Language of document : ECLI:EU:T:2009:235

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Oitava Secção)

1 de Julho de 2009 (*)

«Auxílios de Estado – Regime de auxílios à reestruturação concedidos pela República da Polónia a um produtor de aço – Decisão que declara os auxílios parcialmente incompatíveis com o mercado comum e que ordena a sua recuperação – Protocolo n.° 8 relativo à reestruturação da Indústria Siderúrgica Polaca – Recurso de anulação – Legitimidade – Admissibilidade – Conceito de beneficiário – Confiança legítima – Artigo 14.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 659/1999»

No processo T‑291/06,

Operator ARP      sp. z o.o., Varsóvia (Polónia), representada inicialmente por J. Szymanowska, e em seguida por J. Szymanowska e P. Rosiak, e, por último, por P. Rosiak, advogados,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por C. Giolito e A. Stobiecka‑Kuik, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação parcial da Decisão 2006/937/CE da Comissão, de 5 de Julho de 2005, relativa ao auxílio estatal C 20/04 (ex NN 25/04) em favor da Huta Częstochowa SA (JO 2006, L 366, p. 1), na medida em que declara incompatíveis com o mercado comum determinados auxílios e ordena à República da Polónia que proceda à sua recuperação,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Oitava Secção),

composto por: E. Martins Ribeiro, presidente, S. Papasavvas e A. Dittrich (relator), juízes,

secretário: K. Pocheć, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 4 de Setembro de 2008,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        Nos termos do artigo 8.° do Protocolo n.° 2 relativo aos produtos CECA do acordo europeu, de 16 de Dezembro de 1991, que cria uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a República da Polónia, por outro (JO 1993, L 348, p. 2;a seguir «protocolo n.° 2»):

«1.      São incompatíveis com o correcto funcionamento do acordo, na medida em que afectem as trocas comerciais entre a Comunidade e a Polónia:

[…]

iii)      Auxílios públicos, independentemente da forma que assumam, excepto no caso das derrogações previstas no Tratado CECA.

[…]

4.      As partes reconhecem que, durante os primeiros cinco anos após a entrada em vigor do acordo e em derrogação do n.° 1, alínea iii), a [República da] Polónia pode, excepcionalmente, no que se refere aos produtos siderúrgicos CECA, conceder auxílios públicos para efeitos de reestruturação, desde que:

–        o programa de reestruturação esteja associado a uma racionalização global e uma redução das capacidades da Polónia,

–        permitam a viabilidade das empresas beneficiárias em condições normais de mercado no termo do período de reestruturação,

–        o montante e intensidade desses auxílios se limitem ao estritamente necessário para restabelecer a viabilidade e esses auxílios sejam progressivamente reduzidos.

O conselho de associação decidirá, em função da situação económica da [República da] Polónia, se o período de cinco anos poderá ser prorrogado.»

2        A Decisão n.° 3/2002 do Conselho de Associação EU‑Polónia, de 23 de Outubro de 2002, que prorroga o prazo fixado no n.° 4 do artigo 8.° do Protocolo n.° 2 (JO 2003, L 186, p. 38), prorroga por um período adicional de oito anos a contar de 1 de Janeiro de 1997, ou até à data da adesão da República da Polónia à União Europeia, o prazo durante o qual a Polónia podia, a título excepcional, no que se refere aos produtos siderúrgicos, conceder auxílios públicos para efeitos de reestruturação nas condições enumeradas no n.° 4 do artigo 8.° do Protocolo n.° 2. O seu artigo 2.° enuncia:

«A [República da] Polónia apresentará à Comissão […] um programa de reestruturação e planos empresariais que satisfaçam os requisitos constantes do n.° 4 do artigo 8.° do Protocolo n.° 2 e que tenham sido avaliados e aprovados pela autoridade nacional de controlo dos auxílios estatais (Departamento da Concorrência e da Protecção do Consumidor).»

3        O Protocolo n.° 8 relativo à reestruturação da Indústria Siderúrgica Polaca Anexo ao Acto relativo às condições de adesão da República Checa, da República da Estónia, da República de Chipre, da República da Letónia, da República da Lituânia, da República da Hungria, da República de Malta, da República da Polónia, da República da Eslovénia e da República Eslovaca e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia (JO 2003, L 236, p. 948; a seguir «protocolo n.° 8») autorizou República da Polónia, por derrogação às regras gerais relativas aos auxílios de Estado, a conceder auxílios à reestruturação do seu sector siderúrgico com base nos termos do plano de reestruturação e nas condições estabelecidas no referido protocolo. O mesmo prevê designadamente:

«1.      Sem prejuízo dos artigos 87.° [CE] e 88.° [CE], os auxílios estatais concedidos pela [República da] Polónia para efeitos de reestruturação a determinadas áreas da indústria siderúrgica polaca são considerados compatíveis com o mercado comum desde que:

–        o período previsto no n.° 4 do artigo 8.° do Protocolo n.° 2 […], tenha sido prorrogado até à data da adesão,

–        os termos do plano de reestruturação em cuja base foi prorrogado o Protocolo referido supra, sejam respeitados durante o período de 2002 a 2006,

–        sejam respeitadas as condições estabelecidas no presente Protocolo, e

–        não seja pago à indústria siderúrgica polaca qualquer auxílio estatal à reestruturação depois da data da adesão.

2.      […]

3.      Apenas as empresas enumeradas no Anexo I (a seguir designadas por ‘empresas beneficiárias’) são elegíveis para a concessão de auxílios estatais no âmbito do programa de reestruturação da siderurgia polaca.

4.      Uma empresa beneficiária não pode:

a)      Em caso de fusão com uma empresa não incluída no Anexo I, transmitir o benefício do auxílio que lhe foi concedido;

b)      Retomar os activos de empresas não incluídas no Anexo I que declarem falência no período até 31 de Dezembro de 2006.

5.      […]

6.      Os auxílios de reestruturação concedidos às empresas beneficiárias devem ser determinados pelas justificações constantes do plano aprovado de reestruturação do sector siderúrgico polaco e de planos empresariais individuais aprovados pelo Conselho. De qualquer modo, o montante total do auxílio pago no período de 1997‑2003 não pode exceder 3 387 070 000 PLN.

[…]

A [República da] Polónia não pode conceder quaisquer outros auxílios estatais à sua indústria siderúrgica para efeitos de reestruturação.

[…]

10.      Quaisquer alterações subsequentes dos planos globais de reestruturação e dos planos individuais devem ser aprovadas pela Comissão e, se necessário, pelo Conselho.

[…]

18.      Se o acompanhamento demonstrar que:

[…]

c)      Durante o período de reestruturação, a [República da] Polónia concedeu à indústria siderúrgica e especialmente às empresas beneficiárias auxílios estatais adicionais incompatíveis,

as medidas transitórias constantes do presente Protocolo ficarão sem efeito.

A Comissão tomará as medidas necessárias para exigir que as empresas em questão reembolsem quaisquer auxílios concedidos em desrespeito das condições estabelecidas no presente Protocolo.»

4        A Decisão 2003/588/CE do Conselho, de 21 de Julho de 2003, relativa ao cumprimento das condições previstas no artigo 3.° da Decisão n.° 3/2002 (JO L 199, p. 17) prevê no seu artigo único:

«O programa de reestruturação e os planos empresariais apresentados à Comissão pela [República da] Polónia, em 4 de Abril de 2003, nos termos do artigo 2.° da Decisão n.° 3/2002 […] cumprem os requisitos do n.° 4 do artigo 8.° do […] referido protocolo.»

5        O Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho, de 22 de Março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [88.° ]CE (JO L 83, p. 1) enuncia no seu artigo 6.°, n.° 1:

«A decisão de dar início a um procedimento formal de investigação resumirá os elementos pertinentes em matéria de facto e de direito, incluirá uma apreciação preliminar da Comissão quanto à natureza de auxílio da medida proposta e indicará os elementos que suscitam dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum. A decisão incluirá um convite ao Estado‑Membro em causa e a outras partes interessadas para apresentarem as suas observações num prazo fixado, normalmente não superior a um mês. A Comissão pode prorrogar esse prazo em casos devidamente justificados.»

6        O artigo 7.°, n.° 5, deste regulamento prevê:

«Quando a Comissão considerar que o auxílio notificado é incompatível com o mercado comum, decidirá que o mesmo não pode ser executado (adiante designada ‘decisão negativa’).»

7        O artigo 14.° do Regulamento n.° 659/1999 estabelece:

«1.      Nas decisões negativas relativas a auxílios ilegais, a Comissão decidirá que o Estado‑Membro em causa deve tomar todas as medidas necessárias para recuperar o auxílio do beneficiário, adiante designada ‘decisão de recuperação’. A Comissão não deve exigir a recuperação do auxílio se tal for contrário a um princípio geral de direito comunitário.

2.      O auxílio a recuperar mediante uma decisão de recuperação incluirá juros a uma taxa adequada fixada pela Comissão. Os juros são devidos a partir da data em que o auxílio ilegal foi colocado à disposição do beneficiário e até ao momento da sua recuperação.

3.      […]»

8        Segundo o artigo 20.°, n.° 1, deste regulamento:

«Qualquer parte interessada pode apresentar observações nos termos do artigo 6.° na sequência da decisão da Comissão de iniciar o procedimento formal de investigação. Todas as partes interessadas que tenham apresentado observações e todos os beneficiários de um auxílio individual receberão cópia da decisão da Comissão nos termos do artigo 7.°»

 Factos na origem do litígio

9        O presente processo diz respeito a uma operação de reestruturação do produtor de aço polaco Huta Częstochowa S.A. (a seguir «HCz»). A reestruturação da HCz foi realizada entre 2002 e 2005. Para esse fim, os activos da HCz foram transferidos para novas sociedades:

–        em 2002, a Huta Stali Częstochowa sp. z o.o. (a seguir «HSCz») foi constituída para prosseguir a produção siderúrgica da HCz. A HSCz arrendou as instalações de produção da HCz ao administrador judicial e retomou a maior parte dos trabalhadores. A sociedade‑mãe da HSCz era a Towarzystwo Finansowe SILESIA Sp. z o.o. (a seguir «TFS»), uma sociedade detida a 100% pelo Tesouro polaco;

–        em 2004, as sociedades Majątek Hutniczy sp. z o.o. (a seguir «MH») e Majątek Hutniczy Plus (a seguir «MH Plus») foram constituídas. As suas acções eram detidas a 100% pela HCz. A MH recebeu os activos siderúrgicos da HCz e a MH Plus recebeu outros activos necessários à produção;

–        os activos não ligados à produção (designados «activos não siderúrgicos») e o estabelecimento eletroenergético Elsen foram transferidos para a sociedade Operator ARP sp. z o.o. (a seguir «Operator» ou «recorrente»), uma sociedade que depende da Agencja Rozwoju Przemysłu S.A. (agência para o desenvolvimento industrial detida pelo Tesouro polaco, a seguir «ARP» ), a fim de reembolsar os créditos de direito público sujeitos à reestruturação (impostos e contribuições da segurança social).

10      Por carta de 19 de Maio de 2004, a Comissão informou a República da Polónia que tinha decidido dar início a um procedimento formal de investigação relativamente ao auxílio à reestruturação concedido ao produtor de aço HCz. Esta decisão foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia de 12 de Agosto de 2004 (JO C 204, p. 6, a seguir «decisão de início do procedimento») na língua que faz fé (o polaco), precedida de um resumo em todas as outras línguas oficiais. A Comissão convidou todas as partes interessadas a apresentar as suas observações relativamente aos factos e à análise jurídico contida na decisão de início do procedimento. Recebeu as observações da República da Polónia e de quatro partes interessadas.

11      No termo do procedimento, a Comissão chegou à conclusão de que, contrariamente às suas dúvidas iniciais, as medidas que visavam a reestruturação da HCz em conformidade com as disposições da Ustawa o pomocy publicznej dla przedsiębiorców o szczególnym znaczeniu dla rynku pracy (lei sobre o auxílio público às empresas de importância significativa para o mercado de trabalho de 30 de Outubro de 2002, Dz. U. n.° 213, posição 1800, conforme alterada, a seguir «lei de 2002»), não constituíam auxílios de Estado na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE. Em contrapartida, a Comissão considerou que a HCz tinha beneficiado a diversos títulos de um auxílio de Estado para o período entre 1997 e 2002. A Comissão concluiu que este era parcialmente compatível com o mercado comum, mas exigiu‑lhe o reembolso pela parte que considerou incompatível com o mercado comum, designadamente um montante de 19 699 452 zloty polacos (PLN) (a seguir «auxílio controvertido»).

12      Em 5 de Julho de 2005, a Comissão adoptou a Decisão 2006/937/CE, relativa ao auxílio estatal C 20/04 (ex NN 25/04) em favor da Huta Częstochowa SA (JO 2006, L 366, p. 1, a seguir «Decisão»). O seu artigo 3.° enuncia:

«1.      O auxílio estatal concedido pela [República da] Polónia à [HCz] entre 1997 e Maio de 2002, sob a forma de auxílio ao funcionamento e auxílio à reestruturação do emprego, no montante de 19 699 452 PLN, é incompatível com o mercado comum.

2.      A [República da] Polónia adoptará todas as medidas necessárias para recuperar da [HCz], [do] Regionalny Fundusz Gospodarczy, [da MH] e do [Operator ARP] o auxílio referido no n.° 1 e ilegalmente disponibilizado a [HCz]. Todas estas empresas serão solidariamente responsáveis.

A recuperação será efectuada sem demora e segundo as formalidades do direito nacional, por forma a permitir a execução imediata e efectiva da presente decisão. O auxílio a recuperar incluirá os juros a partir da data em que foi colocado à disposição da [HCz] e até à data da sua recuperação. Os juros serão calculados em conformidade com o disposto no Capítulo V do Regulamento […] n.° 794/2004 […].»

3.      […]»

13       Em conformidade com um acordo de 30 de Setembro de 2005, entrado em vigor em 7 de Outubro de 2005, a ISD Polska sp. z o.o. (agindo então sob a denominação social ZPD Steel sp. z o.o.; a seguir «ISD»), uma filial a 100% da Industrial Union of Donbass Corp. (a seguir «IUD»), comprou à HCz todas as acções da MH e da MH Plus, bem como dez filiais restantes da HCz. Por contrato também de 30 de Setembro de 2005, que entrou em vigor em 7 de Outubro de 2005, a ISD comprou à TFS todas as acções da HSCz. A ISD tornou‑se assim proprietária da HSCz, da MH, da MH Plus e de dez outras filiais da HCz.

14      Após a venda, a HCz mudou de denominação social para Regionalny Fundusz Gospodarczy S.A. (a seguir «RFG»). A RFG ainda existe e continua a ser inteiramente detida pelo Tesouro polaco, mas possui apenas alguns escassos bens imóveis sem relação com a indústria siderúrgica.

15      Por carta de 17 de Fevereiro de 2006, a Comissão pediu às autoridades polacas para lhe indicarem as taxas de juro para o reembolso do auxílio controvertido pelos devedores solidários mencionados no artigo 3.°, n.° 2, da Decisão. Na sua resposta de 13 de Março de 2006, as autoridades polacas propuseram taxas de juro aplicáveis à recuperação e uma metodologia para calcular os juros. Estas autoridades propuseram, designadamente, tomar como base, para o período entre 1997 e 1999, a taxa das obrigações do Tesouro polaco a taxa fixa, denominadas em PLN, a cinco anos, e para o período de 2000 até à adesão da República da Polónia à União Europeia, a taxa destas mesmas obrigações a dez anos. Além disso, tendo em conta a situação dos mercados de capitais na Polónia à época, que se caracterizava por taxas muito elevadas, mas que baixavam rapidamente, solicitaram que fosse levada a cabo uma actualização anual destas taxas e que os juros não fossem calculados numa base composta.

16      Numa carta de 7 de Junho de 2006, dirigida às autoridades polacas, a Comissão declarou que a taxa de juro aplicável à recuperação do auxílio controvertido devia ser, para todo o período em causa, a taxa para as obrigações do Tesouro polaco a taxa fixa, denominadas em PLN, a cinco anos, e que, por força do artigo 11.°, n.° 2, do Regulamento n.° 794/2004, esta taxa de juro devia ser aplicada numa base composta.

 Tramitação processual e pedidos das partes

17      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 18 de Outubro de 2006, a recorrente interpôs o presente recurso.

18      Na sequência da renovação parcial da composição do Tribunal de Primeira Instância, o processo foi atribuído a um novo juiz‑relator. Este juiz foi posteriormente afectado à Oitava Secção, à qual o presente processo foi, por conseguinte, atribuído.

19      Com base em relatório do juiz‑relator, o Tribunal de Primeira Instância (Oitava Secção alargada) decidiu dar início à fase oral, colocar por escrito certas questões à Comissão e convidá‑la a apresentar determinados documentos. A Comissão cumpriu o solicitado no prazo estabelecido.

20      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal de Primeira Instância na audiência que teve lugar em 4 de Setembro de 2008.

21      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal de Primeira Instância se digne:

–        anular o artigo 3.°, n.° 2, primeiro parágrafo, da Decisão na parte que lhe diz respeito;

–        condenar a Comissão nas despesas

22      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Primeira Instância se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

 Quanto à admissibilidade

 Argumentos das partes

23      Na audiência, a Comissão alegou que a República da Polónia recuperou o auxílio controvertido junto da RFG e da ISD e que estas não tinham interposto nenhum recurso contra a recorrente. Acresce que, no acordo de privatização, a IUD garantiu o reembolso do auxílio controvertido pela MH. Consequentemente, a recorrente já não teria qualquer interesse em interpor o recurso.

24      A recorrente retorque que, nos termos da lei polaca, as entidades que restituíram efectivamente o auxílio ilegal podem dirigir‑se à mesma e exigir a restituição dos montantes pagos, durante um período que pode ir até dez anos a partir do pagamento. A recorrente salienta que desconhece se existe um compromisso de garantia por parte da IUD pelo reembolso do auxílio controvertido e que não pode invocar estipulações contidas no acordo de privatização entre o Governo polaco e a IUD.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

25      Segundo jurisprudência assente, a admissibilidade de um recurso de anulação interposto por uma pessoa singular ou colectiva depende de essa pessoa demonstrar ter um interesse efectivo e actual que justifique a anulação do acto impugnado (despacho do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Março de 2005, Gruppo ormeggiatori del porto di Venezia e.a./Comissão, T‑228/00, T‑229/00, T‑242/00, T‑243/00, T‑245/00 à T‑248/00, T‑250/00, T‑252/00, T‑256/00 à T‑259/00, T‑265/00, T‑267/00, T‑268/00, T‑271/00, T‑274/00 à T‑276/00, T‑281/00, T‑287/00 e T‑296/00, Colect., p. II‑787, n.° 23).

26      É certo que a Comissão só na audiência suscitou a excepção da inadmissibilidade, relativa à inexistência de um interesse em agir. No entanto, importa recordar que os pressupostos de admissibilidade de um recurso, e designadamente a falta de interesse em agir, constituem pressupostos processuais de ordem pública (despacho Gruppo ormeggiatori del porto di Venezia e.a./Comissão, n.° 26 supra, n.° 22; v. igualmente, neste sentido, despacho do Tribunal de Justiça de 7 de Outubro de 1987, d. M./Conselho e Comité Económico e Social das Comunidades europeias, 108/86, Colect., p. 3933, n.° 10). Por conseguinte, o Tribunal de Primeira Instância pode, a todo o tempo e oficiosamente, nos termos do artigo 113.° do seu Regulamento de Processo, verificar se o recorrente tem interesse na anulação da decisão impugnada (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Abril de 2005, Sniace/Comissão, T‑141/03, Colect., p. II‑1197, n.° 22).

27      No caso em apreço, o interesse em agir da recorrente não pode ser negado em razão do simples facto de o auxílio controvertido ter sido restituído por uma das outras entidades desigandas na Decisão como solidariamente responsáveis pelo reembolso. Com efeito, a recorrente alegou, sem ser contrariada neste ponto pela Comissão, que, segundo o direito polaco, as entidades que efectivamente restituíram o auxílio ilegal podiam exercer um direito de recurso contra ela no prazo de dez dias. Nestas condições, há que considerar que a recorrente conserva um direito à anulação da Decisão, visto que o seu recurso, no caso de lhe ser dado provimento, é susceptível de eliminar todo o risco de recurso contra ela.

28      Em relação ao compromisso de garantia invocado pela Comissão na audiência, basta assinalar que o documento susceptível de demonstrar a existência deste compromisso não consta dos autos.

29      Consequentemente, o fundamento de inadmissibilidade suscitado pela Comissão deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao mérito

30      A recorrente recorrente invoca quatro fundamentos, relativos a uma violação dos direitos de defesa, à falta de fundamentação da Decisão, a uma interpretação errada dos artigos 87.° CE e 88.° CE, bem como do artigo 14.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999, e a uma violação dos princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade.

 Quanto ao fundamento relativo a uma violação dos direitos de defesa

–       Argumentos das partes

31      A recorrente alega que, embora a publicação de um aviso no Jornal Oficial constitua, em princípio, um meio adequado de tornar conhecido de todos os interessados o início de um procedimento de controlo dos auxílios de Estado, é, porém, necessário que a Comissão defina suficientemente o âmbito da sua investigação a fim de não esvaziar de sentido o direito dos interesados de apresentar as suas observações.

32      A recorrente afirma, contudo, que a comunicação da Comissão relativa ao início do procedimento foi formulada de tal modo que não havia qualquer razão para se considerar parte interessada. A Decisão de início do procedimento visava designadamente apenas os produtores de aço, enquanto que o operador responsável pela administração da dívida pública era descrito como uma sociedade que não produzia aço. De resto, só em 8 de Julho de 2005, ou seja, posteriormente à adopção da Decisão, a recorrente consentiu em exercer a função de «operator», pelo que não teve a possibilidade de apresentar as suas observações sobre as conclusões da Comissão.

33      Por último, a recorrente assinala que a descrição do auxílio controvertido que figura na Decisão de início do procedimento incide exclusivamente sobre a reestruturação efectuada após 2003, em relação à qual a Comissão reconheceu na Decisão não se tratar de um auxílio de Estado. Além disso, a República da Polónia não comunicou a Decisão de início à recorrente e também não a informou do procedimento em curso.

34      A Comissão contesta estes argumentos. Assinala que a fundamentação da Decisão de início de procedimento era suficiente para permitir à recorrente, que era a única entidade na Polónia autorizada a exercer a função de «operator», compreender que, na qualidade de entidade adquirente dos activos da HCz, podia ser obrigada ao reembolso do auxílio controvertido.

–       Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

35      A título liminar, importa assinalar que apenas o Estado que procede à notificação, enquanto destinatário da decisão impugnada, pode invocar verdadeiros direitos de defesa. Os outros interessados, como a recorrente, são associados ao procedimento administrativo, sem, contudo, poderem invocar os mesmos direitos. Ao invés, dispõem dos direitos processuais reconhecidos aos interessados pelo artigo 88.°, n.° 2, CE (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Novembro de 2004, Ferriere Nord/Comissão, T‑176/01, Colect., p. II‑3931, n.° 82, e de 22 de Outubro de 2008, TV 2/Danmark e o./Comissão, T‑309/04, T‑317/04, T‑329/04 e T‑336/04, ainda não publicado na Colectânea, n.° 137).

36      Resulta da jurisprudência que a fase do exame a que se refere o artigo 88.°, n.° 2, CE se destina a permitir à Comissão ter uma informação completa sobre todos os dados do caso (acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colect., p. I‑1719, n.° 38).

37      Segundo o artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 659/1999, a decisão de dar início a um procedimento formal de investigação resumirá os elementos pertinentes em matéria de facto e de direito, incluirá uma «apreciação preliminar» da Comissão da medida proposta e indicará os elementos que suscitam dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum. Além disso, esta decisão incluirá um convite ao Estado‑Membro em causa e a outras partes interessadas para apresentarem as suas observações.

38      Como resulta da redacção da disposição já referida, a análise da Comissão reveste necessariamente um carácter preliminar. Daqui resulta que a Comissão não pode ser obrigada a apresentar uma análise cabal do auxílio em causa na sua comunicação relativa à abertura desse procedimento. Em contrapartida, é necessário que a Comissão defina suficientemente o âmbito da sua investigação, para não esvaziar de sentido o direito dos interessados a apresentarem as suas observações [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 31 de Maio de 2006, Kuwait Petroleum (Nederland)/Comissão, T‑354/99, Colect., p. II‑1475, n.° 85].

39       No caso em apreço, os pontos 6, 32 e 51 da decisão de início do procedimento, cujo texto em polaco foi publicado no Jornal Oficial, mostram claramente que a Comissão se questionava sobre a existência de vários auxílios pagos à HCz e à HSCz desde 1997. Com efeito, no ponto 6, constata que «[c]om base nas informações actualmente disponíveis, parece que a HCz recebeu diversos auxílios públicos desde o início do período de reestruturação em 1997». No ponto 32, precisa que «[n]o âmbito deste procedimento, qualquer auxílio concedido à HCz desde 1 de Janeiro de 1997 deveria ser considerado». Por conseguinte, solicita às autoridades polacas «informações detalhadas referentes aos montantes e às afectações de todos os auxílios públicos concedidos pela [República da] Polónia à HCz desde 1997» (ponto 51).

40      Consequentemente, resulta claramente dos termos dessa decisão que a Comissão inicia um procedimento exaustivo que visa todos os auxílios concedidos à HCz desde 1997.

41      No que diz respeito, mais concretamente à recorrente, refere‑se no ponto 18 da Decisão de início de procedimento que, segundo a lei de 2002, uma filial da ARP, denominada «Operator», é responsável em matéria de dívidas públicas. A seguir, precisa‑se no ponto 19 desta decisão que tal implica que a Operator, como contrapartida de uma transferência de todos os direitos de penhor dos credores públicos resultantes de dívidas públicas no sector da produção de aço, retomará uma parte dos activos da HCz, não ligados à produção de aço. A função da Operator é explicitado mais em detalhe na nota de rodapé n.° 48 da Decisão de início de procedimento. Por último, no ponto 51 da Decisão de início de procedimento, a Comissão indaga a razão pela qual os activos transferidos para a Operator e os que permanecem nos fundos regionais se elevam respectivamente a 203/159 milhões de PLN.

42      Por conseguinte, importa considerar que a fundamentação da Decisão de início de procedimento, que foi adoptada em 19 de Maio de 2004, permitiu à recorrente, que foi criada em 5 de Abril de 2004, compreender que, na qualidade de entidade adquirente dos activos da HCz, podia ser obrigada ao reembolso do auxílio controvertido.

43      Além disso, na medida em que a recorrente era a única entidade na Polónia autorizada a exercer a função de «operator», na acepção da lei de 2002, não podia invocar, para demonstrar uma violação dos seus direitos processuais, que só consentiu em exercer essa função em 8 de Julho de 2005. Acresce que o presidente da ARP, que é o proprietário a 100% da recorrente, participou no procedimento formal de investigação e tinha conhecimento de todos os elementos relativos à reestruturação da HCz.

44      Consequentemente, o fundamento relativo a uma violação dos direitos de defesa deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao fundamento relativo à falta de fundamentação

–       Argumentos das partes

45      A recorrente assinala que, quanto aos motivos que levaram a Comissão a qualificá‑la como beneficiária do auxílio controvertido, e portanto, como devedora solidária da obrigação de reembolso, a Decisão é lacónica e não lhe permite, enquanto parte interessada, compreender o raciocínio seguido.

46      Isto é tanto mais válido quanto, na Decisão, a Comissão indicou que o valor das obrigações de direito público assumidas excedia o património adquirido. Consequentemente, a tese da Comissão, segundo a qual a recorrente beneficiou do auxílio controvertido e é, assim; obrigada a reembolsá‑lo, carece de fundamento.

47      A Comissão afirma que estas acusações dizem respeito ao mérito da Decisão e não à sua fundamentação.

–       Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

48      Segundo jurisprudência assente, há que fazer uma distinção entre o fundamento relativo à falta ou insuficiência de fundamentação e o fundamento que consiste na inexactidão dos fundamentos da decisão (em razão de um erro sobre os factos ou na apreciação jurídica). Este último incide sobre a apreciação da legalidade da decisão impugnada não constituindo um fundamento baseado na violação de formalidades essenciais, pelo que não pode originar uma violação do artigo 253.° CE (acórdão Comissão/Sytraval e Brink’s France, n.° 37 supra, n.° 67, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Novembro de 1997, Cipeke/Comissão, T‑84/96, Colect., p. II‑2081, n.° 47). Consequentemente, o Tribunal de Primeira Instância não pode analisar, em sede de fiscalização do respeito do dever de fundamentação, a legalidade quanto ao mérito dos fundamentos invocados pela Comissão para justificar a sua decisão. No âmbito de um fundamento assente em falta ou insuficiência de fundamentação, as alegações e argumentos que pretendam contestar o mérito da decisão recorrida não são pertinentes (acórdão do Tribunal de Primeira Instância 15 Junho de 2005, Corsica Ferries France/Comissão, T‑349/03, Colect., p. II‑2197, n.os 58 e 59).

49      No caso em apreço, a Comissão referiu no considerando 146 da Decisão que os activos e os passivos da HCz tinham sido distribuídos por três empresas sucessoras, a RFG, a MH e a Operator, e que, por conseguinte, a entidade económica que recebeu o auxílio controvertido já não estava limitada apenas à entidade jurídica, HCz, mas englobava igualmente estas entidades. A Comissão apresentou, portanto, a razão pela qual tinha designado a recorrente como entidade solidariamente obrigada ao reembolso do auxílio controvertido, apesar de não a ter designado como beneficiária desse auxílio.

50      Nestas condições, não se pode concluir que a Decisão padeça de falta de fundamentação da Decisão. Na medida em que a recorrente contesta a exactidão dos fundamentos e a legalidade das disposições aprovadas, estes argumentos serão examinados no âmbito do fundamento subsequente.

51      Por conseguinte, o fundamento relativo à falta de fundamentação da Decisão deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao fundamento relativo a uma interpretação errada dos artigos 87.° CE e 88.° CE, bem como do artigo 14.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999

–       Argumentos das partes

52      A recorrente afirma que a Comissão ultrapassou os limites do seu poder de apreciação ao considerá‑la beneficiária do auxílio controvertido.

53      O simples facto de que a recorrente, que não exerce actividades no sector do aço, tenha adquirido determinados elementos patrimoniais à empresa beneficiária do auxílio controvertido não é uma justificação suficiente para considerar que as vantagens financeiras, que a empresa que lhe transferiu estes elementos tinha anteriormente obtido graças ao auxílio público de que havia beneficiado, tinham sido adquiridas pela recorrente com os referidos elementos. Dado que o valor das obrigações de direito público adquiridas pela recorrente é superior ao valor de mercado dos bens que lhe foram transferidos, nada permite afirmar que tenha obtido uma qualquer vantagem financeira, incluindo uma vantagem que consiste num auxílio público. Com efeito, quando uma empresa que beneficiou de um auxílio de Estado ilegal é comprada ao preço de mercado, o comprador dessa empresa não deve ser considerado beneficiário do referido auxílio (acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2004, Alemanha/Comissão, C‑277/00, Colect., p. I‑3925, a seguir «acórdão SMI»).

54      A recorrente alega que a eventual recuperação a seu cargo do auxílio controvertido «abalaria» os fundamentos da reestruturação das obrigações de direito público que foram minuciosamente calculados, analisados e aceites pela Comissão, e diminuiria na mesma medida os meios financeiros destinados ao financiamento destas obrigações de direito público.

55      Por outro lado, a recorrente assinala que, por força da lei de 2002, não adquiriu os activos não siderúrgicos. Nos termos da referida lei, apenas pode ter lugar a assunção das dívidas da empresa. Na audiência, a recorrente precisou que só em 8 de Julho de 2005 deu o seu acordo para exercer a função de «operator» na acepção da lei de 2002. Por conseguinte, a designação da recorrente no artigo 3.° da Decisão foi prematura, visto que, no momento da adopção desta, este acordo ainda não existia.

56      Além disso, credores, com direito de obter o reembolso, poderiam igualmente exigir à recorrente, na sua qualidade de devedora solidária, o reembolso de todo o auxílio controvertido e dos juros. No entanto, não existia nenhum vínculo contratual entre a recorrente e a MH ou a IUD que lhe permitisse dirigir‑se a estas para obter o reembolso do auxílio controvertido.

57      Antes de mais, a Comissão recorda que, ainda que tenha concluído que a reestruturação da HCz, nos termos da lei de 2002, tinha sido realizada sem auxílios de Estado suplementares, dado que preenchia os requisitos do «princípio do credor privado», assinalou igualmente que a HCz, durante o período entre 1997 e 2002, tinha beneficiado de um auxílio de Estado parcialmente incompatível com o mercado comum.

58      A Comissão não pode partilhar a ideia de que a recorrente adquiriu elementos de activos da HCz nas condições do mercado. Com efeito, não é possível determinar o preço mais elevado que um investidor privado que actua no mercado está disposto a pagar por estes activos. Todas as transformações da propriedade que foram realizadas no âmbito da reestruturação da HCz e a partilha dos seus activos que daí resultou foram transacções baseadas no disposto na lei de 2002.

59      Em relação à obrigação solidária da HCz, da RFG, da MH e da recorrente, compete, segundo a Comissão, ao Estado‑Membro executar convenientemente a ordem de restituição do auxílio controvertido. A Comissão observa que o valor de mercado inicial dos elementos de activos adquiridos pela recorrente, como referido na Decisão, difere do valor contabilístico que figura no Anexo A.5. Não foi possível à Comissão fixar o valor exacto dos activos. Em qualquer caso, um Estado‑Membro, ao qual não é possível executar uma decisão, pode dirigir‑se à Comissão e solicitar‑lhe a sua cooperação para ultrapassar as dificuldades em causa.

–       Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

60      No essencial, a recorrente alega que, na Decisão, a Comissão a considerou erradamente uma entidade solidariamente obrigada ao reembolso do auxílio controvertido.

61      A este respeito, importa recordar que, por força do artigo 14.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999, nas decisões negativas relativas a auxílios ilegais, a Comissão decidirá que o Estado‑Membro em causa deve tomar todas as medidas necessárias para recuperar o auxílio do «beneficiário».

62      Ora, no caso em apreço, a Comissão sublinhou que a recorrente não era beneficiária do auxílio controvertido. No entanto, designou‑a como sendo solidariamente obrigada ao reembolso do mesmo.

63      É verdade que, desde a sua Decisão 1999/720/CE, CECA, de 8 de Julho de 1999, relativa a um auxílio estatal concedido pela Alemanha à Gröditzer Stahlwerke GmbH e à sua filial Walzwerk Burg GmbH (JO L 292, p. 27), na qual ordenou pela primeira vez a recuperação de um auxílio junto de empresas que tinham adquirido elementos de activos, a Comissão, em certos casos, considerou que o termo «beneficiário», na acepção do artigo 14.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999, não designava unicamente o beneficiário originário do auxílio, mas, sendo caso disso, toda a empresa para a qual os elementos de activos foram transferidos com vista a contornar as disposições da sua ordem de recuperação.

64      No entanto, não é menos verdade que, em primeiro lugar, o alargamento do círculo das entidades obrigadas ao reembolso do auxílio exige uma transferência de activos. Ora, à data da adopção da Decisão, a saber 5 de Julho de 2005, tal transferência não tinha efectivamente ainda sido realizada, visto que a recorrente só deu o seu acordo para exercer a função de «operator» no processo de reestruturação de HCz uns dias mais tarde. No entanto, segundo jurisprudência assente, no âmbito de um recurso de anulação, a legalidade do acto impugnado deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes na data em que o acto foi adoptado (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Fevereiro de 1979, França/Comissão, 15/76 e 16/76, Colect., p. 321, n.° 7, e acórdão SMI, n.° 53 supra, n.° 39, e a jurisprudência referida).

65      É certo que a Comissão alegou, na audiência, que qualquer operação de transformação da HCz assentava no princípio de que seriam transmitidos activos à recorrente e que o acordo desta era uma questão puramente formal. No entanto, a recorrente sublinhou correctamente que, embora a lei de 2002 preveja a função de um «operator», esta não especifica quem é o «operator» e quantos «operators» podem ser criados. Por conseguinte, à data da adopção da Decisão era prematura uma inclusão incondicional da recorrente no círculo das entidades solidariamente obrigadas ao reembolso do auxílio controvertido.

66      Em segundo lugar, o alargamento do círculo das entidades obrigadas ao reembolso do auxílio só é justificado se a transferência de activos origina o risco de que os efeitos da ordem de recuperação sejam contornados, e designadamente se, na sequência da aquisição de activos, o beneficiário originário do auxílio fica como uma «concha vazia» de que não é possível obter a restituição dos auxílios ilegais (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Outubro de 2005, CDA Datenträger Albrechts/Comissão, T‑324/00, Colect., p. II‑4309, n.os 98 e seguintes). Além disso, este alargamento pode ser justificado pelo facto de o adquirente dos activos conservar o gozo efectivo da vantagem concorrencial ligada ao benefício dos auxílios (acórdão SMI, n.° 54 supra, n.° 86).

67      A este respeito, o Tribunal de Justiça decidiu que, quando uma empresa que beneficiou de um auxílio de Estado ilegal é comprada ao preço de mercado, não se pode considerar que o comprador foi beneficiado relativamente aos outros operadores presentes no mercado. Por conseguinte, não se pode pedir que o comprador reembolse esses auxílios (v., neste sentido, acórdão SMI, n.° 54 supra, n.os 80 e 81). Mais concretamente, no caso da compra de activos, o Tribunal de Primeira Instância considerou, no seu acórdão CDA Datenträger Albrechts/Comissão, n.° 67 supra, que, se para a aquisição de elementos de activos tenha sido pago pelo comprador um preço de compra conforme com o mercado, este não conserva o gozo efectivo da vantagem concorrencial ligada ao benefício dos auxílios concedidos ao vendedor. Neste caso, não se pode considerar que o beneficiário originário do auxílio fica como uma «concha vazia» de que não é possível obter a restituição dos auxílios ilegais (v., neste sentido, n.os 99 e 100 do acórdão), nem que o adquirente tenha conservado o gozo efectivo da vantagem concorrencial ligada ao benefício dos auxílios.

68      Além disso, o Tribunal de Justiça precisou que, para verificar as condições financeiras da cessão, as autoridades nacionais podem ter em conta, designadamente, uma peritagem eventualmente efectuada no momento da cessão (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Novembro de 2008, Comissão/França, C‑214/07, ainda não publicado na Colectânea, n.os 59 e 60).

69      No caso em apreço, a recorrente alega que o valor das obrigações de direito público que adquiriu era largamente superior ao valor dos bens que lhe foram transferidos. Com efeito, resulta do considerando 53 da Decisão que um auditor independente avaliou o valor de mercado dos activos recebidos pela recorrente, a saber o terreno, as partes sociais da empresa Elsen e créditos, em 156 milhões de PLN (o montante que figura no Anexo A.5 difere apenas ligeiramente a este respeito). Ao invés, o valor global das obrigações de direito público que foram legalmente adquiridas pela recorrente era superior a 280 milhões de PLN. Nestas condições a Comissão não podia declarar, sem outra explicação, a existência de um risco de contorno à ordem de recuperação, nem o facto de que a recorrente tinha tido o gozo efectivo de uma vantagem concorrencial ligada ao benefício do auxílio controvertido. Pelo menos, deveria ter explicado a razão pela qual considerava não pertinente o facto de os activos terem sido adquiridos a um «preço» que parece excluir o gozo de tal vantagem concorrencial. Com efeito, na medida em que a recorrente não é uma sociedade pertencente ao grupo do vendedor, nem mesmo uma sociedade presente no mercado da produção de aço, mas que exerce a função de adquirente de dívidas e de activos de empresas em dificuldades para satisfazer, como contrapartida, os credores destas, a Comissão devia ter demonstrado mais concretamente a existência de um risco de contorno à sua ordem de recuperação e o gozo efectivo de uma vantagem concorrencial ligada ao benefício de um auxílio controvertido por parte da recorrente.

70      Consequentemente, a inclusão da recorrente no círculo das entidades solidariamente obrigadas ao reembolso do auxílio controvertido foi incorrecta.

71      Por conseguinte, o fundamento relativo a uma interpretação errada dos artigos 87.° CE e 88.° CE, bem como do artigo 14.° do Regulamento n.° 659/1999 deve ser julgado procedente.

72      Resulta de todas as considerações precedentes que a Decisão deve ser anulada na parte que diz respeito à recorrente, sem que seja necessário examinar o último fundamento, relativo a uma violação dos princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade.

 Quanto às despesas

73      Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o pedido da recorrente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Oitava Secção)

decide:

1)      O artigo 3.°, n.° 2, segundo parágrafo, da Decisão 2006/937/CE da Comissão, de 5 de Julho de 2005, relativa ao auxílio estatal C 20/04 (ex NN 25/04) em favor da Huta Częstochowa SA, é anulado na parte em que diz respeito à Operator ARP sp. z o.o.

2)      A Comissão é condenada nas despesas.

Martins Ribeiro

Papasavvas

Dittrich

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 1 de Julho de 2009.

Assinaturas

Índice


Quadro jurídico

Factos na origem do litígio

Tramitação processual e pedidos das partes

Questão de direito

Quanto à admissibilidade

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto ao mérito

Quanto ao fundamento relativo a uma violação dos direitos de defesa

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto ao fundamento relativo à falta de fundamentação

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto ao fundamento relativo a uma interpretação errada dos artigos 87.° CE e 88.° CE, bem como do artigo 14.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto às despesas


* Língua do processo: polaco.