Language of document : ECLI:EU:T:2017:266

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

6 de abril de 2017 (*)

«Auxílios estatais — Transporte marítimo — Compensação de serviço público — Aumento de capital — Decisão que declara os auxílios incompatíveis com o mercado interno e que ordena a sua recuperação — Liquidação da empresa beneficiária — Manutenção do interesse em agir — Inexistência de inutilidade superveniente da lide — Conceito de auxílio — Serviço de interesse económico geral — Critério do investidor privado — Erro manifesto de apreciação — Erro de direito — Exceção de ilegalidade — Dever de fundamentação — Direitos de defesa — Decisão 2011/21/UE — Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação a empresas em dificuldade — Enquadramento da União aplicável aos auxílios estatais sob a forma de compensação de serviço público — Acórdão Altmark»

No processo T‑219/14,

Regione autonoma della Sardegna (Itália), representada por T. Ledda, S. Sau, G. M. Roberti, G. Bellitti e I. Perego, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por G. Conte, D. Grespan e A. Bouchagiar, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

Compagnia Italiana di Navigazione SpA, com sede em Nápoles (Itália), representada inicialmente por F. Sciaudone, R. Sciaudone, D. Fioretti e A. Neri, e em seguida por M. Merola, B. Carnevale e M. Toniolo, advogados,

interveniente,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE, destinado à anulação da Decisão C(2013) 9101 final da Comissão, de 22 de janeiro de 2014, relativa às medidas de auxílio SA.32014 (2011/C), SA.32015 (2011/C) e SA.32016 (2011/C), executadas pela Regione autonoma della Sardegna (Região Autónoma da Sardenha) a favor da Saremar, na parte em que esta decisão qualificou de auxílios estatais uma medida de compensação de serviço público e um aumento de capital, declarou essas medidas incompatíveis com o mercado interno e ordenou a sua recuperação,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção),

composto por: D. Gratsias (relator), presidente, M. Kancheva e N. Półtorak, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 20 de julho de 2016,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1.     Elementos factuais

1        A Saremar — Sardegna Regionale Marittima SpA (a seguir «Saremar») é uma sociedade, atualmente em liquidação, que assegurava, desde a sua constituição, um serviço público de cabotagem marítima entre, por um lado, a Sardenha (Itália) e as pequenas ilhas sardas e, por outro, a Sardenha e a Córsega (França). A missão de serviço público da Saremar era inicialmente regida por uma convenção vicenal celebrada em 17 de outubro de 1991 com o Estado italiano, que entrou retroativamente em vigor em 1 de janeiro de 1989 e cujo termo estava fixado para 31 de dezembro de 2008. A privatização da Saremar estava prevista pelo artigo 19.o ter do decreto‑legge 25 settembre 2009, n. 135, Disposizioni urgenti per l’attuazione di obblighi comunitari e per l’esecuzione di sentenze della Corte di giustizia delle Comunita’ europee, convertito in legge, con modifiche, dalla legge 20 novembre 2009 (Decreto‑Lei n.o 135, de 25 de setembro de 2009, que estabelece disposições urgentes com vista à implementação das obrigações comunitárias e à execução das decisões do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, convertido em lei, com alterações, pela Lei n.o 166/2009, de 20 de novembro de 2009, a seguir «Lei de 2009») (GURI n.o 223, de 25 de setembro de 2009, e GURI n.o 274, de 24 de novembro de 2009, suplemento ordinário n.o 215).

2        Inicialmente, a Saremar fazia parte do grupo Tirrenia. Originariamente, este grupo incluía também cinco outras sociedades, a saber, a Tirrenia di Navigazione SpA (a seguir «Tirrenia»), uma sociedade de cabotagem marítima com vocação nacional que assegurava, nomeadamente, as ligações entre a Sardenha e o continente, a Adriatica, a Caremar e a Siremar, sociedades de cabotagem marítima de vocação regional, e, por último, a Fintecna — Finanziaria per i Settori Industriale e dei Servizi SpA. Esta última sociedade detinha 100% do capital da Tirrenia, a qual, por seu turno, detinha a totalidade do capital das sociedades regionais acima referidas e da Saremar. O capital social da Fintecna era, por sua vez, detido integralmente pelo Estado italiano.

3        Por força do disposto no artigo 19.o ter da Lei de 2009, o capital da Saremar foi transferido, a título gratuito, para a Regione autonoma della Sardegna (a seguir «recorrente» ou «RAS»), com vista à privatização desta sociedade. As mesmas disposições previam igualmente a celebração de um novo contrato de serviço público entre a Saremar e a RAS, que devia entrar em vigor quando dessa privatização. No entanto, à data dos factos controvertidos, o processo de privatização da Saremar ainda estava em curso e o seu capital continuava a ser detido a 100% pela RAS. Por outro lado, até 31 de julho de 2012, as obrigações de serviço público da Saremar relativas às ligações referidas no n.o 1 supra foram regidas no âmbito de prorrogações sucessivas da convenção vicenal inicial celebrada com o Estado italiano. A partir de 1 de agosto de 2012, estas obrigações foram mantidas no âmbito de uma convenção celebrada entre a Saremar e a RAS e que devia produzir efeitos até à conclusão do referido processo de privatização, em conformidade com a legge regionale n. 15 del 7 agosto 2012, Disposizioni urgenti in matéria di trasporti (Lei regional n.o 15, de 7 de agosto de 2012, que estabelece disposições urgentes em matéria de transportes, a seguir «Lei regional n.o 15, de 2012») (Bollettino ufficiale della Regione autonoma della Sardegna n.o 35, de 9 de agosto de 2012, p. 5).

4        Paralelamente, a Tirrenia foi colocada à venda em 2010. Durante o seu processo de privatização, esta sociedade, que tinha entrado em processo de administração extraordinária por Decreto Presidencial de 5 de agosto de 2010, continuou a assegurar as ligações entre a Sardenha e o continente. Este processo terminou em julho de 2012 com a sua aquisição pela interveniente, a Compagnia Italiana di Navigazione SpA (a seguir «CIN»), que é um consórcio de armadores privados que operam nas mesmas ligações marítimas. Uma nova convenção foi então celebrada entre este consórcio e o Estado italiano. Por outro lado, importa precisar que, em 2011, essas ligações eram asseguradas por quatro operadores privados: a Moby, a Forship, a SNAV e a Grandi Navi Veloci.

5        A autoridade nacional da concorrência, a Autorità Garante della Concurrenza e del Mercato (Itália, a seguir «AGCM») abriu um processo de instrução na sequência de numerosas queixas relativas ao aumento das tarifas dos operadores privados em causa para o período estival de 2011. Na sua decisão de 11 de junho de 2013, a AGCM considerou que este aumento das tarifas constituía uma prática concertada em violação do artigo 101.o TFUE. Essa decisão foi anulada pelo acórdão de 29 de janeiro de 2014 do Tribunale amministrativo regionale per il Lazio (Tribunal Administrativo Regional do Lácio, Itália).

6        Foi neste contexto que, em 26 de abril de 2011, a RAS adotou a delibera n. 20/57 (Decisão regional n.o 20/57), na qual pediu à Saremar para examinar a possibilidade de efetuar, a título experimental, no período compreendido entre 15 de junho e 15 de setembro de 2011, pelo menos duas ligações entre a Sardenha e o continente. A este propósito, A RAS invocou os efeitos adversos do aumento das tarifas dos operadores privados em causa no sistema económico e social da Sardenha e a necessidade de tomar medidas urgentes a esse respeito. Nesta decisão regional, a RAS precisou que essas ligações deviam ser mistas (transporte de passageiros e frete) e ser efetuadas pelo menos duas vezes por dia e que devia ser tomada em conta a sustentabilidade da atividade no plano económico e financeiro. Em seguida, a RAS, pela delibera n. 25/69 (Decisão regional n.o 25/69), de 19 de maio de 2011, e pela delibera n. 27/4 (Decisão regional n.o 27/4), de 1 de junho de 2011, aprovou, em substância, as tarifas propostas pela Saremar relativas, por um lado, à ligação Golfo Aranci‑Civitavecchia para o período compreendido entre 15 de junho e 15 de setembro de 2011 e, por outro, à ligação Vado Ligure‑Porto Torres para o período compreendido entre 22 de junho e 15 de setembro de 2011. Estas duas últimas decisões regionais autorizaram a Saremar a introduzir variações no sistema tarifário adotado para conciliar o equilíbrio orçamental e a máxima satisfação dos consumidores.

7        Em 1 de setembro de 2011, a RAS adotou a delibera n. 36/6 (Decisão regional n.o 36/6). Nesta decisão regional, considerando que a interrupção do serviço de cabotagem marítima assegurado pela Saremar nas ligações com o continente teria o efeito de restabelecer uma situação de monopólio nessas ligações, a RAS pediu a esta sociedade para examinar, com base num plano comercial, a viabilidade de um serviço de cabotagem marítima, a título experimental, para o período compreendido entre 30 de setembro de 2011 e 30 de setembro de 2012 em pelo menos uma das três ligações seguintes: a ligação Olbia‑Livorno, a ligação Porto Torres‑Livorno e a ligação Cagliari‑Piombino. Esta decisão regional precisou que, no quadro desse exame, a Saremar devia tomar em consideração a procura de transporte, bem como a sustentabilidade no plano económico e financeiro do serviço de cabotagem.

8        Por outro lado, na mesma decisão regional, a RAS definiu as medidas a tomar para compensar os prejuízos sofridos pela Saremar no âmbito do processo de insolvência da Tirrenia. Com efeito, a Saremar tinha tido de proceder à desvalorização em 50% dos seus créditos sobre a Tirrenia, que ascendiam a 11 546 403,59 euros, e tinha, por esse facto, registado em 2010 um défice de 5 253 530, 05 euros. Por conseguinte, A RAS decidiu, por um lado, cobrir esse prejuízo reduzindo o capital da Saremar em 4 890 950,36 euros, uma vez utilizados a reserva legal e os lucros dos anos anteriores. Por outro lado, salientando que os acionistas de uma sociedade cujo capital foi reduzido em mais de um terceiro têm a obrigação, por força do artigo 2446.o do Código Civil italiano, de recapitalizar essa sociedade, a RAS decidiu proceder a um aumento de capital da Saremar, subsequentemente à redução acima referida e até ao limite do mesmo montante. Em 28 de março de 2012, a assembleia‑geral de acionistas da Saremar aprovou a referida redução de capital e, em 15 de junho de 2012, o subsequente aumento de capital (a seguir «aumento de capital controvertido»). Em 11 de julho de 2012, a mesma assembleia‑geral de acionistas procedeu ao pagamento de uma parte desse aumento de capital no montante de 824 309,69 euros.

9        Em 1 de dezembro de 2011, a RAS adotou a delibera n. 48/65 (Decisão regional n.o 48/65), pela qual deu à Saremar orientações para ativar imediatamente a ligação mista Olbia‑Civitavecchia utilizando os barcos empregues durante o verão de 2011, com base num trajeto diário e na tarifa de estação baixa aplicada em 2011, com a possibilidade de alterar esta tarifa em função da procura e do objetivo de equilíbrio orçamental. Com efeito, a RAS considerou, tendo em conta a análise fornecida pela Saremar, que só esta ligação permitia alcançar o equilíbrio financeiro. Além disso, na mesma decisão regional, a RAS previu a locação de três barcos de cruzeiro de grande capacidade para efetuar as ligações Olbia‑Civitavecchia e Porto Torres‑Vado Ligure (ou Porto Torres‑Génova) para o período compreendido entre maio e setembro de 2012. Além disso, previu a determinação pela Saremar de uma tarifa geral para todas as ligações, independentemente da época, que lhe permitisse conciliar o equilíbrio financeiro e a máxima satisfação dos consumidores. Em seguida, a RAS adotou a delibera n. 12/28 (Decisão regional n.o 12/28), de 20 de março de 2012, e a delibera n. 22/14 (Decisão regional n.o 22/14), de 22 de maio de 2012, pelas quais deu liberdade à Saremar para determinar, de entre as tarifas que esta sociedade lhe tinha submetido para o período de verão de 2012, aquelas que melhor permitam conciliar o equilíbrio orçamental e a satisfação dos objetivos de interesse público nas ligações Olbia‑Civitavecchia e Porto Torres‑Vado Ligure.

10      O artigo 1.o, n.o 3, da Lei regional n.o 15, de 2012, previu a autorização de uma despesa de 10 milhões de euros, para cobrir «o eventual défice» da Saremar resultante das ligações asseguradas por esta sociedade entre a Sardenha e o continente (a seguir «medida de compensação controvertida»). Esta última disposição foi implementada pela RAS sob a forma de dois pagamentos efetuados, por um lado, em 6 de novembro de 2012 e, por outro, em 3 de dezembro de 2012.

2.     Procedimento administrativo

11      Em 5 de outubro de 2011, a Comissão Europeia notificou a República Italiana da sua decisão de dar início ao procedimento formal de investigação, nos termos do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, relativamente a diversas medidas adotadas pelas autoridades italianas a favor das sociedades do antigo grupo Tirrenia e, mediante publicação no Jornal Oficial da União Europeia, convidou as partes interessadas a apresentarem as suas observações (JO 2012, C 28, p. 18). Esta decisão respeitava apenas às compensações de serviço público pagas pelo Estado italiano entre 2009 e 2011 e potenciais auxílios no contexto da privatização da Tirrenia e da Saremar.

12      Na sequência da adoção desta decisão, a Comissão registou novas denúncias relativas, nomeadamente, a determinadas medidas tomadas pela RAS a favor da Saremar. Em 12 de outubro de 2012, as autoridades italianas notificaram, por razões de segurança jurídica, a medida de compensação controvertida.

13      Em 19 de dezembro de 2012, a Comissão notificou as autoridades italianas da sua decisão de alargar o procedimento formal de investigação, publicado no Jornal Oficial de 22 de março de 2013 (JO 2013, C 84, p. 58). Com efeito, a Comissão considerou que as dúvidas que tinha formulado na sua decisão de dar início ao procedimento se aplicavam igualmente à compensação paga às empresas do antigo grupo Tirrenia a partir de janeiro de 2012 e, em especial, no que respeita Saremar, à medida de compensação controvertida, bem como às outras medidas de financiamento público que tinham sido concedidas a esta sociedade a partir dessa data.

14      A RAS apresentou observações sobre as medidas que tinha adotado a favor da Saremar por cartas de 13 de dezembro de 2012, 26 de fevereiro, 3 de setembro, 24 de outubro, 13 de novembro e 21 de novembro de 2013. A Saremar e os seus concorrentes também apresentaram observações. Do mesmo modo, as autoridades italianas responderam a pedidos de informações complementares da Comissão por cartas de 26 de setembro e 25 de outubro de 2013. Por último, as medidas em causa foram objeto de várias reuniões entre a Comissão, a RAS e a Saremar (24 de abril de 2012, 2 de maio, 10 de julho e 10 de outubro de 2013), bem como entre a Comissão e os denunciantes (27 de julho e 20 de novembro de 2012 e 8 de agosto de 2013).

15      Por carta de 14 de março de 2013, a RAS pediu à Comissão para separar o exame da série de medidas que tinha tomado a favor da Saremar do exame das outras medidas abrangidas pelo procedimento formal de investigação e para tratar esta série de medidas com prioridade, designadamente na perspetiva da privatização iminente da Saremar. Na sequência deste pedido, a Comissão adotou, em 22 de janeiro de 2014, a Decisão C(2013) 9101 final, relativa às medidas de auxílio SA.32014 (2011/C), SA.32015 (2011/C) e SA.32016 (2011/C), executadas pela RAS a favor da Saremar (a seguir «decisão impugnada»).

3.     Decisão impugnada

16      Como resulta do n.o 15 supra, a decisão impugnada diz respeito unicamente às medidas adotadas pela RAS a favor da Saremar.

17      Na decisão impugnada, a Comissão examinou cinco medidas: em primeiro lugar, a medida de compensação controvertida, em segundo lugar, o financiamento das atividades promocionais da Saremar, isto é, a concessão pela RAS de 3 milhões de euros em benefício da Saremar para promover o turismo na Sardenha, em terceiro lugar, a autorização concedida à Saremar para contrair um empréstimo de 3 milhões de euros e uma carta de conforto emitida pela RAS dirigida ao estabelecimento bancário em causa, em quarto lugar, uma segunda carta de conforto a favor da Saremar com vista a permitir‑lhe obter uma autorização de descoberto em conta bancária de 5 milhões de euros, e, em quinto e último lugar, o aumento de capital controvertido.

18      No que respeita à medida de compensação controvertida, a análise feita pela Comissão na decisão impugnada comportou quatro etapas.

19      Em primeiro lugar, a Comissão analisou a questão de saber se a medida de compensação controvertida constituía um auxílio na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. A este respeito, depois de ter declarado, por um lado, que a referida medida implicava uma transferência de recursos estatais (n.os 161 a 165) e, por outro, que era seletiva (n.o 166), a Comissão verificou se essa medida comportava ou não uma vantagem económica para a Saremar examinando a sua conformidade com as condições enunciadas no acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415) (a seguir «condições Altmark») (n.os 167 a 225). A Comissão começou por analisar a medida de compensação controvertida à luz da segunda condição Altmark e concluiu que esta condição não estava preenchida e que, por conseguinte, esta medida conferia uma vantagem económica à Saremar (n.os 173 a 179). Porém, a Comissão analisou a medida em causa igualmente à luz da primeira e terceira condições Altmark e concluiu que estas condições também não estavam preenchidas (n.os 180 a 219 e 220 a 224). Por último, a Comissão sublinhou que a medida em causa afetava as trocas comerciais entre os Estados‑Membros e era suscetível de falsear a concorrência e que, por conseguinte, constituía um auxílio estatal na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (n.os 246 e 247).

20      Em segundo lugar, a Comissão verificou se a medida de compensação controvertida podia ser entendida como auxílio considerado compatível e isento da obrigação de notificação prevista no artigo 108.o, n.o 3, TFUE à luz das condições da Decisão 2012/21/UE da Comissão, de 20 de dezembro de 2011, relativa à aplicação do artigo 106.o, n.o 2, TFUE aos auxílios de Estado sob forma de compensações de serviço público concedidos a certas empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral (JO 2012, L 7, p. 3, a seguir «decisão SIEG de 2011»), que dá execução à derrogação prevista no artigo 106.o, n.o 2, TFUE. Concluiu que não era esse o caso (n.os 255 a 260 da decisão impugnada).

21      Em terceiro lugar, a Comissão considerou que a Saremar preenchia as condições para ser qualificada de empresa em dificuldade, na aceção da sua Comunicação de 1 de outubro de 2004, intitulada «Orientações comunitárias relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação a empresas em dificuldade» (JO 2004, C 244, p. 2, a seguir «orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação»). Por conseguinte, a Comissão considerou que, em conformidade com o ponto 9 da sua Comunicação de 11 de janeiro de 2012, intitulada «Enquadramento da União Europeia aplicável aos auxílios estatais sob a forma de compensação de serviço público» (JO 2012, C 8, p. 15, a seguir «enquadramento SIEG de 2011»), a compatibilidade da medida de compensação controvertida devia ser apreciada à luz das mesmas orientações e do artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE. Contudo, a Comissão salientou que as condições estabelecidas nessas orientações não estavam preenchidas no caso em apreço. Daí concluiu que a referida medida constituía um auxílio incompatível (n.os 261 a 280 da decisão impugnada).

22      Em quarto lugar, a título subsidiário, a Comissão examinou no entanto, na hipótese da Saremar não constituir uma empresa em dificuldade, se a medida de compensação controvertida podia ser considerada um auxílio compatível à luz das condições do enquadramento SIEG. Tendo em conta, designadamente, as constatações que já tinha feito no âmbito da aplicação das condições Altmark e da decisão SIEG de 2011, concluiu que não era esse o caso (n.os 282 a 296 da decisão impugnada).

23      No que se refere ao aumento de capital controvertido, a Comissão considerou que estavam preenchidas as condições para qualificar esta medida de auxílio estatal (n.os 161 a 166 e 235 a 247). Em especial, declarou que, quanto à condição relativa à existência de uma vantagem económica, este aumento de capital não satisfazia o critério do investidor privado em economia de mercado (n.os 235 a 245). Em seguida, a Comissão considerou que o referido aumento de capital não preenchia os critérios previstos pelas orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação e, por conseguinte, não podia constituir um auxílio compatível ao abrigo do artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE (n.os 297 a 299).

24      Nos termos do artigo 1.o, n.o 1, da decisão impugnada, os auxílios estatais concedidos à Saremar, por um lado, sob a forma da medida de compensação controvertida e, por outro, sob a forma do aumento de capital controvertido são incompatíveis com o mercado interno e foram ilegalmente executados pelas autoridades italianas, em violação do disposto no artigo 108.o, n.o 3, TFUE. Nos termos do artigo 1.o, n.o 2, dessa decisão, o financiamento das atividades promocionais e a emissão das cartas de conforto, referidos no n.o 17 supra, não constituem auxílios estatais concedidos à Saremar. O artigo 2.o, n.o 1, da referida decisão ordena a recuperação dos auxílios incompatíveis referidos no seu artigo 1.o, n.o 1.

25      Só é objeto do presente recurso a parte da decisão impugnada relativa à medida de compensação e ao aumento de capital controvertidos. Por outro lado, esta mesma parte da referida decisão é também objeto de um recurso da Saremar, sobre o qual incide o acórdão de hoje, Saremar/Comissão (T‑220/14).

 Tramitação processual e pedidos das partes

26      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 2 de abril de 2014, a RAS interpôs o presente recurso.

27      Em 8 de julho de 2014, a Comissão apresentou a contestação.

28      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 21 de julho de 2014, a CIN pediu para intervir em apoio dos pedidos da Comissão. Por cartas de 10 de setembro de 2014, a RAS e a Comissão submeteram, cada uma na parte que lhe diz respeito, um pedido de tratamento confidencial em relação à CIN e apresentaram, para esse efeito, uma versão não confidencial dos documentos em causa. Por despacho do presidente da Oitava Secção de 10 de outubro de 2014, a intervenção da CIN foi aceite. Na falta de contestação, os pedidos de tratamento confidencial da RAS e da Comissão foram aceites.

29      A réplica e a tréplica foram apresentadas na Secretaria no Tribunal Geral, respetivamente, em 26 de setembro e em 10 de novembro de 2014.

30      O articulado de intervenção da CIN foi apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 16 de dezembro de 2014. A Comissão e a RAS apresentaram as suas observações sobre este articulado, respetivamente, em 12 de fevereiro e em 2 de março de 2015.

31      Por carta da Secretaria do Tribunal Geral de 15 de abril de 2016, as partes foram informadas da decisão do presidente do Tribunal Geral de designar, em razão do impedimento de um dos juízes da formação de julgamento, outro juiz em substituição do juiz impedido, em conformidade com o artigo 17.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

32      Por carta da Secretaria do Tribunal Geral de 21 de abril de 2016, as partes principais foram convidadas a apresentar as suas observações sobre uma eventual apensação do presente processo e do processo T‑220/14, Saremar/Comissão (v. n.o 25 supra), para efeitos da audiência e, se for caso disso, para efeitos da decisão que põe termo à instância. Por cartas de, respetivamente, 28 de abril e 10 de maio de 2016, a Comissão, por um lado, e a RAS, por outro, informaram que não tinham observações relativas a esta apensação. A Comissão pediu que, na hipótese de tal apensação, apenas fosse comunicada aos intervenientes no processo T‑220/14 a versão não confidencial das peças processuais do presente processo. Por seu turno, a RAS pediu que, em tal hipótese, fosse comunicada aos intervenientes no processo T‑220/14 uma versão não confidencial dos anexos da petição idêntica à apresentada, em 11 de junho de 2015, pela Saremar no processo T‑220/14, na sequência do despacho de 7 de maio de 2015, Saremar/Comissão (T‑220/14, não publicado, EU:T:2015:320).

33      Por despacho do presidente da Oitava Secção de 22 de junho de 2016, o presente processo e o processo T‑220/14 foram apensados para efeitos da fase oral. Sob proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral decidiu dar início à fase oral do processo e, no âmbito de uma medida de organização do processo, convidou, designadamente, a RAS e a Saremar a prestarem ao Tribunal, por escrito, informação atualizada sobre a situação económica e financeira da Saremar e, em especial, a informá‑lo se a Saremar tinha sido admitida a participar no processo de concordata preventiva e, se fosse esse o caso, das evoluções desse processo. A RAS e a Saremar responderam em 11 de julho de 2016.

34      Por carta de 30 de junho de 2016, a Grandi Navi Veloci, interveniente no processo T‑220/14, informou o Tribunal Geral de que desistia da sua intervenção. Por despacho de 19 de julho de 2016, esta parte interveniente foi cancelada do registo dos processos apensos T‑219/14 e T‑220/14.

35      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas colocadas pelo Tribunal Geral na audiência de 20 de julho de 2016. No decurso desta audiência, o debate entre as partes teve, nomeadamente, por objeto a questão da persistência do interesse em agir, por um lado, da RAS e, por outro, da Saremar no contexto da entrada em liquidação desta última. O Tribunal Geral convidou as partes a apresentarem por escrito a sua posição quanto a esta questão e a fornecerem alguns documentos a esse respeito. Em 29 de julho de 2016, as partes apresentaram as suas observações e forneceram os documentos solicitados pelo Tribunal Geral. A fase oral do processo foi encerrada por decisão de 7 de setembro de 2016.

36      A RAS conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular, «no todo ou em parte», a decisão impugnada na medida em que qualificou de auxílios estatais a medida de compensação e o aumento de capital controvertidos, declarou que estas medidas eram incompatíveis com o mercado interno e ordenou a sua recuperação;

–        declarar ilegais e inaplicáveis, por força do artigo 277.o TFUE, o artigo 4.o, alínea f), da decisão SIEG de 2011 e o ponto 9 do enquadramento SIEG de 2011;

–        condenar a Comissão nas despesas.

37      Além disso, a RAS pede ao Tribunal Geral que ordene medidas de organização do processo e diligências de instrução, na aceção dos artigos 64.o a 66.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral de 2 de maio de 1991, com vista a interrogar a Comissão e a pedir‑lhe que apresente determinados documentos sobre as questões suscitadas no âmbito da primeira e segunda partes do primeiro fundamento.

38      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a RAS nas despesas.

39      A CIN conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas, incluindo as relativas à sua intervenção.

 Questão de direito

1.     Quanto à legitimidade ativa e ao interesse em agir

40      Na audiência e no âmbito da sua carta de 29 de julho de 2016, a Comissão sustentou que, devido à liquidação em curso da Saremar, a RAS, durante o processo, deixou de ter interesse em agir. A este propósito, alega que a RAS não tem nenhuma intenção de manter a atividade económica da Saremar. Baseia‑se, a este respeito, nas observações da RAS apresentadas no âmbito do processo T‑506/14, Navi Grandi Veloci/Comissão, nas quais a RAS admitiu implicitamente que, em caso de anulação da decisão impugnada, não poderia ser posto termo à liquidação da Saremar e a atividade económica desta empresa não poderia ser retomada. A Comissão invoca igualmente declarações do presidente da RAS, reproduzidas na exposição de motivos da delibera n. 24/23 (Decisão regional n.o 24/23), de 22 de abril de 2016, junta às suas observações de 29 de julho de 2016, segundo as quais «o interesse da Administração regional na manutenção da Saremar desapareceu». Além disso, segundo a Comissão, enquanto credor da Saremar a título do pagamento dos auxílios, a RAS não tem interesse em que o montante destes últimos seja excluído do passivo da empresa. Por último, o interesse da RAS em que o acórdão do Tribunal Geral declare que ela não concedeu, no caso em apreço, um auxílio estatal incompatível revestiria, na falta de efeito concreto de tal declaração, um caráter abstrato e hipotético. Em especial, a Comissão alega que, à luz do acórdão de 16 de julho de 2013 da Corte costituzionale (Tribunal Constitucional, Itália), a RAS não pode retirar nenhum benefício «político» da anulação da decisão impugnada, por não ter competência para tomar as medidas controvertidas. Em conclusão, a Comissão refere que tal falta de interesse em agir deve levar o Tribunal Geral a declarar que não há que conhecer do mérito no caso em apreço.

41      Por seu turno, em resposta a estes argumentos, a RAS sustenta que mantém o seu interesse em agir, em razão, por um lado, da sua qualidade de poder público e, por outro, da sua qualidade de acionista única da Saremar. Segundo a RAS, as opções que tomou, enquanto poder público, para assegurar a continuidade territorial entre a Sardenha e o continente foram postas em causa na decisão impugnada, na qual a Comissão contesta a existência de uma necessidade de serviço público e a necessidade de obrigações de serviço público. Por isso, a RAS entende que tem um interesse concreto e atual em que a legalidade das suas decisões seja confirmada com a anulação da decisão impugnada. Por outro lado, alega que, se esta decisão fosse anulada, o passivo para efeitos do processo de concordata diminuiria significativamente, o que permitiria a satisfação integral dos credores e o pagamento a seu favor de um saldo de liquidação.

42      Em primeiro lugar, importa observar que a Comissão põe expressamente em causa o facto de o Tribunal Geral dever decidir do mérito do presente recurso, em razão de, no decurso da instância, a recorrente ter deixado de ter interesse em agir, mas não põe em causa a admissibilidade deste recurso. No entanto, o seu argumento relativo ao facto de a RAS não ter competência, por força do direito nacional, para adotar as medidas controvertidas suscita tanto a questão da existência da legitimidade ativa da recorrente como a questão do seu interesse em agir quando da sua interposição deste recurso. Ora, trata‑se de dois requisitos cumulativos de admissibilidade deste recurso (v. acórdão de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão, C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.o 62 e jurisprudência aí referida) que compete, em todo o caso, ao Tribunal Geral examinar oficiosamente (v. despachos de 24 de março de 2011, Internationaler Hilfsfonds/Comissão, T‑36/10, EU:T:2011:124, n.o 45 e jurisprudência aí referida, e de 4 de maio de 2012, UPS Europe e United Parcel Service Deutschland/Comissão, T‑344/10, não publicado, EU:T:2012:216, n.o 31 e jurisprudência aí referida).

43      A este respeito, resulta do artigo 263.o TFUE que existe uma nítida distinção entre o direito de recurso de anulação por parte das instituições da União e dos Estados‑Membros, previsto no segundo parágrafo deste artigo, e o das pessoas singulares e coletivas, previsto no seu quarto parágrafo. Assim, segundo a jurisprudência, o exercício deste direito de recurso, no que respeita às instituições da União e aos Estados‑Membros, é condicionado apenas pela natureza recorrível do ato cuja anulação é pedida, e não pela justificação da legitimidade ativa dessas autoridades ou do seu interesse em agir (v., neste sentido, acórdãos de 8 de setembro de 2011, Comissão/Países Baixos, C‑279/08 P, EU:C:2011:551, n.os 35 a 42, e de 20 de setembro de 2012, França/Comissão, T‑154/10, EU:T:2012:452, n.os 37 e 38).

44      Em contrapartida, por um lado, o direito de recurso das pessoas singulares e coletivas previsto no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE está sujeito à condição de lhes ser reconhecida legitimidade ativa, isto é, em conformidade com a redação desta disposição, à condição de que o seu recurso vise um ato de que sejam destinatárias ou um ato que lhes diga direta e individualmente respeito, ou ainda um ato regulamentar que lhes diga diretamente respeito e que não necessite de medidas de execução (v. acórdão de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão, C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.o 59 e jurisprudência aí referida).

45      Por outro lado, esse direito de recurso das pessoas singulares e coletivas está subordinado à existência de um interesse em agir no momento em que o recurso é interposto, o qual constitui um requisito de admissibilidade distinto da legitimidade ativa. Tal como o objeto do recurso, esse interesse em agir deve perdurar até à prolação da decisão jurisdicional, sob pena de não conhecimento do mérito da causa (v. acórdão de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão, C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.os 57, 62 e jurisprudência aí referida). Esse interesse em agir pressupõe que a anulação do ato recorrido possa, por si só, produzir consequências jurídicas e que, assim, o resultado do recurso possa proporcionar um benefício à parte que o interpôs (acórdãos de 7 de junho de 2007, Wunenburger/Comissão, C‑362/05 P, EU:C:2007:322, n.o 42, e de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão, C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.o 55). Por outro lado, o interesse em agir de um recorrente deve ser efetivo e atual e não pode dizer respeito a uma situação futura e hipotética (v. acórdão de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão, C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.o 56 e jurisprudência aí referida).

46      Em especial, os requisitos recordados nos n.os 44 e 45 aplicam‑se ao recurso de anulação de uma entidade infraestatal de um Estado‑Membro, que pode ser interposto com fundamento no quarto parágrafo do artigo 263.o TFUE, na medida em que o direito interno do Estado‑Membro em causa reconheça a essa entidade personalidade jurídica (v., neste sentido, acórdão de 10 de setembro de 2009, Comissão/Ente per le Ville Vesuviane e Ente per le Ville Vesuviane/Comissão, C‑445/07 P e C‑455/07 P, EU:C:2009:529, n.o 42 e jurisprudência aí referida).

47      No que respeita, antes de mais, à legitimidade ativa, resulta da jurisprudência em matéria de auxílios estatais que se pode considerar que uma decisão da Comissão, que se pronuncia sobre a compatibilidade e a legalidade de um auxílio instituído por um Estado‑Membro, em certas circunstâncias, diz direta e individualmente respeito a uma entidade infraestatal desse Estado destinatária dessa decisão. Por um lado, a decisão impugnada diz diretamente respeito a essa entidade quando seja suscetível de ter uma incidência direta sobre os atos que concedem os auxílios controvertidos que a mesma adotou, bem como sobre as suas obrigações em matéria de recuperação desses auxílios, sem que as autoridades nacionais a que a decisão impugnada foi notificada tenham um poder de apreciação a esse respeito. Por outro lado, deve considerar‑se que a decisão impugnada diz individualmente respeito a esta entidade, uma vez que é a autora do ou dos atos visados por essa decisão e que esta a impede de exercer como entende as suas competências próprias, de modo que o seu interesse em contestar essa decisão é assim distinto do interesse Estado‑Membro em causa (v., neste sentido e por analogia, acórdãos de 15 de junho de 1999, Regione Autonoma Friuli‑Venezia Giulia/Comissão, T‑288/97, EU:T:1999:125, n.os 30 a 34, e de 9 de setembro de 2014, Hansestadt Lübeck/Comissão, T‑461/12, não publicado, EU:T:2014:758, n.o 34).

48      No caso em apreço, por um lado, no que se refere à afetação direta dos interesses da RAS, não resulta de nenhum documento dos autos que o Estado italiano, ao qual a decisão impugnada foi notificada, tenha exercido o seu poder de apreciação quando da transmissão desta decisão à recorrente. Esta decisão é assim suscetível de afetar diretamente os direitos e as obrigações da RAS, no que respeita aos auxílios controvertidos. Por outro lado, no que se refere à afetação individual desses interesses, há que salientar que, como resulta das decisões regionais e da Lei regional n.o 15, de 2012, referidas nos n.os 6 a 10 supra, os auxílios controvertidos foram concedidos pela RAS por sua própria iniciativa e no âmbito das suas competências próprias, tanto na qualidade de autoridade regional encarregada de zelar pela proteção dos interesses socioeconómicos no território da Sardenha como na qualidade de autoridade pública encarregada da gestão económica e financeira da Saremar, designadamente com vista à sua privatização. Por outro lado, não resulta dos documentos dos autos que o Estado italiano tenha intervindo no âmbito da concessão desses auxílios ou tenha o poder de determinar os interesses da RAS a esse respeito. Por conseguinte, afigura‑se que a decisão impugnada diz direta e individualmente respeito à RAS e que esta dispõe, por conseguinte, de legitimidade para agir contra esta decisão.

49      Contudo, como resulta do n.o 45 supra, estas circunstâncias, embora sejam suficientes para estabelecer a legitimidade ativa da RAS, não demonstram necessariamente o seu interesse em agir (v., neste sentido e por analogia, acórdão de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão, C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.o 62). Com efeito, é necessário, além disso, que a anulação da decisão impugnada possa, por si só, produzir consequências jurídicas para a RAS e que, assim, o resultado do presente recurso lhe possa proporcionar um benefício.

50      A este respeito, basta assinalar que, à data da interposição do recurso, a decisão impugnada prejudicava a RAS, na medida em que a Comissão declarou incompatíveis e ilegais os auxílios controvertidos e ordenou a sua recuperação. Assim, nessa data, a RAS era suscetível de retirar um benefício da anulação da decisão impugnada. Com efeito, pelo simples facto dessa anulação, as consequências jurídicas dessa decisão sobre a validade dos atos da RAS que concederam os auxílios controvertidos e as obrigações que daí decorrem para ela, isto é, a proibição de implementar esses atos e a obrigação de recuperação dos auxílios em causa, deixariam automaticamente de se lhe impor e a sua situação jurídica seria necessariamente alterada (v., neste sentido e por analogia, acórdão de 4 de março de 2009, Tirrenia di Navigazione e o./Comissão, T‑265/04, T‑292/04 e T‑504/04, não publicado, EU:T:2009:48, n.os 69 e 70).

51      É certo que, como referido no n.o 40 supra, a Comissão considera que a RAS não poderia retirar qualquer benefício «político» da anulação da decisão impugnada, na medida em que não tinha competência para tomar as medidas objeto dessa decisão. Com efeito, segundo a Comissão, o acórdão de 16 de julho de 2013 da Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) decidiu a favor do Estado italiano a questão de saber qual era a autoridade competente para determinar as obrigações de serviço público nas ligações entre a Sardenha e o continente. Por conseguinte, a posição da Comissão equivale a considerar, em substância, que, à luz desse acórdão da Corte costituzionale (Tribunal Constitucional), só o Estado italiano tinha competência para implementar o serviço público de cabotagem instituído pela RAS em 2011 e 2012 e adotar a correspondente medida de compensação controvertida.

52      No entanto, por um lado, importa sublinhar que, segundo jurisprudência constante, não compete às instituições da União, em particular, aos órgãos jurisdicionais da União, pronunciar‑se sobre a repartição das competências decorrente das normas institucionais de direito interno entre as diferentes entidades nacionais e sobre as obrigações que lhes incumbem respetivamente (despacho de 21 de março de 1997, Région wallonne/Comissão, C‑95/97, EU:C:1997:184, n.o 7, e acórdão de 15 de junho de 1999, Regione Autonoma Friuli‑Venezia Giulia/Comissão, T‑288/97, EU:T:1999:125, n.o 48).

53      Por outro lado, e em todo o caso, não se pode deixar de observar que o argumento da Comissão não põe de modo algum em causa as considerações expostas nos n.os 47 a 50 supra, relativas à legitimidade ativa e ao interesse em agir da recorrente. Quanto à legitimidade ativa, como exposto no n.o 48 supra, o Tribunal Geral não pode deixar de declarar que os auxílios em causa foram pagos pela RAS por sua própria iniciativa e para exercer as suas competências próprias e que o Estado italiano não interveio a esse respeito, pelo que o interesse da RAS em contestar a decisão impugnada é distinto do interesse deste último. Consequentemente, o Tribunal Geral não necessita de interpretar o acórdão de 16 de julho de 2013 da Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) para verificar se, no que respeita à medida de compensação controvertida, a RAS dispunha efetivamente, como alega, de competência para instituir, a título da continuidade territorial, o seu próprio serviço de cabotagem marítima entre a Sardenha e a península italiana. Quanto ao interesse em agir, resulta do n.o 50 supra que a decisão impugnada prejudica a recorrente e que esta pode, portanto, retirar da sua anulação um benefício jurídico. Por conseguinte, a circunstância de não poder retirar daí um benefício «político» pelas razões expostas pela Comissão é irrelevante. Por outro lado, a Comissão não sustenta que o acórdão da Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) acima referido põe em causa a competência da RAS para conceder o aumento de capital controvertido.

54      Em segundo lugar, importa verificar se, como sustenta a Comissão, a RAS deixou de ter interesse em agir no decurso da instância pelo facto de a Saremar ter entrado em liquidação.

55      A este respeito, resulta das explicações e dos documentos apresentados no Tribunal Geral pelas partes em 11 e 29 de julho de 2016 que, na impossibilidade de restituir a parte dos auxílios controvertidos já paga, a Saremar pediu para ser admitida a participar no processo de concordata preventiva com vista à sua liquidação, concordata preventiva que foi homologada pelo Tribunale di Cagliari (Tribunal de Cagliari, Itália) em 22 de julho de 2015. Esta concordada preventiva prevê a satisfação dos credores da Saremar mediante a venda e a liquidação de todos os seus bens. A frota da Saremar foi cedida em 30 de dezembro de 2015 e esta sociedade cessou a sua atividade em 31 de março de 2016, tendo a RAS atribuído, em 18 de março de 2016, a concessão da ligação entre a Sardenha e as pequenas ilhas sardas a outra sociedade. Por outro lado, na sua resposta de 11 de julho de 2016, a RAS informou que a Saremar se encontrava num estádio avançado da fase de liquidação do processo de concordata preventiva, na medida em que todos os credores privilegiados tinham sido ressarcidos e que estava previsto proceder, nos meses seguintes, a uma primeira repartição substancial entre os credores quirografários.

56      No entanto, há que declarar que, não obstante a liquidação da Saremar, a RAS manteve o interesse em agir.

57      Com efeito, por um lado, importa salientar que a decisão impugnada não foi revogada ou retirada, pelo que o presente recurso mantém o seu objeto (v., neste sentido, acórdão de 7 de junho de 2007, Wunenburger/Comissão, C‑362/05 P, EU:C:2007:322, n.o 48).

58      Por um lado, a decisão impugnada continua a produzir efeitos jurídicos em relação à RAS, os quais não caducaram pelo simples facto de a Saremar ter entrado em liquidação. A este respeito, a Comissão não contesta que, como foi referido na audiência pela RAS e pela Saremar, a liquidação desta última não teve por efeito o seu desaparecimento, que só pode ocorrer no termo do processo de liquidação. Ora, mesmo admitindo que, na sequência do desaparecimento da Saremar, as obrigações decorrentes da decisão impugnada deixarão de ter um conteúdo concreto para a RAS, esse não é, de qualquer forma, o caso na fase da sua liquidação. Importa acrescentar que o Tribunal Geral não foi informado, até à data, de que o processo de liquidação da Saremar tinha chegado ao seu termo.

59      Assim, devido a essa decisão, a RAS continua a não poder pagar à Saremar a parte do aumento de capital controvertido a que, como decorre da ata da assembleia‑geral de acionistas da Saremar de 11 de julho de 2012 anexada à petição, esta autoridade pública não tinha procedido devido à notificação desta operação à Comissão.

60      Por outro lado, no que se refere à parte dos auxílios controvertidos que já foi paga pela RAS à Saremar, resulta de jurisprudência constante que a mera circunstância de a empresa ser objeto de um processo de insolvência, nomeadamente quando este processo conduz à liquidação da empresa, não põe em causa o princípio da recuperação do auxílio. Com efeito, nesse caso, a reposição da situação anterior e a eliminação da distorção da concorrência resultante dos auxílios concedidos ilegalmente podem, em princípio, ser levadas a cabo através da inclusão, no passivo da empresa em liquidação, de uma obrigação relativa à restituição dos auxílios em causa (v. acórdão de 1 de julho de 2009, KG Holding e o./Comissão, T‑81/07 a T‑83/07, EU:T:2009:237, n.os 192, 193 e jurisprudência aí referida). Por conseguinte, a RAS continua, pelo menos, obrigada a certificar‑se de que os créditos que detém sobre a Saremar a título da parte já paga dos auxílios controvertidos sejam inscritos no passivo desta sociedade.

61      Nestas condições, sem que seja necessário examinar os argumentos da RAS, há que salientar que a entrada em liquidação da Saremar não põe em causa a conclusão a que se chegou no n.o 50 supra, segundo a qual a anulação da decisão impugnada seria suscetível de proporcionar um benefício à recorrente, uma vez que as obrigações decorrentes dessa decisão deixariam então automaticamente de se lhe impor e que a sua situação jurídica seria necessariamente alterada.

62      Os argumentos da Comissão não podem pôr em causa estas considerações.

63      Por um lado, resulta claramente destas considerações que a questão de saber se a Saremar pode prosseguir ou não a sua atividade económica e, por via de consequência, a questão de saber se a RAS tem um interesse na prossecução desta atividade não têm incidência sobre a manutenção do interesse em agir da recorrente. Com efeito, resulta dos n.os 57 a 60 supra que o que importa a este respeito é que, por um lado, a decisão impugnada mantém um objeto e, por outro, continua a produzir efeitos jurídicos em relação à RAS e às decisões por esta adotadas enquanto autoridade pública. É por esta razão que as declarações da RAS no contexto do processo T‑506/14, Grandi Navi Veloci/Comissão, e as do presidente da RAS, reproduzidas na exposição de motivos da Decisão regional n.o 24/23 (v. n.o 40 supra), invocadas pela Comissão, não são pertinentes no caso em apreço. Acresce que, contrariamente ao que a Comissão sustenta, ao manter, apesar dessas declarações, o presente recurso, a RAS não viola o princípio segundo o qual ninguém pode contestar o que anteriormente reconheceu (nemo potest venire contra factum proprium).

64      Por outro lado, como resulta dos n.os 47 a 61 supra, não é na qualidade de credor da Saremar, mas na qualidade de autoridade pública que concede os auxílios controvertidos, que a RAS tem o direito de interpor o presente recurso. Por conseguinte, é irrelevante a circunstância de não ter interesse na anulação da decisão impugnada enquanto credor da Saremar, devido à entrada em liquidação desta última.

65      Por último, pelas razões expostas nos n.os 52 e 53 supra, o argumento da Comissão relativo à alegada incompetência da RAS para conceder a medida de compensação controvertida não pode ser acolhido.

66      Resulta das considerações precedentes que a RAS mantém um interesse em agir no âmbito do presente recurso e que, por conseguinte, há que decidir do mérito.

2.     Quanto ao mérito

67      O recurso divide‑se em duas partes, a primeira destinada à anulação da decisão impugnada, na medida em que a Comissão declarou incompatível com o mercado interno e ilegalmente executada a medida de compensação controvertida, e a segunda destinada à anulação desta decisão, na medida em que a Comissão declarou incompatível e ilegal o aumento de capital controvertido.

 Quanto à primeira parte do recurso, relativa à parte da decisão impugnada respeitante à medida de compensação controvertida

68      Contra a parte da decisão impugnada respeitante à medida de compensação controvertida, a recorrente invoca cinco fundamentos, relativos, no essencial, a erros de direito e a erros manifestos de apreciação. O primeiro fundamento diz respeito à identificação das obrigações de serviço público impostas à Saremar, o segundo, à aplicação das condições Altmark, o terceiro, à aplicação da Decisão 2005/842/CE da Comissão, de 28 de novembro de 2005, relativa à aplicação das disposições do artigo [106.o, n.o 2, TFUE] aos auxílios estatais sob a forma de compensação de serviço público concedidos a certas empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral (JO 2005, L 312, p. 67, a seguir «decisão SIEG de 2005») e da decisão SIEG de 2011, o quarto, à qualificação da Saremar de empresa em dificuldade, e o quinto, à aplicação dos princípios do enquadramento SIEG de 2011.

69      A este propósito, saliente‑se que estes fundamentos dizem respeito, no essencial, à legalidade substantiva da decisão impugnada. No entanto, no âmbito destes fundamentos, a RAS alega igualmente que a decisão impugnada está viciada de falta de fundamentação. De igual modo, no âmbito do quarto fundamento, a RAS invoca uma violação dos direitos de defesa resultante da circunstância de não ter sido debatida, durante o procedimento administrativo, a questão de saber se a Saremar era uma empresa em dificuldade. Consequentemente, importa considerar que, na realidade, a RAS suscita, a este propósito, um sexto fundamento distinto dos fundamentos de mérito acima referidos, o qual diz respeito à violação de formalidades essenciais e comporta duas partes relativas, por um lado, à violação do dever de fundamentação e, por outro, à violação dos direitos de defesa. Este fundamento deve ser examinado separadamente (v., neste sentido, acórdão de 5 de dezembro de 2013, Comissão/Edison, C‑446/11 P, não publicado, EU:C:2013:798, n.o 20 e jurisprudência aí referida).

70      O Tribunal Geral considera oportuno examinar, em primeiro lugar, o sexto fundamento, depois, em segundo lugar, o segundo a quinto fundamentos e, em terceiro lugar, o primeiro fundamento.

 Quanto ao sexto fundamento, relativo à violação de formalidades essenciais

–       Quanto à primeira parte, relativa à violação do dever de fundamentação da decisão impugnada

71      Em apoio da primeira parte do sexto fundamento, a RAS alega, no essencial, cinco argumentos. Antes de mais, há que examinar conjuntamente os dois primeiros argumentos.

72      O primeiro argumento é relativo ao facto de a identificação das obrigações de serviço público impostas à Saremar na decisão impugnada estar insuficientemente fundamentada. O segundo argumento é relativo ao facto de a Comissão não ter fundamentado a sua decisão de não tomar em conta as provas fornecidas pela RAS para demonstrar a necessidade das obrigações de serviço público impostas à Saremar e o caráter suficientemente claro da sua definição.

73      A este respeito, saliente‑se que estes dois argumentos respeitam à fundamentação da parte da decisão impugnada relativa ao exame da medida de compensação controvertida à luz da primeira condição Altmark. Ora, como será exposto nos n.os 123 a 132 infra, esta parte da decisão impugnada não era indispensável para permitir à Comissão concluir que a referida medida de compensação não respeitava as condições Altmark, uma vez que pôde concluir, acertadamente, que a segunda dessas condições não estava preenchida. Consequentemente, os alegados erros da Comissão no âmbito da aplicação da primeira condição Altmark não têm incidência na legalidade da decisão impugnada. Por conseguinte, sem que seja necessário verificar se o primeiro argumento satisfaz os requisitos de admissibilidade definidos no artigo 44.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal Geral de 2 de maio de 1991, aplicável à data da interposição do recurso, há que considerar que os dois argumentos em causa são inoperantes e devem ser rejeitados.

74      O terceiro argumento diz respeito à falta de fundamentação dos n.os 255 a 260 da decisão impugnada, nos quais a Comissão examinou a compatibilidade da medida de compensação controvertida à luz das condições previstas na decisão SIEG de 2011 e na decisão SIEG de 2005.

75      Em primeiro lugar, segundo jurisprudência constante, a exigência prevista no artigo 44.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento de Processo de 2 de maio de 1991, segundo a qual a petição inicial deve conter, além da indicação do objeto do litígio, os fundamentos e argumentos invocados e uma exposição sumária dos referidos fundamentos, deve ser interpretada no sentido de que, sob pena de inadmissibilidade dos referidos fundamentos, a petição deve explicitar em que consistem, pelo que a sua simples enunciação abstrata não satisfaz as exigências deste regulamento. São requeridas exigências análogas no que respeita a um argumento apresentado em apoio de um fundamento (v., neste sentido, acórdãos de 14 de fevereiro de 2012, Itália/Comissão, T‑267/06, não publicado, EU:T:2012:69, n.o 35, e de 12 de setembro de 2013, Besselink/Conselho, T‑331/11, não publicado, EU:T:2013:419, n.os 37 a 41 e jurisprudência aí referida).

76      Ora, no caso em apreço, importa salientar que a recorrente não precisa o conteúdo do terceiro argumento. Com efeito, limita‑se a invocar no título do seu terceiro argumento, relativo aos erros cometidos pela Comissão nos n.os 255 a 260 da decisão impugnada, uma «violação do artigo 296.o TFUE», sem especificar de modo nenhum em que é que consiste essa violação. Consequentemente, nos termos do artigo 44.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento de Processo de 2 de maio de 1991, este argumento é inadmissível.

77      O quarto argumento é relativo, em substância, ao facto de a Comissão não ter precisado, no n.o 269 da decisão impugnada, se considerou que a atribuição de uma compensação de serviço público a uma empresa em dificuldade estava excluída por princípio.

78      A este propósito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, a fundamentação exigida pelo artigo 296.o TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e deve deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição autora do ato, por forma a permitir aos interessados conhecerem as razões da medida adotada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos motivos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas a que o ato diga direta e individualmente respeito possam ter em obter explicações. Não se exige que a exposição de motivos especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.o TFUE deve ser apreciada à luz não só da sua redação mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v. acórdão de 28 de janeiro de 2016, Eslovénia/Comissão, T‑507/12, não publicado, EU:T:2016:35, n.o 23 e jurisprudência aí referida).

79      Por último, em matéria de auxílios estatais, a correlação necessária entre os motivos invocados pelos interessados durante o procedimento formal de investigação e a fundamentação da decisão da Comissão não pode impor que esta seja obrigada a rebater cada um dos argumentos aduzidos em apoio desses motivos. Basta‑lhe expor os factos e as considerações jurídicas que revestem uma importância essencial na economia da decisão (v. acórdão de 28 de janeiro de 2016, Eslovénia/Comissão, T‑507/12, não publicado, EU:T:2016:35, n.o 25 e jurisprudência aí referida).

80      No caso em apreço, não era indispensável que a Comissão precisasse, no n.o 269 da decisão impugnada, se considerava que a atribuição de uma compensação de serviço público a uma empresa em dificuldade estava excluída por princípio. Com efeito, bastava, como é aliás o caso desse número da decisão impugnada, que indicasse que, em conformidade com o ponto 9 do enquadramento SIEG de 2011 e tendo em conta a não satisfação das condições da decisão SIEG de 2011 no caso em apreço, a compatibilidade da referida compensação devia ser avaliada à luz das orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação. Assim, esta afirmação deixa transparecer claramente os elementos de direito determinantes que levaram a Comissão a considerar necessária, no caso em apreço, a aplicação das referidas orientações. Consequentemente, a Comissão não necessitava de detalhar mais os postulados teóricos em que assentava o seu raciocínio, uma vez que o n.o 269 da decisão impugnada permite, por um lado, à RAS compreender esse raciocínio e discutir os referidos postulados no âmbito do presente recurso, em especial no quadro do quarto argumento, e, por outro, ao Tribunal Geral exercer a sua fiscalização. Por conseguinte, o quarto argumento deve ser julgado improcedente.

81      O quinto argumento é relativo, em substância, ao facto de a Comissão não ter fundamentado a aplicação ao presente caso dos princípios previstos nos pontos 14, 19, 20, 39 e 60 do enquadramento SIEG de 2011, quando, por força do ponto 61 do mesmo enquadramento, estes princípios não são aplicáveis à medida de compensação controvertida.

82      A este respeito, basta observar, como faz a Comissão na contestação, que o presente argumento assenta na premissa de que a compensação de serviço público controvertida preenche as condições enunciadas no artigo 2.o, n.o 1, da decisão SIEG de 2011 e que, por isso, em conformidade com o ponto 61 do enquadramento SIEG de 2011, os pontos 14, 19, 20, 39 e 60 desse enquadramento não eram aplicáveis à referida compensação. Ora, numa parte anterior da decisão impugnada, a saber, nos seus n.os 255 a 260, a Comissão expôs as razões pelas quais considerava que as condições de aplicação da decisão SIEG de 2011 não estavam preenchidas no caso em apreço. Por conseguinte, a Comissão não tinha de justificar ulteriormente por que razão analisava a compensação controvertida à luz dos requisitos estabelecidos nos pontos 14, 19, 20, 39 e 60 do enquadramento SIEG de 2011.

83      Nestas condições, o quinto argumento deve ser afastado e, por conseguinte, há que rejeitar a primeira parte do sexto fundamento na sua totalidade.

–       Quanto à segunda parte, relativa à violação dos direitos de defesa

84      A RAS sustenta que a Comissão qualificou a Saremar de empresa em dificuldade pela primeira vez na decisão impugnada. Segundo a RAS, esta questão nunca foi objeto de um debate contraditório durante o procedimento administrativo.

85      A Comissão responde que os direitos de defesa da recorrente durante o procedimento administrativo não podem ser invocados no caso em apreço.

86      A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, os interessados, na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, têm, no procedimento relativo ao controlo dos auxílios de Estado, apenas a faculdade de enviar à Comissão todas as informações destinadas a esclarecer esta instituição na sua ação futura, não podendo exigir a participação num debate contraditório com a Comissão, como o que é aberto em benefício do Estado‑Membro em causa. Entre os interessados, na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, figuram não apenas os beneficiários do auxílio ou, se for caso disso, os seus concorrentes mas também as entidades territoriais infraestatais que concederam o auxílio, como a RAS no caso em apreço (v., neste sentido, acórdãos de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido, C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.o 181 e jurisprudência aí referida, e de 12 de maio de 2011, Région Nord‑Pas‑de‑Calais e Communauté d’Agglomération du Douaisis /Comissão, T‑267/08 e T‑279/08, EU:T:2011:209, n.o 87 e jurisprudência aí referida). Consequentemente, no caso em apreço, o facto de não ter havido nenhum debate contraditório entre a RAS e a Comissão durante o procedimento formal de investigação relativamente à questão de saber se a Saremar devia ser qualificada de empresa em dificuldade não pode ser constitutivo de uma violação dos direitos de defesa da recorrente. Em todo o caso, como a Comissão sublinhou com razão, a decisão de dar início ao procedimento formal de investigação, nos seus considerandos 260 e 261, fazia referência expressa à hipótese de que a Saremar era uma empresa em dificuldade e informava que a Comissão não dispunha nesse momento de indicações a esse respeito. Competia assim à RAS, no decurso desse procedimento, fazer uso da faculdade que lhe era concedida de apresentar observações e informações sobre essa questão, se o considerasse necessário.

87      Por conseguinte, há que rejeitar a segunda parte do sexto fundamento e, consequentemente, o sexto fundamento na sua totalidade.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE e do artigo 106.o, n.o 2, TFUE, bem como a erros manifestos de apreciação cometidos pela Comissão na aplicação das condições Altmark

88      O segundo fundamento diz respeito à aplicação das três primeiras condições Altmark efetuada pela Comissão nos n.os 167 a 224 da decisão impugnada. Este fundamento é composto por cinco partes. As três primeiras partes são relativas à primeira condição Altmark, enquanto a quarta e quinta partes são relativas, respetivamente, à segunda e terceira destas condições. A RAS considera, em substância, que os erros manifestos de apreciação cometidos pela Comissão no âmbito da aplicação destas condições são constitutivos de uma violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE e do artigo 106.o, n.o 2, TFUE.

89      A título preliminar, importa salientar que cabe ao Tribunal Geral examinar quanto ao mérito a argumentação da RAS em apoio das diferentes partes do segundo fundamento unicamente à luz de uma alegada violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE e não à luz de uma alegada violação do artigo 106.o, n.o 2, TFUE. Com efeito, as condições Altmark têm por único objetivo a qualificação da medida em causa de auxílio estatal, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, para efeitos da determinação da existência de uma obrigação de notificação dessa medida à Comissão, na hipótese de um auxílio novo, ou de cooperação com essa instituição, no caso de um auxílio existente (v., neste sentido e por analogia, acórdão de 1 de julho de 2010, M6 e TF1/Comissão, T‑568/08 e T‑573/08, EU:T:2010:272, n.os 128, 129 e jurisprudência aí referida). Em contrapartida, essas condições não são relativas à determinação da compatibilidade desse auxílio à luz do artigo 106.o, n.o 2, TFUE, determinação essa que implica, por definição, que a medida tenha sido, previamente, qualificada de auxílio estatal. Por conseguinte, o presente fundamento é inoperante na parte em que é relativo à violação do artigo 106.o, n.o 2, TFUE.

90      Por outro lado, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, a qualificação de auxílio estatal impõe que todos os requisitos referidos no artigo 107.o, n.o 1, TFUE estejam preenchidos. Estes requisitos são os seguintes: em primeiro lugar, deve tratar‑se de uma intervenção do Estado ou por meio de recursos estatais, em segundo lugar, essa intervenção deve ser suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, em terceiro lugar, deve conceder uma vantagem ao seu beneficiário, em quarto lugar, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (v. acórdão de 22 de outubro de 2015, EasyPay e Finance Engineering, C‑185/14, EU:C:2015:716, n.o 35 e jurisprudência aí referida).

91      Assim, para efeitos da qualificação de auxílio estatal, o artigo 107.o, n.o 1, TFUE pressupõe, nomeadamente, a existência de uma vantagem concedida a uma empresa. Ora, como o Tribunal de Justiça declarou no n.o 87 do acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415), não está abrangida pelo artigo 107.o, n.o 1, TFUE uma intervenção estatal considerada uma compensação que representa a contrapartida de prestações efetuadas pelas empresas beneficiárias para cumprirem obrigações de serviço público, de forma que essas empresas não beneficiam, na realidade, de uma vantagem financeira, e, portanto, a referida intervenção não tem por efeito colocar essas empresas numa posição concorrencial mais favorável tendo em conta as empresas que lhes fazem concorrência (acórdãos de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, C‑280/00, EU:C:2003:415, n.o 87, e de 22 de outubro de 2015, EasyPay e Finance Engineering, C‑185/14, EU:C:2015:716, n.o 45).

92      Contudo, para que num caso concreto tal compensação possa escapar à qualificação de auxílio estatal, deve estar reunido um determinado número de condições. Em primeiro lugar, a empresa beneficiária foi efetivamente incumbida do cumprimento de obrigações de serviço público e estas obrigações foram claramente definidas. Em segundo lugar, os parâmetros com base nos quais é calculada a compensação foram estabelecidos previamente, de forma objetiva e transparente, a fim de evitar que aquela comporte uma vantagem económica suscetível de favorecer a empresa beneficiária em relação a empresas concorrentes. Em terceiro lugar, a compensação não ultrapassa o que é necessário para cobrir total ou parcialmente os custos ocasionados pelo cumprimento das obrigações de serviço público, tendo em conta as receitas obtidas, assim como um lucro razoável relativo à execução destas obrigações. Em quarto lugar, quando a escolha da empresa a encarregar do cumprimento de obrigações de serviço público não seja efetuada através de um processo de concurso público, o nível da compensação necessária foi determinado com base numa análise dos custos que uma empresa média, bem gerida e adequadamente equipada para poder satisfazer as exigências de serviço público requeridas, teria suportado para cumprir estas obrigações, tendo em conta as respetivas receitas assim como um lucro razoável relativo à execução destas obrigações (acórdãos de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, C‑280/00, EU:C:2003:415, n.os 88 a 93, e de 11 de março de 2009, TF1/Comissão, T‑354/05, EU:T:2009:66, n.o 128).

93      Por conseguinte, uma intervenção estatal que não preencha uma ou várias das condições Altmark é suscetível de ser considerada um auxílio estatal na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, desde que as outras condições para a qualificação de auxílio, previstas neste artigo, estejam preenchidas (v., neste sentido, acórdãos de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, C‑280/00, EU:C:2003:415, n.o 94, e de 11 de março de 2009, TF1/Comissão, T‑354/05, EU:T:2009:66, n.o 129).

94      Resulta do exposto que as condições Altmark, que devem estar reunidas para que uma intervenção estatal sob a forma de uma compensação de serviço público possa escapar à qualificação de auxílio estatal, são cumulativas. Além disso, estas condições são distintas umas das outras e prosseguem a sua finalidade própria (acórdão de 18 de fevereiro de 2016, Alemanha/Comissão, C‑446/14 P, não publicado, EU:C:2016:97, n.o 31). Assim, no âmbito do controlo dos auxílios estatais, a Comissão não é obrigada a examinar todas estas condições se constatar que uma ou várias de entre elas não estão preenchidas (v., neste sentido, acórdão de 11 de março de 2009, TF1/Comissão, T‑354/05, EU:T:2009:66, n.os 142, 143 e 146). Da mesma forma, o caráter errado da conclusão da Comissão de que uma destas condições não está preenchida não pode levar à anulação da decisão impugnada se, por outro lado, a Comissão chegar a uma conclusão análoga relativamente a outra destas condições que está isenta de erro. Com efeito, esta última conclusão é, por si só, suficiente para declarar que a medida controvertida confere uma vantagem económica suscetível de implicar a sua qualificação de auxílio estatal (v., neste sentido, acórdão de 26 de novembro de 2015, Abertis Telecom e Retevisión I /Comissão, T‑541/13, não publicado, atualmente objeto de recurso, EU:T:2015:898, n.os 64 e 112).

95      Nestas condições, afigura‑se adequado, no caso em apreço, examinar conjuntamente as diferentes partes do presente fundamento. Com efeito, cada uma destas partes é relativa a uma das condições Altmark e, consequentemente, nenhuma delas é adequada a implicar, por si só, a anulação da decisão impugnada.

96      Por outro lado, como resulta do n.o 173 da decisão impugnada, a Comissão considerou que, por razões de clareza, era mais adequado começar o seu exame do respeito das condições Altmark pela medida de compensação controvertida analisando esta última à luz da segunda dessas condições. Além disso, no n.o 179 da referida decisão, concluiu esta análise considerando que essa condição não estava preenchida e que, consequentemente, a compensação de serviço público conferia uma vantagem à Saremar na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Foi apenas após esta análise que a Comissão analisou sucessivamente a primeira (n.os 180 a 219 da decisão impugnada) e terceira condições Altmark (n.os 220 a 223 da decisão impugnada). Assim, há que examinar, em primeiro lugar, os argumentos da RAS relativos aos erros de direito e de apreciação cometidos pela Comissão no âmbito da aplicação da segunda condição Altmark, expostos em apoio da quarta parte do presente fundamento.

97      A RAS sustenta, em substância, que a segunda condição Altmark não exige que as decisões que conferem um mandato de serviço público refiram explicitamente a medida de compensação em causa. Assim, basta, como no caso em apreço, que sejam definidos previamente, de forma transparente e objetiva, todos os critérios de organização e de exploração deste serviço público que permitem identificar os custos e as receitas a ele associados. Além disso, a implementação de uma contabilidade separada para a exploração pela Saremar das ligações com o continente evitou, no caso em apreço, qualquer compensação excessiva e qualquer financiamento cruzado. Por outro lado, a RAS considera que não excluiu um défice de exploração, na medida em que impunha à Saremar que cumprisse a sua missão de serviço público em qualquer caso. Por último, segundo a RAS, a Decisão 2009/611/CE da Comissão, de 8 de julho de 2008, relativa às medidas C 58/02 (ex N 118/02) executadas pela França em favor da Société Nationale Maritime Corse‑Méditerranée (SNCM) (JO 2009, L 225, p. 180, a seguir «decisão SNCM»), confirma a possibilidade de a Comissão aprovar uma compensação de serviço público paga a posteriori.

98      Na contestação, a Comissão retoma, em substância, as considerações que expôs nos n.os 174 a 177 da decisão impugnada e que a levaram a concluir que a segunda condição Altmark não estava preenchida no caso em apreço. Além disso, sustenta que a decisão SNCM não é pertinente. Em sede de intervenção, a CIN concorda, em substância, com esta argumentação.

99      A título preliminar, há que recordar que, para concluir, no n.o 179 da decisão impugnada, que a segunda condição Altmark não estava preenchida no caso em apreço, a Comissão entendeu, nos n.os 174 a 177 dessa decisão, que não se podia considerar que os parâmetros de cálculo da medida de compensação controvertida tinham sido estabelecidos previamente, de forma objetiva e transparente. Com efeito, salientou que, nas decisões que determinaram a missão de serviço público da Saremar, não estava prevista nenhuma compensação, estando esta última mesmo excluída. Assim, segundo a decisão impugnada, as decisões da RAS acima referidas assentavam no pressuposto de que a referida missão de serviço público devia ser cumprida pela Saremar, se não de modo rentável, pelo menos mantendo o equilíbrio orçamental, e só posteriormente, uma vez verificado o défice resultante da referida missão, foi implementado um mecanismo de compensação (n.os 174 a 177 da decisão impugnada). Acrescentou que, como exporia em seguida, no âmbito da aplicação da primeira condição Altmark, uma vez que as obrigações relativamente aos níveis de tarifas não estavam claramente definidas, os parâmetros de cálculo da compensação, necessariamente ligados a esses níveis de tarifas, não podiam eles próprios ter sido estabelecidos previamente, de forma objetiva e transparente (n.o 178 da decisão impugnada).

100    A este respeito, como recordado no n.o 92 supra, a segunda condição Altmark é relativa à necessidade de estabelecer previamente, de forma objetiva e transparente, os parâmetros com base nos quais é calculada a compensação, a fim de evitar que esta compensação comporte uma vantagem económica suscetível de favorecer a empresa beneficiária em relação a empresas concorrentes.

101    Com efeito, como o Tribunal Geral salientou reiteradamente, os Estados‑Membros dispõem de uma ampla margem de apreciação não só quanto à definição de uma missão de serviço público, que é objeto da primeira condição Altmark, mas também no que diz respeito à determinação da compensação dos custos de serviço público. Assim, na falta de uma regulamentação da União em matéria de serviço de interesse económico geral (SIEG), a Comissão não está habilitada a pronunciar‑se sobre a extensão das missões de serviço público que incumbem ao operador público, em especial, o nível dos custos relativos a este serviço, nem sobre a oportunidade das opções políticas tomadas, a esse respeito, pelas autoridades nacionais, nem sobre a eficácia económica do operador público (v., neste sentido, acórdão de 16 de julho de 2014, Zweckverband Tierkörperbeseitigung/Comissão, T‑309/12, não publicado, EU:T:2014:676, n.os 104, 148 e jurisprudência aí referida).

102    De resto, é designadamente porque esta determinação da compensação dos custos do serviço público só está sujeita a um controlo restrito das instituições que a segunda condição Altmark exige que as instituições estejam em condições de verificar a existência de parâmetros objetivos e transparentes previamente estabelecidos, devendo esses parâmetros ser precisados de forma a excluir qualquer recurso abusivo do Estado‑Membro ao conceito de SIEG que tenha por efeito conferir ao operador público uma vantagem económica sob a forma de uma compensação (v., neste sentido, acórdão de 16 de julho de 2014, Zweckverband Tierkörperbeseitigung/Comissão, T‑309/12, não publicado, EU:T:2014:676, n.o 148 e jurisprudência aí referida).

103    Assim, esta condição permite que os Estados‑Membros escolham livremente as modalidades práticas para garantir a sua observância sempre que as modalidades de fixação dos parâmetros de cálculo da compensação continuem a ser objetivas e transparentes. A apreciação da Comissão a este respeito deve apoiar‑se numa análise das condições jurídicas e económicas concretas com base nas quais esses parâmetros são determinados (v., neste sentido, acórdão de 7 de novembro de 2012, CBI/Comissão, T‑137/10, EU:T:2012:584, n.o 192 e jurisprudência aí referida).

104    No caso em apreço, não se pode deixar de declarar que a análise da Comissão nos n.os 174 a 177 da decisão impugnada, na qual salienta, em particular, a falta de qualquer determinação prévia de uma compensação, não enferma de erro.

105    Com efeito, resulta dos documentos dos autos que nenhuma das decisões regionais referidas nos n.os 6 a 9 supra, pelas quais a RAS mandatou a Saremar para efetuar ligações com o continente e precisou as respetivas obrigações de serviço público, prevê, expressamente ou mesmo implicitamente, o pagamento de uma compensação de serviço público correspondente aos encargos ocasionadas pelo cumprimento das obrigações acima referidas. Pelo contrário, como a Comissão sublinhou nos n.os 174 a 177 da decisão impugnada, todas essas decisões deram à Saremar orientações para determinar as ligações e as tarifas a implementar e para ajustar as referidas tarifas com vista a conciliar a procura de transporte com o objetivo de equilíbrio económico e financeiro. Assim, essas decisões assentavam no pressuposto de que o cumprimento das obrigações de serviço público acima referidas devia ser efetuado em condições de mercado e, por conseguinte, preservando a viabilidade da atividade sem recurso a uma compensação de serviço público paga pela RAS. De resto, como a Comissão salienta no n.o 177 da decisão impugnada, a Decisão regional n.o 48/65 justifica expressamente a obrigação de manter o equilíbrio económico das ligações com o continente, ao fazer referência ao objetivo de evitar o pagamento de um auxílio estatal incompatível.

106    Nestas condições, foi com razão que a Comissão considerou que a exigência de uma determinação prévia de parâmetros objetivos e transparentes para o cálculo da compensação de serviço público não podia ser considerada cumprida no caso em apreço. Com efeito, tal não podia ser o caso na falta de adoção pela RAS de disposições que previssem a concessão de uma compensação desse tipo e no quadro de modalidades de organização do serviço público em causa, conforme descritas no n.o 105 supra, que excluem, pelo menos em princípio, essa compensação. É certo que, como recordado no n.o 103 supra, no âmbito da segunda condição Altmark, a jurisprudência reconhece às autoridades nacionais um amplo poder de apreciação para determinar as modalidades de cálculo da compensação de serviço público em causa. Todavia, neste contexto, este poder de apreciação não pode dispensar as autoridades nacionais de preverem, previamente, uma compensação de serviço público. Assim, a determinação prévia das modalidades de cálculo desta compensação é necessária para que a segunda condição Altmark esteja preenchida e pressupõe, por definição, que tenha sido decidida, também previamente, a concessão de tal compensação.

107    De resto, como salientou em substância a Comissão na tréplica, as autoridades nacionais são livres de, se o considerarem adequado, preverem uma missão de serviço público cujo equilíbrio financeiro seja inteiramente assegurado pelas receitas de exploração, sem recurso a uma compensação de serviço público. Efetivamente, a imposição de obrigações de serviço público implica geralmente, como contrapartida, a concessão de uma compensação ao operador em causa. Todavia, na falta de regulamentação da União em matéria de SIEG, o direito da União não se opõe a que tal compensação de serviço público não esteja prevista. No caso em apreço, como salientou acertadamente a Comissão no n.o 174 da decisão impugnada, a margem de apreciação que a RAS, no âmbito das decisões regionais referidas nos n.os 6 a 9 supra, concedeu à Saremar para ajustar as suas tarifas tinha precisamente por objetivo permitir a esta sociedade manter o equilíbrio financeiro e económico da sua atividade em condições de mercado, sem necessidade de recorrer a um financiamento público.

108    Sendo assim, neste contexto, que excluía o financiamento da missão da Saremar através de recursos públicos, a medida de compensação controvertida, que foi concedida posteriormente atendendo aos défices de exploração resultantes desta atividade, não pode ser considerada uma compensação de serviço público na aceção do acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415). Com efeito, na medida em que tal compensação não foi prevista previamente, não pôde, por conseguinte, ser calculada, como exige a segunda condição Altmark, com base em parâmetros objetivos e transparentes definidos previamente. Assim, como salientou a Comissão no n.o 176 da decisão impugnada, foi apenas no âmbito da Lei regional n.o 15, de 2012, que a RAS tomou a decisão de pagar à Saremar uma subvenção de 10 milhões de euros para «cobrir o eventual défice» resultante das ligações com o continente efetuadas pela Saremar. Acresce que esta lei regional não indica de forma nenhuma com base em que parâmetros o montante dessa subvenção foi determinado.

109    Resulta do exposto que, com base apenas nos n.os 174 a 177 da decisão impugnada, a Comissão podia, acertadamente, considerar que a segunda condição Altmark não estava preenchida no caso em apreço.

110    Os argumentos da RAS apresentados no quadro da quarta parte do segundo fundamento não podem pôr em causa esta conclusão.

111    Em primeiro lugar, o argumento da RAS segundo o qual a falta de referência explícita a uma compensação de serviço público nas decisões regionais que conferem mandato de serviço público à Saremar não é contrária à segunda condição Altmark é desprovido de fundamento.

112    A este respeito, por um lado, nem o enquadramento SIEG de 2011 nem a Comunicação da Comissão, de 11 de janeiro de 2012, relativa à aplicação das regras em matéria de auxílios estatais da União Europeia à compensação concedida pela prestação de serviços de interesse económico geral (JO 2012, C 8, p. 4), nos quais a RAS se baseia, apoiam este argumento. Com efeito, como indica a própria recorrente, resulta unicamente destas comunicações que a Comissão considera que as autoridades nacionais competentes não são obrigadas a fixar previamente o montante exato da compensação ou uma fórmula determinada que permita calcular este montante. Em contrapartida, não resulta de maneira nenhuma destas comunicações que a Comissão considerou que essas mesmas autoridades podiam, à semelhança da RAS, abster‑se de prever previamente o pagamento de uma compensação. A este respeito, como referido no n.o 106 supra, o amplo poder de apreciação de que dispõem as autoridades nacionais para determinar os parâmetros de cálculo de uma compensação de serviço público não pode, por definição, dispensar essas autoridades de preverem, previamente, tal compensação.

113    Por outro lado, a decisão SNCM também não pode ser invocada em apoio deste argumento. Com efeito, por um lado, como a Comissão recordou acertadamente, resulta de jurisprudência constante que é unicamente no âmbito do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, conforme interpretado no acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415), que deve ser apreciada a legalidade de uma decisão que qualifica de auxílio estatal uma compensação de serviço público, e não à luz de uma prática decisória anterior, mesmo admitindo que esteja demonstrada (v., neste sentido e por analogia, acórdão de 15 de junho de 2005, Regione autonoma della Sardegna/Comissão, T‑171/02, EU:T:2005:219, n.o 177 e jurisprudência aí referida). Por outro lado e em todo o caso, como sublinhou a Comissão na tréplica, a decisão SNCM não permite confirmar o argumento da recorrente. Assim, contrariamente ao que a recorrente sustenta na réplica, resulta do n.o 253 dessa decisão que a compensação de serviço público conferida à SNCM tinha sido, diferentemente da medida de compensação controvertida, prevista, previamente, na convenção relativa ao mandato de serviço público celebrada entre as autoridades francesas e esta empresa. De resto, nessa mesma decisão SNCM, a Comissão considerou que a referida compensação constituía um auxílio estatal, à luz das condições Altmark.

114    Em segundo lugar, a circunstância de todos os critérios necessários para identificar e calcular exatamente os custos e as receitas relativos ao serviço público em causa estarem definidos nas decisões da RAS que conferem mandato à Saremar e a circunstância de a Decisão regional n.o 20/57 instituir um sistema de contabilidade separada relativamente ao referido serviço público não são suscetíveis de demonstrar a existência de um erro de direito ou de um erro manifesto de apreciação cometido pela Comissão no âmbito da aplicação da segunda condição Altmark.

115    Por um lado, o pressuposto em que o primeiro dos argumentos mencionados no n.o 114 supra assenta está errado. Com efeito, como a própria RAS admitiu na petição, todos os critérios necessários para identificar e calcular os custos e as receitas relativos ao serviço público em causa não estavam definidos previamente, uma vez que as decisões regionais que conferem mandato à Saremar não tinham em conta o volume de tráfego previsível nas ligações com o continente que esta empresa devia realizar. Ora, trata‑se manifestamente de uma variável suscetível de desempenhar um papel essencial na realização ou não do equilíbrio económico da atividade em causa e, portanto, no cálculo de uma eventual compensação necessária para esse equilíbrio. Assim, a RAS reconhece, implícita mas necessariamente, que, nas decisões regionais acima referidas, não foi tomado em conta um elemento determinante para estabelecer os parâmetros objetivos de cálculo do montante da compensação.

116    Por outro lado, a circunstância de as referidas decisões regionais facilitarem a identificação dos elementos de contabilidade necessários para calcular o montante de uma eventual compensação não é determinante no caso em apreço. Com efeito, mesmo que se considere demonstrada, esta circunstância não pode suprir a inexistência, nessas decisões, de disposições que preveem a concessão de uma compensação de serviço público nem, consequentemente, a falta de parâmetros objetivos e transparentes para o cálculo desta última. Em especial, há que sublinhar que, nas referidas decisões regionais, nada indica que os elementos de contabilidade apresentados pela RAS deviam ser utilizados para a determinação do cálculo do montante de uma compensação de serviço público, uma vez que esta última, como referido no n.o 106 supra, foi, em princípio, excluída.

117    Acresce que, como alega a Comissão, resulta dos próprios termos da Decisão regional n.o 20/57 que o sistema de contabilidade separada instituído nesta decisão tinha por objetivo garantir o equilíbrio económico e financeiro do serviço público em causa em condições de mercado. Em especial, como a própria RAS refere na sua petição, este sistema de contabilidade separada visava, nomeadamente, evitar que os encargos relacionados com este serviço público fossem compensados pelas receitas relativas às ligações com as pequenas ilhas sardas e a Córsega, efetuadas pela Saremar no âmbito de uma convenção de serviço público e que incluíam, em particular, a compensação de serviço público paga no âmbito desta convenção.

118    Por último, a RAS não pode invocar utilmente a circunstância de que a identificação prévia dos elementos de contabilidade pertinentes nas decisões regionais relativas ao mandato de serviço público e à implementação de um sistema de contabilidade separada teria permitido evitar uma compensação excessiva.

119    Com efeito, como recordado no n.o 92 supra, a exigência relativa à inexistência de compensação excessiva é pertinente no âmbito da análise da terceira condição Altmark, mas não no âmbito da análise da segunda condição, que se deve limitar a verificar a existência de uma determinação prévia de parâmetros de cálculo objetivos e transparentes para fixar o montante desta compensação. Embora estas condições apresentem uma certa interdependência, não deixa de ser verdade que, como indicado no n.o 94 supra, as mesmas devem estar todas preenchidas de forma distinta para que a medida de compensação controvertida não seja qualificada de auxílio.

120    A este respeito, é em vão que a recorrente faz referência ao n.o 210 do acórdão de 12 de fevereiro de 2008, BUPA e o./Comissão (T‑289/03, EU:T:2008:29). Com efeito, nesse número, o Tribunal Geral constatou que, na decisão que era objeto do litígio, a Comissão tinha verificado a existência em concreto de uma compensação excessiva, que era pertinente no âmbito da análise da terceira condição Altmark. O Tribunal deduziu daí, em substância, que a Comissão tinha, implícita mas necessariamente, procedido, previamente, à verificação da existência de parâmetros objetivos e transparentes de cálculo do montante da compensação de serviço público em causa, que se enquadrava ma segunda condição Altmark. No n.o 211 do mesmo acórdão, o Tribunal Geral concluiu que lhe competia apreciar se a Comissão podia validamente considerar que esta segunda condição estava preenchida. Assim, longe de apoiar o argumento da recorrente, o n.o 210 do referido acórdão, inserido no seu contexto, confirma a necessidade de verificar a existência de parâmetros objetivos e transparentes previamente estabelecidos para determinar o montante da medida de compensação controvertida independentemente da inexistência de compensação excessiva (acórdão de 12 de fevereiro de 2008, BUPA e o./Comissão, T‑289/03, EU:T:2008:29, n.os 210 e 211).

121    Em terceiro e último lugar, importa salientar que, contrariamente às afirmações da RAS, a obrigação de a Saremar cumprir, em todo o caso, a missão de serviço público que lhe tinha sido confiada no caso em apreço, com vista a garantir a continuidade territorial, incluindo em caso de défice de exploração, não demonstra que a segunda condição Altmark estava preenchida. Pelo contrário, a existência de tal obrigação sugere precisamente que, contrariamente ao que resulta das decisões regionais referidas nos n.os 6 a 9 supra, a RAS não podia afastar a hipótese de recurso a uma compensação de serviço público e que, por conseguinte, devia ter previsto, nestas decisões regionais, a concessão de uma compensação e parâmetros objetivos e transparentes para determinar o montante da mesma.

122    Resulta do exposto que a Comissão pôde validamente considerar, baseando‑se nas considerações expressas nos n.os 174 a 177 da decisão impugnada, que a medida de compensação controvertida não satisfazia a segunda condição Altmark. A circunstância, invocada pela RAS, de que, no n.o 178 desta decisão, a Comissão se baseou em considerações erradas relativas ao poder de apreciação da Saremar para determinar e ajustar as suas tarifas, enunciadas no âmbito da análise da primeira condição Altmark, é irrelevante. Com efeito, na medida em que, como acima referido, as considerações enunciadas nos n.os 174 a 177 da referida decisão bastam para se concluir que a segunda condição Altmark não estava preenchida, as considerações do seu n.o 178 são necessariamente acessórias. Por conseguinte, o argumento da RAS relativo a este ponto é inoperante. Com efeito, um motivo errado não pode justificar a anulação do ato que dele esteja ferido, se tiver caráter acessório e houver outros motivos bastantes para o justificar (v. acórdão de 20 de setembro de 2012, França/Comissão, T‑154/10, EU:T:2012:452, n.o 99 e jurisprudência aí referida). Consequentemente, a quarta parte do segundo fundamento deve ser rejeitada.

123    Quanto às outras partes do segundo fundamento, há que considerar que, atendendo à rejeição da quarta parte deste fundamento pelos motivos expostos nos n.os 100 a 122 supra, as mesmas são inoperantes.

124    Com efeito, por um lado, como referido no n.o 94 supra, tendo em conta o caráter cumulativo e autónomo das condições Altmark, a Comissão não é obrigada a examinar todas essas condições, se verificar que uma de entre elas não está preenchida e que, consequentemente, a medida controvertida deve ser qualificada de auxílio estatal. Por outro lado, embora a Comissão tenha efetuado corretamente tal constatação, o caráter eventualmente errado das suas apreciações relativamente a uma ou várias dessas condições não pode, em princípio, conduzir à anulação da decisão impugnada.

125    No caso em apreço, embora a Comissão, na decisão impugnada, tenha analisado a medida de compensação controvertida em relação às três primeiras condições Altmark, considerou, todavia, como recordado no n.o 96 supra, que havia que examinar se a medida de compensação controvertida devia ser qualificada de auxílio estatal começando por verificar se a segunda das referidas condições estava preenchida e só examinou a primeira e terceira condições numa fase posterior da análise. Por outro lado, no n.o 179 da decisão impugnada, a Comissão, após ter concluído que não se podia considerar que esta segunda condição estivesse preenchida, deduziu daí que a referida compensação conferia uma vantagem à Saremar na aceção do artigo 107.o TFUE. Assim, na decisão impugnada, a Comissão considerou necessariamente que o exame desta segunda condição bastava para concluir que a medida de compensação controvertida conferia uma vantagem económica à Saremar.

126    É certo que não se pode excluir, em determinados casos, que, tendo em conta uma certa interdependência das condições Altmark, a procedência das conclusões da Comissão relativas a uma destas condições possa depender da procedência de apreciações efetuadas no âmbito de outra dessas condições.

127    Todavia, por um lado, como declarado no n.o 122 supra, no caso em apreço, a conclusão da Comissão de que a segunda condição Altmark não estava preenchida podia assentar unicamente nos motivos expostos nos n.os 174 a 177 da decisão impugnada.

128    Por outro lado, estes motivos não dependem de forma alguma das apreciações feitas pela Comissão no quadro do exame da primeira e terceira condições Altmark.

129    Com efeito, antes de mais, no quadro da aplicação da primeira condição Altmark, a Comissão considerou, em substância, nos n.os 181 a 210 da decisão impugnada, que as obrigações de serviço público impostas à Saremar não eram necessárias pelo motivo de que, em particular, não eram suscetíveis de garantir a acessibilidade económica das tarifas nas ligações entre a Sardenha e o continente. Não se pode deixar de observar que estas considerações não apresentam nenhuma relação com as expostas nos n.os 174 a 177 da mesma decisão que, como referido no n.o 99 supra, assentam na constatação de que as decisões da RAS que fixam as obrigações de serviço público da Saremar não previam a concessão de uma compensação de serviço público.

130    Em seguida, ainda no âmbito da aplicação da primeira condição Altmark, a Comissão considerou, nos n.os 211 a 219 da decisão impugnada, que as obrigações de serviço público da Saremar não estavam definidas com suficiente clareza no que respeita ao nível das tarifas a aplicar. A este respeito, no n.o 178 dessa decisão, a Comissão referiu‑se efetivamente a esta apreciação para daí deduzir que os parâmetros de cálculo do montante da compensação não podiam ter sido determinados previamente de modo transparente e objetivo, tendo em conta a ligação, no caso em apreço, entre a determinação destes parâmetros e a definição do nível das referidas tarifas. Todavia, como salientado no n.o 122 supra, no quadro da aplicação da segunda condição Altmark, o n.o 178 desta decisão apresenta um caráter acessório à luz das considerações expostas nos n.os 174 a 177 da mesma decisão.

131    Por último, nos n.os 220 a 222 da decisão impugnada, a Comissão baseou‑se unicamente nas suas apreciações relativas à falta de necessidade de serviço público e à definição insuficientemente clara das obrigações de serviço público, feitas no âmbito da aplicação da primeira condição Altmark, para concluir que, por consequência, não se podia considerar preenchida a terceira condição Altmark, relativa à inexistência de compensação excessiva.

132    Por conseguinte, mesmo admitindo que, como a RAS sustenta, em substância, no âmbito da primeira, segunda, terceira e quinta partes do presente fundamento, a Comissão considerou erradamente que a primeira e terceira condições Altmark não estavam preenchidas, estes erros não podem pôr em causa a conclusão da Comissão no termo da análise da segunda condição Altmark, de que a medida de compensação controvertida conferia uma vantagem económica à Saremar. Por conseguinte, estas partes do presente fundamento devem ser consideradas inoperantes, pelo que, sem que seja necessário ordenar as medidas de instrução pedidas pela RAS no âmbito da primeira e segunda partes, este fundamento deve ser rejeitado na sua totalidade.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo a erros de direito e a erros manifestos de apreciação a respeito da aplicação da decisão SIEG de 2005 e da decisão SIEG de 2011

133    No âmbito do terceiro fundamento, a RAS alega, em substância, que o exame, pela Comissão, da compatibilidade com o mercado interno da medida de compensação controvertida à luz da decisão SIEG de 2011, efetuado nos n.os 249 a 260 da decisão impugnada, está ferido de erros de direito e de erros manifestos de apreciação. Este fundamento divide‑se em três partes.

134    A título preliminar, importa recordar que as compensações de serviço público que não preencham as condições Altmark e que satisfaçam, por outro lado, todas as condições previstas no artigo 107.o, n.o 1, TFUE para serem qualificadas de auxílio estatal podem, no entanto, ser declaradas compatíveis com o mercado interno, em especial, nos termos das disposições do artigo 106.o, n.o 2, TFUE (v. acórdão de 7 de novembro de 2012, CBI/Comissão, T‑137/10, EU:T:2012:584, n.o 81 e jurisprudência aí referida).

135    Importa também recordar que, nos termos do artigo 106.o, n.o 2, TFUE, as empresas encarregadas da gestão de SIEG estão sujeitas às regras de concorrência, na medida em que a aplicação destas regras não constitua obstáculo ao cumprimento, de direito ou de facto, da missão particular que lhes foi confiada e desde que o desenvolvimento das trocas comerciais não seja afetado numa maneira que contrarie os interesses da União (v. acórdão de 1 de julho de 2010, M6 e TF1/Comissão, T‑568/08 e T‑573/08, EU:T:2010:272, n.o 136 e jurisprudência aí referida).

136    Como recordado no n.o 101 supra, segundo jurisprudência aplicável quer no âmbito da execução das condições Altmark como no da aplicação do artigo 106.o, n.o 2, TFUE, a Comissão, na falta de uma regulamentação da União harmonizada na matéria, não está habilitada a pronunciar‑se sobre a extensão das missões de serviço público que incumbem ao operador público, em especial, sobre o nível dos custos relativos a este serviço, nem sobre a oportunidade das opções políticas tomadas, a esse respeito, pelas autoridades nacionais, nem sobre a eficácia económica do operador público.

137    No entanto, como já foi salientado nos n.os 102 e 103 supra, o amplo poder de apreciação assim reconhecido a essas autoridades nacionais não pode ser ilimitado. Em especial, no quadro da aplicação do artigo 106.o, n.o 2, TFUE, este amplo poder de apreciação não deve impedir a Comissão de verificar se a derrogação à proibição dos auxílios estatais prevista por esta disposição pode ser concedida.

138    Por outro lado, importa salientar que o exercício do poder de apreciação de que a Comissão dispõe no âmbito da aplicação do artigo 106.o, n.o 2, TFUE, para determinar a compatibilidade com o mercado interno de uma medida estatal que qualificou de auxílio estatal, implica apreciações complexas de ordem económica e social. Assim, o juiz da União, ao fiscalizar a legalidade do exercício desse poder, não pode substituir a apreciação da Comissão pela sua própria apreciação (v., neste sentido e por analogia, acórdão de 5 de março de 2015, Banco Privado Português e Massa Insolvente do Banco Privado Português, C‑667/13, EU:C:2015:151, n.o 67 e jurisprudência aí referida).

139    Por último, no âmbito da aplicação do artigo 106.o, n.o 2, TFUE, o poder de apreciação dos Estados‑Membros e o da Comissão podem estar limitados pelas diretivas e pelas decisões que esta instituição tem competência para adotar com base no artigo 106.o, n.o 3, TFUE. Assim, a Comissão adotou sucessivamente a decisão SIEG de 2005 e a decisão SIEG de 2011 com vista a definir as condições em que uma compensação de serviço público pode ser considerada conforme com o artigo 106.o, n.o 2, TFUE e, consequentemente, ser isentada da obrigação de notificação dos auxílios novos prevista no artigo 108.o, n.o 3, TFUE. Como resulta dos artigos 11.o e 12.o da decisão SIEG de 2011, esta revogou a decisão SIEG de 2005 e entrou em vigor em 31 de janeiro de 2012.

–       Quanto à primeira parte do terceiro fundamento, relativa a um erro de direito a respeito do âmbito de aplicação ratione temporis da decisão SIEG de 2005 e da decisão SIEG de 2011

140    Na primeira parte do terceiro fundamento, a RAS sustenta que a Comissão aplicou erradamente a decisão SIEG de 2011, uma vez que era a decisão SIEG de 2005 que era aplicável ratione temporis aos factos do caso em apreço. A este respeito, alega que todos os elementos essenciais da missão de serviço público da Saremar tinham sido definidos antes da entrada em vigor da decisão SIEG de 2011 e que as decisões regionais que definem a missão de serviço público da Saremar implicavam a compensação de um eventual défice.

141    A Comissão e a CIN contrapõem, em substância, que o auxílio controvertido só foi concedido em agosto de 2012.

142    A este respeito, resulta de jurisprudência constante que um auxílio estatal deve ser considerado concedido quando as autoridades nacionais competentes adotaram um ato juridicamente vinculativo pelo qual se comprometem a conceder o auxílio em causa ou quando o direito de receber este auxílio é conferido ao beneficiário pelas disposições legislativas e regulamentares aplicáveis (acórdão de 21 de março de 2013, Magdeburger Mühlenwerke, C‑129/12, EU:C:2013:200, n.o 40; v., também, acórdão de 30 de novembro de 2009, França e France Télécom/Comissão, T‑427/04 e T‑17/05, EU:T:2009:474, n.o 320 e jurisprudência aí referida).

143    No caso em apreço, já foi salientado nos n.os 105 e 116 supra que nenhuma das decisões regionais referidas nos n.os 6 a 9 supra previu a concessão à Saremar de uma compensação de serviço público correspondente às obrigações que lhe incumbiam por força dessas decisões. Por outro lado, como recordado no n.o 108 supra, foi só no âmbito da Lei regional n.o 15, de 2012, que a RAS decidiu pagar à Saremar a medida de compensação controvertida. Consequentemente, em aplicação da jurisprudência acima recordada, é apenas a partir da data de aprovação desta lei regional, que conferiu à Saremar o direito de receber a referida compensação, que se pode considerar que esta lhe foi concedida.

144    Ora, como recordado no n.o 139 supra, nos termos dos artigos 11.o e 12.o da decisão SIEG de 2011, esta revogou a decisão SIEG de 2005 e entrou em vigor em 31 de janeiro de 2012. Por conseguinte, só a decisão SIEG de 2011 é suscetível de se aplicar ratione temporis à medida de compensação controvertida, uma vez que, em todo o caso, a decisão SIEG de 2005 já não estava em vigor na data em que essa compensação deve ser considerada concedida à Saremar.

145    Os argumentos da RAS não são suscetíveis de pôr em causa a conclusão enunciada no n.o 144 supra. Com efeito, como salientado no n.o 116 supra, mesmo admitindo que todos os elementos essenciais da missão de serviço público da Saremar foram definidos nas decisões regionais que estabelecem as obrigações de serviço público desta sociedade, esta circunstância não pode, em todo o caso, suprir a falta, nas referidas decisões regionais, de disposições que prevejam a concessão da medida de compensação controvertida. Por outro lado, admitindo que estas decisões regionais não excluíam a compensação pela RAS dos défices de exploração eventualmente incorridos pela Saremar, não deixa de ser verdade que nenhuma das suas disposições continha um compromisso da RAS, ainda que implícito, de conceder esta compensação nem conferia à Saremar o direito a recebê‑la.

146    Em todo o caso, importa salientar que, após ter examinado a medida de compensação controvertida à luz das condições do artigo 4.o da decisão SIEG de 2011 nos n.os 256 e 257 da decisão impugnada, a Comissão, no n.o 260 da mesma decisão, examinou, a título subsidiário, esta medida à luz do artigo 4.o, alínea e), da decisão SIEG de 2005. Daí concluiu que as condições desta última decisão, tal como as da decisão SIEG de 2011, não estavam preenchidas no caso em apreço. Por conseguinte, é sem razão que a RAS sustenta que a Comissão examinou a medida de compensação controvertida apenas à luz da decisão SIEG de 2011.

147    Por conseguinte, a primeira parte do terceiro fundamento deve ser rejeitada.

–       Quanto à segunda parte do terceiro fundamento, relativa a erros de direito e de apreciação a respeito da aplicação dos princípios e das condições da decisão SIEG de 2011

148    No âmbito da segunda parte, a recorrente sustenta que os princípios e as condições das decisões SIEG de 2005 e de 2011 foram respeitados. Apoia‑se, a este respeito, nos argumentos que enunciou, no âmbito do segundo fundamento, relativamente às duas primeiras condições Altmark. Alega igualmente que a decisão impugnada não põe em causa o facto de os limiares previstos no artigo 2.o, n.o 1, alíneas a) e c), da decisão SIEG de 2005 e no artigo 2.o, n.o 1, alínea d), da decisão SIEG de 2011 terem sido respeitados no caso em apreço.

149    A Comissão e a CIN consideram que esta argumentação deve ser rejeitada.

150    A título preliminar, importa começar por rejeitar por inoperante a parte da argumentação da RAS relativa aos princípios e às condições da decisão SIEG de 2005, uma vez que, como constatado no n.o 144 supra, esta decisão não era aplicável ratione temporis à medida de compensação controvertida.

151    Quanto ao demais, recorde‑se que, nos termos do artigo 2.o, n.o 1, alínea d), da decisão SIEG de 2011, esta se aplica, nomeadamente, às compensações de serviço público concedidas às ligações aéreas e marítimas com ilhas que tenham registado um tráfego médio anual inferior a 300 000 passageiros durante os dois exercícios precedentes ao da atribuição do SIEG.

152    Importa também recordar que o artigo 4.o, alínea a), e alíneas d) a f), da decisão SIEG de 2011 prevê que os mandatos de serviço público devem indicar:

–        o teor e a duração das obrigações de serviço público [artigo 4.o, alínea a)];

–        uma descrição do mecanismo de compensação e os parâmetros para o cálculo da compensação e respetivo controlo e revisão [artigo 4.o, alínea d)];

–        as medidas destinadas a evitar eventuais compensações excessivas e respetivas modalidades de recuperação [artigo 4.o, alínea e)];

–        uma referência à decisão SIEG de 2011 [artigo 4.o, alínea f)].

153    Como resulta da redação dos artigos 1.o, 3.o e 4.o da decisão SIEG de 2011, interpretada à luz do seu considerando 9, as referidas condições têm caráter cumulativo. Assim, para que uma compensação de serviço público possa ser considerada compatível com o mercado interno e não seja sujeita à obrigação de notificação, é necessário que os mandatos de serviço público em causa preencham pelo menos todas estas condições.

154    Por último, importa sublinhar que, ainda que a decisão SIEG de 2011 não exija expressamente que o serviço público em causa revista um interesse económico geral com características específicas em relação ao que revestem outras atividades económicas, trata‑se, em todo o caso, de uma condição prévia à aplicação do artigo 106.o, n.o 2, TFUE, que resulta, nomeadamente, do caráter não ilimitado da margem de apreciação de que dispõem as autoridades nacionais para a definição do serviço público, recordado no n.o 137 supra.

155    Para concluir que as condições da decisão SIEG de 2011 não estavam preenchidas, a Comissão baseou‑se nos motivos que se seguem. Antes de mais, no n.o 255 da decisão impugnada, referiu‑se, a título principal, aos considerandos 180 a 218 da mesma decisão, nos quais tinha concluído que a RAS não tinha demonstrado a existência de uma verdadeira necessidade de serviço público, nem a existência de obrigações de serviço público suficientemente precisas. Nos n.os 256 e 257 da decisão impugnada, a Comissão indicou que, em todo o caso, era manifesto que, no caso em apreço, os mandatos de serviço público em causa não satisfaziam as condições enunciadas no artigo 4.o, alíneas d) a f), da referida decisão.

156    A este respeito, por um lado, importa sublinhar que a RAS não pode utilmente invocar o facto de a medida de compensação controvertida respeitar os limiares previstos no artigo 2.o, n.o 1, alínea d), da decisão SIEG de 2011. Com efeito, como resulta claramente da redação deste artigo e da economia desta decisão, esta disposição visa apenas definir o âmbito de aplicação da referida decisão, sem prejuízo da observância das condições que define, por outro lado, em especial no seu artigo 4.o Consequentemente, o único impacto que podia ter, no caso em apreço, o facto de a medida de compensação controvertida estar abrangida pelo âmbito de aplicação desta decisão era obrigar a Comissão a verificar se essa medida preenchia as condições definidas nesta decisão, o que aconteceu neste caso.

157    Por outro lado, como a Comissão considerou nos n.os 256 e 257 da decisão impugnada e contrariamente às afirmações da RAS, as condições enunciadas no artigo 4.o, alíneas d) e e), da decisão SIEG de 2011 não estão manifestamente preenchidas no caso em apreço.

158    Com efeito, antes de mais, como salientado nos n.os 104 a 122 supra, a RAS não conseguiu demonstrar, no âmbito da quarta parte do seu segundo fundamento, que a Comissão cometeu um erro de direito ou um erro manifesto de apreciação ao considerar, nos n.os 174 a 177 da decisão impugnada, que as decisões regionais referidas nos n.os 6 a 9 supra não previam a concessão de uma compensação de serviço público nem, por consequência, a definição de parâmetros objetivos e transparentes para o cálculo dessa compensação. Assim, quanto a este fundamento, importa desde já referir que a condição enunciada no artigo 4.o, alínea d), da decisão SIEG de 2011 não está preenchida, o que basta para concluir, tendo em conta o caráter cumulativo das condições fixadas por essa decisão, que a medida de compensação controvertida não podia ser considerada compatível com o mercado interno e isenta de notificação por força desta decisão.

159    Em seguida, e em todo o caso, na falta de qualquer disposição nas decisões regionais em causa que previsse a concessão de uma compensação, a Comissão pôde, sem cometer um erro, deduzir daí logicamente que a condição enunciada no artigo 4.o, alínea e), da mesma decisão SIEG também não estava preenchida. Com efeito, esta disposição exige que se prevejam, previamente, as medidas destinadas a evitar eventuais compensações excessivas e respetivas modalidades de recuperação. Ora, ao não prever, nas decisões regionais em causa, o pagamento de uma compensação de serviço público nos casos em que o equilíbrio orçamental deste serviço não fosse alcançado, a RAS renunciou necessariamente a incluir nessas decisões as referidas medidas e modalidades. Além disso, pelas mesmas razões que as indicadas nos n.os 116 e 117 supra, a inexistência de tais medidas nessas decisões regionais não pode ser suprida pela presença, nas mesmas decisões regionais, de elementos que facilitem a identificação dos elementos de contabilidade pertinentes para a determinação de uma eventual compensação, bem como de um sistema de contabilidade separada.

160    Por conseguinte, independentemente do exame dos argumentos da RAS relativos à condição prevista no artigo 4.o, alínea f), no âmbito da terceira parte, resulta das considerações precedentes que a segunda parte do terceiro fundamento deve ser rejeitada.

–       Quanto à terceira parte do terceiro fundamento, relativa à aplicação errada do artigo 4.o, alínea f), da decisão SIEG de 2011 e, a título subsidiário, a uma exceção de ilegalidade desta disposição

161    A terceira parte é relativa, em substância, a um erro de direito, na medida em que a Comissão considerou, erradamente, que a condição prevista no artigo 4.o, alínea f), da decisão SIEG de 2011 não era puramente formal. A título subsidiário, na hipótese de esta condição não apresentar um caráter puramente formal, a recorrente invoca contra a referida disposição uma exceção de ilegalidade, na aceção do artigo 277.o TFUE, alegando que esta disposição implica uma restrição ilegal do alcance do artigo 106.o, n.o 2, TFUE.

162    A Comissão, apoiada pela CIN, alega, em substância, que esta parte do terceiro fundamento é inoperante e, em todo o caso, manifestamente improcedente.

163    A este respeito, há que declarar que os argumentos invocados pela RAS no âmbito da presente parte, tanto a título principal como a título subsidiário, são inoperantes. Com efeito, como declarado nos n.os 158 e 159 supra, foi com razão que a Comissão considerou que as decisões da RAS não respeitavam as condições previstas no artigo 4.o, alíneas d) e e), da decisão SIEG de 2011. Consequentemente, a alegada falta de caráter vinculativo da condição prevista no artigo 4.o, alínea f), desta decisão ou a sua pretensa ilegalidade não têm qualquer impacto.

164    Em todo o caso, importa salientar, por um lado, que não resulta da redação do artigo 4.o, alínea f), da decisão SIEG de 2011, nem do contexto ou dos objetivos desta disposição, que a condição que prevê não é vinculativa.

165    Pelo contrário, à luz do considerando 14 da decisão SIEG de 2011, a obrigação de fazer referência expressa a esta decisão nos mandatos de serviço público, prevista no artigo 4.o, alínea f), da referida decisão, responde a um objetivo de transparência que reveste uma importância especial na falta de obrigação dos Estados‑Membros de notificarem as compensações de serviço público que cumprem as condições da decisão em questão (v., neste sentido e por analogia, conclusões do advogado‑geral N. Wahl no processo Dilly’s Wellnesshotel, C‑493/14, EU:C:2016:174, n.o 58). Além disso, não é pertinente o facto, invocado na réplica, de o não respeito desta condição não impedir a autorização da medida de compensação controvertida nos termos do artigo 106.o, n.o 2, TFUE. Com efeito, como demonstra o considerando 260 da decisão impugnada, a Comissão apenas inferiu do seu exame da medida de compensação controvertida à luz da decisão SIEG de 2011 que esta compensação não podia ser considerada conforme com o artigo 106.o, n.o 2, TFUE, porquanto não satisfazia as condições da referida decisão e que, consequentemente, não podia ser considerada isenta da obrigação de notificação. Por conseguinte, esta conclusão não dispensava a Comissão do exame da compatibilidade da referida medida em relação a esta disposição do Tratado FUE, à luz, em especial, do enquadramento SIEG de 2011, o qual foi, de resto, efetuado nos n.os 282 a 296 da decisão impugnada.

166    Por outro lado, pelas razões expostas no n.o 165 supra, a exceção de ilegalidade do artigo 4.o, alínea f), da decisão SIEG de 2011, suscitada a título subsidiário pela RAS, é, em todo o caso, desprovida de fundamento. Com efeito, como declarado, a Comissão, no caso em apreço, não inferiu do não respeito desta disposição da referida decisão que a medida de compensação controvertida não era conforme com o artigo 106.o, n.o 2, TFUE. Consequentemente, não se pode deduzir da aplicação, pela decisão impugnada, do artigo 4.o, alínea f), da decisão SIEG de 2011 que esta disposição implica uma restrição ilegal do alcance do artigo 106.o, n.o 2, TFUE.

167    Por conseguinte, a terceira parte do terceiro fundamento deve ser rejeitada e, por consequência, o referido fundamento na sua totalidade.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo a erros de direito e a erros manifestos de apreciação cometidos pela Comissão a respeito da qualificação de empresa em dificuldade, à violação do artigo 106.o, n.o 2, TFUE e a uma exceção de ilegalidade do ponto 9 do enquadramento SIEG

168    O quarto fundamento divide‑se em duas partes. Com a primeira parte deste fundamento, a RAS sustenta que a Comissão considerou erradamente que, no caso em apreço, estavam reunidas as condições para se qualificar a Saremar de empresa em dificuldade, em especial, à luz dos elementos enumerados nos pontos 9 a 11 das orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação. Na segunda parte deste fundamento, a RAS invoca contra o ponto 9 do enquadramento SIEG de 2011 uma exceção de ilegalidade na aceção do artigo 277.o TFUE. A este respeito, sustenta que, na hipótese de este ponto dever ser interpretado no sentido de que uma empresa em dificuldade nunca poderá beneficiar de uma compensação de serviço público, este ponto está viciado de incompetência e viola o artigo 106.o, n.o 2, TFUE.

169    Na sua contestação, a Comissão, apoiada pela CIN, contesta, por um lado, a pertinência dos elementos apresentados pela RAS no âmbito da primeira parte, para demonstrar que, à data dos factos considerados, a Saremar não era uma empresa em dificuldade. Por outro lado, relativamente à segunda parte deste fundamento, sustenta que o ponto 9 do enquadramento SIEG de 2011 não limita o alcance do artigo 106.o, n.o 2, TFUE, mas, pelo contrário, permite garantir o respeito dos objetivos deste artigo.

170    A título preliminar, importa realçar que o presente fundamento diz respeito aos n.os 261 a 280 da decisão impugnada, nos quais a Comissão examinou se a medida de compensação controvertida era conforme com o artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE, que prevê que podem ser considerados auxílios compatíveis com o mercado interno auxílios destinados a facilitar o desenvolvimento de certas atividades ou regiões económicas, quando não alterem as condições das trocas comerciais de maneira que contrariem o interesse comum. A análise da Comissão foi feita em duas etapas. Em primeiro lugar, a Comissão examinou, nos n.os 262 a 270 da decisão impugnada, se a Saremar podia ser considerada uma empresa em dificuldade, com base nos pontos 10 e 11 das orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação e concluiu, a este respeito, que era esse o caso. Em segundo lugar, nos n.os 271 a 280 dessa decisão, examinou se a medida de compensação controvertida satisfazia as condições das mesmas orientações que devem estar preenchidas para que um auxílio a uma empresa em dificuldade possa ser considerado um auxílio compatível na aceção do artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE. Este exame levou a uma conclusão negativa (n.o 280 da decisão impugnada).

171    Ora, nas duas partes do quarto fundamento, a RAS não põe em causa, mesmo a título subsidiário, a conclusão a que a Comissão chegou, no n.o 280 da decisão impugnada, quanto ao caráter incompatível do auxílio controvertido. Com efeito, neste fundamento, a RAS põe unicamente em causa o facto de a Saremar poder ser qualificada de empresa em dificuldade, ou seja, implícita mas necessariamente, o facto de a medida de compensação controvertida estar abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE. Assim, deve considerar‑se que, com o presente fundamento, a RAS contesta, na realidade, o facto de a compatibilidade da medida de compensação controvertida dever ser apreciada à luz dessa disposição e não à luz do artigo 106.o, n.o 2, TFUE.

172    Deste modo, importa salientar que, independentemente da sua posição sobre esta questão, a Comissão examinou, em todo o caso, nos n.os 282 a 296 da decisão impugnada, na hipótese de a Saremar não ser uma empresa em dificuldade, se a medida de compensação controvertida podia ser considerada conforme ao artigo 106.o, n.o 2, TFUE à luz dos critérios do enquadramento SIEG de 2011. A Comissão retirou desse exame uma conclusão negativa. Consequentemente, mesmo que a Comissão não tivesse examinado a compatibilidade da referida medida em relação ao artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE, à luz das orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação, teria, em todo o caso, concluído pela sua incompatibilidade no âmbito da aplicação do artigo 106.o, n.o 2, TFUE. Nestas condições, a RAS não demonstrou que impacto é que os erros da Comissão referidos no âmbito do presente fundamento poderiam ter, no caso em apreço, na legalidade da decisão impugnada. Consequentemente, este fundamento deve ser rejeitado por ser inoperante.

173    Em todo o caso, pelas razões referidas nos n.os 174 a 203 infra, os argumentos invocados pela RAS em apoio de cada uma das partes deste fundamento não podem ser acolhidos.

174    Com efeito, relativamente, por um lado, à primeira parte deste fundamento, importa sublinhar que, contrariamente ao que a RAS sustenta, a Comissão não procedeu a uma aplicação errada dos pontos 9 a 11 das orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação ao considerar que estavam reunidas as condições para que a Saremar fosse qualificada de empresa em dificuldade.

175    Em primeiro lugar, é em vão que a RAS alega que a redução do capital da Saremar se teria devido a um fator alheio à gestão da empresa e imprevisível, a saber, a depreciação do crédito detido pela Saremar sobre a Tirrenia.

176    Com efeito, nos termos do ponto 10, alínea a), das orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação, uma empresa será, «em princípio e independentemente da sua dimensão», considerada em dificuldade, se se tratar de uma sociedade de responsabilidade limitada, «quando mais de metade do seu capital subscrito tiver desaparecido e mais de um quarto desse capital tiver sido perdido durante os últimos 12 meses». Ora, a RAS não contesta que, como a Comissão referiu no n.o 264 da decisão impugnada, a Saremar tinha sofrido, durante os últimos doze meses anteriores à data em que a medida de compensação controvertida foi adotada, uma redução do seu capital superior a 80%. Consequentemente, a margem de apreciação da Comissão para decidir ou não qualificar a Saremar de empresa em dificuldade era, no caso em apreço, muito reduzida.

177    É certo que, por força de jurisprudência constante, a Comissão não pode, através da adoção de regras de conduta como as orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação, renunciar ao exercício do poder de apreciação que lhe é conferido para apreciar a compatibilidade dos auxílios estatais (v., neste sentido, acórdão de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.o 41). Por outro lado, a expressão «em princípio», utilizada no ponto 10, alínea a), das referidas orientações, indica que pode haver casos especiais em que, excecionalmente, uma empresa não será considerada em dificuldade pela Comissão, quando sofreu uma redução de capital nas proporções indicadas neste ponto.

178    Todavia, não cabia à Comissão, no caso em apreço, tomar em conta as causas da redução do capital da Saremar, invocadas pela RAS. Com efeito, como resulta do ponto 9 destas mesmas orientações, o conceito de empresa em dificuldade é um conceito objetivo que deve ser apreciado unicamente à luz dos indícios concretos da situação financeira e económica da empresa em causa, que demonstrem que esta última é «incapaz […] de suportar prejuízos que a condenam, na ausência de uma intervenção externa dos poderes públicos, ao desaparecimento quase certo a curto ou médio prazo». De resto, se a Comissão devesse ter em conta circunstâncias como as invocadas pela RAS para afastar a qualificação de empresa em dificuldade, o efeito útil da derrogação prevista no artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE poderia ficar comprometido. A este respeito, importa salientar que, como a Comissão indica em substância, a depreciação de créditos no âmbito de um processo de insolvência, nomeadamente os detidos sobre a antiga sociedade‑mãe da empresa, constitui um risco do mundo dos negócios que não é, de modo algum, excecional e que é suscetível de acarretar para a empresa em causa dificuldades intransponíveis.

179    Em segundo lugar, a afirmação da RAS de que, sem a depreciação dos seus créditos sobre a Tirrenia, a Saremar teria registado um lucro de 134 000 euros também não é pertinente. Com efeito, pelas razões expostas no n.o 178 supra, a natureza alegadamente exterior à gestão da Saremar e extraordinária da depreciação de crédito que causou o défice sofrido por esta empresa em 2010 não tem incidência na constatação da existência desse défice e do seu montante.

180    Em terceiro lugar, a Comissão não cometeu nenhum erro de direito nem nenhum erro manifesto de apreciação ao não tomar em conta o facto, alegado pela RAS, de que, em 2012, a Saremar conseguiu que lhe fosse concedida uma linha de crédito por um estabelecimento bancário. Com efeito, este facto não constituía uma circunstância específica que devesse ter levado a Comissão, por exceção ao ponto 10, alínea a), das orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação, a afastar a qualificação de empresa em dificuldade. Efetivamente, como sublinha a Comissão, a concessão deste crédito ocorreu quando a RAS manifestou a sua intenção de intervir a favor da Saremar, em especial, ao prever, no âmbito da Decisão regional n.o 36/6, proceder ao aumento de capital controvertido. Em todo o caso, importa salientar que a concessão deste crédito é uma circunstância suscetível de revelar tanto as dificuldades da Saremar em financiar a sua atividade através dos seus recursos próprios como a confiança que esta empresa podia inspirar então aos seus credores. Consequentemente, para a Comissão, era difícil retirar desta circunstância uma conclusão unívoca.

181    Em quarto lugar, contrariamente ao que a RAS sustenta, a Comissão, no n.o 267 da decisão impugnada, não declarou que a Saremar tinha sofrido prejuízos crescentes, mas que tinha sofrido prejuízos contínuos. Ora, embora seja verdade que a Saremar registou em 2011 um lucro líquido no montante de 2 523 439 euros, a Comissão salientou que este lucro líquido não permitia cobrir o défice registado em 2010, que era duas vezes superior, e que, em 2012, ano em que o auxílio tinha sido concedido, a Saremar também tinha registado um défice de 1,7 milhões de euros que, sem o pagamento da medida de compensação controvertida, teria ascendido a 13 milhões de euros. Consequentemente, a constatação de prejuízos contínuos no período considerado não é inexata. É verdade que o ponto 11 das orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação não refere, entre os indícios que permitam considerar que uma empresa se encontra em dificuldade, os prejuízos contínuos, mas apenas o nível crescente dos prejuízos. Todavia, resulta dos termos deste ponto 11, que a lista dos indícios que enumera tem um caráter puramente indicativo. Por conseguinte, a Comissão não cometeu nenhum erro de direito nem nenhum erro manifesto de apreciação ao considerar a existência de prejuízos contínuos como um indício pertinente para qualificar a Saremar de empresa em dificuldade. Pelas mesmas razões, a inexistência no presente caso dos outros indícios enumerados no referido ponto 11, não pode, contrariamente ao que a RAS sustenta, ser também considerada adequada para demonstrar a existência de um erro manifesto de apreciação. Em todo o caso, resulta dos n.os 175 a 180 supra que a Comissão não cometeu um erro ao considerar que a Saremar preenchia a condição definida no ponto 10, alínea a), das mesmas orientações para ser qualificada de empresa em dificuldade e que esta constatação bastava, por si só, para proceder a tal qualificação. Consequentemente, na medida em que visam a aplicação, pela Comissão, do ponto 11 das referidas orientações, os argumentos acima referidos são inoperantes.

182    Em quinto e último lugar, contrariamente ao que a RAS sustenta, o facto de a Comissão ter declarado, nos n.os 266 a 268 da decisão impugnada, que, sem a intervenção financeira desta autoridade, as dificuldades financeiras da Saremar teriam sido mais importantes e teriam posto em causa a continuação da atividade desta sociedade não equivale a qualificar de empresa em dificuldade qualquer empresa que sofra défices ligados às suas obrigações de serviço público.

183    Com efeito, antes de mais, resulta dos n.os 264 e 266 da decisão impugnada que o montante do défice da Saremar que teria sido atingido se não fosse o pagamento da compensação controvertida constitui apenas uma confirmação das dificuldades desta sociedade constatadas pela Comissão com base em outros indícios. Efetivamente, resulta, em especial, do n.o 264 desta decisão que foi a redução do capital da Saremar nos últimos doze meses que precederam a adoção da medida de compensação controvertida que constituiu, do ponto de vista da Comissão, um elemento determinante, suficiente, por si só, para qualificar esta sociedade de empresa em dificuldade. Ora, como alega a própria RAS, esta redução de capital não se deveu a um prejuízo de exploração da Saremar no âmbito das missões de serviço público em que esta sociedade tinha então sido investida, mas à depreciação dos seus créditos sobre a Tirrenia. Por outro lado, a Comissão também considerou o caráter contínuo dos prejuízos sofridos pela Saremar desde 2010 como um indício da sua situação difícil.

184    De resto, como foi indicado no n.o 178 supra, o conceito de empresa em dificuldade, tal como definido no ponto 9 das orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação, é um conceito objetivo que deve ser apreciado unicamente à luz dos indícios concretos da situação financeira e económica da empresa em causa. Consequentemente, a origem dos défices desta empresa, em especial, relacionada com a execução de um serviço público, não pode constituir um elemento pertinente para determinar se a empresa se encontra em dificuldade ou não.

185    Por outro lado, o argumento da RAS assenta no pressuposto errado de que a situação da Saremar, à data da adoção da medida de compensação controvertida, pode ser comparada à de uma empresa cujos défices provêm da falta de pagamento de uma compensação de serviço público, que foi concedida, previamente, no âmbito da definição das condições da missão de serviço público correspondente. Ora, no caso em apreço, como referido nos n.os 105 a 108 supra, as condições das missões de serviço público da Saremar excluíam o pagamento de uma compensação de serviço público e fixavam como objetivo à Saremar manter o equilíbrio orçamental com base apenas nas receitas de exploração. Assim, foi apenas em 7 de agosto de 2012, após ter constatado os prejuízos da Saremar decorrentes das suas operações de cabotagem com o continente, que a RAS adotou, no âmbito de uma lei regional, a medida de compensação controvertida. De resto, importa salientar que, como demonstra o n.o 103 da decisão impugnada, a RAS, durante o procedimento formal de investigação, tinha justificado a decisão de compensar parcialmente os prejuízos de exploração sofridos pela Saremar e de interromper as referidas operações com o facto de estas medidas serem primordiais para limitar os riscos económicos ligados às operações em causa. Nestas condições, a Comissão não cometeu nenhum erro de direito nem, de resto, nenhum erro manifesto de apreciação ao considerar que o caráter indispensável da medida de compensação controvertida para colmatar, parcialmente, os défices de exploração Saremar podia ser considerado um indício suscetível de qualificar esta sociedade de empresa em dificuldade.

186    Consequentemente, não se pode deduzir dos n.os 266 e 268 da decisão impugnada que, sempre que a Comissão constate que uma empresa sofreu défices em razão das suas obrigações de serviço público, a qualificaria necessariamente de empresa em dificuldade.

187    Resulta do exposto que a primeira parte do quarto fundamento deve, em todo o caso, ser rejeitada por ser infundada.

188    Por outro lado, no que respeita à segunda parte do quarto fundamento, importa salientar que não se pode, em todo o caso, considerar que o ponto 9 do enquadramento SIEG de 2011 limita ilegalmente o alcance do artigo 106.o, n.o 2, TFUE.

189    A este respeito, importa recordar que, no ponto 9 do enquadramento SIEG de 2011, a Comissão refere que os auxílios concedidos aos prestadores de SIEG em dificuldade serão apreciados à luz das orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação.

190    No n.o 269 da decisão impugnada, a Comissão aplicou o ponto 9 do enquadramento SIEG de 2011 referindo:

«Segundo o ponto 9 do enquadramento SIEG de 2011, as compensações de serviço público concedidos a empresas em dificuldade devem ser apreciadas à luz das orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação. Dado que as condições enunciadas pela decisão SIEG de 2011 não estão preenchidas, a compensação recebida pela Saremar [para obviar às dificuldades] relativas às duas ligações em questão deve ser avaliada à luz [das referidas orientações], com vista a determinar se pode ser declarada compatível com o mercado interno nos termos do artigo 107.o, n.o 3, TFUE.»

191    A título preliminar, importa declarar que, como aliás salientou a Comissão na tréplica, a RAS limitou ela própria o alcance da sua exceção de ilegalidade. Com efeito, como expôs na réplica, o ponto 9 do enquadramento SIEG de 2011 deveria, em seu entender, ser considerado ilegal, no caso de não permitir apreciar à luz do artigo 106.o, n.o 2, TFUE uma compensação que cobre os défices de uma empresa em dificuldade, em resultado de uma diferença entre os custos suportados para a execução de um serviço público e as subvenções recebidas a esse título. Em contrapartida, a RAS não considera ilegal o referido ponto, na medida em que deva ser interpretado no sentido de que uma compensação, que é concedida para obviar aos défices de uma empresa em dificuldade ocasionados pelas outras atividades diferentes das missões de serviço público, não é abrangida pelo artigo 106.o, n.o 2, TFUE.

192    Deste modo, independentemente da interpretação do ponto 9 do enquadramento SIEG de 2011 que deva ser acolhida, a exceção de ilegalidade suscitada pela RAS é improcedente.

193    Com efeito, como já foi recordado no n.o 137 supra, o poder de apreciação de que dispõem os Estados‑Membros quanto à definição de uma missão de serviço público e das condições em que esta última é realizada não pode autorizar um recurso abusivo das autoridades nacionais ao conceito de SIEG unicamente com o objetivo de permitir que as empresas beneficiem da derrogação prevista no artigo 106.o, n.o 2, TFUE.

194    A este respeito, resulta de jurisprudência constante que, para que as condições do artigo 106.o, n.o 2, TFUE estejam preenchidas, deve obstar‑se, não existindo direitos ou subvenções controvertidos, ao cumprimento das missões particulares confiadas à empresa ou que a manutenção de tais direitos ou subvenções seja necessária para permitir ao seu titular cumprir as missões de interesse económico geral que lhe foram confiadas, em condições economicamente aceitáveis (v. acórdão de 1 de julho de 2010, M6 e TF1/Comissão, T‑568/08 e T‑573/08, EU:T:2010:272, n.o 138 e jurisprudência aí referida). Consequentemente, para que a derrogação prevista nesta disposição seja aplicável, é necessário que a situação económica e financeira da empresa que beneficia dos referidos direitos ou subvenções no momento em que lhe são concedidos lhe permita efetivamente cumprir as missões de serviço público que lhe são atribuídas. Caso contrário, a derrogação prevista pelo artigo 106.o, n.o 2, TFUE poderia ficar privada de efeito útil e, por conseguinte, de justificação, de modo que não se poderia evitar o risco de um recurso abusivo dos Estados‑Membros ao conceito de SIEG.

195    Ora, como salienta com razão a Comissão, remetendo para os n.os 68 a 71 das orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação, uma vez que a sua própria existência está em perigo mais ou menos a curto prazo, não se pode considerar que uma empresa em dificuldade na aceção destas orientações está em condições de cumprir adequadamente as missões de serviço público que lhe são atribuídas, enquanto a sua viabilidade não estiver assegurada. Nestas condições, a subvenção concedida a tal empresa em dificuldade com vista a compensar os défices resultantes da execução das referidas missões de serviço público não pode beneficiar da derrogação prevista no artigo 106.o, n.o 2, TFUE, mas apenas, sendo caso disso, da prevista no artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE.

196    Com efeito, no âmbito das condições de aplicação do artigo 106.o, n.o 2, TFUE, que impõem nomeadamente o caráter estritamente proporcionado da compensação aos encargos de serviço público, esta compensação não permitirá garantir o cumprimento das missões correspondentes, em razão das dificuldades enfrentadas pela empresa. Em contrapartida, tal compensação pode ser suscetível de contribuir para que a empresa em causa volte a ser viável, desde que sejam respeitadas as condições de aplicação do artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE, conforme explicitadas nas orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação. Assim, a derrogação à proibição dos auxílios estatais prevista nesta última disposição do Tratado mantém o seu efeito útil e, consequentemente, a sua justificação.

197    Por conseguinte, ao indicar no ponto 9 do enquadramento SIEG de 2011 que os auxílios concedidos aos prestadores de SIEG em dificuldade serão apreciados à luz das orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação, a Comissão não restringiu ilegalmente o alcance do artigo 106.o, n.o 2, TFUE. Consequentemente, a Comissão também não excedeu os limites da sua competência.

198    Os argumentos expostos pela RAS em apoio da sua exceção de ilegalidade não podem pôr em causa esta conclusão.

199    Antes de mais, a circunstância de a indicação enunciada no ponto 9 do enquadramento SIEG de 2011 não figurar nas disposições da decisão SIEG de 2011 não pode ser de molde a demonstrar uma incoerência no quadro jurídico definido pela Comissão para a aplicação do artigo 106.o, n.o 2, TFUE, nem um tratamento discriminatório por sua parte. Com efeito, por um lado, como sublinhou a Comissão, esta decisão visa definir as condições em que as compensações de serviço público abrangidas pelo artigo 106.o, n.o 2, TFUE podem beneficiar de uma isenção de notificação e, portanto, ser consideradas compatíveis sem que esta instituição tenha de as examinar. Por conseguinte, a menção do quadro jurídico no qual a Comissão examina os auxílios aos prestadores de SIEG em dificuldade é desprovida de objeto no âmbito de tal decisão. Por outro lado, e em todo o caso, como referido no n.o 195 supra, um auxílio concedido a uma empresa em dificuldade titular de uma missão de serviço público não é adequado para satisfazer os objetivos da derrogação prevista no artigo 106.o, n.o 2, TFUE. Consequentemente, não pode, por maioria de razão, ser autorizado no âmbito da decisão SIEG de 2011 que só pode abranger, por definição, as compensações de serviço público que se considere que respondem a estes objetivos. Pelas mesmas razões, as compensações de serviço público a que a decisão SIEG de 2011 é aplicável não estão numa situação comparável à dos auxílios concedidos a prestadores de serviço público em dificuldade.

200    Em seguida, resulta da jurisprudência recordada no n.o 113 supra que a legalidade do ponto 9 do enquadramento SIEG de 2011 deve ser apreciada exclusivamente no âmbito do artigo 106.o, n.o 2, TFUE e do artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE, e não à luz de uma prática decisória anterior, a qual, de resto, como a Comissão salienta, é suscetível de evolução. Consequentemente, a referência à decisão SNCM no caso em apreço não é pertinente. Por outro lado, a RAS não pode fazer referência aos n.os 55 a 71 do acórdão de 11 de setembro de 2012, Corsica Ferries France/Comissão (T‑565/08, EU:T:2012:415). Com efeito, nesses números, o Tribunal Geral não examinou a questão de saber se o aumento de capital analisado na decisão SNCM devia ser apreciado à luz do artigo 87.o, n.o 3, alínea c), CE ou do artigo 86.o, n.o 2, CE, em vigor à data dos factos, questão que não foi suscitada no litígio em causa.

201    Em todo o caso, como já foi declarado no n.o 113 supra, resulta, em especial, do n.o 253 da decisão SNCM que a medida qualificada pela Comissão de compensação de serviço público tinha sido autorizada no âmbito da convenção celebrada entre a SNCM e as autoridades francesas e paga em seguida no âmbito de um plano de reestruturação. Por outro lado, não resulta da decisão SNCM que, à data em que a convenção tinha sido celebrado e, portanto, a referida medida autorizada no seu princípio, a SNCM podia ser qualificada de empresa em dificuldade. Por conseguinte, a medida em causa nesta decisão não era comparável à medida de compensação controvertida, que só foi concedida depois de a RAS ter constatado as dificuldades da Saremar resultantes da execução das operações de ligação com o continente.

202    Por último, resulta dos n.os 194 a 196 supra que, contrariamente ao que a RAS sustenta, na hipótese de o défice da empresa em causa decorrer das obrigações de serviço público que lhe foram atribuídas, daí não resulta necessariamente que a compatibilidade da compensação destes défices deva ser sempre apreciada à luz do artigo 106.o, n.o 2, TFUE sob pena de impossibilitar a exploração de serviços públicos subvencionados.

203    Resulta do exposto que o ponto 9 do enquadramento SIEG de 2011 não está, em todo o caso, ferido de ilegalidade por, com esse ponto, a Comissão restringir indevidamente o alcance do artigo 106.o, n.o 2, TFUE e, consequentemente, exceder a sua competência. Portanto, a decisão impugnada também não é ilegal por esse facto.

204    Por conseguinte, há que rejeitar a segunda parte do quarto fundamento e, por consequência, este fundamento na sua totalidade.

 Quanto ao quinto fundamento, relativo a erros de direito e a erros manifestos de apreciação, na medida em que a Comissão considerou que a medida de compensação controvertida não respeitava os critérios do enquadramento SIEG de 2011

205    Em apoio do seu quinto fundamento, a RAS alega, por um lado, que os princípios previstos nos pontos 14, 19, 20, 24, 39 e 60 do enquadramento SIEG de 2011 não são aplicáveis à medida de compensação controvertida e que, por outro, e em todo o caso, os referidos princípios foram respeitados no caso em apreço.

206    Na sua contestação, a Comissão, apoiada pela CIN, alega que o quinto fundamento diz respeito a motivos acessórios e que, tendo em conta os argumentos que já invocou no âmbito dos outros fundamentos, a medida de compensação controvertida não pode ser considerada conforme com o enquadramento SIEG de 2011.

207    A este respeito, na medida em que, no essencial, os argumentos invocados pela RAS no âmbito do presente fundamento são argumentos que já foram rejeitados no âmbito do exame do segundo a quarto fundamentos, o presente fundamento deverá também ser rejeitado com base nos motivos seguintes.

208    Em primeiro lugar, no que se refere às considerações enunciadas pela RAS com vista a demonstrar que a segunda condição Altmark estava preenchida, há que remeter para os n.os 110 a 121 supra, nos quais são apresentadas as razões que justificam a rejeição dessas considerações.

209    Em segundo lugar, para demonstrar a não aplicabilidade ratione temporis à medida de compensação controvertida das condições previstas nos pontos 14, 19, 20, 24, 39 e 60 do enquadramento SIEG de 2011, a RAS faz referência à argumentação que apresentou no âmbito da primeira parte do terceiro fundamento para sustentar a sua afirmação de que a decisão SIEG de 2011 também não era aplicável ratione temporis a esta medida. A este respeito, basta remeter para os n.os 142 a 145 supra, que expõem as razões pelas quais esta argumentação deve ser rejeitada.

210    Em terceiro lugar, a RAS não pode, manifestamente, invocar o ponto 61 do enquadramento SIEG de 2011 que enuncia que os princípios previstos nos pontos 14, 19, 20, 24, 39 e 60 desse enquadramento não se aplicam aos auxílios que preenchem as condições estabelecidas no artigo 2.o, n.o 1, da decisão SIEG de 2011. Com efeito, como já foi salientado no n.o 156 supra, a circunstância de a medida de compensação controvertida respeitar os limiares previstos no artigo 2.o, n.o 1, alínea d), desta decisão apenas permitia considerar que esta medida estava abrangida pelo âmbito de aplicação dessa decisão. Em contrapartida, não permitia de modo algum considerar que respeitava as condições da mesma decisão. Consequentemente, o ponto 61 deste enquadramento não se aplica a tal medida e, por conseguinte, foi com razão que a Comissão aplicou no caso em apreço os princípios previstos nos pontos 14, 19, 20, 24, 39 e 60 do mesmo enquadramento.

211    Em quarto e último lugar, no que se refere ao respeito dos princípios previstos nos pontos 14, 19, 20, 24, 39 e 60 do enquadramento SIEG de 2011, importa salientar que, em todo o caso, nos n.os 285 e 286 da decisão impugnada, a Comissão declarou acertadamente que a medida de compensação controvertida não satisfazia, designadamente, as exigências definidas no ponto 16, alíneas d) e e), do mesmo enquadramento. Com efeito, contrariamente a estas exigências, as decisões da RAS relativas à missão de serviço público não incluem uma descrição do mecanismo de compensação nem os parâmetros para o cálculo da compensação e respetivo acompanhamento e revisão, nem medidas destinadas a evitar e a recuperar uma eventual compensação em excesso. Por conseguinte, tendo em conta o não respeito destas exigências, que são essenciais para determinar se a medida controvertida constitui uma compensação de serviço público compatível com o mercado interno à luz do artigo 106.o, n.o 2, TFUE, o eventual respeito dos princípios previstos nos pontos 14, 19, 20, 24, 39 e 60 desse enquadramento não pode ser determinante. Por outro lado, a RAS não demonstra que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que as exigências de cálculo dos custos líquidos das obrigações de serviço público com base nos custos líquidos evitados, que figuram no ponto 24 deste enquadramento, não estavam preenchidas no caso em apreço. O mesmo se pode dizer no que respeita à inexistência, no presente caso, de medidas de incentivo para promover a prestação eficiente de um SIEG no âmbito da determinação do método de compensação, que são exigidas no ponto 39 do enquadramento em questão.

212    Resulta do exposto que o quinto fundamento deve ser rejeitado.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 106.o, n.o 2, TFUE e a uma apreciação errada da definição das obrigações de serviço público impostas à Saremar

213    No âmbito deste primeiro fundamento, a RAS alega, por um lado, que a Comissão, tanto no âmbito da aplicação das condições Altmark como do artigo 106.o, n.o 2, TFUE, deu uma definição errada das obrigações de serviço público impostas à Saremar ao considerar que tinham uma natureza exclusivamente tarifária. Por outro lado, a RAS alega que a Comissão excedeu as competências que a jurisprudência lhe reconhece no âmbito da aplicação do artigo 106.o, n.o 2, TFUE, ao efetuar as apreciações de mérito e de oportunidade a respeito das necessidades a que correspondiam essas obrigações de serviço público, e não um controlo restrito das opções da RAS limitado ao erro manifesto de apreciação.

214    A Comissão, apoiada pela CIN, responde que não cometeu um erro de apreciação relativamente às obrigações de serviço público impostas à Saremar e que não excedeu as suas competências.

215    Importa salientar que, como a recorrente, de resto, reconheceu na audiência, as alegações enunciadas no âmbito do presente fundamento não se distinguem, em substância, das alegações análogas apresentadas no âmbito do segundo fundamento. Com efeito, em apoio da primeira parte deste fundamento, a RAS censura, designadamente, a Comissão por ter cometido, no quadro da aplicação da primeira condição Altmark, erros de direito e erros manifestos de apreciação a respeito da definição da necessidade de serviço público e das obrigações de serviço público impostas à Saremar. Ora, pelas razões expostas nos n.os 122 a 132 supra, estas alegações são inoperantes.

216    É verdade que o alcance do presente fundamento não se limita à aplicação pela Comissão da primeira condição Altmark, mas abrange igualmente o exame, por esta instituição, da compatibilidade da medida de compensação controvertida no âmbito do artigo 106.o, n.o 2, TFUE, em especial, à luz da decisão SIEG de 2011, por um lado, e do enquadramento SIEG de 2011, por outro. No entanto, resulta do exame do terceiro e quinto fundamentos, nos n.os 133 a 167 e 205 a 212 supra, que a Comissão pôde validamente considerar que a medida de compensação controvertida não era conforme com as exigências da decisão SIEG de 2011 nem com as do enquadramento SIEG de 2011, baseando‑se noutros motivos diferentes da sua apreciação da definição da necessidade de serviço público no caso em apreço e das obrigações de serviço público impostas à Saremar. Consequentemente, mesmo admitindo que esta apreciação esteja errada ou viciada de incompetência, esta circunstância não tem qualquer incidência na legalidade da aplicação, pela Comissão, no caso em apreço, do artigo 106.o, n.o 2, TFUE.

217    Resulta do que precede que todo o primeiro fundamento é inoperante e deve, por conseguinte, ser rejeitado.

 Quanto à segunda parte do recurso, relativa à parte da decisão impugnada respeitante ao aumento de capital controvertido

218    Na segunda parte do recurso, a recorrente invoca um fundamento único relativo a erros manifestos de apreciação e à violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE e do artigo 106.o, n.o 2, TFUE, bem como à violação do dever de fundamentação, cometidos no âmbito da apreciação da conformidade do aumento de capital controvertido com o critério do investidor privado em economia de mercado. Por conseguinte, importa considerar, pelas razões expostas no n.o 69 supra, que a recorrente invoca, na realidade, dois fundamentos, relativos, um, à violação do dever de fundamentação e, o outro, a erros de direito e a erros manifestos de apreciação.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação

219    No âmbito do presente fundamento, a RAS critica a Comissão por não ter exposto as razões pelas quais não teve em conta o facto de que a recapitalização controvertida não era mais do que a reconstituição de recursos económicos que já integravam os ativos da Saremar.

220    A este respeito, importa recordar que, como indicado no n.o 79 supra, resulta da jurisprudência que a Comissão não é obrigada a rebater cada um dos argumentos invocados pelas partes durante o procedimento administrativo. Em especial, o dever de fundamentação não pode obrigar a Comissão a tomar posição sobre elementos manifestamente despropositados, desprovidos de significado ou claramente secundários (v. acórdão de 1 de julho de 2008, Chronopost e La Poste/UFEX e o., C‑341/06 P e C‑342/06 P, EU:C:2008:375, n.o 89 e jurisprudência aí referida).

221    No caso em apreço, por um lado, resulta claramente da análise da Comissão exposta nos n.os 235 a 245 da decisão impugnada que esta última considerou que o aumento de capital controvertido constituía uma transferência de recursos. Por outro lado, como adiante se exporá nos n.os 225 a 237 infra, o argumento da RAS, segundo o qual a recapitalização controvertida não é mais do que a reconstituição de recursos económicos que já integravam os ativos da Saremar, é improcedente, na medida em que mesmo que a entrada de capital controvertida represente uma «reconstituição» do património da Saremar, não deixa de constituir, de forma evidente, uma entrada financeira de recursos públicos. Por conseguinte, a Comissão não podia ser obrigada a responder a este argumento e, por consequência, o primeiro fundamento deve ser rejeitado.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo a erros de direito e de apreciação

222    O segundo fundamento divide‑se, em substância, em três partes. Na primeira parte deste fundamento, a RAS sustenta que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação relativo à natureza das receitas correspondentes ao aumento de capital controvertido e, por esse facto, violou o artigo 107.o, n.o 1, TFUE e o artigo 106.o, n.o 2, TFUE. A segunda parte deste fundamento é relativa a erros manifestos de apreciação no que respeita à aplicação ao presente caso do critério do investidor privado em economia de mercado. A terceira parte deste fundamento é relativa a um erro manifesto de apreciação no que respeita à compatibilidade do aumento de capital controvertido.

223    A Comissão, apoiada pela CIN, considera que esta argumentação é improcedente.

–       Quanto à primeira parte do segundo fundamento, relativa a um erro manifesto de apreciação quanto à natureza dos recursos correspondentes ao aumento de capital controvertido e à violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE e do artigo 106.o, n.o 2, TFUE

224    No âmbito da primeira parte do segundo fundamento, a RAS sustenta, em primeiro lugar, que a Comissão não teve em conta que o montante do aumento de capital controvertido correspondia aos créditos que a Saremar detinha sobre a Tirrenia e não tinha, portanto, nenhuma relação com as ligações para o continente exploradas pela Saremar. Assim, segundo a RAS, este aumento de capital não é mais do que a reconstituição de recursos económicos que tinham sido subtraídos a esta sociedade na sequência da entrada da Tirrenia em procedimento de administração extraordinária. Esta medida não constitui, portanto, uma entrada de novos recursos públicos nem, por consequência, um auxílio estatal na aceção do artigo 107.o TFUE.

225    Esta alegação é improcedente.

226    Por um lado, recorde‑se que, segundo jurisprudência constante, o artigo 107.o, n.o 1, TFUE define as intervenções estatais em função dos seus efeitos (v. acórdão de 19 de março de 2013, Bouygues e Bouygues Télécom/Comissão e o. e Comissão/França e o., C‑399/10 P e C‑401/10 P, EU:C:2013:175, n.o 102 e jurisprudência aí referida). Por conseguinte, no caso em apreço, para apreciar a existência de uma vantagem económica à luz do critério do investidor privado em economia de mercado, não era pertinente a Comissão questionar‑se sobre se o aumento de capital controvertido correspondia a uma ou a outra das atividades da Saremar. Em todo o caso, como salientou a Comissão, este aumento de capital era, por definição, suscetível de beneficiar a totalidade das atividades da empresa. Por último, a RAS não explica por que razão considera que só o nexo com as operações da Saremar nas ligações com o continente permite justificar, no caso em apreço, o recurso ao critério do investidor privado em economia de mercado. Com efeito, tendo essas ligações sido exploradas pela Saremar para efeitos da execução de uma missão de serviço público confiada pela RAS, um financiamento dessas ligações por esta autoridade pública enquadrava‑se necessariamente no seu papel enquanto poder público e não enquanto acionista da Saremar.

227    Por outro lado, não há dúvida de que o aumento de capital controvertido constituiu uma transferência de recursos públicos em benefício da Saremar, ainda que esta transferência de recursos se tenha destinado a compensar a perda de recursos anteriores. A este respeito, como já foi recordado no n.o 226 supra, o artigo 107.o, n.o 1, TFUE define as intervenções estatais em função dos seus efeitos e não em função da sua finalidade. Ora, a RAS não contesta que, à data em que o aumento de capital controvertido foi decidido, os recursos que tinham integrado, segundo as recorrentes, o património da Saremar e que este aumento de capital visava «reconstituir» já não estavam disponíveis. O próprio conceito de reconstituição, utilizado pela RAS, demonstra, a este respeito, que a recorrente estava consciente da existência de uma entrada de recursos novos no caso em apreço. Em todo o caso, importa salientar que a tese da RAS de que esses recursos já pertenciam aos ativos da Saremar, na medida em que eram constituídos por créditos sobre a sua antiga sociedade‑mãe, está factual e juridicamente errada. Com efeito, como a própria RAS expõe no âmbito da presente parte, o aumento de capital controvertido destinava‑se a permitir à empresa recuperar o seu nível de capitalização inicial, na sequência da sua decisão de cobrir a depreciação dos créditos sobre a Tirrenia através de uma redução de capital correspondente ao valor desses créditos, após utilização da reserva legal e dos lucros dos anos anteriores. Por conseguinte, esses créditos depreciados já não constituíam, por definição, ativos do património da Saremar, pois já não eram recuperáveis, mas sim prejuízos que foram cobertos pela acima referida redução de capital da empresa, que foi por sua vez compensada pelo aumento de capital controvertido (v. n.o 8 supra).

228    Por último, como sublinhou a Comissão na contestação, o aumento de capital controvertido era suscetível de constituir uma vantagem económica real para a Saremar, na medida em que, sem essa intervenção, a Saremar só teria recuperado parcialmente os fundos correspondentes ao montante dos créditos detidos sobre a Tirrenia, tendo em conta a depreciação desses créditos em 50%, no âmbito do processo de insolvência da Tirrenia.

229    Decorre do que precede que a Comissão não cometeu nenhum erro ao examinar o aumento de capital controvertido apenas do ponto de vista dos seus efeitos e ao considerar que o referido aumento de capital tinha constituído uma transferência de recursos estatais para a Saremar suscetível de conferir a esta última uma vantagem económica e que, para verificar esta última condição, havia que aplicar o critério do investidor privado em economia de mercado.

230    O argumento da RAS, segundo o qual só foi paga uma parte mínima do aumento de capital controvertido, isto é, o montante de 824 309, 69 euros, não é, manifestamente, suscetível de pôr em causa esta conclusão. Com efeito, como já foi recordado no n.o 142 supra, resulta de jurisprudência constante que um auxílio estatal deve ser considerado concedido quando as autoridades nacionais competentes adotaram um ato juridicamente vinculativo pelo qual se comprometem a conceder o auxílio em causa ou quando o direito de receber este auxílio é conferido ao beneficiário pelas disposições legislativas e regulamentares aplicáveis. Por conseguinte, o facto de a RAS só ter efetuado um pagamento correspondente a uma parte reduzida do aumento de capital controvertido não tem incidência na qualificação de auxílio estatal do referido aumento de capital.

231    A referência da RAS ao ponto 3.3 da Comunicação da Comissão aos Estados‑Membros de 1984, intitulada «Participação das autoridades públicas nos capitais das empresas» (Bol. CE. 9/1984, a seguir «comunicação de 1984»), também não é pertinente. Com efeito, contrariamente ao que a RAS indica, a redação dos pontos 3.2 e 3.3 da comunicação de 1984 não faz referência ao conceito de «entrada de novos recursos públicos», mas ao de «entrada de capital novo». Além disso, resulta do teor destes pontos da comunicação de 1984 que, para determinar se uma entrada de capital novo, na aceção desta comunicação, constitui um auxílio estatal, é necessário aplicar o critério do investidor privado em economia de mercado, o que vai precisamente contra o raciocínio da RAS destinado a demonstrar que a Comissão não devia ter considerado aplicável este critério no caso em apreço.

232    Em segundo lugar, a RAS sustenta que, na medida em que os recursos «reconstituídos» através do aumento de capital controvertido eram parte integrante de uma compensação de serviço público, estavam abrangidos pelo artigo 106.o, n.o 2, TFUE. Acresce que o montante desta compensação já tinha sido aprovado pela Comissão numa decisão anterior.

233    Este segundo argumento também não é pertinente.

234    A este respeito, basta recordar que, como constatado nos n.os 227 a 229 supra no âmbito da primeira alegação, contrariamente ao que a RAS sustenta, esta não se limitou, através do aumento de capital controvertido, a colocar à disposição da Saremar fundos que já integravam o património desta sociedade. Por consequência, a RAS também não tem razão ao sustentar que se limitou, no caso em apreço, a restituir compensações de serviço público que deveriam ser apreciadas à luz do artigo 106.o, n.o 2, TFUE. Por conseguinte, esta alegação pode ser rejeitada com base, apenas, neste motivo.

235    Além disso, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, há que distinguir entre o papel do Estado, por um lado, enquanto acionista de uma empresa e, por outro, enquanto poder público. A aplicabilidade do critério do investidor privado depende, em última análise, da circunstância de o Estado‑Membro em causa conceder, na sua qualidade de acionista e não na de poder público, uma vantagem económica a uma empresa (v. acórdão de 4 de setembro de 2014, a SNCM e França/Corsica Ferries France, C‑533/12 P e C‑536/12 P, EU:C:2014:2142, n.o 31 e jurisprudência aí referida). No caso em apreço, resulta da decisão impugnada, bem como da petição, que, para justificar o aumento de capital controvertido, a RAS se referiu reiteradamente ao seu papel de acionista da Saremar e não ao seu papel de autoridade pública. Com efeito, a RAS explica, em especial, no âmbito da primeira alegação, que, em vez de repercutir sobre o preço de venda da Saremar, aquando da sua privatização, os prejuízos resultantes da depreciação do seu crédito sobre a Tirrenia, optou por proceder ao aumento de capital controvertido com vista a obter um melhor preço de venda desta sociedade graças à melhoria da situação patrimonial da mesma. Consequentemente, neste contexto, a RAS não pode invocar o seu papel de autoridade pública para sustentar que a Saremar não obteve uma vantagem económica.

236    Em todo o caso, como a RAS reconheceu, não decorre dos elementos dos autos que o aumento de capital controvertido resultava da execução de obrigações decorrentes dos compromissos por ela contraídos relativamente ao Estado italiano quando este último lhe transferiu a propriedade da Saremar. Em especial, não se afigura que a RAS estivesse obrigada, no âmbito desta transferência de competências, a indemnizar a Saremar pela parte dos montantes correspondentes às compensações de serviço público pagas entre 1998 e 2008, que esta sociedade não teria podido recuperar no âmbito do processo de insolvência da Tirrenia. Assim, a única obrigação a que a RAS fez referência a este respeito, durante o procedimento formal de investigação, foi a prevista no artigo 2446.o do Código Civil italiano, relativa à entrada de capital que deve ser realizada pelos acionistas de uma sociedade cujo capital social diminuiu para um montante inferior a um determinado limiar, à qual a RAS só estava vinculada na qualidade de acionista de uma sociedade e não na qualidade de poder público.

237    Consequentemente, mesmo admitindo que o aumento de capital controvertido visava restituir à Saremar os fundos correspondentes às compensações de serviço público que esta sociedade tinha podido recuperar no âmbito do processo de insolvência da Tirrenia, não pode ser qualificado de compensação de serviço público suscetível de beneficiar da derrogação prevista pelo artigo 106.o, n.o 2, TFUE.

238    Daqui resulta que a primeira parte do segundo fundamento deve ser rejeitada.

–       Quanto à segunda parte do segundo fundamento, relativa a erros manifestos de apreciação no que respeita à aplicação ao presente caso do critério do investidor privado em economia de mercado

239    No âmbito da segunda parte deste fundamento, a RAS sustenta que, em todo o caso, adotou, no caso em apreço, um comportamento muito prudente, à semelhança de qualquer investidor privado, ao diligenciar no sentido de proceder a uma entrada de capital mínima, com vista a obter um melhor preço de venda quando da sua privatização. Por conseguinte, esta medida contribuiu para preservar a realização do plano de empresa anterior.

240    A este respeito, basta observar que os argumentos expostos no âmbito da presente parte não são suscetíveis de demonstrar a existência de um erro manifesto de apreciação cometido pela Comissão ao verificar, nos n.os 236 a 244 da decisão impugnada, se o aumento de capital controvertido tinha constituído uma vantagem económica para a Saremar, à luz do critério do investidor privado em economia de mercado.

241    Com efeito, a circunstância de a RAS ter diligenciado no sentido de só pagar uma parte mínima do aumento de capital controvertido, de forma a obter um preço melhor quando da privatização Saremar e preservar o plano de empresa anterior, não é suscetível de pôr em causa a conclusão da Comissão, que figura no considerando 242 da decisão impugnada, segundo a qual o aumento de capital controvertido não parece assentar em avaliações económicas semelhantes às que um investidor privado razoável teria efetuado antes de proceder a um investimento deste tipo.

242    Assim, a RAS não contesta que, como a Comissão declarou no considerando 239 da decisão impugnada, o plano de empresa para os anos de 2011‑2022, aprovado em de julho de 2010, não foi atualizado para ter em conta as alterações significativas do ambiente económico verificadas posteriormente à sua aprovação, em especial, a insolvência da Tirrenia, a sua recompra pela CIN e o adiamento da privatização da Saremar.

243    De igual modo, a RAS não contesta a conclusão da Comissão no considerando 240 da decisão impugnada, segundo a qual esta autoridade pública, antes de proceder ao aumento de capital controvertido, não tomou em conta as perspetivas de rentabilidade da Saremar e não examinou outras opções além desse aumento de capital, em especial, a liquidação da empresa. A este respeito, importa salientar que a RAS teria sido obrigada a seguir esta última opção se não tivesse procedido a este aumento de capital. Com efeito, resulta da Decisão regional n.o 36/6 que, atendendo ao nível do capital da Saremar, que se encontrava abaixo do limite legal fixado pelo artigo 2446.o do Código Civil italiano, esta empresa não teria podido continuar em atividade. Em todo o caso, o caráter parcial do pagamento do aumento de capital controvertido, invocado pela RAS, não tem incidência, na medida em que é a decisão de conceder este aumento de capital que deve ser tida em conta para determinar a existência de um auxílio estatal.

244    Por conseguinte, a segunda parte do segundo fundamento deve ser rejeitada.

–       Quanto à terceira parte do segundo fundamento, relativa a erros de direito e a erros manifestos de apreciação no que respeita ao exame da compatibilidade do aumento de capital controvertido

245    Esta terceira parte diz respeito à parte da decisão impugnada em que a Comissão examinou a compatibilidade com o mercado interno do aumento de capital controvertido (n.os 297 a 299 da decisão impugnada) à luz das orientações relativas aos auxílios de emergência e à reestruturação. Visa mais especificamente o n.o 299 dessa decisão no qual a Comissão concluiu que as condições estabelecidas nas referidas orientações não estavam preenchidas no caso em apreço, referindo‑se aos motivos expostos nos n.os 271 a 278 da mesma decisão que a levaram a retirar uma conclusão semelhante relativamente à medida de compensação controvertida. Ora, para suportar a presente alegação, a RAS refere‑se unicamente aos argumentos que expôs no âmbito do quarto fundamento sem outra justificação. Por conseguinte, a este respeito, basta declarar que, como decorre dos n.os 170 a 204 supra, estes argumentos devem ser rejeitados.

246    Resulta do que precede que há que rejeitar a terceira parte do segundo fundamento e, portanto, este fundamento na sua totalidade.

247    Por conseguinte, uma vez que nenhum dos fundamentos do presente recurso pode ser acolhido, deve ser negado provimento ao recurso na sua totalidade.

 Quanto às despesas

248    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

249    Tendo a recorrente sido vencida, deve ser condenada nas despesas, de acordo com os pedidos da Comissão e da CIN.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Regione autonoma della Sardegna (Itália) é condenada a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão Europeia e pela Compagnia Italiana di Navigazione SpA.

Gratsias

Kancheva

Półtorak

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 6 de abril de 2017.

Assinaturas


Índice


Antecedentes do litígio

1.  Elementos factuais

2.  Procedimento administrativo

3.  Decisão impugnada

Tramitação processual e pedidos das partes

Questão de direito

1.  Quanto à legitimidade ativa e ao interesse em agir

2.  Quanto ao mérito

Quanto à primeira parte do recurso, relativa à parte da decisão impugnada respeitante à medida de compensação controvertida

Quanto ao sexto fundamento, relativo à violação de formalidades essenciais

–  Quanto à primeira parte, relativa à violação do dever de fundamentação da decisão impugnada

–  Quanto à segunda parte, relativa à violação dos direitos de defesa

Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 107. o, n.o 1, TFUE e do artigo 106.o, n.o 2, TFUE, bem como a erros manifestos de apreciação cometidos pela Comissão na aplicação das condições Altmark

Quanto ao terceiro fundamento, relativo a erros de direito e a erros manifestos de apreciação a respeito da aplicação da decisão SIEG de 2005 e da decisão SIEG de 2011

–  Quanto à primeira parte do terceiro fundamento, relativa a um erro de direito a respeito do âmbito de aplicação ratione temporis da decisão SIEG de 2005 e da decisão SIEG de 2011

–  Quanto à segunda parte do terceiro fundamento, relativa a erros de direito e de apreciação a respeito da aplicação dos princípios e das condições da decisão SIEG de 2011

–  Quanto à terceira parte do terceiro fundamento, relativa à aplicação errada do artigo 4. o, alínea f), da decisão SIEG de 2011 e, a título subsidiário, a uma exceção de ilegalidade desta disposição

Quanto ao quarto fundamento, relativo a erros de direito e a erros manifestos de apreciação cometidos pela Comissão a respeito da qualificação de empresa em dificuldade, à violação do artigo 106. o, n.o 2, TFUE e a uma exceção de ilegalidade do ponto 9 do enquadramento SIEG

Quanto ao quinto fundamento, relativo a erros de direito e a erros manifestos de apreciação, na medida em que a Comissão considerou que a medida de compensação controvertida não respeitava os critérios do enquadramento SIEG de 2011

Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 106. o, n.o 2, TFUE e a uma apreciação errada da definição das obrigações de serviço público impostas à Saremar

Quanto à segunda parte do recurso, relativa à parte da decisão impugnada respeitante ao aumento de capital controvertido

Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação

Quanto ao segundo fundamento, relativo a erros de direito e de apreciação

–  Quanto à primeira parte do segundo fundamento, relativa a um erro manifesto de apreciação quanto à natureza dos recursos correspondentes ao aumento de capital controvertido e à violação do artigo 107. o, n.o 1, TFUE e do artigo 106.o, n.o 2, TFUE

–  Quanto à segunda parte do segundo fundamento, relativa a erros manifestos de apreciação no que respeita à aplicação ao presente caso do critério do investidor privado em economia de mercado

–  Quanto à terceira parte do segundo fundamento, relativa a erros de direito e a erros manifestos de apreciação no que respeita ao exame da compatibilidade do aumento de capital controvertido

Quanto às despesas


* Língua do processo: italiano.