Language of document : ECLI:EU:C:2022:295

DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Secção de recebimento dos recursos de decisões do Tribunal Geral)

7 de abril de 2022 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Marca da União Europeia — Recebimento dos recursos — Artigo 170.o‑B do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça — Pedido que demonstra a importância de uma questão para a unidade, a coerência ou o desenvolvimento do direito da União — Recebimento do recurso»

No processo C‑801/21 P,

que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 17 de dezembro de 2021,

Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), representado por D. Hanf, V. Ruzek, D. Gaja e E. Markakis, na qualidade de agentes,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Indo European Foods Ltd, com sede em Harrow (Reino Unido),

recorrente em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Secção de recebimento dos recursos de decisões do Tribunal Geral),

composto por: L. Bay Larsen, vice‑presidente do Tribunal de Justiça, I. Jarukaitis e D. Gratsias (relator), juízes,

secretário: A. Calot Escobar,

vista a proposta do juiz‑relator e ouvido o advogado‑geral M. Szpunar,

profere o presente

Despacho

1        Com o presente recurso, o Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia, de 6 de outubro de 2021, Indo European Foods/EUIPO — Chakari (Abresham Super Basmati Selaa Grade One World’s Best Rice) (T‑342/20, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2021:651), através do qual este, por um lado, anulou a Decisão da Quarta Câmara de Recurso do EUIPO, de 2 de abril de 2020 (processo R 1079/2019‑4) (a seguir «decisão controvertida»), relativa a um processo de oposição entre a Indo European Foods Ltd e Hamid Ahmad Chakari, e, por outro, negou provimento ao recurso da Indo European Foods quanto ao restante.

 Quanto ao pedido de recebimento do recurso

2        Por força do artigo 58.o‑A, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o exame dos recursos interpostos das decisões do Tribunal Geral respeitantes a uma decisão de uma câmara de recurso independente do EUIPO está subordinado ao seu recebimento prévio pelo Tribunal de Justiça.

3        Em conformidade com o artigo 58.o‑A, terceiro parágrafo, deste estatuto, o recurso de uma decisão do Tribunal Geral é recebido, no todo ou em parte, segundo as regras estabelecidas no Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, quando suscite uma questão importante para a unidade, a coerência ou o desenvolvimento do direito da União.

4        Nos termos do artigo 170.o‑A, n.o 1, do Regulamento de Processo, nas situações previstas no artigo 58.o‑A, primeiro parágrafo, do referido Estatuto, a recorrente deve juntar à sua petição um pedido de recebimento do recurso em que expõe a questão importante que o recurso suscita para a unidade, a coerência ou o desenvolvimento do direito da União e que deve conter todos os elementos necessários que permitam ao Tribunal de Justiça pronunciar‑se sobre esse pedido.

5        Em conformidade com o artigo 170.o‑B, n.os 1 e 3, deste regulamento, o Tribunal de Justiça decide do pedido de recebimento do recurso o mais rapidamente possível, por meio de despacho fundamentado.

 Alegações da recorrente

6        Em apoio do seu pedido de recebimento do recurso, o EUIPO alega que o fundamento único do recurso suscita questões importantes para a unidade, a coerência e o desenvolvimento do direito da União.

7        A este respeito, em primeiro lugar, o EUIPO recorda o conteúdo do seu fundamento único e das quatro partes que o compõem.

8        Em primeiro lugar, com o seu fundamento único, o EUIPO alega que o Tribunal Geral, ao considerar, no n.o 28 do acórdão recorrido, que o processo que lhe tinha sido submetido não tinha ficado desprovido de objeto e que o interesse em agir da recorrente em primeira instância, Indo European Foods, se mantinha, violou o requisito indispensável e fundamental de qualquer ação judicial, relativo à manutenção do objeto do litígio e do interesse em agir até à prolação da decisão judicial, sob pena de ser declarada a inutilidade superveniente da lide, reconhecido na jurisprudência constante e enunciado, nomeadamente no n.o 42 do Acórdão de 7 de junho de 2007, Wunenburger/Comissão (C‑362/05 P, EU:C:2007:322), e recordado nos n.os 63 a 68 das Conclusões do advogado‑geral G. Pitruzzella no processo Izba Gospodarcza Producentów i Operatorów Urządzeń Rozrywkowych/ Comissão (C‑560/18 P, EU:C:2019:1052).

9        Em segundo lugar, com a primeira parte do fundamento único, o EUIPO alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao deduzir, nos n.os 19 a 21 e 23 do acórdão recorrido, que o recurso não ficava desprovido de objeto pelo simples facto de o fim do período de transição estabelecido pelos artigos 126.o e 127.o do Acordo sobre a Saída do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (JO 2020, L 29, p. 7, a seguir «Acordo de Saída»), adotado em 17 de outubro de 2019 e que entrou em vigor em 1 de fevereiro de 2020, não ser suscetível de afetar a legalidade da decisão controvertida adotada anteriormente.

10      A este respeito, o EUIPO sustenta que o Tribunal Geral procedeu, no n.o 19 do acórdão recorrido, a uma interpretação errada do requisito relativo ao interesse em agir e desvirtuou‑o, na medida em que se recusou a examinar se os elementos que surgiram posteriormente à decisão controvertida eram suscetíveis de deixar o recurso desprovido do seu objeto e em que se baseou, a este respeito, exclusivamente no facto de esses elementos não poderem pôr em causa a legalidade da referida decisão. Ao proceder a tal interpretação, o Tribunal Geral, por um lado, confundiu os requisitos processuais e prévios aplicáveis ao exame de qualquer recurso, relativos à manutenção tanto do objeto deste último como do interesse em agir daquele que o interpôs, com a fiscalização posterior da legalidade da decisão que é contestada. Por outro lado, segundo o EUIPO, o Tribunal Geral privou o interesse em agir da sua função própria e independente de debate quanto ao mérito do recurso, que consiste em assegurar a boa administração dos processos, impedindo que o juiz da União seja chamado a decidir questões meramente teóricas.

11      Em terceiro lugar, com a segunda parte do fundamento único, o EUIPO acusa o Tribunal Geral, baseando‑se, nomeadamente, no Acórdão de 28 de maio de 2013, Abdulrahim/Conselho e Comissão (C‑239/12 P, EU:C:2013:331, n.o 65), de não ter apreciado in concreto a manutenção do interesse em agir da Indo European Foods. Assim, o Tribunal Geral não averiguou se o recurso que lhe foi submetido era suscetível de, em caso de anulação da decisão controvertida, conferir um benefício à parte que o interpôs.

12      Com efeito, segundo o EUIPO, ao concentrar‑se, nos n.os 17 a 20 do acórdão recorrido, no facto de, à data da adoção da decisão controvertida, o direito anterior protegido no Reino Unido ser invocável como fundamento da oposição deduzida pela Indo European Foods, o Tribunal Geral deixou sem resposta a questão de saber se o registo da marca pedida, cuja proteção territorial nunca se estenderá ao Reino Unido devido à saída deste Estado da União e ao fim do período de transição, continua a ser suscetível de prejudicar os interesses jurídicos da Indo European Foods protegidos pelo Regulamento (UE) 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, sobre a marca da União Europeia (JO 2017, L 154, p. 1).

13      Em quarto lugar, com a terceira parte do fundamento único, o EUIPO alega que, devido aos dois erros de direito visados, respetivamente, na primeira e segunda partes deste fundamento, o Tribunal Geral não teve em conta as circunstâncias particulares do processo, que o deviam ter levado a considerar que a Indo European Foods não tinha respeitado a sua obrigação de demonstrar a manutenção do seu interesse em agir após o fim do período de transição. Ora, segundo o EUIPO, nada indicava que este interesse em agir se mantivesse.

14      Com efeito, por um lado, relativamente à aplicação ratione temporis do sistema estabelecido pelo Regulamento 2017/1001, o EUIPO alega que, uma vez que a marca anterior desapareceu durante o processo de oposição e já não é invocável ao abrigo deste regulamento, deixou de poder surgir qualquer conflito entre esta marca e um pedido de marca da União Europeia. Por conseguinte, no caso em apreço, o Tribunal Geral devia ter apreciado a «vantagem específica» que a Indo European Foods poderia retirar da anulação da decisão controvertida tendo em conta o facto de que a marca da União Europeia pedida só viria a ser registada após o fim do período de transição, ou seja, numa data em que as marcas em conflito não podiam cumprir simultaneamente a sua função essencial.

15      Por outro lado, relativamente à aplicação ratione loci do referido sistema, o EUIPO afirma que, tendo em conta o princípio fundamental da territorialidade dos direitos de propriedade intelectual, enunciado no artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento 2017/1001, nenhum conflito poderá surgir entre a marca da União Europeia pedida, após o respetivo registo, a qual não será protegida no Reino Unido, e a marca anterior, que continua a estar exclusivamente protegida no território deste último.

16      Em quinto lugar, com a quarta parte do fundamento único, o EUIPO critica o Tribunal Geral por lhe ter imposto, no n.o 27 do acórdão recorrido, a obrigação de não ter em conta os efeitos que resultam do artigo 50.o, n.o 3, TUE e dos artigos 126.o e 127.o do Acordo de Saída. Assim, para cumprir esta obrigação, o EUIPO deveria examinar, ou mesmo indeferir, o pedido de registo de marca da União Europeia em causa, em violação do artigo 1.o, n.o 2, e do artigo 8.o, n.o 4, do Regulamento 2017/1001, que são a expressão do princípio fundamental da territorialidade.

17      Em segundo lugar, o EUIPO sustenta que o seu fundamento único suscita uma questão importante para a unidade, a coerência e o desenvolvimento do direito da União, na medida em que tem por objeto normas que ocupam um lugar fundamental na ordem jurídica da União, a saber, por um lado, o requisito horizontal, revestido de «importância constitucional» (Conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo Gul Ahmed Textile Mills/Conselho, C‑100/17 P, EU:C:2018:214, n.o 42), da manutenção do interesse em agir, e por outro, o princípio da territorialidade, o princípio do caráter unitário da marca da União Europeia e a natureza específica dos processos de oposição à luz do conceito fundamental da função essencial da marca, que constituem os próprios pilares do direito de propriedade intelectual e do sistema de marcas da União Europeia, e isto no contexto geral do fim do período de transição. A este respeito, apresenta quatro argumentos.

18      Primeiro, o EUIPO sublinha o caráter horizontal do requisito da manutenção de um interesse em agir. Ora, ao ter deduzido, do facto de o fim do período de transição previsto no Acordo de Saída ter produzido efeitos após a decisão controvertida, que o recurso mantinha o seu objeto e que tal circunstância não era suscetível de afetar a legalidade dessa decisão, o Tribunal Geral afastou‑se da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça relativa ao caráter autónomo do requisito de manutenção do interesse em agir e à necessidade de apreciar esse requisito in concreto.

19      Segundo, o EUIPO alega que, tendo em conta, nomeadamente, o facto de o acórdão recorrido ser publicado e traduzido em todas as línguas da União e de ser objeto de um resumo reproduzido no repertório de jurisprudência do Tribunal de Justiça, a interpretação errada, efetuada pelo Tribunal Geral, do alcance do requisito relativo à manutenção do interesse em agir constituirá um precedente para os processos futuros, sem que haja certeza quanto à questão de saber se o referido precedente será aplicável independentemente da matéria em causa ou unicamente no âmbito do contencioso das marcas da União Europeia.

20      O EUIPO considera que o efeito suspensivo dos recursos interpostos no Tribunal Geral tende a reforçar a necessidade de uma apreciação in concreto da questão de saber se o recurso mantém um objeto, ou seja, a questão de saber se o seu resultado pode proporcionar uma vantagem específica às partes. Com efeito, é difícil compreender por que razão a lógica subjacente ao requisito de validade do direito anterior à data em que o EUIPO toma uma decisão se torna irrelevante para efeitos da determinação da manutenção do objeto do recurso perante o Tribunal Geral, pelo simples facto de ter sido tomada uma decisão provisória pelo EUIPO.

21      Terceiro, o EUIPO sublinha que a questão da extinção do direito anterior no decurso do processo deu lugar a decisões contraditórias do Tribunal Geral relativamente à aplicação do requisito da manutenção do interesse em agir. A este respeito, cita os Acórdãos de 15 de março de 2012, Cadila Healthcare/IHMI — Novartis (ZYDUS) (T‑288/08, não publicado, EU:T:2012:124, n.o 22), e de 8 de outubro de 2014, Fuchs/IHMI — Les Complices (Estrela dentro de um círculo) (T‑342/12, EU:T:2014:858, n.os 26 a 29); bem como os Despachos de 26 de novembro de 2012, MIP Metro/IHMI — Real Seguros (real,‑ Bio) (T‑549/11, não publicado, EU:T:2012:622, n.o 23), e de 4 de julho de 2013, Just Music Fernsehbetriebs/IHMI — France Télécom (Jukebox) (T‑589/10, não publicado, EU:T:2013:356, n.o 36). Refere igualmente que o Tribunal de Justiça só teve a oportunidade de abordar sucintamente esta questão num contexto específico, a saber, o do Despacho de 8 de maio de 2013, Cadila Healthcare/IHMI (C‑268/12 P, não publicado, EU:C:2013:296), pelo que não se pode retirar daí um princípio geral segundo o qual o juiz da União, para efeitos da apreciação da manutenção do interesse em agir, estaria impedido de considerar os factos cujos efeitos são posteriores à decisão perante si impugnada.

22      Segundo o EUIPO, dado que a apresentação de um pedido de extinção ou de nulidade constitui um meio de defesa corrente no âmbito dos litígios em matéria de propriedade intelectual, são necessárias orientações do Tribunal de Justiça para esclarecer a questão dos efeitos ligados à extinção do direito anterior no decurso do processo, a qual reveste uma importância crucial para os utilizadores do sistema de marcas da União Europeia. A interpretação dada pelo juiz da União é suscetível de influenciar significativamente a maneira como o requisito da manutenção do interesse em agir será aplicado pelos órgãos jurisdicionais nacionais em toda a União, nomeadamente no que se refere às consequências a retirar da extinção de um direito anterior no âmbito de um processo judicial pendente.

23      Quarto, o EUIPO sustenta que o presente recurso suscita igualmente, à luz do n.o 27 do acórdão recorrido, uma questão importante de natureza processual, que não se limita ao domínio do direito de propriedade intelectual, a saber, a das consequências a retirar da norma segundo a qual o autor do ato anulado se deve referir à data em que o adotou, com vista à adoção do ato de substituição. Com efeito, coloca‑se a questão de saber se esta norma pode ser alargada a ponto de exigir que o EUIPO, quando aprecia o processo, não tenha em conta os efeitos do artigo 50.o, n.o 3, TUE e dos artigos 126.o e 127.o do Acordo de Saída, e que, desta forma, examine o motivo relativo de recusa em causa relativamente a um território no qual a marca pedida não beneficiará, em todo o caso, de qualquer proteção, o que estaria em contradição com a economia e a finalidade do artigo 8.o do Regulamento 2017/1001.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

24      A título preliminar, importa salientar que é ao recorrente que cabe demonstrar que as questões suscitadas pelo seu recurso são importantes para a unidade, a coerência ou o desenvolvimento do direito da União (Despacho de 10 de dezembro de 2021, EUIPO/The KaiKai Company Jaeger Wichmann, C‑382/21 P, EU:C:2021:1050, n.o 20 e jurisprudência referida).

25      Além disso, conforme resulta do artigo 58.o‑A, terceiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, lido em conjugação com o artigo 170.o‑A, n.o 1, e com o artigo 170.o‑B, n.o 4, do Regulamento de Processo, o pedido de recebimento do recurso deve conter todos os elementos necessários que permitam ao Tribunal de Justiça pronunciar‑se sobre o recebimento do recurso e precisar, em caso de recebimento parcial deste último, os fundamentos ou as partes do recurso sobre os quais a resposta deve incidir. Com efeito, na medida em que o mecanismo de recebimento prévio dos recursos previsto no artigo 58.o‑A deste Estatuto visa limitar a fiscalização do Tribunal de Justiça às questões que revestem importância para a unidade, a coerência ou o desenvolvimento do direito da União, apenas os fundamentos que suscitem essas questões e sejam formulados pelo recorrente devem ser examinados pelo Tribunal de Justiça no âmbito do recurso (Despacho de 10 de dezembro de 2021, EUIPO/The KaiKai Company Jaeger Wichmann, C‑382/21 P, EU:C:2021:1050, n.o 21 e jurisprudência referida).

26      Assim, um pedido de recebimento do recurso deve, em todo o caso, referir com clareza e precisão os fundamentos em que se baseia o recurso, identificar com a mesma precisão e clareza a questão de direito suscitada por cada fundamento, precisar se essa questão é importante para a unidade, a coerência ou o desenvolvimento do direito da União e expor especificamente as razões pelas quais a referida questão é importante à luz do critério invocado. No que diz respeito, em particular, aos fundamentos do recurso, o pedido de recebimento do recurso deve precisar a disposição do direito da União ou a jurisprudência que foi violada pelo acórdão ou despacho recorrido, expor sucintamente em que consiste o erro de direito alegadamente cometido pelo Tribunal Geral e indicar em que medida esse erro influenciou o resultado do acórdão ou do despacho recorrido. Quando o erro de direito invocado resulte da inobservância da jurisprudência, o pedido de recebimento do recurso deve expor, de forma sucinta mas clara e precisa, em primeiro lugar, onde é que se situa a contradição alegada, identificando tanto os números do acórdão ou do despacho recorrido que o recorrente põe em causa como os da decisão do Tribunal de Justiça ou do Tribunal Geral que terão sido violados, e, em segundo lugar, as razões concretas pelas quais essa contradição suscita uma questão importante para a unidade, a coerência ou o desenvolvimento do direito da União (EUIPO/The KaiKai Company Jaeger Wichmann, C‑382/21 P, EU:C:2021:1050, n.o 22 e jurisprudência referida).

27      No presente caso, decorre do n.o 19 do acórdão recorrido, referido pelo EUIPO, que, segundo o Tribunal Geral, o facto de se considerar que o litígio fica desprovido de objeto quando, no decurso da instância, ocorre uma situação na sequência da qual uma marca anterior poderá perder o estatuto de marca não registada ou de outro sinal utilizado na vida comercial cujo alcance não é apenas local, nomeadamente na sequência de uma eventual saída do Estado‑Membro em causa da União, equivaleria a ter em conta motivos que surgiram posteriormente à adoção da decisão controvertida, que não são suscetíveis de afetar a sua fundamentação, devendo a legalidade de uma tal decisão ser apreciada, em princípio, a partir da data de adoção dessa decisão.

28      Por outro lado, o Tribunal Geral considerou, no n.o 27 do acórdão recorrido, igualmente referido pelo EUIPO, que, após a anulação da decisão da Câmara de Recurso, o recurso interposto pela Indo European Foods perante essa instância voltava a estar pendente, pelo que lhe competia decidir de novo esse recurso, e tal em função da situação existente à data da sua interposição. Além disso, segundo o Tribunal Geral, a jurisprudência referida pelo EUIPO confirmava que, em todo o caso, não era possível exigir que a marca em que se baseava a oposição continuasse a existir após adoção da decisão da Câmara de Recurso.

29      Por conseguinte, no contexto da saída do Reino Unido da União e do fim do período de transição durante o processo, o Tribunal Geral declarou, no n.o 28 do acórdão recorrido, como recorda o EUIPO, que o litígio que lhe foi submetido não tinha ficado desprovido de objeto e que se mantinha o interesse em agir da Indo European Foods.

30      Ora, importa salientar, em primeiro lugar, que o EUIPO descreveu com precisão e clareza o seu fundamento único, precisando que o Tribunal Geral, antes de mais, confundiu o requisito processual do interesse em agir com a fiscalização da legalidade do mérito da decisão controvertida, em seguida, que o mesmo não apreciou concretamente a manutenção do interesse em agir da Indo European Foods, tendo em conta o benefício que a anulação da decisão controvertida lhe poderia conferir, que, além disso, recusou considerar que esta não tinha a obrigação de demonstrar a manutenção do seu interesse em agir, quando não havia indicação de que este interesse se manteria depois do período de transição e, por último, que declarou, em substância, que o EUIPO não devia ter em conta os efeitos que resultam do artigo 50.o, n.o 3 TUE, assim como dos artigos 126.o e 127.o do Acordo de Saída, violando deste modo as disposições pertinentes do Regulamento 2017/1001, nomeadamente o princípio da territorialidade do direito da propriedade intelectual.

31      Em particular, o EUIPO expôs com precisão os números da fundamentação do acórdão recorrido que, em seu entender, apresentam contradições com a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à manutenção do interesse em agir, enunciada, nomeadamente, no n.o 42 do Acórdão de 7 de junho de 2007, Wunenburger/Comissão (C‑362/05 P, EU:C:2007:322), e no n.o 65 do Acórdão de 28 de maio de 2013, Abdulrahim/Conselho e Comissão (C‑239/12 P, EU:C:2013:331), mas também com as disposições do Regulamento 2017/1001 relativas ao registo das marcas, à sua oponibilidade e à aplicabilidade do princípio da territorialidade, bem como com o artigo 50.o, n.o 3, TUE e artigos 126.o e 127.o do Acordo de Saída, identificando tanto os números em causa do acórdão recorrido como as decisões e disposições alegadamente violadas.

32      Em segundo lugar, o recorrente critica o Tribunal Geral por ter considerado, no n.o 28 do acórdão recorrido, que o processo não tinha ficado desprovido de objeto e que o interesse em agir da Indo European Foods se mantinha. Assim, resulta claramente do pedido de recebimento do recurso que a alegada interpretação errada dos requisitos processuais adotada pelo Tribunal Geral teve um impacto no dispositivo do acórdão recorrido. Com efeito, em conformidade com a jurisprudência referida pelo EUIPO e recordada no n.o 8 do presente despacho, o objeto do litígio deve perdurar, tal como o interesse em agir, até à prolação da decisão jurisdicional, sob pena de ser declarada a inutilidade superveniente da lide (Acórdão de 7 de junho de 2007, Wunenburger/Comissão, C‑362/05 P, EU:C:2007:322, n.o 42 e jurisprudência referida).

33      Em terceiro lugar, em conformidade com o ónus da prova que recai sobre o autor de um pedido de recebimento de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, o recorrente deve demonstrar que, independentemente das questões de direito que invoca no seu recurso, este último suscita uma ou várias questões importantes para a unidade, a coerência ou o desenvolvimento do direito da União, sendo que o alcance deste critério ultrapassa o âmbito do acórdão que é objeto de recurso e, em definitivo, o do seu recurso (Despacho de 10 de dezembro de 2021, EUIPO/The KaiKai Company Jaeger Wichmann, C‑382/21 P, EU:C:2021:1050, n.o 27).

34      Esta demonstração implica, por si mesma, que seja demonstrada tanto a existência como a importância dessas questões, através de elementos concretos e próprios do caso em apreço, e não simplesmente através de argumentos de ordem geral (Despacho de 10 de dezembro de 2021, EUIPO/The KaiKai Company Jaeger Wichmann, C‑382/21 P, EU:C:2021:1050, n.o 28).

35      Ora, no caso em apreço, o EUIPO identifica a questão suscitada pelo seu fundamento único, que consiste, em substância, em determinar a data e as circunstâncias que devem ser tidas em conta para apreciar a manutenção do objeto do litígio e do interesse em agir quando, por um lado, o litígio submetido perante Tribunal Geral é relativo a uma decisão adotada na sequência de um processo de oposição baseado num direito anterior protegido unicamente no Reino Unido e, por outro, o período de transição tenha terminado no decurso da instância perante o Tribunal Geral. De uma forma mais generalizada, esta questão diz respeito, segundo o EUIPO, ao impacto que a extinção do direito anterior em causa, no decurso da instância, teve na existência do objeto do litígio e no interesse em agir da Indo European Foods.

36      Por outro lado, o EUIPO expõe as razões concretas pelas quais essa questão é importante para a unidade, a coerência e o desenvolvimento do direito da União.

37      Em particular, o EUIPO precisa que a referida questão tem por objeto o requisito processual fundamental do interesse em agir e dos princípios que constituem os pilares do direito da propriedade intelectual, a saber, o princípio da territorialidade, o princípio do caráter unitário da marca da União Europeia e o conceito fundamental da função essencial da marca, no contexto do fim do período de transição.

38      A este respeito, antes de mais, sublinha o caráter horizontal do requisito da manutenção de um interesse em agir e a existência de uma divergência de interpretação deste requisito no Tribunal Geral, mas também entre o Tribunal Geral e o Tribunal de Justiça.

39      Em seguida, precisa que é necessária uma clarificação pelo Tribunal de Justiça tanto para os utilizadores do sistema de marcas da União Europeia como para os órgãos jurisdicionais nacionais, nomeadamente tendo em conta que a questão suscitada diz respeito, não só ao efeito do Acordo de Saída nos processos pendentes, mas também a todas as situações, frequentes em matéria de propriedade intelectual, de extinção de um direito anterior no decurso do processo judicial, nomeadamente, em caso de extinção ou de caducidade de uma marca. Em particular, quanto à problemática do interesse em agir em caso de extinção de um direito anterior durante esse processo, o EUIPO expõe a jurisprudência contraditória do Tribunal Geral na matéria. Além disso, salienta que o Tribunal de Justiça só abordou esta problemática num contexto específico, a saber, aquele que conduziu à prolação do Despacho de 8 de maio de 2013, Cadila Healthcare/IHMI (C‑268/12 P, não publicado, EU:C:2013:296).

40      Por último, salienta que a questão da determinação das consequências a retirar da regra segundo a qual o autor do ato anulado se deve referir à data desse ato para adotar o ato de substituição, em particular no contexto do Acordo de Saída e do fim do período transitório, constitui uma questão importante de natureza processual que não está limitada ao direito da propriedade intelectual.

41      Assim, resulta do pedido de recebimento que a questão suscitada pelo presente recurso ultrapassa o âmbito do acórdão recorrido e, em última análise, o do referido recurso.

42      Tendo em conta os elementos expostos pelo EUIPO, há que constatar que o pedido de recebimento do recurso por este apresentado demonstra de forma juridicamente bastante que o recurso suscita uma questão importante para a unidade, a coerência e o desenvolvimento do direito da União.

43      Atendendo às considerações que precedem, há que receber o recurso da decisão do Tribunal Geral na íntegra.

 Quanto às despesas

44      Nos termos do artigo 170.o‑B, n.o 4, do Regulamento de Processo, quando o recurso for recebido, total ou parcialmente, à luz dos critérios enunciados no artigo 58.o‑A, terceiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o processo segue os seus trâmites em conformidade com os artigos 171.o a 190.o‑A do referido regulamento.

45      Nos termos do artigo 137.o do Regulamento de Processo, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, deste regulamento, o Tribunal de Justiça decide sobre as despesas no acórdão ou no despacho que ponha termo à instância.

46      Por conseguinte, tendo sido julgado procedente o pedido de recebimento do recurso, há que reservar para final a decisão quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Secção de recebimento dos recursos de decisões do Tribunal Geral) decide:

1)      O recurso de decisão do Tribunal Geral é recebido.

2)      Reservase para final a decisão quanto às despesas.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.