Language of document : ECLI:EU:T:2020:561

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

25 de novembro de 2020 (*)

«Marca da União Europeia — Registo internacional que designa a União Europeia — Sinal tridimensional — Forma de uma garrafa escura — Motivo absoluto de recusa — Falta de caráter distintivo — Artigo 7.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento (UE) 2017/1001»

No processo T‑862/19,

Brasserie St Avold, com sede em Saint‑Avold (França), representada por P. Greffe, D. Brun e F. Donaud, advogados,

recorrente,

contra

Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), representado por A. Folliard‑Monguiral e V. Ruzek, na qualidade de agentes,

recorrido,

que tem por objeto um recurso da decisão da Quarta Câmara de Recurso do EUIPO de 21 de outubro de 2019 (processo R 466/2019‑4), relativa ao registo internacional que designa a União Europeia de um sinal tridimensional constituído pela forma de uma garrafa escura,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção),

composto por: A. M. Collins, presidente, V. Kreuschitz e G. Steinfatt (relatora), juízes,

secretário: J. Pichon, administradora,

vista a petição inicial que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 18 de dezembro de 2019,

vista a resposta entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 28 de fevereiro de 2020,

após a audiência de 10 de setembro de 2020,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 16 de março de 2018, a recorrente, a Brasserie St Avold, designou a União Europeia para o registo internacional n.o 1408065 de um sinal tridimensional constituído pela forma de uma garrafa escura. A marca objeto do registo internacional que designa a União Europeia é o sinal tridimensional a seguir reproduzido:

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2        Os produtos para os quais a proteção da marca foi pedida pertencem às classes 32 e 33 na aceção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de junho de 1957, conforme revisto e alterado, e correspondem à seguinte descrição:

–        classe 32: «Cervejas; águas minerais (bebidas); águas gasosas; bebidas à base de fruta; sumos de fruta; xaropes para bebidas; preparações para bebidas; limonadas; néctares de frutos; sodas; aperitivos sem álcool»;

–        classe 33: «Bebidas alcoólicas (com exceção das cervejas); vinhos; vinhos de denominação de origem protegida; vinhos com indicação geográfica protegida».

3        Por Decisão de 25 de janeiro de 2019, a examinadora do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) recusou a proteção do registo internacional ao abrigo do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento (UE) 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, sobre a marca da União Europeia (JO 2017, L 154, p. 1).

4        Em 20 de fevereiro de 2019, a recorrente interpôs no EUIPO recurso da decisão da examinadora, ao abrigo dos artigos 66.o a 71.o do Regulamento 2017/1001.

5        Por Decisão de 21 de outubro de 2019 (a seguir «decisão impugnada»), a Quarta Câmara de Recurso do EUIPO negou provimento ao recurso por o sinal controvertido ser desprovido de caráter distintivo na aceção do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento 2017/1001.

6        Para chegar a esta conclusão, a Câmara de Recurso considerou, em primeiro lugar, que, uma vez que o sinal controvertido correspondia a uma das formas de embalagens mais evidentes para as bebidas alcoólicas e não alcoólicas visadas pelo pedido de proteção, a saber, a garrafa, só se podia considerar que aquele sinal era distintivo na condição de divergir de forma significativa da norma ou dos hábitos do setor. Essas divergências teriam de ser específicas, memorizáveis e entendidas pelo público no sentido de que constituíam indicadores da origem comercial dos produtos.

7        Em segundo lugar, o público relevante era composto por compradores de bebidas, alcoólicas ou não, em toda a União.

8        Em terceiro lugar, a forma da garrafa de cor escura, coroada por uma carica, é habitual no setor das bebidas. No que respeita ao rótulo branco enrolado de forma irregular sobre o corpo da garrafa, os exemplos concretos identificados pela examinadora mostram que se trata de uma característica que não é invulgar no setor em causa, independentemente de o rótulo cobrir total ou parcialmente a garrafa. Estes exemplos concretos serviram de base à conclusão de que o público‑alvo está mais inclinado a identificar a origem comercial das bebidas, alcoólicas ou não, através dos elementos nominativos dos rótulos do que através da sua forma ou da posição destes. O público‑alvo não apreende o sinal controvertido como um indicador de origem, independentemente de o rótulo ser apreendido como a representação de uma mitra de um bispo ou como uma toalha de mesa dobrada em forma de triângulo. O sinal controvertido não pode ser fácil e imediatamente memorizado pelo público relevante como sinal distintivo. Por outro lado, o rótulo pode ser apreendido no sentido de que tem uma função derramador antigota no momento de servir o líquido.

9        Assim, o sinal controvertido só é constituído por uma combinação de elementos típicos dos produtos em causa, a saber, uma garrafa e um rótulo, cuja forma e disposição não se diferenciam substancialmente de certas formas de base dos referidos produtos, antes se apresentando como uma simples variante destas. As diferenças alegadas em relação às normas do setor só são percetíveis depois de uma inspeção mais atenta que o consumidor médio não faz, pelo que não são apreendidas como indicações da origem comercial dos produtos em causa. O referido consumidor apreende o sinal controvertido como um acabamento estético, decorativo ou funcional dos produtos em causa, o qual, aliás, não se diferencia substancialmente das normas do setor.

10      Em quarto lugar, a Câmara de Recurso esclareceu que os registos obtidos em França e nos Estados Unidos não podem vincular a sua apreciação.

 Pedidos das partes

11      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar o EUIPO nas despesas.

12      O EUIPO conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

 Quanto à admissibilidade dos elementos de prova apresentados pela primeira vez no Tribunal Geral

13      Do n.o 43 da petição inicial constam duas fotografias que representam supostamente, respetivamente, um expositor de garrafas com rótulos conformes com a pretensa norma do setor e um expositor de produtos da recorrente munidos da marca reivindicada.

14      Estes documentos, apresentados pela primeira vez no Tribunal Geral, não podem ser tomados em consideração. Com efeito, o recurso para o Tribunal Geral visa a fiscalização da legalidade das decisões das Câmaras de Recurso do EUIPO, na aceção do artigo 72.o do Regulamento 2017/1001, pelo que a função do Tribunal Geral não consiste em reexaminar as circunstâncias de facto à luz dos documentos nele apresentados pela primeira vez. Por conseguinte, há que afastar estes documentos, sem que seja necessário examinar a sua força probatória [v., neste sentido, Acórdão de 24 de novembro de 2005, Sadas/IHMI — LTJ Diffusion (ARTHUR e FELICIE), T‑346/04, EU:T:2005:420, n.o 19 e jurisprudência referida].

 Quanto ao mérito

15      Em apoio do recurso, a recorrente invoca um fundamento único, relativo à violação do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 2017/1001.

16      O referido fundamento divide‑se em três partes. Em primeiro lugar, a recorrente alega que a Câmara de Recurso apreendeu erradamente as características e a natureza do sinal controvertido. Em segundo lugar, a Câmara de Recurso aplicou, em substância, critérios errados para efeitos da apreciação do caráter distintivo do sinal controvertido. Em terceiro lugar, a Câmara de Recurso cometeu um erro quando concluiu que o sinal controvertido não tinha caráter distintivo.

 Quanto à primeira parte, relativa a um erro na apreensão das características e da natureza da marca pedida

17      A recorrente formula, em substância, três acusações no âmbito desta parte. Primeiro, acusa a Câmara de Recurso de ter mal definido o sinal controvertido. Este é constituído pelo rótulo que se encontra posicionado de forma específica numa garrafa, sem que esta garrafa faça parte do sinal controvertido. Segundo, a recorrente alega que a forma e o modo de colocação deste rótulo na garrafa se afastam de forma muito significativa da norma e dos hábitos do setor. Terceiro, o referido rótulo não apresenta nenhum aspeto funcional.

18      Na medida em que os argumentos alegados no âmbito das duas últimas acusações dizem respeito à apreciação concreta da existência do caráter distintivo do sinal controvertido e completam os que foram apresentados no âmbito da terceira parte, serão tidos em conta no âmbito desta última parte.

19      No que respeita à primeira acusação, a recorrente alega que o sinal controvertido é composto pelos seguintes elementos:

–        um rótulo em forma de triângulo retângulo;

–        uma colocação específica deste rótulo numa garrafa: a sua hipotenusa situa‑se na parte inferior da garrafa e o rótulo enrola‑se totalmente à volta do corpo cilíndrico da garrafa de modo que a sua altura varia na circunferência da garrafa, formando uma saliência pontiaguda de um lado e um recorte em forma de letra maiúscula «V» do lado oposto, evocando assim uma mitra de bispo; o rótulo tem uma altura tal que ultrapassa o corpo cilíndrico da garrafa, de modo que, ao nível da saliência, o rótulo não toma a forma da garrafa.

20      Assim, pouco importa que «a garrafa escura que está fechada com uma carica [seja] uma embalagem habitual dos produtos em questão», uma vez que a recorrente reivindica direitos em relação a um rótulo específico, colocado de forma distintiva numa garrafa, e não em relação à própria garrafa. Por conseguinte, é inoperante que se examinem as características da garrafa e é inexato descrever, como a Câmara de Recurso fez, o sinal controvertido como sendo «a representação tridimensional em quatro ângulos de uma garrafa escura fechada com uma carica […] com um rótulo branco enrolado na parte inferior da garrafa». Pelo contrário, a Câmara de Recurso devia ter examinado se a combinação dos elementos do rótulo acima especificados no n.o 19 não formava, no seu conjunto, um sinal distintivo.

21      O EUIPO contesta os argumentos da recorrente.

22      Em relação a este ponto, em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal Geral na audiência, a recorrente esclareceu que o sinal cujo registo foi pedido era efetivamente um sinal tridimensional, conforme representado no n.o 2 da petição inicial e no pedido de proteção, a saber, uma garrafa com a sua carica e o seu rótulo.

23      Assim, foi com razão que a Câmara de Recurso tomou em consideração a impressão de conjunto que a totalidade destes elementos produz.

24      Por outro lado, resulta nomeadamente dos n.os 16, 17, 20, 22, 23 e 25 da decisão impugnada que a Câmara de Recurso tomou devidamente em consideração todos os elementos que caracterizam a perceção que o consumidor em causa tem do sinal controvertido.

25      Por conseguinte, sem prejuízo do esclarecimento acima efetuado no n.o 18, a primeira parte deve ser julgada improcedente.

 Quanto à segunda parte, relativa à aplicação de critérios errados para efeitos da apreciação do caráter distintivo do sinal controvertido

26      Remetendo para o Acórdão de 27 de fevereiro de 2002, Eurocool Logistik/IHMI (EUROCOOL) (T‑34/00, EU:T:2002:41, n.o 39), a recorrente alega que basta um mínimo de caráter distintivo para que o artigo 7.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento 2017/1001 não seja aplicável. Ora, o sinal controvertido é constituído por uma combinação de elementos que o distingue nitidamente das outras formas presentes no mercado para os produtos em causa, pelo que, considerado no seu conjunto, tem o mínimo de caráter distintivo exigido.

27      Esta conclusão é confirmada pelo Acórdão de 3 de outubro de 2018, Wajos/EUIPO (Forma de um recipiente) (T‑313/17, não publicado, EU:T:2018:638, n.o 26), segundo o qual, no setor alimentar, que se caracteriza por uma forte concorrência, os operadores são fortemente incitados a tornar os seus produtos identificáveis face aos dos concorrentes, nomeadamente quanto à sua aparência e à conceção da sua embalagem, para chamar a atenção dos consumidores. Resulta, assim, que o consumidor médio está plenamente apto a apreender a forma da embalagem dos produtos em causa como constituindo uma indicação da sua origem comercial, desde que essa forma apresente características suficientes para reter a sua atenção.

28      Ora, a Câmara de Recurso ignorou esta jurisprudência no n.o 11 da decisão impugnada, quando considerou, em substância, que podia ser mais difícil provar o caráter distintivo de um sinal tridimensional, que é constituído pela aparência do próprio produto ou da sua embalagem, face ao de uma marca nominativa ou figurativa. Por conseguinte, ao exigir um grau de distinção mais elevado para o sinal controvertido, a Câmara de Recurso cometeu um erro de direito.

29      O EUIPO contesta os argumentos da recorrente.

30      A este respeito, em conformidade com o artigo 4.o do Regulamento 2017/1001, a forma de um produto ou da sua embalagem é suscetível de constituir uma marca da União Europeia, desde que essa forma seja adequada para distinguir os produtos de uma empresa dos produtos de outras empresas.

31      Nos termos do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento 2017/1001, é recusado o registo de marcas desprovidas de caráter distintivo.

32      Resulta de jurisprudência constante que o caráter distintivo de uma marca, na aceção desta última disposição, significa que essa marca permite identificar o produto ou o serviço para o qual o registo é pedido como sendo proveniente de uma determinada empresa e permite, assim, distinguir esse produto dos de outras empresas [v. Acórdãos de 20 de outubro de 2011, Freixenet/IHMI, C‑344/10 P e C‑345/10 P, EU:C:2011:680, n.o 42 e jurisprudência referida, e de 24 de setembro de 2019, Fränkischer Weinbauverband/EUIPO (Forma de uma garrafa elipsoidal), T‑68/18, não publicado, EU:T:2019:677, n.o15 e jurisprudência referida].

33      Este caráter distintivo de uma marca deve ser apreciado, por um lado, relativamente aos produtos ou aos serviços para os quais o registo foi pedido e, por outro, relativamente à perceção que o público relevante deles tem [v. Acórdãos de 20 de outubro de 2011, Freixenet/IHMI, C‑344/10 P e C‑345/10 P, EU:C:2011:680, n.o 43 e jurisprudência referida, e de 16 de janeiro de 2014, Steiff/IHMI (Etiqueta com botão metálico no meio da orelha de um peluche), T‑434/12, não publicado, EU:T:2014:6, n.o 19 e jurisprudência referida].

34      Há também que recordar que, para apreciar se uma marca é ou não desprovida de caráter distintivo, importa tomar em consideração a impressão de conjunto que essa marca produz. Todavia, isso não implica que não haja que proceder, num primeiro momento, a uma análise sucessiva dos diferentes elementos de apresentação utilizados para essa marca. Com efeito, pode ser útil, durante a apreciação global, examinar cada um dos elementos constitutivos da marca em causa (v. Acórdão de 16 de janeiro de 2014, Etiqueta com botão metálico no meio da orelha de um peluche, T‑434/12, não publicado, EU:T:2014:6, n.o 18 e jurisprudência referida).

35      Por outro lado, é suficiente um mínimo de caráter distintivo para que o motivo absoluto de recusa que consta do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009 não seja aplicável [v. Acórdão de 25 de setembro de 2015, Bopp/IHMI (Representação de uma moldura octogonal verde), T‑209/14, não publicado, EU:T:2015:701, n.o 45 e jurisprudência referida].

36      Segundo jurisprudência constante, os critérios de apreciação do caráter distintivo das marcas tridimensionais constituídas pela forma do próprio produto não são diferentes dos critérios aplicáveis às outras categorias de marcas. No entanto, no âmbito da aplicação destes critérios, a perceção do consumidor médio não é necessariamente a mesma no caso de uma marca tridimensional, constituída pela aparência do próprio produto, e no caso de uma marca nominativa ou figurativa, que consiste num sinal independente do aspeto dos produtos que designa. Com efeito, os consumidores médios não têm por hábito basear‑se na forma ou no acondicionamento dos produtos para presumir a sua origem, quando não haja nenhum elemento gráfico ou textual, podendo, por isso, tornar‑se mais difícil provar o caráter distintivo quando se trata de uma marca tridimensional do que quando se trata de uma marca nominativa ou figurativa (v. Acórdãos de 20 de outubro de 2011, Freixenet/IHMI, C‑344/10 P e C‑345/10 P, EU:C:2011:680, n.os 45 e 46 e jurisprudência referida, e de 24 de setembro de 2019, Forma de uma garrafa elipsoidal, T‑68/18, não publicado, EU:T:2019:677, n.o 17 e jurisprudência referida; v., também, por analogia, Acórdão de 8 de abril de 2003, Linde e o., C‑53/01 a C‑55/01, EU:C:2003:206, n.o 48).

37      Mais concretamente, uma vez que a embalagem de um produto líquido é um imperativo de comercialização, o consumidor médio atribui‑lhe, em primeiro lugar, esta simples função. Uma marca tridimensional constituída por tal embalagem só é distintiva se permitir que o consumidor médio do produto em causa, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, sem proceder a uma análise ou a uma comparação e sem fazer prova de especial atenção, distinga este produto dos das outras empresas (v. Acórdão de 24 de setembro de 2019, Forma de uma garrafa elipsoidal, T‑68/18, não publicado, EU:T:2019:677, n.o 18 e jurisprudência referida; v., também, por analogia, Acórdão de 12 de fevereiro de 2004, Henkel, C‑218/01, EU:C:2004:88, n.o 53).

38      Nestas condições, quanto mais a forma cujo registo é pedido como marca se aproximar da forma mais provável que terá o produto em causa, mais verosimilmente a referida forma será desprovida de caráter distintivo, na aceção do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento 2017/1001. Só uma marca que, de forma significativa, divirja da norma ou dos hábitos do setor e, deste modo, for suscetível de desempenhar a sua função essencial de origem não é desprovida de caráter distintivo na aceção do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento 2017/1001 (v. Acórdãos de 29 de abril de 2004, Henkel/IHMI, C‑456/01 P e C‑457/01 P, EU:C:2004:258, n.o 39, e de 12 de dezembro de 2019, EUIPO/Wajos, C‑783/18 P, não publicado, EU:C:2019:1073, n.o 24 e jurisprudência referida; v., também e por analogia, Acórdão de 12 de fevereiro de 2004, Henkel, C‑218/01, EU:C:2004:88, n.o 49).

39      Do mesmo modo, importa recordar que a novidade ou a originalidade não são critérios pertinentes para a apreciação do caráter distintivo de uma marca, pelo que, para que uma marca possa ser registada, não basta que seja original, antes sendo necessário que se diferencie substancialmente das formas de base do produto em causa, comummente utilizadas no comércio, e que não apareça como uma simples variante, ou mesmo como uma variante possível destas formas. Além disso, não é necessário fazer prova do caráter usual da forma no comércio para determinar que a marca pedida não reveste caráter distintivo [v. Acórdão de 7 de outubro de 2015, The Smiley Company/IHMI (Representação de um rosto em forma de estrela), T‑244/14, não publicado, EU:T:2015:764, n.o 38 e jurisprudência referida; v., neste sentido, Acórdão de 28 de junho de 2019, Gibson Brands/EUIPO — Wilfer (Forma de um corpo de guitarra), T‑340/18, não publicado, EU:T:2019:455, n.o 39].

40      O Tribunal Geral também esclareceu que a presença no mercado de um número significativo de formas com as quais o consumidor é confrontado tornava pouco provável que este considerasse que um tipo particular de forma pertence a um fabricante específico em vez de pertencer à diversidade que caracteriza o referido mercado. Com efeito, a significativa diversidade das formas que têm um aspeto original ou fantasista já existentes no mercado restringe a probabilidade de se considerar que uma determinada forma particular diverge significativamente da norma que prevalece nesse mercado e seja assim identificada pelos consumidores apenas com base na sua especificidade ou na sua originalidade (Acórdão de 28 de junho de 2019, Forma de um corpo de guitarra, T‑340/18, não publicado, EU:T:2019:455, n.o 36).

41      Daqui decorre que, quando uma marca tridimensional é constituída pela forma do produto para o qual é pedido o registo ou pela forma da embalagem desse produto, o simples facto de esta forma constituir uma variante de uma das formas habituais deste tipo de produtos ou das embalagens deste tipo de produtos não é suficiente para demonstrar que a referida marca não é desprovida de caráter distintivo, na aceção do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento 2017/1001. Deve sempre verificar‑se se tal marca permite que o consumidor médio desse produto, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, distinga, sem proceder a uma análise e sem fazer prova de particular atenção, o produto em questão dos de outras empresas (v. Acórdão de 12 de dezembro de 2019, EUIPO/Wajos, C‑783/18 P, não publicado, EU:C:2019:1073, n.o 25 e jurisprudência referida).

42      No caso em apreço, nos n.os 8 a 13 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso apresentou a jurisprudência aplicável em matéria de exame da existência do caráter distintivo de uma marca tridimensional, constituída pela forma do próprio produto ou pela sua embalagem. Recordou, nomeadamente, a exigência segundo a qual esta marca devia divergir de forma significativa da norma ou dos hábitos do setor. Nos n.os 14 a 27 da decisão impugnada, aplicou essa jurisprudência ao sinal controvertido e concluiu, nos n.os 25 a 27 desta decisão, primeiro, que este sinal só era constituído por uma combinação de elementos típicos dos produtos em causa, a saber, uma garrafa e um rótulo, cuja forma e disposição não se diferenciavam substancialmente de certas formas de base dos produtos em questão, antes apareciam como uma simples variante destas; segundo, que as diferenças alegadas em relação à norma do setor só eram percetíveis no termo de uma inspeção mais atenta que o consumidor médio não realiza, pelo que não eram apreendidas como indicações da origem comercial dos produtos pedidos; e, terceiro, que o referido consumidor apreendia a marca como um acabamento estético, decorativo ou funcional dos produtos abrangidos por esta, que aliás não se diferenciava substancialmente da norma do setor.

43      É certo que resulta do n.o 26 do Acórdão de 3 de outubro de 2018, Forma de um recipiente (T‑313/17, não publicado, EU:T:2018:638), para o qual a recorrente remete, que, no setor alimentar, que se caracteriza por uma forte concorrência, os operadores são fortemente incitados a tornar os seus produtos identificáveis face aos dos concorrentes, nomeadamente quanto à sua aparência e à conceção da sua embalagem, para atrair a atenção dos consumidores, pelo que se afigura que o consumidor médio está plenamente apto a apreender a forma da embalagem dos produtos em causa como constituindo uma indicação da origem comercial destes últimos, desde que essa forma apresente características suficientes para reter a sua atenção.

44      No entanto, por um lado, importa recordar que é jurisprudência constante, desde o Acórdão de 8 de abril de 2003, Linde e o. (C‑53/01 a C‑55/01, EU:C:2003:206, n.o 48), proferido no âmbito da aplicação da Primeira Diretiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1), mas cujos princípios são transponíveis para o caso em apreço, que os consumidores médios não têm por hábito presumir a origem dos produtos com base na sua forma ou na forma da sua embalagem, quando não haja nenhum elemento gráfico ou textual, e que pode assim ser mais difícil fazer prova do caráter distintivo quando esteja em causa tal marca tridimensional do que quando esteja em causa uma marca nominativa ou figurativa (v. n.o 36, supra).

45      Por outro lado, no n.o 26 do Acórdão de 3 de outubro de 2018, Forma de um recipiente (T‑313/17, não publicado, EU:T:2018:638), o Tribunal Geral referiu‑se ao seu Acórdão de 3 de dezembro de 2003, Nestlé Waters France/IHMI (Forma de uma garrafa) (T‑305/02, EU:T:2003:328, n.o 34), que, por sua vez, foi proferido antes de o Tribunal de Justiça ter precisado, nos seus Acórdãos de 12 de fevereiro de 2004, Henkel (C‑218/01 P, EU:C:2004:88, n.o 49), de 29 de abril de 2004, Henkel/IHMI (C‑456/01 P e C‑457/01 P, EU:C:2004:258, n.o 39), e de 7 de outubro de 2004, Mag Instrument/IHMI (C‑136/02 P, EU:C:2004:592, n.o 31), que, em matéria de marcas tridimensionais constituídas pela forma do próprio produto ou da sua embalagem, só não é desprovida de caráter distintivo na aceção do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento 2017/1001 uma marca que, de forma significativa, divirja da norma ou dos hábitos do setor e que, por essa razão, é suscetível de cumprir a sua função essencial de origem (v. n.o 38, supra).

46      Assim, há que interpretar a regra que decorre do n.o 34 do Acórdão de 3 de dezembro de 2003, Forma de uma garrafa (T‑305/02, EU:T:2003:328), à luz da jurisprudência posterior do Tribunal de Justiça (v. n.os 36 e 38, supra). Por conseguinte, a premissa segundo a qual o consumidor médio está plenamente apto a apreender a forma da embalagem dos produtos em causa como constituindo uma indicação da origem comercial destes últimos, desde que essa forma apresente características suficientes para chamar a sua atenção, deve ser compreendida no sentido de que visa uma situação na qual a marca tridimensional pedida, constituída pela forma do próprio produto ou da sua embalagem, diverge de forma significativa da norma ou dos hábitos do setor.

47      Tanto mais assim é que o Tribunal Geral, no seu Acórdão de 3 de outubro de 2018, Forma de um recipiente (T‑313/17, não publicado, EU:T:2018:638, n.o 28), esclareceu que, para apreciar o caráter distintivo de uma marca tridimensional, constituída pela forma do próprio produto ou pela sua embalagem, havia que averiguar se a marca pedida diferia de forma significativa da norma ou dos hábitos do setor. No seu Acórdão de 12 de dezembro de 2019, EUIPO/Wajos (C‑783/18 P, não publicado, EU:C:2019:1073, n.os 24, 26 e 30), o Tribunal de Justiça confirmou expressamente a aplicação, na matéria, do teste da «divergência significativa face à norma e aos hábitos do setor em causa».

48      Daqui resulta que é sem razão que a recorrente alega que a Câmara de Recurso aplicou critérios errados para efeitos da apreciação do caráter distintivo da marca pedida.

49      A segunda parte deve assim ser rejeitada.

 Quanto à terceira parte, relativa ao facto de a Câmara de Recurso ter erradamente concluído pela inexistência de caráter distintivo do sinal controvertido

50      Atendendo ao esclarecimento acima feito no n.o 18, a recorrente invoca duas acusações no âmbito desta terceira parte. Primeiro, alega, em substância, que a Câmara de Recurso definiu mal a norma e os hábitos do setor. Segundo, a forma e o modo de colocação do rótulo na garrafa não apresentavam nenhum aspeto funcional e divergiam significativamente da norma e dos hábitos do setor.

–       Quanto à primeira acusação, relativa a um erro na definição da norma e dos hábitos do setor

51      A recorrente alega que os exemplos referidos pela Câmara de Recurso não são representativos da norma e dos hábitos do setor. No setor alimentar e, mais especificamente, no das bebidas alcoólicas, a norma consiste em colocar na garrafa um rótulo, habitualmente retangular, que é fixado totalmente numa parte do corpo cilíndrico da garrafa.

52      O EUIPO contesta os argumentos da recorrente.

53      A este respeito, resulta de jurisprudência constante que, na medida em que a recorrente invoca o caráter distintivo de uma marca pedida, não obstante a análise do EUIPO, é à recorrente que cabe apresentar indicações concretas e fundadas que demonstrem que a marca pedida é dotada de caráter distintivo intrínseco [v. Acórdãos de 28 de setembro de 2010, Rosenruist/IHMI (Representação de duas curvas num bolso), T‑388/09, não publicado, EU:T:2010:410, n.o 37 e jurisprudência referida, e de 21 de novembro de 2018, Bopp/EUIPO (Representação de octógono equilateral), T‑460/17, não publicado, EU:T:2018:816, n.o 53 e jurisprudência referida].

54      Há igualmente que recordar que a Câmara de Recurso não é obrigada a indicar, além disso, de forma geral e abstrata, o conjunto das normas e dos hábitos do setor em causa [v. Acórdão de 13 de maio de 2020, Cognac Ferrand/EUIPO (Forma de um entrançado sobre uma garrafa), T‑172/19, não publicado, EU:T:2020:202, n.o 49 e jurisprudência referida].

55      No caso em apreço, ao aprovar a análise da examinadora relativa à diversidade das formas dos rótulos nas garrafas para bebidas, incluindo no que respeita ao seu modo de colocação, e ao reproduzir algumas destas no n.o 17 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso demonstrou que a norma e os hábitos neste setor se caracterizavam por uma grande variedade das formas de apresentação (v., neste sentido, Acórdão de 28 de junho de 2019, Forma de um corpo de guitarra, T‑340/18, não publicado, EU:T:2019:455, n.os 38 e 39).

56      Assim, ainda que se admita que na sua maioria a forma dos rótulos dos produtos em questão é, como alega a recorrente, retangular, e que este é fixado totalmente numa parte do corpo cilíndrico da garrafa, a norma e os hábitos do setor não se podem reduzir, como sustenta com razão o EUIPO, apenas à forma estatisticamente mais difundida, devendo incluir todas as formas com que o consumidor habitualmente se depara no mercado.

57      Daqui decorre que a primeira acusação deve ser rejeitada.

–       Quanto à segunda acusação, relativa a um erro na apreciação do caráter funcional do rótulo e da divergência significativa da norma e dos hábitos do setor

58      Primeiro, a recorrente alega que a forma do rótulo e o modo como este se enrola à volta da garrafa são muito específicos. O sinal controvertido caracteriza‑se pelo seu rótulo em forma de triângulo retângulo cuja hipotenusa se situa na parte inferior da garrafa e cuja altura varia na circunferência da garrafa, formando uma saliência pontiaguda de um lado e um recorte em forma de letra maiúscula «V» do lado oposto, evocando assim uma mitra de bispo. O rótulo tem uma altura que ultrapassa o corpo cilíndrico da garrafa, de modo que, ao nível da saliência, o rótulo não toma a forma da garrafa

59      Em contrapartida, em quase todos os exemplos fornecidos pela Câmara de Recurso, o rótulo está amarrotado e não é liso. Estes rótulos envolvem integralmente e não parcialmente o corpo da garrafa. O único exemplo apresentado na decisão impugnada que representa um rótulo que se enrola totalmente à volta do corpo da garrafa diz, no entanto, respeito a um rótulo retangular, e a sua altura é regular em toda a circunferência da garrafa, não se tratando de um rótulo com altura irregular com uma saliência pontiaguda.

60      Deste modo, o sinal controvertido é muito diferente destes exemplos e, assim, da norma do setor. Nenhum dos exemplos identificados pela Câmara de Recurso reproduz uma garrafa cujo rótulo apresenta as características distintivas do sinal controvertido. O seu aspeto específico é percetível mesmo à distância. O público relevante não o apreende como uma variante clássica das possíveis formas para os produtos em causa, apreendendo‑o como uma indicação de origem facilmente memorizável que lhe permite, sem sequer olhar as informações nele inscritas, distinguir imediatamente os produtos da recorrente dos que têm outras origens comerciais.

61      Segundo, é surpreendente a afirmação da Câmara de Recurso no n.o 20 da decisão impugnada segundo a qual a saliência pontiaguda do rótulo pode não ser visível ou notada se quem consome o líquido segurar essa parte da garrafa com a mão. Por um lado, a saliência não se situa ao nível do corpo da garrafa, ou seja, na parte inferior através da qual o consumidor a agarra quando pretende consumir o líquido, situando‑se ao nível do gargalo da garrafa, pelo que não a cobre com a sua mão quando bebe. Por outro lado, não é de modo nenhum exigido, para que seja distintivo, que um sinal seja permanentemente visível pelo consumidor. Caso contrário, nenhuma marca poderia ser protegida, uma vez que qualquer sinal aposto num produto pode ser momentaneamente dissimulado consoante o modo como é armazenado ou utilizado.

62      Terceiro, contrariamente ao que a Câmara de Recurso indica no n.o 24 da decisão impugnada, o rótulo pretendido pela recorrente não apresenta nenhum aspeto funcional e não se destina a receber a gota de líquido que fica no gargalo imediatamente após o líquido ser vertido num copo ou depois de ser bebido diretamente do gargalo. Com efeito, não se trata de um guardanapo, mas sim de um rótulo em papel fino que não tem nenhuma propriedade absorvente. Uma gota que escorra ao longo da garrafa, do lado da saliência pontiaguda ou do lado do recorte em «V», não é mais retida pelo rótulo pretendido do que por qualquer outro rótulo em papel.

63      O EUIPO contesta os argumentos da recorrente.

64      A este respeito, importa, primeiro, recordar que o sinal controvertido consiste na representação tridimensional em quatro ângulos diferentes de uma garrafa escura, fechada com uma carica. Um rótulo branco está enrolado no corpo da garrafa de forma irregular, com exceção de uma saliência pontiaguda que aponta para cima e que não toma a forma do corpo da garrafa nessa parte. Do outro lado da garrafa, o rótulo forma um recorte em forma de letra maiúscula «V».

65      Tanto a Câmara de Recurso como a examinadora demonstraram que o setor das bebidas alimentares se caracteriza por uma grande variedade das formas e dos modos de colocação dos rótulos nas garrafas. Há, nomeadamente, rótulos amarrotados ou lisos, como o que está em causa, bem como rótulos que cobrem totalmente a garrafa ou que apenas a envolvem parcialmente, à semelhança do rótulo em causa. Alguns rótulos estão completamente colados à garrafa, ao passo que outros, como o que está em causa, dela se destacam parcialmente. Do mesmo modo, há rótulos retangulares, redondos ou aqueles que, como o rótulo em causa, adotam outras formas geométricas. Embora não se exclua que um rótulo como o visado pelo pedido de registo, ou mesmo um rótulo muito semelhante, ainda não esteja presente no mercado dos produtos em causa, deve todavia recordar‑se que a novidade ou a originalidade não são critérios pertinentes para a apreciação do caráter distintivo de uma marca. A aparência e a colocação do rótulo em questão na garrafa situam‑se na continuidade das formas que o consumidor pode habitualmente ver no mercado. Assim, como resulta, em substância, nomeadamente dos n.os 17 a 25 da decisão impugnada, longe de divergir de modo significativo da norma ou dos hábitos do setor, este rótulo constitui apenas uma variante possível das formas já existentes.

66      Como a Câmara de Recurso constatou corretamente, nomeadamente nos n.os 23 e 26 da decisão impugnada, para apreender as diferenças entre o rótulo visado pelo sinal controvertido e as outras formas de rótulos comummente presentes no mercado, há que efetuar um exame atento, que o consumidor médio dos produtos em questão não fará. Assim, as referidas divergências não suscitarão a sua atenção e não serão por si memorizadas enquanto sinal distintivo (v. jurisprudência referida nos n.os 37 e 41, supra).

67      Em todo o caso, uma simples divergência da norma ou dos hábitos do setor não é suficiente para considerar que o sinal controvertido tem caráter distintivo (Acórdão de 13 de maio de 2020, Forma de um entrançado numa garrafa, T‑172/19, não publicado, EU:T:2020:202, n.o 55).

68      Segundo, como resulta dos n.os 18, 19, 22 e 27 da decisão impugnada, e como o EUIPO sustenta corretamente, os consumidores médios esperam do rótulo que seja o suporte para informações relativas aos produtos em questão, incluindo a designação da sua origem comercial, mas não que designe em si mesmo, ou seja, quando não haja nenhum elemento gráfico ou figurativo, a proveniência desses produtos. Aliás, a recorrente reconhece que o rótulo será coberto por elementos nominativos (v. n.o 60, supra). Os consumidores também podem apreender o rótulo como um acabamento estético. Não havendo elementos de informação suscetíveis de sensibilizar estes consumidores quanto ao facto de este sinal ser suscetível de designar a origem dos produtos em causa, estes não estarão em condições de imaginar que é suposto que o sinal em causa designe um produtor concreto e não lhe prestarão especial atenção [v., por analogia, Acórdãos de 9 de outubro de 2002, Glaverbel/IHMI (Superfície de uma placa de vidro), T‑36/01, EU:T:2002:245, n.o 28, e de 21 de novembro de 2018, Bopp/EUIPO (Representação de um octógono equilateral), T‑460/17, não publicado, EU:T:2018:816, n.o 63].

69      Por conseguinte, o sinal controvertido não é suscetível de designar a origem dos produtos em questão. Não possui assim o mínimo de caráter distintivo exigido.

70      Esta conclusão não é posta em causa pelos argumentos da recorrente.

71      Primeiro, a recorrente não demonstrou que o consumidor médio compreende que o rótulo faz alusão a uma mitra de bispo, o que contribui para o demarcar da norma e dos hábitos do setor. Por um lado, contrariamente ao referido rótulo, uma mitra de bispo comporta habitualmente duas saliências, uma na parte dianteira e outra na parte traseira. Por outro lado, são os consumidores à escala da União considerada no seu todo que devem compreender o significado do rótulo como mitra de bispo. Ora, uma mitra com as saliências pontiagudas só é habitualmente parte dos hábitos dos bispos das Igrejas Católica e Anglicana, bem como de outras igrejas menos difundidas. Não é utilizada nas Igrejas Ortodoxas nem Evangélicas, as quais se encontram, contudo, amplamente difundidas em vários Estados‑Membros. Seja como for, a recorrente precisou na audiência que não é importante que os consumidores reconheçam que o rótulo faz alusão a uma mitra.

72      Segundo, a constatação da Câmara de Recurso que figura do n.o 20 da decisão impugnada segundo a qual que, em substância, os consumidores podem não apreender que a saliência do rótulo está solta da parte superior da garrafa, consoante o modo como nela seguram quando consomem o seu conteúdo, deve ser entendida à luz da jurisprudência acima referida nos n.os 37 e 41, conforme recordada e aplicada nomeadamente nos n.os 12, 22, 23 e 26 da decisão impugnada, segundo a qual o público em causa normalmente informado e razoavelmente atento não faz, de maneira geral, prova de uma atenção particular quando adquire os produtos em causa, pelo que o rótulo em questão e o modo como se encontra colocado na garrafa não suscitarão verdadeiramente a sua atenção. Do mesmo modo, a Câmara de Recurso não constatou que nenhum dos consumidores apreenderia este elemento. Assim, limitou‑se a evocar a possibilidade de um consumidor normalmente atento poder não apreender esta particularidade se segurar a garrafa de um determinado modo. Ora, tal situação não pode efetivamente ser excluída, uma vez que se pode segurar na garrafa tanto pela parte inferior como pela parte superior, ainda que esta possibilidade só raramente aconteça.

73      Por outro lado, resulta com clareza, nomeadamente, dos n.os 17 a 19, 21, 22 e 27 da decisão impugnada que esta característica específica do rótulo não será percecionada pelos consumidores como um elemento suscetível de lhe conferir caráter distintivo. Por um lado, representa apenas uma ligeira variação estética ou decorativa face às formas presentes no mercado. Por outro lado, os consumidores médios esperarão que o rótulo seja o suporte de informações relativas aos produtos em questão, incluindo a designação da sua origem comercial, mas não que designe em si mesma, ou seja, quando não haja nenhum elemento gráfico ou figurativo, a proveniência. Por conseguinte, a fundamentação que consta do n.o 20 da decisão impugnada era, de facto, superabundante.

74      Terceiro, embora a fundamentação que consta dos n.os 24 e 27 da decisão impugnada, relativa à pretensa função derramador antigota do rótulo em questão, seja pouco convincente, como aliás o EUIPO reconhece, é, seja como for, superabundante. Não apenas resulta do que precede que os outros motivos que constam da decisão impugnada são já suficientes para justificar a inexistência de caráter distintivo do sinal controvertido como as constatações em questão são introduzidas pelas expressões «do mesmo modo», ou até «ou mesmo», o que confirma a sua importância secundária no raciocínio da Câmara de Recurso. Daqui resulta que os argumentos da recorrente destinados a contestar essa fundamentação devem ser afastados, uma vez que são, no caso em apreço, inoperantes [v., neste sentido, Acórdão de 29 de janeiro de 2020, Vinos de Arganza/EUIPO — Nordbrand Nordhausen (ENCANTO), T‑239/19, não publicado, EU:T:2020:12].

75      Por conseguinte, os consumidores dos produtos em causa não apreenderão o sinal controvertido no sentido de que designa a sua origem comercial, pelo que este sinal não dispõe do mínimo de caráter distintivo na aceção do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento 2017/1001.

76      A constatação da inexistência do mínimo de caráter distintivo na aceção desta disposição é tanto mais válida quanto o sinal controvertido é constituído, além do rótulo em questão, por uma garrafa escura acompanhada da sua cápsula, cujo caráter perfeitamente habitual em relação à norma do setor estabelecida pela Câmara de Recurso não foi contestado pela recorrente. Por conseguinte, o sinal controvertido constitui apenas uma variante das formas de apresentação presentes no mercado.

77      Resulta de tudo o que precede que a recorrente não demonstrou que o sinal controvertido divergia de forma significativa da norma ou dos hábitos do setor num mercado caracterizado por uma grande variedade das formas de embalagens. Por conseguinte, a segunda acusação da terceira parte também deve ser rejeitada.

78      Decorre de tudo o que precede que o fundamento único deve ser rejeitado e que, por conseguinte, deve ser negado provimento ao recurso na sua totalidade.

 Quanto às despesas

79      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o pedido do EUIPO.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Brasserie St Avold é condenada nas despesas.

Collins

Kreuschitz

Steinfatt

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 25 de novembro de 2020.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.