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Edição provisória

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

29 de julho de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Decisão 2013/488/UE — Informações classificadas — Credenciação de segurança de empresa — Revogação da credenciação — Não divulgação de informações classificadas que fundamentam a revogação — Artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Dever de fundamentação — Acesso ao processo — Princípio do contraditório — Artigo 51.° da Carta dos Direitos Fundamentais — Aplicação do direito da União»

No processo C‑185/23,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Najvyšší správny súd Slovenskej republiky (Supremo Tribunal Administrativo da República Eslovaca), por Decisão de 28 de fevereiro de 2023, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 22 de março de 2023, no processo

protectus s. r. o., anteriormente BONUL, s. r. o.

contra

Výbor Národnej rady Slovenskej republiky na preskúmavanie rozhodnutí Národného bezpečnostného úradu,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen (relator), vice‑presidente, A. Prechal, K. Jürimäe, C. Lycourgos, T. von Danwitz, F. Biltgen, Z. Csehi e O. Spineanu‑Matei, presidentes de secção, J.‑C. Bonichot, S. Rodin, P. G. Xuereb, J. Passer, D. Gratsias e M. Gavalec, juízes,

advogado‑geral: J. Richard de la Tour,

secretário: I. Illéssy, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 30 de janeiro de 2024,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da protectus s. r. o., por M. Mandzák, M. Para e M. Pohovej, advokáti,

–        em representação da Výbor Národnej rady Slovenskej republiky na preskúmavanie rozhodnutí Národného bezpečnostného úradu, por L’. Mičinský, M. M. Nemky e M. Rafajová, advokáti,

–        em representação do Governo Eslovaco, por E. V. Larišová, A. Lukáčik e S. Ondrášiková, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Estónio, por M. Kriisa, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo Francês, por R. Bénard e O. Duprat‑Mazaré, na qualidade de agentes,

–        em representação do Conselho da União Europeia, por I. Demoulin, N. Glindová, J. Rurarz e T. Verdi, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por Ș. Ciubotaru, A.‑C. Simon, A. Tokár e P.J.O. Van Nuffel, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 16 de maio de 2024,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 47.° e do artigo 51.°, n.os 1 e 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a protectus s. r. o., anteriormente BONUL, s. r. o., ao Výbor Národnej rady Slovenskej republiky na preskúmavanie rozhodnutí Národného bezpečnostného úradu (Comité do Conselho Nacional da República Eslovaca para a Fiscalização das Decisões da Autoridade Nacional de Segurança, a seguir «Comité»), por este ter negado provimento ao recurso interposto pela protectus da decisão da Národný bezpečnostný úrad (Autoridade Nacional de Segurança, Eslováquia) (a seguir «ANS») de revogar a credenciação de segurança industrial e o certificado de segurança industrial de que a protectus era titular.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O considerando 3 da Decisão 2013/488/UE do Conselho, de 23 de setembro de 2013, relativa às regras de segurança aplicáveis à proteção das informações classificadas da União Europeia (JO 2013, L 274, p. 1), enuncia:

«Nos termos das disposições legislativas e regulamentares nacionais e na medida do necessário para assegurar o funcionamento do Conselho [da União Europeia], os Estados‑Membros deverão respeitar a presente decisão sempre que as autoridades competentes, o pessoal ou os contratantes respetivos manuseiem [informações classificadas da União Europeia (a seguir “ICUE”)], de forma a que cada um possa estar certo de que é concedido um nível de proteção equivalente às mesmas.»

4        O artigo 1.°, n.os 1 e 2, desta decisão prevê:

«1.      A presente decisão estabelece os princípios básicos e as normas mínimas de segurança aplicáveis à proteção das ICUE.

2.      Esses princípios básicos e normas mínimas são aplicáveis ao Conselho e ao [Secretariado‑Geral do Conselho (a seguir “SGC”)] e devem ser respeitados pelos Estados‑Membros, nos termos das respetivas disposições legislativas e regulamentares nacionais, de forma a que cada um possa estar certo de que é concedido um nível de proteção equivalente às ICUE.»

5        O artigo 11.°, n.os 2, 5 e 7, da referida decisão dispõe:

«2.      O SGC pode confiar tarefas que envolvam ou impliquem o acesso a ICUE ou o seu manuseamento ou armazenamento a entidades industriais ou outras registadas num Estado‑Membro [...]

[...]

5.      As [Autoridades Nacionais de Segurança (ANS), Autoridades de Segurança Designadas (ASD)] ou quaisquer outras autoridades competentes dos Estados‑Membros garantem, nos termos das disposições legislativas e regulamentares nacionais, que os contratantes ou subcontratantes registados nos respetivos Estados‑Membros que participem na execução de contratos ou subcontratos que exijam acesso a informações com classificação CONFIDENTIEL UE/EU CONFIDENTIAL ou SECRET UE/EU SECRET dentro das suas próprias instalações, seja na execução do contrato, seja na fase pré‑contratual, possuam uma Credenciação de Segurança de Empresa (CSE) para o nível de classificação adequado.

[...]

7.      As regras de execução do presente artigo são estabelecidas no anexo V.»

6        O artigo 15.°, n.° 3, alíneas a) a c), da mesma decisão estatui:

«Os Estados‑Membros tomam todas as medidas necessárias, nos termos das respetivas disposições legislativas e regulamentares nacionais, para assegurar que, quando forem manuseadas ou armazenadas ICUE, a presente decisão é respeitada:

a)      Pelo pessoal das Representações Permanentes dos Estados‑Membros junto da União Europeia, bem como pelos delegados nacionais que participem em reuniões do Conselho ou das suas instâncias preparatórias, ou que tomem parte noutras atividades do Conselho;

b)      Por outros elementos do pessoal das administrações nacionais dos Estados‑Membros, incluindo o pessoal destacado para essas administrações, quer exerçam a sua atividade no território do respetivo Estado‑Membro, quer no estrangeiro;

c)      Por quaisquer outras pessoas nos Estados‑Membros que, em virtude das funções que exercem, estejam devidamente autorizadas a aceder às ICUE[...]»

7        O artigo 16.°, n.° 3, alínea a), i), da Decisão 2013/488 tem a seguinte redação:

«Para efeitos da execução do artigo 15.°, n.° 3, cabe aos Estados‑Membros:

a)      Designar uma ANS[...] responsável pelos mecanismos de segurança destinados a proteger as ICUE, de modo a que:

i)      as ICUE detidas por qualquer serviço, organismo ou agência nacional, público ou privado, quer dentro, quer fora do país, sejam protegidas nos termos da presente decisão.»

8        O anexo V desta decisão, intitulado «Segurança industrial», dispõe, nos pontos 8 a 13:

«8.      A CSE será concedida pela ANS ou ASD ou por qualquer outra autoridade de segurança competente de um Estado‑Membro, a fim de certificar, nos termos das disposições legislativas e regulamentares nacionais, que determinada entidade industrial ou outra está em condições de proteger as ICUE ao nível de classificação adequado (CONFIDENTIEL UE/EU CONFIDENTIAL ou SECRET UE/EU SECRET) dentro das respetivas instalações. A CSE será apresentada ao SGC, enquanto entidade adjudicante, antes de as ICUE serem fornecidas ao contratante ou subcontratante ou potencial contratante ou subcontratante ou de lhe ser concedido acesso a essas informações.

9.      Ao emitir uma CSE, a ANS ou ASD competente deverá, no mínimo:

a)      Avaliar a integridade da entidade industrial ou outra;

b)      Avaliar em que medida a propriedade, o controlo ou a potencial exposição a influências indevidas podem ser considerados um risco para a segurança;

c)      Certificar‑se de que a entidade industrial ou outra instalou um sistema de segurança que abranja todas as medidas de segurança necessárias à proteção das informações ou material com classificação CONFIDENTIEL UE/EU CONFIDENTIAL ou SECRET UE/EU SECRET, nos termos dos requisitos da presente decisão;

d)      Certificar‑se de que o estatuto de segurança da administração, dos proprietários e dos empregados que precisem de aceder a informações com classificação CONFIDENTIEL UE/EU CONFIDENTIAL ou SECRET UE/EU SECRET foi estabelecido nos termos dos requisitos da presente decisão; e

e)      Certificar‑se de que a entidade industrial ou outra nomeou um Oficial de Segurança da Empresa, responsável perante a respetiva administração pelo cumprimento das obrigações em matéria de segurança na referida entidade.

10.      Se necessário, o SGC, enquanto entidade adjudicante, informará a ANS/ASD competente, ou qualquer outra autoridade de segurança competente, de que é necessária uma CSE para a fase pré‑contratual ou para a execução do contrato. Será exigida uma CSE ou uma CSP para a fase pré‑contratual quando haja que fornecer ICUE com classificação CONFIDENTIEL UE/EU CONFIDENTIAL ou SECRET UE/EU SECRET durante o processo de apresentação de propostas.

11.      A entidade adjudicante não adjudicará nenhum contrato classificado ao proponente preferido antes de ter recebido, da ANS/ASD ou de qualquer outra autoridade de segurança competente do Estado‑Membro em que o contratante ou subcontratante esteja registado, confirmação de que, sendo exigível, foi emitida a CSE adequada.

12.      A ANS/ASD ou qualquer outra autoridade de segurança competente que tenha emitido a CSE informará o SGC, enquanto entidade adjudicante, de qualquer alteração que afete a CSE. No caso da subcontratação, será informada em conformidade a ANS/ASD ou qualquer outra autoridade de segurança competente.

13.      A retirada da CSE por parte da ANS/ASD ou de qualquer outra autoridade de segurança competente constituirá motivo suficiente para que o SGC, enquanto entidade adjudicante, ponha termo a um contrato classificado ou exclua um dos proponentes do concurso.»

 Direito eslovaco

9        O § 46 da zákon č. 215/2004 Z. z. o ochrane utajovaných skutočností a o zmene a doplnení niektorých zákonov (Lei n.° 215/2004, relativa à Proteção das Informações Classificadas e que altera e complementa Determinadas Leis), de 11 de março de 2004, na versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Lei n.° 215/2004»), dispõe:

«Só pode ser emitida uma credenciação de segurança industrial de empresário a um empresário que seja [...]

c)      fiável em termos de segurança [...]»

10      O § 49, n.os 1 e 2, alíneas a) e b), desta lei estatui:

«(1)      Não é considerado fiável em termos de segurança o empresário relativamente ao qual seja identificado um risco de segurança.

(2)      Considera‑se risco de segurança:

a)      Qualquer atuação contrária aos interesses da República Eslovaca no domínio da defesa do Estado, da segurança do Estado, das relações internacionais, dos interesses económicos do Estado, do funcionamento de uma autoridade do Estado, ou contrária aos interesses que a República Eslovaca se comprometeu a proteger,

b)      Qualquer relação externa, comercial ou patrimonial suscetível de causar um prejuízo aos interesses da República Eslovaca em matéria de política externa ou de segurança [...]»

11      O § 50, n.° 5, da referida lei tem a seguinte redação:

«Se a ANS constatar que o empresário deixou de preencher uma das condições da segurança industrial previstas no § 46, ou que incumpriu de maneira flagrante ou repetida as suas obrigações de proteção de informações classificadas, revogará a validade da credenciação.»

12      O § 60, n.° 7, da mesma lei prevê:

«A ANS conduz o procedimento de credenciação de segurança em relação a qualquer pessoa singular que deva tomar conhecimento de informações classificadas relacionadas com a realização de tarefas decorrentes de um tratado internacional que vincule a República Eslovaca e emite um certificado de credenciação de segurança a essa pessoa; as disposições dos §§ 10 a 33 aplicam‑se à emissão do certificado de credenciação de segurança de uma pessoa [...]»

13      O § 5 da vyhláška č. 134/2016 Z. z. o personálnej bezpečnosti (Portaria n.° 134/2016, relativa à Segurança do Pessoal), de 23 de março de 2016, na versão aplicável ao litígio no processo principal, dispõe:

«(1)      O certificado de credenciação de segurança de uma pessoa singular referido no § 60, n.° 7, da [Lei n.° 215/2004] menciona:

[...]

d)      O nível máximo de classificação das informações classificadas da União [...] às quais o seu titular possa ter acesso e as disposições correspondentes da regulamentação da União [...] ao abrigo da qual é permitido o acesso da pessoa singular às informações classificadas,

[...]

(4)      Na falta de disposições em contrário num tratado internacional que vincule a República Eslovaca,

a)      O certificado é emitido, no máximo, pelo período de validade da credenciação,

b)      Antes de a pessoa singular tomar conhecimento das informações classificadas, a autoridade responsável assegura que é informada das obrigações em matéria de proteção das informações classificadas previstas na Lei [n.° 215/2004] e na regulamentação da União [...]

[...]

(6)      O disposto nos n.os 1 a 5 aplica‑se, mutatis mutandis, também à emissão do certificado de segurança industrial de empresário.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

14      Em 6 de setembro de 2018, a ANS emitiu a favor da recorrente no processo principal uma credenciação de segurança industrial que a autorizava a tomar conhecimento de informações classificadas de nível «Muito secreto» e a transmitir ou criar informações classificadas de nível «Secreto».

15      Em 15 de novembro de 2018, a ANS emitiu ainda a seu favor um certificado de segurança industrial de nível «SECRET UE/EU SECRET».

16      Posteriormente, a ANS tomou conhecimento de informações não classificadas sobre a recorrente no processo principal segundo as quais, nomeadamente, esta ou os seus gestores estavam a ser investigados, tinha celebrado contratos com sociedades sujeitas a tal investigação, às quais tinha pagado «quantias em dinheiro fora do habitual», e existiam suspeitas de a recorrente no processo principal e outra sociedade, sujeitas a um controlo comum, terem participado nos mesmos concursos. A ANS também obteve outras informações pelos seus próprios meios ou por parte de outras autoridades, informações que foram qualificadas de «provas documentais classificadas».

17      A ANS deu à recorrente no processo principal a possibilidade de se pronunciar sobre as informações não classificadas de que dispunha.

18      Por Decisão de 25 de agosto de 2020, a ANS revogou a credenciação de segurança industrial e o certificado de segurança industrial da recorrente no processo principal. Em apoio da revogação dessa credenciação, a ANS referiu que, atentas as informações classificadas e não classificadas de que dispunha, a recorrente no processo principal representava um risco para a segurança devido à existência de uma relação comercial suscetível de prejudicar os interesses da República Eslovaca em matéria de segurança e de comportamentos contrários aos interesses económicos deste Estado‑Membro. Nessa decisão, a ANS também especificou que a revogação da referida credenciação implicava a revogação do certificado de segurança industrial, dado que a validade deste certificado dependia da validade da mesma credenciação.

19      Por Decisão do Comité de 4 de novembro de 2020, foi negado provimento ao recurso interposto pela recorrente no processo principal da referida decisão. Esta última decisão foi fundamentada, nomeadamente, na remissão para informações classificadas cujo teor foi exposto na mesma e às quais nem a protectus nem o seu advogado tiveram acesso, uma vez que o pedido desse advogado de consulta dessas informações foi indeferido pelo diretor da ANS.

20      A recorrente no processo principal interpôs recurso dessa decisão do Comité para o Najvyšší súd Slovenskej republiky (Supremo Tribunal da República Eslovaca). A competência para examinar esse recurso foi, posteriormente à interposição do referido recurso, transferida para o Najvyšší správny súd Slovenskej republiky (Supremo Tribunal Administrativo da República Eslovaca), que é o órgão jurisdicional de reenvio.

21      Em 28 de setembro de 2022, a ANS remeteu a esse órgão jurisdicional todos os documentos do processo, incluindo as provas documentais classificadas mencionadas na fundamentação das decisões da ANS e do Comité.

22      Por Decisão de 4 de outubro de 2022, o presidente da secção chamada a conhecer do recurso da recorrente no processo principal excluiu a consulta dessas partes classificadas do processo. No mesmo dia, o advogado da recorrente no processo principal pediu ao órgão jurisdicional de reenvio para consultar as provas documentais classificadas transmitidas pela ANS. Por carta de 5 de outubro de 2022, o presidente da secção chamada a conhecer do recurso da recorrente no processo principal indeferiu esse pedido, mas pediu à ANS que considerasse a possibilidade de autorizar a comunicação dessas provas a esse advogado. Por carta de 25 de novembro de 2022, a ANS informou esse órgão jurisdicional de que autorizava a comunicação de duas provas documentais classificadas, mas que se recusava a aceitar a comunicação das outras provas documentais classificadas em causa, pelo facto de essa comunicação poder vir a conduzir à divulgação de fontes de informação.

23      Por carta de 16 de janeiro de 2023, o advogado da recorrente no processo principal pediu novamente para consultar todas as provas documentais, baseando‑se, nomeadamente, no artigo 47.° da Carta, conforme interpretado no Acórdão de 22 de setembro de 2022, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság e o. (C‑159/21, EU:C:2022:708).

24      Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a aplicabilidade da Carta no processo principal.

25      A este respeito, sublinha, especialmente, que as condições de validade do certificado de segurança industrial são determinadas pelo direito eslovaco, o qual faz depender a validade de tal certificado da validade de uma credenciação de segurança industrial, sem regular de forma mais pormenorizada o tratamento das ICUE nem o acesso a estas.

26      O órgão jurisdicional de reenvio também salienta que a Decisão 2013/488 impõe aos Estados‑Membros determinadas obrigações concretas em matéria de credenciação de pessoas singulares ou coletivas com capacidade jurídica para celebrar contratos. Além disso, considera que a circunstância de a regulamentação eslovaca aplicável não ter sido adotada com vista à aplicação de um ato de direito da União específico e de estabelecer um nexo entre a validade do certificado de segurança industrial e uma credenciação nacional de segurança não significa que a aplicação dessa regulamentação não possa constituir uma aplicação do direito da União, na aceção do artigo 51.°, n.° 1, da Carta, que determina a aplicação desta última ao litígio no processo principal.

27      Na hipótese de a Carta ser aplicável ao processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a compatibilidade com o artigo 47.° da Carta da regulamentação e da prática eslovacas relativas ao acesso a informações classificadas no âmbito de processos destinados a impugnar a revogação de uma credenciação de segurança industrial ou de um certificado de segurança industrial.

28      Por força desta regulamentação e desta prática, tais informações ficam acessíveis, sem restrições, aos juízes chamados a pronunciar‑se sobre recursos de decisões baseadas nestas, mas não fazem parte do processo acessível à recorrente. Por seu turno, o advogado desta última só pode aceder a essas informações depois de obter autorização da autoridade que identificou a informação classificada em causa, sem que o mérito da recusa em conceder essa autorização possa ser fiscalizado por um órgão jurisdicional. Além disso, esse advogado fica sujeito a um dever de confidencialidade, pelo que não pode divulgar ao seu cliente o teor das informações classificadas às quais tenha acesso.

29      Tendo em conta estes elementos, o órgão jurisdicional de reenvio considera a possibilidade de a incompatibilidade da referida regulamentação, conforme concretizada pelas autoridades e pelos órgãos jurisdicionais nacionais, com o artigo 47.° da Carta ser deduzida do Acórdão de 22 de setembro de 2022, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság e o. (C‑159/21, EU:C:2022:708). No entanto, é necessário determinar se esta solução é plenamente transponível para o caso em apreço. Se for caso disso, o órgão jurisdicional de reenvio pretende igualmente obter esclarecimentos sobre os poderes de que deve dispor para garantir os direitos decorrentes do artigo 47.° da Carta numa situação como a que está em causa no processo principal.

30      Nestas condições, o Najvyšší správny súd Slovenskej republiky (Supremo Tribunal Administrativo da República Eslovaca) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 51.°, n.° 1, da [Carta] ser interpretado no sentido de que um Estado‑Membro aplica o direito na União quando um órgão jurisdicional desse Estado‑Membro é chamado a apreciar a legalidade de uma decisão de uma comissão especial do parlamento desse Estado que, enquanto órgão de segunda instância, confirmou uma decisão administrativa da [ANS] por força da qual foi revogada (retirada) a uma pessoa coletiva:

–        em primeiro lugar, a credenciação de segurança industrial que dá acesso a informações classificadas em conformidade com o direito nacional,

–        e ao mesmo tempo, exclusivamente devido à revogação dessa certificação, também [o] certificado de segurança industrial emitido a essa pessoa coletiva para efeitos de acesso a informações classificadas “SECRET UE/EU SECRET” na aceção do artigo 11.° e do anexo V da [Decisão 2013/488]?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão:

Deve o artigo 47.°, primeiro e segundo parágrafos, da Carta ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação e a uma prática nacionais, segundo as quais

a)      a decisão de uma [ANS] (retirar) a referida credenciação e certificado não menciona as informações classificadas que a levaram a considerar que as condições para a sua revogação (retirada) estão preenchidas, mas limita‑se a fazer referência ao documento correspondente do processo dessa autoridade que contém essas informações classificadas,

b)      a pessoa coletiva em causa não tem acesso ao processo da [ANS] nem aos documentos individuais que contêm as informações classificadas que levaram essa autoridade a concluir que a revogação (retirada) da referida credenciação e do certificado é legítima,

c)      o acesso a este processo e documentos pode ser obtido pelo advogado da pessoa coletiva em causa, mas unicamente com o consentimento do diretor da [ANS], ou eventualmente com o consentimento de outra autoridade que tenha transmitido esses documentos à [ANS], mas, mesmo depois de ter obtido esse acesso, aquele é obrigado a respeitar a confidencialidade do conteúdo do processo e documentos,

d)      o órgão jurisdicional que aprecia a legalidade da decisão referida na primeira questão tem, porém, pleno acesso a esse processo e a esses documentos?

3)      Em caso de resposta afirmativa à segunda questão:

Deve o artigo 47.°, primeiro e segundo parágrafos, da Carta ser interpretado no sentido de que permite (ou eventualmente impõe) ao órgão jurisdicional que aprecia a legalidade da decisão referida na primeira questão que não aplique a regulamentação e a prática descritas na segunda questão e faculte à pessoa coletiva em causa ou ao seu advogado o acesso ao processo da [ANS] ou, se for caso disso, aos documentos que contenham informações classificadas, se esse órgão jurisdicional o considerar necessário para garantir o direito à ação e a um processo contraditório?

4)      Em caso de resposta afirmativa à terceira questão:

Deve o artigo 51.°, n.os 1 e 2, da Carta ser interpretado no sentido de que a habilitação do órgão jurisdicional de conceder acesso ao processo, e eventualmente a documentos, na aceção da terceira questão, se aplica

–        unicamente às partes do processo ou documentos que contêm informações pertinentes para a avaliação da segurança industrial, na aceção do artigo 11.° e do anexo V da Decisão [2013/488], ou

–        também às partes do processo ou aos documentos que contêm informações exclusivamente pertinentes para a avaliação da segurança industrial na aceção do direito nacional, ou seja, além das condições previstas na Decisão [2013/488]?»

 Quanto à competência do Tribunal de Justiça

31      O Comité contesta a competência do Tribunal de Justiça para responder ao pedido de decisão prejudicial.

32      Primeiro, a causa no processo principal não tem nenhuma relação com o direito da União, porquanto as autoridades eslovacas aplicaram, nesse processo, uma regulamentação nacional que visa unicamente proteger os interesses da República Eslovaca e foi adotada antes da adesão deste Estado‑Membro à União, num domínio que, em todo o caso, é da competência exclusiva dos Estados‑Membros.

33      Segundo, a terceira questão convida diretamente o Tribunal de Justiça a interpretar uma regulamentação nacional e a apreciar a compatibilidade dessa regulamentação com o direito da União.

34      A este respeito, importa salientar, por um lado, que a primeira questão visa determinar se uma situação como a que está em causa no processo principal está abrangida pelo âmbito de aplicação da Carta e que as restantes questões, todas elas relativas à interpretação de disposições da Carta, só são submetidas na hipótese de o Tribunal de Justiça dar uma resposta positiva à primeira questão.

35      Daqui resulta que os argumentos apresentados pelo Comité quanto à incompetência do Tribunal de Justiça para se pronunciar sobre o pedido de decisão prejudicial no seu todo, conforme expostos no n.° 32 do presente acórdão, devem ser examinados na análise da primeira questão e não podem levar a considerar que o Tribunal de Justiça não é competente para se pronunciar sobre esse pedido.

36      Por outro lado, no que respeita especificamente à terceira questão, importa certamente recordar que, no âmbito do processo nos termos do artigo 267.° TFUE, que se baseia numa clara separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, o juiz nacional tem competência exclusiva para apurar e apreciar os factos do litígio no processo principal, assim como para interpretar e aplicar o direito nacional (Acórdão de 24 de julho de 2023, Lin, C‑107/23 PPU, EU:C:2023:606, n.° 76 e jurisprudência referida).

37      No entanto, resulta dos próprios termos desta questão que a mesma se prende com a interpretação, não de uma disposição de direito nacional, mas da Carta.

38      Em consequência, há que declarar que o Tribunal de Justiça é competente para se pronunciar sobre o pedido de decisão prejudicial.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

39      Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 51.°, n.° 1, da Carta deve ser interpretado no sentido de que a fiscalização, por um órgão jurisdicional nacional, da legalidade de uma decisão que, por um lado, revoga uma credenciação de segurança industrial que permite aceder a informações classificadas por um Estado‑Membro e, por outro, em consequência dessa revogação, revoga um certificado de segurança industrial que autoriza o acesso a ICUE, em conformidade com o artigo 11.° e o anexo V da Decisão 2013/488, tem por objeto atos constitutivos de uma aplicação do direito da União, na aceção deste artigo 51.°, n.° 1.

40      O âmbito de aplicação da Carta está definido no seu artigo 51.°, n.° 1, nos termos do qual, no que respeita à ação dos Estados‑Membros, as disposições da Carta têm estes por destinatários apenas quando apliquem o direito da União.

41      Os direitos fundamentais garantidos pela ordem jurídica da União são, assim, aplicáveis em todas as situações reguladas pelo direito da União, mas não fora dessas situações (Acórdãos de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson, C‑617/10, EU:C:2013:105, n.° 19, e de 6 de outubro de 2015, Delvigne, C‑650/13, EU:C:2015:648, n.° 26).

42      O conceito de «aplicação do direito da União», na aceção do artigo 51.°, n.° 1, da Carta, pressupõe a existência de um nexo de ligação entre um ato de direito da União e a medida nacional em causa, que ultrapassa a mera proximidade das matérias em causa ou as incidências indiretas de uma matéria na outra (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de outubro de 2016, Paoletti e o., C‑218/15, EU:C:2016:748, n.° 14, e de 24 de fevereiro de 2022, Glavna direktsia «Pozharna bezopasnost i zashtita na naselenieto», C‑262/20, EU:C:2022:117, n.° 60).

43      Assim, para determinar se uma medida nacional se insere no âmbito de «aplicação do direito da União», na aceção do artigo 51.°, n.° 1, da Carta, há que verificar, entre outros elementos, se a legislação nacional em causa no processo principal tem por objetivo aplicar uma disposição do direito da União, o caráter dessa legislação e se a mesma prossegue outros objetivos que não sejam os abrangidos pelo direito da União, ainda que seja suscetível de o afetar indiretamente, bem como se existe uma legislação do direito da União específica na matéria ou suscetível de o afetar (Acórdão de 5 de maio de 2022, BPC Lux 2 e o., C‑83/20, EU:C:2022:346, n.° 27 e jurisprudência referida).

44      A este respeito, quanto, em primeiro lugar, à aplicabilidade da Carta à revogação de uma credenciação de segurança industrial que permite aceder a informações classificadas por um Estado‑Membro, importa salientar que o direito da União não contém, nesta fase do seu desenvolvimento, um ato que estabeleça regras gerais relativas às decisões tomadas pelos Estados‑Membros para autorizar o acesso a informações classificadas ao abrigo de regulamentações nacionais [v., neste sentido, Acórdão de 25 de abril de 2024, NW e PQ (Informações classificadas), C‑420/22 e C‑528/22, EU:C:2024:344, n.° 103].

45      Concretamente, a Decisão 2013/488, a que o órgão jurisdicional de reenvio faz referência no que respeita ao certificado de segurança industrial que autoriza o acesso a ICUE, especifica, no artigo 1.°, n.° 1, que estabelece os princípios básicos e as normas mínimas de segurança aplicáveis à proteção das ICUE. Em contrapartida, esta decisão não inclui disposições que regulem o acesso a informações classificadas ao abrigo de regulamentações nacionais.

46      Neste contexto, não resulta do pedido de decisão prejudicial que a regulamentação nacional que regula a revogação da credenciação de segurança industrial em causa no processo principal tenha por objeto ou por efeito dar cumprimento a uma disposição de direito da União ou ainda que a aplicação dessa regulamentação afete a aplicação de tal disposição.

47      Por conseguinte, não se afigura que a revogação de uma credenciação de segurança como a que está em causa no processo principal implique uma aplicação do direito da União, na aceção do artigo 51.°, n.° 1, da Carta.

48      No que respeita, em segundo lugar, à aplicabilidade da Carta à revogação de um certificado de segurança industrial que autoriza o acesso a ICUE, importa salientar que houve instituições da União a adotar atos específicos destinados a regular a proteção das ICUE no âmbito do seu funcionamento.

49      Em especial, o Conselho adotou, para o efeito, a Decisão 2013/488, a que o órgão jurisdicional de reenvio se refere.

50      Resulta do considerando 3 e do artigo 1.°, n.° 2, desta decisão que os Estados‑Membros devem respeitar os princípios básicos e as normas mínimas que define, em conformidade com as respetivas disposições legislativas e regulamentares nacionais, para que cada um possa estar certo de que é concedido um nível de proteção equivalente às ICUE.

51      No que respeita mais especificamente à segurança industrial, o artigo 11.°, n.° 2, da referida decisão prevê que o SGC pode, por via contratual, confiar a entidades industriais ou outras tarefas que envolvam ou impliquem o acesso, o manuseamento, o armazenamento ou a comunicação de ICUE.

52      Para assegurar a proteção das ICUE pelos contratantes e subcontratantes, o artigo 11.°, n.° 5, da mesma decisão exige que a ANS, a ASD ou qualquer outra autoridade competente de cada Estado‑Membro garantam, nos termos das disposições legislativas e regulamentares nacionais, que os contratantes ou subcontratantes registados no território do Estado‑Membro em causa que participem em contratos classificados ou em subcontratos que exijam o acesso a ICUE nas suas próprias instalações possuam, na execução desses contratos ou na fase pré‑contratual, uma CSE para o nível de classificação adequado.

53      O artigo 11.°, n.° 7, da Decisão 2013/488 dispõe que as regras de execução deste artigo 11.° são estabelecidas no anexo V desta decisão.

54      Este anexo V prevê, nos seus pontos 8 a 13, normas relativas às CSE. Daqui resulta, nomeadamente, que uma CSE é emitida pela autoridade nacional competente, em conformidade com as disposições legislativas e regulamentares nacionais, para indicar que uma entidade industrial está em condições de garantir às ICUE uma proteção adequada, que essa autoridade deve assegurar, no mínimo, o cumprimento de uma série de requisitos previstos no referido anexo V e que qualquer alteração a uma CSE deve ser notificada ao SGC. O ponto 13 do mesmo anexo V especifica, além disso, que a retirada de uma CSE pela autoridade nacional competente constitui motivo suficiente para que o SGC ponha termo a um contrato classificado ou exclua um dos proponentes do concurso.

55      Para assegurar a aplicação da Decisão 2013/488, o artigo 15.°, n.° 3, alínea c), da mesma dispõe que os Estados‑Membros tomam todas as medidas necessárias, nos termos das respetivas disposições legislativas e regulamentares nacionais, para assegurar que, quando forem manuseadas ou armazenadas ICUE, esta decisão seja respeitada, especialmente, pelas pessoas devidamente autorizadas, em virtude das funções que exercem, a ter acesso às ICUE. Para cumprir esta obrigação, os Estados‑Membros devem, nomeadamente, em conformidade com o artigo 16.°, n.° 3, alínea a), i), desta decisão, designar uma ANS responsável pelos mecanismos de segurança destinados a proteger as ICUE, para que as ICUE detidas por qualquer serviço, organismo ou agência sejam protegidas nos termos da referida decisão.

56      Tendo em conta as regras assim estabelecidas pela Decisão 2013/488 que impõem obrigações aos Estados‑Membros, deve considerar‑se que as medidas adotadas por estes, com o objetivo de garantir a segurança industrial, enquadrando o acesso às ICUE ligadas a contratos celebrados pelo Conselho através da emissão e do controlo de CSE, aplicam o direito da União.

57      Especialmente, a revogação, por uma autoridade nacional, de uma CSE, na aceção do anexo V, ponto 13, desta decisão, implica tal aplicação. Com efeito, essa revogação põe em causa uma autorização cuja concessão está especificamente prevista no direito da União, a saber, o artigo 11.°, n.° 5, da referida decisão, conjugado com o anexo V, ponto 8, da mesma. Ademais, os efeitos de tal autorização estão definidos, pelo menos em parte, neste direito, exigindo este artigo 11.°, n.° 5, que os contratantes ou subcontratantes que participem em contratos classificados ou em subcontratos que exijam o acesso a ICUE nas suas próprias instalações possuam, na execução dos referidos contratos ou na fase pré‑contratual, uma CSE para o nível de classificação adequado.

58      O facto de as condições em que uma autoridade nacional pode revogar uma CSE, na aceção da Decisão 2013/488, não estarem diretamente determinadas nesta decisão ou noutro ato da União e de resultarem, assim, do poder de apreciação dos Estados‑Membros, no respeito, porém, pelo quadro fixado pela referida decisão, não é suscetível de justificar uma conclusão diferente.

59      Com efeito, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que se deve considerar que um Estado‑Membro que faz uso de uma liberdade de escolha entre várias modalidades de aplicação de um ato da União ou de um poder discricionário ou de apreciação que faz parte integrante do regime estabelecido por esse ato aplica esse direito, na aceção do artigo 51.°, n.° 1, da Carta (v., neste sentido, Acórdão de 19 de novembro de 2019, TSN e AKT, C‑609/17 e C‑610/17, EU:C:2019:981, n.° 50 e jurisprudência referida).

60      Esta solução é aplicável no caso em apreço, uma vez que a ampla margem de apreciação de que os Estados‑Membros dispõem, no quadro definido pela Decisão 2013/488, para revogar uma CSE, na aceção desta decisão, faz parte do regime definido por esta. A existência de tal margem de apreciação não implica, aliás, de modo nenhum, que tal CSE tenha o seu fundamento no direito nacional ou que os seus efeitos sejam exclusivamente definidos pelo direito nacional.

61      Nestas condições, e tendo em conta que o regime de proteção das ICUE estabelecido pela Decisão 2013/488 visa assegurar o bom funcionamento do Conselho, o argumento apresentado pelos Governos Eslovaco, Estónio e Francês, segundo o qual o exercício desta margem de apreciação resulta de uma competência mantida pelos Estados‑Membros, não pode ser acolhido.

62      Uma vez que o Governo Eslovaco invoca, a este respeito, o artigo 4.°, n.° 2, TUE, importa recordar que, embora caiba aos Estados‑Membros, em conformidade com esta disposição, definir os seus interesses essenciais de segurança e adotar as medidas adequadas para salvaguardar a sua segurança interna e externa, o simples facto de uma medida nacional ter sido adotada para efeitos da proteção da segurança nacional não pode implicar a inaplicabilidade do direito da União e dispensar os Estados‑Membros do respeito necessário desse direito (Acórdão de 16 de janeiro de 2024, Österreichische Datenschutzbehörde, C‑33/22, EU:C:2024:46, n.° 50 e jurisprudência referida).

63      No caso em apreço, decorre das indicações que figuram no pedido de decisão prejudicial que um certificado de segurança industrial como o que está em causa no processo principal deve ser considerado uma CSE, na aceção da Decisão 2013/488.

64      Assim, antes de mais, resulta do pedido de decisão prejudicial que, em conformidade com a regulamentação eslovaca aplicável, esse certificado é emitido com o único objetivo de permitir à empresa que dele beneficia aceder a ICUE, que a sua emissão implica informar esta empresa sobre as obrigações decorrentes do direito da União que deve respeitar e que o direito eslovaco não prevê outra autorização que permita a uma empresa aceder a ICUE no quadro definido pela Decisão 2013/488.

65      Em seguida, embora o órgão jurisdicional de reenvio esclareça que a regulamentação eslovaca aplicável não foi adotada especificamente para transpor essa decisão, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que tal constatação não é suscetível de excluir que um ato baseado nessa regulamentação constitua uma aplicação do direito da referida decisão, na aceção do artigo 51.°, n.° 1, da Carta, desde que esse ato dê cumprimento às regras estabelecidas pela mesma decisão (v., por analogia, Acórdão de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson, C‑617/10, EU:C:2013:105, n.° 28).

66      Por último, embora do pedido de decisão prejudicial não conste que a recorrente no processo principal foi parte num contrato com o Conselho ou que participou na negociação ou na execução desse contrato, esta circunstância não basta para afastar a aplicação da Decisão 2013/488. Com efeito, o artigo 11.° e o anexo V desta decisão implicam que uma empresa pode solicitar a emissão de uma CSE para poder participar, se necessário, num concurso do Conselho que implique o acesso a ICUE.

67      Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça sobre a relevância a dar ao facto de o direito eslovaco autorizar a revogação do certificado de segurança industrial de uma empresa pelo simples facto de a credenciação de segurança industrial desta ter sido revogada. A este respeito, há que constatar que o estabelecimento desse nexo entre a revogação de uma credenciação de segurança nacional, na aceção da regulamentação eslovaca, e a de uma CSE, na aceção da Decisão 2013/488, constitui uma opção da República Eslovaca no exercício da margem de apreciação mencionada no n.° 60 do presente acórdão e que essa opção não é, portanto, suscetível de excluir que a revogação dessa CSE constitua uma aplicação do direito da União.

68      Em face do exposto, há que responder à primeira questão que o artigo 51.°, n.° 1, da Carta deve ser interpretado no sentido de que:

–        a fiscalização, por um órgão jurisdicional nacional, da legalidade de uma decisão de revogação de uma credenciação de segurança industrial que permite aceder a informações classificadas por um Estado‑Membro não tem por objeto um ato constitutivo de uma aplicação do direito da União, na aceção desta disposição;

–        a fiscalização, por esse órgão jurisdicional, da legalidade de uma decisão que revoga, em consequência da revogação dessa credenciação de segurança industrial, um certificado de segurança industrial que autoriza o acesso a ICUE, em conformidade com o artigo 11.° e o anexo V da Decisão 2013/488, tem por objeto um ato constitutivo de uma aplicação do direito da União, na aceção deste artigo 51.°, n.° 1.

 Quanto à segunda e terceira questões

69      Com a segunda e terceira questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 47.° da Carta deve ser interpretado no sentido de que, por um lado, se opõe a uma regulamentação e a uma prática nacionais por força das quais uma decisão que revoga uma CSE, na aceção da Decisão 2013/488, não indica as informações classificadas que justificam essa revogação, prevendo também que o órgão jurisdicional competente para apreciar a legalidade dessa revogação tem acesso a essas informações e que o advogado do antigo titular dessa CSE só pode ter acesso às referidas informações com o acordo das autoridades nacionais em causa e na condição de garantir a sua confidencialidade, bem como, por outro lado, na hipótese de este artigo se opor a essa regulamentação e a essa prática, autoriza esse órgão jurisdicional nacional a comunicar ele próprio ao antigo titular da referida CSE, se for caso disso por intermédio do seu advogado, algumas informações classificadas quando a falta de comunicação dessas informações a esse antigo titular ou ao seu advogado não se afigure justificada.

70      Em primeiro lugar, há que examinar se uma situação como a que está em causa no processo principal integra o âmbito de aplicação do artigo 47.° da Carta.

71      Em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o reconhecimento, num determinado caso, do direito à ação previsto no artigo 47.° da Carta pressupõe que a pessoa que o invoca se baseie em direitos ou liberdades garantidos pelo direito da União ou que essa pessoa esteja sujeita a um processo que constitua uma aplicação do direito da União, na aceção do artigo 51.°, n.° 1, da Carta [Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, RS (Efeito dos acórdãos de um tribunal constitucional), C‑430/21, EU:C:2022:99, n.° 34 e jurisprudência referida].

72      No caso em apreço, é certo que a Decisão 2013/488 não estabelece o direito de um operador económico obter uma CSE quando estejam preenchidos determinados requisitos.

73      No entanto, resulta do ponto 8 do anexo V desta decisão que o acesso de um operador económico a ICUE para efeitos de celebração ou execução de um contrato classificado do Conselho está subordinado à posse de uma CSE.

74      Nestas condições, importa, antes de mais, recordar que, como resulta do n.° 52 do presente acórdão, decorre do artigo 11.°, n.° 5, da Decisão 2013/488 que os contratantes e os subcontratantes que participem na execução de contratos ou subcontratos que exijam acesso a ICUE dentro das suas próprias instalações, seja na execução do contrato, seja na fase pré‑contratual, possuam uma CSE para o nível de classificação adequado.

75      Em seguida, o ponto 10 do anexo V desta decisão especifica que é exigida uma CSE para a fase pré‑contratual quando haja que fornecer ICUE durante o processo de apresentação de propostas.

76      Por último, em conformidade com o ponto 11 do anexo V da referida decisão, a entidade adjudicante não pode adjudicar nenhum contrato classificado ao proponente preferido antes de ter recebido, da autoridade nacional competente do Estado‑Membro em que o contratante ou subcontratante em causa esteja registado, confirmação de que foi emitida uma CSE adequada. Por outro lado, o ponto 13 deste anexo prevê que a retirada de uma CSE constitui motivo suficiente para pôr termo a um contrato classificado.

77      Daqui resulta que a revogação de uma CSE, na aceção da Decisão 2013/488, tem como consequência o operador económico em causa perder a autorização de acesso a ICUE para efeitos da celebração e da execução de um contrato classificado. Por conseguinte, essa revogação implica, nomeadamente, que este ficará privado da faculdade, de que dispunha antes dessa revogação, de participar na fase pré‑contratual de um contrato classificado do Conselho e de lhe ser adjudicado, por essa instituição, tal contrato se a sua proposta for selecionada. A perda desta faculdade ocorre mesmo que, à semelhança da recorrente no processo principal, esse operador económico não fosse, à data da revogação da sua CSE, contratante ou subcontratante do Conselho.

78      Por conseguinte, tal operador económico deve poder dispor, em conformidade com o artigo 47.° da Carta, do direito à ação perante um tribunal para impugnar a revogação da sua CSE, na aceção da Decisão 2013/488.

79      Em segundo lugar, no que respeita às garantias mínimas que essa ação deve dar, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a efetividade da fiscalização jurisdicional garantida pelo artigo 47.° da Carta pressupõe que o interessado possa conhecer os motivos em que se baseou a decisão tomada contra si, seja através da leitura da própria decisão seja através da comunicação destes motivos feita a seu pedido, sem prejuízo do poder do juiz competente de exigir da autoridade em causa a comunicação desses motivos, a fim de lhe permitir defender os seus direitos nas melhores condições possíveis e decidir com pleno conhecimento de causa se é útil recorrer ao juiz competente, bem como para dar a este último todas as condições para exercer a fiscalização da legalidade da decisão nacional em causa (Acórdão de 4 de junho de 2013, ZZ, C‑300/11, EU:C:2013:363, n.° 53 e jurisprudência referida).

80      Numa situação como a que está em causa no processo principal, em que a revogação de uma CSE, na aceção da Decisão 2013/488, se baseia exclusivamente na revogação de outra credenciação de segurança, a fiscalização jurisdicional da revogação dessa CSE só poderá ser efetiva uma vez que o antigo titular da referida CSE possa ter acesso aos motivos em que assenta a revogação dessa outra credenciação de segurança, uma vez que só esse acesso lhe permitirá compreender a natureza das razões que conduziram, em definitivo, à revogação da mesma CSE e, portanto, sendo caso disso, contestar essas razões.

81      É certo que pode haver considerações imperiosas de, nomeadamente, proteção da segurança do Estado ou das relações internacionais que se oponham à comunicação de todas ou de parte das informações que fundamentam a revogação dessa CSE ao antigo titular de uma CSE, na aceção da Decisão 2013/488. Nesse caso, incumbe, porém, ao órgão jurisdicional nacional competente, ao qual não pode ser oposto o segredo ou a confidencialidade destas informações, aplicar, no âmbito da fiscalização jurisdicional que exerce, técnicas que permitam conciliar, por um lado, estas considerações imperiosas com, por outro, a necessidade de garantir suficientemente ao particular a observância dos seus direitos processuais, como o direito de ser ouvido e o princípio do contraditório (v., por analogia, Acórdão de 18 de julho de 2013, Comissão e o./Kadi, C‑584/10 P, C‑593/10 P e C‑595/10 P, EU:C:2013:518, n.° 125 e jurisprudência referida).

82      Para o efeito, os Estados‑Membros têm de prever uma fiscalização jurisdicional efetiva tanto da existência e do mérito das razões invocadas pela autoridade nacional competente relativamente à segurança do Estado para recusar divulgar a totalidade ou parte das informações em que se baseia a revogação da CSE, na aceção da Decisão 2013/488, como da legalidade dessa revogação (v., por analogia, Acórdão de 4 de junho de 2013, ZZ, C‑300/11, EU:C:2013:363, n.° 58).

83      No âmbito da fiscalização jurisdicional da legalidade da revogação da CSE, na aceção da Decisão 2013/488, incumbe aos Estados‑Membros prever regras que permitam ao órgão jurisdicional encarregado da fiscalização da legalidade dessa revogação tomar conhecimento tanto do conjunto dos motivos como dos respetivos elementos de prova sobre os quais a referida revogação foi tomada (v., por analogia, Acórdão de 4 de junho de 2013, ZZ, C‑300/11, EU:C:2013:363, n.° 59).

84      Quanto às exigências que deve cumprir a fiscalização jurisdicional da existência e do mérito das razões invocadas pela autoridade nacional competente relativamente à segurança do Estado‑Membro em causa, importa que um órgão jurisdicional esteja encarregado de proceder a uma análise independente de todos os elementos de direito e de facto invocados pela autoridade nacional competente para apreciar, em conformidade com as regras processuais nacionais, se considerações imperiosas de, por exemplo, proteção da segurança do Estado ou das relações internacionais se opõem efetivamente à comunicação de todos ou de parte dos motivos em que se baseia a revogação em causa, bem como dos respetivos elementos de prova (v., por analogia, Acórdãos de 4 de junho de 2013, ZZ, C‑300/11, EU:C:2013:363, n.os 60 e 62, e de 18 de julho de 2013, Comissão e o./Kadi, C‑584/10 P, C‑593/10 P e C‑595/10 P, EU:C:2013:518, n.° 126).

85      Se esse órgão jurisdicional concluir que a segurança do Estado não se opõe à comunicação, pelo menos parcial, dos motivos ou dos elementos de prova que constituem o fundamento da revogação da CSE, na aceção da Decisão 2013/488, e que não foram inicialmente comunicados, cabe‑lhe dar à autoridade nacional competente a possibilidade de comunicar ao interessado os motivos e os elementos de prova em falta. Se essa autoridade não autorizar a comunicação dos mesmos, o referido órgão jurisdicional procede ao exame da legalidade dessa revogação com base apenas nos motivos e elementos de prova que foram comunicados (v., por analogia, Acórdãos de 4 de junho de 2013, ZZ, C‑300/11, EU:C:2013:363, n.o 63, e de 18 de julho de 2013, Comissão e o./Kadi, C‑584/10 P, C‑593/10 P e C‑595/10 P, EU:C:2013:518, n.° 127).

86      Em contrapartida, se se verificar que considerações imperiosas de, por exemplo, proteção da segurança do Estado ou das relações internacionais se opõem efetivamente à comunicação, ao interessado, de todos ou de parte dos motivos ou dos elementos de prova que constituem o fundamento da revogação da CSE, na aceção da Decisão 2013/488, a fiscalização jurisdicional da legalidade dessa revogação deve ser efetuada no âmbito de um processo que pondere adequadamente as exigências decorrentes dessas considerações imperiosas com as do direito a uma proteção jurisdicional efetiva, particularmente o direito ao respeito pelo princípio do contraditório, limitando ao mesmo tempo as eventuais ingerências nesse direito ao estritamente necessário (v., por analogia, Acórdãos de 4 de junho de 2013, ZZ, C‑300/11, EU:C:2013:363, n.o 64, e de 18 de julho de 2013, Comissão e o./Kadi, C‑584/10 P, C‑593/10 P e C‑595/10 P, EU:C:2013:518, n.° 128).

87      A este respeito, por um lado, tendo em conta a necessária observância do artigo 47.° da Carta, o referido processo deve garantir, na medida mais ampla possível, o respeito pelo princípio do contraditório, a fim de permitir ao interessado impugnar os motivos em que se baseou a revogação da CSE, na aceção da Decisão 2013/488, e apresentar observações sobre os elementos de prova a ela relativos e, portanto, fazer valer utilmente os seus meios de defesa. Para o efeito, é admissível o recurso a possibilidades como a comunicação de um resumo do teor das informações ou dos elementos de prova em causa (v., por analogia, Acórdãos de 4 de junho de 2013, ZZ, C‑300/11, EU:C:2013:363, n.o 65, e de 18 de julho de 2013, Comissão e o./Kadi, C‑584/10 P, C‑593/10 P e C‑595/10 P, EU:C:2013:518, n.° 129).

88      Em todo o caso, importa que ao interessado seja comunicado o essencial dos motivos em que se baseia a referida revogação, não podendo a proteção necessária, nomeadamente, da segurança do Estado ou das relações internacionais ter por efeito privar o interessado do direito de ser ouvido e, portanto, tornar inefetivo o direito de recorrer da mesma revogação (v., por analogia, Acórdão de 4 de junho de 2013, ZZ, C‑300/11, EU:C:2013:363, n.° 65).

89      Na eventualidade de a autoridade nacional que revogou a CSE, na aceção da Decisão 2013/488, pretender, perante o órgão jurisdicional nacional competente, invocar apenas alguns dos motivos subjacentes à revogação dessa CSE, motivos que considera suficientes para justificar essa revogação, aquela pode comunicar apenas o essencial desses motivos (v., por analogia, Acórdão de 18 de julho de 2013, Comissão e o./Kadi, C‑584/10 P, C‑593/10 P e C‑595/10 P, EU:C:2013:518, n.os 119, 127 e 130). Nesse caso, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.° 85 do presente acórdão, esse órgão jurisdicional procede ao exame da legalidade da referida revogação apenas com base nos motivos cuja essência foi comunicada.

90      Por outro lado, a ponderação do direito a uma proteção jurisdicional efetiva com a necessidade de garantir, nomeadamente, a proteção da segurança do Estado ou das relações internacionais na qual assenta a conclusão enunciada nos n.os 87 e 88 do presente acórdão não vale do mesmo modo para os elementos de prova na base dos motivos apresentados no órgão jurisdicional nacional competente. Com efeito, em certos casos, a divulgação desses elementos de prova é suscetível de comprometer de forma direta e específica, nomeadamente, a segurança do Estado, uma vez que pode, designadamente, pôr em perigo a vida, a saúde ou a liberdade de pessoas ou revelar os métodos de investigação especificamente utilizados pelas autoridades nacionais de segurança e, assim, entravar seriamente, ou até impedir, o cumprimento futuro das tarefas dessas autoridades (v., por analogia, Acórdão de 4 de junho de 2013, ZZ, C‑300/11, EU:C:2013:363, n.° 66).

91      Neste contexto, cabe ao órgão jurisdicional nacional competente apreciar se, e em que medida, a não divulgação de informações ou de elementos de prova confidenciais à pessoa em causa e a impossibilidade correlativa de esta apresentar as suas observações a seu respeito são suscetíveis de influenciar a força probatória desses elementos de prova (v., por analogia, Acórdão de 18 de julho de 2013, Comissão e o./Kadi, C‑584/10 P, C‑593/10 P e C‑595/10 P, EU:C:2013:518, n.° 129 e jurisprudência referida).

92      Nestas condições, incumbe ao órgão jurisdicional nacional competente velar por que o essencial dos motivos que constituem o fundamento da revogação da CSE, na aceção da Decisão 2013/488, seja comunicado ao interessado tendo devidamente em conta a confidencialidade necessária dos elementos de prova e, se for caso disso, retirar, nos termos do direito nacional, as consequências de um eventual incumprimento desta obrigação de comunicação (v., por analogia, Acórdão de 4 de junho de 2013, ZZ, C‑300/11, EU:C:2013:363, n.° 68).

93      À luz destas exigências decorrentes do artigo 47.° da Carta, afigura‑se, no caso em apreço, que o poder do órgão jurisdicional nacional competente de aceder a todas as informações classificadas que fundamentam a revogação da CSE, na aceção da Decisão 2013/488, referido pelo órgão jurisdicional de reenvio, constitui uma condição necessária mas insuficiente para garantir uma ação efetiva numa situação como a que está em causa no processo principal.

94      Com efeito, o respeito pelos direitos de defesa não implica somente que o órgão jurisdicional competente disponha de todos os elementos pertinentes para proferir a sua decisão mas também que a pessoa em questão, se necessário através de um advogado, possa invocar os seus interesses manifestando o seu ponto de vista sobre esses elementos (v., neste sentido, Acórdão de 22 de setembro de 2022, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság e o., C‑159/21, EU:C:2022:708, n.° 58).

95      Por outro lado, a faculdade concedida ao advogado do antigo titular da CSE de acesso, com o acordo das autoridades nacionais em causa, às informações classificadas que fundamentam a revogação da CSE, na aceção da Decisão 2013/488, não basta para garantir o respeito pelo artigo 47.° da Carta numa situação em que essas autoridades podem recusar esse acesso sem que o órgão jurisdicional nacional competente possa retirar as consequências do caráter eventualmente injustificado dessa recusa para efeitos da fiscalização da legalidade dessa revogação e em que esse advogado deve garantir a confidencialidade dessas informações, o que implica que não pode divulgar o seu teor ao seu cliente.

96      Quanto ao resto, as indicações que figuram no pedido de decisão prejudicial não permitem determinar se o órgão jurisdicional nacional competente dispõe, ao abrigo da regulamentação eslovaca, do poder de verificar se as razões invocadas pelas autoridades nacionais se opõem efetivamente à comunicação de todas ou de parte das informações classificadas que fundamentam a revogação da CSE, na aceção da Decisão 2013/488, e de retirar, sendo caso disso, as consequências de uma recusa de comunicação de uma parte dessas informações que não seja devidamente justificada.

97      Do mesmo modo, embora resulte do pedido de decisão prejudicial que a recorrente no processo principal ou o seu advogado puderam aceder às informações não classificadas e a algumas das informações classificadas em que se baseia a revogação da CSE, na aceção da Decisão 2013/488, o órgão jurisdicional de reenvio não esclareceu se as informações assim comunicadas permitiam à recorrente no processo principal dispor do essencial dos motivos dessa revogação ou, pelo menos, do essencial do ou dos motivos que a autoridade nacional competente pretendia invocar.

98      Caberá, assim, ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar em que medida a regulamentação e a prática nacionais em causa no processo principal garantem o cumprimento das exigências decorrentes do artigo 47.° da Carta, conforme resultam dos n.os 79 a 92 do presente acórdão.

99      Em terceiro lugar, no que respeita às consequências de uma eventual declaração de incompatibilidade dessa regulamentação e dessa prática com o artigo 47.° da Carta, os Estados‑Membros podem reservar à autoridade nacional competente o poder de comunicar ou não motivos ou elementos de prova classificados, desde que o órgão jurisdicional nacional chamado a conhecer do recurso da revogação de uma CSE, na aceção da Decisão 2013/488, tenha o poder de retirar as consequências da decisão que acabou por ser adotada a esse respeito por essa autoridade [v., neste sentido, Acórdão de 25 de abril de 2024, NW e PQ (Informações classificadas), C‑420/22 e C‑528/22, EU:C:2024:344, n.° 113].

100    Com efeito, tal solução é suscetível, quando a autoridade nacional competente obste de forma injustificada à comunicação da totalidade ou de parte dos elementos que fundam essa revogação, de assegurar o respeito integral pelo artigo 47.° da Carta, quando garantir que o incumprimento, por essa autoridade, das obrigações processuais que lhe incumbem não conduzirá a que a decisão judicial se baseie em factos e documentos de que o requerente não pôde ter conhecimento e sobre os quais não pôde, portanto, tomar posição [v., neste sentido, Acórdão de 25 de abril de 2024, NW e PQ (Informações classificadas), C‑420/22 e C‑528/22, EU:C:2024:344, n.° 114].

101    Por conseguinte, não se pode considerar que, para assegurar uma proteção jurisdicional efetiva na apreciação da legalidade da revogação de uma CSE, na aceção da Decisão 2013/488, seja indispensável que o órgão jurisdicional nacional chamado a conhecer do recurso interposto dessa revogação tenha o poder de comunicar ele próprio determinadas informações classificadas quando a falta de comunicação dessas informações ao antigo titular dessa CSE, eventualmente por intermédio do seu advogado, não se afigure justificada [v., por analogia, Acórdão de 25 de abril de 2024, NW e PQ (Informações classificadas), C‑420/22 e C‑528/22, EU:C:2024:344, n.° 115].

102    Em face do exposto, há que responder à segunda e terceira questões que o artigo 47.° da Carta deve ser interpretado no sentido de que:

–        por um lado, não se opõe a uma regulamentação e a uma prática nacionais por força das quais uma decisão que revoga uma CSE, na aceção da Decisão 2013/488, não indica as informações classificadas que justificam essa revogação, devido a considerações imperiosas de, por exemplo, proteção da segurança do Estado ou das relações internacionais, prevendo também que o órgão jurisdicional competente para apreciar a legalidade da referida revogação tem acesso a essas informações e que o advogado do antigo titular dessa CSE só pode ter acesso às referidas informações com o acordo das autoridades nacionais em causa e na condição de garantir a sua confidencialidade, desde que esse órgão jurisdicional assegure que a não divulgação de informações se limita ao estritamente necessário e que ao antigo titular da referida CSE é comunicado, em todo o caso, o essencial dos motivos da mesma revogação, tendo devidamente em conta a necessária confidencialidade dos elementos de prova;

–        por outro lado, na hipótese de o artigo 47.° da Carta se opor a essa regulamentação e a essa prática, o mesmo não exige que o próprio órgão jurisdicional nacional competente comunique ao antigo titular da CSE, se for caso disso por intermédio do seu advogado, algumas informações classificadas quando a falta de comunicação dessas informações a esse antigo titular ou ao seu advogado não se afigure justificada. Cabe à autoridade nacional competente fazê‑lo, se for caso disso. Se esta não autorizar essa comunicação, esse órgão jurisdicional procede ao exame da legalidade da revogação dessa CSE apenas com base nos motivos e elementos de prova que foram comunicados.

 Quanto à quarta questão

103    Tendo em conta a resposta dada à segunda e à terceira questões, não há que responder à quarta questão.

 Quanto às despesas

104    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

1)      O artigo 51.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

deve ser interpretado no sentido de que:

–        a fiscalização, por um órgão jurisdicional nacional, da legalidade de uma decisão de revogação de uma credenciação de segurança industrial que permite aceder a informações classificadas por um EstadoMembro não tem por objeto um ato constitutivo de uma aplicação do direito da União, na aceção desta disposição;

–        a fiscalização, por esse órgão jurisdicional, da legalidade de uma decisão que revoga, em consequência da revogação dessa credenciação de segurança industrial, um certificado de segurança industrial que autoriza o acesso a informações classificadas da União Europeia, em conformidade com o artigo 11.° e o anexo V da Decisão 2013/488/UE do Conselho, de 23 de setembro de 2013, relativa às regras de segurança aplicáveis à proteção das informações classificadas da União Europeia, tem por objeto um ato constitutivo de uma aplicação do direito da União, na aceção deste artigo 51.°, n.° 1.

2)      O artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais

deve ser interpretado no sentido de que:

–        por um lado, não se opõe a uma regulamentação e a uma prática nacionais por força das quais uma decisão que revoga uma credenciação de segurança de empresa, na aceção da Decisão 2013/488, não indica as informações classificadas que justificam essa revogação, devido a considerações imperiosas de, por exemplo, proteção da segurança do Estado ou das relações internacionais, prevendo também que o órgão jurisdicional competente para apreciar a legalidade da referida revogação tem acesso a essas informações e que o advogado do antigo titular dessa credenciação de segurança de empresa só pode ter acesso às referidas informações com o acordo das autoridades nacionais em causa e na condição de garantir a sua confidencialidade, desde que esse órgão jurisdicional assegure que a não divulgação de informações se limita ao estritamente necessário e que ao antigo titular da referida credenciação de segurança de empresa é comunicado, em todo o caso, o essencial dos motivos da mesma revogação, tendo devidamente em conta a necessária confidencialidade dos elementos de prova;

–        por outro lado, na hipótese de o artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais se opor a essa regulamentação e a essa prática, o mesmo não exige que o próprio órgão jurisdicional nacional competente comunique ao antigo titular da credenciação de segurança de empresa, se for caso disso por intermédio do seu advogado, algumas informações classificadas quando a falta de comunicação dessas informações a esse antigo titular ou ao seu advogado não se afigure justificada. Cabe à autoridade nacional competente fazêlo, se for caso disso. Se esta não autorizar essa comunicação, esse órgão jurisdicional procede ao exame da legalidade da revogação dessa credenciação de segurança de empresa apenas com base nos motivos e elementos de prova que foram comunicados.

Assinaturas


*      Língua do processo: eslovaco.