Language of document : ECLI:EU:C:2021:202

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

16 de março de 2021 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Artigo 107.o, n.o 1, TFUE — Auxílios de Estado — Imposto húngaro sobre o volume de negócios relativo à publicidade — Elementos de determinação do sistema de referência — Progressividade das taxas — Dispositivo transitório de dedutibilidade parcial de prejuízos reportados — Existência de uma vantagem de caráter seletivo — Ónus da prova»

No processo C‑596/19 P,

que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 6 de agosto de 2019,

Comissão Europeia, representada por V. Bottka, P.‑J. Loewenthal e K. Herrmann, na qualidade de agentes,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

Hungria, representada por M. Z. Fehér e G. Koós, na qualidade de agentes,

recorrente em primeira instância,

República da Polónia, representada por B. Majczyna, na qualidade de agente,

interveniente em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, R. Silva de Lapuerta, vice‑presidente, J.‑C. Bonichot (relator), A. Arabadjiev, E. Regan, A. Kumin e N. Wahl, presidentes de secção, M. Safjan, D. Šváby, S. Rodin, F. Biltgen, K. Jürimäe, C. Lycourgos, P. G. Xuereb e N. Jääskinen, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: R. Șereș, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 1 de setembro de 2020,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 15 de outubro de 2020,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso, a Comissão Europeia pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 27 de junho de 2019, Hungria/Comissão (T‑20/17, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2019:448), pelo qual este anulou a Decisão (UE) 2017/329 da Comissão, de 4 de novembro de 2016, relativa à medida SA.39235 (2015/C) (ex 2015/NN) aplicada pela Hungria sobre a tributação do volume de negócios relativo à publicidade (JO 2017, L 49, p. 36, a seguir «decisão controvertida»).

 Antecedentes do litígio

2        Os antecedentes do litígio foram expostos pelo Tribunal Geral nos n.os 1 a 32 do acórdão recorrido. Podem ser resumidos da seguinte forma.

3        Em 11 de junho de 2014, a Hungria aprovou a Lei n.o XXII, de 2014, relativa ao Imposto sobre a Publicidade (a seguir «Lei relativa ao Imposto sobre a Publicidade»). A referida lei entrou em vigor em 15 de agosto de 2014 e criou um novo imposto especial, progressivo por escalões, sobre as receitas ligadas à difusão de publicidade na Hungria (a seguir «medida fiscal em causa»). No decurso da análise da Lei relativa ao Imposto sobre a Publicidade pela Comissão a título de fiscalização de auxílios de Estado, as autoridades húngaras afirmaram que este imposto tinha por objetivo assegurar o princípio da proporcionalidade fiscal.

4        Nos termos desta lei, quem difundir publicidade está sujeito à medida fiscal em causa. São, assim, sujeitos passivos desta última os operadores económicos que difundem publicidade, como os órgãos de imprensa escrita, os meios de comunicação social audiovisual ou quem explora os suportes publicitários, com exceção dos anunciantes, isto é, quem encomenda os anúncios publicitários, e as agências de publicidade, que são intermediários entre os anunciantes e os difusores. O valor tributável da medida fiscal em causa é o volume de negócios líquido gerado pela difusão de publicidade num exercício anual. A medida fiscal em causa é cobrada em complemento da tributação existente que onera as empresas, designadamente o imposto sobre as sociedades. O seu âmbito de aplicação territorial é a Hungria.

5        A tabela das taxas da medida fiscal em causa foi definida da seguinte forma:

–        0 % sobre a parte do valor tributável não superior a 0,5 mil milhão de forints húngaros (HUF) (cerca de 1 400 000 euros);

–        1 % sobre a parte do valor tributável entre os 0,5 e os 5 mil milhões de HUF (cerca de 14 milhões de euros);

–        10 % sobre a parte do valor tributável entre os 5 e os 10 mil milhões de HUF (cerca de 28 milhões de euros);

–        20 % sobre a parte do valor tributável entre os 10 e os 15 mil milhões de HUF (cerca de 42 milhões de euros);

–        30 % sobre a parte do valor tributável entre os 15 e os 20 mil milhões de HUF (cerca de 56 milhões de euros); e

–        40 % sobre a parte do valor tributável superior a este último montante, tendo esta taxa sido elevada para 50 % a partir de 1 de janeiro de 2015.

6        A Lei relativa ao Imposto sobre a Publicidade previa igualmente que os sujeitos passivos cujos lucros antes de imposto do exercício de 2013 tivessem sido nulos ou negativos podiam deduzir do valor tributável de 2014 50 % dos prejuízos reportados dos exercícios anteriores (a seguir «mecanismo de dedutibilidade parcial dos prejuízos reportados»).

7        Por Decisão de 12 de março de 2015, a Comissão deu início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE, por considerar que o caráter progressivo da medida fiscal em causa e o mecanismo de dedutibilidade parcial dos prejuízos reportados constituíam auxílios de Estado. Nessa decisão, a Comissão considerou que a progressividade das taxas introduzia uma distinção entre as empresas que beneficiavam de receitas de publicidade elevadas, isto é, as empresas de grande dimensão, e as empresas com receitas de publicidade mais baixas, isto é, as empresas de pequena dimensão. Segundo essa instituição, a medida fiscal em causa criava uma vantagem seletiva em benefício destas últimas. A Comissão considerou igualmente que o mecanismo de dedutibilidade parcial dos prejuízos reportados comportava uma vantagem seletiva constitutiva de um auxílio de Estado.

8        Através dessa mesma decisão, a Comissão ordenou às autoridades húngaras que suspendessem a medida fiscal em causa com base no artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o [TFUE] (JO 1999, L 83, p. 1).

9        No seguimento dessa decisão, a Hungria alterou essa medida através da Lei n.o LXII, de 2015, de 4 de junho de 2015 (a seguir «Lei de 2015»). A tabela progressiva da medida fiscal em causa, composta por seis escalões com taxas de 0 % a 50 %, foi substituída pela tabela seguinte, composta por duas taxas de tributação:

–        0 % sobre a parte do valor tributável inferior a 100 milhões de HUF (cerca de 280 000 euros) e

–        5,3 % sobre a parte do valor tributável superior a este último montante.

10      Em 4 de novembro de 2016, a Comissão encerrou o procedimento formal de investigação através da adoção da decisão controvertida.

11      No artigo 1.o desta decisão, a Comissão concluiu que o caráter progressivo da medida fiscal em causa, incluindo na versão resultante da Lei de 2015, e o mecanismo de dedutibilidade parcial dos prejuízos reportados eram constitutivos de um auxílio de Estado. Segundo a Comissão, este auxílio tinha sido instituído de forma ilegal, em violação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE e era, além disso, incompatível com o mercado interno à luz do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. No artigo 4.o da decisão controvertida, a Comissão ordenou à Hungria a recuperação junto dos beneficiários dos auxílios declarados incompatíveis com o mercado interno.

12      A este título, as autoridades húngaras deviam recuperar junto das empresas que registaram receitas publicitárias no decurso do período compreendido entre a data de entrada em vigor da Lei relativa ao Imposto sobre a Publicidade e a data da eliminação da medida fiscal em causa, ou a da sua substituição por um regime inteiramente compatível com o direito da União em matéria de auxílios de Estado, os montantes correspondentes à diferença entre, por um lado, o montante do imposto que essas empresas deviam ter pagado em aplicação do regime de referência que consiste num regime de tributação com uma taxa única, fixada em 5,3 %, sob reserva da escolha de outra taxa pelas autoridades húngaras e, por outro, o montante do imposto que as referidas empresas já tinham ou deviam ter pagado. No caso de a diferença entre esses dois montantes ser positiva, o montante correspondente devia ser recuperado, acrescido de juros contados desde a data de vencimento do imposto.

13      A Comissão assinalou, todavia, que a recuperação não seria necessária se a Hungria eliminasse a medida fiscal em causa com efeitos retroativos à data da sua entrada em vigor em 2014. No futuro, por exemplo, a partir de 2017, a Hungria poderia introduzir um regime de tributação que não fosse progressivo, não estabelecendo uma diferenciação entre os operadores económicos sujeitos passivos do imposto.

14      Em substância, a Comissão considerou que a medida fiscal em causa devia ser qualificada de «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, pelas seguintes razões.

15      No que respeita à imputabilidade da medida fiscal em causa ao Estado e ao seu financiamento através de recursos estatais, a Comissão salientou que, em virtude da aprovação da Lei relativa ao Imposto sobre a Publicidade, a Hungria tinha renunciado a recursos que devia ter recebido das empresas com um volume de negócios relativo a receitas publicitárias pouco elevado, isto é, as empresas de pequena dimensão, se estivessem sujeitas à mesma obrigação fiscal que as empresas com um volume de negócios relativo a receitas publicitárias mais elevado, isto é, as empresas maiores.

16      No que se refere à existência de uma vantagem, a Comissão recordou que as medidas que aliviam os encargos que normalmente oneram as empresas implicam, tal como as prestações positivas, uma vantagem. No caso vertente, a tributação a uma taxa consideravelmente inferior aliviou os encargos que oneram as empresas que realizam um volume de negócios menos elevado relativamente aos encargos das empresas cujo volume de negócios é mais elevado, conferindo assim uma vantagem às empresas mais pequenas relativamente às empresas maiores.

17      A Comissão acrescentou que o mecanismo de dedutibilidade parcial dos prejuízos reportados constituía igualmente uma vantagem uma vez que equivalia a diminuir a carga fiscal das empresas que dispunham de prejuízos reportados que não geraram lucros em 2013 relativamente à carga fiscal que onerava as outras empresas, que não podiam beneficiar desse mecanismo.

18      No âmbito da análise do caráter seletivo da medida fiscal em causa, a Comissão observou, em primeiro lugar, que o sistema de referência que havia que tomar em consideração correspondia ao de um imposto especial sobre o volume de negócios proveniente da difusão de publicidade. Todavia, segundo a Comissão, a estrutura progressiva das taxas do imposto sobre a publicidade não podia fazer parte desse sistema de referência. Com efeito, a Comissão indicou que, para que este último não possa ser considerado constitutivo de um auxílio de Estado, devia preencher dois requisitos, isto é, por um lado, basear‑se numa taxa única para todas as receitas publicitárias e, por outro, não conter qualquer elemento suscetível de conceder uma vantagem seletiva a certas empresas.

19      A Comissão considerou, em seguida, que, no caso vertente, a progressividade do imposto, na medida em que implicava não apenas taxas marginais mas também taxas médias de tributação diferentes entre empresas, constituía uma derrogação ao sistema de referência constituído por um imposto sobre a publicidade de taxa única à qual seriam sujeitos todos os operadores económicos que difundem publicidade na Hungria.

20      Além disso, essa instituição considerou que o mecanismo de dedutibilidade parcial dos prejuízos reportados, reservado às empresas que não geraram lucros em 2013, constituía, também, uma derrogação ao sistema de referência, caracterizado por uma tributação baseada no volume de negócios. Neste contexto, segundo a Comissão, os custos que oneram as empresas não podem ser deduzidos do valor tributável, contrariamente ao que se pratica em matéria de tributação dos lucros. Este mecanismo introduz, portanto, uma diferenciação arbitrária entre dois grupos de empresas que se encontram numa situação jurídica e factual comparável, a saber, por um lado, as empresas que apresentaram prejuízos reportados nos exercícios anteriores e que não geraram lucros no exercício de 2013 e, por outro, as empresas que tiveram lucros nesse exercício. A possibilidade de dedução parcial dos prejuízos existentes no momento da adoção da Lei relativa ao Imposto sobre a Publicidade é necessariamente seletiva, na medida em que favorece as empresas que dispõem de prejuízos reportados consideráveis, nomeadamente devido à sua acumulação nos anos anteriores.

21      Por último, a Comissão considerou que a Lei relativa ao Imposto sobre a Publicidade, conforme alterada pela Lei de 2015, instituía uma tributação baseada nos mesmos princípios e com as mesmas características que a sua versão original. Daí concluiu que a tributação resultante dessa lei, conforme alterada, apresentava características idênticas às que conduziram inicialmente à identificação de auxílios de Estado.

22      Em 16 de maio de 2017, a Hungria aprovou a Lei n.o XLVII, de 2017, que alterou a Lei relativa ao Imposto sobre a Publicidade. Em substância, esta lei eliminou, retroativamente, a medida fiscal em causa.

 Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

23      Em 16 de janeiro de 2017, a Hungria interpôs recurso da decisão controvertida. Por requerimento separado, apresentado no mesmo dia, apresentou um pedido de suspensão de execução, que foi indeferido por Despacho do presidente do Tribunal Geral de 23 de março de 2017, Hungria/Comissão (T‑20/17 R, não publicado, EU:T:2017:203).

24      Por Decisão de 30 de maio de 2017, o presidente da Nona Secção do Tribunal Geral admitiu a intervenção da República da Polónia em apoio dos pedidos apresentados pela Hungria.

25      A Hungria invocou três fundamentos em apoio do seu recurso, relativos, em primeiro lugar, ao facto de a medida fiscal em causa ter sido erradamente qualificada de «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, em segundo lugar, à violação do dever de fundamentação e, em terceiro lugar, à existência de um desvio de poder.

26      No acórdão recorrido, o Tribunal Geral deu provimento ao primeiro destes fundamentos, declarando que a Comissão tinha considerado erradamente que a medida fiscal em causa e o mecanismo de dedutibilidade parcial dos prejuízos reportados eram constitutivos de vantagens seletivas. Com base neste fundamento anulou a decisão controvertida, sem se pronunciar sobre os outros fundamentos do recurso.

 Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

27      Com o seu recurso, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

–        anular o acórdão recorrido;

–        decidir definitivamente o litígio, julgando improcedentes o segundo e terceiro fundamentos invocados pela Hungria contra a decisão controvertida, e condená‑la nas despesas; e

–        a título subsidiário, remeter o processo ao Tribunal Geral para que este se pronuncie quanto aos fundamentos sobre os quais ainda não se pronunciou.

28      A Hungria, apoiada nos seus pedidos pela República da Polónia, pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

–        negar provimento ao presente recurso; e

–        condenar a Comissão nas despesas.

 Quanto ao presente recurso

29      A Comissão invoca dois fundamentos de recurso.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, pelo facto de o Tribunal Geral ter declarado que o caráter progressivo da medida fiscal em causa não criava uma vantagem seletiva

30      Com o seu primeiro fundamento, a Comissão alega que, ao declarar que o caráter progressivo da medida fiscal em causa não implicava uma vantagem seletiva em benefício das empresas com um volume de negócios relativo à difusão de publicidade pouco elevado, o Tribunal Geral violou o artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Segundo essa instituição, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na interpretação e na aplicação de cada uma das três etapas da análise da seletividade dessa medida. A este respeito, a Comissão considera, desde logo, que o Tribunal Geral agiu erradamente ao considerar que a progressividade das taxas fazia parte do sistema de referência com base no qual se devia apreciar a seletividade da medida fiscal em causa. Em seguida, alega que o Tribunal Geral não podia examinar a comparabilidade das empresas sujeitas à referida medida à luz de um objetivo diferente do objetivo fiscal desta última. Por último, a Comissão sustenta que o Tribunal Geral agiu erradamente ao ter em consideração, no âmbito da análise da justificação da mesma medida, um objetivo, a saber, o objetivo de redistribuição, que não está intrinsecamente ligado à referida medida.

31      A Hungria e a República da Polónia contestam esta argumentação.

32      A título preliminar, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as intervenções dos Estados‑Membros nos domínios que não foram objeto de harmonização no direito da União não estão excluídas do âmbito de aplicação das disposições do Tratado FUE relativas à fiscalização dos auxílios de Estado (v., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão, C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416, n.o 81). Os Estados‑Membros devem assim abster‑se de adotar qualquer medida fiscal suscetível de constituir um auxílio de Estado incompatível com o mercado interno.

33      A este respeito, resulta igualmente de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a qualificação de uma medida nacional de «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, exige que estejam preenchidos todos os seguintes requisitos. Em primeiro lugar, deve tratar‑se de uma intervenção do Estado ou através de recursos estatais. Em segundo lugar, essa intervenção deve ser suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros. Em terceiro lugar, deve conferir uma vantagem seletiva ao seu beneficiário. Em quarto lugar, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (v., designadamente, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 53 e jurisprudência referida).

34      No que respeita ao requisito relativo à seletividade da vantagem, inerente à qualificação de uma medida de «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, que é o único objeto da impugnação feita pela Comissão no âmbito do presente recurso, resulta de jurisprudência igualmente constante do Tribunal de Justiça que esse requisito impõe determinar se, no quadro de um dado regime jurídico, a medida nacional em causa é suscetível de favorecer «certas empresas ou certas produções» em relação a outras, que se encontrem, à luz do objetivo prosseguido pelo referido regime, numa situação factual e jurídica comparável e que estão sujeitas a um tratamento diferenciado que pode, em substância, ser qualificado de discriminatório (Acórdão de 19 de dezembro de 2018, A‑Brauerei, C‑374/17, EU:C:2018:1024, n.o 35 e jurisprudência referida).

35      Por outro lado, quando a medida em causa é considerada um regime de auxílio e não um auxílio individual, incumbe à Comissão demonstrar que essa medida, embora preveja uma vantagem de alcance geral, confere o seu benefício exclusivo dessa vantagem a certas empresas ou a certos setores de atividade (v., neste sentido, designadamente, Acórdão de 30 de junho de 2016, Bélgica/Comissão, C‑270/15, EU:C:2016:489, n.o 49).

36      No que se refere, em particular, às medidas nacionais que conferem um benefício fiscal, há que recordar que uma medida desta natureza que, embora não inclua uma transferência de recursos estatais, coloca os beneficiários numa situação mais favorável do que os outros contribuintes é suscetível de conferir uma vantagem seletiva aos beneficiários e de constituir, por conseguinte, um «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Assim, é, nomeadamente, considerada um auxílio de Estado uma intervenção que alivia os encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa e que, por essa razão, não sendo subvenções na aceção estrita da palavra, tem a mesma natureza e produz efeitos idênticos (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de março de 1994, Banco Exterior de España, C‑387/92, EU:C:1994:100, n.os 13 e 14, e de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido, C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.os 71 e 72). Em contrapartida, não constitui tal auxílio, na aceção desta disposição, um benefício fiscal que resulta de uma medida geral indistintamente aplicável a todos os operadores económicos (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2018, A‑Brauerei, C‑374/17, EU:C:2018:1024, n.o 23 e jurisprudência referida).

37      Neste contexto, para qualificar uma medida fiscal nacional de «seletiva», a Comissão deve identificar, num primeiro momento, o sistema de referência, ou seja o regime fiscal «normal» aplicável no Estado‑Membro em causa e demonstrar, num segundo momento, que a medida fiscal em causa derroga esse sistema de referência, na medida em que introduz diferenciações entre operadores económicos que se encontram, face ao objetivo prosseguido por este último, numa situação factual e jurídica comparável (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2018, A‑Brauerei, C‑374/17, EU:C:2018:1024, n.o 36 e jurisprudência referida).

38      O conceito de «auxílio de Estado» não abrange todavia as medidas que introduzem uma diferenciação entre empresas que se encontram, tendo em conta o objetivo prosseguido pela regulamentação nacional em causa, numa situação factual e jurídica comparável e, por conseguinte, a priori, seletivas, quando o Estado‑Membro em causa conseguir demonstrar que esta diferenciação é justificada, por resultar da natureza ou da estrutura do sistema em que essas medidas se inserem (v., neste sentido, designadamente, Acórdãos de 29 de abril de 2004, Países Baixos/Comissão, C‑159/01, EU:C:2004:246, n.os 42 e 43; de 29 de março de 2012, 3M Italia, C‑417/10, EU:C:2012:184, n.o 40; e de 19 de dezembro de 2018, A‑Brauerei, C‑374/17, EU:C:2018:1024, n.o 44).

39      É à luz destas considerações que há que examinar se, no caso vertente, o Tribunal Geral violou o artigo 107.o, n.o 1, TFUE, como interpretado pelo Tribunal de Justiça, ao declarar, em substância, que a Comissão não tinha demonstrado que o caráter progressivo da medida fiscal em causa tinha como consequência conferir uma vantagem seletiva a «certas empresas ou [a] certas produções».

40      Com a primeira parte do seu fundamento, a Comissão sustenta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao censurá‑la por ter apreciado a eventual existência de uma vantagem seletiva à luz de um sistema de referência errado e ao considerar que faziam parte integrante desse sistema de referência as taxas de imposto progressivas fixadas pelo legislador húngaro.

41      Segundo a Comissão, a vantagem seletiva criada pela medida fiscal em causa não reside na existência de uma isenção a título da fração do volume de negócios inferior a um determinado montante, uma vez que todas as empresas em causa beneficiam dessa isenção relativamente à parte do seu volume de negócios que não ultrapassa o limiar correspondente ao escalão isento, mas na diferença da taxa média de imposto que resulta da progressividade das taxas. A Comissão sustenta que esta diferença favorece as empresas que realizam um volume de negócios pouco elevado, aliviando, de forma injustificada, a sua carga fiscal comparativamente à que onera as outras empresas no quadro do sistema de referência, consistindo este último, segundo a Comissão, num imposto sobre o volume de negócios à taxa única de 5,3 %. Assim, a tributação com taxas progressivas não difere da situação em que um grupo de sujeitos passivos é tributado a uma determinada taxa e outro grupo de sujeitos passivos a outra taxa, o que equivale a um tratamento diferenciado de empresas comparáveis.

42      Por conseguinte, coloca‑se, antes de mais, a questão de saber se, como sustenta a Comissão, a progressividade das taxas prevista pela medida fiscal em causa devia ser excluída do sistema de referência à luz do qual se deve apreciar se a existência de uma vantagem seletiva podia ser demonstrada ou se, como declarou o Tribunal Geral nos n.os 78 a 83 do acórdão recorrido, essa progressividade é, pelo contrário, parte integrante desse sistema.

43      Em matéria de liberdades fundamentais do mercado interno, o Tribunal de Justiça declarou que, no estádio atual de harmonização do direito fiscal da União, os Estados‑Membros têm liberdade para estabelecer o sistema de tributação que considerem mais apropriado, pelo que a aplicação de uma tributação progressiva se insere no âmbito do poder de apreciação de cada Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdãos de 3 de março de 2020, Vodafone Magyarország, C‑75/18, EU:C:2020:139, n.o 49, e Tesco‑Global Áruházak, C‑323/18, EU:C:2020:140, n.o 69 e jurisprudência referida). Esta afirmação é igualmente válida em matéria de auxílios de Estado (v., neste sentido, designadamente, Acórdão de 26 de abril de 2018, ANGED, C‑233/16, EU:C:2018:280, n.o 50 e jurisprudência referida).

44      Daqui resulta que, fora dos domínios em que o direito fiscal da União é objeto de harmonização, a determinação das características constitutivas de cada imposto se insere no poder de apreciação dos Estados‑Membros, em observância da sua autonomia fiscal, devendo esse poder, em todo o caso, ser exercido em observância do direito da União. É o que acontece, nomeadamente, com a escolha da taxa de imposto, que pode ser proporcional ou progressiva, mas também com a determinação do seu valor tributável e do seu facto gerador.

45      Estas características constitutivas definem, portanto, em princípio, o sistema de referência ou o regime fiscal «normal», a partir do qual se deve, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 37 do presente acórdão, analisar o requisito relativo à seletividade.

46      A este respeito, há que precisar que o direito da União em matéria de auxílios de Estado não se opõe, em princípio, a que os Estados‑Membros decidam optar por taxas de tributação progressivas, destinadas a ter em conta a capacidade contributiva dos sujeitos passivos. O facto de o recurso a uma tributação progressiva ser, na prática, mais comum em matéria de tributação das pessoas singulares não implica que lhes seja proibido a ela recorrer para ter igualmente em conta a capacidade contributiva das pessoas coletivas, em particular das empresas.

47      Assim, o direito da União não obsta a que uma tributação progressiva se baseie no volume de negócios, incluindo no caso de não se destinar a compensar os efeitos negativos que a atividade tributada é suscetível de gerar. Com efeito, contrariamente ao que sustenta a Comissão, o montante do volume de negócios constitui, em geral, simultaneamente um critério de distinção neutro e um indicador pertinente da capacidade contributiva dos sujeitos passivos (v., neste sentido, Acórdãos de 3 de março de 2020, Vodafone Magyarország, C‑75/18, EU:C:2020:139, n.o 50, e Tesco‑Global Áruházak, C‑323/18, EU:C:2020:140, n.o 70). Não resulta de nenhuma regra nem de nenhum princípio do direito da União, incluindo em matéria de auxílios de Estado, que a aplicação de taxas progressivas está reservada apenas à tributação dos lucros. Aliás, tal como o volume de negócios, o próprio lucro é apenas um indicador relativo da capacidade contributiva. A circunstância de o lucro constituir, como considera a Comissão, um indicador mais pertinente ou mais preciso do que o volume de negócios é indiferente em matéria de auxílios de Estado, uma vez que o direito da União nesta matéria visa apenas a eliminação das vantagens seletivas de que podem beneficiar certas empresas em detrimento de outras que estejam numa situação comparável. O mesmo se aplica à existência de uma eventual situação de dupla tributação económica, ligada ao cúmulo de um imposto sobre o volume de negócios e de um imposto sobre os lucros.

48      Resulta do exposto que as características constitutivas do imposto, das quais fazem parte as taxas de imposto progressivas, formam, em princípio, o sistema de referência ou o regime fiscal «normal» para efeitos da análise do requisito da seletividade. Dito isto, não está excluído que essas características possam, em certos casos, revelar um elemento manifestamente discriminatório, o que cabe, todavia, à Comissão demonstrar.

49      O Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido (C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732), não põe em causa as considerações anteriores. Pelo contrário, como salientou, em substância, a advogada‑geral nos n.os 47 a 52 das suas conclusões, no processo que deu origem a esse acórdão, o sistema fiscal tinha sido configurado segundo parâmetros manifestamente discriminatórios, destinados a contornar o direito da União em matéria de auxílios de Estado. Era isso que revelava, nesse processo, a escolha de critérios de tributação que favoreciam certas sociedades offshore, que se afigurava incoerente à luz do objetivo de criar uma tributação geral, que incidisse sobre todas as empresas, invocada pelo legislador em causa.

50      No caso vertente, como resulta dos n.os 3 a 6 e 9 do presente acórdão, o legislador húngaro instituiu, através da Lei relativa ao Imposto sobre a Publicidade, a medida fiscal em causa, que consiste num imposto especial, progressivo por escalões, baseado nas receitas relativas à difusão de publicidade na Hungria, aplicável a todas as empresas. A tabela deste imposto, que, contrariamente ao que sustenta a Comissão, tem a natureza de imposto direto, foi alterada pela Lei de 2015, mas as suas características mantiveram‑se inalteradas. A Comissão não demonstrou que essas características, adotadas pelo legislador húngaro fazendo uso do poder de apreciação de que dispõe no âmbito da sua autonomia fiscal, foram concebidas de forma manifestamente discriminatória, com o objetivo de contornar as exigências decorrentes do direito da União em matéria de auxílios de Estado. Nestas condições, a progressividade das taxas da medida fiscal em causa devia ser considerada inerente ao sistema de referência ou ao regime fiscal «normal» à luz do qual devia ser apreciada a existência, no caso vertente, de uma vantagem seletiva.

51      Por conseguinte, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao declarar, nos n.os 78 a 83 do acórdão recorrido, que a Comissão, ao considerar que a tabela progressiva da medida fiscal em causa não fazia parte do sistema de referência à luz do qual devia ser apreciado o caráter seletivo dessa medida, se tinha baseado erradamente num sistema de referência incompleto e fictício. Daqui resulta que a primeira parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

52      Uma vez que um erro cometido na determinação do sistema de referência vicia necessariamente toda a análise do requisito relativo à seletividade [v., neste sentido, Acórdão de 28 de junho de 2018, Andres (insolvência Heitkamp BauHolding)/Comissão, C‑203/16 P, EU:C:2018:505, n.o 107], não há que apreciar a segunda e terceira partes do primeiro fundamento.

53      Resulta do exposto que o primeiro fundamento de recurso deve ser julgado improcedente na íntegra.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, na medida em que o Tribunal Geral declarou que o mecanismo de dedutibilidade parcial dos prejuízos reportados não criava uma vantagem seletiva

54      Com o seu segundo fundamento, a Comissão sustenta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar que o mecanismo de dedutibilidade parcial dos prejuízos reportados, que permitia às empresas cujo lucro antes de imposto no exercício de 2013 fosse nulo ou negativo deduzir 50 % dos seus prejuízos reportados do valor tributável da medida fiscal em causa em 2014, não tinha caráter de vantagem seletiva. Ao proceder deste modo, o Tribunal Geral ignorou o alcance do Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido (C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.o 97).

55      A Hungria e a República da Polónia contestam esta argumentação.

56      A este respeito, importa recordar que, em princípio, como decorre do n.o 36 do presente acórdão, um benefício fiscal que resulta de uma medida geral, indistintamente aplicável a todos os operadores económicos, não tem caráter de «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

57      Como foi exposto nos n.os 34 a 38 do presente acórdão, para determinar o caráter seletivo da medida em causa há que verificar, à luz do regime fiscal identificado como constituindo o sistema de referência ou o regime fiscal «normal», se essa medida introduz uma diferenciação, não justificada pela natureza ou pela estrutura da regulamentação nacional em causa, entre operadores que se encontram, à luz do objetivo prosseguido por essa regulamentação, numa situação factual e jurídica comparável.

58      Daqui decorre, nomeadamente, que o facto de apenas os contribuintes que preenchem as condições de aplicação de uma medida poderem dela beneficiar não lhe confere, por si só, um caráter seletivo (v., neste sentido, designadamente, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 59). O caráter seletivo de uma medida também não pode ser deduzido do simples facto de esta apresentar caráter transitório, uma vez que a opção de limitar a sua aplicação no tempo, com vista a assegurar uma transição progressiva entre uma antiga regulamentação fiscal e uma nova, se insere no poder de apreciação dos Estados‑Membros recordado no n.o 44 do presente acórdão.

59      No caso vertente, ao instituir o mecanismo de dedutibilidade parcial dos prejuízos reportados, o legislador húngaro pretendeu moderar a carga fiscal que incide sobre as empresas economicamente mais frágeis a título do primeiro ano da sua sujeição à medida fiscal em causa, uma vez que esta tinha sido introduzida no decurso do ano. Dado que foi concebido, desde o início, como transitório, não se pode considerar que este mecanismo faça parte do sistema de referência ou do regime fiscal «normal» à luz do qual deve ser realizada a análise do seu caráter seletivo, ainda que se assemelhe a uma regra de determinação do valor tributável.

60      Há, portanto, que examinar se o mecanismo de dedutibilidade parcial dos prejuízos reportados introduz uma diferença de tratamento entre operadores que se encontram, à luz do objetivo prosseguido pela Lei relativa ao Imposto sobre a Publicidade, numa situação factual e jurídica comparável.

61      Quanto a este ponto, este mecanismo introduz uma diferenciação entre, por um lado, as empresas que dispõem de prejuízos reportados a título dos exercícios anteriores, desde que não tenham realizado lucros a título do exercício de 2013, e, por outro, as que realizaram lucros a título deste último exercício, uma vez que só as primeiras podem invocar a dedutibilidade desses prejuízos reportados para o cálculo do valor tributável da medida fiscal em causa a título do ano de 2014.

62      Atendendo ao objetivo de redistribuição prosseguido pelo legislador húngaro ao adotar a Lei relativa ao Imposto sobre a Publicidade, demonstrada pela progressividade da medida fiscal em causa, estas duas categorias de empresas não se encontram numa situação factual e jurídica comparável. Com efeito, a escolha de um valor tributável em função do volume de negócios não torna incoerente, face a esse objetivo, a adoção de uma medida transitória que tenha em conta o lucro, uma vez que este último também constitui, como aliás sustenta a Comissão noutra parte da sua argumentação, um indicador simultaneamente neutro e pertinente, ainda que relativo, da capacidade contributiva das empresas.

63      Como sublinhou a advogada‑geral no n.o 109 das suas conclusões e como declarou o Tribunal Geral no n.o 122 do acórdão recorrido, o critério relativo à inexistência de lucros no exercício de 2013 reveste, a este respeito, um caráter objetivo, tendo as empresas em causa, deste ponto de vista, uma capacidade contributiva inferior às outras à data da entrada em vigor da Lei relativa ao Imposto sobre a Publicidade, durante o ano de 2014.

64      Por conseguinte, o legislador húngaro podia, sem violar o direito da União em matéria de auxílios de Estado, conjugar, no primeiro ano de aplicação desta lei, a medida da capacidade contributiva resultante do montante do volume de negócios com um dispositivo que permitia ter em conta os prejuízos reportados pelas empresas que não obtiveram lucros no exercício de 2013.

65      A circunstância de as empresas que podiam beneficiar do mecanismo de dedutibilidade parcial dos prejuízos reportados já serem identificáveis na data em que a medida fiscal em causa foi instituída não é, por si só, suscetível de pôr em causa esta conclusão.

66      De resto, não pode ser acolhida a argumentação da Comissão segundo a qual o Tribunal Geral, nos n.os 119 a 122 do acórdão recorrido, ignorou o alcance do Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido (C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732), ao declarar que as autoridades húngaras, através da adoção do mecanismo de dedutibilidade parcial dos prejuízos reportados, introduziram uma diferenciação baseada num critério objetivo e aleatório que não criava nenhuma seletividade.

67      A este respeito, importa recordar que, nos n.os 77 a 83 deste último acórdão, o Tribunal de Justiça declarou, nomeadamente, que medidas fiscais que instituam um requisito ligado à tomada em conta dos lucros realizados por um sujeito passivo não podem, por esse simples facto, ser consideradas seletivas, uma vez que esses lucros são a consequência do facto aleatório de o operador em causa ser pouco ou, pelo contrário, muito rentável durante o período de tributação. Ora, como decidiu, em substância, o Tribunal Geral no n.o 120 do acórdão recorrido, se este raciocínio foi seguido no contexto de um processo em que o valor tributável das medidas fiscais em causa se baseava em critérios que não os lucros, como o número de trabalhadores e a ocupação de instalações profissionais, aplica‑se igualmente quando o benefício fiscal em causa é, como no caso vertente, baseado numa redução do valor tributável assente no volume de negócios, atendendo à inexistência de lucros durante um determinado exercício e à existência de prejuízos reportados e, a este título, inscreve‑se no próprio objetivo de redistribuição prosseguido pela legislação fiscal em que essa vantagem se insere, articulada em torno da capacidade contributiva das empresas que são sujeitos passivos.

68      Daqui resulta, como declarou corretamente o Tribunal Geral nos n.os 117 a 123 do acórdão recorrido, que a Comissão errou ao considerar que o mecanismo de dedutibilidade parcial dos prejuízos reportados instituía uma vantagem seletiva, constitutiva de um auxílio de Estado, a favor das empresas cujo lucro antes de impostos do exercício de 2013 era nulo ou negativo e que dispunham de prejuízos reportados. Contrariamente ao que alega a Comissão, não se pode, a este respeito, acusar o Tribunal Geral de ter decidido ultra petita. O segundo fundamento do recurso deve, portanto, ser julgado improcedente.

69      Sendo improcedentes os dois fundamentos apresentados pela Comissão em apoio do seu recurso, este deve ser julgado improcedente na íntegra.

 Quanto às despesas

70      Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do seu artigo 184.o, n.o 1, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Hungria pedido a condenação da Comissão e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

71      O artigo 184.o, n.o 4, do Regulamento de Processo prevê que, quando um interveniente em primeira instância não tenha ele próprio interposto o recurso da decisão do Tribunal Geral, mas tenha participado na fase escrita ou oral do processo no Tribunal de Justiça, este pode decidir que essa parte suporte as suas próprias despesas. No caso vertente, a República da Polónia, que era interveniente em primeira instância, sem ser autora do recurso, participou nas fases escrita e oral do processo no Tribunal de Justiça. Tendo a República da Polónia intervindo em apoio dos pedidos da Hungria e requerido a condenação da Comissão nas despesas, há que condenar esta última nas despesas daquela [v., neste sentido, Acórdão de 28 de junho de 2018, Andres (insolvência Heitkamp BauHolding)/Comissão, C‑203/16 P, EU:C:2018:505, n.os 113 e 114].

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Comissão Europeia é condenada nas despesas, incluindo nas despesas incorridas pela República da Polónia.

Assinaturas


*      Língua do processo: húngaro.