18 P, EU:C:2020:637, n.o 50; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 18 de novembro de 2010, NDSHT/Comissão, C‑322/09 P, EU:C:2010:701, n.o 59).

21      No caso em apreço, não é contestado que a Ryanair seja uma concorrente do Grupo Lufthansa e que, por conseguinte, seja parte interessada na aceção do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento 2015/1589, com legitimidade processual para defender os direitos processuais que lhe são conferidos pelo artigo 108.o, n.o 2, TFUE.

22      Quanto à legitimidade da Ryanair para contestar o mérito da decisão impugnada, importa recordar que a admissibilidade de um recurso interposto por uma pessoa singular ou coletiva de um ato do qual não é destinatária, ao abrigo do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, está sujeita à condição de lhe ser reconhecida legitimidade, a qual se verifica em duas situações. Por um lado, esse recurso pode ser interposto se esse ato lhe disser direta e individualmente respeito. Por outro, essa pessoa pode interpor recurso de um ato regulamentar que não necessite de medidas de execução, se o mesmo lhe disser diretamente respeito (Acórdãos de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão, C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.os 59 e 91, e de 13 de março de 2018, Industrias Químicas del Vallés/Comissão, C‑244/16 P, EU:C:2018:177, n.o 39).

23      Uma vez que a decisão impugnada, que foi dirigida à República Federal da Alemanha, não constitui um ato regulamentar nos termos do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, dado não ser um ato de alcance geral (v., neste sentido, Acórdão de 3 de outubro de 2013, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho, C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.o 56), compete ao Tribunal Geral verificar se essa decisão diz direta e individualmente respeito à recorrente, na aceção desta disposição.

24      A este respeito, resulta de jurisprudência constante que os sujeitos que não sejam destinatários de uma decisão só podem alegar que esta lhes diz individualmente respeito se a mesma os afetar em razão de determinadas qualidades que lhes são específicas ou de uma situação de facto que os caracterize relativamente a qualquer outra pessoa, individualizando‑os, por isso, de forma análoga à do destinatário dessa decisão (Acórdãos de 15 de julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, EU:C:1963:17, p. 223; de 28 de janeiro de 1986, Cofaz e o./Comissão, 169/84, EU:C:1986:42, n.o 22; e de 22 de novembro de 2007, Sniace/Comissão, C‑260/05 P, EU:C:2007:700, n.o 53).

25      Assim, se um recorrente puser em causa a correção da decisão de apreciação do auxílio tomada com fundamento no artigo 108.o, n.o 3, TFUE, ou no termo do procedimento formal de investigação, o simples facto de poder ser considerado «interessado», na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, não basta para que o recurso seja julgado admissível. Deve então demonstrar que tem um estatuto específico, na aceção da jurisprudência recordada no n.o 24, supra. É o que sucede, nomeadamente, quando a posição do recorrente no mercado em questão é substancialmente afetada pelo auxílio objeto da decisão em causa (v. Acórdão de 15 de julho de 2021, Deutsche Lufthansa/Comissão, C‑453/19 P, EU:C:2021:608, n.o 37 e jurisprudência referida).

26      A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que a demonstração, pelo recorrente, de que a sua posição no mercado foi substancialmente afetada não implica uma decisão definitiva sobre a relação concorrencial entre essa parte e as empresas beneficiárias, mas apenas exige que a referida parte indique de forma pertinente as razões pelas quais a decisão da Comissão pode lesar os seus interesses legítimos, afetando substancialmente a sua posição no mercado em causa (v. Acórdão de 15 de julho de 2021, Deutsche Lufthansa/Comissão, C‑453/19 P, EU:C:2021:608, n.o 57 e jurisprudência referida).

27      Resulta assim da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a afetação substancial da posição concorrencial do recorrente no mercado em causa não resulta de uma análise aprofundada das diferentes relações de concorrência nesse mercado, que permita demonstrar com precisão a extensão da afetação da sua posição concorrencial, mas, em princípio, de uma constatação prima facie de que a concessão da medida visada na decisão da Comissão conduz a que esta posição seja substancialmente afetada (v. Acórdão de 15 de julho de 2021, Deutsche Lufthansa/Comissão, C‑453/19 P, EU:C:2021:608, n.o 58 e jurisprudência referida).

28      Daqui resulta que este requisito pode ser preenchido se o recorrente apresentar elementos que permitam demonstrar que a medida em causa é suscetível de afetar substancialmente a sua posição no mercado em causa (v. Acórdão de 15 de julho de 2021, Deutsche Lufthansa/Comissão, C‑453/19 P, EU:C:2021:608, n.o 59 e jurisprudência referida).

29      Quanto aos elementos admitidos pela jurisprudência para demonstrar essa afetação substancial, importa recordar que a mera circunstância de um ato ser suscetível de exercer uma certa influência nas relações de concorrência existentes no mercado pertinente e de a empresa em causa se encontrar numa qualquer relação de concorrência com o beneficiário desse ato não pode bastar para se poder considerar que o referido ato diz individualmente respeito à empresa em questão. Assim, uma empresa não pode invocar unicamente a sua qualidade de concorrente da empresa beneficiária (v. Acórdão de 15 de julho de 2021, Deutsche Lufthansa/Comissão, C‑453/19 P, EU:C:2021:608, n.o 60 e jurisprudência referida).

30      A prova de que a posição de um concorrente no mercado foi substancialmente lesada não pode limitar‑se à presença de determinados elementos que indiquem uma degradação dos resultados comerciais ou financeiros do recorrente, como uma importante redução do volume de negócios, perdas financeiras não negligenciáveis ou ainda uma diminuição significativa da quota de mercado na sequência da concessão do auxílio em questão. A concessão de um auxílio de Estado pode lesar a situação concorrencial de um operador também de outras formas, designadamente originando lucros cessantes ou uma evolução menos favorável do que a que se verificaria se o auxílio em causa não tivesse existido (Acórdão de 15 de julho de 2021, Deutsche Lufthansa/Comissão, C‑453/19 P, EU:C:2021:608, n.o 61).

31      Além disso, a jurisprudência não exige que o recorrente apresente elementos sobre a dimensão ou a extensão geográfica dos mercados em causa, ou ainda sobre a sua quota de mercado ou a do beneficiário da medida em causa ou de eventuais concorrentes nesses mercados. (v., neste sentido, Acórdão de 15 de julho de 2021, Deutsche Lufthansa/Comissão, C‑453/19 P, EU:C:2021:608, n.o 65).

32      É à luz destes princípios que importa analisar se a Ryanair apresentou elementos que permitam demonstrar que a medida em causa é suscetível de prejudicar substancialmente a sua posição no mercado em questão.

33      A este respeito, a Ryanair alega ser o concorrente mais próximo e mais direto do Grupo Lufthansa. Assim, em 2019, foi a segunda maior companhia aérea nos mercados alemão e belga, depois do Grupo Lufthansa, e a terceira no mercado austríaco. Além disso, no mesmo ano, esteve em concorrência direta com o Grupo Lufthansa em 96 rotas com partida ou destino à Alemanha, 27 das quais são apenas exploradas por si e pelo Grupo Lufthansa, ao passo que as restantes rotas o são por um número reduzido de operadores. Na Bélgica e na Áustria, a Ryanair está em concorrência direta com o referido grupo, respetivamente, em 46 e 35 rotas, algumas das quais são exploradas apenas por si e por esse grupo. Por outro lado, várias das rotas em causa revestem importância económica, uma vez que ligam grandes cidades da Europa e       além dela.

34      No entanto, a República Francesa responde que a Ryanair não apresenta elementos de prova suscetíveis de justificar que seja substancialmente afetada pela medida em causa nos aeroportos relevantes, identificados na decisão impugnada. Em especial, nos aeroportos de Viena (Áustria), Bruxelas (Bélgica), Hamburgo (Alemanha) e Palma de Maiorca (Espanha), nos quais o Grupo Lufthansa não tinha poder de mercado significativo (a seguir «PMS»), segundo a decisão impugnada, a medida em causa não afeta substancialmente a posição concorrencial da Ryanair. Além disso, no Aeroporto de Munique (Alemanha), esta última não figura entre os principais concorrentes do referido grupo, ao passo que, no aeroporto de Francoforte (Alemanha), as suas atividades são reduzidas, apesar de ser a segunda maior companhia aérea, depois do Grupo Lufthansa.

35      Em primeiro lugar, a objeção formulada pela República Francesa suscita, previamente, a questão de saber se os elementos apresentados pela Ryanair e resumidos no n.o 33, supra, são irrelevantes para a análise da sua legitimidade processual, na medida em que não visam especificamente a sua posição concorrencial nos aeroportos acima referidos no n.o 34. Esta objeção decorre, em substância, do facto de, na decisão impugnada, a Comissão ter identificado os mercados relevantes de serviços de transporte aéreo de passageiros segundo a abordagem «aeroporto a aeroporto». Em conformidade com esta abordagem, cada aeroporto é definido como um mercado diferente, sem distinção entre as rotas específicas servidas com destino ou origem nesse aeroporto.

36      Ora, no âmbito da quinta parte do seu primeiro fundamento, a Ryanair alega, nomeadamente, que a Comissão seguiu erradamente essa abordagem e que deveria ter definido os mercados em causa segundo uma abordagem baseada em pares de cidades definidas como ponto de origem e ponto de destino (a seguir «abordagem O & D»).

37      A este respeito, importa recordar que, na fase da análise da admissibilidade do recurso, não é necessário que o recorrente se pronuncie de forma definitiva sobre a definição do mercado dos produtos ou dos serviços em causa ou ainda sobre as relações de concorrência entre o recorrente e o beneficiário. Basta, em princípio, que demonstre que, prima facie, a concessão da medida em causa leva a que a sua posição concorrencial no mercado seja substancialmente afetada (v. jurisprudência referida nos n.os 26 e 27, supra).

38      Por conseguinte, na fase da análise da admissibilidade do recurso, quando a definição do mercado em causa é contestada pelo recorrente em sede de mérito, como sucede no caso em apreço, basta examinar se a definição do mercado em causa apresentada pelo recorrente é plausível, sem prejuízo da análise do mérito desta questão.

39      No caso em apreço, o Tribunal Geral considera que a definição dos mercados de serviços de transporte aéreo de passageiros segundo a abordagem O & D, preconizada pela Ryanair, é, prima facie, plausível. Com efeito, basta recordar que, no setor aéreo, o Tribunal Geral aceitou que a Comissão pudesse recorrer a esta abordagem para definir os mercados em causa, nomeadamente no domínio do controlo das concentrações (v., neste sentido, Acórdão de 13 de maio de 2015, Niki Luftfahrt/Comissão, T‑162/10, EU:T:2015:283, n.os 139 e 140 e jurisprudência referida).

40      Os dados fornecidos pela Ryanair, resumidos no n.o 33, supra, são, portanto, relevantes para efeitos da análise da sua legitimidade processual.

41      Em segundo lugar, resulta desses dados, cuja exatidão não é contestada pelas partes e é, aliás, confirmada pelos elementos de prova apresentados pela Ryanair no âmbito do presente processo, que a Ryanair e o Grupo Lufthansa se encontravam, antes da adoção da decisão impugnada, em concorrência num número significativo de rotas entre pares de cidades definidas como ponto de origem e ponto de destino (a seguir «rotas O&D») com destino e partida da Bélgica, da Alemanha e da Áustria, e que a Ryanair e o Grupo Lufthansa eram os únicos concorrentes num número considerável de rotas O&D. As partes também não contestam que a Ryanair seja a segunda maior companhia aérea, depois do Grupo Lufthansa, nos mercados belga e alemão, e a terceira no mercado austríaco.

42      Em terceiro lugar, e em todo o caso, não se pode deixar de observar que, na decisão impugnada, a Comissão identificou a Ryanair como sendo um dos concorrentes mais importantes do Grupo Lufthansa em alguns dos aeroportos relevantes. Assim, resulta dos n.os 188 e 189 da decisão impugnada que, no aeroporto de Francoforte, a Ryanair era o segundo e o terceiro concorrente mais importante do Grupo Lufthansa, em termos de número de faixas horárias que tinha nas épocas de inverno de 2019/2020 e de verão de 2019 da Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA), respetivamente. Era igualmente a segunda companhia aérea em número de aviões estacionados nesse aeroporto durante as referidas épocas. Do mesmo modo, segundo a decisão impugnada, a Ryanair era o concorrente mais próximo do Grupo Lufthansa nos aeroportos de Dusseldórfia (Alemanha) e de Viena (Áustria).

43      Em quarto lugar, a Ryanair alega que prosseguia objetivos de expansão nos mercados belga, alemão e austríaco, neles lançando, respetivamente, 9, 75 e 28 novas rotas em 2019, o que também não é contestado. Além disso, segundo a Ryanair, o Grupo Lufthansa poderia utilizar os capitais obtidos graças à medida em causa para baixar as suas tarifas e reforçar a sua posição concorrencial no mercado em seu detrimento, especialmente no contexto da pandemia de COVID‑19, o qual afetou todas as companhias aéreas.

44      A este respeito, resulta do n.o 16 da decisão recorrida que, se a medida em causa não tivesse existido, a DLH corria o risco de se tornar insolvente, o que poderia ter provocado o colapso de todo o Grupo Lufthansa. Além disso, segundo um relatório da Fundação para a Inovação Política intitulado «Before COVID‑19 air transportation in Europe: an already fragile sector» (Transporte aéreo na Europa antes da pandemia de COVID‑19: um setor já fragilizado), apresentado pela Ryanair e datado de maio de 2020, cujo teor não é contestado pelas partes, era «provável que a Ryanair e a Wizz Air saíssem da crise da COVID‑19 sem demasiados danos e dispon[do] mesmo de recursos financeiros suficientes, nomeadamente graças ao endividamento e à aquisição de sociedades em situação de insolvência, para participarem na provável restruturação do transporte aéreo na Europa». Daqui resulta que a Ryanair se encontrava numa posição relativamente forte em relação às companhias tradicionais como as que pertencem ao Grupo Lufthansa, o qual se via confrontado com um risco de insolvência ou mesmo de saída do mercado.

45      Os elementos salientados nos n.os 33 a 44, supra, considerados no seu conjunto, permitem concluir que a Ryanair demonstrou que a concessão da medida em causa conduziu prima facie a uma afetação substancial da sua posição concorrencial no mercado, provocando nomeadamente lucros cessantes ou uma evolução menos favorável do que a que se teria registado se essa medida não tivesse existido (v. jurisprudência referida no n.o 30, supra).

46      Esta conclusão não é posta em causa pela objeção da República Francesa segundo a qual a Ryanair não demonstrou que a decisão impugnada a afetava em razão de uma situação de facto que a distinguia de todos os outros concorrentes do Grupo Lufthansa.

47      Com efeito, o requisito da afetação substancial da sua posição concorrencial é um elemento específico do recorrente, que deve ser avaliado apenas em relação à sua posição no mercado anteriormente à concessão da medida em causa ou na ausência dessa concessão. Não se trata, portanto, de comparar a situação de todos os concorrentes presentes no mercado em questão (v., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral Maciej Szpunar no processo Deutsche Lufthansa/Comissão, C‑453/19 P, EU:C:2020:862, n.o 58). Por outro lado, como foi recordado no n.o 31, supra, o Tribunal de Justiça especificou que não era necessário que a recorrente apresentasse elementos relativos à sua quota de mercado ou à do beneficiário ou de eventuais concorrentes nesse mercado. Daqui decorre que, para demonstrar uma afetação substancial da sua posição concorrencial, não se exige à recorrente que demonstre, com base em provas, qual a situação concorrencial dos seus concorrentes e que a sua situação é distinta desta.

48      Por outro lado, importa salientar que a jurisprudência referida no n.o 24, supra, prevê dois critérios distintos para demonstrar que uma decisão diz individualmente respeito a sujeitos que não sejam destinatários da mesma, a saber, que a decisão impugnada os afeta «em razão de determinadas qualidades que lhes são específicas» ou «de uma situação de facto que os caracterize relativamente a qualquer outra pessoa». Esta jurisprudência não exige, portanto, que um recorrente demonstre, em todos os casos, que a sua situação de facto é distinta da de qualquer outra pessoa. Com efeito, basta que a decisão impugnada afete o recorrente em razão de determinadas qualidades que lhe são específicas.

49      É o que sucede neste processo. Efetivamente, todos os elementos mencionados nos n.os 33 a 44, supra, tendem a demonstrar, de forma suficientemente plausível, que a posição da Ryanair nos mercados em causa se caracterizava por determinadas qualidades que lhe são específicas, tais como a sua importância nos referidos mercados, o facto de ser a concorrente mais próxima do beneficiário nalguns deles, os seus planos de expansão nos mercados belga, alemão e austríaco ou ainda a sua situação financeira relativamente forte em relação à situação, enfraquecida, do beneficiário, colocando‑a assim numa posição capaz de lhe permitir ganhar quotas de mercado em detrimento do beneficiário, se não fosse o auxílio.

50      Em face do exposto, há que concluir que a Ryanair fez prova bastante de que a medida em causa era suscetível de afetar de forma substancial a sua posição concorrencial no mercado em causa.

51      Quanto à questão de saber se a decisão impugnada diz diretamente respeito à Ryanair, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, uma decisão da Comissão que autoriza um Estado‑Membro a pagar um auxílio diz diretamente respeito a um concorrente do beneficiário do auxílio quando não houver a mínima dúvida sobre a vontade do referido Estado de proceder a esse pagamento (v., neste sentido, Acórdão de 5 de maio de 1998, Dreyfus/Comissão, C‑386/96 P, EU:C:1998:193, n.os 43 e 44, e de 15 de setembro de 2016, Ferracci/Comissão, T‑219/13, EU:T:2016:485, n.o 44 e jurisprudência referida), como sucede no caso em apreço.

52      Por conseguinte, a Ryanair tem legitimidade processual para contestar o mérito da decisão impugnada.

2.      Quanto à legitimidade processual da Condor

53      Em primeiro lugar, a Condor alega que é parte interessada, na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE e do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento 2015/1589, e que, por conseguinte, tem legitimidade no caso em apreço para o exercício dos seus direitos processuais por ser uma concorrente do Grupo Lufthansa. Em segundo lugar, a Condor considera que a sua posição no mercado é substancialmente afetada pela medida em causa e que tem igualmente legitimidade processual para contestar o mérito da decisão impugnada.

54      A Comissão não contesta que a Condor seja parte interessada e que, portanto, tenha legitimidade para o exercício dos seus direitos processuais. Em contrapartida, declara que «tem dúvidas» de que a Condor tenha feito prova bastante de ter sido substancialmente afetada pela medida em causa.

55      Em primeiro lugar, não é contestado que a Condor seja uma concorrente do Grupo Lufthansa e que, por conseguinte, seja parte interessada na aceção do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento 2015/1589 e do artigo 108.o, n.o 2, TFUE (v. jurisprudência referida no n.o 20, supra). Por conseguinte, a Condor tem legitimidade para o exercício dos seus direitos processuais.

56      Em segundo lugar, quanto à questão de saber se a Condor tem igualmente legitimidade processual para contestar o mérito da decisão impugnada, importa salientar que, para demonstrar que a medida em causa afeta substancialmente a sua posição concorrencial no mercado, em primeiro lugar, esta recorrente alega que é o único concorrente do Grupo Lufthansa em 51 rotas O & D com destino e partida da Alemanha e que está em concorrência direta com o referido grupo em 79 outras rotas. Além disso, nas 130 rotas operadas tanto pela Condor como pelo Grupo Lufthansa, estes disponibilizaram um total de 18,6 milhões de lugares, dos quais a Condor disponibilizou 6,33 milhões.

57      Sem contestar a exatidão destes dados, a Comissão acusa a Condor de não ter precisado a fonte dos mesmos e o período a que se referem.

58      Embora, como afirma a Comissão, o anexo C.1 da réplica da Condor, no qual figura a lista das rotas O & D mencionadas no n.o 56, supra, não indique a fonte dos dados aí constantes nem o período a que se referem, não deixa de ser verdade que este anexo deve ser conjugado com os articulados apresentados pela Condor. A esse respeito, resulta da petição de recurso da Condor que os dados em causa provêm do analisador «SRS», parceiro da IATA, uma base de dados em linha que reúne um grande número de dados relativos aos itinerários, aos horários e ao número de lugares de diferentes companhias aéreas, consultado na Internet em 1 de dezembro de 2020. A Comissão não contesta a fiabilidade desta fonte. Além disso, a Condor indica na sua petição que esses dados se referem ao período compreendido entre abril de 2019 e março de 2020, correspondendo este período, aproximadamente, à época de verão de 2019 e à época de inverno de 2019/2020 da IATA e, portanto, ao período examinado na decisão impugnada.

59      A objeção da Comissão não deve, portanto, ser acolhida.

60      Feita esta precisão, o Tribunal Geral considera, pelos motivos expostos nos n.os 34 a 39, supra, aplicados mutatis mutandis, que os elementos apresentados pela Condor e resumidos no n.o 56, supra, são pertinentes para a análise da questão de saber se a medida em causa é prima facie suscetível de afetar substancialmente a sua posição concorrencial no mercado, sem prejuízo da análise de mérito da definição do mercado em causa.

61      Resulta destes elementos que a Condor e o Grupo Lufthansa estavam em concorrência num número elevado de rotas O & D com destino e partida da Alemanha, que a Condor era o único concorrente do grupo num número considerável dessas rotas e que o número de lugares disponíveis nos voos operados pela Condor em todas essas rotas era significativo.

62      Em segundo lugar, à semelhança do que faz a Condor, importa salientar que, nos n.os 188 e 189, 195, 196 e 202 da decisão impugnada, a própria Comissão identificou‑a como sendo a segunda e a terceira maior companhia aérea no aeroporto de Francoforte durante, respetivamente, a época de verão de 2019 e a época de inverno de 2019/2020 da IATA, em termos de faixas horárias. Além disso, ainda segundo as declarações da Comissão, a Condor era a segunda maior companhia aérea nos aeroportos de Munique e de Dusseldórfia, em termos de aeronaves estacionadas, e a terceira em termos de faixas horárias no aeroporto de Munique durante a época de verão de 2019 da IATA. Daqui resulta, de acordo com a própria decisão impugnada, que a Condor foi identificada como um dos principais concorrentes do Grupo Lufthansa em alguns dos aeroportos examinados na decisão.

63      Em terceiro lugar, a Condor alega que mantinha uma relação comercial de longa data com o Grupo Lufthansa, como demonstra o acordo de tráfego de afluência celebrado com a mesma. A este respeito, não é contestado que a Condor, que opera nomeadamente voos de longo curso, depende em larga medida, para encher os seus voos, do tráfego de afluência proveniente dos voos de pequeno curso operados pelo Grupo Lufthansa. Segundo a Condor, o referido grupo era o único a explorar redes em todos os aeroportos alemães capazes de assegurar um tráfego de afluência suficiente. Com efeito, segundo a Condor, não contestada neste ponto, cerca de 25 % de todos os passageiros de um voo de longo curso por ela operado utilizam um voo de pré ou de pós‑encaminhamento operado pelo Grupo Lufthansa. Por outro lado, este grupo assegura 90 % dos passageiros «indiretos» que utilizam os voos de longo curso operados pela Condor. Resulta destes elementos que o tráfego de afluência gerado deste modo pelo Grupo Lufthansa reveste particular importância para as operações da Condor.

64      Em quarto lugar, como foi acima recordado no n.o 44, resulta da decisão impugnada que, se a medida em causa não tivesse existido, a DLH corria o risco de se tornar insolvente, o que poderia ter provocado o colapso de todo o Grupo Lufthansa.

65      Ora, segundo a Condor, a medida em causa permitiu ao Grupo Lufthansa manter‑se no mercado, e mesmo lançar novas rotas que não explorava anteriormente.

66      Em face de tudo o que ficou exposto, há que concluir que a Condor fez prova bastante de que a medida em causa era suscetível de afetar de forma substancial a sua posição concorrencial nos mercados de transporte aéreo de passageiros.

67      Pelas mesmas razões expostas no n.o 51, supra, a decisão impugnada também diz diretamente respeito à Condor, pelo que tem legitimidade processual para contestar o mérito da decisão impugnada.

B.      Quanto ao mérito

68      No processo T‑34/21, a Ryanair invoca cinco fundamentos de recurso, que se referem, respetivamente, o primeiro, à errada aplicação do quadro temporário e a desvio de poder; o segundo, à errada aplicação do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE; o terceiro, à violação de determinadas disposições específicas do TFUE e de certos princípios gerais do direito da União, a saber, os princípios da não discriminação, da livre prestação de serviços e da liberdade de estabelecimento; o quarto, ao facto de a Comissão não ter dado início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE, e, o quinto, à violação do dever de fundamentação.

69      O primeiro fundamento divide‑se, concretamente, em sete partes, relativas, respetivamente, a primeira, à elegibilidade da DLH para o auxílio ao abrigo do quadro temporário; a segunda, à existência de outras medidas mais adequadas e que originam menos distorções da concorrência; a terceira, ao montante da recapitalização; a quarta, à remuneração e à saída do Estado; a quinta, à existência de PMS do beneficiário nos mercados em causa e aos compromissos estruturais impostos para preservar o exercício de uma concorrência efetiva nos referidos mercados; a sexta, à proibição de uma expansão comercial agressiva financiada pelo auxílio e, a sétima, a desvio de poder.

70      No processo T‑87/21, a Condor invoca três fundamentos de recurso, que se referem, respetivamente, o primeiro, ao facto de a Comissão não ter dado início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE; o segundo, a um erro manifesto de apreciação, dado que a Comissão considerou que a medida em causa era compatível com o mercado interno nos termos do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, e, o terceiro, à violação do dever de fundamentação. O Tribunal Geral verifica que o conteúdo dos dois primeiros fundamentos se sobrepõe parcialmente. Interrogada a este respeito na audiência, a Condor confirmou esta sobreposição, tendo esclarecido que estes fundamentos eram apresentados em função da decisão do Tribunal Geral sobre a admissibilidade do recurso e que, em substância, incidiam sobre a mesma problemática. Uma vez que o Tribunal Geral concluiu que a Condor tinha legitimidade processual para contestar o mérito da decisão impugnada, há que examinar estes dois fundamentos em conjunto. Em substância, ambos suscitam quatro problemáticas, a saber, a elegibilidade do beneficiário para o auxílio ao abrigo do quadro temporário, o montante da recapitalização, a proibição de uma expansão comercial agressiva financiada pelo auxílio e a existência de PMS por parte do beneficiário nos mercados em causa e nos compromissos estruturais.

71      Daqui resulta que o primeiro fundamento de recurso no processo T‑34/21 e os dois primeiros fundamentos de recurso no processo T‑87/21 suscitam, em parte, questões semelhantes que devem ser examinadas em conjunto e, em parte, questões diferentes. Todas estas questões podem ser agrupadas em seis problemáticas, do seguinte modo:

–        elegibilidade da DLH para o auxílio (primeira parte do primeiro fundamento no processo T‑34/21 e segunda parte do primeiro fundamento no processo T‑87/21);

–        existência de outras medidas mais adequadas e menos geradoras de distorções de concorrência (segunda parte do primeiro fundamento no processo T‑34/21);

–        montante do auxílio (terceira parte do primeiro fundamento no processo T‑34/21, segunda parte do primeiro fundamento e segunda parte do segundo fundamento no processo T‑87/21);

–        remuneração e saída do Estado (quarta parte do primeiro fundamento no processo T‑34/21);

–        proibição de uma expansão comercial agressiva financiada pelo auxílio (sexta parte do primeiro fundamento no processo T‑34/21, primeira parte do primeiro fundamento e segunda parte do segundo fundamento no processo T‑87/21);

–        existência de PMS do beneficiário nos mercados em causa e nos compromissos estruturais (quinta parte do primeiro fundamento no processo T‑34/21, primeira parte do primeiro fundamento e primeira parte do segundo fundamento no processo T‑87/21).

72      Importa começar por algumas observações preliminares, antes de analisar, em seguida, estas problemáticas e, por último, sendo caso disso, os demais fundamentos invocados pelas recorrentes.

1.      Observações preliminares

a)      Quanto à intensidade do controlo judicial

73      A título preliminar, importa recordar que a apreciação da compatibilidade de medidas de auxílio com o mercado interno, nos termos do artigo 107.o, n.o 3, TFUE, é da competência exclusiva da Comissão, que atua sob o controlo dos órgãos jurisdicionais da União (Acórdão de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.o 37).

74      A este respeito, resulta de jurisprudência constante que a Comissão beneficia de um amplo poder de apreciação cujo exercício implica avaliações complexas de ordem económica e social (v. Acórdão de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.o 38 e jurisprudência referida). Com efeito, o artigo 107.o, n.o 3, TFUE concede à Comissão um amplo poder de apreciação com vista a admitir auxílios em derrogação à proibição geral do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, uma vez que a apreciação, nesses casos, da compatibilidade ou incompatibilidade de um auxílio de Estado com o mercado interno levanta problemas que exigem a tomada em consideração e a apreciação de factos e circunstâncias económicas complexos (Acórdãos de 18 de janeiro de 2012, Djebel — SGPS/Comissão, T‑422/07, não publicado, EU:T:2012:11, n.o 107, e de 1 de março de 2016, Secop/Comissão, T‑79/14, EU:T:2016:118, n.o 29). Neste quadro, o controlo judicial aplicado ao exercício desse poder de apreciação limita‑se à verificação do cumprimento das regras processuais e de fundamentação, bem como ao controlo da exatidão material dos factos considerados e da inexistência de erros de direito, de erros manifestos na apreciação dos factos ou de desvio de poder (v. Acórdão de 11 de setembro de 2008, Alemanha e o./Kronofrance, C‑75/05 P e C‑80/05 P, EU:C:2008:482, n.o 59 e jurisprudência referida).

75      Todavia, no exercício deste poder de apreciação, a Comissão pode adotar orientações para estabelecer critérios com base nos quais pretende avaliar a compatibilidade, com o mercado interno, de medidas de auxílio projetadas pelos Estados‑Membros. Ao adotar tais regras de conduta e ao anunciar, através da sua publicação, que as aplicará no futuro aos casos a que essas regras sejam aplicáveis, a Comissão autolimita‑se no exercício do referido poder de apreciação e não pode, em princípio, desrespeitar as mesmas regras sob pena de poder ser sancionada, sendo caso disso, por violação de princípios gerais do direito, como a igualdade de tratamento ou a proteção da confiança legítima (Acórdão de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.os 39 e 40 e jurisprudência referida). No entanto, a adoção de regras de conduta pelas quais a Comissão limita o seu poder de apreciação não a dispensa do seu dever de analisar as circunstâncias específicas excecionais invocadas por um Estado‑Membro, num dado caso, para requerer a aplicação direta do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE. Daqui resulta que a Comissão pode autorizar um projeto de auxílio de Estado que derrogue as referidas regras em circunstâncias excecionais (v., neste sentido, Acórdão de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.os 41 e 43).

76      Assim, no domínio específico dos auxílios de Estado, a Comissão tem de respeitar os enquadramentos e comunicações que adota, na medida em que não se afastem das normas do Tratado (v. Acórdão de 2 de dezembro de 2010, Holland Malt/Comissão, C‑464/09 P, EU:C:2010:733, n.o 47 e jurisprudência referida). Compete, pois, ao juiz da União verificar se a Comissão respeitou as regras de que se dotou (v. Acórdão de 8 de abril de 2014, ABN Amro Group/Comissão, T‑319/11, EU:T:2014:186, n.o 29 e jurisprudência referida).

77      Além disso, no âmbito da fiscalização que as jurisdições da União exercem sobre as apreciações económicas complexas feitas pela Comissão no domínio dos auxílios de Estado, é certo que não cabe ao juiz da União substituir a apreciação económica da Comissão pela sua própria apreciação. Todavia, deve, designadamente, verificar não só a exatidão material dos elementos de prova invocados, sua fiabilidade e coerência, mas também fiscalizar se esses elementos constituem a totalidade dos dados pertinentes a tomar em consideração para apreciar uma situação complexa e se são suscetíveis de fundamentar as conclusões que deles se retiram (Acórdão de 24 de janeiro de 2013, Frucona Košice/Comissão, C‑73/11 P, EU:C:2013:32, n.os 75 e 76; v., igualmente, Acórdão de 24 de outubro de 2013, Land Burgenland e o./Comissão, C‑214/12 P, C‑215/12 P e C‑223/12 P, EU:C:2013:682, n.o 79 e jurisprudência referida). Do mesmo modo, cabe ao juiz da União fiscalizar a interpretação feita pela Comissão de dados de natureza económica (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2007, Espanha/Lenzing, C‑525/04 P, EU:C:2007:698, n.o 56).

78      Por conseguinte, embora o controlo do juiz da União seja limitado no que respeita às avaliações complexas de ordem económica e social efetuadas pela Comissão, como resulta da jurisprudência recordada no n.o 74, supra, esse controlo é, em contrapartida, integral quanto às apreciações feitas pela Comissão que não impliquem tais avaliações ou, ainda, no que respeita a questões de natureza estritamente jurídica.

b)      Quanto ao valor probatório dos relatórios dos peritos

79      No âmbito do processo T‑34/21, a Ryanair baseia‑se, em diversos aspetos, em vários relatórios de peritos, entre os quais, nomeadamente:

–        um relatório intitulado «Assessment of the Commission’s analysis of the proportionality of the aid to DLH» (Avaliação da análise efetuada pela Comissão sobre a proporcionalidade do auxílio concedido à DLH), de 21 de janeiro de 2021, elaborado pela Oxera (a seguir «relatório Oxera I»);

–        um relatório intitulado «Assessment of the Commission’s approach to determining SMP and competitive distortions» (Avaliação da abordagem seguida pela Comissão para determinar PMS e distorções da concorrência), de 21 de janeiro de 2021, elaborado pela Oxera (a seguir «relatório Oxera II»);

–        o relatório da Fundação para a Inovação política, referido no n.o 44, supra;

–        um relatório intitulado «Rating Action: Moody’s downgrades Lufthansa to Ba1, rating placed on review for downgrade» (Rating: a Moody’s baixa o rating da Lufthansa para Ba1, rating colocado sob vigilância para uma eventual descida de posição), de 17 de março de 2020, elaborado pela Moody’s (a seguir «relatório Moody’s») e

–        um relatório intitulado «European Airlines, All is not what it seems» (Companhias aéreas europeias: nem tudo é o que parece), de 17 de abril de 2020, elaborado por J. Hollins, R. Joynson e D. Maglione, da Exane BNP Paribas (a seguir «relatório Exane»).

80      A título preliminar, importa examinar o valor probatório destes relatórios.

81      A este respeito, importa recordar que, na falta de regulamentação da União sobre o conceito de prova, o juiz da União consagrou o princípio da livre produção ou de liberdade dos meios de prova, que deve ser entendido como a faculdade de, para provar um dado facto, recorrer a meios de prova de qualquer natureza, tais como testemunhas, prova documental, confissão, relatórios periciais, etc. Correlativamente, segundo jurisprudência constante, a determinação da credibilidade ou, por outras palavras, do valor probatório de um elemento de prova é remetida para a convicção íntima do juiz Assim, para aferir o valor probatório de um documento, há que ter em conta vários elementos, tais como a origem do documento, as circunstâncias da sua elaboração, o seu destinatário ou o seu conteúdo, e questionar‑se se, de acordo com esses elementos, a informação que contém se revela razoável e fiável (v. Acórdão de 2 de julho de 2019, Mahmoudian/Conselho, T‑406/15, EU:T:2019:468, n.os 136 e 137 e jurisprudência referida).

82      No caso em apreço, em primeiro lugar e no que respeita aos relatórios da Moody’s e da Exane, há que salientar que não foram elaborados a pedido da Ryanair, não têm ligação com o presente processo judicial e os seus autores são terceiros cujo saber, reputação e independência face à Ryanair não são contestados.

83      Em segundo lugar, no que se refere aos relatórios Oxera I e II, importa salientar que foram elaborados a pedido da Ryanair para efeitos do presente processo.

84      Todavia, a Comissão, a República Federal da Alemanha, a República Francesa e a DLH não contestam o valor probatório desses relatórios nem a exatidão ou a veracidade das informações de ordem factual e económica neles contidas.

85      Além disso, o Tribunal Geral observa que esses relatórios foram elaborados com base em informações acessíveis ao público ou provenientes de fontes fidedignas e independentes face à Ryanair. Com efeito, os relatórios Oxera I e II baseiam‑se em informações provenientes, nomeadamente, de fontes como a associação Airports Council International (ACI) Europe, a IATA, várias agências de notação como a Moody’s, a Kroll Bond Rating Agency e a S & P, o Financial Times, a DLH ou outras companhias aéreas, as autoridades alemãs e a própria decisão impugnada.

86      Por último, embora esses relatórios sejam posteriores à adoção da decisão impugnada, não deixa de ser verdade que se baseiam em dados existentes à data dessa adoção. A este respeito, segundo a jurisprudência, o facto de o controlo exercido pelo juiz a quem é apresentado um pedido de anulação ser feito tendo unicamente por referência os elementos de facto e de direito existentes à data da adoção da decisão impugnada não prejudica a possibilidade de as partes, no exercício dos seus direitos de defesa, os completarem com meios de prova posteriores a essa data, mas apresentados com o objetivo especifico de contestar ou defender essa decisão (v. Acórdão de 27 de setembro de 2006, GlaxoSmithKline Services/Comissão, T‑168/01, EU:T:2006:265, n.o 58 e jurisprudência referida).

87      Nestas circunstâncias, o Tribunal Geral conclui que os relatórios referidos no n.o 79, supra, têm valor probatório.

2.      Quanto à elegibilidade da DLH para o auxílio

88      No processo T‑34/21, a Ryanair apresenta três alegações sobre a elegibilidade da DLH para o auxílio, relativas, respetivamente, à inobservância das condições previstas no n.o 49, alínea a), no n.o 49, alínea b), e no n.o 49, alínea c), do quadro temporário. Esta terceira alegação e a argumentação apresentada pela Condor no processo T‑87/21, segundo a qual a Comissão não teve em conta as condições previstas no n.o 49, alínea c), do quadro temporário, sobrepõem‑se. Importa examinar as alegações de modo consecutivo.

a)      Quanto à violação do n.o 49, alínea a), do quadro temporário

89      A Ryanair alega, em substância, que a Comissão não demonstrou que, se o auxílio não tivesse sido concedido, o beneficiário teria necessariamente entrado em situação de insolvência ou teria graves dificuldades em prosseguir a sua atividade, na aceção do n.o 49, alínea a), do quadro temporário. Além disso, a Comissão confundiu os conceitos de falta de liquidez, que ocorre quando uma empresa é incapaz de pagar as suas dívidas no momento do seu vencimento, e de insolvência, que ocorre quando o valor total do passivo da empresa ultrapassa o do seu ativo.

90      A Comissão, apoiada pela República Federal da Alemanha e pela DLH, contesta esta argumentação.

91      O n.o 49 do quadro temporário, que figura no ponto 3.11.2, intitulado «Condições de elegibilidade e de entrada», enumera as condições que as medidas de recapitalização concedidas no contexto da pandemia de COVID‑19 devem satisfazer para que o eventual beneficiário seja considerado elegível para delas beneficiar.

92      A primeira destas condições, prevista no n.o 49, alínea a), do quadro temporário, exige a prova de que, sem a intervenção do Estado, o beneficiário cessaria a sua atividade ou enfrentaria graves dificuldades para manter a sua atividade. Foi nesta segunda hipótese que a Comissão se baseou para concluir que esta condição estava satisfeita. Em conformidade com o mesmo número do quadro temporário, estas dificuldades podem ser demonstradas nomeadamente, pela deterioração do rácio dívida/capital do beneficiário ou de indicadores semelhantes.

93      Nos n.os 96 a 98 da decisão impugnada, a Comissão salientou que a deterioração do capital próprio da DLH afetava gravemente a sua liquidez e a ameaçava de insolvência a curto prazo. Esta conclusão baseava‑se em documentos internos e em projeções financeiras entre 2020 e 2026, fornecidos pelo Governo alemão, dos quais resultava que o capital da DLH diminuiu significativamente no final de 2020 em relação a 2019 e que esta se encontrava, apesar das medidas tomadas durante 2020 para obter liquidez, numa situação de «falta de liquidez técnica», o que significava que a liquidez de que dispunha não era suficiente para reembolsar as suas dívidas vencidas, o que a Ryanair não contesta. A Comissão concluiu desse facto que a medida em causa permitia evitar a insolvência da DLH e que, por conseguinte, na falta de um aumento de capital, esta teria graves dificuldades em prosseguir com as suas operações.

94      Além disso, há que observar que a Comissão salientou, na decisão impugnada, uma deterioração do rácio dívida‑capital próprio da DLH, como prevê o n.o 49, alínea a), do quadro temporário (v. quadro n.o 1, que figura no n.o 117 da decisão impugnada). Ora, a Ryanair não contesta estes dados.

95      Por conseguinte, a Comissão não violou o n.o 49, alínea a), do quadro temporário.

96      Quanto ao argumento da Ryanair relativo à distinção entre os conceitos de falta de liquidez e de insolvência, este deve ser julgado inoperante. Com efeito, o n.o 49, alínea a), do quadro temporário não faz depender destes conceitos a elegibilidade para o auxílio, mas sim, nomeadamente, da existência de graves dificuldades para a empresa em causa manter a sua atividade.

97      No que respeita ao argumento segundo o qual a Comissão não demonstrou que não podia ser considerada outra medida que visasse os problemas de liquidez do beneficiário e fosse menos geradora de distorções, este argumento coincide com a problemática suscitada no âmbito da segunda parte do primeiro fundamento, que será examinada em seguida.

98      Consequentemente, há que julgar improcedente o presente fundamento.

b)      Quanto à violação do n.o 49, alínea b), do quadro temporário

99      A Ryanair acusa, em substância, a Comissão de ter violado o n.o 49, alínea b), do quadro temporário, uma vez que não demonstrou a importância da DLH, do ponto de vista sistémico, para a economia alemã.

100    A Comissão, apoiada pela República Federal da Alemanha e pela DLH, contesta esta argumentação.

101    O n.o 49, alínea b), do quadro temporário prevê que as medidas de recapitalização previstas devem ser do interesse comum. A existência desse interesse comum pode ser demonstrada se a medida em causa disser respeito à necessidade de evitar dificuldades de ordem social e falhas de mercado devido a uma perda significativa de empregos, à saída de uma empresa inovadora, à saída de uma empresa importante do ponto de vista sistémico, ao risco de perturbação de um serviço importante ou a situações similares devidamente justificadas pelo Estado‑Membro em causa.

102    No n.o 99 da decisão impugnada, a Comissão salientou que a DLH era importante do ponto de vista sistémico para a economia alemã em vários aspetos, a saber, nomeadamente, para o emprego, a conectividade e o comércio internacional, e que, por conseguinte, a intervenção era do interesse comum. Em especial, resulta dos n.os 36 a 38 da decisão impugnada que, em primeiro lugar, a DLH é um empregador importante, com mais de 135 000 trabalhadores, dos quais 73 000 trabalham nas plataformas aeroportuárias situadas na Alemanha. Em segundo lugar, tendo em conta os voos que opera para 301 destinos em 100 países, a DLH desempenha um papel importante para a conectividade da Alemanha, não apenas para os voos de pequeno curso, mas também para os voos de longo curso. Em terceiro lugar, a DLH contribui para uma parte considerável do volume do comércio externo de frete aéreo na Alemanha, o que é muito importante para uma economia virada para a exportação, como a desse país. Por outro lado, resulta do n.o 14 da decisão impugnada que os seus serviços de frete aéreo também desempenharam um papel essencial no transporte de máscaras de proteção e de material médico da China para Europa durante a pandemia de COVID‑19. Por último, o n.o 36 da decisão impugnada refere que a atividade da DLH dá uma contribuição importante para o orçamento de Estado, sob a forma de cotizações para a Segurança Social, de pagamento do imposto sobre o rendimento e de taxas de transporte aéreo.

103    Há que constatar que a Ryanair não contesta estes dados, mas considera, em substância, que não são suficientes para demonstrar a importância do ponto de vista sistémico da DLH para a economia alemã. Segundo a Ryanair, o conceito de empresa importante do ponto de vista sistémico, na aceção do n.o 49, alínea b), do quadro temporário, deve ser interpretado no sentido de que tem por objeto as empresas cuja insolvência conduziria ao colapso de todo o setor em que operam.

104    Todavia, a interpretação preconizada pela Ryanair não merece acolhimento. Com efeito, nada na redação do n.o 49, alínea b), do quadro temporário sugere que só as empresas cuja saída do mercado ocasionasse o colapso de todo o setor são elegíveis para o auxílio. Além disso, uma leitura integral do n.o 49, alínea b), do quadro temporário, designadamente dos exemplos dos casos em que é do interesse comum intervir, como o risco de dificuldades sociais ou de perda significativa de empregos ou ainda de perturbação de um serviço importante, demonstra que a interpretação avançada pela Ryanair é demasiado restritiva.

105    Em defesa desta interpretação, a Ryanair faz referência, além disso, à prática decisória da Comissão no setor financeiro e às regras em matéria de auxílios de estado aplicáveis nesse setor [nomeadamente a Comunicação da Comissão sobre a aplicação, a partir de 1 de agosto de 2013, das regras em matéria de auxílios estatais às medidas de apoio aos bancos no contexto da crise financeira (JO 2013, C 216, p. 1), e a Diretiva 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito, que altera a Diretiva 2002/87/CE e revoga as Diretivas 2006/48/CE e 2006/49/CE (JO 2013, L 176, p. 338)]. A este respeito, basta recordar que é apenas no âmbito do artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE e do quadro temporário que deve ser apreciada a legalidade da decisão impugnada, e não à luz de uma alegada prática anterior (v., neste sentido, Acórdão de 27 de fevereiro de 2013, Nitrogénművek Vegyipari/Comissão, T‑387/11, não publicado, EU:T:2013:98, n.o 126 e jurisprudência referida), nem, de resto, à luz da Comunicação da Comissão sobre a aplicação, a partir de 1 de agosto de 2013, das regras em matéria de auxílios estatais às medidas de apoio aos bancos no contexto da crise financeira ou da Diretiva 2013/36, referidas pela Ryanair, não sendo estas aplicáveis no caso em apreço.

106    Os demais argumentos da Ryanair também não merecem acolhimento.

107    Em primeiro lugar, contrariamente ao que sustenta a Ryanair, há que salientar que a Comissão não tinha a obrigação de examinar se a DLH poderia ser facilmente substituída por outras companhias aéreas. Tal requisito não está previsto no n.o 49, alínea b), do quadro temporário, cuja inobservância é alegada.

108    Em segundo lugar, o facto de a Comissão não ter indicado, na decisão impugnada, a quota de mercado da DLH para demonstrar a sua importância sistémica para a economia alemã não é suscetível de invalidar a análise desta quanto a este aspeto. De facto, a importância de uma empresa do ponto de vista sistémico pode ser demonstrada com base numa multiplicidade de outros indícios, como os acima resumidos no n.o 101, que fazem prova bastante de que a condição prevista no n.o 49, alínea b), estava satisfeita.

109    Em terceiro lugar, o argumento da Ryanair segundo o qual a Comissão confiou nas informações fornecidas pela República Federal da Alemanha sem efetuar a sua própria análise «autónoma» carece de base factual. Com efeito, resulta das notas de rodapé n.os 25 e 26 da decisão impugnada que a Comissão verificou igualmente certas informações por referência a fontes independentes, como a IATA. Além disso, decorre do n.o 99 da decisão impugnada que a Comissão avaliou os elementos de prova apresentados pela República Federal da Alemanha e que os considerou fiáveis.

110    Em quarto lugar, a Ryanair acusa a Comissão de não ter examinado a possibilidade de uma redução da dimensão ou das atividades da DLH. Todavia, importa salientar que o n.o 49, alínea b), do quadro temporário não prevê esta condição de elegibilidade.

111    Por conseguinte, a presente alegação deve ser julgada improcedente.

c)      Quanto à violação do n.o 49, alínea c), do quadro temporário

112    A Ryanair, no âmbito da primeira parte (terceira alegação) do seu primeiro fundamento, alega, em substância, que a Comissão violou o n.o 49, alínea c), do quadro temporário ao considerar que não era possível à DLH encontrar financiamento nos mercados a preços acessíveis e que, a este respeito, a Comissão não teve em conta todos os elementos pertinentes. A Condor, no âmbito da segunda parte (primeira alegação) do seu primeiro fundamento, sustenta que a análise da Comissão a este respeito é incompleta e insuficiente, sendo, portanto, reveladora da existência de dúvidas sérias.

113    A Comissão, apoiada pela DLH, contesta esta argumentação. Esta instituição alega, em substância, que as recorrentes não apresentam nenhuma prova concreta do facto de que o beneficiário podia encontrar financiamento nos mercados a preços acessíveis, tendo em conta as necessidades de financiamento deste último e as limitações de tempo.

114    Nos termos do n.o 49, alínea c), do quadro temporário, para ser elegível para uma medida de recapitalização, não deve, nomeadamente, ser possível ao beneficiário encontrar financiamento nos mercados a preços acessíveis.

115    Nos n.os 21 a 24 e 100 da decisão impugnada, a Comissão concluiu que esta condição estava preenchida pelo facto de, nomeadamente, a DLH estar impossibilitada de se financiar nos mercados através de empréstimo, uma vez que os investidores não estavam dispostos a fornecer fundos sem garantias suficientes para proteger os seus créditos em caso de incumprimento. Ora, segundo a Comissão, a DLH não dispunha de garantias suficientes para obter nos mercados instrumentos de dívida titularizados para a totalidade do montante em causa. Além disso, segundo a Comissão, o montante total de 9 mil milhões de euros, necessário para manter a continuidade da atividade económica do Grupo durante e após o surto de COVID‑19, ultrapassava o volume total de títulos de dívida emitidos na Europa nos últimos meses.

116    A Ryanair responde, em substância, que a Comissão não examinou se a DLH podia, nem que fosse pelo menos em parte, encontrar financiamento nos mercados oferecendo garantias de dívida titularizada (collateral), tais como a sua frota de aviões, as suas faixas horárias ou o seu programa de fidelização.

117    A este respeito, há que observar que a questão de saber se a DLH não era capaz de se financiar nos mercados a preços acessíveis implica avaliações económicas complexas relativas à situação financeira global do beneficiário e ao funcionamento dos mercados financeiros, pelo que o controlo exercido pelo juiz da União sobre este tipo de avaliações é restrito. Por conseguinte, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 77, supra, o juiz da União deve verificar não só a exatidão material dos elementos de prova invocados, sua fiabilidade e coerência, mas também fiscalizar se esses elementos constituem a totalidade dos dados pertinentes a ser tomados em consideração para apreciar uma situação complexa e se são suscetíveis de fundamentar as conclusões que deles se retiram.

118    No caso em apreço, há que observar, à semelhança da Ryanair, que, durante o período que antecede a adoção da decisão impugnada, o Grupo Lufthansa possuía 86 % da sua frota de aviões, que comportava 763 aviões, que 87 % dos aviões que possuía não estavam dados em garantia («noncollateralised» ou «unencumbered») e que o valor contabilístico dessa frota de aviões era de cerca de 10 mil milhões de euros. Estas conclusões resultam de forma clara, unívoca e concordante de vários elementos de prova juntos aos autos no processo T‑34/21, a saber, de uma declaração do diretor financeiro da própria DLH, de 19 de março de 2020, bem como dos relatórios Oxera I, da Moody’s e da Exane. Os relatórios Oxera I e da Moody’s referem, além disso, que a DLH podia utilizar a sua frota como garantia para mobilizar fundos nos mercados financeiros.

119    O relatório Oxera I precisa, por outro lado, que o valor contabilístico das peças sobressalentes detidas pelo Grupo Lufthansa era de 2,3 mil milhões de euros no final de 2019. Este relatório indica, além disso, que, ao tomar em consideração uma potencial redução do valor dos ativos de 20 % a 50 % devido à pandemia de COVID‑19 e um rácio empréstimo‑valor (loan to value ratio, LTV) de 40 a 60 %, a DLH poderia ter mobilizado nos mercados entre 1 e 3,7 mil milhões de euros de empréstimo utilizando os seus aviões e as peças sobressalentes como garantia.

120    A Comissão e as intervenientes não contestam a exatidão e a fiabilidade destes dados.

121    Além disso, resulta dos elementos dos autos que a Ryanair tinha chamado a atenção tanto do Governo alemão como da Comissão para esses elementos, nomeadamente para a declaração do diretor financeiro da DLH mencionada no n.o 118, supra, antes mesmo da adoção da decisão impugnada, através de cartas datadas, respetivamente, de 1 de abril de 2020 e de 3 de abril de 2020.

122    Ora, na decisão impugnada, a Comissão limitou‑se a afirmar que a DLH não tinha «garantias suficientes» para obter instrumentos de financiamento nos mercados «no montante total» do auxílio.

123    Todavia, por um lado, a Comissão não fundamentou de modo algum esta afirmação. Com efeito, nada na decisão impugnada indica que a Comissão tenha examinado a eventual disponibilidade de garantias, como as aeronaves não oneradas da DLH, o seu valor e as condições dos eventuais empréstimos que podiam ser obtidos nos mercados financeiros contra tais garantias.

124    No entanto, trata‑se de um aspeto importante da condição prevista no n.o 49, alínea c), do quadro temporário. Com efeito, a análise da incapacidade de uma empresa para se financiar nos mercados a preços acessíveis implica verificar, nomeadamente, se essa empresa podia oferecer garantias que lhe permitissem ter acesso a esse financiamento. Além disso, as condições desse financiamento dependem, designadamente, do tipo e do valor de tais garantias. Ora, nada na decisão impugnada indica que a Comissão tenha analisado estas questões.

125    Por outro lado, a afirmação da Comissão, no n.o 22 da decisão impugnada, na qual precisou que as «garantias» não identificadas na decisão impugnada não são suficientes para cobrir o «montante total» dos fundos necessários, assenta numa premissa errada, segundo a qual o financiamento que pode ser obtido nos mercados deve necessariamente cobrir a totalidade das necessidades do beneficiário.

126    A este respeito, há que observar, à semelhança da Condor, que a referência feita pela Comissão, no n.o 22 da decisão impugnada, a um montante total de «9 mil milhões de euros» que a DLH seria incapaz de encontrar nos mercados não corresponde ao montante da medida em causa, fixado em 6 mil milhões de euros (n.o 26 da decisão impugnada). Por conseguinte e em todo o caso, a Comissão baseou a sua afirmação num montante mais elevado do que o que é objeto da medida em questão, o que põe em causa o próprio fundamento da sua análise.

127    Além disso, nem a redação nem o objetivo ou o contexto em que se insere o n.o 49, alínea c), do quadro temporário sustentam a tese da Comissão expressa no n.o 22 da decisão impugnada.

128    Com efeito, nada na redação do n.o 49, alínea c), do quadro temporário indica que o beneficiário deva estar impossibilitado de financiar no mercado a totalidade das suas necessidades.

129    Quanto ao objetivo do n.o 49, alínea c), do quadro temporário e ao contexto em que se insere, há que salientar que esta condição visa limitar a intervenção estatal e, portanto, a utilização de recursos públicos aos casos em que não é possível ao beneficiário encontrar financiamento nos mercados financeiros a preços acessíveis. Ora, este objetivo ficaria comprometido se houvesse que despender recursos públicos para cobrir a totalidade das necessidades da empresa em causa, mesmo que esta pudesse financiar‑se nos mercados, ainda que apenas para uma parte não despicienda das suas necessidades.

130    Esta conclusão é corroborada tanto pelo n.o 44 do quadro temporário, segundo o qual as medidas de recapitalização não devem exceder o mínimo necessário para assegurar a viabilidade do beneficiário, como, mais genericamente, pelo princípio geral da proporcionalidade, que exige que os atos das instituições da União não ultrapassem os limites do que é adequado e necessário para atingir o objetivo pretendido (v., neste sentido, Acórdãos de 17 de maio de 1984, Denkavit Nederland, 15/83, EU:C:1984:183, n.o 25, e de 19 de setembro de 2018, HH Ferries e o./Comissão, T‑68/15, EU:T:2018:563, n.o 144 e jurisprudência referida).

131    Por outro lado, o Tribunal Geral teve a oportunidade de declarar que, ao presumir que nenhuma instituição financeira prestaria um aval a favor de uma empresa em dificuldade, e, portanto, que nenhum prémio de garantia de referência correspondente estaria disponível no mercado, a Comissão não cumpriu nomeadamente o seu dever de proceder a uma apreciação global que tivesse em conta todos os elementos relevantes que, no caso concreto, lhe permitiam determinar se o beneficiário manifestamente não teria obtido o financiamento necessário nos mercados (v., neste sentido e por analogia, Acórdãos de 12 de março de 2020, Elche Club de Fútbol/Comissão, T‑901/16, EU:T:2020:97, n.o 132, e Valencia Club de Fútbol/Comissão, T‑732/16, EU:T:2020:98, n.o 134). Daqui decorre que a Comissão não podia presumir, sem prova bastante das suas conclusões, que uma empresa, como o beneficiário no caso em apreço, não teria acesso aos mercados financeiros.

132    Ora, no caso em apreço, a Comissão não analisou se o beneficiário poderia ter mobilizado uma parte não despicienda do financiamento necessário nos mercados. Não teve, portanto, em conta todos os elementos pertinentes para a análise da condição prevista no n.o 49, alínea c), do quadro temporário.

133    Nenhum dos argumentos apresentados pela Comissão põe em causa esta conclusão.

134    Em primeiro lugar, o argumento da Comissão segundo o qual era impossível a DLH encontrar um eventual financiamento nos mercados, incluindo contra as garantias mencionadas nos n.os 118 e 119, supra, a curto prazo e num contexto financeiro caracterizado pela pandemia de COVID‑19, não pode ser acolhido. Com efeito, por um lado, não resulta da decisão impugnada que a Comissão tenha examinado os prazos em que um eventual financiamento nos mercados poderia ter sido obtido contra as referidas garantias. Por outro lado, segundo a declaração do diretor financeiro da DLH, de 19 de março de 2020, o Grupo Lufthansa «estava bem equipado para fazer face a uma situação de crise extraordinária como [a crise da COVID‑19]», nomeadamente porque detinha «86 % da frota do Grupo, que [estava] em grande parte não onerada e t[inha] um valor contabilístico de cerca de 10 mil milhões de euros». Por outro lado, o relatório Oxera I tem em conta uma diminuição significativa do valor das suas garantias devido precisamente à referida pandemia.

135    Em segundo lugar, a Comissão acusa as recorrentes de não terem demonstrado que a DLH podia obter esse financiamento nos mercados «a preços acessíveis». Todavia, cabe à Comissão demonstrar, como exige o n.o 49, alínea c), do quadro temporário, que não é possível ao beneficiário encontrar financiamento nos mercados a preços acessíveis. Com efeito, um recorrente não pode ser obrigado a executar tarefas que, em bom rigor, fazem parte do inquérito e da instrução do processo (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 9 de abril de 2019, Qualcomm e Qualcomm Europe/Comissão, T‑371/17, não publicado, EU:T:2019:232, n.o 171). Ora, no caso em apreço, a decisão impugnada não examinou de modo algum em que condições o beneficiário poderia, eventualmente, ter obtido um financiamento nos mercados contra as garantias acima referidas.

136    Além disso, à semelhança do que alega a Ryanair, o argumento da Comissão equivale a fazer recair sobre ela um ónus da prova desrazoável ao exigir‑lhe, na realidade, a apresentação de uma proposta de financiamento privada dirigida à DLH para demonstrar as condições em que tal financiamento lhe estava disponível. Ora, não pode ser imposto ao recorrente um ónus da prova desrazoável (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 8 de julho de 2008, Huvis/Conselho, T‑221/05, não publicado, EU:T:2008:258, n.o 78).

137    Por conseguinte, há que concluir que a Comissão não teve em conta todos os elementos pertinentes a tomar em consideração para apreciar a conformidade da medida em causa com o n.o 49, alínea c), do quadro temporário.

138    Assim, a alegação da Ryanair relativa à violação do n.o 49, alínea c), do quadro temporário merece acolhimento, bem como, consequentemente e por maioria de razão, a alegação da Condor relativa à existência de dúvidas sérias a este respeito, sem que seja necessário examinar os seus outros argumentos apresentados no âmbito desta mesma problemática.

3.      Quanto à existência de outras medidas mais adequadas e menos geradoras de distorções de concorrência

139    A Ryanair alega, em substância, que a Comissão violou o n.o 53 do quadro temporário na medida em que não examinou se a medida em causa era a mais adequada e a menos suscetível de falsear a concorrência. Assim, a Comissão não comparou os instrumentos de recapitalização disponíveis e não analisou as distorções de concorrência geradas pela medida em causa ou por «outros instrumentos de auxílio possíveis».

140    A Comissão, apoiada pela DLH, contesta a argumentação da Ryanair.

141    O ponto 3.11.3 do quadro temporário, intitulado «Tipos de medidas de recapitalização», compreende os n.os 52 e 53. O n.o 52 enumera as medidas de recapitalização que os Estados‑Membros podem prever no contexto da pandemia de COVID‑19, a saber, os instrumentos de capital próprio, nomeadamente a emissão de novas ações comuns ou preferenciais, e os instrumentos com uma componente de capital próprio («instrumentos de capital híbrido»), nomeadamente direitos de participação nos lucros, participações passivas e obrigações garantidas convertíveis ou não garantidas.

142    O n.o 53 do quadro temporário precisa o seguinte:

«A intervenção estatal pode assumir a forma de uma variação [desses] instrumentos ou de uma combinação de instrumentos de capital próprio e de capital híbrido. […] Os Estados‑Membros devem assegurar que os instrumentos de recapitalização selecionados e as condições que lhe estão associadas são os mais adequados para dar resposta às necessidades de recapitalização do beneficiário, ao mesmo tempo que são os menos suscetíveis de distorcer a concorrência.»

143    Nos n.os 104 a 108 da decisão impugnada, a Comissão descreveu a medida de recapitalização em causa explicando que esta era uma combinação de capital próprio e de instrumentos de capital híbrido. Salientou, nomeadamente, que a participação passiva era um instrumento flexível no que respeita à participação do parceiro passivo nos benefícios e nas perdas do beneficiário ou na tomada de decisão deste. A Comissão explicou ainda que o FSE e a DLH não tinham interesse em que a quota do capital detida pelo FSE ultrapassasse os 20 %, motivo pelo qual tinham escolhido a estrutura específica da recapitalização em causa. Segundo a Comissão, a combinação dos instrumentos escolhidos permitiria o restabelecimento da estrutura de capital da DLH e a sua reintegração nos mercados de capitais o mais rapidamente possível, limitando simultaneamente a participação do Estado ao mínimo necessário para proteger os interesses financeiros da Alemanha sem perder o controlo da DLH.

144    No caso em apreço, à semelhança da Comissão, há que sublinhar que uma medida de recapitalização e as condições que lhe estão associadas podem ser consideradas adequadas para responder às necessidades de recapitalização do beneficiário em causa, falseando o menos possível a concorrência, na aceção do n.o 53 do quadro temporário, desde que preencham as diferentes condições previstas para esse efeito nesse quadro e relativas ao montante da recapitalização, à remuneração e à saída do Estado, à governação e à prevenção da estratégia de concorrência indevidas e à estratégia de saída do Estado da participação que resulta da recapitalização. Com efeito, a referência, no n.o 53 do quadro temporário, às «condições que estão associadas [à medida em causa]» visa requisitos, como os mencionados na frase anterior, que têm precisamente por objetivo garantir que a medida em causa e as condições que lhe estão associadas não excedam o que é adequado para responder às necessidades de recapitalização do beneficiário em causa, falseando simultaneamente o mínimo possível a concorrência. Por conseguinte, se as condições acima mencionadas estiverem preenchidas, o instrumento de recapitalização escolhido deve ser considerado conforme com o n.o 53 do quadro temporário.

145    Por conseguinte, a presente alegação não tem conteúdo autónomo em relação aos argumentos que a Ryanair invoca no âmbito das outras partes do seu primeiro fundamento, as quais dizem respeito a algumas das outras condições referidas no n.o 144, supra, a saber, o montante da recapitalização (terceira parte do primeiro fundamento), a remuneração e a saída do Estado (quarta parte do primeiro fundamento), bem como a governação e a prevenção das distorções indevidas da concorrência (quinta e sexta partes do primeiro fundamento). A procedência da presente alegação é, portanto, tributária da análise destas outras partes, adiante examinadas.

146    Na medida em que, na réplica e na audiência, a Ryanair parece igualmente acusar a Comissão de não ter examinado se outro tipo de medida de auxílio que não a recapitalização teria sido mais adequado e menos gerador de distorções de concorrência, não se pode deixar de observar, sem prejuízo da admissibilidade desta argumentação, que esta é demasiado geral e abstrata. Com efeito, nos seus articulados, a Ryanair limitou‑se a fazer referência a «outros instrumentos de auxílio possíveis», sem no entanto explicar quais seriam exatamente esses outros instrumentos e as razões pelas quais seriam mais adequados e menos geradores de distorções da concorrência do que a medida notificada. Na audiência, a Ryanair indicou que, em seu entender, a Comissão deveria ter tido em conta «toda uma panóplia de alternativas possíveis» e «todas as opções disponíveis», ao mesmo tempo que mencionou, sem mais explicações, os empréstimos‑ponte ou os empréstimos de curta duração como uma possibilidade alternativa à medida notificada.

147    Todavia, segundo a jurisprudência, a Comissão não tem de se pronunciar sobre qualquer outra medida de auxílio possível. Com efeito, não é obrigada a demonstrar, de forma positiva, que nenhuma outra medida de auxílio imaginável, por definição hipotética, seria mais adequada e menos geradora de distorções de concorrência (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 6 de maio de 2019, Scor/Comissão, T‑135/17, não publicado, EU:T:2019:287, n.o 94 e jurisprudência referida).

148    É certo que, como sublinha a Ryanair, o Tribunal de Justiça também declarou que, quando se proporcione uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva, e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos prosseguidos (v. Acórdão de 22 de janeiro de 2013, Sky Österreich, C‑283/11, EU:C:2013:28, n.o 50 e jurisprudência referida). Todavia, no caso em apreço, nada indica que a Comissão tenha sido confrontada com o facto de se proporcionar uma escolha entre várias medidas adequadas, na aceção desta jurisprudência.

149    Por conseguinte, a parte da argumentação eventualmente invocada pela Ryanair e resumida no n.o 146, supra, deve ser julgada improcedente.

4.      Quanto ao montante do auxílio

150    A Ryanair, no âmbito da terceira parte do seu primeiro fundamento, apresenta, em substância, três alegações respeitantes ao montante do auxílio, a primeira, relativa à interpretação do n.o 54 do quadro temporário; a segunda, à aplicação do referido número ao caso em apreço, e, a terceira, a determinadas declarações públicas da DLH. Esta última alegação e uma alegação análoga formulada pela Condor no âmbito da segunda parte do seu primeiro fundamento sobrepõem‑se.

a)      Quanto à interpretação do n.o 54 do quadro temporário

151    A Ryanair alega que a Comissão equiparou erradamente o conceito de viabilidade do beneficiário, na aceção do n.o 54 do quadro temporário, ao acesso deste aos mercados de capitais, não avaliando assim as suas perspetivas de regresso à rentabilidade, bem como as medidas internas que a DLH poderia adotar para o efeito. Referindo‑se às Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas não financeiras em dificuldade (JO 2014, C 249, p.1, a seguir «Orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação»), à Comunicação da Comissão sobre o regresso à viabilidade e avaliação, em conformidade com as regras em matéria de auxílios estatais, das medidas de reestruturação tomadas no setor financeiro no contexto da atual crise (JO 2009, C 195, p. 9) e à Comunicação da Comissão intitulada «Aplicação das regras relativas aos auxílios estatais às medidas adotadas em relação às instituições financeiras no contexto da atual crise financeira global» (JO 2008, C 270, p. 8) (a seguir, consideradas em conjunto, «Comunicações aplicáveis no contexto da crise financeira»), a Ryanair considera que a Comissão não avaliou o regresso à rentabilidade da DLH com base no seu plano de desenvolvimento e de acordo com um cenário de base e um cenário em baixa.

152    A Comissão, apoiada pela DLH, contesta a argumentação da Ryanair.

153    Nos termos do n.o 54 do quadro temporário, a fim de garantir a proporcionalidade do auxílio, o montante da recapitalização COVID‑19 não pode exceder o mínimo necessário para assegurar a viabilidade do beneficiário, e não deve ir além da reposição da sua estrutura de capital anterior ao surto de COVID‑19, isto é, 31 de dezembro de 2019.

154    A Ryanair e a Comissão estão em oposição quanto à questão de saber se, para verificar se a medida em questão excede o mínimo necessário para assegurar a «viabilidade» do beneficiário em causa, a Comissão deve examinar se esta permite o regresso do referido beneficiário à rentabilidade.

155    A este respeito, há que observar que o n.o 54 do quadro temporário não faz nenhuma referência à rentabilidade do beneficiário em causa.

156    Além disso, várias passagens do quadro temporário demonstram que o objetivo principal das medidas de auxílio previstas é, em substância, garantir aos beneficiários em causa que as suas necessidades de liquidez estejam cobertas a fim de assegurar a continuidade das suas operações durante e após a pandemia de COVID‑19. Assim, resulta do n.o 9 deste quadro que é necessário um apoio público direcionado «para assegurar que os mercados dispõem de liquidez suficiente» e «salvaguardar a continuidade da atividade económica durante e após o surto de COVID‑19». Do mesmo modo, segundo o n.o 11 do referido quadro, este «estabelece as possibilidades à disposição dos Estados‑Membros ao abrigo das regras da UE para assegurar a liquidez e o acesso ao financiamento para as empresas, […] que se deparam com uma súbita escassez neste período, a fim de lhes permitir recuperar da situação atual». O n.o 18 do quadro temporário prevê, por seu lado, «que os auxílios estatais são justificados […], por um período limitado, para colmatar a escassez de liquidez enfrentada pelas empresas e assegurar que as perturbações causadas pelo surto de COVID‑19 não comprometem a viabilidade das empresas».

157    O objetivo do quadro temporário não é, portanto, restabelecer a «rentabilidade» do beneficiário ou assegurar que este se torne rentável graças ao auxílio, mas apenas garantir a sua continuidade operacional durante e após a pandemia de COVID‑19, repondo, especialmente, a estrutura do capital tal como se apresentava antes da eclosão da pandemia.

158    Por conseguinte, o n.o 54 do quadro temporário deve ser interpretado no sentido de que o montante da recapitalização não pode exceder o mínimo necessário para garantir que o beneficiário se mantém operacional durante e após a pandemia de COVID‑19, repondo a estrutura de capital que tinha antes da referida crise, isto é, em 31 de dezembro de 2019.

159    Esta conclusão não é posta em causa pelos argumentos da Ryanair que se baseiam numa analogia com as Orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação ou com as comunicações aplicáveis no contexto da crise financeira. Com efeito, esta analogia não se justifica.

160    Em primeiro lugar, a analogia com as comunicações aplicáveis no contexto da crise financeira de 2008 é inadequada, pois, como recorda a Comissão, esta crise foi causada, pelo menos em parte, pelo risco excessivo assumido por certas instituições financeiras, ao contrário da pandemia de COVID‑19, que é uma crise sanitária.

161    Em segundo lugar, a analogia com as Orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação, através da qual a Ryanair pretende impor à Comissão uma obrigação de verificar se o beneficiário adotou medidas internas destinadas a reduzir os seus ativos e as suas operações, deve igualmente ser afastada. Com efeito, no âmbito dos auxílios estatais de emergência e à reestruturação, o objetivo do apoio estatal é sanar as dificuldades internas preexistentes do beneficiário em causa, que é uma «empresa em dificuldade». Assim, um auxílio de emergência visa manter em funcionamento o referido beneficiário durante o curto prazo necessário para a elaboração de um plano de reestruturação ou de liquidação, o qual pressupõe geralmente uma redução da atividade em causa ou o seu abandono (n.os 26 a 30 das Orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação). Em contrapartida, o beneficiário de um auxílio à recapitalização no contexto da pandemia de COVID‑19 não desempenhou nenhum papel nos acontecimentos que comprometeram a sua viabilidade e não terá, portanto, necessariamente necessidade de reestruturação para ultrapassar as dificuldades temporárias por que passa, provocadas pela pandemia de COVID‑19.

162    Por conseguinte, a presente alegação deve ser julgada improcedente.

b)      Quanto à aplicação do n.o 54 do quadro temporário ao caso em apreço

163    A Ryanair alega que a Comissão cometeu vários erros manifestos de apreciação relativamente ao cálculo do montante do auxílio necessário para assegurar a viabilidade da DLH.

164    Antes de examinar estes argumentos, contestados pela Comissão e pela DLH, importa resumir os fundamentos da decisão impugnada, com base nos quais a Comissão chegou à conclusão de que a medida em causa era conforme com o n.o 54 do quadro temporário.

165    Em primeiro lugar, a Comissão declarou, nos n.os 122 e 123 da decisão impugnada, que o Grupo Lufthansa apresentava um balanço de tesouraria positivo de 2 ou 3 mil milhões de euros em 31 de dezembro de 2019 (ou seja, antes da pandemia de COVID‑19). No momento da adoção da decisão impugnada, o Grupo Lufthansa previa um balanço de tesouraria negativo em 31 de dezembro de 2020. Na sequência da recapitalização prevista, previa‑se que o balanço de tesouraria do referido grupo aumentaria para atingir 1 ou 2 mil milhões de euros em 31 de dezembro de 2020.

166    Em segundo lugar, a Comissão examinou, nos n.os 124 a 126 da decisão impugnada, a incidência da medida em causa no rácio passivo líquido/capital próprio do Grupo Lufthansa e comparou‑o com o rácio passivo/capital próprio de uma amostra de companhias aéreas comparáveis, tal como se apresentava em 31 de dezembro de 2019. Daí concluiu que o rácio passivo/capital próprio previsto do Grupo Lufthansa em 31 de dezembro de 2020 na sequência da recapitalização era claramente superior ao terceiro quartil do rácio das companhias que faziam parte da amostra em 31 de dezembro de 2019.

167    Em terceiro lugar, a Comissão salientou que a sua análise era corroborada pela evolução do rácio de endividamento dinâmico (dynamic gearing ratio), ou seja, a relação entre os passivos financeiros líquidos e os lucros antes de juros, impostos e amortizações (Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and amortization, EBITDA) do Grupo Lufthansa.

1)      Quanto à adequação do rácio passivo/capital próprio

168    A Ryanair alega, em substância, que a Comissão avaliou erradamente a incidência da medida em causa na posição financeira da DLH unicamente na evolução previsível do rácio passivo líquido‑capital próprio, em vez de avaliar um conjunto de outros parâmetros financeiros relevantes. Com efeito, o referido rácio não é geralmente tido em conta pelas agências de notação para apreciar a solvência das companhias aéreas.

169    A Comissão contesta este argumento.

170    Como resulta do n.o 166, supra, a Comissão analisou a incidência da medida em causa no rácio passivo/capital próprio do Grupo Lufthansa para verificar se essa medida não excede o mínimo necessário para assegurar a viabilidade do beneficiário. Em especial, a avaliação do impacto da medida em causa no referido rácio tem por objetivo apreciar a evolução esperada da notação de crédito da DLH na sequência da recapitalização prevista. Com efeito, o acesso aos mercados de financiamento por esta última depende, em certa medida, dessa notação. Coloca‑se, portanto, a questão de saber se o rácio passivo/capital próprio constitui um parâmetro financeiro adequado para esperar a evolução, na sequência da medida em causa, da notação de crédito do beneficiário.

171    A este respeito, há que salientar que a determinação e a análise dos indicadores económicos pertinentes para avaliar se o auxílio em causa  não excede o mínimo necessário para assegurar a viabilidade do beneficiário em causa implicam uma avaliação económica complexa. Por conseguinte, o controlo judicial destas limita‑se à verificação do cumprimento das regras processuais e de fundamentação, bem como da exatidão material dos factos e da ausência de erro manifesto na apreciação dos factos e de desvio de poder.

172    As partes concordam em que o rácio passivo/capital próprio descreve a estrutura do capital de uma empresa. Este rácio indica, nomeadamente, a proporção relativa do passivo e do capital próprio utilizada para financiar as atividades de uma empresa e, desse modo, o seu nível de endividamento. Assim, um rácio de passivo/capital próprio elevado traduz um forte endividamento da empresa, enquanto um rácio baixo indica um nível de endividamento limitado. Regra geral, considera‑se que uma empresa cujo rácio passivo/capital próprio é elevado apresenta um risco mais elevado para os mutuantes e os investidores.

173    Ora, os argumentos da Ryanair não são suscetíveis de demonstrar que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao basear a sua análise, nomeadamente, no mencionado rácio. Com efeito, embora a Ryanair alegue que as agências de notação examinam «habitualmente» outros rácios, como o rácio entre o passivo financeiro líquido e o EBITDA, o rácio passivo/receitas, os rácios de rentabilidade, liquidez e solvência, o cash burn (montante total da liquidez em número de meses durante os quais essa liquidez está esgotada), bem como indícios qualitativos tais como o perfil empresarial, a política financeira e a força da concorrência, na sua resposta à medida de organização do processo, a Ryanair precisou que, no setor aéreo, o rácio passivo/capital próprio indica «de forma limitada» o endividamento de uma empresa. Explicou, além disso, que o rácio passivo líquido/capital próprio, por um lado, e os rácios passivo líquido/EBITDA e passivo/receitas, por outro, podiam fornecer indicações úteis sobre a saúde financeira de uma empresa. Assim, a própria Ryanair parece admitir que o rácio passivo/capital próprio não é totalmente irrelevante para a avaliação da incidência da medida em causa na solvência do beneficiário.

174    Resulta, além disso, da resposta da Comissão a uma medida de organização do processo que a estrutura do capital de uma empresa é tida em conta pelas agências de notação e que, para esse efeito, estas tomam em consideração, nomeadamente, o rácio passivo líquido/capital próprio. A este respeito, a Comissão remete para várias fontes em linha provenientes das agências de notação.

175    Com efeito, com base nas peças processuais à disposição do Tribunal Geral, afigura‑se que, para avaliar a notação de crédito de uma determinada empresa, as agências de notação tomam em consideração uma multiplicidade de parâmetros financeiros e cada agência pode recorrer a parâmetros diferentes, pelo que não existe uma lista uniforme de parâmetros universalmente seguida. Daí resulta, além disso, que o rácio passivo líquido/capital próprio pode constituir um dos parâmetros tidos em conta por determinadas agências de notação.

176    Quanto à questão de saber se o rácio passivo líquido/capital próprio era o mais adequado para medir o impacto esperado da recapitalização na notação de crédito do beneficiário e se a Comissão devia, além disso, ter em conta outros parâmetros, basta observar, à semelhança da Comissão, que esta última analisou igualmente o impacto desta no rácio de endividamento dinâmico, o qual representa o rácio entre o passivo líquido e o EBITDA, como as partes confirmaram na audiência. Ora, o rácio de endividamento dinâmico é um rácio de cobertura (coverage ratio) e, segundo a própria Ryanair, os rácios de cobertura são largamente utilizados pelas agências de notação.

177    Por conseguinte, a Ryanair não demonstrou que a Comissão tivesse cometido um erro manifesto de apreciação ao utilizar o rácio passivo líquido‑capital próprio e o de endividamento dinâmico como pontos de referência para avaliar se a medida em causa excedia o mínimo necessário para assegurar a viabilidade do beneficiário.

2)      Quanto à amostra de companhias aéreas

178    Como foi recordado no n.o 166, supra, a Comissão comparou, em seguida, o rácio passivo‑capital próprio  da DLH, esperado na sequência da sua recapitalização, ao de uma amostra de dez companhias aéreas tal como se apresentava em 31 de dezembro de 2019, quatro das quais tinham uma notação de crédito entre B + e BBB. A Comissão concluiu que o rácio esperado da DLH era nitidamente superior ao resultante do terceiro quartil da distribuição do rácio das companhias que fazem parte da amostra, a saber, as companhias menos eficientes.

179    A Ryanair contesta esta afirmação. Alega, na réplica, fazendo referência aos relatórios de certas agências de notação, que seis ‑ ou cinco, segundo a sua resposta à medida de organização do processo ‑ das companhias aéreas incluídas na amostra tinham uma notação de crédito superior ou ligeiramente inferior à categoria «investimento». Assim, segundo a Ryanair, a abordagem seguida na decisão impugnada não pode ser considerada prudente e não é de excluir que um montante mais reduzido de auxílio pudesse ter sido suficiente para restabelecer o acesso da DLH aos mercados de capitais antes do final de 2020.

180    A este respeito, constata‑se que esta alegação é apresentada extemporaneamente, sendo, por conseguinte, inadmissível. Assim, segundo o artigo 84.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, é proibido deduzir fundamentos novos no decurso da instância, a menos que esses fundamentos tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo. No entanto, um fundamento, ou um argumento, que constitua a ampliação de um fundamento enunciado anteriormente, direta ou implicitamente, na petição inicial e que com este apresente um nexo estreito deve ser julgado admissível (v. Acórdão de 11 de março de 2020, Comissão/Gmina Miasto Gdynia e Port Lotniczy Gdynia Kosakowo, C‑56/18 P, EU:C:2020:192, n.o 66 e jurisprudência referida).

181    No caso em apreço, uma vez que a Ryanair não apresentou nenhum argumento na petição no que respeita às características das companhias que fazem parte da amostra, este argumento, apresentado pela primeira vez na réplica, não pode ser considerado a ampliação de uma argumentação enunciada anteriormente, na aceção da jurisprudência já referida.

182    Nestas circunstâncias, esta alegação deve ser julgada inadmissível.

183    Em todo o caso, importa observar que a Comissão concluiu que o rácio passivo/capital próprio previsto do Grupo Lufthansa em 31 de dezembro de 2020 na sequência da recapitalização da DLH era claramente superior ao terceiro quartil do rácio das companhias aéreas que fazem parte da amostra em 31 de dezembro de 2019. Daqui decorre que, na sequência da medida em causa, o rácio passivo líquida‑capital próprio do beneficiário em causa seria sempre consideravelmente pior do que o das companhias menos eficientes da amostra. A base da comparação seguida pela Comissão foi, portanto, prudente, ou mesmo conservadora. Nestas circunstâncias, a questão de saber se quatro, como referiu a Comissão na decisão impugnada, ou cinco ou seis, como alega a Ryanair, das companhias aéreas que fazem parte dessa amostra tinham uma notação de crédito entre B + e BBB em 31 de dezembro de 2019 não é suscetível de ter uma incidência decisiva na conclusão a que chegou a Comissão. Por conseguinte, a presente alegação é, em todo o caso, improcedente.

3)      Quanto à notação de crédito necessária para aceder aos mercados financeiros

184    No n.o 125 da decisão impugnada, a Comissão referiu que uma notação de crédito BBB era «normalmente considerada como a nota mínima que permite a uma empresa aceder facilmente ao financiamento no mercado». Explicou, no n.o 127 da referida decisão, que a DLH esperava encontrar a categoria «investimento» numa data futura ocultada. A Comissão concluiu daí que a recapitalização permitiria à DLH fazer face aos efeitos negativos da pandemia de COVID‑19 e dar‑lhe novamente acesso aos mercados financeiros.

185    A Ryanair sustenta que uma notação de crédito BBB não constitui o limite mínimo para o beneficiário obter acesso aos mercados financeiros. Com efeito, mesmo uma classificação inferior a esta teria permitido ao beneficiário aceder aos referidos mercados. Por conseguinte, ao adotar um ponto de referência inadequado, a Comissão sobrestimou o montante do auxílio necessário.

186    A este respeito, resulta do relatório Oxera I que uma notação de crédito BBB é superior à que os investidores exigem habitualmente para que as companhias aéreas possam mobilizar fundos nos mercados financeiros. Este relatório explica que, antes da pandemia de COVID‑19, um estudo realizado sobre uma amostra de companhias aéreas europeias e norte‑americanas demonstrou que a notação de crédito média no setor correspondente que permitia o acesso aos mercados de capitais era Ba2, ou seja, dois pontos abaixo da notação BBB.

187    A Comissão não contesta que a notação de crédito Ba2 seja suficiente para que as companhias aéreas possam obter capital nos mercados. Todavia, considera que não cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar a notação de crédito BBB como ponto de referência, uma vez que essa notação teria permitido ao beneficiário em causa financiar‑se nos mercados a preços acessíveis.

188    A este respeito, importa recordar que, segundo o n.o 49, alínea c), do quadro temporário, uma empresa só é elegível para uma medida de recapitalização se não lhe for «possível […] encontrar financiamento nos mercados a preços acessíveis». Daqui resulta, implícita, mas necessariamente, que tal medida deve ser limitada ao mínimo necessário para lhe permitir financiar‑se nos mercados a preços acessíveis. Ora, a Ryanair não contesta que a notação de crédito BBB permite um financiamento a preços acessíveis.

189    Além disso e em todo o caso, como explicado no n.o 183, supra, a análise da Comissão sobre o impacto da medida em causa no rácio passivo/capital próprio também se baseava numa comparação com uma amostra de companhias aéreas, da qual resultava que o rácio da DLH após o auxílio continuaria a ser pior do que o dos seus concorrentes menos eficientes. Com efeito, a referida comparação baseava‑se no terceiro quartil do rácio das companhias que faziam parte da amostra em 31 de dezembro de 2019, o que prova que a abordagem da Comissão foi prudente.

190    Por conseguinte, há que julgar improcedente a presente alegação.

4)      Quanto à análise insuficiente do plano de desenvolvimento da DLH

191    A Ryanair sustenta que a Comissão não fez uma análise do plano de desenvolvimento da DLH que cumprisse com as exigências jurídicas. Por um lado, a Comissão deveria ter examinado se a DLH poderia reduzir mais os custos a curto prazo. Por outro lado, deveria ter avaliado se a DLH poderia ter reduzido estruturalmente a sua base de custos e aumentar a sua rentabilidade a fim de minimizar o montante do auxílio.

192    Ora, como já foi salientado no n.o 161, supra, o quadro temporário, no momento da concessão do auxílio, não visa impor ao beneficiário uma redução dos custos ou a reestruturação deste.

193    Por conseguinte, há que julgar improcedente a presente alegação.

5)      Quanto aos testes de sensibilidade

194    A Ryanair alega que os testes de sensibilidade efetuados pela Comissão nos n.os 129 e 130 da decisão impugnada são «insuficientes» e que esta última devia ter procedido a uma «vasta panóplia de testes de resistência».

195    Todavia, o argumento da Ryanair não é claro e não permite ao Tribunal Geral apreciar o respetivo mérito. Com efeito, a mesma não critica os testes de sensibilidade efetuados pela Comissão enquanto tais, limitando‑se a afirmar que são «insuficientes», sem contudo precisar a natureza ou o alcance dos testes suplementares que reclama.

196    Ora, nos termos do artigo 76.o, alínea d), do Regulamento de Processo, a petição deve conter, nomeadamente, uma exposição sumária dos fundamentos invocados. Em conformidade com a jurisprudência, isto significa que a exposição da petição deve ser suficientemente clara e precisa para permitir à parte demandada preparar a sua defesa e ao Tribunal decidir a causa, sendo caso disso, sem ter de solicitar outras informações. Com efeito, para que um recurso seja admissível, é necessário que os elementos essenciais de facto e de direito em que se baseia resultem, pelo menos sumariamente mas de um modo coerente e compreensível, do texto da própria petição, a fim de garantir a segurança jurídica e a boa administração da justiça (v. Acórdão de 13 de maio de 2015, Niki Luftfahrt/Comissão, T‑162/10, EU:T:2015:283, n.o 356 e jurisprudência referida). Não é o que sucede no caso vertente.

197    Por conseguinte, a presente alegação deve ser julgada inadmissível.

6)      Quanto à comparação com outras companhias aéreas

198    A Ryanair alega que uma «comparação rápida» com as companhias aéreas de baixo custo e mesmo com certas companhias aéreas tradicionais, como a IAG, sugere que o auxílio em causa ultrapassou o seu objetivo de evitar a insolvência da DLH, na medida em que teve por resultado «alterar a classificação das companhias aéreas a este respeito».

199    Este argumento não é suficientemente claro. Com efeito, a resposta à questão de saber em que consiste essa «comparação rápida» e se se baseia em situações comparáveis não resulta, com a clareza e a precisão necessárias, dos articulados da Ryanair. A simples menção do facto de o auxílio em causa ter tido por resultado a progressão da DLH «na classificação das companhias aéreas com maior capacidade de suportar uma paragem completa do tráfego» também não dá acrescenta uma maior precisão.

200    Em consequência, a presente alegação deve ser julgada inadmissível. (v. jurisprudência referida no n.o 196, supra).

c)      Quanto às declarações públicas da DLH

201    As recorrentes alegam que as afirmações do Diretor‑Geral da DLH, em 3 de junho de 2020, numa conferência de analistas, segundo as quais «o resgate do Grupo pelo Governo alemão, no montante de 9 mil milhões de euros, [era] mais do que necessário para assegurar a sua sobrevivência, e que [foi] concebido para que a companhia aérea conservasse uma “posição de líder mundial”», demonstram que o auxílio não se limitou ao mínimo necessário. As mesmas acusam a Comissão de não ter tido em conta esta declaração. Além disso, ambas alegam haver falta de fundamentação a este respeito. A Ryanair cita igualmente certas afirmações do acionista principal da DLH, reproduzidas no Financial Times em 17 de junho de 2020, num artigo intitulado «Lufthansa bailout jeopardy as top shareholder seeks other options» (o resgate da Lufthansa está ameaçado uma vez que o principal acionista procura outras soluções), segundo as quais uma reestruturação mais profunda da DLH era uma solução credível em vez do auxílio. A Condor faz referência a outra declaração do Diretor‑Geral da DLH, de 21 de janeiro de 2021, reproduzida num artigo do Politico da mesma data, intitulado «Lufthansa CEO: Airline unlikely to need full €9B German aid package» (Diretor‑Geral da Lufthansa: é pouco provável que a companhia aérea tenha necessidade da totalidade dos 9 mil milhões de euros do auxílio alemão).

202    Em primeiro lugar, quanto às afirmações do Diretor‑Geral da DLH de 3 de junho de 2020, a Comissão não contesta o seu teor. Explica que tinha conhecimento delas e que interrogou as autoridades alemãs a esse respeito durante o procedimento administrativo. Todavia, segundo a Comissão, embora, numa apreciação concreta da proporcionalidade do auxílio com base nos dados e nas projeções financeiras do Grupo Lufthansa, a medida em causa estivesse em conformidade com o conjunto das condições previstas no quadro temporário, as referidas afirmações não são suscetíveis de justificar, por si só, uma conclusão diferente.

203    Em primeiro lugar, no que respeita à falta de fundamentação alegada, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, a fundamentação exigida pelo artigo 296.o TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e revelar, clara e inequivocamente, o raciocínio da instituição, autora do ato, para permitir aos interessados conhecerem as justificações da medida tomada e à jurisdição competente exercer a sua fiscalização. Assim, a exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas direta e individualmente afetadas pelo ato podem ter em obter explicações. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, uma vez que a questão de saber se a fundamentação de um ato cumpre os requisitos do artigo 296.o TFUE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regulam a matéria em causa (Acórdãos de 22 de junho de 2004, Portugal/Comissão, C‑42/01, EU:C:2004:379, n.o 66; de 15 de abril de 2008, Nuova Agricast, C‑390/06, EU:C:2008:224, n.o 79; e de 8 de setembro de 2011, Comissão/Países Baixos, C‑279/08 P, EU:C:2011:551, n.o 125).

204    No caso em apreço, no que respeita à natureza do ato em causa, a decisão impugnada foi adotada no final da fase preliminar de exame dos auxílios instituída pelo artigo 108.o, n.o 3, TFUE. Essa decisão, que é tomada em prazos curtos, deve apenas conter as razões pelas quais a Comissão considera não estar perante dificuldades sérias de apreciação da compatibilidade do auxílio em causa com o mercado interno (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Régie Networks, C‑333/07, EU:C:2008:764, n.o 65).

205    Além disso, segundo a jurisprudência, mesmo que a Comissão não tenha de tomar posição sobre todos os argumentos que lhe são apresentados, não é menos verdade que é obrigada a expor os factos e as considerações jurídicas que revestem uma importância essencial na economia da decisão em causa (v. Acórdão de 8 de abril de 2014, ABN Amro Group/Comissão, T‑319/11, EU:T:2014:186, n.o 132 e jurisprudência referida).

206    No caso em apreço, há que observar que é certo que a Comissão não mencionou nem comentou as afirmações em causa na decisão impugnada. Todavia, dado que a análise efetuada pela Comissão sobre a compatibilidade da medida em causa com o mercado interno assenta numa apreciação concreta, quantificada e verificável da conformidade da referida medida com os requisitos previstos no quadro temporário, não se pode deixar de observar que as declarações feitas por um dirigente do beneficiário em causa não revestem uma importância essencial na economia da decisão impugnada. Por conseguinte, o dever de fundamentação que impende sobre a Comissão não vai ao ponto de exigir que esta apresente uma fundamentação expressa quanto às afirmações proferidas por este ou aquele quadro dirigente do referido beneficiário.

207    Por conseguinte, há que julgar improcedente a alegação relativa à falta de fundamentação.

208    Em segundo lugar, quanto ao mérito, há que observar que as referidas afirmações não são suscetíveis, em si mesmas, de invalidar a conclusão da Comissão segundo a qual o montante do auxílio se limitou ao mínimo necessário para assegurar a viabilidade do beneficiário. Com efeito, a referida conclusão baseia‑se na análise económica de certos parâmetros financeiros, ao passo que as referidas afirmações, que poderiam, por outro lado, prosseguir diversos objetivos, apenas contêm afirmações de ordem geral.

209    Em segundo lugar, o mesmo acontece com determinadas declarações feitas pelo acionista principal da DLH.

210    Em terceiro lugar, quanto à declaração do Diretor‑Geral da DLH de 21 de janeiro de 2021, basta recordar, além do que precede, que a legalidade da decisão impugnada não pode, em todo o caso, ser posta em causa com base em circunstâncias ocorridas posteriormente à sua adoção (v. Acórdão de 9 de fevereiro de 2022, Sped‑Pro/Comissão, T‑791/19, EU:T:2022:67, n.o 82 e jurisprudência referida).

211    Por conseguinte, as alegações das recorrentes relativas às declarações da DLH devem ser julgadas improcedentes.

d)      Quanto à existência de uma vantagem indireta adicional concedida ao Grupo Lufthansa

212    A Condor alega que a medida em causa permitiu à DLH ter um acesso preferencial aos mercados financeiros e reduzir os seus encargos financeiros. Ora, a Comissão não apreciou as vantagens indiretas da medida em causa, cuja existência é demonstrada pelo facto de, após a autorização do auxílio, a DLH ter emitido obrigações no valor total de 3,2 mil milhões de euros a taxas de juro muito baixas, compreendidas entre 2 % e 3,75 %.

213    A Comissão responde que a medida em causa visava precisamente permitir à DLH financiar‑se de forma independente nos mercados de capitais a fim de ultrapassar os efeitos da pandemia de COVID‑19.

214    A este respeito, importa recordar que o controlo da legalidade de uma decisão é exercida exclusivamente à luz dos elementos de facto e de direito existentes à data da adoção da decisão impugnada (v. jurisprudência referida no n.o 210, supra). Ora, no caso em apreço, a Condor apoia‑se em acontecimentos ocorridos posteriormente à decisão impugnada, os quais são, portanto, irrelevantes para o exame da legalidade da decisão impugnada.

215    Quanto ao resto, o Tribunal Geral salienta, à semelhança da Comissão, que a medida em causa visava precisamente permitir à DLH financiar‑se nos mercados financeiros. Esta vantagem é, portanto, inerente à medida em causa. Não se trata de uma vantagem indireta ou adicional, contrariamente ao que sustenta a Condor.

216    Assim, há que julgar improcedente esta alegação.

217    Por conseguinte, tendo em conta o que precede, há que julgar improcedentes todos os argumentos aduzidos pelas recorrentes relativamente ao montante do auxílio.

5.      Quanto à remuneração e à saída do Estado

218    No âmbito da quarta parte do seu primeiro fundamento, a Ryanair alega, em substância, que a Comissão violou as condições previstas no quadro temporário no que respeita à remuneração e à saída do Estado. Esta parte é composta por quatro alegações, examinadas em seguida.

a)      Quanto à taxa de juro das participações passivas

219    A Ryanair sustenta, em substância, que a Comissão violou o quadro temporário ao aceitar uma taxa de juro fixa para a remuneração das participações passivas, quando o n.o 66 do referido quadro exige taxas variáveis baseadas na taxa interbancária oferecida (Interbank Offered Rate, IBOR) a um ano, às quais acresce um prémio de risco fixo crescente ao longo dos anos.

220    A Comissão, apoiada pela República Francesa e pela DLH, contesta a argumentação da Ryanair.

221    O quadro temporário prevê regras específicas relativas à remuneração de instrumentos de capital próprio (n.os 60 a 64) e de instrumentos de capital híbridos (n.os 65 a 70). No caso em apreço, como recordado no n.o 5, supra, a medida em causa consiste, por um lado, num instrumento de capital próprio (300 milhões de euros) e, por outro, em dois instrumentos de capital híbridos, a saber, as participações passivas I e II. No âmbito da presente alegação, a Ryanair põe apenas em causa a remuneração das participações passivas I e II.

222    Nos termos do n.o 66 do quadro temporário, a remuneração mínima dos instrumentos de capital híbridos até à sua conversão em instrumentos equiparáveis a capital próprio deve ser, pelo menos, igual à taxa de base(taxa IBOR a 1 ano ou equivalente publicada pela Comissão), acrescida de um prémio, como indicado num quadro que figura no referido número e cujo valor aumenta ao longo dos anos.

223    Assim, como aliás admite a Comissão, o n.o 66 do quadro temporário prevê, com efeito, a aplicação de taxas variáveis para a remuneração dos instrumentos de capital híbridos.

224    No caso em apreço, resulta dos n.os 46 e 56 da decisão impugnada que a remuneração das participações passivas I e II, que é a mesma em ambos os casos, é a seguinte: 4 % em 2020 e 2021; 5 % em 2022; 6 % em 2023; 7 % em 2024; 8 % em 2025 e 2026, e 9,5 % em 2027 e nos anos seguintes. Daqui decorre, como as partes admitem, que a remuneração das participações passivas I e II está prevista segundo uma taxa fixa.

225    No n.o 147 da decisão impugnada, a Comissão explicou que, para comparar a remuneração da participação passiva I e II, expressa em taxas fixas, com a remuneração mínima prevista no quadro temporário, expressa em taxas variáveis, converteu as taxas fixas em taxas variáveis tendo em conta as taxas de permuta (taxa de swap) implícitas do mercado na data da apresentação do pedido escrito de injeção de capital, ou seja, em 27 de março de 2020. Os dados relativos a essa conversão constam do quadro n.o 4 da decisão impugnada, do seguinte modo:

Remuneração PS I

1.o ano

2.o ano

3.o ano

4.o ano

5.o ano

6.o ano

7.o

ano

8.o ano

Taxas variáveis (IBOR a 1 ano +)

[confidencial]  (1)

[confidencial]  

[confidencial]  

[confidencial]  

[confidencial]  

[confidencial]  

[confidencial]  

[confidencial]  

Diferença com as margens mínimas do ET

[confidencial]  

[confidencial]  

[confidencial]  

[confidencial]  

[confidencial]  

[confidencial]  

[confidencial]  

[confidencial]  


226    No n.o 148 da decisão impugnada, a Comissão concluiu que a remuneração da participação passiva I estava, «pelo menos, em média, […] acima do mínimo exigido no quadro temporário». A Comissão chegou à mesma conclusão relativamente à participação passiva II (n.o 154 da decisão impugnada).

227    A este respeito, importa salientar que, em conformidade com o n.o 59 do quadro temporário, em alternativa às metodologias de remuneração expostas no referido quadro, podem ser utilizados outros métodos de remuneração, desde que, de modo geral, conduzam a um resultado semelhante no que se refere aos efeitos de incentivo à saída do Estado e a um impacto global semelhante na remuneração do Estado.

228    A Comissão podia, portanto, em conformidade com o n.o 59 do quadro temporário, aceitar taxas fixas para a remuneração dos instrumentos de capital híbridos em causa, como solução alternativa às taxas variáveis previstas no quadro temporário, desde que as condições supramencionadas estivessem preenchidas.

229    Importa, portanto, examinar se o método de remuneração das participações I e II previsto na decisão impugnada conduz globalmente a um resultado semelhante ao visado pelo quadro temporário no que respeita aos efeitos de incentivo à saída do Estado do capital e a um impacto global semelhante na remuneração do Estado.

230    Esta questão implica avaliações económicas complexas, pelo que o controlo exercido pelo juiz da União é restrito (v. jurisprudência referida no n.o 74, supra).

231    No caso em apreço, em primeiro lugar, há que rejeitar o argumento da Ryanair segundo o qual, para efeitos da conversão das taxas fixas em taxas variáveis, a Comissão se baseou erradamente nos contratos de permuta de taxas de juro (swap de taxa). Com efeito, a Ryanair não contesta que a DLH podia converter uma taxa fixa em taxa variável recorrendo precisamente a esses contratos de permuta de taxas de juro e que, de modo geral, tais conversões são frequentemente utilizadas nos mercados. Por conseguinte, o referido método de conversão era um meio plausível para verificar se a remuneração das participações passivas I e II, segundo as taxas fixas, teria tido um impacto global semelhante na remuneração do Estado.

232    Em segundo lugar, resulta do quadro n.o 4 da decisão impugnada, reproduzido no n.o 225, supra, que a remuneração assim convertida é superior, nos sete primeiros anos, à prevista no quadro temporário, com exceção da referente ao oitavo ano. Foi com este fundamento que a Comissão concluiu que «a média» da remuneração assim convertida era superior à prevista no quadro temporário. Contrariamente ao argumento da Ryanair, a referência à «média» das referidas taxas é justificada, uma vez que demonstra que o impacto das taxas variáveis em causa é «globalmente semelhante», ou mesmo superior à remuneração prevista no referido quadro, na aceção do n.o 59 deste.

233    Em terceiro lugar, a Ryanair alega que as taxas fixas são mais favoráveis ao beneficiário, na medida em que o risco de um aumento significativo das taxas variáveis, segundo a taxa IBOR a um ano, prevista no quadro temporário, é suportado pela República Federal da Alemanha, e não pelo beneficiário. É certo que as variações nas taxas IBOR seriam normalmente suportadas pelo beneficiário em causa, se as taxas variáveis previstas no n.o 66 do quadro temporário devessem ser aplicadas como tal. Todavia, como observa acertadamente a Comissão, as referidas taxas podem flutuar tanto para cima como para baixo, pelo que era impossível prever, no momento da adoção da decisão impugnada, se, posteriormente a esta, a aplicação de taxas fixas teria sido mais interessante para o beneficiário.

234    Em quarto lugar, não é contestado que as taxas fixas em causa aumentam ao longo dos anos, pelo que os efeitos de incentivo à saída do Estado do capital do beneficiário estão assegurados, como exige o n.o 59 do quadro temporário.

235    Por conseguinte, há que julgar improcedente esta alegação.

b)      Quanto à remuneração da participação passiva I

236    A Ryanair alega, em substância, que, tendo em conta o risco elevado associado à participação passiva I e o seu prazo potencialmente ilimitado, a Comissão deveria ter exigido uma remuneração mais elevada para essa participação do que a da participação passiva II.

237    A Comissão contesta esta argumentação.

238    No n.o 149 da decisão impugnada, a Comissão salientou que a participação passiva I era tratada como capital próprio ao abrigo das regras internacionais de informações financeiras (International financial reporting standards, IFRS) e que tinha muitas características dos instrumentos de capital próprio, o que a tornava mais arriscada para os investidores pelo facto de este instrumento de capital híbrido estar muito próximo do capital próprio em termos de antiguidade, não ser convertível em ações, o pagamento dos seus títulos estar na discricionariedade da DLH e ter um prazo potencialmente ilimitado. A Comissão concluiu desse facto que a elevada remuneração dessa participação, que ultrapassa os limiares previstos no n.o 66 do quadro temporário, tomava em consideração o risco elevado suportado pelo Estado.

239    Daqui resulta que, na verdade, como a Ryanair alega, os riscos associados à participação passiva I são mais elevados do que os associados à participação passiva II.

240    Todavia, também é verdade que a remuneração da participação passiva I, convertida em taxas variáveis, é globalmente superior à prevista no n.o 66 do quadro temporário (v. n.os 224 a 235, supra) e é, portanto, conforme com o referido número e com o n.o 59 do mesmo quadro. O simples facto de esta remuneração ser a mesma que a prevista para a participação passiva II não a torna contrária aos requisitos do quadro temporário.

241    Por conseguinte, há que julgar improcedente esta alegação.

c)      Quanto à inexistência de um mecanismo de progressividade

242    A Ryanair alega que a Comissão violou os n.os 61 e 68 do quadro temporário, ao não prever um mecanismo de progressividade do aumento da remuneração no que respeita à participação no capital e à participação passiva II após a sua eventual conversão em capital próprio. Os fundamentos apresentados na decisão impugnada não justificam esta derrogação aos requisitos do quadro temporário. Por conseguinte, a remuneração do Estado aceite pela Comissão, que não é acompanhada de nenhum mecanismo de progressividade ou similar, não dá lugar a um «resultado globalmente semelhante» no que respeita aos efeitos de incentivo à saída do Estado, na aceção do n.o 62 do quadro temporário.

243    A Comissão, apoiada pela República Francesa, contesta os argumentos da Ryanair e reproduz, em substância, os fundamentos da decisão impugnada.

244    A presente alegação tem por objeto a inexistência de um mecanismo de progressividade que preveja o aumento da remuneração, por um lado, na participação no capital e, por outro, após a eventual conversão da participação passiva II em capital próprio.

245    Em primeiro lugar, no que respeita à remuneração dos instrumentos de capital próprio, como a participação no capital, o n.o 61 do quadro temporário enuncia que «[q]ualquer medida de recapitalização deve incluir um mecanismo de progressividade (step up) que preveja o aumento da remuneração do Estado, a fim de incentivar o beneficiário a reembolsar o capital injetado pelo Estado». Este aumento da remuneração pode assumir a forma de ações complementares concedidas ao Estado ou de outros mecanismos, e deve corresponder a um acréscimo mínimo de 10 % da remuneração do Estado quatro anos após a injeção de capital, se o Estado não tiver vendido, pelo menos, 40 % da sua participação no capital resultante dessa injeção de capital. Se, seis anos após a injeção do capital, o Estado não tiver vendido a totalidade da sua participação no capital resultante dessa injeção, será novamente ativado o mecanismo de set up.

246    O n.o 62 do quadro temporário prevê que a Comissão pode aceitar mecanismos alternativos, desde que estes conduzam a um resultado globalmente semelhante no que respeita aos efeitos de incentivo à saída do Estado e a um impacto idêntico na remuneração do Estado.

247    No caso em apreço, é pacífico que a remuneração da participação no capital não prevê um mecanismo de progressividade, na aceção do n.o 61 do quadro temporário.

248    No entanto, no n.o 142 da decisão impugnada, a Comissão considerou que a «estrutura global» da medida em causa constituía um mecanismo «alternativo» de progressividade da remuneração. A este respeito, no n.o 140 da decisão impugnada, a Comissão sublinhou o caráter interligado das três componentes da medida em causa, que justificava, em seu entender, a tomada em consideração da conjugação dos seus efeitos de incentivo à saída do Estado do capital. Para este efeito, a Comissão fez referência, nos n.os 139 e 141 da decisão impugnada, a vários fatores, a saber, o grande abatimento no preço a que a República Federal da Alemanha tinha adquirido as ações da DLH; o facto de a presença do Estado na participação da DLH ser indesejável para o beneficiário; o facto de as participações passivas I e II serem acompanhadas de taxas de juro crescentes e de a probabilidade de conversão em capital próprio de uma parte da participação passiva II aumentar ao longo do tempo, o que causou a diluição das participações existentes a favor do Estado, e os compromissos comportamentais, nomeadamente a proibição de pagar dividendos, que continuam em vigor até que o auxílio seja integralmente reembolsado. Com base nestes elementos, a Comissão concluiu que a «estrutura global» da medida em causa incluía efeitos de incentivo suficientemente fortes à saída do Estado do capital do beneficiário.

249    Por conseguinte, importa examinar se a Comissão podia concluir, com base nos elementos acima mencionados, que a participação no capital incluía um mecanismo «alternativo» ao da progressividade, na aceção do n.o 62 do quadro temporário. Para este efeito, há que verificar se os referidos elementos produzem um resultado globalmente semelhante no que respeita aos efeitos de incentivo à saída do Estado do capital e se têm um impacto semelhante na remuneração do Estado, como exige o n.o 62 do quadro temporário.

250    A este respeito, importa sublinhar que o quadro temporário, na sua versão aplicável ratione temporis, não prevê uma derrogação à obrigação de prever quer um mecanismo de progressividade, quer outro mecanismo que corresponda ao mesmo objetivo.

251    Ora, não se pode deixar de observar que, no caso em apreço, a participação no capital não é acompanhada de nenhum mecanismo de progressividade.

252    Além disso, à semelhança do que faz a Ryanair, há que salientar que nenhum dos fundamentos apresentados na decisão impugnada demonstra que a participação no capital era acompanhada de um mecanismo «alternativo» ao da progressividade.

253    Com efeito, em primeiro lugar, a Comissão faz referência, na decisão impugnada, ao facto de o preço das ações subscritas pela República Federal da Alemanha, a saber, 2,56 euros por ação, ser significativamente inferior ao preço médio das ações da DLH nos quinze dias anteriores ao pedido de injeção de capital próprio, a saber, 9,12 euros por ação, ou seja, um abatimento no preço de 71,9 %, e que, por conseguinte, esse abatimento oferecia ao Estado uma remuneração suficiente «aquando da entrada» do capital do beneficiário. Esta remuneração é, assim, superior à que teria resultado da aplicação de um mecanismo de progressividade, na hipótese de a República Federal da Alemanha não ter beneficiado do referido abatimento.

254    Todavia, não se pode deixar de observar que o preço das ações subscritas pelo Estado no momento da sua entrada no capital do beneficiário em causa não tem uma relação suficientemente estreita com o objeto e o objetivo do mecanismo de progressividade ou de um mecanismo alternativo, na aceção do n.o 62 do quadro temporário.

255    Com efeito, por um lado, o preço das ações subscritas pelo Estado no momento da sua entrada no capital do beneficiário em causa está regulado pelo n.o 60 do quadro temporário, segundo o qual uma injeção de capital pelo Estado, ou uma intervenção equivalente, deve ser praticada a um preço que não exceda o preço médio das ações do beneficiário nos 15 dias anteriores ao pedido de injeção de capital. O preço de compra acima referido demonstra, portanto, que este está em conformidade com o n.o 60 do quadro temporário. Em contrapartida, o facto de a participação no capital ser conforme com o referido número não significa que pudesse derrogar a obrigação de prever um mecanismo de progressividade, como exige o n.o 61 do quadro temporário, ou um mecanismo alternativo, na aceção do n.o 62 do referido quadro. Trata‑se, na realidade, de dois requisitos distintos, previstos no mencionado quadro, com objetivos distintos. Com efeito, a necessidade de prever tal mecanismo não está de modo algum subordinada ao preço inicial de aquisição das ações.

256    Por outro lado, o objetivo prosseguido pelo mecanismo de progressividade é diferente daquele que subjaz à regra em matéria de preço inicial de compra das ações. Com efeito, o objetivo deste mecanismo é tornar mais onerosa a participação do Estado ao longo do tempo, aumentando a sua quota no capital da empresa sem injeção suplementar de capital por parte do Estado. Este mecanismo visa, portanto, incitar ex post o beneficiário em causa a voltar a adquirir a referida participação o mais rapidamente possível, uma vez que este mecanismo só é ativado, se for caso disso, quatro ou seis anos, respetivamente, após a injeção de capital. Em contrapartida, o preço de compra das ações tem por objetivo, em substância, garantir que o preço a que o Estado adquire ações não excede o seu preço de mercado. Este preço tem, portanto, um impacto ex ante na situação do beneficiário em causa, isto é, aquando da entrada do Estado no capital do referido beneficiário, e não se destina necessariamente a aumentar, ao longo do tempo, o incentivo desse beneficiário a adquirir a referida participação, uma vez que o preço das ações pode flutuar tanto no sentido da valorização como no da desvalorização.

257    Por conseguinte, o nível do preço das ações no momento da entrada do Estado no capital do beneficiário em causa não produz um resultado globalmente semelhante no que respeita aos efeitos de incentivo à saída do Estado do capital, como prevê o n.o 62 do quadro temporário.

258    Em segundo lugar, o facto, salientado pela Comissão na decisão impugnada, de a participação do Estado no capital da DLH ser «indesejável», é irrelevante, uma vez que tal afirmação é subjetiva e não tem valor jurídico.

259    Quanto à afirmação que figura no n.o 141 da decisão impugnada, segundo a qual a DLH poderia pedir ao Estado que vendesse a totalidade das suas ações, desde que, por um lado, lhe tivesse reembolsado as participações passivas I e II, incluindo os juros, e, por outro, que o preço das ações na sua venda fosse igual ao valor mais elevado entre o preço de mercado destas e 2,56 euros por ação, acrescido de 12 % por ano, calculado para o período entre a aquisição e a venda, impõe‑se observar o seguinte. Por um lado, no que respeita ao facto de a DLH só poder pedir ao Estado que venda a totalidade das suas ações depois de ter reembolsado, nomeadamente, a participação passiva II, incluindo os juros, impõe‑se declarar que este caso diz necessariamente respeito ao eventual reembolso da referida participação antes da sua conversão em capital próprio. Ora, a necessidade de prever um mecanismo de progressividade ou um mecanismo alternativo, no que respeita aos instrumentos de capital híbridos, é aplicável após a sua conversão em capital próprio, como resulta do n.o 68 do quadro temporário. Por conseguinte, o caso acima referido não diz respeito à situação em que se encontra a DLH após a eventual conversão em capital próprio da participação passiva II, quando a inclusão desse mecanismo deva, em princípio, estar prevista, como resulta dos n.os 264 a 266, infra. Por outro lado, no que respeita ao preço das ações no momento da sua revenda pelo Estado, basta constatar que este preço é regulado pelo n.o 63 do quadro temporário, o qual acrescenta um requisito distinto mas que não substitui o relativo à inclusão de um mecanismo de progressividade ou análogo.

260    Em terceiro lugar, a Comissão avança igualmente o facto de a taxa de juro que remunera as participações passivas I e II aumentar ao longo do tempo. Todavia, também aqui se trata de um requisito distinto previsto pelo quadro temporário no que respeita aos instrumentos de capital híbridos até à sua conversão em instrumento do tipo «capital próprio», a saber, o que figura no n.o 66 deste quadro, que prevê, com efeito, taxas de juro que aumentam ao longo do tempo. Este requisito tem, portanto, um âmbito de aplicação totalmente distinto do requisito, resultante dos n.os 61 e 62 do referido quadro, de prever um mecanismo de progressividade ou outro mecanismo análogo.

261    Do mesmo modo, o facto, alegado na decisão impugnada, de a probabilidade de conversão de uma parte da participação passiva II em capital próprio aumentar ao longo do tempo também não é suscetível de afastar a obrigação de incluir um mecanismo de progressividade ou um mecanismo alternativo, na aceção do n.o 62 do quadro temporário. Pelo contrário, em conformidade com o n.o 68 do quadro temporário, é precisamente após essa conversão que «deve ser incluído» esse mecanismo no que respeita aos instrumentos de capital híbridos, como a participação passiva II. Dito de outra forma, a referida conversão desencadeia a obrigação de prever esse tipo de mecanismo. Não pode, portanto, em caso algum, servir para justificar a inexistência deste último.

262    Em quarto lugar, o facto de a DLH ser objeto dos compromissos comportamentais previstos no ponto 3.11.6 do quadro temporário, como, nomeadamente, a proibição de dividendos, também não substitui a obrigação de prever um mecanismo de progressividade ou um mecanismo alternativo, na aceção do n.o 62 do quadro temporário, uma vez que se trata, também aqui, de requisitos distintos que acrescem, mas não substituem, o previsto nos n.os 61 e 62 desse quadro.

263    Por conseguinte, resulta do exposto que a Comissão não fez prova bastante de que a «estrutura global» da medida em causa, nomeadamente os efeitos combinados dos seus três componentes interligados, produzia globalmente efeitos que incentivavam a saída do Estado do capital do beneficiário, comparáveis aos efeitos incentivadores gerados por um mecanismo de progressividade ou um mecanismo semelhante, na aceção do n.o 62 do quadro temporário.

264    Em segundo lugar, no que respeita à participação passiva II, que constitui um instrumento de capital híbrido, é igualmente pacífico que esta também não é acompanhada de nenhum mecanismo de progressividade. Ora, nos termos do n.o 68 do quadro temporário, após a conversão em capital próprio do instrumento de capital híbrido em causa, «deve ser incluído» um mecanismo de progressividade que preveja o aumento da remuneração do Estado, a fim de incentivar os beneficiários a reembolsarem as injeções de capital do Estado. Se o capital próprio resultante da intervenção do Estado no contexto da COVID‑19 ainda for detido pelo Estado dois anos após a conversão em capital próprio, o Estado receberá uma parte no beneficiário, além da participação restante decorrente da conversão pelo Estado dos instrumentos de capital híbrido associados à COVID‑19. Esta parte de propriedade suplementar será de, pelo menos, 10 % da participação restante decorrente da conversão pelo Estado desses instrumentos de capital híbrido. A Comissão pode aceitar mecanismos de progressividade alternativos, desde que tenham os mesmos efeitos de incentivo e um impacto global semelhante na remuneração do Estado.

265    Na decisão impugnada, a Comissão considerou nos n.os 159 a 161, em substância, que a participação passiva II estava acompanhada de um mecanismo alternativo de progressividade, apresentando alguns dos fundamentos que tinha considerado relativamente à participação no capital. Por conseguinte, pelas razões expostas nos n.os 252 a 257, supra, esses fundamentos não bastam para justificar a inexistência de um mecanismo de progressividade nem de outro mecanismo que preencha os requisitos previstos no n.o 68 do quadro temporário.

266    Por último, quanto ao n.o 70 do quadro temporário, mencionado sumariamente pela Comissão no n.o 160 da decisão impugnada, importa salientar que, nos termos deste número, «uma vez que a natureza dos instrumentos híbridos varia significativamente, a Comissão não fornece orientações para todos os tipos de instrumentos». Ora, na decisão impugnada, a Comissão não explicou de modo algum quais são as características específicas da natureza da participação passiva II que a distinguem de outros tipos de instrumentos de capital híbridos, pelo que o referido número tem pertinência no caso em apreço. De todo o modo, nos termos do referido número, «os instrumentos híbridos devem sempre seguir os princípios [referidos nos números anteriores deste quadro]». Por conseguinte, este número não dispensa a Comissão da obrigação de verificar se o instrumento de capital híbrido em causa segue os princípios enunciados nesse número do quadro temporário, entre os quais figura o da necessidade de garantir que o instrumento híbrido em causa seja acompanhado de um mecanismo suscetível de produzir efeitos de incentivo à saída do Estado do capital do beneficiário em causa, semelhantes aos inerentes ao mecanismo de progressividade.

267    Assim, a Ryanair tem razão ao sustentar que todas as justificações apresentadas pela Comissão na decisão impugnada se referem, na realidade, a outros requisitos distintos previstos no quadro temporário que não substituem mas acrescem àquele que consiste em prever um mecanismo de progressividade ou um mecanismo semelhante para qualquer medida de recapitalização através de instrumentos de capital próprio ou de instrumentos de capital híbridos após a sua conversão em capital.

268    Resulta de todo o exposto que a participação no capital e a participação passiva II, no momento da sua conversão em capital próprio, não são acompanhadas de nenhum mecanismo de progressividade ou de um mecanismo semelhante, contrariamente aos requisitos do quadro temporário.

269    É certo que o Tribunal Geral teve oportunidade de declarar que, devido às características muito específicas da medida de recapitalização controvertida, que consistia numa participação proporcional do Estado e dos acionistas privados, a Comissão podia aprovar a referida medida, apesar de derrogar os n.os 61 e 62 do quadro temporário, na medida em que um mecanismo de progressividade obrigaria, na realidade, o Estado a reduzir a sua parte no capital do beneficiário a um nível inferior ao existente antes da implementação da medida controvertida [Acórdão de 22 de junho de 2022, Ryanair/Comissão (Finnair II; Covid‑19), T‑657/20, pendente de recurso, EU:T:2022:390, n.os 75 e 76]. Ora, a medida em causa no presente processo não consiste numa participação proporcional do Estado e dos acionistas privados. Além disso, a Comissão não refere nenhuma circunstância excecional ou outra particularidade suscetível de justificar uma derrogação ao requisito de prever um mecanismo de progressividade ou um mecanismo semelhante, mas alega ter aprovado um mecanismo alternativo que acompanha a medida em causa, do que, no entanto, não fez prova bastante, como resulta dos n.os 255 a 266, supra. Assim, ao contrário do processo que deu origem ao acórdão já referido, a aplicação de tal mecanismo no caso em apreço teria por consequência incitar o beneficiário a reembolsar a injeção de capital do Estado, reduzindo a sua parte no capital ao nível existente antes da implementação da medida em causa.

270    Deste modo, a Comissão violou os n.os 61, 62, 68 e 70 do quadro temporário, uma vez que não exigiu a inclusão de um mecanismo de progressividade ou um mecanismo semelhante na remuneração da participação no capital e da participação passiva II, aquando da conversão desta última em capital próprio.

271    Por conseguinte, a presente alegação é procedente e merece ser acolhida.

d)      Quanto ao preço das ações no momento da conversão da participação passiva II

272    A Ryanair acusa a Comissão de ter aceitado um determinado preço das ações, no momento da conversão da participação passiva II em capital próprio, que viola o n.o 67 do quadro temporário. Os fundamentos invocados na decisão impugnada para justificar esta derrogação não são suficientes. Em especial, a possibilidade de a Comissão «adiar» a sua decisão a este respeito não está prevista no quadro temporário.

273    A Comissão contesta a argumentação da Ryanair com base nos fundamentos que figuram na decisão impugnada.

274    Nos termos do n.o 67 do quadro temporário, a conversão de instrumentos de capital híbrido em capital próprio deve ser efetuada, no mínimo, a 5 % abaixo do TERP (Theoritical ExRights Price) no momento da conversão.

275    No n.o 158 da decisão recorrida, a Comissão salientou que uma parte da participação passiva II, a saber, a participação passiva II‑A, podia ser convertida em ações a um preço fixo de 2,56 euros por ação, ao passo que outra parte dessa participação, a saber, a participação passiva II‑B, podia sê‑lo ao preço de mercado de ações no momento da conversão, menos 10 % ou 5,25 %, em função do acontecimento desencadeador. A este respeito, a Comissão explicou que era possível «esperar que todos esses preços fossem conformes com o requisito estabelecido no n.o 67 do quadro temporário», admitindo ao mesmo tempo que «poderia haver um preço abaixo do qual o requisito do n.o 67 do quadro temporário não estaria preenchido», mas que, nesse caso, a República Federal da Alemanha se tinha comprometido a solicitar a sua autorização antes de exercer o seu direito à conversão.

276    A este respeito, em primeiro lugar, há que salientar que o preço das ações no momento da conversão da participação passiva II em capital próprio, aprovado na decisão recorrida, não é determinado com base no TERP, isto é, no preço de mercado que as ações teoricamente teriam na sequência de uma nova emissão de direitos, como exige, no entanto, o n.o 67 do quadro temporário.

277    Com efeito, por um lado, no que respeita à participação passiva II‑A, esse preço, fixado em 2,56 euros por ação, não tem nenhuma relação com o método exigido no n.o 67 do quadro temporário.

278    Por outro lado, quanto à participação passiva II‑B, o preço baseia‑se no preço de mercado no momento da conversão, menos 10 % ou 5,25 % consoante o acontecimento desencadeador. Ora, o TERP não coincide com o preço real do mercado de ações no momento da conversão. Na decisão impugnada, a Comissão não explica, no entanto, a articulação, em seu entender, entre a exigência de um preço «no mínimo, 5 % abaixo do TERP», prevista no n.o 67 do quadro temporário, e o preço de mercado no momento da conversão, menos 10 % ou 5,25 % respetivamente, previsto para a participação passiva II‑B.

279    Daqui decorre que a Comissão não explicou as razões pelas quais se justificava fixar ou calcular os preços das ações no momento da conversão da participação passiva II em capital próprio sem seguir o método exigido no n.o 67 do quadro temporário, nem adiantou qualquer circunstância excecional suscetível de justificar o não seguimento do referido método.

280    Em segundo lugar, no n.o 158 da decisão impugnada, a Comissão admitiu que o preço que aceitara podia não ser conforme com o n.o 67 do quadro temporário. No entanto, concluiu que a medida em causa era conforme com o referido número pelo facto de a República Federal da Alemanha se ter comprometido a solicitar a sua autorização no caso de o preço em conformidade com os requisitos do referido número estar abaixo do preço previsto na medida em causa.

281    Coloca‑se, portanto, a questão de saber se a Comissão podia derrogar a regra prevista no n.o 67 do quadro temporário, com o pretexto de que o Estado‑Membro em causa solicitaria a sua autorização antes de exercer o seu direito de conversão.

282    Ora, nem na decisão impugnada nem nos seus articulados no Tribunal Geral, a Comissão citou qualquer passagem do quadro temporário, outra norma jurídica ou uma circunstância excecional que lhe permitisse derrogar o n.o 67 daquele quadro.

283    O simples facto de a República Federal da Alemanha se ter comprometido a solicitar a autorização da Comissão na hipótese de o preço em causa não estar em conformidade com os requisitos do n.o 67 do quadro temporário não é suscetível de justificar tal derrogação. Com efeito, a Comissão não teria permissão para derrogar as regras previstas no quadro temporário sob pretexto de o Estado‑Membro em causa se comprometer a solicitar posteriormente a sua autorização para o efeito. A este respeito, importa recordar que os auxílios concedidos pelos Estados‑Membros são objeto de um regime de autorização prévia nos termos do artigo 108.o, n.o 3, TFUE. Assim, uma medida de auxílio deve ser declarada compatível com o mercado interno ex ante, antes de poder ser executada. A Comissão não pode, portanto, adiar a sua decisão quanto à compatibilidade de uma medida de auxílio com o mercado interno se concluir, como no caso em apreço, que um aspeto desta é suscetível de infringir as regras aplicáveis na matéria.

284    Ora, no caso em apreço, o compromisso assumido pelo Estado‑Membro em causa não era suscetível de garantir que a regra enunciada no n.o 67 do quadro temporário seria respeitada. Com efeito, a República Federal da Alemanha não se comprometeu, quanto ao mérito, a adequar, no momento oportuno, o preço das ações da participação passiva II, no momento da sua conversão em capital próprio, aos requisitos do referido número, por exemplo, comprometendo‑se a ajustar esse preço até ao nível previsto no referido número, mas apenas, no plano processual, a solicitar a autorização da Comissão antes de exercer o seu direito de conversão.

285    Assim, na realidade, a Comissão mais não fez do que adiar a sua decisão a este respeito, como aliás admite nos seus articulados, sabendo que o preço das ações no momento da conversão da participação passiva II em capital próprio pode efetivamente revelar‑se incompatível com o n.o 67 do quadro temporário.

286    Ora, importa recordar a este respeito que a Comissão não pode, em princípio, afastar‑se das regras do quadro temporário que impôs a si própria, sob pena de poder ser penalizada, eventualmente, por violação de princípios gerais do direito, como os da igualdade de tratamento ou da proteção da confiança legítima (v. jurisprudência referida no n.o 75, supra).

287    Em face do exposto, há que concluir que a Comissão violou o n.o 67 do quadro temporário.

288    A presente alegação é, portanto, procedente e deve ser acolhida.

6.      Quanto à governação e à prevenção das distorções indevidas da concorrência

a)      Quanto à proibição de uma expansão comercial agressiva financiada pelo auxílio

289    As recorrentes alegam, em substância, que a decisão impugnada não prevê salvaguardas contra uma expansão comercial agressiva do beneficiário em causa, em violação do n.o 71 do quadro temporário. A Condor remete, nomeadamente, para uma publicação em linha, datada de 19 de março de 2019 e intitulada «Lufthansa eyes Condor and its market niche» (A Lufthansa está de olho na Condor e no seu nicho de mercado), que atesta o risco dessa expansão comercial agressiva. Além disso, segundo a Ryanair, a decisão impugnada padece de falta de fundamentação a este respeito.

290    A Comissão contesta esta argumentação, reproduzindo, em substância, os fundamentos da decisão impugnada.

291    Nos termos do n.o 71 do quadro temporário, a fim de evitar distorções indevidas da concorrência, os beneficiários não podem praticar uma expansão comercial agressiva financiada pelo auxílio estatal ou assumir riscos excessivos. Como princípio geral, quanto menor for a participação do Estado no capital e maior a remuneração, menor será a necessidade de salvaguardas.

292    No n.o 163 da decisão impugnada, a Comissão referiu que o plano empresarial da DLH previa um regresso prudente e gradual ao seu volume de atividade normal e que o Grupo Lufthansa respeitaria os requisitos previstos no ponto 3.11.6 do referido quadro, concluindo, com base nisso, que os requisitos previstos no n.o 71 do quadro temporário estavam respeitados.

293    Embora sucinta, a fundamentação da decisão impugnada a este respeito expõe suficientemente as considerações de facto e de direito que revestem uma importância essencial na economia desta, na aceção da jurisprudência referida no n.o 205, supra, pelo que a alegação relativa à falta de fundamentação deve ser rejeitada.

294    Quanto ao mérito, basta observar que a Comissão examinou o plano empresarial da DLH, que previa um regresso prudente e gradual ao seu volume de atividade «normal». Na medida em que o referido plano se baseia nas perspetivas de desenvolvimento das atividades programadas ou previstas do beneficiário, a Comissão podia legitimamente basear a sua análise do risco de uma expansão comercial agressiva financiada pelo auxílio no exame do referido plano. O facto de esta análise ter demonstrado que o beneficiário em causa apenas previa um regresso prudente e progressivo da sua atividade ao nível anterior ao surgimento da pandemia de COVID‑19 tende a demonstrar que este não tinha planeado uma expansão comercial agressiva financiada pelo auxílio em causa, como corretamente considerou a Comissão.

295    Além disso, há que recordar que, nos termos do n.o 74 do quadro temporário, desde que, pelo menos, 75 % das medidas de recapitalização não tenham sido reembolsadas, o beneficiário da medida em causa deve ser impedido de adquirir uma participação superior a 10 % em empresas concorrentes ou noutros operadores do mesmo ramo de atividade, incluindo as operações a montante e a jusante. Não foi contestado que esta exigência impende sobre o beneficiário e que tem igualmente por objetivo evitar que este se dedique a uma expansão comercial agressiva financiada pelo auxílio. Esta obrigação é, assim, suscetível de corresponder ao receio expresso pela Condor de que o beneficiário a possa adquirir graças ao auxílio, de que é testemunho a publicação acima referida no n.o 289.

296    Por conseguinte, há que concluir que as recorrentes não demonstraram que a Comissão tenha violado o n.o 71 do quadro temporário. As suas alegações devem, portanto, ser julgadas improcedentes.

b)      Quanto à existência de PMS do beneficiário nos mercados em causa e aos compromissos estruturais

297    Na quinta parte do seu primeiro fundamento, a Ryanair alega, em substância, que a Comissão violou o n.o 72 do quadro temporário. Invoca, no essencial, três grupos de alegações relativas à definição dos mercados relevantes, à existência de PMS do beneficiário em causa nesses mercados e ao caráter eficaz e suficiente dos compromissos estruturais impostos a este último.

298    Na primeira parte do seu primeiro fundamento, bem como na primeira parte do seu segundo fundamento, a Condor sustenta igualmente que a Comissão violou o n.o 72 do quadro temporário, invocando, em substância, os mesmos três grupos de alegações mencionados no n.o 297, supra.

299    Importa examinar estes três grupos de alegações consecutivamente.

1)      Quanto à definição dos mercados relevantes

i)      Quanto ao método de definição dos mercados relevantes

300    As recorrentes alegam, em substância, que a Comissão cometeu um erro ao não examinar os efeitos da medida em causa nos diferentes mercados de serviços de transporte aéreo de passageiros definidos por pares de cidades entre um ponto de origem e um ponto de destino (a seguir «mercados O & D»). Ao fazê‑lo, a Comissão afastou‑se da sua prática decisória constante em matéria de controlo de concentrações no setor da aviação, que consiste em definir os mercados em função da abordagem O & D.

301    A Condor acrescenta que a Comissão também não teve em conta o mercado do fornecimento do tráfego de afluência.

302    A Comissão, apoiada pela República Francesa e pela DLH, alega que a identificação dos mercados relevantes segundo a abordagem «aeroporto a aeroporto» não é incorreta, reproduzindo, em substância, os fundamentos apresentados a este respeito na decisão impugnada.

303    Em conformidade com o n.o 72 do quadro temporário, se o beneficiário de uma recapitalização COVID‑19 superior a 250 milhões de euros for uma empresa com poder de mercado significativo (PMS) em, pelo menos, um dos mercados relevantes em que opera, os Estados‑Membros devem propor medidas adicionais para preservar a concorrência efetiva nesses mercados. Ao propor essas medidas, os Estados‑Membros podem, nomeadamente, oferecer compromissos estruturais ou comportamentais previstos na Comunicação da Comissão sobre as [medidas de correção] passíveis de serem aceites nos termos do Regulamento (CE) n.o 139/2004 do Conselho e do Regulamento (CE) n.o 802/2004 da Comissão (JO 2008, C 267, p. 1, a seguir «Comunicação sobre as medidas de correção»).

304    Na decisão impugnada, a Comissão considerou que os mercados em que o beneficiário em causa exercia as suas atividades eram os mercados de prestação de serviços de transporte aéreo de passageiros com partida e destino aos aeroportos servidos pelo referido beneficiário. Assim, identificou os mercados em causa segundo a abordagem «aeroporto a aeroporto». Em conformidade com esta abordagem, cada aeroporto é definido como um mercado diferente, sem que seja feita distinção entre as diferentes rotas O & D com destino ou origem nesse aeroporto. Segundo a Comissão, esta abordagem justificava‑se pelo facto de a medida em questão se destinar a preservar a capacidade global do beneficiário em causa para prestar serviços de transporte aéreo, nomeadamente assegurando a preservação dos seus ativos e dos seus direitos de exploração a médio e a longo prazo. Com efeito, esses ativos e direitos não estão afetados, em princípio, a uma determinada rota. Isto é particularmente verdade no que respeita às faixas horárias num aeroporto coordenado, que podem ter um grande valor e ser utilizadas em qualquer rota com partida e destino a esse aeroporto.

305    A Comissão concluiu desse facto que a medida em causa dava apoio às atividades do Grupo Lufthansa e podia, portanto, potencialmente afetar a concorrência em todas as rotas com partida e chegada a um aeroporto no qual esse grupo detivesse faixas horárias, independentemente da posição concorrencial específica do grupo em cada uma dessas rotas. Por conseguinte, segundo a Comissão, não é adequado analisar separadamente o impacto da medida em causa em cada uma dessas rotas. Em vez disso, importa definir os mercados relevantes como sendo os aeroportos onde o beneficiário em causa prestava serviços de transporte aéreo de passageiros.

306    As partes estão assim em desacordo quanto à questão de saber se, para efeitos da aplicação do n.o 72 do quadro temporário, os contratos de prestação de serviços de transporte aéreo de passageiros devem ser identificados segundo a abordagem «aeroporto a aeroporto», como considerou a Comissão na decisão impugnada, ou segundo a abordagem O & D, como sustentam as recorrentes.

307    Esta questão implica avaliações económicas complexas, pelo que o controlo exercido pelo juiz da União é restrito (v. jurisprudência referida no n.o 74, supra).

308    A este respeito, em primeiro lugar, importa salientar que o n.o 72 do quadro temporário não especifica o método a utilizar para a definição dos mercados relevantes.

309    Em segundo lugar, como indica a nota de rodapé n.o 1 da Comunicação da Comissão relativa à definição de mercado relevante para efeitos do direito comunitário da concorrência (JO 1997, C 372, p. 5), no âmbito dos processos relativos a auxílios estatais, a análise centra‑se no beneficiário do auxílio e no setor/indústria em causa mais do que na identificação dos condicionalismos concorrenciais defrontados pelo beneficiário do auxílio.

310    Em terceiro lugar, importa recordar que, no âmbito do exame das medidas de auxílio que podem ser autorizadas em conformidade com o artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE, a Comissão deve velar por que estas se destinem, nomeadamente, a sanar uma perturbação grave da economia de um Estado‑Membro. Em especial, o quadro temporário insere‑se no âmbito do esforço global desenvolvido pelos Estados‑Membros para contrariar os efeitos do surto da COVID‑19 na sua economia e visa precisar as possibilidades oferecidas aos Estados‑Membros pelas regras da União para garantir a liquidez e o acesso ao financiamento das empresas (n.o 11 do quadro temporário). No que diz respeito mais especificamente às medidas de recapitalização, o quadro temporário pretende garantir que a perturbação da economia não resulte na saída desnecessária do mercado de empresas que eram viáveis antes do surto de COVID‑19. A Comissão deve simultaneamente garantir que as recapitalizações não excedem o mínimo necessário para assegurar a viabilidade do beneficiário e não vão além da reposição da estrutura de capital do beneficiário, anterior ao surto de COVID‑19.

311    Este tipo de medidas de auxílio visa, portanto, sanar uma perturbação grave da economia de um Estado‑Membro, apoiando, especialmente, a viabilidade das empresas atingidas pela pandemia de COVID‑19 a fim de restabelecer a sua estrutura de capital ao mesmo nível da anterior. Estas medidas de auxílio visam, assim, a situação financeira global do beneficiário e, mais genericamente, a do setor económico em causa.

312    Em quarto lugar, no que respeita concretamente à medida em causa, importa salientar que esta se destina a garantir, em substância, que as sociedades do Grupo Lufthansa dispõem de liquidez suficiente e que as perturbações causadas pela pandemia de COVID‑19 não comprometem a sua viabilidade (n.o 18 da decisão impugnada). Os efeitos deste auxílio estendem‑se, portanto, à situação financeira global do referido grupo. Com efeito, a medida em causa visa restaurar a estrutura de capital do beneficiário antes do surto de COVID‑19 e, não, apoiar a presença do beneficiário numa determinada rota no espaço aéreo.

313    Por conseguinte, a Comissão teve razão em salientar na decisão impugnada que a medida em causa se destinava a preservar os ativos do beneficiário e os seus direitos de exploração a médio e a longo prazo e, por conseguinte, a sua capacidade global para prestar serviços de transporte aéreo, não sendo, por conseguinte, adequado examinar o impacto da medida em causa em cada mercado O & D isoladamente considerado.

314    Em quinto lugar, os argumentos das recorrentes que visam pôr em causa a abordagem «aeroporto a aeroporto» seguida pela Comissão na decisão impugnada baseiam‑se, em substância, numa analogia com o método de definição dos mercados seguidos em matéria de controlo das concentrações, segundo a qual os mercados relevantes são definidos segundo a abordagem O & D.

315    Porém, esta analogia não tem suficientemente em conta as especificidades do quadro temporário e da medida em causa.

316    Com efeito, a medida em questão no presente processo não tem por efeito reforçar a posição do beneficiário em causa em certos mercados O & D e não noutros. Mais especificamente, uma medida de recapitalização produz efeitos na situação global do beneficiário em causa, uma vez que os capitais fornecidos a este não são afetados a rotas em concreto e não têm, portanto, uma ligação direta com certos mercados O & D e não com outros.

317    Por conseguinte, não existe nenhuma contradição decorrente do facto de a Comissão ter seguido abordagens diferentes para definir os mercados, por um lado, na decisão impugnada e, por outro, na sua prática decisória em matéria de controlo das concentrações (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 13 de maio de 2015, Niki Luftfahrt/Comissão, T‑162/10, EU:T:2015:283, n.o 148).

318    Pelas mesmas razões, o argumento das recorrentes, baseado na mesma analogia com a prática decisória em matéria de controlo de concentrações, segundo o qual os mercados em causa deveriam ser definidos tanto segundo a abordagem O & D como segundo a abordagem «aeroporto a aeroporto», não pode ser acolhido.

319    De resto, há que salientar que, mesmo no domínio das concentrações, chegou a acontecer que a Comissão tivesse definido os mercados relevantes apenas com base na abordagem «aeroporto a aeroporto» quando a concentração consistia numa aquisição de ativos, nomeadamente de faixas horárias, de uma companhia aérea que cessou toda a atividade e se retirou, assim, de todos os mercados O & D. Esta abordagem foi aceite pelo Tribunal Geral pelo facto de, nomeadamente, as faixas horárias objeto da concentração poderem ser utilizadas em todas as rotas O & D com partida ou destino aos aeroportos em causa. (v., neste sentido, Acórdãos de 20 de outubro de 2021, Polskie Linie Lotnicze «LOT»/Comissão, T‑240/18, EU:T:2021:723, n.o 57, e de 20 de outubro de 2021, Polskie Linie Lotnicze «LOT»/Comissão, T‑296/18, EU:T:2021:724, n.o 80). Ora, uma medida de recapitalização como a medida em causa tem um efeito semelhante a uma concentração essencialmente relativa a faixas horárias, no sentido de que, à semelhança dessas faixas horárias, os capitais fornecidos à DLH não são afetados a rotas concretas e podem ser utilizados para assegurar qualquer rota O & D com partida de um aeroporto.

320    Em sexto lugar, dado que a identificação de um mercado de tráfego de afluência distinto, que a Condor reclama, requer a aplicação da abordagem O & D, como as partes admitiram na audiência, há que rejeitar, pelos mesmos motivos, o argumento desta última em que critica a Comissão por não ter tido em conta o referido mercado do tráfego de afluência. Com efeito, a medida em causa não tem por objeto apoiar as atividades do beneficiário em questão em certas ligações O & D em relação às quais fornece um tráfego de afluência à Condor, com exclusão de outras.

321    Por último, o argumento que as recorrentes extraem da redação do n.o 72 do quadro temporário, que menciona as empresas com PMS «em, pelo menos, um dos mercados relevantes», não tem pertinência. Com efeito, é evidente que esta precisão não se destina a impor à Comissão um determinado método de definição dos mercados, mas sim a precisar que basta que o beneficiário tenha PMS num único dos mercados em que opera para que os requisitos previstos no referido número sejam aplicáveis. Assim, se se concluir que o beneficiário tinha PMS num único aeroporto, isso basta para que os requisitos previstos no n.o 72 do quadro temporário sejam aplicáveis no que respeita a esse aeroporto.

322    Por conseguinte, há que concluir que a Comissão podia, sem cometer um erro manifesto de apreciação, definir os mercados em causa para efeitos da aplicação do n.o 72 do quadro temporário segundo a abordagem «aeroporto a aeroporto».

ii)    Quanto à aplicação da abordagem «aeroporto a aeroporto»

323    A título subsidiário, a Ryanair alega que, admitindo que a abordagem «aeroporto a aeroporto» esteja correta, a Comissão fez uma aplicação errada da mesma. Apresenta várias alegações a este respeito, que a Comissão contesta com base nos fundamentos expostos na decisão impugnada.

324    Antes de examinar estas alegações, há que salientar que, nos n.os 172 e 173 da decisão impugnada, a Comissão considerou que, para efeitos da aplicação do n.o 72 do quadro temporário, só eram «relevantes» os aeroportos coordenados nos quais o Grupo Lufthansa tinha uma base. Em aplicação destes critérios, a Comissão identificou quinze aeroportos nos quais o Grupo Lufthansa tinha uma base durante as épocas de verão de 2019 e de inverno de 2019/2020 da IATA, nove dos quais eram coordenados, a saber, os aeroportos de Berlim, Bruxelas, Dusseldórfia, Francoforte, Hamburgo, Munique, Palma de Maiorca, Estugarda e Viena. Em seguida, no ponto 3.3.6.3 da decisão impugnada, a Comissão analisou se o referido grupo tinha PMS nesses nove aeroportos unicamente.

–       Quanto à exclusão dos aeroportos nos quais o Grupo Lufthansa não tinha base

325    A Ryanair acusa a Comissão de ter limitado a sua análise aos aeroportos em que o Grupo Lufthansa tinha uma base. Ora, uma transportadora aérea pode exercer as suas atividades a partir e com destino a aeroportos nos quais não dispõe de base. Além disso, segundo a Ryanair, a decisão impugnada padece de falta de fundamentação neste ponto.

326    A Comissão contesta estes argumentos.

327    Em primeiro lugar, quanto à alegação relativa à falta de fundamentação, há que observar que, no n.o 237 da decisão impugnada, in fine, a Comissão afirmou que o requisito do estabelecimento de uma base era necessário a uma concorrência efetiva, garantindo assim a efetividade da medida em causa. No n.o 240 da decisão impugnada, a Comissão precisou que este requisito apoiava a entrada ou a expansão de um concorrente viável e ameaçava o Grupo Lufthansa de uma concorrência na maior parte das rotas com destino ou partida do aeroporto em causa. Embora estes números da decisão recorrida não incidam, é certo, sobre a identificação dos aeroportos relevantes, mas sobre o requisito de um adquirente estabelecer uma base nos aeroportos de Francoforte e de Munique como condição para adquirir as faixas horárias objeto dos compromissos estruturais, expõem, no entanto, de forma clara e inequívoca, as considerações essenciais que levaram a Comissão a considerar a pertinência do critério relativo à detenção de uma base num determinado aeroporto para identificar os aeroportos nos quais o Grupo Lufthansa poderia ter PMS.

328    Em segundo lugar, quanto ao mérito, importa salientar que o facto de uma transportadora aérea dispor de uma base num determinado aeroporto tende a demonstrar que está implantada nesse aeroporto de forma duradoura, o que lhe permite exercer uma pressão concorrencial mais sólida sobre os concorrentes que operam no mesmo aeroporto.

329    Com efeito, segundo a jurisprudência, o facto de dispor de uma base confere certas vantagens, como a flexibilidade que permite a permuta das rotas, a reafetação dos aparelhos, a minimização dos custos de perturbação, a troca de tripulações, o serviço à clientela ou a notoriedade da marca em causa (v., neste sentido, Acórdão de 6 de julho de 2010, Ryanair/Comissão, T‑342/07, EU:T:2010:280, n.o 269).

330    Além disso, o estabelecimento de uma base num determinado aeroporto implica geralmente que uma parte do pessoal da transportadora aérea em causa esteja ligada a essa base. Por outro lado, como alega a Comissão, os aviões estacionados na mesma base podem ser utilizados em qualquer das rotas O & D a partir desta base. Daqui resulta que uma transportadora aérea que disponha de uma base num determinado aeroporto está em melhor posição para investir numa presença comercial estável e duradoura do que uma transportadora que opera nesse aeroporto sem aí possuir uma base.

331    Ora, tendo em conta o acima exposto, há que considerar que a Ryanair não logrou fazer prova bastante de que o Grupo Lufthansa era suscetível de ter PMS nos aeroportos em que não tinha base. A Comissão podia, portanto, com razão, excluir estes aeroportos da sua análise.

332    Em consequência, a presente alegação deve ser julgada improcedente.

–       Quanto aos aeroportos situados fora da União

333    A Ryanair alega que a Comissão excluiu erradamente da sua análise os aeroportos suíços de Zurique e de Genebra e um «determinado número de aeroportos turcos, por exemplo, em Izmir ou Antalya», nos quais o Grupo Lufthansa tem bases.

334    A Comissão, apoiada pela República Francesa, responde, em substância, que as regras relativas aos auxílios de Estado só se aplicam no território da União.

335    O artigo 13.o do Acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça relativo aos transportes aéreos (JO 2002, L 114, p. 73) enuncia as regras relativas aos auxílios de Estado elaboradas tendo como modelo os artigos 107.o a 109.o TFUE. Segundo o artigo 14.o deste acordo, a Comissão e as autoridades suíças manterão sob controlo permanente todos os sistemas de auxílio existentes, quer nos Estados‑Membros, quer na Suíça. Por conseguinte, este acordo não atribui à Comissão a competência para examinar os auxílios de Estado relativos à Suíça e ainda menos para impor medidas estruturais que devam ser aplicadas no território desse país. Também não existe nenhum acordo nesse sentido para a Turquia.

336    Os argumentos apresentados pela Ryanair sobre este ponto não convencem. Com efeito, o simples facto de os aeroportos suíços e turcos acima referidos estarem ligados a aeroportos situados no interior da União é irrelevante. Este argumento baseia‑se numa lógica própria à abordagem O & D e não na abordagem «aeroporto a aeroporto». Assim, embora seja certo que o método inerente à abordagem O & D permite à Comissão, no âmbito do controlo das concentrações, examinar os efeitos de uma concentração nos mercados O & D em que uma das duas cidades se situa na União e a outra fora desta, a abordagem «aeroporto a aeroporto» não pode, em contrapartida, ter como consequência expandir a competência territorial da Comissão para examinar se o beneficiário detém PMS em aeroportos situados em países terceiros e aplicar‑lhe, se for caso disso, medidas estruturais nos referidos aeroportos.

337    Do mesmo modo, a Ryanair também não se pode basear na jurisprudência segundo a qual a Comissão tem competência territorial para aplicar os artigos 101.o e 102.o TFUE às práticas adotadas fora da União se se demonstrar que estas produziram efeitos qualificados ou foram executadas na União. Segundo esta jurisprudência, os efeitos substanciais, previsíveis e imediatos que tais práticas são suscetíveis de produzir no Espaço Económico Europeu (EEE) permitem justificar a competência da Comissão (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.os 18 e 44 a 49).

338    Esta jurisprudência, que visa as práticas proibidas pelos artigos 101.o e 102.o TFUE adotadas fora da União mas que produzem efeitos qualificados no seu território, não é transponível para o domínio dos auxílios de Estado. De facto, os efeitos que um auxílio de Estado concedido por um Estado‑Membro pode produzir, se for o caso, na concorrência em países fora do território da União não são objeto das regras da União em matéria de auxílios de Estado. Assim, a Comissão não tem competência para examinar se o Grupo Lufthansa dispõe de PMS num aeroporto situado num país terceiro e para impor, sendo caso disso, ao referido grupo a alienação de uma parte das faixas horárias que detém nesse aeroporto.

339    Em consequência, a presente alegação deve ser julgada improcedente.

–       Quanto à exclusão dos aeroportos não coordenados

340    A Ryanair acusa a Comissão, o que esta contesta, de não ter avaliado a posição do Grupo Lufthansa em aeroportos não coordenados, nos quais existem barreiras à entrada diferentes da indisponibilidade de faixas horárias. A Ryanair faz referência a cinco aeroportos em que o Grupo Lufthansa tem uma base e que seriam considerados de «nível 2» no que respeita ao seu potencial de congestionamento, segundo a IATA.

341    Em primeiro lugar, há que recordar que a Comissão explicou, no n.o 181 da decisão impugnada, que tinha utilizado a qualificação de «aeroporto coordenado» nos termos do Regulamento (CEE) n.o 95/93 do Conselho, de 18 de janeiro de 1993, relativo às normas comuns aplicáveis à atribuição de faixas horárias nos aeroportos da Comunidade (JO 1993, L 14, p. 1), como uma primeira aproximação para determinar um nível de congestionamento elevado de um aeroporto. Segundo a Comissão, tal qualificação significa que, nestes aeroportos, a procura de infraestruturas aeroportuárias, especialmente para as faixas horárias aplicáveis, ultrapassa significativamente a capacidade do aeroporto, e que a extensão das infraestruturas aeroportuárias para responder à procura não é possível a curto prazo.

342    A Ryanair não contesta que, nos aeroportos não coordenados, exista disponibilidade de faixas horárias suficientes para permitir a entrada ou a expansão de um concorrente. Nestes aeroportos, a oferta de faixas disponíveis ultrapassa, regra geral, a procura.

343    Nestas circunstâncias, a Ryanair não faz prova de que o Grupo Lufthansa detém PMS num aeroporto não coordenado concreto.

344    Em segundo lugar, a Ryanair limita‑se a sustentar que os aeroportos de «nível 2», segundo a classificação da IATA, nos quais o Grupo Lufthansa possui uma base, deveriam igualmente ter sido tomados em consideração pela Comissão.

345    Resulta dos autos que a categoria de aeroportos de «nível 2», segundo a classificação da IATA, corresponde à de «aeroporto com horários facilitados» na aceção do artigo 2.o, alínea i), do Regulamento n.o 95/93, na versão em vigor no momento da adoção da decisão impugnada. Segundo esta disposição, um «aeroporto com horários facilitados» é definido como «um aeroporto com riscos potenciais de congestionamento em certos períodos do dia, da semana ou do ano, que poderão ser resolvidos através da cooperação voluntária entre as transportadoras aéreas, e onde foi designado um facilitador de horários para facilitar as operações das transportadoras aéreas que operam ou tencionam operar serviços nesse aeroporto».

346    Daqui decorre que, nos aeroportos de «nível 2», existe geralmente capacidade suficiente de faixas horárias disponíveis, exceto durante «certos períodos do dia, da semana ou do ano». Todavia, estes problemas pontuais podem, regra geral, ser resolvidos através de uma cooperação voluntária entre transportadoras aéreas, de modo que a emergência de qualquer eventual barreira à entrada ou à expansão resultante da indisponibilidade de faixas horárias durante determinados períodos pontuais pode, em princípio, ser evitada.

347    Em todo o caso, o argumento da Ryanair continua a ser geral, na medida em que não prova que o Grupo Lufthansa tinha PMS num determinado aeroporto com horários facilitados.

348    Em consequência, a presente alegação deve ser julgada improcedente.

–       Quanto à qualificação do aeroporto de Hanôver como aeroporto coordenado

349    A Ryanair alega que a Comissão não qualificou o aeroporto de Hanôver (Alemanha) como aeroporto coordenado e, por conseguinte, não avaliou se o Grupo Lufthansa dispunha de PMS nesse aeroporto durante as épocas de verão de 2019 e de inverno de 2019/2020 da IATA.

350    É agora pacífico que a Comissão cometeu um erro de facto na decisão recorrida ao considerar que o aeroporto de Hanôver não era um aeroporto coordenado e ao não examinar se o Grupo Lufthansa possuía PMS nesse aeroporto. Com efeito, na sequência de uma medida de organização do processo de 15 de novembro de 2021, que incidiu nomeadamente sobre esta questão, a Comissão, em 14 de dezembro de 2021, adotou a decisão retificativa (v. n.o 8, supra), na qual reconheceu ter cometido um erro, sendo o aeroporto de Hanôver, com efeito, um aeroporto coordenado. Nessa decisão, examinou se o Grupo Lufthansa tinha PMS nesse aeroporto e concluiu que não o tinha.

351    Na sua resposta à medida de organização do processo, a Ryanair alega, em substância, que a decisão retificativa não pode sanar a posteriori o erro contido na decisão impugnada, relativo à classificação do aeroporto de Hanôver como aeroporto coordenado, e que, além disso, a apreciação efetuada pela Comissão nessa decisão sobre a existência de PMS do beneficiário em causa nesse aeroporto é incorreta.

352    A Condor, por sua vez, não contesta que a Comissão pudesse corrigir a decisão impugnada no decurso da instância, mas sustenta que, quanto ao mérito, a mesma não conseguiu corrigir os erros de que enferma a decisão recorrida, alterada pela decisão retificativa.

353    Nos termos do artigo 86.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, quando um ato cuja anulação é pedida é substituído ou alterado por outro com o mesmo objeto, o recorrente pode, antes do encerramento da fase oral do processo ou antes da decisão do Tribunal Geral de decidir sem fase oral, adaptar a petição para ter em conta este elemento novo. O Regulamento de Processo reconhece, portanto, a possibilidade de uma instituição, órgão ou organismo da União alterar o ato impugnado no decurso da instância.

354    Do mesmo modo, segundo a jurisprudência, quando, no decurso do processo, uma decisão é substituída por outra decisão com o mesmo objeto, esta deve ser considerada um elemento novo suscetível de permitir ao recorrente adaptar os seus pedidos e fundamentos. Com efeito, seria contrário a uma boa administração da justiça e às exigências de economia processual obrigar o recorrente a interpor novo recurso (Acórdão de 12 de maio de 2011, Région Nord‑Pas‑de‑Calais e Communauté d’agglomération du Douaisis/Comissão, T‑267/08 e T‑279/08, EU:T:2011:209, n.o 23).

355    Por conseguinte, e sem prejuízo da decisão sobre as despesas, o argumento da Ryanair segundo o qual a Comissão não está autorizada a alterar a decisão impugnada no decurso da instância deve improceder e, consequentemente, deve declarar‑se que o erro inicialmente cometido na decisão impugnada, na parte em que a Comissão não qualificou o aeroporto de Hanôver como aeroporto coordenado, foi corrigido através da decisão retificativa.

356    Quanto aos argumentos da Ryanair e da Condor relativamente à apreciação, efetuada pela Comissão na decisão retificativa, sobre a existência de PMS do beneficiário nesse aeroporto, os mesmos serão adiante examinados.

357    Por conseguinte, há que julgar improcedente a presente alegação da Ryanair.

iii) Conclusão quanto à identificação dos mercados relevantes

358    Resulta dos n.os 300 a 357, supra, que todos os argumentos das recorrentes relativos à definição dos mercados relevantes devem ser julgados improcedentes.

2)      Quanto à existência de PMS do beneficiário em causa nos aeroportos relevantes

359    No âmbito da quinta parte do seu primeiro fundamento, a Ryanair alega, em primeiro lugar, em substância, que a apreciação da existência de PMS é, por natureza, prospetiva e acusa a Comissão de ter baseado a sua apreciação sobre o poder do Grupo Lufthansa num único fator, a saber, a disponibilidade de faixas horárias, sem indicar a razão pela qual não eram relevantes outros fatores.

360    Em segundo lugar, a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que o beneficiário em causa não dispunha de PMS nos aeroportos de Dusseldórfia e de Viena. Além disso, aplicou a abordagem «aeroporto a aeroporto» de forma incoerente, tirando conclusões opostas quanto à existência de PMS do Grupo Lufthansa nos aeroportos em que os resultados da análise da própria Comissão eram, no entanto, semelhantes. Em especial, a Ryanair considera que, com base nos mesmos critérios que permitiram à Comissão concluir que o Grupo Lufthansa dispunha de PMS nos aeroportos de Francoforte e de Munique, esta deveria ter chegado à mesma conclusão no que respeita aos aeroportos de Dusseldórfia e de Viena. Com efeito, os dados relativos à quota de faixas horárias detida pelo referido grupo em todos esses aeroportos, os níveis de congestionamento e a quota mais elevada de faixas detida pelo referido grupo em três faixas horárias não são materialmente diferentes. Na sua resposta à medida de organização do processo, a Ryanair acrescenta que a apreciação feita pela Comissão na decisão retificativa, segundo a qual o Grupo Lufthansa não dispunha de PMS no aeroporto de Hanôver, é igualmente incorreta.

361    A Condor, no âmbito da primeira parte do seu primeiro fundamento, alega, em substância, que a Comissão cometeu um erro de apreciação sobre o PMS do Grupo Lufthansa nos aeroportos em causa e que efetuou uma análise insuficiente e incompleta a este respeito, na medida em que apenas examinou os critérios relativos à capacidade aeroportuária, como as faixas horárias, que, no entanto, constituem apenas uma parte dos fatores que devem ser tomados em consideração. Assim, só teve em conta os mercados orientados para a procura de capacidades aeroportuárias. Ora, a Comissão também devia ter tido em conta parâmetros relativos às quotas de mercado reais nos voos e, portanto, dos mercados orientados para a procura de serviços de transporte aéreo de passageiros. Assim, se a Comissão tivesse tomado em consideração esses parâmetros, por exemplo, as quotas de mercado detidas pelo Grupo Lufthansa em termos de frequência de voos e de lugares disponibilizados nos respetivos aeroportos, teria tido sérias dúvidas quanto à questão de saber se o Grupo Lufthansa dispunha de PMS não só nos aeroportos de Munique e de Francoforte, mas também nos aeroportos de Dusseldórfia, de Hamburgo, de Estugarda, de Viena, de Bruxelas e de Hanôver. No articulado de adaptação, a Condor sustenta que os mesmos erros e insuficiências afetam igualmente a decisão retificativa.

362    A Comissão, apoiada pela DLH e pela República Francesa, contesta os argumentos das recorrentes com base, em substância, nos fundamentos expostos na decisão impugnada.

363    Antes de examinar os argumentos das recorrentes, o Tribunal Geral considera necessário clarificar, a título preliminar, o conceito de PMS.

i)      Quanto ao conceito de PMS

364    O conceito de PMS não vem definido no quadro temporário, nem, em geral, em matéria de auxílios de Estado.

365    Este conceito tem origem no artigo 63.o, n.o 2, da Diretiva (UE) 2018/1972 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, que estabelece o Código Europeu das Comunicações Eletrónicas (JO 2018, L 321, p. 36). Nos termos desta disposição, considera‑se que uma empresa tem poder de mercado significativo (PMS) se, individualmente ou em conjunto com outras, gozar de uma posição equivalente a uma posição dominante, a saber, de uma posição de força económica que lhe permita agir, em larga medida, independentemente dos concorrentes, dos clientes e, em última análise, dos consumidores.

366    Segundo o considerando 161 da Diretiva 2018/1972, a definição de PMS utilizada nesta diretiva é «equivalente ao conceito de posição dominante, tal como definido na jurisprudência do Tribunal de Justiça [da União Europeia]».

367    O Tribunal considera que não existe razão objetiva para interpretar o conceito de PMS, na aceção do n.o 72 do quadro temporário, diferentemente do que resulta da Diretiva 2018/1972. Por outro lado, as partes concordam que este conceito deve ser interpretado de modo uniforme.

368    Por conseguinte, o conceito de PMS na aceção do n.o 72 do quadro temporário deve ser considerado, em substância, equivalente ao conceito de posição dominante no direito da concorrência.

369    A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, o direito da União define uma posição dominante como uma posição de poder económico detida por uma empresa que lhe permite afastar a manutenção de uma concorrência efetiva no mercado em causa e lhe possibilita comportar‑se, em medida apreciável, de modo independente em relação aos seus concorrentes, aos seus clientes e, finalmente, aos consumidores (Acórdãos de 14 de fevereiro de 1978, United Brands e United Brands Continentaal/Comissão, 27/76, EU:C:1978:22, n.o 65, EE p. 00077, e de 13 de fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão, 85/76, EU:C:1979:36, n.o 38, EE p. 00217).

370    Além disso, foi decidido que uma quota de mercado igual ou superior a 50 % constituía uma presunção da existência de uma posição dominante (v., neste sentido, Acórdão de 3 de julho de 1991, AKZO/Comissão, C‑62/86, EU:C:1991:286, n.o 60). Além disso, no seu Acórdão de 14 de fevereiro de 1978, United Brands e United Brands Continentaal/Comissão (27/76, EU:C:1978:22, n.os 107 a 113, EE p. 00077), o Tribunal de Justiça precisou que o facto de uma empresa ter uma quota de mercado de 40 a 45 % não permitia, por si só, concluir que tinha uma posição dominante, mas que essa conclusão podia derivar dessa circunstância conjugada com outros fatores, como, nomeadamente, o poder económico e o número de concorrentes. Nesse processo, o Tribunal de Justiça concluiu pela existência de uma posição dominante em razão de uma quota de mercado de 40 a 45 %, conjugada com o facto de esta quota ser várias vezes superior à do seu concorrente mais importante, ocupando os outros concorrentes posições nitidamente menos importantes.

371    Por último, há que salientar que, contrariamente ao que sustenta a Ryanair, a apreciação da existência de PMS não é, por natureza, prospetiva. Com efeito, esta apreciação deve ser efetuada em função da situação tal como se apresenta no momento da notificação da medida em causa. Se o beneficiário não beneficiar de PMS no momento da referida notificação, o n.o 72 do quadro temporário não é aplicável. A Comissão não tem, portanto, que examinar se, na sequência da concessão do auxílio, o beneficiário poderia adquirir PMS.

372    É à luz destas considerações que há que analisar os argumentos das recorrentes.

ii)    Quanto aos critérios de avaliação do PMS

373    No n.o 179 da decisão impugnada, a Comissão referiu que iria avaliar se o Grupo Lufthansa possuía PMS nos aeroportos relevantes examinando três critérios, a saber, em primeiro lugar, a quota das faixas horárias detidas pelo grupo nesses aeroportos, em segundo lugar, o nível de congestionamento nesses aeroportos, e, em terceiro lugar, a quota das faixas horárias detidas pelos concorrentes. Resulta de outros números da decisão impugnada que a Comissão teve igualmente em conta o número de aviões baseados em alguns aeroportos relevantes explorados pelo referido grupo e pelos seus concorrentes.

374    No ponto 3.3.6.4 da decisão impugnada, a Comissão examinou, com base nos critérios acima referidos, se o Grupo Lufthansa possuía PMS em nove aeroportos coordenados, a saber, os de Berlim Tegel, Bruxelas, Dusseldórfia, Francoforte, Hamburgo, Munique, Palma de Maiorca, Estugarda e Viena. Na decisão retificativa, a Comissão examinou, com base nos mesmos critérios, se esse grupo tinha PMS no aeroporto de Hanôver.

375    A Ryanair e a Condor alegam, em substância, que a Comissão se concentrou erradamente em critérios relativos à capacidade aeroportuária, com exclusão de outros fatores igualmente relevantes, como as quotas de mercado reais do beneficiário e dos seus concorrentes (v. n.os 359 a 361, supra).

376    Primeiro, importa observar, à semelhança do que fazem as recorrentes, que os critérios a partir dos quais a Comissão avaliou a existência de PMS do Grupo Lufthansa nos aeroportos relevantes diziam principalmente respeito à capacidade aeroportuária. Com efeito, a «quota de faixas horárias» é definida, no n.o 180 da decisão impugnada, como a «relação entre o número de faixas horárias detidas por uma transportadora aérea (ou pelas transportadoras aéreas que fazem parte do mesmo grupo) num aeroporto e o número total de faixas horárias disponíveis nesse aeroporto (isto é, a capacidade desse aeroporto)». O «nível de congestionamento» corresponde, por sua vez, à proporção de faixas horárias atribuídas a todas as transportadoras aéreas no aeroporto em causa relativamente à capacidade global desse aeroporto em termos de faixas horárias. Estes critérios referem‑se, portanto, em substância, à capacidade aeroportuária e dizem respeito ao acesso do beneficiário e dos seus concorrentes à infraestrutura aeroportuária nos aeroportos em questão.

377    Ora, no n.o 170 da decisão impugnada, a Comissão definiu os mercados em causa como os mercados dos serviços de transporte aéreo de passageiros. Por conseguinte, há que examinar se os critérios mencionados no n.o 373, supra, constituem o conjunto dos fatores pertinentes que a Comissão devia ter em conta para analisar a existência de PMS do beneficiário do auxílio nos mercados dos serviços de transporte aéreo de passageiros.

378    A este respeito, importa salientar que, embora seja certo que os critérios mencionados no n.o 373, supra, são pertinentes para a apreciação da existência de PMS, dado que o acesso às faixas horárias constitui uma barreira significativa à entrada na prestação de serviços de transporte aéreo de passageiros, o que, aliás, as recorrentes não contestam, não é menos verdade que os fatores relativos à oferta de serviços de transporte aéreo de passageiros revestem, também eles, particular importância, uma vez que fornecem informações relativas às quotas de mercado detidas pelo beneficiário e pelos concorrentes no mercado dos serviços de transporte aéreo de passageiros.

379    Com efeito, as quotas‑partes das faixas horárias detidas pelo beneficiário em causa e pelos seus concorrentes não fornecem informações diretas sobre as suas quotas no mercado dos serviços de transporte aéreo de passageiros. Por um lado, não é contestado que, devido às diferentes dimensões dos aviões explorados pelas transportadoras aéreas nas faixas horárias que lhes são atribuídas, o número de lugares oferecidos por elas pode variar consideravelmente numa dada faixa. Por outro lado, também não é contestado que as transportadoras aéreas podem explorar um número diferente de voos, em função da sua programação ou da sua eficácia, durante uma determinada faixa horária. Assim, as quotas‑partes de faixas horárias não prestam diretamente informação sobre a oferta de serviços de transporte aéreo de passageiros, na medida em que não incluem os parâmetros supramencionados, os quais podem, consoante o caso, ter uma incidência significativa na oferta de voos e de lugares nos mercados dos serviços pertinentes.

380    Por outro lado, resulta dos autos de que dispõe o Tribunal Geral e nomeadamente dos dados fornecidos pela Condor, cuja materialidade não é, aliás, contestada pela Comissão, pela República Federal da Alemanha, pela República Francesa e pela DLH, que as quotas de mercado do beneficiário em causa, expressas em termos de frequências (número de voos) e de lugares oferecidos com partida e destino aos aeroportos relevantes ultrapassam, por vezes consideravelmente, as quotas‑partes das faixas que detém, conforme repertoriadas na decisão impugnada.

381    Ora, na decisão impugnada, a Comissão não tomou em consideração as quotas do mercado do beneficiário em causa e dos seus concorrentes no mercado de prestação dos serviços de transporte aéreo de passageiros.

382    No entanto, uma vez que, na decisão impugnada, a Comissão definiu os mercados em causa como os mercados dos serviços de transporte aéreo de passageiros, não podia ignorar os fatores que dizem diretamente respeito à prestação desses serviços.

383    Em segundo lugar, importa recordar que, para efeitos da apreciação da existência de PMS, conceito próximo ou mesmo equivalente ao de uma posição dominante (v. n.o 368, supra), as quotas de mercado fornecem uma primeira indicação útil sobre a estrutura do mercado e a importância relativa das empresas que nele estão ativas. Assim, se a quota de mercado for elevada e detida durante um longo período de tempo, é muito provável que esse elemento constituirá um primeiro indício sério da existência de uma posição dominante (v., neste sentido, Acórdãos de 13 de fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão, 85/76, EU:C:1979:36, EE p. 00217, n.os 39 a 41; de 3 de julho de 1991, AKZO/Comissão, C‑62/86, EU:C:1991:286, n.os 59 e 60, e de 12 de dezembro de 1991, Hilti/Comissão, T‑30/89, EU:T:1991:70, n.os 90 a 92).

384    Do mesmo modo, o juiz da União sublinhou por diversas vezes que a existência de uma posição dominante pode resultar de vários fatores que, tomados isoladamente, não são necessariamente determinantes, mas que, entre esses fatores, a detenção de quotas de mercado é altamente significativa (Acórdão de 13 de fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão, 85/76, EU:C:1979:36, n.o 39). Assim, a relação entre as quotas de mercado detidas pela empresa em causa e pelos seus concorrentes, especialmente os que estão imediatamente a seguir, constitui um indício válido da existência de uma posição dominante (Acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão, T‑282/02, EU:T:2006:64, n.o 201 e jurisprudência referida; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2003, British Airways/Comissão, T‑219/99, EU:T:2003:343, n.os 210 e 211). Além disso, em certos casos, pode mesmo presumir‑se a existência de uma posição dominante com base apenas nas quotas de mercado, se estas ultrapassarem o limiar de 50 % (v. jurisprudência referida no n.o 370, supra).

385    Assim, cabia à Comissão tomar em consideração todos os fatores pertinentes para a análise da existência de PMS, relativos tanto às barreiras à entrada e à expansão como às quotas de mercado detidas pelo beneficiário em causa e pelos seus concorrentes no mercado dos serviços de transporte aéreo de passageiros.

386    Em face do exposto, deve concluir‑se, à semelhança do que fazem as recorrentes, que, ao examinar apenas fatores relativos, em substância, às barreiras à entrada e à expansão do lado da capacidade aeroportuária, a Comissão não tomou em consideração todos os fatores relevantes no caso em apreço para apreciar o poder do mercado do beneficiário em causa nos aeroportos pertinentes, tendo assim cometido um erro manifesto de apreciação que vicia a decisão impugnada retificada pela decisão retificativa.

387    A presente alegação é, portanto, procedente e deve ser acolhida.

iii) Quanto à questão de saber se o Grupo Lufthansa possuía PMS nos aeroportos relevantes

388    A Ryanair considera que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao concluir, com base nos critérios que examinou, que o Grupo Lufthansa não tinha PMS nos aeroportos de Dusseldórfia e de Viena. Além disso, segundo a Ryanair, mesmo admitindo que a posição do Grupo Lufthansa nos aeroportos de Francoforte e de Munique fosse mais forte do que a sua posição nos aeroportos de Dusseldórfia e de Viena, não deixa de ser verdade que o referido grupo beneficiava igualmente de PMS nestes últimos. Na sua resposta à medida de organização do processo, a Ryanair acrescenta que a Comissão concluiu erradamente, na decisão retificativa, que o Grupo Lufthansa não dispunha de PMS no aeroporto de Hanôver. A este respeito, baseia‑se em dados relativos à quota‑parte dos voos e dos lugares explorados pelo Grupo Lufthansa e pelos seus concorrentes a partir desse aeroporto.

389    Além disso, a Ryanair alega, em substância, que a Comissão aplicou de forma incoerente o n.o 72 do quadro temporário ao concluir, com base em fatores que não são materialmente diferentes, que o Grupo Lufthansa possuía PMS nos aeroportos de Francoforte e de Munique, mas não nos de Dusseldórfia e de Viena.

390    Baseando‑se em dados relativos às quotas de mercado do Grupo Lufthansa em termos de frequências (voos efetuados) e de lugares nos aeroportos de Dusseldórfia, Viena, Bruxelas, Estugarda e Hamburgo durante as épocas de verão de 2019 e de inverno de 2019/2020 da IATA, segundo as quais as suas quotas de mercado ultrapassavam frequentemente os 50 %, a Condor sustenta que, se a Comissão tivesse tido em conta esses parâmetros, teria tido sérias dúvidas na avaliação do PMS do Grupo Lufthansa nesses aeroportos. No articulado de adaptação, a Condor acrescenta que seria esse o caso igualmente no que respeita ao aeroporto de Hanôver, fazendo referência ao mesmo tipo de dados.

391    Na decisão impugnada, a Comissão concluiu, apenas com base nos critérios recordados no n.o 373, supra, a saber, a quota das faixas horárias detidas por esse grupo naqueles aeroportos, o nível de congestionamento nesses aeroportos e, para certos aeroportos, a quota das faixas horárias detidas pelos concorrentes e o número de aviões explorados pelo referido grupo e pelos seus concorrentes, que o Grupo Lufthansa beneficiava de PMS nos aeroportos de Francoforte e de Munique durante as épocas de verão de 2019 e de inverno de 2019/2020 da IATA, mas que não era esse o caso no tocante a outros aeroportos relevantes.

392    Em primeiro lugar, quanto aos dados apresentados pela Condor, cuja exatidão não é contestada pela Comissão, pela República Federal da Alemanha, pela República Francesa ou pela DLH, há que observar que deles resulta que as quotas de mercado do Grupo Lufthansa em termos de frequências variam entre 50 % e 62 % nos aeroportos de Dusseldórfia, Viena, Bruxelas, Estugarda e Hamburgo durante a época de verão de 2019 da IATA e entre 47 % e 57 % nos mesmos aeroportos durante a época de inverno de 2019/2020 da IATA. Em termos de lugares, a quota de mercado do referido grupo varia entre 47 % e 57 % nos referidos aeroportos durante a época de verão de 2019 da IATA e entre 44 % e 56 % durante a época de inverno de 2019/2020 da IATA. Estes números eram, respetivamente, para a época de verão e para a época de inverno, de 45 % e 46 % no que respeita à quota das frequências efetuadas pelo Grupo Lufthansa no aeroporto de Hanôver e de 45 % e 48 % no que respeita à sua quota de lugares nesse aeroporto durante as mesmas épocas.

393    Por outro lado, na sua resposta à medida de organização do processo, a Ryanair apresenta igualmente dados do mesmo tipo relativos ao aeroporto de Hanôver, segundo os quais a quota do Grupo Lufthansa em termos de frequências e de lugares está compreendida entre 42 % e 46 % consoante as épocas, ao passo que a dos seus concorrentes está compreendida entre 3 % e 13 %.

394    No entanto, não compete ao Tribunal substituir a apreciação da Comissão, no plano económico, pela sua (v., neste sentido, Acórdão de 11 de novembro de 2021, Autostrada Wielkopolska/Comissão e Polónia, C‑933/19 P, EU:C:2021:905, n.o 116 e jurisprudência referida) ao avaliar, pela primeira vez, o impacto dos parâmetros referidos pelas recorrentes e a sua articulação com os critérios já examinados pela Comissão na decisão impugnada para efeitos da apreciação da existência de PMS do beneficiário em causa nos aeroportos acima referidos.

395    Com efeito, em caso de anulação da decisão impugnada, incumbe à Comissão proceder a uma apreciação global tanto dos critérios que teve em conta na decisão impugnada, recordados no n.o 373, supra, como dos critérios pertinentes relativos às quotas de mercado do beneficiário e dos seus concorrentes no mercado de prestação de serviços de transporte aéreo de passageiros.

396    Em segundo lugar, quanto ao argumento da Ryanair segundo o qual, com base nos critérios examinados pela Comissão, esta não podia concluir que o Grupo da Lufthansa não possuía PMS nos aeroportos de Dusseldórfia e de Viena, importa salientar, por um lado, no que respeita ao aeroporto de Dusseldórfia, que os fatores tidos em conta pela Comissão, conforme repertoriados na decisão impugnada, se apresentam do seguinte modo:

Aeroporto/época

Grupo LH quota das faixas horárias

Grupo LH quotas das faixas horárias mais elevadas

Nível de congestionamento

Níveis de congestionamento mais elevados

Número de aeronaves

Número de aeronaves concorrentes

DUSS verão de 2019

[40‑50] %

[55‑65] %

[50‑60] %

[50‑60] %

[80‑90] %

[90‑100] %

[90‑100] %

[90‑100] %

40‑50

Ryanair: 7

TUIfly: 7

Condor: 5

easyJet: 2

DUSS Inverno de 2019/2020

[30‑40] %

[50‑60] %

[45‑55] %

[35‑45] %

[60‑70] %

[90‑100] %

[80‑90] %

[70‑80] %

40‑50

Ryanair: 7

TUIfly: 7

Condor: 5

easyJet: 2


397    Estes dados demonstram que a quota média de faixas horárias detida pelo Grupo Lufthansa no aeroporto de Dusseldórfia durante a época de verão de 2019 da IATA, a saber, [40‑50] %, ultrapassa o limiar de 40 %, o qual, segundo a jurisprudência sobre o conceito de posição dominante, é um primeiro indício, entre outros, a tomar em consideração (v., por analogia, jurisprudência referida no n.o 370, supra). Esta quota é ainda mais elevada (de [50‑60] % a [55‑65] %) durante as horas de ponta.

398    Além disso, o nível médio de congestionamento nesse aeroporto durante a época de verão de 2019 da IATA é muito elevado, a saber, [80‑90] % passando a [90‑100] % durante as horas de ponta. Ora, segundo a decisão impugnada, um nível de congestionamento abaixo dos 60 % não é, à primeira vista, problemático (n.o 182 da decisão impugnada). A contrario, um nível de congestionamento acima dos 60 %, como no caso em apreço, seria problemático.

399    Além disso, a concorrência que o Grupo Lufthansa enfrenta neste aeroporto é muito fraca e fragmentada. Com efeito, segundo o único dado relativo aos concorrentes do Grupo Lufthansa presente nesse aeroporto, estes dispõem apenas de sete (Ryanair e TUIfly), cinco (Condor) e duas (easyJet) aeronaves baseadas nesse aeroporto, ao passo que o Grupo Lufthansa neles dispõe de 40 a 50 aeronaves.

400    A apreciação global desses critérios demonstra a existência de uma quota de faixas horárias muito elevada do Grupo Lufthansa, incluindo durante as horas de ponta, um nível muito elevado de congestionamento, caracterizado por um congestionamento quase completo durante as horas de ponta, e uma posição fraca dos concorrentes do referido grupo.

401    Por conseguinte, apenas com base nesses critérios, a Comissão não podia concluir corretamente que o Grupo Lufthansa não dispunha de PMS no aeroporto de Dusseldórfia, pelo menos durante a época de verão de 2019 da IATA.

402    Em segundo lugar, como alega a Ryanair, os critérios que levaram a Comissão a concluir que o Grupo Lufthansa dispunha de PMS nos aeroportos de Francoforte e de Munique não são materialmente diferentes dos relativos ao aeroporto de Dusseldórfia, pelo menos no que respeita à época de verão de 2019 da IATA. Com efeito, os dados relativos a este último aeroporto que constam da decisão impugnada e acima recordados no n.o 396 são, em substância, comparáveis, ou ultrapassam mesmo os que caracterizam a situação concorrencial nos aeroportos de Francoforte e de Munique durante a época de inverno de 2019/2020 da IATA, relativamente à qual a Comissão concluiu que o Grupo Lufthansa possuía PMS.

403    Por outro lado, no que respeita ao aeroporto de Viena, os fatores tomados em conta pela Comissão resumem‑se do seguinte modo:

Aeroporto/época

Grupo LH quota das faixas horárias

Grupo LH quotas das faixas horárias mais elevadas

Nível de congestionamento

Níveis de congestionamento mais elevados

Número de aeronaves

Número de aeronaves concorrentes

VIE verão de 2019

[35‑45] %

[50‑60] %
[50‑60] %
[50‑60] %

[70‑80] %

[80‑90] %
[80‑90] %
[80‑90] %

80‑90

Ryanair 8

Wizzair 5

VIE Inverno de 2019/2020

[25‑35] %

[40‑50] %
[40‑50] %
[40‑50] %

[50‑60] %

[70‑80] %
[60‑70] %
[60‑70] %

80‑90

Ryanair 8

Wizzair 5


404    Estes dados demonstram que a quota média de faixas horárias detida pelo Grupo Lufthansa no aeroporto de Viena durante a época de verão de 2019 da IATA, a saber, [35‑45] % [confidencial]. Além disso, esta quota é ainda mais elevada ([50‑60] %) durante as horas de ponta.

405    Além disso, o nível médio de congestionamento nesse aeroporto durante a época de verão de 2019 da IATA é muito elevado, a saber, [70‑80] % passando a [80‑90] % durante as horas de ponta. Ora, segundo a decisão impugnada, um nível de congestionamento abaixo dos 60 % não é, à primeira vista, problemático (n.o 182 da decisão impugnada). A contrario, um nível de congestionamento acima dos 60 %, como no caso em apreço, seria problemático.

406    Por outro lado, a concorrência que o Grupo Lufthansa enfrenta no aeroporto de Viena é muito fraca e fragmentada. Com efeito, segundo o único dado relativo aos concorrentes do Grupo Lufthansa presentes nesse aeroporto, estes dispõem apenas de oito (Ryanair) e cinco (Wizzair) aeronaves aí baseadas, ao passo que o Grupo Lufthansa dispõe aí de 80 a 90 aeronaves.

407    A apreciação global desses critérios demonstra a existência de uma quota de faixas horárias muito elevada, incluindo durante as horas de ponta, do Grupo Lufthansa, um nível muito elevado de congestionamento, caracterizado por um congestionamento quase completo durante as horas de ponta, e uma posição fraca dos concorrentes do referido grupo.

408    Por conseguinte, com base apenas nesses critérios, a Comissão não podia concluir corretamente que o Grupo Lufthansa não dispunha de PMS no aeroporto de Viena, pelo menos durante a época de verão de 2019 da IATA.

409    Em segundo lugar, como alega a Ryanair, os critérios que levaram a Comissão a concluir que o Grupo Lufthansa dispunha de PMS nos aeroportos de Francoforte e de Munique não são materialmente diferentes dos relativos ao aeroporto de Viena, pelo menos no que respeita à época de verão de 2019 da IATA. Com efeito, os dados relativos a este último aeroporto que constam da decisão impugnada e acima recordados no n.o 403 são, em substância, comparáveis, ou ultrapassam mesmo os que caracterizam a situação concorrencial nos aeroportos de Francoforte e de Munique durante a época de inverno de 2019/2020 da IATA, relativamente à qual a Comissão concluiu que o Grupo Lufthansa possuía PMS.

iv)    Conclusão quanto à existência de PMS do beneficiário nos aeroportos relevantes

410    Resulta dos n.os 373 a 386, supra, que a Comissão não tomou em consideração todos os fatores pertinentes para apreciar se o beneficiário tinha PMS nos aeroportos relevantes. Incumbe então a esta última proceder a uma nova apreciação global de todos os critérios pertinentes (v. n.o 395, supra) para avaliar se o Grupo Lufthansa possuía PMS nos aeroportos relevantes além dos de Francoforte e de Munique.

411    Além disso, e em todo o caso, a Comissão não podia, unicamente com base nos critérios que adotou, concluir corretamente que o Grupo Lufthansa não dispunha de PMS nos aeroportos de Dusseldórfia e de Viena, pelo menos durante a época de verão de 2019 da IATA.

412    Por conseguinte, as alegações das recorrentes são procedentes e devem ser acolhidas.

3)      Quanto aos compromissos estruturais

413    Na decisão impugnada, a Comissão impôs ao beneficiário em causa, com base no n.o 72 do quadro temporário, compromissos estruturais que consistem, em substância, na alienação de faixas horárias nos aeroportos em que se considerou que o referido beneficiário dispunha de PMS, a saber, nos aeroportos de Francoforte e de Munique durante as épocas de verão de 2019 e de inverno de 2019/2020 da IATA.

414    A Ryanair, no âmbito da quinta parte do seu primeiro fundamento, e a Condor, no âmbito da primeira parte do seu primeiro fundamento, bem como da primeira parte do seu segundo fundamento, contestam vários aspetos desses compromissos.

i)      Considerações preliminares

415    Nos termos do n.o 72 do quadro temporário, se o beneficiário for uma empresa com PMS em, pelo menos, um dos mercados relevantes em que opera, os Estados‑Membros devem propor medidas adicionais para preservar a concorrência efetiva nesses mercados. Ao propor essas medidas, os Estados‑Membros podem, nomeadamente, oferecer compromissos estruturais ou comportamentais previstos na Comunicação sobre as medidas de correção.

416    Na medida em que o n.o 72 do quadro temporário remete expressamente, no que respeita aos compromissos estruturais ou comportamentais, para a Comunicação sobre as medidas de correção, há que referir que, em conformidade com esta, os compromissos devem suprimir plenamente as preocupações de concorrência, ser abrangentes e eficazes sob todos os pontos de vista e, além disso, ser suscetíveis de uma execução efetiva a curto prazo (v. n.o 9 da Comunicação sobre as medidas de correção).

417    Os compromissos estruturais, nomeadamente as alienações, propostos pelas partes apenas preencherão estas condições na medida em que a Comissão puder concluir, com o grau de certeza necessário, que a sua aplicação é possível e que as novas estruturas comerciais daí resultantes serão suficientemente viáveis e duradouras para assegurar a não concretização de um entrave significativo à concorrência efetiva (v. n.o 10 da Comunicação sobre as medidas de correção).

418    Além disso, a Comissão terá em conta todos os fatores relevantes relacionados com a medida propriamente dita, incluindo nomeadamente o tipo, dimensão e alcance da medida de correção proposta, avaliados em função da estrutura e das características específicas do mercado em que se levantam as preocupações de concorrência, incluindo a posição das partes e de outros operadores no mercado (v. n.o 12 da Comunicação sobre as medidas de correção).

419    O efeito pretendido da alienação só será alcançado uma vez transferida a atividade para um adquirente adequado e quando este se tornar um importante operador concorrencial, ativo no mercado. A capacidade de uma empresa de atrair um adquirente adequado constitui um importante elemento a ter em conta na apreciação da Comissão sobre o caráter adequado dos compromissos propostos (n.o 47 da Comunicação sobre as medidas de correção).

420    A jurisprudência confirmou os critérios acima referidos, sublinhando que, para poderem ser aceites pela Comissão, os compromissos das partes devem ser proporcionais ao problema de concorrência identificado pela Comissão na sua decisão e resolvê‑lo integralmente (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão, T‑282/02, EU:T:2006:64, n.o 307), e devem ser completos e eficazes sob todos os pontos de vista (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 14 de dezembro de 2005, General Electric/Comissão, T‑210/01, EU:T:2005:456, n.o 52).

421    No entanto, há que ter em conta as especificidades do direito dos auxílios de Estado e, mais concretamente, do quadro temporário, no qual se insere o requisito em causa. Com efeito, em matéria de concentrações, após ter concluído que uma operação de concentração causa a um entrave significativo à concorrência, a Comissão pode aceitar compromissos apresentados pelas partes a fim de resolver os problemas de concorrência identificados por ela e tornar a concentração compatível com o mercado interno. Ora, os compromissos impostos por força do n.o 72 do quadro temporário têm um objetivo diferente. Com efeito, dado que os auxílios concedidos ao abrigo deste quadro têm por objetivo, em substância, assegurar a continuidade operacional das empresas viáveis durante a pandemia de COVID‑19, os compromissos assumidos ao abrigo do referido número devem ser concebidos a fim de garantir que, após a concessão do auxílio, o beneficiário não se tornará mais poderoso no mercado do que era antes do surto de COVID‑19 e que o exercício de uma concorrência efetiva seja preservado nos mercados em causa.

422    Quanto à fiscalização jurisdicional dos compromissos assumidos, resulta da jurisprudência que a Comissão dispõe de um amplo poder de apreciação para avaliar o caráter suficiente desses compromissos (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 13 de maio de 2015, Niki Luftfahrt/Comissão, T‑162/10, EU:T:2015:283, n.o 295 e jurisprudência referida). Assim, tendo em conta as apreciações económicas complexas que a Comissão é levada a efetuar no exercício do poder de apreciação de que goza para avaliar os compromissos propostos pelas partes numa concentração, cabe à recorrente, para obter a anulação de uma decisão da Comissão que aprova uma concentração, pelo facto de esses compromissos serem insuficientes, demonstrar a existência de um erro manifesto de apreciação cometido pela Comissão (v., neste sentido, Acórdão de 7 de junho de 2013, Spar Österreichische Warenhandels/Comissão, T‑405/08, não publicado, EU:T:2013:306, n.o 187).

423    Todavia, embora os tribunais da União reconheçam à Comissão uma margem de apreciação em matéria económica, isso não implica que devam abster‑se de fiscalizar a interpretação que é feita pela Comissão dos dados de natureza económica. Com efeito, os tribunais da União devem, designadamente, não só verificar a exatidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e coerência, mas também fiscalizar se esses elementos constituem a totalidade dos dados pertinentes que devem ser tomados em consideração para apreciar uma situação complexa e se são suscetíveis de sustentar as conclusões deles retiradas (v. Acórdãos de 11 de novembro de 2021, Autostrada Wielkopolska/Comissão e Polónia, C‑933/19 P, EU:C:2021:905, n.os 116 e 117 e jurisprudência referida, e de 6 de julho de 2010, Ryanair/Comissão, T‑342/07, EU:T:2010:280, n.o 30 e jurisprudência referida; v., igualmente, jurisprudência referida no n.o 77, supra).

424    É à luz destas considerações que importa analisar a argumentação das recorrentes relativa a diversos aspetos dos compromissos em causa. A argumentação pode ser dividida em dois grupos de alegações, o primeiro relativo ao alcance dos compromissos e, o segundo, ao procedimento e às modalidades de alienação de faixas horárias.

ii)    Quanto ao alcance dos compromissos

–       Quanto ao facto de os compromissos se limitarem à alienação de faixas horárias

425    As recorrentes alegam que a Comissão não explicou suficientemente em que medida a alienação de algumas faixas horárias era a medida mais eficaz para evitar distorções indevidas da concorrência e por que razão não eram necessárias outras medidas suplementares.

426    A Comissão contesta os argumentos das recorrentes retomando os fundamentos da decisão impugnada.

427    Resulta do n.o 221 da decisão impugnada que os compromissos em causa incluem, por um lado, a alienação de 24 faixas horárias por dia em cada um dos aeroportos de Francoforte e de Munique durante as épocas de verão de 2019 e de inverno de 2019/2020 da IATA, bem como «ativos suplementares», conforme exigidos pelo regulador das faixas horárias para permitir a transferência de faixas, e, por outro, a disponibilização, a pedido do comprador, pelo Grupo Lufthansa, em primeiro lugar, do acesso a infraestruturas ou a instalações aeroportuárias nos dois aeroportos nos mesmos termos concedidos à DLH, em segundo lugar, de lugares de estacionamento noturnos e, em terceiro lugar, do pessoal pertinente.

428    O argumento da Ryanair segundo o qual os compromissos em causa se limitam à transferência de faixas horárias carece, portanto, de base factual, como salienta acertadamente a Comissão.

429    No entanto, é verdade que o essencial desses compromissos reside na transferência de faixas horárias, na medida em que os outros compromissos parecem ser acessórios, dado que visam, em substância, garantir a viabilidade da transferência das faixas. É neste contexto que as recorrentes acusam a Comissão de não ter explicado suficientemente as razões pelas quais não eram necessárias outras medidas suplementares para preservar a concorrência efetiva nesses aeroportos.

430    A este respeito, resulta dos n.os 224 a 227 da decisão impugnada que a falta de acesso às faixas horárias constitui uma barreira significativa à entrada ou à expansão nos aeroportos mais congestionados da Europa e que, por conseguinte, os compromissos consistentes na alienação dessas faixas suprimem esta barreira principal à entrada e à expansão. Por esta razão, esses compromissos são, segundo a Comissão, a medida mais eficaz para prevenir distorções indevidas da concorrência. Além disso, os referidos compromissos são «atraentes» do ponto de vista de um concorrente, uma vez que permitem o desenvolvimento de uma concorrência estrutural com o Grupo Lufthansa nos mercados em que esta tem PMS.

431    À luz do que precede, o argumento das recorrentes segundo o qual a decisão impugnada padece de falta de fundamentação a este respeito deve ser rejeitado. Com efeito, a Comissão explicou claramente as razões pelas quais tinha considerado que a alienação de faixas horárias era suscetível de preservar a concorrência efetiva nos mercados em causa.

432    Quanto ao mérito, importa salientar que, de acordo com a jurisprudência e à semelhança do que a Comissão refere, o principal obstáculo à entrada no setor aéreo consiste na insuficiência de faixas horárias disponíveis nos grandes aeroportos. Consequentemente, há que determinar se a Comissão considerou erradamente que, no presente processo, a alienação de faixas horárias, como prevista no pacote dos compromissos, podia constituir uma solução eficaz suscetível de preservar a concorrência efetiva. Neste quadro, a Ryanair tem de fazer prova de que a alienação de faixas horárias, como prevista nos compromissos em causa, era insuficiente para solucionar os problemas concorrenciais suscitados (v., neste sentido, Acórdão de 4 de julho de 2006, easyJet/Comissão, T‑177/04, EU:T:2006:187, n.o 166).

433    No caso em apreço, as recorrentes não contestam que a indisponibilidade de faixas horárias constitui uma barreira significativa, ou mesmo a principal barreira, à entrada ou à expansão nos aeroportos congestionados. Também não contestam que a emergência de um concorrente sólido e viável nesse aeroporto implica que este dispõe de faixas horárias em carteira que lhe permite exercer uma pressão concorrencial efetiva sobre a transportadora dominante. Nestas circunstâncias, não se pode negar que a transferência de faixas horárias e dos compromissos acessórios é, em princípio, uma medida eficaz para preservar a concorrência efetiva nos mercados em causa.

434    Por conseguinte, há que julgar improcedente esta alegação.

–       Quanto à inexistência de compromissos relativos ao tráfego de afluência

435    A Condor alega que a Comissão também devia ter imposto compromissos no que respeita ao tráfego de afluência sob a forma de um acordo tarifário especial, como a Comissão fez em determinados processos em matéria de controlo de concentrações. A este respeito, a Condor explica que o Grupo Lufthansa assegura uma parte significativa do tráfego de afluência para os voos de longo curso por ela operados; que o referido grupo tem a possibilidade de a excluir do mercado dos voos de longo curso, como demonstra a rescisão do acordo de tráfego de afluência celebrado com a Lufthansa; que este grupo foi incitado a excluí‑la e a desviar clientes para os seus próprios voos, e que o encerramento do mercado pelo Grupo Lufthansa tem efeitos prejudiciais sobre a concorrência, uma vez que a sua exclusão teria por resultado uma posição monopolística do beneficiário em causa, simultaneamente no mercado nacional e nos mercados dos voos de longo curso para destinos de lazer.

436    No entanto, há que observar que o tipo de compromissos preconizado pela Condor assenta necessariamente na identificação concreta de certas linhas O & D que seriam afetadas pelo risco de exclusão por ela mencionado. Ora, como resulta dos n.os 306 a 313, supra, os contratos em causa não tinham de ser definidos segundo a abordagem O & D. Por conseguinte, a Comissão não pode ser acusada de não ter exigido compromissos relativos a certas linhas O & D específicas.

437    Por conseguinte, há que julgar improcedente a presente alegação.

–       Quanto à alegação segundo a qual as alienações de faixas horárias muitas vezes não são respeitadas e sobre a obrigação de utilizar as faixas alienadas

438    Em primeiro lugar, a Condor alega que os compromissos de alienação de faixas horárias muitas vezes não são respeitados. Observa que, das catorze decisões tomadas no setor do transporte aéreo de passageiros em que a Comissão autorizou a operação de concentração sem prejuízo de um compromisso de alienação de faixas horárias, a alienação só foi realizada em três processos. Em segundo lugar, critica a obrigação de o adquirente utilizar as faixas alienadas, pelo facto de a mesma excluir a maior parte das pequenas transportadoras aéreas.

439    Esta argumentação deve ser rejeitada. Com efeito, em primeiro lugar, como acertadamente salienta a Comissão, os exemplos citados pela Condor dizem respeito à alienação de faixas em mercados O & D específicos, ao passo que a alienação em causa não está associada a nenhuma rota O & D e pode, portanto, ser livremente utilizada em qualquer rota, à escolha do adquirente, o que aumenta a sua atratividade. A Condor não pode, portanto, extrapolar validamente qualquer conclusão com base nos mencionados exemplos, tendo em conta o seu alcance respetivo, que é completamente diferente.

440    Em segundo lugar, contrariamente ao que alega a Condor, a obrigação de o adquirente utilizar as faixas adquiridas tem plena justificação, na medida em que visa garantir que o volume total dos serviços em causa não seja reduzido na sequência da alienação, como a Comissão salientou no n.o 234 da decisão impugnada. Por outro lado, um adquirente que não utilize as faixas adquiridas não está, evidentemente, em condições de exercer uma pressão concorrencial efetiva sobre o beneficiário em causa, contrariamente ao previsto no n.o 72 do quadro temporário.

441    Por conseguinte, há que julgar improcedente esta alegação.

–       Quanto ao número de faixas horárias a alienar

442    Em primeiro lugar, a Ryanair alega que a alienação de 24 faixas horárias por dia nos aeroportos de Francoforte e de Munique é manifestamente insuficiente para preservar a concorrência efetiva nesses aeroportos, sendo esse número insignificante em relação ao número de rotações geradas nesses aeroportos e ao número de aeronaves do Grupo Lufthansa baseadas nestes. Em segundo lugar, sublinha que estas faixas horárias constituem apenas 5 % das faixas que o Grupo Lufthansa detém nesses aeroportos. Em terceiro lugar, alega falta de fundamentação, uma vez que a Comissão não precisou as razões pelas quais considerou suficiente uma alienação de 24 faixas horárias.

443    Do mesmo modo, a Condor alega que a alienação de apenas 24 faixas horárias por dia nos aeroportos de Francoforte e de Munique é insuficiente e muito limitada, dado que estas representam apenas entre 2,4 % e 3,2 % do número de frequências exploradas pelo Grupo Lufthansa nesses aeroportos. Acrescenta, no âmbito do seu terceiro fundamento, que a decisão impugnada enferma de vícios de fundamentação no que respeita ao caráter suficiente da alienação de faixas horárias em causa.

444    A título preliminar, há que rejeitar alguns dos argumentos da Ryanair, na medida em que assentam numa leitura errada da decisão impugnada.

445    Em primeiro lugar, a Ryanair não tem razão quando afirma que a Comissão autorizou o Grupo Lufthansa a optar por alienar menos de 24 faixas horárias. É verdade que, nos n.os 71 e 221 da decisão impugnada, a Comissão referiu que o referido grupo devia alienar «até» 24 faixas horárias por dia. Todavia, no seu n.o 228, a Comissão refere‑se a «24 faixas por dia», omitindo assim a locução «até».

446    Em todo o caso e à semelhança da Comissão, a locução «até» utilizada na decisão impugnada deve ser entendida no sentido de que significa que um potencial adquirente poderia pretender adquirir um número inferior a 24 faixas horárias e, não, que o Grupo Lufthansa pudesse optar por alienar menos de 24 faixas por dia. Caso contrário, os compromissos em causa perderiam sentido, porque permitiriam ao Grupo Lufthansa escolher livremente o número de faixas que pretende alienar.

447    Em segundo lugar, o argumento da Ryanair segundo o qual os compromissos em causa limitam a atratividade das faixas horárias para os novos operadores, que geralmente necessitam de um certo número de faixas de «partida de manhã cedo e de chegada à noite a horas tardias», assenta numa leitura manifestamente errada da decisão impugnada. Com efeito, resulta dos n.os 71 e 221 desta decisão que o Grupo Lufthansa deve alienar, a pedido, pelo menos seis faixas em qualquer período horário, incluindo, portanto, durante as horas de ponta, segundo a escolha feita pelo adquirente. A única limitação consiste em permitir que o referido grupo se recuse a alienar mais de seis faixas em três períodos de uma hora à sua escolha. Por outras palavras, no que respeita unicamente a três períodos horários por dia, o Grupo Lufthansa poderia limitar a alienação a seis faixas por cada período horário.

448    A justificação desta limitação avançada na decisão impugnada é, além disso, convincente. Com efeito, sem essa limitação, o Grupo Lufthansa teria sido obrigado, se fosse caso disso, a alienar a totalidade das suas faixas em dois ou três períodos horários consecutivos, o que poderia ter tido a consequência de abalar a sua rede em forma de estrela. A explicação, não contestada pela Ryanair, que figura na nota de rodapé n.o 113, segundo a qual uma rede em forma de estrela como a do Grupo Lufthansa consiste, para uma transportadora aérea, em concentrar as suas chegadas e partidas em períodos com duas a três horas de intervalo, o que induz um grande número de chegadas, seguidas de um grande número de partidas, demonstra esse risco.

449    Assim, a referida limitação assenta numa ponderação justificada entre, por um lado, os interesses comerciais legítimos do beneficiário em causa, que consistem em preservar o seu modelo em forma de estrela, e, por outro, a atratividade das faixas horárias em carteira a alienar. Quanto a este último aspeto, essa limitação, longe de reservar determinadas faixas horárias exclusivamente ao referido beneficiário, permite ao adquirente adquirir faixas horárias em qualquer período horário, incluindo, portanto, os que revestem particular importância para o Grupo Lufthansa.

450    Em terceiro lugar, quanto às alegações das recorrentes relativas a falta ou insuficiência de fundamentação, uma vez que a Comissão não precisou as razões pelas quais considerou que uma alienação de 24 faixas horárias seria suficiente, há que salientar que, no n.o 228 da decisão impugnada, a Comissão referiu que o número de faixas horárias era suficiente para que um concorrente realizasse operações viáveis nesses dois aeroportos, por exemplo, neles baseando quatro aviões e efetuando três rotações por dia com cada um desses aviões em rotas à sua escolha, dado que as faixas horárias a alienar não estão associadas a uma O & D específica. Segundo a Comissão, a alienação de 24 faixas horárias permitirá aos concorrentes do beneficiário realizar economias de escala e de envergadura e, assim, concorrer com o Grupo Lufthansa de uma forma mais eficaz.

451    Ainda que sucintamente, a fundamentação da decisão impugnada quanto a este ponto expõe suficientemente as considerações que levaram a Comissão a entender que a alienação de 24 faixas horárias era suficiente para preservar a concorrência efetiva nos mercados em causa, na aceção do n.o 72 do quadro temporário. Por conseguinte, estas alegações não merecem acolhimento.

452    Quanto ao mérito, basta referir que a alienação de 24 faixas horárias permitiria a entrada de um novo concorrente de dimensão comparável à dos concorrentes já existentes nos mercados em causa ou o reforço não negligenciável da posição destes concorrentes já existentes. Com efeito, na medida em que a referida alienação permitiria a exploração de quatro aeronaves, como salientado pela Comissão no n.o 228 da decisão impugnada, teria por efeito criar uma pressão concorrencial comparável à exercida pelos concorrentes do beneficiário existentes, cuja frota nos aeroportos de Francoforte e de Munique oscila entre três e dez aeronaves, como resulta dos n.os 189 e 196 da decisão impugnada.

453    Do mesmo modo, o facto, avançado pela Ryanair, admitindo que está demonstrado, de o número de faixas horárias a alienar constituir apenas aproximadamente 5 % das faixas detidas pelo Grupo Lufthansa nesses aeroportos, o que significa, em substância, que a cedência das referidas faixas se traduz numa quota de faixas entre 2 % e 3 % nos referidos aeroportos, demonstra que essa quota é comparável à dos concorrentes do beneficiário em causa existente nesses aeroportos, a qual oscila, segundo os n.os 188 e 195 da decisão impugnada, entre 1 % e 4 %.

454    Ora, as recorrentes não explicam qual o número de faixas horárias que, em seu entender, é suficiente para preservar a concorrência efetiva nos mercados em causa. Nestas circunstâncias, conclui‑se que, uma vez que o número de faixas a alienar corresponde aproximadamente à quota de faixas horárias comparável à de certos concorrentes do beneficiário existente nesses aeroportos, não há que pôr em causa a conclusão da Comissão segundo a qual a alienação das referidos faixas era suficiente para preservar a concorrência efetiva nos mercados em causa.

455    Em face do exposto, há que julgar improcedentes as presentes alegações.

–       Quanto ao requisito de os novos operadores estabelecerem uma base de, pelo menos, quatro aviões nos aeroportos em causa

456    Segundo os n.os 73 e 236 da decisão impugnada, para poder adquirir as faixas horárias que são objeto dos compromissos em causa, um potencial comprador deve, nomeadamente, ter a intenção de estabelecer uma base de pelo menos quatro aeronaves, no caso de um novo operador, ou de estender a sua base, no caso de uma transportadora aérea já estabelecida nos aeroportos de Francoforte ou de Munique.

457    Quanto ao procedimento de alienação das faixas, a decisão impugnada prevê duas fases. Na primeira fase, só os «novos operadores», ou seja, as transportadoras aéreas que não disponham de base nos aeroportos de Francoforte e Munique, são elegíveis, desde que, nomeadamente, se comprometam a estabelecer uma base com, pelo menos, quatro aviões nesses aeroportos (pontos 71 e 72 da decisão impugnada). Só se, após três épocas da IATA, nenhum novo operador tiver adquirido as faixas horárias a alienar é que as transportadoras aéreas que já dispõem de uma base nos referidos aeroportos se tornam elegíveis.

458    A Ryanair sustenta, em substância, que a Comissão não apresentou, na decisão impugnada, nenhuma razão que pudesse justificar o requisito de que um novo operador estabeleça uma base nos aeroportos em causa. Quanto ao mérito, este requisito constitui um obstáculo desproporcionado à execução dos compromissos em causa, na medida em que aumenta os custos de entrada para os concorrentes, precisando‑se que uma companhia aérea pode operar de forma eficaz num aeroporto sem ter aí uma base. Cumulado com o requisito de neles ter uma base de, pelo menos, quatro aviões, aquele requisito tem por consequência excluir certas companhias aéreas capazes de explorar as 24 faixas horárias com apenas dois aviões.

459    Em primeiro lugar, como decorre do n.o 327, supra, os n.os 237 e 240 da decisão impugnada explicam suficientemente as razões pelas quais a Comissão considerou que o requisito em causa era adequado, pelo que há que julgar improcedente o argumento relativo à falta de fundamentação.

460    Em segundo lugar, quanto ao mérito, importa observar, como decorre da decisão impugnada, que o requisito do estabelecimento de uma base de, pelo menos, quatro aviões num aeroporto visa garantir que o futuro concorrente esteja implantado nesse aeroporto de forma duradoura, o que lhe permitirá exercer uma pressão concorrencial mais sólida sobre os seus concorrentes, que operam no mesmo aeroporto (v. também n.o 328, supra).

461    Com efeito, como resulta do n.o 240 da decisão impugnada, o facto de dispor de uma base significa que as aeronaves estacionadas nesse aeroporto podem ser rapidamente destacadas em qualquer rota aérea, pelo que a pressão concorrencial exercida sobre o beneficiário em causa será mais sólida do que a exercida por uma transportadora aérea sem base, a qual não tem ligação a esse aeroporto e não dispõe, portanto, dessa flexibilidade.

462    Por outro lado, a Ryanair não contesta seriamente a afirmação da Comissão segundo a qual os estudos de mercado que realizou nas suas decisões anteriores em matéria de concentrações e de acordos concertados demonstraram que o facto de explorar uma base de dimensão considerável num determinado aeroporto era suscetível de exercer uma pressão concorrencial significativa sobre a transportadora em causa.

463    É certo que, como alega a Ryanair, o requisito em causa implica custos de entrada suplementares, tais como custos fixos (nomeadamente de estacionamento), bem como custos ligados ao pessoal, à manutenção e à reparação das aeronaves, os quais poderiam ser evitados ou reduzidos se a transportadora aérea decidisse operar no referido aeroporto sem aí possuir uma base. Todavia, é precisamente por causa deste compromisso que o futuro concorrente deve ter uma posição estável e de longo prazo que lhe permita exercer uma pressão concorrencial mais sólida sobre o beneficiário.

464    Além disso, a Ryanair explica que uma transportadora aérea poderia ser capaz, segundo o seu modelo económico, de explorar as 24 faixas horárias diárias em destinos de pequeno curso com apenas dois aviões. Segundo a Ryanair, para as transportadoras que funcionam segundo esse modelo, o requisito de ter uma base com, pelo menos, quatro aviões nos aeroportos em causa poderia assim impor‑lhes uma utilização menos otimizada dos seus recursos, aumentar os seus custos e, assim, tornar menos atrativas as faixas horárias em carteira, objeto da alienação.

465    Todavia, importa observar que a Ryanair não demonstrou que este modelo económico baseado na prática das companhias de baixo custo nos pequenos aeroportos regionais seja praticável em grandes aeroportos como os de Francoforte e de Munique. Em todo o caso, como sublinha a Comissão, o requisito em causa aplica‑se indistintamente a qualquer potencial adquirente e não pode, portanto, variar de acordo com o modelo económico particular desta ou daquela transportadora. Ora, a Ryanair não fez prova de que o referido requisito impõe uma exploração menos otimizada dos recursos em grandes aeroportos, como os de Francoforte e de Munique, e reduz, desse modo, a atratividade da alienação de faixas horárias.

466    Em consequência, a presente alegação deve ser julgada improcedente.

–       Quanto à exclusão dos concorrentes já com bases nos aeroportos de Francoforte e de Munique

467    Como já foi já recordado no n.o 457, supra, o procedimento de alienação das faixas horárias deve desenrolar‑se em duas fases (n.o 231 da decisão impugnada). Numa primeira fase, as faixas são oferecidas «aos recém‑chegados» unicamente. Se, após três épocas da IATA na sequência do restabelecimento completo da «regra das faixas horárias utilizadas ou perdidas», as faixas não forem alienadas a um «novo operador», serão, numa segunda fase, disponibilizadas às transportadoras aéreas que já possuem uma base nesses dois aeroportos.

468    Daqui resulta que, durante a primeira fase do processo, os concorrentes do Grupo Lufthansa que já dispõem de uma base nos aeroportos de Francoforte e de Munique não são elegíveis para adquirir as faixas horárias em carteira a alienar.

469    Segundo a Ryanair, a preferência concedida aos novos operadores que não possuem uma base nos aeroportos de Francoforte e de Munique terá como consequência excluir o segundo, terceiro e quarto grupos aéreos na Alemanha, a saber, a Ryanair, a easyJet e a Condor. Assim, esta preferência viola o requisito, previsto no quadro temporário, de preservar a concorrência efetiva no mercado. Com efeito, ao contrário dos concorrentes que já dispõem de uma base nos referidos aeroportos, os novos operadores devem assumir riscos e incorrer em custos adicionais para estabelecer uma base nesses aeroportos. Ao fazê‑lo, este requisito tem como consequência fragmentar mais a estrutura concorrencial nesses dois aeroportos ao excluir, durante a primeira fase dos compromissos, os concorrentes mais importantes do Grupo Lufthansa.

470    A Condor acrescenta que o referido requisito tem por efeito excluir a Ryanair e a easyJet da primeira fase do processo, pelo facto de estes concorrentes do beneficiário já terem uma base nos aeroportos de Francoforte e de Munique, respetivamente. Além disso, a Comissão deveria ter analisado se era necessária a exclusão das transportadoras aéreas já com bases nos aeroportos em causa. Segundo a Condor, esta exclusão reduz consideravelmente a probabilidade de a alienação se realizar. A Comissão deveria, pelo menos, ter consultado os agentes do mercado a fim de se assegurar de que um potencial adquirente, sem base nesses aeroportos, poderia ter estado interessado nas referidas faixas.

471    A título preliminar, importa recordar que a Comissão deve examinar todos os elementos pertinentes relativos ao compromisso proposto, apreciados em função da estrutura e das características particulares do mercado em causa, incluindo a posição das partes e de outros operadores no mercado (v. n.o 418, supra).

472    Ora, não se pode deixar de observar que, na decisão impugnada, a Comissão não analisou o caráter adequado da exclusão dos concorrentes já com bases nos aeroportos de Francoforte e de Munique da primeira fase do procedimento, em função da estrutura e das particulares características do mercado em causa, incluindo a posição das partes e de outros operadores no mercado. Com efeito, na decisão impugnada, a Comissão não apresenta nenhuma razão que possa demonstrar que essa exclusão poderia preservar a concorrência efetiva nos mercados em causa, na aceção do n.o 72 do quadro temporário, e era necessária para o efeito.

473    Ora, em primeiro lugar, no caso em apreço, essa análise era tanto mais necessária quanto a estrutura do mercado nos aeroportos de Francoforte e de Munique se caracteriza, segundo a própria decisão impugnada, pelo peso do Grupo Lufthansa, várias vezes mais significativo do que o dos seus concorrentes mais próximos. Com efeito, como resulta dos n.os 188, 189, 195 e 196 da decisão impugnada, a quota de faixas horárias detida por estes últimos é marginal (entre 1 % e 4 %) e o número de aeronaves com base nesses aeroportos é também mínimo relativamente aos do Grupo Lufthansa.

474    Em segundo lugar, nestas circunstâncias e como sustenta a Ryanair, a preferência dada aos novos operadores teria por efeito a entrada de um novo concorrente cuja posição seria comparável à dos concorrentes já com base nesses aeroportos, devido à dimensão das faixas horárias em carteira e ao número de aviões que deveria basear nesses aeroportos, a saber, quatro, precisando‑se que o número de aviões dos concorrentes já com base nos mesmos aeroportos está compreendido entre dois e dez. Ora, a Comissão não analisou se a exclusão dos concorrentes já com base nos aeroportos de Francoforte e de Munique teria como consequência fragmentar mais a concorrência nesses aeroportos em vez de a reforçar.

475    Em terceiro lugar, como alegam a Ryanair e a Condor, o facto de excluir da primeira fase do processo os concorrentes que dispõem de uma base nesses aeroportos torna de facto inelegíveis, durante essa primeira fase, os concorrentes mais próximos do Grupo Lufthansa. Com efeito, segundo a decisão impugnada, os concorrentes que dispunham de uma base eram os concorrentes mais próximos do Grupo Lufthansa nos aeroportos de Francoforte e de Munique.

476    Em quarto lugar, e como explica a Ryanair, a entrada de uma transportadora aérea que não dispõe de base nesses aeroportos implica um certo investimento e, portanto, um custo de entrada que os concorrentes que já dispõem de uma base nesses aeroportos não incorriam necessariamente, ou nele incorriam em menor medida. Por isso, estes poderiam estar mais bem posicionados para adquirir as faixas horárias em carteira que estão em causa e para aumentar a pressão concorrencial que já exercem sobre o Grupo Lufthansa.

477    Em quinto lugar, contrariamente ao que sustenta a Comissão, o facto de as transportadoras aéreas que já dispõem de uma base nos aeroportos em causa poderem tornar‑se elegíveis na segunda fase do processo não põe em causa o que precede. Com efeito, só se tornam elegíveis se a primeira fase desta tiver sido infrutífera. A sua elegibilidade depende, portanto, do insucesso da primeira etapa e permanece, assim, incerta.

478    Nestas circunstâncias, cabia à Comissão examinar se a preferência dada aos novos operadores e a exclusão dos concorrentes já existentes durante a primeira fase do procedimento era adequada e necessária para preservar a concorrência efetiva, tendo em conta a estrutura e as particulares características dos mercados em causa. Ora, a decisão impugnada não contém nenhuma análise a este respeito.

479    Daqui resulta que, ao excluir os concorrentes que já dispõem de uma base nos aeroportos de Francoforte e de Munique da primeira fase do procedimento de alienação de faixas horárias em causa, a Comissão não analisou todos os elementos pertinentes relativos ao compromisso proposto, apreciados em função da estrutura e das particulares características dos mercados em causa, incluindo a posição do beneficiário e dos seus concorrentes nesses mercados, e cometeu, portanto, um erro manifesto de apreciação.

480    Por conseguinte, a presente alegação é procedente e merece acolhimento.

iii) Quanto ao procedimento e às modalidades de alienação das faixas horárias

–       Quanto ao momento da alienação das faixas horárias

481    A Ryanair sustenta que a decisão impugnada enferma de um erro de apreciação «contraproducente», na medida em que prevê que as faixas horárias só são propostas para alienação após o fim da supressão total ou parcial da regra da «faixa horária utilizada ou perdida». Sustenta que a referida alienação devia ter sido imediatamente imposta.

482    O n.o 232 da decisão impugnada precisa que o compromisso de alienar as faixas horárias em causa se aplicará durante seis épocas da IATA consecutivas e completas após a última época em que a «regra da faixa horária utilizada ou perdida» não seja inteiramente aplicável. O n.o 234 da decisão impugnada refere, além disso, que o período durante o qual estarão disponíveis faixas horárias para serem alienadas será prolongado pelo menos até à retoma prevista do nível do tráfego aéreo de 2019 após o fim da pandemia de COVID‑19, o que permitirá aos concorrentes beneficiar plenamente da alienação em causa.

483    Tendo em conta o que precede, afigura‑se, como alega a Comissão, que o argumento da Ryanair assenta numa leitura errada da decisão impugnada. Com efeito, é o fim e não o início do período da alienação que é determinado em relação à última época, à qual a «regra da faixa horária utilizada ou perdida» não seja inteiramente aplicável. Embora seja verdade que a decisão impugnada não precisa expressamente o início dessa alienação, não é menos verdade que também não prevê qualquer reporte no tempo da referida alienação. Foi nesta base que a Comissão afirmou no Tribunal Geral, sem ser contestada, que as faixas horárias em causa foram propostas para alienação a partir de setembro de 2020, ou seja, alguns meses após a adoção da decisão impugnada.

484    Por conseguinte, há que julgar improcedente a presente alegação.

–       Quanto ao vício processual

485    No n.o 239 da decisão impugnada, a Comissão precisou que, em caso de propostas iguais, favoreceria a proposta mais bem classificada pela DLH. Esta última pode, para tanto, utilizar os critérios que entender, desde que sejam transparentes, como a existência de um apoio estatal a favor dos potenciais adquirentes, o cumprimento das normas de trabalho ou o preço da proposta.

486    A Ryanair alega que a regra segundo a qual, em caso de propostas iguais, a Comissão dará preferência à proposta mais bem classificada pela DLH constitui um conflito de interesses, uma vez que permitiria à DLH escolher o seu próprio concorrente.

487    Importa recordar que o direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições da União de forma imparcial, garantido pelo artigo 41.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, reflete um princípio geral do direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 7 de novembro de 2019, ADDE/Parlamento, T‑48/17, EU:T:2019:780, n.o 41). A exigência de imparcialidade abrange, por um lado, a imparcialidade subjetiva, no sentido de que o árbitro do sistema em causa encarregado do processo não deve manifestar ideias preconcebidas ou um juízo antecipado pessoal, e, por outro, a imparcialidade objetiva, no sentido de que o árbitro deve oferecer garantias suficientes para excluir a este respeito todas as dúvidas legítimas (v., neste sentido, Acórdão de 7 de novembro de 2019, ADDE/Parlamento, T‑48/17, EU:T:2019:780, n.os 42 e 43). O vício de parcialidade constitui, portanto, um vício processual, do qual o conflito de interesses é apenas uma variante (v., neste sentido, Acórdão de 10 de fevereiro de 2021, Spadafora/Comissão, T‑130/19, não publicado, EU:T:2021:74, n.os 82 e 99).

488    No caso em apreço, importa salientar que, segundo a decisão impugnada, embora seja certo que, em caso de propostas iguais, a Comissão dará preferência à mais bem classificada pela DLH, não é menos verdade que essa hipótese é excecional. Em seguida, a escolha da DLH é enquadrada por critérios que devem ser transparentes, como os mencionados no n.o 485, supra. A exigência de transparência garante assim que os critérios adotados pela DLH não são arbitrários e são previamente anunciados. Por outro lado, embora, na verdade, os critérios acima referidos tenham sido mencionados na decisão impugnada a título de exemplo, conclui‑se, ainda assim, que os critérios aplicáveis devem ter caráter objetivo. Por último, e sobretudo, resulta do n.o 236, segundo travessão, da decisão impugnada que, para ser elegível, o adquirente deve ser «independente do» Grupo Lufthansa e «não ter ligação com» ele. Nestas circunstâncias, o risco de conflito de interesses denunciado pela Ryanair não está demonstrado.

489    Por conseguinte, há que julgar improcedente esta alegação.

–       Quanto à inexistência de processo de venda

490    A Ryanair alega que a decisão impugnada não descreve o processo de venda das faixas horárias e que não há, portanto, nenhuma garantia de que a referida venda será efetuada em tempo útil, ao preço de mercado e com o cumprimento dos demais requisitos da decisão impugnada.

491    No entanto, nos n.os 74 e 75 da decisão impugnada, a Comissão explicou as fases do procedimento de alienação, bem como os critérios de elegibilidade e de avaliação a aplicar pela Comissão. Estes números precisam igualmente que o preço proposto para os ativos no seu conjunto não faz parte dos critérios de avaliação aplicados pela Comissão.

492    Por conseguinte, há que concluir que o argumento da Ryanair procede de uma leitura parcial da decisão impugnada. Além disso, a mesma não critica nenhum elemento específico do procedimento de alienação.

493    Nestas circunstâncias, a presente alegação deve ser julgada improcedente.

–       Quanto à remuneração da alienação das faixas horárias

494    Por um lado, a Condor alega que a Comissão não cumpriu o seu dever de fundamentação, uma vez que não justificou em que medida o requisito de remunerar a alienação das faixas horárias em causa em vez de exigir a sua transferência a título gratuito, como prevê o artigo 8.o‑B do Regulamento n.o 95/93, torna os compromissos suficientemente atrativos para um eventual adquirente. Por outro lado, segundo a Condor, os compromissos em causa são contrários ao princípio da não compensação, o qual se aplica às alienações de faixas horárias em matéria de acordos, decisões e práticas concertadas ou de concentrações, em conformidade com o artigo 8.o‑B do Regulamento n.o 95/93. Este princípio é igualmente aplicável, por analogia, em matéria de auxílios de Estado.

495    A Comissão contesta esta argumentação referindo‑se aos fundamentos da decisão impugnada, segundo os quais não existe um preço mínimo para a alienação em causa. Acrescenta que o preço não é um critério que tome em consideração, mas apenas a DLH na hipótese, pouco provável, de propostas iguais.

496    No n.o 74 da decisão impugnada, a Comissão referiu que os potenciais adquirentes deviam propor um preço para as faixas horárias e os ativos cedidos, que o preço seria tido em conta em caso de propostas iguais e que a alienação não seria objeto de qualquer preço mínimo.

497    Daqui decorre, como aliás admite a Comissão, que, embora não exista um preço mínimo, não deixa de ser verdade que os adquirentes devem pagar um preço pela aquisição das faixas e dos ativos em causa. Interrogada a este respeito no âmbito da medida de organização do processo, a Comissão esclareceu que o preço devia cobrir tanto as faixas horárias a alienar como os ativos que lhe estão associados, e que o preço era devido à DLH. Por conseguinte, é pacífico que a alienação das faixas em causa deve ser remunerada.

498    Ora, nada na decisão impugnada indica as razões pelas quais, num caso como o presente, a Comissão considerou que era adequado exigir que a alienação das faixas horárias em causa fosse remunerada, apesar de essa exigência ser suscetível de reduzir a atratividade das referidas faixas e, portanto, a eficácia dos compromissos correspondentes.

499    Do mesmo modo, nada na decisão impugnada indica que a Comissão tenha verificado se o requisito da remuneração em causa era compatível com os requisitos previstos no Regulamento n.o 95/93. Essa verificação era ainda mais necessária no caso em apreço, dado que os compromissos em causa consistiam, no essencial, numa transferência de faixas horárias, requerida pela autoridade pública no exercício das suas prerrogativas, e o referido regulamento continha regras específicas a esse respeito.

500    Deve acrescentar‑se que, nestas circunstâncias, o requisito segundo o qual a alienação das faixas deveria ser efetuada contra uma remuneração, e não a título gratuito, revestia uma importância essencial na economia da decisão impugnada (v. jurisprudência referida no n.o 205, supra), pelo que a Comissão era obrigada a expor as razões pelas quais considerou que esse requisito estava em conformidade com as regras aplicáveis na matéria.

501    Ora, na falta de qualquer indicação na decisão impugnada quanto às razões que levaram a Comissão a considerar que a alienação das faixas horárias em causa devia ser remunerada, e não efetuada a título gratuito, e que esse requisito não teria por consequência reduzir a atratividade das referidas faixas e, portanto, a eficácia dos compromissos correspondentes, importa observar que a Comissão não cumpriu o seu dever de fundamentação.

502    Por conseguinte, a presente alegação é procedente na medida em que a Comissão não cumpriu o seu dever de fundamentação, sem que seja necessário examinar os outros argumentos da Condor relativos à remuneração das alienações de faixas horárias.

iv)    Conclusão quanto às alegações relativas aos compromissos em causa

503    Tendo em conta o que precede, há que concluir que a Comissão cometeu uma ilegalidade na decisão impugnada no que respeita aos seguintes aspetos dos compromissos em causa:

–        a exclusão dos concorrentes já com bases nos aeroportos de Francoforte e de Munique da primeira fase do procedimento de alienação de faixas horárias (n.os 467 a 480, supra); e

–        o requisito de que a alienação das faixas horárias seja remunerada (n.os 494 a 502, supra).

7.      Conclusão quanto aos fundamentos relativos à errada aplicação do quadro temporário

504    Resulta de todas as considerações precedentes que a decisão impugnada está viciada por vários erros ou irregularidades relativos:

–        à elegibilidade do beneficiário em causa ao auxílio em questão ao abrigo do n.o 49, alínea c), do quadro temporário (primeira parte do primeiro fundamento no processo T‑34/21 e segunda parte do primeiro fundamento no processo T‑87/21) (n.os 112 a 138, supra);

–        à inexistência de um mecanismo de progressividade ou de um mecanismo semelhante nos termos dos pontos 61, 62, 68 e 70 do quadro temporário (quarta parte do primeiro fundamento no processo T‑34/21) (n.os 242 a 271, supra);

–        ao preço das ações no momento da conversão da participação passiva II, nos termos do n.o 67 do quadro temporário (quarta parte do primeiro fundamento no processo T‑34/21) (n.os 272 a 288, supra);

–        à existência de PMS noutros aeroportos relevantes que não Francoforte e Munique e, em todo o caso, nos aeroportos de Dusseldórfia e de Viena, durante a época de verão de 2019 da IATA (quinta parte do primeiro fundamento no processo T‑34/21 e primeira parte do primeiro fundamento no processo T‑87/21) (n.os 373 a 412, supra);

–        aos aspetos dos compromissos mencionados no n.o 503, supra (quinta parte do primeiro fundamento no processo T‑34/21 e primeira parte do primeiro fundamento no processo T‑87/21) (n.os 467 a 480 e 494 a 502, supra).

505    Cada um desses erros é, por si só, suscetível de fundamentar a anulação da decisão recorrida, retificada pela decisão retificativa.

506    Por conseguinte, há que anular a decisão recorrida, retificada pela decisão retificativa, sem que seja necessário examinar os outros fundamentos e alegações invocados pelas recorrentes.

IV.    Quanto às despesas

507    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão ficado vencida, há que condená‑la a suportar as suas próprias despesas, bem como as da Ryanair no processo T‑34/21 e as da Condor no processo T‑87/21, em conformidade com os pedidos destas últimas.

508    Em conformidade com o artigo 138.o, n.os 1 e 3, do Regulamento de Processo, a República Federal da Alemanha, a República Francesa e a DLH suportarão as suas próprias despesas no processo T‑34/21. Do mesmo modo, a República Federal da Alemanha e a DLH suportarão as suas próprias despesas no processo T‑87/21.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL

decide:

1)      É anulada a Decisão C(2020) 4372 final da Comissão, de 25 de junho de 2020, relativa ao auxílio de Estado SA 57153 — Alemanha — COVID19 — Auxílio a favor da Lufthansa, conforme retificada pela Decisão C(2021) 9606 final da Comissão, de 14 de dezembro de 2021.

2)      A Comissão Europeia suportará as suas próprias despesas, bem como as despesas suportadas pela Ryanair DAC no processo T34/21 e pela Condor Flugdienst GmbH no processo T87/21.

3)      A República Federal da Alemanha, a República Francesa e a Deutsche Lufthansa AG suportarão as suas próprias despesas no processo T34/21.

4)      A República Federal da Alemanha e a Deutsche Lufthansa suportarão as suas próprias despesas no processo T87/21.

Kornezov

Buttigieg

Kowalik‑Bańczyk

Hesse

 

      Petrlík

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 10 de maio de 2023.

Assinaturas


Índice


IV. Quanto às despesas


*      Língua do processo: inglês.


1      Dados confidenciais ocultados