Language of document : ECLI:EU:T:1998:204

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

15 de Setembro de 1998 (1)

«Agricultura - Financiamento das medidas de intervenção - Suspensão do pagamento devido por armazenagem de um lote de azeite, aguardando a verificação das suas características - Recurso de anulação e pedido de indemnização»

No processo T-54/96,

Oleifici italiani SpA, sociedade de direito italiano, com sede em Ostuni (Itália),

Fratelli Rubino Industrie Olearie SpA, sociedade de direito italiano, com sede em Bari (Itália),

representadas por Antonio Tizzano, Gian Michele Roberti e Francesco Sciaudone, advogados no foro de Nápoles, com domicílio escolhido em Bruxelas, no escritório de Antonio Tizzano, 36, place du Grand Sablon,

recorrentes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Eugenio de March, consultor jurídico, na qualidade de agente, assistido por Alberto Dal Ferro, advogado no foro de Vicenza, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

que tem por objecto um pedido, por um lado, de anulação da carta da Comissão de 7 de Fevereiro de 1996, enviada nomeadamente às autoridades italianas e à Azienda di Stato per gli Interventi nel Mercato Agricolo, organismo de intervenção italiano, com a qual ordenou, pretensamente, o bloqueamento de qualquer pagamento devido pela armazenagem de azeite para as campanhas de 1991/1992 e 1992/1993, enquanto se aguardava a verificação do seu teor em ceras e, por outro lado, a reparação do prejuízo pretensamente sofrido pelas recorrentes devido ao comportamento da Comissão,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção),

composto por: A. Kalogeropoulos, presidente, C. W. Bellamy e J. Pirrung, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 10 de Junho de 1998,

profere o presente

Acórdão

Enquadramento jurídico

O financiamento das medidas de intervenção no sector do azeite

1.
    O Regulamento n.° 136/66/CEE do Conselho, de 22 de Setembro de 1966, que estabelece uma organização comum de mercado no sector das matérias gordas (JO 1966, n.° 172, p. 3025; EE 03 F1 p. 214, a seguir «regulamento de base») prevê, nomeadamente, um apoio financeiro comunitário à produção de azeite (quarto considerando). Institui para tal um mecanismo segundo o qual o organismo de intervenção designado para o efeito em cada Estado-Membro produtor de azeite compra, ao preço de intervenção, o azeite de origem comunitária que lhe seja oferecido. O preço de intervenção depende da qualidade do azeite, que é determinada em função das denominações e definições previstas no anexo do regulamento. Este contém, por ordem regressiva de qualidade, as denominações seguintes:

    1.    Azeite virgem

        a)    Extra [...]

        b)    Fino [...]

        c)    Corrente [...]

        d)    Lampante [...]

    2.    [...]

    3.    [...]

    4.    Óleo de bagaço de azeitona [...]

    5.    [...]

    6.    [...]

    7.    [...]

2.
    O Regulamento (CEE) n.° 729/70 do Conselho, de 21 de Abril de 1970, relativo ao financiamento da política agrícola comum (JO L 94, p. 13; EE 03 F3 p. 220, a seguir «Regulamento n.° 729/70») prevê, no artigo 3.°, n.° 1, que o Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola (a seguir «FEOGA») financia, a título do artigo 1.°, n.° 2, alínea b), as intervenções destinadas à regularização dos mercados agrícolas, empreendidas segundo as regras comunitárias no âmbito da organização comum dos mercados agrícolas.

3.
    Por força do disposto no artigo 4.° do mesmo regulamento, os Estados-Membros designarão os serviços e organismos que habilitem a pagar as despesas ligadas a estas intervenções (n.° 1) e a Comissão põe à disposição dos Estados-Membros os créditos necessários para que os organismos designados procedam, nos termos das regras comunitárias e nacionais, a tais pagamentos (n.° 2).

4.
    Nos termos do n.° 2 do artigo 5.° do mesmo regulamento, a Comissão decide, no início de cada ano, um adiantamento aos organismos designados e, no decurso do ano, pagamentos complementares para cobertura de despesas a suportar por esses organismos [alínea a)]; antes do fim do ano seguinte, a Comissão procederá ao apuramento das contas dos referidos organismos [alínea b)].

5.
    Com base no Regulamento (CEE) n.° 729/70, o Conselho adoptou o Regulamento (CEE) n.° 1883/78, de 2 de Agosto de 1978, relativo às regras gerais sobre o financiamento das intervenções pelo Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola, Secção «Garantia» (JO L 216, p. 1: EE 03 F14 p. 245), que prevê, para o sector do azeite, que as compras e operações subsequentes efectuadas por organismos de intervenção, nomeadamente os contratos de armazenagem e as operações materiais resultantes da armazenagem de produtos em intervenção, são susceptíveis de financiamento nos termos do Regulamento n.° 729/70.

O controlo da qualidade do azeite oferecido à intervenção

6.
    O n.° 1 do artigo 8.° do Regulamento n.° 729/70 dispõe que os Estados-Membros tomarão, de acordo com as disposições legislativas, regulamentares e administrativas, as medidas necessárias para se assegurar da realidade e da regularidade das operações financiadas pelo Fundo, bem como para evitar eproceder judicialmente relativamente às irregularidades. O artigo 9.°, n.° 1, dispõe que os Estados-Membros porão à disposição da Comissão todas as informações necessárias ao bom funcionamento do Fundo e tomarão as medidas susceptíveis de facilitar os controlos que a Comissão considere útil empreender no âmbito da gestão do financiamento comunitário.

7.
    Com o Regulamento (CEE) n.° 3472/85, de 10 de Dezembro de 1985 (JO L 333, p. 5; EE 03 F39 p. 124, a seguir «Regulamento n.° 3472/85»), a Comissão especificou as modalidades de compra e de armazenagem de azeite pelos organismos de intervenção. O artigo 1.° do regulamento, na redacção do Regulamento (CEE) n.° 1859/88 da Comissão, de 30 de Junho de 1988 (JO L 166, p. 13), limita, nomeadamente, a intervenção ao azeite referido no n.° 1 do anexo do regulamento de base - a saber, o azeite virgem (extra, fino, corrente, lampante) - cujo teor em água, impurezas ou ácidos não ultrapasse determinada percentagem.

8.
    Nos termos do n.° 4 do artigo 2.° do Regulamento n.° 3472/85, o azeite oferecido só será aceite se o organismo de intervenção tiver verificado, por métodos de análise comunitários, que não contém certas substâncias determinadas. Estas análises devem ser efectuadas por laboratórios independentes. Se o organismo de intervenção verificar que o azeite apresentado à intervenção não corresponde à qualidade sob a qual foi oferecido, a oferta em causa pode ser retirada. Neste caso, as despesas eventuais de entrada em armazém, de armazenagem e de saída do azeite oferecido ficam a cargo de quem o ofereceu (n.° 6).

9.
    Em 11 de Julho de 1991, a Comissão aprovou o Regulamento (CEE) n.° 2568/91, de 11 de Julho de 1991, relativo às características dos azeites e dos óleos de bagaço de azeitona, bem como aos métodos de análise relacionados (JO L 248, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 2568/91»). Este regulamento visa uma melhor distinção entre os diversos tipos de óleos previstos no anexo do regulamento de base e garantir a pureza e a qualidade dos produtos em causa (segundo considerando). O artigo 1.°, dispõe que apenas são considerados azeites, na acepção do regulamento de base, os azeites cujas características sejam conformes às indicadas no anexo I. Nos termos do artigo 2.°, a determinação destas características efectuar-se-á segundo os métodos de análise referidos nos seus diferentes anexos. Originariamente, o Regulamento n.° 2568/91 não previa qualquer determinação do teor em ceras dos azeites. Previa, em contrapartida, a determinação dos álcoois alifáticos segundo um método indicado no anexo IV.

10.
    Posteriormente, a Comissão adoptou o Regulamento (CEE) n.° 183/93, de 29 de Janeiro de 1993, que altera o Regulamento n.° 2568/91, relativo às características dos azeites e dos óleos de bagaço de azeitona, bem como aos métodos de análise relacionados (JO L 22, p. 58, a seguir «Regulamento n.° 183/93»), cujo segundo considerando especifica que «dada a experiência adquirida, se revelam necessárias certas adaptações ou especificações dos métodos de análise.» O critério referente aos álcoois alifáticos foi substituído pelo da determinação do teor em ceras, com a indicação de que este método «pode ser utilizado, em particular, para distinguiro azeite obtido por pressão do azeite obtido por extracção (óleo de bagaço de azeitona)». Nos termos do artigo 2.°, o Regulamento n.° 183/93 entrou em vigor em 20 de Fevereiro de 1993. Todavia, o novo método de determinação do teor em ceras foi tornado «aplicável a partir de 1 de Julho de 1993 ao azeite acondicionado a partir dessa data».

11.
    Para garantir um melhor controlo da qualidade do azeite oferecido à intervenção e completar os métodos de análise a utilizar para este efeito, a Comissão adaptou, seguidamente, o seu Regulamento n.° 3472/85. Efectivamente, adoptou o Regulamento (CE) n.° 1509/94, de 29 de Junho de 1994, que altera o Regulamento (CEE) n.° 3472/85 (JO L 162, p. 31) no sentido de que as verificações do azeite devem ser feitas, nomeadamente, pelo método de determinação do teor em ceras.

Factos na origem do litígio

12.
    As sociedades recorrentes contam-se entre as empresas privadas a que a Azienda di Stato per gli Interventi nel Mercato Agricolo (organismo de intervenção italiano, a seguir «AIMA») confia a armazenagem e, em geral, a execução das operações de intervenção no mercado italiano do azeite.

13.
    No decurso das campanhas de 1991/1992 e 1992/1993, as recorrentes armazenaram vários milhares de toneladas de azeite. Afirmam, sem serem contrariadas pela Comissão nestes pontos, que:

-    a colocação em entreposto dos azeites em causa se verificou anteriormente à adopção do Regulamento n.° 1509/94, de 29 de Junho de 1994, já referido, e, em parte, à do Regulamento n.° 183/93;

-    o AIMA, depois de ter feitos controlos e análises, verificou a total conformidade dos azeites entregues e procedeu, ele mesmo, ao pagamento normal dos montantes devidos aos seus proprietários;

-    os resultados de tais análises e controlos foram comunicados à Comissão que, na altura, não levantou qualquer objecção.

14.
    Em Novembro de 1993, o FEOGA abriu um inquérito, nos termos do artigo 9.° do Regulamento n.° 729/70, sobre a quantidade e a qualidade dos azeites colocados em intervenção na Itália. No quadro desta verificação, foram recolhidas, em presença de representantes das autoridades nacionais, na recorrente Oleifici Italiani SpA (a seguir «Oleifici Italiani») amostras de azeite, tendo um exemplar sido enviado a um laboratório de análises do Estado espanhol.

15.
    As análises efectuadas em Janeiro de 1994 - nomeadamente com base no método de determinação do teor em ceras - levaram o laboratório de análises a concluirpela existência de «um teor em ceras superior ao permitido» e pela «presença deóleo de bagaço de azeitona», estando, contudo, os azeites controlados conformes com os outros critérios previstos na regulamentação comunitária em vigor.

16.
    A Comissão concluiu que, contrariamente ao que havia sido declarado, 31,5% das amostras de azeite não eram azeites de qualidade virgem, 46% eram azeites virgens lampantes e não azeites de qualidade extra como haviam sido declarados, e 15,2% eram determinados azeites de qualidade virgem mas de qualidade inferior à declarada inicialmente; apenas 4,8% das amostras de azeite foram consideradas como tendo qualidade igual à declarada. Por carta da Direcção-Geral Agricultura (IV) da Comissão de 1 de Março de 1994, estes resultados foram comunicados às autoridades italianas. Após ter salientado as «falhas intoleráveis em todo o sistema de controlo (italiano) da intervenção pública do azeite», a Comissão declarou que o seus serviços «se (viam) obrigados a recusar o financiamento da totalidade das despesas referentes ao conjunto das quantidades compradas pelo AIMA, à excepção de pequenas quantidades, relativamente às quais os resultados das análises (indicaram) que (eram) de qualidade igual à declarada».

17.
    Todavia, na sequência de troca de correspondência e de uma reunião com o AIMA entre Março de 1994 e Janeiro de 1995, a Comissão acedeu ao pedido do AIMA e declarou-se disposta, por carta de 27 de Fevereiro de 1995, a encomendar uma nova análise a um laboratório italiano.

18.
    Esta análise, prevista para Abril de 1995, não foi no entanto efectuada porque, no fim de Março do mesmo ano, as autoridades judiciais italianas iniciaram um inquérito sobre os azeites em causa e porque os serviços da Comissão consideraram oportuno pôr à disposição daquelas autoridades as amostras recolhidas pelo FEOGA.

19.
    Além disso, em Junho de 1995, a recorrente Oleifici Italiani tomou a iniciativa de fazer analisar pelo laboratório espanhol acima referido amostras de azeites que as recorrentes afirmam pertencer aos examinados em Janeiro de 1994. A análise levou à conclusão de que se tratava «de azeites virgens lampantes isentos de qualquer mistura fraudulenta, (podendo) o seu elevado teor em cera explicar-se por (se tratar) de azeites antigos».

20.
    O relatório pericial redigido em 30 de Outubro de 1995 no quadro do inquérito instaurado pelas autoridades judiciais italianas chegou, em substância, ao mesmo resultado, afirmando que:

-    na hipótese em que se verifica um teor demasiado elevado apenas em ceras e não quanto aos outros parâmetros - como se verificou quanto aos azeites em apreço - a alteração era imputável a reacções químicas naturais e não a misturas,

-    com base nos valores analíticos obtidos, não se apurou qualquer elemento revelador de substituição ou mistura de óleos.

21.
    Informada pela Oleifici Italiani, em Setembro de 1995, do segundo relatório de análise efectuado pelo laboratório espanhol, a Comissão, por carta de 2 de Outubro de 1995, endereçada ao AIMA, tomou conhecimento do referido relatório, segundo o qual o excesso de ceras não era imputável a nenhum tipo de mistura fraudulento podendo todavia, explicar-se pelo envelhecimento dos azeites. Concluiu em consequência que «nestas condições, (era) difícil concluir que os azeites que (foram) objecto desta última análise (deviam) ser recusados na intervenção» e solicitou ao AIMA que lhe «comunicasse as quantidade e os entrepostos de azeite com resultados de análise análogos, para serem vendidas no mais curto prazo».

22.
    Por carta de 23 de Novembro de 1995 endereçada ao AIMA, a Comissão reportou-se ainda ao relatório pericial redigido em 30 de Outubro no quadro do inquérito instaurado pelas autoridades judiciais italianas e segundo o qual - no que respeita à Oleifici Italiani - nenhum dos elementos examinados permitia supor a existência de substituição dos azeites analisados. Pediu ao AIMA que, «por conseguinte, (lhe) enviasse, com a maior brevidade, os relatórios referentes a todos os lotes examinados, anulasse o bloqueamento administrativo e procedesse imediatamente ao pagamento de todas as compensações devidas aos adjudicatários em relação aos quais os relatórios de análise contivessem as mesmas conclusões que as referentes à Oleifici Italiani».

23.
    O AIMA respondeu ao pedido da Comissão por carta de 30 de Novembro de 1995, a que juntou o relatório de 30 de Outubro do mesmo ano, efectuado no quadro do inquérito judicial italiano. Informou além disso a Comissão de que, salvo oposição desta, procederia imediatamente ao pagamento das compensações devidas aos adjudicatários, na quantidade global de 17 639, 291 toneladas de azeite, em relação às quais não se verificou qualquer substituição.

24.
    Em resposta a esta carta, a Comissão, por telecópia de 7 de Dezembro de 1995 (referência VI/046436), afirmou não ter qualquer objecção a formular quanto ao pagamento imediato das compensações de armazenagem em relação às 17 639,291 toneladas referidas pelo AIMA. No Tribunal, explicou a sua posição pelo facto de considerar que as análises em questão tinham sido efectuadas com respeito da regulamentação comunitária em vigor e podiam ser consideradas fiáveis. Ora, face ao relatório elaborado no quadro do inquérito judicial e enviado por carta do AIMA de 30 de Novembro de 1995, verificou que aquele relatório não indicava o teor em ceras das amostras de azeite analisadas.

25.
    Para verificar a fiabilidade da contra-análise pedida pela Oleifici Italiani ao laboratório espanhol, a Comissão convidou também este laboratório, por carta de 6 de Fevereiro de 1996, a especificar a proveniência do azeite analisado (entreposto, proprietário) bem como a apresentação das amostras (recipiente, rótulo) e indicar se a recorrente tinha pedido uma análise completa ou apenas a verificação de determinadas características dos azeites.

26.
    Por carta do mesmo dia, a Comissão dirigiu-se igualmente à Oleifici Italiani pedindo-lhe para lhe dar esclarecimentos sobre as amostras enviadas ao referido laboratório e sobre o alcance das análises pedidas.

27.
    Em resposta às perguntas da Comissão, o laboratório espanhol, por carta de 8 de Fevereiro de 1996, informou de que não podia identificar a proveniência das amostras, que foram entregues num frasco de vidro com cápsula enroscada em matéria plástica e sem carimbo, não selado e não rotulado; por conseguinte, era claro que a análise podia ser utilizada exclusivamente para fins de informação pessoal. Indicou ainda que o pedido de análise incidia principalmente sobre o teor em ceras, não tendo sido pedido qualquer exame quanto ao parâmetro de acidez.

28.
    Na carta de resposta de 9 de Fevereiro de 1996, a Oleifici Italiani, sublinhou, ao invés, que as amostras analisadas pelo laboratório espanhol eram as recolhidas em Novembro de 1993. Acrescentou que, de qualquer modo, não era de sobremaneira importante verificar aquela identidade, tratando-se antes de tomar conhecimento do facto de que o laboratório se tinha considerado na impossibilidade de declarar a existência de mistura com óleo de bagaço de azeitona com base apenas no valor anormal de ceras, na ausência de índices anormais de outros parâmetros analíticos.

29.
    É neste contexto que, antes de ter recebido as duas respostas acima referidas, o director-geral da DG VI enviou, em 7 de Fevereiro de 1996, uma carta à representação permanente da Itália na União Europeia - e, por cópia, a várias autoridades ministeriais e judiciais italianas, bem como ao AIMA - do seguinte teor:

«Após numerosa correspondência com o mesmo objecto, solicito que considere a presente como uma proposta para pôr fim ao contencioso criado na sequência do inquérito comunitário.

Na nossa carta VI/009568, de 27 de Fevereiro de 1995, propunhamos uma análise, com intervenção dos interessados, das amostras em nosso poder. Tudo estava preparado para a efectuar quando a Guardia di Finanza apreendeu os azeites contestados. Considerou-se então oportuno suspender o processo administrativo e atender às análises que o procurador de Nápoles mandara efectuar por um perito de sua escolha.

Aquele perito concluiu que os azeites eram virgens e por isso aceitáveis para intervenção.

A análise pormenorizada do caso permitiu verificar que o perito designado pelo Tribunal de Nápoles não considerou útil efectuar a análise das ceras em todas as amostras contestadas, afirmando que não era determinante para se verificar a qualidade real dos azeites analisados, contrariamente ao que estabelecem os regulamentos comunitários. Em apoio da sua tese, o perito invoca o resultado de análises efectuadas por conta do Oleifici Italiani pelo Laboratorio Arbitral deMadrid, de três amostras não especificadas, que chegou à conclusão de que, apesar do teor elevado em ceras, o azeite analisado era virgem.

Os serviços da Comissão não podem aceitar a confusão criada com todas estas análises e consideram oportuno retomar o caso no ponto em que estava aquando da apreensão dos azeites em Abril de 1995.

Abstracção feita dos aspectos judiciais que são da competência exclusiva do Estado-Membro, impõe-se a decisão sobre a possibilidade de os azeites serem objecto de intervenção. Os serviços da Comissão propõem de novo às autoridades do Estado-Membro que façam o necessário para uma contra-análise das amostras em poder do FEOGA por um laboratório independente, a escolher de comum acordo, para determinação da qualidade real dos azeites contestados. O Estado-Membro é, assim, convidado a organizar tais análises, a informar as partes interessadas e a bloquear, entretanto, qualquer caução e/ou qualquer pagamento referente àqueles azeites.

Para análise do controlo que deverá incidir sobretudo sobre o teor em ceras e a sua evolução no tempo, os serviços da Comissão propõem o laboratório de matéria gordas de Clichy (França).»

30.
    Em resposta a esta carta, o AIMA assinalou à Comissão, em 16 de Fevereiro de 1996, que, no termo do inquérito judicial efectuado na Itália, a autoridade judicial penal, por despacho de 15 de Novembro de 1995, ordenou o levantamento da apreensão do azeite e a entrega dos lotes a quem de direito. A partir deste momento, qualquer atraso injustificado do AIMA no cumprimento das obrigações assumidas poderia ter consequências penais para os seus funcionários. Além disso, o Conselho de Estado italiano, por despacho de 2 de Fevereiro de 1996, não admitiu o recurso interposto pelo AIMA quanto à recusa de reembolso das compensações a pagar a título de encargos de gestão, em virtude de o inquérito judicial acima referido não ter revelado a existência de qualquer elemento que permita concluir que os azeites foram substituídos ou misturados com outro óleo de menor valor. O AIMA concluiu daqui que não podia deixar, nestas condições, de proceder à liquidação dos montantes a quem ainda eram devidos.

31.
    Em 19 de Fevereiro de 1996, as recorrentes pediram à Comissão que revogasse a carta de 7 de Fevereiro de 1996 e confirmasse o seu direito ao pagamento dos montantes devidos pelos azeites em questão. Este pedido não obteve resposta da Comissão.

Tramitação processual e factos posteriores à pendência do recurso no Tribunal

32.
    Foi nestas circunstâncias que, por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal em 17 de Abril de 1996, as recorrentes interpuseram o presente recurso.

33.
    Após interposição do recurso, o director-geral da DG VI dirigiu-se de novo ao AIMA, por carta de 23 de Abril de 1996, tendo por objecto o azeite entregue à intervenção nas campanhas de 1991/1992 e 1992/1993, relativamente ao qual o FEOGA tinha iniciado o inquérito de Novembro de 1993. Nesta carta, a Comissão

-    confirmou o conteúdo da sua carta de 1 de Março de 1994 quanto à exactidão das primeiras análises efectuadas pelo laboratório espanhol, o que implicava que o AIMA devia proceder às recuperações dos pagamentos indevidos referentes às compras em causa;

-    declarou que a quantidade dos azeites em causa devia ser considerada não aceitável para intervenção e por isso como não tendo entrado nas existências de intervenção; a partir desta altura, os azeites ficavam à disposição do AIMA, que poderia decidir quanto à sua venda;

-    referindo-se à decisão do Conselho de Estado italiano de 2 de Fevereiro de 1996, esclareceu: «mantenho a minha carta de 7.2.1995» [deve ler-se: 7.12.95] «referência VI/046436, que autoriza o pagamento dos encargos de armazenagem pela guarda do azeite em causa até à data desta carta»; por outro lado, na medida em que os azeites em causa ficavam à sua disposição foi solicitado ao AIMA que, a partir desta data, não efectuasse mais pagamentos de encargos de armazenagem por conta do FEOGA.

34.
    Com base no relatório do juiz relator, o Tribunal (Segunda Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo, sem medidas de instrução prévias. Tomou, todavia, medidas de organização do processo, nos termos do artigo 64.° do Regulamento de Processo, pedindo às partes que respondessem por escrito, antes da audiência, a determinadas perguntas, pedido que foi devidamente deferido.

35.
    No decurso da audiência pública de 10 de Junho de 1996, foram ouvidas as alegações das partes e as respostas às perguntas do Tribunal.

Pedidos das partes

36.
    As recorrentes pedem que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão da Comissão constante da carta do Sr. Legras, director-geral da Direcção-Geral Agricultura (DG VI) - Direcção G, Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola (FEOGA) - de 7 de Fevereiro de 1996 (n.° VI/000513), e que ordena o bloqueamento de qualquer pagamento devido pela armazenagem de azeite durante as campanhas de 1991/1992 e 1992/1993;

-    condenar a Comissão a reparar os danos sofridos pelas recorrentes em razão da sua actuação ilegal;

-    condenar a Comissão nas despesas.

37.
    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    negar provimento ao recurso;

-    condenar as recorrentes nas despesas.

Quanto à admissibilidade do pedido de anulação

Argumentos das partes

38.
    A Comissão considera, em primeiro lugar, que a carta de 7 de Fevereiro de 1996 não pode ser objecto de recurso de anulação no sentido do artigo 173.° do Tratado CE, dado que não produziu efeitos jurídicos obrigatórios que pudessem violar interesses das recorrentes (despacho do Tribunal de Justiça de 8 de Março de 1991, Emerald Meats/Comissão, C-66/91 e C-66/91 R, Colect., p. I-1143, n.° 26, e despacho do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Outubro de 1993, Nutral/Comissão, T-492/93 e T-492/93 R, Colect., p. II-1023, n.° 24). Efectivamente, aquela carta inseria-se nas relações de cooperação entre os serviços da Comissão e as autoridades italianas encarregadas da aplicação da regulamentação comunitária. A carta recorrida, na realidade, constituía apenas um dos actos preparatórios da decisão do apuramento de contas FEOGA para fixação definitiva das despesas por este tomadas a cargo. O Tribunal de Justiça decidiu explicitamente que a Comissão não pode exprimir validamente a sua posição quanto às intervenções dos Estados-Membros no âmbito do FEOGA antes do apuramento das contas anuais (acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Outubro de 1993, Itália/Comissão, C-55/91, Colect., p. I-4813, n.° 36).

39.
    A Comissão acrescenta que o acto recorrido não cria, em si, qualquer obrigação para o Estado-Membro interessado nem, por maioria de razão, para as recorrentes. A obrigação de as autoridades italianas bloquearem os pagamentos indevidos resulta directamente do disposto no artigo 8.° do Regulamento n.° 729/70. Aliás, compete aos Estados-Membros garantir, no seu território, o cumprimento das regulamentações comunitárias no quadro da política agrícola comum (acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Novembro de 1995, Nutral/Comissão, C-476/93 P, Colect., p. I-4125, n.° 21, e despacho Nutral/Comissão, já referido, n.° 26). Por conseguinte, apenas as medidas tomadas na matéria pelas autoridades nacionais serão de molde a produzir efeitos jurídicos obrigatórios, susceptíveis de causarem prejuízo aos interesses das demandantes (despacho Nutral/Comissão, já referido, n.° 28).

40.
    A Comissão considera, em segundo lugar, que o acto recorrido no caso em apreço não diz directamente respeito às recorrentes no sentido do quarto parágrafo do artigo 173.° do Tratado. Na realidade, apenas o acto de direito interno através doqual as autoridades nacionais competentes bloquearam a compensação dos encargos de armazenagem poderia ser considerado como susceptível de lhes causar prejuízo. A este respeito, a Comissão recorda que a regulamentação comunitária no domínio da política agrícola comum prevê uma rigorosa separação entre a Comissão e os Estados-Membros, por um lado, e entre os Estados-Membros e os operadores económicos, por outro. Incumbe, assim, às autoridades nacionais tomar as disposições adequadas para prevenir irregularidades, bloqueando, se necessário, os pagamentos das somas indevidas.

41.
    A Comissão sustenta, por fim, que o acto impugnado não produz, de qualquer modo, nenhum efeito jurídico após a sua carta de 23 de Abril de 1996. Mesmo seguindo o raciocínio das recorrentes, segundo o qual as diferentes cartas dirigidas pelos serviços da Comissão ao AIMA constituem outras tantas decisões que lhes dizem directa e individualmente respeito, quad non, a carta de 23 de Abril invalidou a carta impugnada de 7 de Fevereiro de 1996.

42.
    As recorrentes respondem que a carta da Comissão de 7 de Fevereiro de 1996 produziu efeitos jurídicos que afectaram directa e individualmente os seus interesses. O facto de os Regulamentos n.° 729/70 e n.° 3742/85 preverem a possibilidade de os Estados-Membros prevenirem e perseguirem as irregularidades em matéria de recursos do FEOGA não exclui que os actos praticados pela Comissão neste domínio possam produzir efeitos directamente na esfera jurídica dos particulares. No caso em apreço, a Comissão, longe de se limitar a dar meras indicações ao organismo de intervenção nacional, tomou medidas obrigatórias relativas especificamente à situação das recorrentes.

43.
    Neste contexto, as recorrentes referem-se mais precisamente às cartas de 2 de Outubro e de 23 de Novembro de 1995, em que a Comissão ordenou ao AIMA que procedesse aos pagamentos em causa, bem como à carta de 7 de Fevereiro de 1996, em que ordenara ao AIMA que bloqueasse qualquer pagamento referente aos azeites em causa. No entender das recorrentes, é, assim, evidente que, quanto ao pagamento correspondente à armazenagem dos azeites em questão, o AIMA não dispunha de nenhuma margem de apreciação, devendo ater-se ao que lhe havia sido ordenado pela Comissão.

44.
    As recorrentes concluem daí que a jurisprudência invocada pela Comissão não é transponível para o caso em apreço. Assim, o acórdão Nutral/Comissão, já referido, apenas se pronunciou sobre as medidas tomadas por autoridades nacionais que tinham a liberdade de se conformar ou não com as indicações dadas pela Comissão. Do mesmo modo, o despacho Emerald Meats/Comissão, já referido, tratou de uma comunicação da Comissão que se limitava a comunicar a intenção dos seus serviços de tomarem determinadas medidas, intenção que não podia ser considerada uma decisão obrigatória. No caso em apreço, ao invés, a situação era completamente outra, não deixando o acto recorrido qualquer margem de manobra às autoridades nacionais no referente à efectivação dos pagamentos em causa.

45.
    Ainda que a Comissão considere que está demonstrada a autonomia decisória do AIMA pelo facto de não ter seguido as suas indicações de 23 de Novembro de 1995, as recorrentes entendem que o mero atraso no cumprimento de uma decisão não significa de modo algum que a autoridade nacional tenha a liberdade de o fazer ou não. Aliás, a circunstância de, não obstante esta carta de 23 de Novembro de 1995, o pagamento por parte do AIMA não ter sido imediato e completo deve ser precisamente atribuído, segundo toda a probabilidade, ao clima de pesada incerteza devido às moratórias dos serviços da Comissão.

46.
    Dado que a Comissão sustenta que o litígio deixou de ter objecto em consequência da sua carta de 23 de Abril de 1996, as recorrentes concluem que a Comissão insiste em qualificar a referida carta como solucionadora do caso na sua totalidade. Tendo em conta, todavia, que a Comissão já mudou de opinião várias vezes a respeito dos pagamentos em litígio, as recorrentes insistem na situação de pesada incerteza em que continuam. Reportando-se ao pedido de indemnização, assinalam que a carta de 23 de Abril de 1996 parece limitar até esta data a tomada a cargo dos custos de armazenagem pelo FEOGA. Seria, assim, susceptível de dar lugar a outros litígios quanto à identificação do responsável pelos encargos devidos pelo prolongamento das armazenagens.

47.
    Quanto a este ponto, a Comissão esclarece, na sua tréplica, que a limitação em questão se justifica pelo facto de, com base nos dados de que dispõe, não ter já dúvidas de que o azeite em causa deve ser excluído das existências em intervenção a partir de 23 de Abril de 1996.

Apreciação do Tribunal

48.
    Há que examinar, antes de mais, se a carta em litígio de 7 de Fevereiro de 1996 constitui um acto susceptível de recurso de anulação nos termos do artigo 173.° do Tratado. Como resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para o efeito há que averiguar se aquela carta - que foi formalmente dirigida à representação permanente da Itália na União Europeia e, por cópia, a várias autoridades italianas, entre as quais o AIMA, mas não às recorrentes - produziu efeitos jurídicos obrigatórios susceptíveis de afectar directamente os interesses destas últimas, alterando, de forma característica, a sua situação jurídica (v., nomeadamente, o despacho Emerald Meats/Comissão, já referido, n.° 26, o acórdão Nutral/Comissão, já referido, n.° 28, e o acórdão do Tribunal de Justiça, de 22 de Abril de 1997, Geotronics/Comissão, C-395/95 P, Colect., p. I-2271, n.° 10).

49.
    Para este efeito, o teor da referida carta deve ser interpretado tendo em conta o contexto factual e jurídico em que foi redigida e comunicada às autoridades italianas. Importa, de facto, determinar o significado objectivo que a carta podia razoavelmente ter, no momento em que foi enviada, para um agente económico diligente e avisado actuando por conta de um organismo de intervenção nacional no sector do azeite.

50.
    Ora, há que concluir que a carta recorrida foi assinada pelo Sr. Legras, um director-geral da Comissão, e se limita explicitamente a exprimir apenas o entendimento dos serviços da Direcção-Geral VI. De facto, pode ler-se, a título de exemplo, que «os serviços da Comissão não podem aceitar a confusão criada» e «consideram oportuno retomar o caso no ponto em que estava... em Abril de 1995». Além disso, a carta apenas contêm uma «proposta para pôr termo ao contencioso criado», e «os serviços da Comissão propõem de novo às autoridades do Estado-Membro que façam o necessário». Foi neste contexto que o Estado-Membro foi convidado a bloquear «entretanto» qualquer pagamento referente aos azeites em causa. A linguagem utilizada na carta não é portanto a de um acto obrigatório que vise impor às autoridades italianas o encerramento definitivo do processo afectando desse modo a situação jurídica das recorrentes.

51.
    O carácter de não decisão da carta recorrida é confirmado pelo contexto jurídico em que deve se insere. Efectivamente, nos termos das regras que regem as relações entre a Comunidade e os Estados-Membros, compete a estes, na ausência de disposição contrária de direito comunitário, garantir, no respectivo território, o cumprimento das leis comunitárias, nomeadamente no quadro da política agrícola comum (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Julho de 1987, Étoile commerciale e CNTA/Comissão, 89/86 e 91/86, Colect., p. 3005, n.° 11). Mais especificamente, a aplicação das normas comunitárias referentes aos organismos comuns dos mercados depende dos organismos nacionais para este efeito designados. Os serviços da Comissão não têm qualquer competência para tomar decisões deaplicação das referidas disposições, podendo apenas exprimir a sua opinião, que não obriga as autoridades nacionais, inscrevendo-se a manifestação destas opiniões no quadro da cooperação interna entre a Comissão e os organismos nacionais encarregados de aplicar a regulamentação comunitária (v., neste sentido, nomeadamente, os acórdãos do Tribunal de Justiça de 27 de Março de 1980, Sucrimex e Westzucker/Comissão, 133/79, Recueil, p. 1299, n.os 16 e 22, de 10 de Junho de 1982, Interagra/Comissão, 217/81, Recueil, p. 2233, n.° 8, e de 18 de Outubro de 1984, Eurico/Comissão, 109/83, Recueil, p. 3581, n.° 20).

52.
    O mesmo acontece quanto ao mecanismo de financiamento especificamente instituído pelos artigos 4.° e 5.° do Regulamento n.° 729/70. Efectivamente, são os próprios Estados-Membros que devem mobilizar, com base nos seus recursos financeiros e em função das necessidades dos serviços pagadores, os meios necessários ao financiamento da política agrícola comum, procedendo a Comissão apenas ao refinanciamento destas despesas ao conceder avanços em montantes fixos e pagamentos complementares [v., a este respeito, os esclarecimentos dados pelo quinto considerando do Regulamento (CEE) n.° 3183/87 do Conselho, de 19 de Outubro de 1987, que institui regras especiais relativas ao financiamento da política agrícola comum (JO L 304, p. 1), pelo primeiro considerando do Regulamento (CEE) n.° 2048/88 do Conselho, de 24 de Junho de 1988, que altera o Regulamento (CEE) n.° 729/70 (JO L 185, p. 1), pelo primeiro considerando do Regulamento (CEE) n.° 2776/88 da Comissão, de 7 de Setembro de 1988, relativo aos dados a transmitir pelos Estados-Membros tendo em vista a contabilização dasdespesas financiadas a título da secção «Garantia» do Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola (FEOGA) (JO L 249, p. 9) e pelo artigo 4.°, n.° 5, do Regulamento n.° 729/70, na versão do Regulamento (CE) n.° 1287/95 do Conselho, de 22 de Maio de 1995 (JO L 125, p. 1)].

53.
    Segundo o referido mecanismo de financiamento, é apenas na decisão relativa ao apuramento das contas anuais nos termos do artigo 5.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento n.° 729/70, que a Comissão decide, relativamente apenas aos Estados-Membros, a sua posição final e definitiva quanto à tomada a cargo do FEOGA das despesas realizadas pelos organismos estaduais de intervenção no quadro da política agrícola comum (v., neste sentido, o acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Janeiro de 1998, Grécia/Comissão, C-61/95, Colect., p. I-207, n.° 39). Como o Tribunal de Justiça afirmou no acórdão de 6 de Outubro de 1993, Itália/Comissão (já referido, n.° 36), a Comissão não pode tomar validamente posição sobre aquele financiamento em fase anterior à do apuramento das contas anuais.

54.
    Por conseguinte, como a Comissão justamente salientou, a troca de correspondência objecto do presente litígio, incluindo a carta recorrida, verificou-se no quadro de uma cooperação interna e informal, desprovida de qualquer elemento de decisão, que tem por objectivo facilitar a gestão corrente das contas financeiras e preparar a determinação definitiva das despesas susceptíveis de serem tomadas a cargo pelo FEOGA. O Tribunal considera que, atento o referido contexto normativo, as recorrentes, enquanto operadores económicos prudentes e avisados, encarregados pelo AIMA da execução das operações de intervenção nesse sector, não podiam ignorar a natureza jurídica daquela troca de correspondência, nomeadamente da carta recorrida.

55.
    As recorrentes sustentam, no entanto, que a referida carta lhes dizia directamente respeito porque o AIMA não dispunha de qualquer margem de apreciação devendo aceitar as instruções da Comissão quanto ao bloqueamento dos pagamentos em causa. Na audiência, reportaram-se, a esse propósito, ao acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 1988, Dreyfus/Comissão (C-386/96 P, ainda não publicado na Colectânea).

56.
    Sobre esta matéria há que lembrar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, uma medida comunitária só afecta directamente a situação jurídica de um particular quando não deixa qualquer poder de apreciação aos destinatários dessa medida encarregados da sua implementação, entendendo-se que esta última deve ter um carácter puramente automático e decorrer apenas da regulamentação comunitária (acórdão Dreyfus/Comissão, já referido, n.° 43, e jurisprudência citada). O mesmo é válido quando a possibilidade de os destinatários não implementarem um acto comunitário é puramente teórica, não existindo quaisquer dúvidas de que pretendem retirar consequências conformes ao referido acto (mesmo acórdão, n.° 44, e jurisprudência citada).

57.
    Ora, tal como acima se verificou, a carta recorrida, que constitui um mero parecer informal, não produziu quaisquer efeitos jurídicos obrigatórios quanto ao AIMA, que, face à proposta de bloquear os pagamentos em litígio, continuava livre quer de não fazer caso do parecer dos serviços da Comissão e proceder aos referidos pagamentos, reclamando ulteriormente o seu refinanciamento pelo FEOGA, quer de pagar às recorrentes, com base apenas nas obrigações contratuais, sem exigir o refinanciamento a nível comunitário, ou ainda de não proceder a qualquer pagamento aguardando que as recorrentes tomassem as medidas que julgassem úteis. Tendo o AIMA escolhido a última alternativa, o seu comportamento deliberado e autónomo não pode, por isso, ser atribuído à Comissão.

58.
    A não existência de influência directa da carta recorrida no comportamento do AIMA é confirmado pelo facto de aquela não ter tido qualquer consequência imediata no plano das relações financeiras correntes entre o FEOGA e o AIMA. Tal como a Comissão confirmou na audiência, sem ser contrariada neste ponto pelas recorrentes, o FEOGA continuou a pagar, até Maio de 1996, com base em pedidos mensais do AIMA, os avanços mensais sobre as despesas pela armazenagem dos azeites em litígio, pagamento que apenas terminou após a sua carta de 23 de Abril de 1996 (v. supra, n.° 33). De resto, o AIMA também não se considerou vinculado por outras cartas dos serviços da Comissão que o convidavam a proceder aos pagamentos em litígio e que aceitavam a tomada a cargo das despesas a eles relativas, a saber, as cartas de 2 de Outubro, 23 de Novembro e 7 de Dezembro de 1995, bem como a de 23 de Abril de 1996.

59.
    Aliás, deve salientar-se que, no acórdão Étoile commerciale e CNTA/Comissão (já referido, n.os 9, 13 e 14), o Tribunal considerou inadmissíveis os recursos de anulação interpostos por pessoas privadas da decisão da Comissão que fixa o montante a cargo do FEOGA no âmbito do apuramento das contas apresentadas pela República Francesa para o exercício de 1981 e que recusava a tomada a cargo pelo FEOGA das ajudas solicitadas por aquelas. Nesse caso, o organismo nacional de intervenção optou por, com base nessa decisão da Comissão, recorrer à possibilidade que previu no momento da concessão das referidas ajudas e reclamar às recorrentes a respectiva restituição. O Tribunal de Justiça considerou que a decisão sobre o apuramento das contas respeitava apenas às relações financeiras entre a Comissão e o Estado-Membro em causa e que a recuperação dos montantes já pagos, ainda que verificada devido à referida decisão, não era uma sua consequência directa mas a do facto de o organismo de intervenção ter ligado a atribuição definitiva dos montantes em questão à condição de serem postos, no fim de contas, a cargo do FEOGA. O Tribunal de Justiça deduziu daí que a decisão recorrida não afectava directamente a situação jurídica das empresas recorrentes. O Tribunal considera que esta jurisprudência deve, ainda com mais razão, ser aplicada aos meros pareceres dados pelos serviços da Comissão às autoridades nacionais ao longo da fase informal anterior ao apuramento das contas, que apenas serve para preparar a decisão final da Comissão.

60.
    Convém recordar, por fim, que no processo que deu origem ao acórdão Dreyfus/Comissão, já referido, relativo a uma assistência de urgência da Comunidade aos Estados da ex-União Soviética para financiamento da importação de determinados produtos, a Comissão recusou financiar um contrato de venda de trigo realizado entre a empresa recorrente e um organismo público russo, recusa de que a empresa interpôs recurso de anulação. Se é verdade que o Tribunal de Justiça considerou que a decisão em litígio, dirigida apenas ao organismo público russo, tinha produzido efeitos directos na situação da empresa recorrente, a decisão foi todavia motivada pelo fundamento de que, no contexto socio-económico específico do caso em apreço, o pagamento do fornecimento apenas podia ser feito pelos recursos financeiros comunitários, pelo que a própria existência do contrato de fornecimento estava subordinada à concessão do financiamento comunitário (n.os 49 a 53 do acórdão). Ora, basta considerar que, no caso em apreço, estas condições de facto especiais não estão reunidas.

61.
    De tudo o que antecede resulta que a carta recorrida, de 7 de Fevereiro de 1996, não produziu efeitos jurídicos obrigatórios de molde a afectarem directamente os interesses das recorrentes. Por isso, deve ser rejeitado, por inadmissibilidade, o pedido de anulação.

Quanto ao pedido de indemnização

62.
    O Tribunal lembra, em primeiro lugar, que, segundo a jurisprudência, a acção de indemnização nos termos dos artigos 178.° e 215.°, segundo parágrafo, do Tratado foi instituída como uma via autónoma que desempenha uma função específica no âmbito do sistema das vias de recurso. Daqui resulta que a inadmissibilidade acima decidida do pedido de anulação da carta de 7 de Fevereiro de 1996 não pode, por si só, ocasionar a do presente pedido de reparação do dano pretensamente sofrido pelas recorrentes devido à actuação ilegal da Comissão, desde o início, relativamente àquelas (v., neste sentido, despacho do Tribunal de Primeira Instância de 3 de Fevereiro de 1998, Polyvios/Comissão, T-68/96, Colect., p. II-153, n.° 32).

63.
    Em segundo lugar, o Tribunal verifica que as recorrentes, na petição de recurso, avaliam o prejuízo devido pretensamente à suspensão dos pagamentos em litígio em, respectivamente, 3 792 703 336 LIT e 1 851 456 540 LIT e, na réplica, respectivamente, em 4 653 624 967 LIT e 2 166 553 836 LIT. Acrescentaram que esses montantes deviam ser acrescidos de juros moratórios à taxa anual de 10%, juros legais à taxa de 10% para ter em conta a erosão monetária, bem como vários montantes a título de lucros cessantes conforme as diferentes datas de exigibilidade dos seus capitais.

64.
    Seguidamente e em resposta a uma pergunta escrita do Tribunal, as recorrentes indicaram que a sociedade Oleifici Italiani tinha recebido, em Agosto de 1997, o capital integral das compensações exigidas pela armazenagem dos azeites em causa.Na audiência, acrescentaram que a sociedade Fratelli Rubino Industrie Olearie tinha entretanto obtido um primeiro adiantamento sobre o capital bem como a confirmação, por parte do AIMA, de que o saldo lhe seria integral e definitivamente pago em data muito próxima. As recorrente deduziram daí que o seu prejuízo estava assim reduzido, pelo que os respectivos pedidos apenas visavam, na realidade, obter o montante da reparação do dano pecuniário causado pelo atraso no recebimento dos pagamentos devidos.

65.
    O Tribunal considera que esta redução dos pedidos de indemnização, verificada no decurso da audiência, constitui uma adaptação em si admissível e que se limita a ter em conta a evolução da extensão do prejuízo invocado pelas recorrentes.

66.
    Deve todavia recordar-se que, nos termos de jurisprudência constante, a responsabilidade extracontratual da Comunidade está subordinada à reunião de um conjunto de condições no que se refere à ilegalidade do comportamento atribuído às instituições comunitárias, à existência de prejuízo real e certo bem como de um nexo directo de causalidade entre o comportamento da instituição em causa e o prejuízo invocado (v., por exemplo, os acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Abril de 1998, Dorsch Consult/Conselho e Comissão, T-184/95, ainda não publicado na Colectânea, n.os 59 e 60, e jurisprudência citada, e de 18 de Setembrode 1995, Blackspur e o./Conselho e Comissão, T-168/94, Colect., p. II-2627, n.os 38 e 40, e jurisprudência citada, bem como o acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Outubro de 1979, Dumortier frères e o./Conselho, 64/76, 113/76, 167/78, 239/78, 27/79, 28/79, e 45/79, Recueil, p. 3091, n.° 21), competindo às demandantes provar a efectiva reunião destas condições (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 26 de Outubro de 1995, Geotronics/Comissão, T-185/94, Colect., p. II-2795, n.° 39).

67.
    No caso em apreço, quanto à existência de nexo directo de causalidade entre o comportamento atribuído à Comissão e o prejuízo invocado, há que lembrar que a suspensão de compensação dos encargos de armazenagem em litígio é independente do comportamento dos serviços da Comissão no âmbito da sua cooperação informal com as autoridades italianas, e releva da escolha deliberada e autónoma destas últimas (v., supra n.os 54 e 57). Em tais circunstâncias, o prejuízo invocado pelas recorrentes é imputável às referidas autoridades nacionais e não pode por isso ser considerado directamente causado pelo comportamento atribuído à Comissão. Ora, como o Tribunal de Justiça julgou no acórdão Étoile commerciale e CNTA/Comissão (já referido, n.os 16 a 21), o juiz comunitário não tem competência para garantir, com base nos artigos 178.° e 215.°, segundo parágrafo, do Tratado, a reparação de tal prejuízo.

68.
    Quanto à realidade do prejuízo causado às recorrentes pelo atraso nos pagamentos reclamados, há que concluir, por um lado, que as recorrentes não o avaliaram numericamente no pedido de indemnização adaptado no decurso da audiência.

69.
    Por outro lado e de qualquer modo, foi apenas pela sua decisão de apuramento das contas referentes aos anos de 1991, 1992 e 1993 que a Comissão tomou posiçãodefinitiva quanto a saber se e, na afirmativa, até que montante o FEOGA toma a cargo as despesas de armazenagem em litígio (v. supra, n.° 53). Consequentemente, o carácter real e certo do prejuízo invocado pelas recorrentes só pode ser determinado à luz desta decisão. Ora, como a Comissão referiu em resposta à pergunta escrita do Tribunal, as discussões com as autoridades italianas sobre as contas referentes aos lotes de azeite em litígio ainda não terminaram pelo que não existe ainda decisão sobre o apuramento destas contas específicas. Segue-se que, no momento actual, a invocação de um prejuízo pretensamente causado pela Comissão deve ser considerada prematura. Por isso, não poderá tratar-se de um prejuízo real e certo que haja desde já sido causado às recorrentes.

70.
    Consequentemente, o pedido de indemnização das recorrentes deve ser indeferido.

71.
    De tudo o que antecede resulta que deve ser negado provimento ao recurso no seu conjunto.

Quanto às despesas

72.
    Nos termos do n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte que sucumbir será condenada nas despesas se tal for pedido. Tendo as recorrentes sido vencidas há que condená-las a suportarem as suas despesas, bem como, solidariamente, as da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção),

decide:

1.
    É negado provimento ao recurso.

2.
    As recorrentes suportarão as suas despesas bem como, solidariamente, as da Comissão.

Kalogeropoulos
Bellamy
Pirrung

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de Setembro de 1998.

O secretário

O presidente

H. Jung

A. Kalogeropoulos


1: Língua do processo: italiano.