Language of document : ECLI:EU:T:2021:251

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção alargada)

12 de maio de 2021 (*)

[Texto retificado por Despacho de 16 de setembro de 2021]

«Auxílios de Estado — Auxílio concedido pelo Luxemburgo à Engie — Decisão que declara o auxílio incompatível com o mercado interno e ilegal e que ordena a sua recuperação — Decisões fiscais antecipadas (tax rulings) — Recursos estatais — Vantagem — Efeito combinado de duas medidas fiscais — Isenção dos rendimentos de participações — Tributação das distribuições de lucros — Abuso de direito — Caráter seletivo — Quadro de referência — Constatação de uma derrogação — Comparabilidade das situações — Regime mãe‑filial — Grupo de sociedades — Recuperação — Harmonização indireta — Direitos processuais — Dever de fundamentação»

Nos processos T‑516/18 e T‑525/18,

GrãoDucado do Luxemburgo, representado por T. Uri, na qualidade de agente, assistido por D. Waelbroeck, advogado,

recorrente no processo T‑516/18,

apoiado por

Irlanda, representada por J. Quaney, M. Browne e A. Joyce, na qualidade de agentes, assistidos por P. Gallagher, S. Kingston, SC, e B. Doherty, barrister,

interveniente,

Engie Global LNG Holding Sàrl, com sede no Luxemburgo (Luxemburgo),

Engie Invest International SA, com sede no Luxemburgo,

Engie, com sede em Courbevoie (França),

representadas por B. Le Bret, M. Struys e C. Rydzynski, advogados,

recorrentes no processo T‑525/18,

contra

Comissão Europeia, representada por B. Stromsky e S. Noë, na qualidade de agentes,

recorrida,

que têm por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE e destinado à anulação da Decisão (UE) 2019/421 da Comissão, de 20 de junho de 2018, relativa ao auxílio estatal SA.44888 (2016/C) (ex 2016/NN) concedido pelo Luxemburgo à Engie (JO 2019, L 78, p. 1),

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção alargada),

composto por: M. van der Woude, presidente, V. Tomljenović (relatora), F. Schalin, P. Škvařilová‑Pelzl e I. Nõmm, juízes,

secretário: M. Marescaux, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 15 de setembro de 2020,

profere o presente

Acórdão

I.      Antecedentes do litígio

1        Em 23 de março de 2015, a Comissão Europeia enviou ao Grão‑Ducado do Luxemburgo um pedido de informações relativo às suas práticas em matéria de decisões fiscais antecipadas em relação às sociedades do grupo Engie, incluindo a Engie (a seguir «Engie SA»), a Engie Global LNG Holding Sàrl e a Engie Invest International SA (a seguir, consideradas em conjunto, «Engie»).

2        Com esse pedido, a Comissão solicitou, por um lado, a transmissão de todas as decisões fiscais antecipadas, em vigor ou que tinham estado em vigor durante os dez anos precedentes, concedidas às sociedades do grupo Engie desde 2004, até 23 de março de 2015.

3        A Comissão solicitou, por outro lado, o envio das contas anuais do grupo Engie e das sociedades que o compõem relativamente aos anos de 2011 a 2013 e uma cópia das respetivas declarações fiscais.

A.      Grupo Engie

4        À luz dos considerandos 16 a 22 da Decisão (UE) 2019/421 da Comissão, de 20 de junho de 2018, relativa ao auxílio estatal SA.44888 (2016/C) (ex 2016/NN) concedido pelo Luxemburgo à Engie (JO 2019, L 78, p. 1; a seguir «decisão impugnada»), o grupo Engie é constituído pela Engie SA, sociedade com sede em França, e por todas as sociedades que esta controla direta ou indiretamente, designadas coletivamente na decisão impugnada como «Engie».

5        No Luxemburgo, a Engie SA controla diversas sociedades. É o caso da Compagnie européenne de financement C.E.F. SA (a seguir «CEF»), constituída no Luxemburgo desde 1933 e redesignada Engie Invest International SA em 2015.

6        Esta última tem por objeto a aquisição de participações no Luxemburgo e em entidades estrangeiras, bem como a gestão, exploração e controlo dessas participações.

7        A CEF detém, em primeiro lugar, a GDF Suez Treasury Management Sàrl (a seguir «GSTM») e, em segundo lugar, a Electrabel Invest Luxembourg SA (a seguir «EIL»).

8        A CEF transferiu, a partir de 2010, a sua atividade de financiamento e gestão de tesouraria para a GSTM.

9        A CEF detém, em terceiro lugar, a GDF Suez LNG Holding Sàrl (a seguir «LNG Holding»), constituída no Luxemburgo desde 2009 e redesignada Engie Global LNG Holding Sàrl em 2015.

10      Esta última tem por objeto a aquisição de participações no Luxemburgo e em entidades estrangeiras, bem como a gestão dessas participações.

11      A LNG Holding substituiu, no final de 2009, uma outra sociedade do grupo Engie, a Suez LNG Trading (a seguir «LNG Trading»), à frente da GDF Suez LNG Supply SA (a seguir «LNG Supply») e da GDF Suez LNG Luxembourg Sàrl (a seguir «LNG Luxembourg»).

12      A LNG Luxembourg e a LNG Supply foram estabelecidas no Luxemburgo em 2009 e criadas para, nomeadamente, assegurar, em 30 de outubro de 2009, o financiamento, e depois a transferência das atividades no setor do gás natural liquefeito e de produtos derivados do gás da LNG Trading para a LNG Supply, passando pela LNG Luxembourg.

13      A transferência intragrupo das atividades da CEF e da LNG Trading para as respetivas filiais foi financiada no grupo Engie, através da subscrição pela LNG Supply e pela GSTM (a seguir, consideradas em conjunto, «filiais») junto, respetivamente, da LNG Luxembourg e da EIL (a seguir, consideradas em conjunto, «sociedades intermédias») de um tipo de empréstimo sem juros obrigatoriamente convertível em ações e denominado «ZORA».

14      Tanto a transferência da atividade de financiamento e de gestão de tesouraria da CEF para a GSTM como a transferência da atividade de compra, venda e comercialização de gás natural liquefeito e de produtos derivados do gás da LNG Trading para a LNG Supply deram origem à emissão, pela administração fiscal luxemburguesa, de duas séries de decisões fiscais antecipadas.

B.      Decisões fiscais antecipadas

15      Em resposta ao pedido de informações de 23 de março de 2015, o Grão‑Ducado do Luxemburgo transmitiu à Comissão duas séries de decisões fiscais antecipadas (a seguir, consideradas em conjunto, «DFA em causa»):

—        uma série de decisões fiscais antecipadas relativas à transferência da atividade de compra, venda e comercialização de gás natural liquefeito e de produtos derivados do gás da LNG Holding para a LNG Supply, bem como o seu financiamento através de um empréstimo concedido pela LNG Luxembourg, tendo todas as sociedades envolvidas residência no Luxemburgo;

—        uma série de decisões fiscais antecipadas relativas à transferência da atividade de financiamento e de gestão de tesouraria de ativos da CEF para a GSTM, bem como o seu financiamento através de um empréstimo concedido pela EIL, tendo todas as sociedades envolvidas residência no Luxemburgo.

1.      Decisões fiscais antecipadas relativas à transferência de atividades em benefício da LNG Supply

16      As decisões fiscais antecipadas relativas à transferência de atividades ligadas ao gás natural liquefeito e aos produtos derivados do gás em benefício da LNG Supply são apresentadas nos considerandos 23 a 58 da decisão impugnada e figuram em anexo aos autos do processo T‑516/18.

17      A primeira decisão fiscal antecipada foi emitida em 9 de setembro de 2008. Nela é feita referência à criação da LNG Supply e, posteriormente, da LNG Luxembourg, bem como ao projeto de cessão das atividades da LNG Trading à LNG Luxembourg e à sua ulterior cessão à LNG Supply.

18      De forma esquemática, a LNG Supply adquiriu as atividades da LNG Trading e subscreveu um ZORA junto da LNG Luxembourg. Na sua conversão, a LNG Supply emitiu ações que incorporam o montante nominal do ZORA majorado ou minorado pelos acréscimos sobre este empréstimo (a seguir «acréscimos sobre o ZORA»).

19      No plano fiscal, decorre da decisão fiscal antecipada de 9 de setembro de 2008 que a LNG Supply é apenas tributada sobre uma margem acordada com a administração fiscal luxemburguesa. Essa margem corresponde a uma fração [confidencial] (1) da LNG Supply, com um mínimo fixado em [confidencial]. A diferença entre os lucros realizados em cada ano e a margem acordada com a administração fiscal luxemburguesa corresponde aos acréscimos sobre o ZORA, que são um encargo dedutível.

20      A título de exemplo, a Comissão indicou, no considerando 48 da decisão impugnada, que, relativamente ao ano de 2011, para um volume de negócios de [confidencial], o rendimento tributável da LNG Supply tinha sido fixado em [confidencial], a saber [confidencial]. Consequentemente, a LNG Supply pagou [confidencial] euros a título de imposto sobre o rendimento das sociedades relativamente ao ano de 2011.

21      Por sua vez, a LNG Luxembourg financiou o empréstimo em causa celebrando com a LNG Trading um contrato de venda a prazo com pagamento antecipado, ao abrigo do qual a LNG Luxembourg se comprometeu a ceder à data da conversão a totalidade das ações emitidas pela LNG Supply, em contrapartida de um preço correspondente ao montante nominal do ZORA em causa.

22      No plano fiscal, durante a vigência do ZORA em causa, a administração luxemburguesa oferece a possibilidade à LNG Luxembourg de não contabilizar nenhum rendimento tributável nem nenhum encargo fiscalmente dedutível relacionado com esse ZORA. Aquela administração prevê igualmente que, caso a LNG Luxembourg opte pela aplicação do artigo 22.o‑A da lei alterada, de 4 de dezembro de 1967, relativa ao imposto sobre o rendimento (a seguir «LIR»), conforme apresentado no considerando 89 da decisão impugnada, a conversão do ZORA em causa não dará lugar a nenhuma mais‑valia tributável. Por outras palavras, ao optar pela aplicação do artigo 22.o‑A da LIR, os acréscimos sobre o ZORA não serão tributados no dia da conversão.

23      Decorre igualmente da decisão fiscal antecipada de 9 de setembro de 2008 que a LNG Trading contabilizará o pagamento recebido ao abrigo do contrato de venda a prazo com pagamento antecipado como imobilização financeira e que esses ativos serão avaliados ao preço de custo, de modo que, antes da conversão do ZORA em causa, a LNG Trading não contabilizará nenhum rendimento nem nenhum encargo dedutível relacionado com esse ZORA. Por outro lado, a administração fiscal confirma que o artigo 166.o da LIR, conforme apresentado nos considerandos 83 a 86 da decisão impugnada, que permite isentar de impostos certos rendimentos de participações, se aplica à participação comprada ao abrigo do contrato a prazo.

24      A segunda decisão fiscal antecipada foi emitida em 30 de setembro de 2008 e diz respeito à transferência da gestão efetiva da LNG Trading para os Países Baixos.

25      A terceira decisão fiscal antecipada foi emitida em 3 de março de 2009 e aprova as alterações efetuadas na estrutura de financiamento prevista na decisão fiscal antecipada de 9 de setembro de 2008, nomeadamente a substituição da LNG Trading pela LNG Holding e a execução do ZORA subscrito pela LNG Supply junto da LNG Luxembourg e da LNG Holding.

26      A quarta decisão fiscal antecipada foi emitida em 9 de março de 2012 e clarifica certos termos contabilísticos utilizados no cálculo da margem sobre a qual é tributada a LNG Supply.

27      A última decisão fiscal antecipada foi emitida em 13 de março de 2014 e confirma um pedido apresentado em 20 de setembro de 2013. É referente ao tratamento fiscal da conversão parcial do ZORA subscrito pela LNG Supply. Decorre dessa decisão que a LNG Supply procederá, no dia da conversão desse empréstimo, à redução do seu capital num montante igual ao montante da referida conversão.

28      De um ponto de vista fiscal, a administração fiscal luxemburguesa confirma que a conversão parcial em causa não terá nenhuma incidência para a LNG Luxembourg. A LNG Holding contabilizará, por sua vez, um lucro equivalente à diferença entre o montante nominal das ações convertidas e o montante dessa conversão. Além disso, prevê‑se que esse lucro será abrangido pela isenção dos rendimentos de participações, ao abrigo do artigo 166.o da LIR.

2.      Decisões fiscais antecipadas relativas à transferência de atividades em benefício da GSTM

29      As decisões fiscais antecipadas relativas à transferência das atividades de financiamento e de gestão de tesouraria em benefício da GSTM são apresentadas nos considerandos 59 a 77 da decisão impugnada e figuram em anexo aos autos do processo T‑516/18.

30      A primeira decisão fiscal antecipada, emitida em 9 de fevereiro de 2010, valida uma estrutura análoga à implementada pela LNG Holding para financiar a transferência das suas atividades no setor do gás natural liquefeito para a LNG Supply. Com efeito, a estrutura em causa assenta num ZORA subscrito pela GSTM junto da EIL e que serve para financiar a aquisição da atividade de financiamento e de gestão de tesouraria da CEF.

31      Do mesmo modo que para a LNG Supply, a GSTM é tributada durante o período de execução do ZORA sobre uma margem acordada com a administração fiscal luxemburguesa. Essa margem corresponde a uma fração [confidencial].

32      A título de exemplo, a Comissão indicou, no considerando 74 da decisão impugnada, que, relativamente ao ano de 2011, para um rendimento líquido antes de impostos e antes dos acréscimos de 45 522 581 euros e para um valor médio dos ativos da GSTM de 3,7 mil milhões de euros, esta última foi tributada [confidencial].

33      A segunda decisão fiscal antecipada, emitida em 15 de junho de 2012, valida o tratamento fiscal da operação de financiamento e assenta numa análise idêntica à que consta da decisão fiscal antecipada de 9 de setembro de 2008 a respeito da transferência das atividades da LNG Trading em benefício da LNG Supply. Difere, contudo, no que diz respeito a um eventual aumento do montante do ZORA subscrito pela GSTM.

3.      Síntese das estruturas de financiamento criadas pelas sociedades do grupo Engie

34      Decorre dos considerandos 23 a 77 da decisão impugnada que as DFA em causa validam, à luz do direito fiscal luxemburguês, diferentes transações intragrupo. Além disso, a Comissão salienta o facto de resultar das referidas DFA que essas transações constituem um conjunto que executa, para a LNG Supply e para a GSTM, uma única operação, a saber, respetivamente, a transferência intragrupo das atividades relativas ao gás natural liquefeito e das atividades relativas ao financiamento e à tesouraria, cujo financiamento foi igualmente assegurado dentro do mesmo grupo. A Comissão sublinha igualmente que essas transações foram concebidas, desde o início, para serem efetuadas em três etapas sucessivas, mas interdependentes, que implicam a intervenção das sociedades holding, das sociedades intermédias e das filiais do grupo Engie. As principais características dessas transações são as seguintes.

35      Em primeiro lugar, uma sociedade holding transfere para a sua filial um conjunto de ativos.

36      Decorre, por um lado, do considerando 34 da decisão impugnada que a transferência das atividades da LNG Trading em benefício da LNG Supply conduziu à emissão, por esta última, em 30 de outubro de 2009, de duas notas promissórias a favor da LNG Trading. A primeira nota promissória cobre um crédito no montante de 11 milhões de USD (cerca de 9,26 milhões de euros) e a segunda um crédito no montante de 646 milhões de USD (cerca de 544 milhões de euros). Apenas o segundo crédito foi cedido pela LNG Trading à LNG Holding.

37      Resulta, por outro lado, do considerando 61 da decisão impugnada que a transferência das atividades da CEF em benefício da GSTM conduziu à emissão de uma nota promissória a favor da CEF. A nota promissória cobre um crédito no montante de 1 036 912 506,84 euros.

38      Em segundo lugar, para financiar os ativos transferidos, a filial subscreve, junto de uma sociedade intermédia, um ZORA. Nos termos desse contrato, além do facto de o empréstimo concedido não gerar juros periódicos, a filial que subscreveu um ZORA paga, no momento da sua conversão, o reembolso do empréstimo, emitindo ações cujo montante representa o montante nominal do empréstimo, acrescido de um prémio constituído pelo conjunto dos lucros realizados pela filial durante o período do empréstimo, ou seja, os acréscimos sobre o ZORA, após dedução de uma margem limitada acordada com as autoridades fiscais luxemburguesas.

39      Por um lado, decorre do considerando 34 da decisão impugnada que, em 30 de outubro de 2009, foi celebrado um ZORA no montante nominal de 646 milhões de USD entre a LNG Supply e a LNG Luxembourg por um período de quinze anos.

40      Por outro lado, em conformidade com o considerando 61 da decisão impugnada, dois contratos, um datado de 17 de junho de 2011 e outro datado de 30 de junho de 2014, foram celebrados para efeitos da subscrição de um ZORA pela GSTM junto de EIL, cujo prazo de vencimento é fixado para 2026 e cujo montante nominal ascende a 1 036 912 506,84 euros.

41      Em terceiro lugar, a sociedade intermédia financia o empréstimo concedido à filial celebrando com a sociedade holding um contrato de venda a prazo com pagamento antecipado. Nos termos desse contrato, a sociedade holding paga à sociedade intermédia um montante igual ao montante nominal do empréstimo em troca da aquisição dos direitos sobre as ações que a filial emitirá aquando da conversão do ZORA em causa. Assim, se a filial realizar lucros durante a vigência do ZORA em causa, a sociedade‑mãe será titular dos direitos sobre o conjunto das ações emitidas, as quais integrarão o valor, além do montante nominal do empréstimo, dos lucros realizados.

42      Na prática, conforme decorre do considerando 34 da decisão impugnada, foi celebrado um contrato de venda a prazo com pagamento antecipado, em 30 de outubro de 2009, entre a LNG Luxembourg e a LNG Holding. Esse contrato implica, em primeiro lugar, a aquisição pela LNG Holding de todos os direitos da LNG Luxembourg sobre as ações da LNG Supply por um montante de 646 milhões de USD e, em segundo lugar, a cessão das ações da LNG Supply desde a data da respetiva emissão.

43      O considerando 61 da decisão impugnada refere, por sua vez, a celebração, em 17 de junho de 2011, de um contrato idêntico de venda a prazo com pagamento antecipado entre a CEF e a EIL.

44      A subscrição pela GSTM e pela LNG Supply de um ZORA junto, respetivamente, da EIL e da LNG Luxembourg e a celebração por estas últimas de um contrato de venda a prazo com pagamento antecipado com, respetivamente, a CEF e a LNG Holding (a seguir «sociedades holding envolvidas») substituem o financiamento inicial da transferência dos setores de atividades através da emissão, pela GSTM e pela LNG Supply, de notas promissórias de que a CEF e a LNG Holding eram, respetivamente, titulares.

45      O esquema que consta do considerando 27 da decisão impugnada e a seguir reproduzido ilustra estas três operações sucessivas.

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4.      Incidência da conversão parcial do ZORA celebrado pela LNG Supply

46      Nos considerandos 46, 47, 49, 53 e 57 da decisão impugnada, a Comissão detalhou a incidência da conversão parcial em 2014 do ZORA celebrado pela LNG Supply, sendo este ZORA o único convertido antes da adoção da decisão impugnada.

47      Para efeitos da conversão parcial do ZORA que celebrou, a LNG Supply procedeu ao reembolso de uma parte do montante nominal desse ZORA e de uma parte dos acréscimos sobre o ZORA.

48      Para o efeito, a LNG Supply procedeu, em setembro de 2014, a um aumento de capital de 699,9 milhões de USD (cerca de 589,6 milhões de euros), dos quais 193,8 milhões de USD (cerca de 163,3 milhões de euros) a título de reembolso de uma parte do montante nominal do ZORA em causa e, nessa data, [confidencial] a título do reembolso de uma parte dos acréscimos sobre o ZORA. Todavia, a Comissão observa, à luz das declarações fiscais da LNG Supply para o ano de 2014, que o montante dos acréscimos sobre o ZORA acumulados foi, na realidade, reduzido [confidencial].

49      No que respeita à LNG Luxembourg, a conversão parcial do ZORA em causa conduziu a uma redução do valor desse ZORA, inscrito nas suas contas como ativo, no montante de 193,8 milhões de USD e, correlativamente, a uma redução do valor do contrato de venda a prazo com pagamento antecipado, inscrito nas suas contas como passivo, do mesmo montante.

50      Por último, a LNG Holding registou nas suas contas, na sequência da anulação das ações recebidas em execução do contrato de venda a prazo com pagamento antecipado, [confidencial], mais‑valia essa que beneficiou da isenção a título dos rendimentos de participações.

51      No que respeita ao ZORA celebrado pela GSTM, a Comissão indicou, no considerando 165 da decisão impugnada, que a existência da vantagem não dependia da conversão do ZORA, mesmo que, para efeitos da determinação do montante a recuperar, a vantagem só fosse considerada materializada no momento da isenção do rendimento recebido pela CEF.

C.      Procedimento formal de investigação

52      Por carta de 1 de abril de 2016, a Comissão comunicou ao Grão‑Ducado do Luxemburgo as suas dúvidas quanto à conformidade com o direito dos auxílios de Estado das DFA em causa.

53      Em 23 de maio de 2016, o Grão‑Ducado do Luxemburgo apresentou as suas observações à Comissão.

54      Em 19 de setembro de 2016, a Comissão deu início, nos termos do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, ao procedimento formal de investigação (a seguir «decisão de início do procedimento»). A decisão de início do procedimento foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia a 3 de fevereiro de 2017.

55      Por carta datada de 21 de novembro de 2016, o Grão‑Ducado do Luxemburgo apresentou as suas observações sobre o início do procedimento formal de investigação, bem como as informações pedidas.

56      Em 27 de fevereiro de 2017, a Engie apresentou as suas observações a respeito da decisão de início do procedimento.

57      Por carta de 10 de março de 2017, a Comissão transmitiu às autoridades luxemburguesas as observações da Engie, dando‑lhes a possibilidade de se pronunciarem sobre as mesmas.

58      Por correspondência datada de 22 de março de 2017, a Comissão pediu ao Grão‑Ducado do Luxemburgo que prestasse informações adicionais.

59      Em 10 de abril e 12 de maio de 2017, o Grão‑Ducado do Luxemburgo informou a Comissão de que fazia suas as observações que lhe tinham sido transmitidas e apresentou as informações adicionais exigidas.

60      Em 1 de junho de 2017, realizou‑se uma reunião tripartida entre a Comissão, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Engie, cuja ata foi lavrada.

61      Em 16 de junho de 2017, na sequência da reunião de 1 de junho de 2017, o Grão‑Ducado do Luxemburgo apresentou informações adicionais.

62      Por carta de 11 de dezembro de 2017, a Comissão pediu, de novo, a apresentação de informações adicionais, pedido a que acederam tanto o Grão‑Ducado do Luxemburgo como a Engie em 31 de janeiro de 2018.

63      Em 20 de junho de 2018, a Comissão adotou a decisão impugnada.

II.    Decisão impugnada

64      Com a decisão impugnada, a Comissão entende, em substância, que o Grão‑Ducado do Luxemburgo, por intermédio da sua administração fiscal, concedeu, em violação do artigo 107.o, n.o 1, e do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, uma vantagem seletiva a uma entidade que inclui, em conformidade com os considerandos 16, 316 e 317 da decisão impugnada, todas as sociedades do grupo Engie consideradas como uma mesma unidade económica.

65      Sem pôr em causa a legalidade, nos termos do direito fiscal luxemburguês, de toda a estrutura de financiamento criada pelo grupo Engie para a transferência dos dois setores de atividades, a Comissão contesta os efeitos concretos desta estrutura sobre o imposto total devido por esse grupo, pelo facto de, em substância, a quase totalidade dos lucros realizados pelas filiais no Luxemburgo não serem, na realidade, tributados.

A.      Imputabilidade ao Estado

66      No que respeita à imputabilidade ao Estado das DFA em causa e à implicação de recursos estatais, a Comissão sublinhou nos considerandos 156 e 157 da decisão impugnada que as DFA em causa tinham sido adotadas pela administração fiscal luxemburguesa e que as mesmas se traduziam numa perda de receitas fiscais, de modo que a vantagem económica concedida através dessas DFA era imputável ao Grão‑Ducado do Luxemburgo e financiada através de recursos do Estado.

B.      Concessão de uma vantagem

67      No que respeita à concessão de uma vantagem económica às sociedades holding envolvidas, a Comissão considerou, designadamente nos considerandos 163 e 166 da decisão impugnada, que esta última residia na ausência de tributação, no termo das DFA em causa, de rendimentos de participações das referidas sociedades, rendimentos esses que correspondiam, de um ponto de vista económico, aos acréscimos sobre o ZORA, que foram deduzidos pelas filiais do seu rendimento tributável enquanto encargos.

68      Mais precisamente, segundo a Comissão, os acréscimos sobre o ZORA não são tributados ao nível das filiais, nem ao nível das sociedades intermédias, nem ao nível das sociedades holding envolvidas.

69      No plano fiscal, como resulta dos considerandos 35, 47 e 62 da decisão impugnada, as filiais pagam um imposto sobre as sociedades cuja matéria coletável corresponde a uma margem limitada acordada com as autoridades fiscais.

70      A Comissão observou que as filiais constituíam todos os anos, em razão da conversão futura do ZORA em causa, provisões contabilísticas correspondentes aos acréscimos sobre o ZORA, que correspondiam, em substância, à diferença entre o lucro realmente realizado pelas filiais e a margem acordada com a administração fiscal enquanto rendimento tributável. Esses acréscimos sobre o ZORA são considerados encargos dedutíveis. Assim, segundo a Comissão, as medidas contestadas permitiram efetivamente às filiais excluir da matéria coletável do imposto sobre as pessoas coletivas de que são devedoras a quase totalidade dos lucros realizados durante o período do empréstimo.

71      As sociedades intermédias também não são, à luz dos considerandos 39 e 52 da decisão impugnada, tributadas sobre os acréscimos sobre o ZORA.

72      Com efeito, na conversão do ZORA, e em aplicação do contrato de compra de ações com pagamento antecipado celebrado com as sociedades holding envolvidas, as sociedades intermédias sofrem na sua conta uma perda do mesmo montante que os acréscimos sobre o ZORA.

73      As sociedades holding envolvidas, por último, detentoras das ações das filiais ao abrigo do contrato de compra de ações com pagamento antecipado, também não são tributadas, em conformidade com o considerando 56 da decisão impugnada, sobre um montante correspondente ao dos acréscimos sobre o ZORA, na medida em que os rendimentos gerados pela anulação de ações da sua filial estão abrangidos, segundo as DFA em causa, pelo artigo 166.o da LIR, que isenta do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas os rendimentos de participações. Assim, no considerando 57 da decisão impugnada, a Comissão salientou que, na sequência da conversão parcial do ZORA da LNG Supply em 2014, foi gerada uma mais‑valia de [confidencial], que escapou completamente ao imposto.

C.      Seletividade das DFA em causa

74      Para demonstrar a seletividade das DFA em causa, a Comissão baseou‑se, a título principal, como resulta designadamente dos considerandos 163 a 170 e 237 da decisão impugnada, em três linhas de raciocínio. Duas linhas de raciocínio dizem respeito à existência de uma vantagem seletiva ao nível das sociedades holding, à luz, por um lado, de um quadro de referência alargado ao sistema luxemburguês de tributação das sociedades e, por outro, de um quadro de referência restrito às disposições relativas à tributação das distribuições de lucros e à isenção dos rendimentos de participações. Uma terceira linha de raciocínio é referente à existência de uma vantagem ao nível do grupo Engie. Além disso, decorre do considerando 289 da decisão impugnada que, a título subsidiário, a Comissão considerou que da não aplicação do artigo 6.o da Steueranpassungsgesetz (Lei de Adaptação Fiscal), de 16 de outubro de 1934 (Mémorial A 901) (a seguir «Disposição Relativa ao Abuso de Direito») resultava uma vantagem seletiva. Por outro lado, a Comissão constatou a falta de justificação para o tratamento seletivo resultante das DFA em causa.

1.      Quanto à seletividade ao nível das sociedades holding

75      Antes de mais, a Comissão considerou, em primeiro lugar, nos considerandos 171 a 199 da decisão impugnada, que as DFA em causa conferiam uma vantagem seletiva ao grupo Engie, ao nível das sociedades holding, na medida em que derrogavam o sistema luxemburguês de tributação das sociedades.

76      Em segundo lugar, a Comissão considerou, nos considerandos 200 a 236 da decisão impugnada, que as DFA em causa conferiam uma vantagem seletiva ao grupo Engie, ao nível das sociedades holding, na medida em que derrogavam as disposições relativas à isenção dos rendimentos de participações e à tributação das distribuições de lucros. Essas derrogações não eram, segundo a Comissão, justificadas pela economia do sistema fiscal.

a)      Quanto à derrogação ao quadro de referência alargado ao sistema luxemburguês de tributação das sociedades

77      No que respeita ao sistema luxemburguês de tributação das sociedades, a Comissão considerou que esse sistema resultava dos artigos 18.o, 23.o, 40.o, 159.o e 163.o da LIR, conforme apresentados nos considerandos 78 a 81 da decisão impugnada, segundo os quais as sociedades residentes no Luxemburgo, sujeitas ao imposto sobre as sociedades do referido Estado, são tributadas sobre os seus lucros, conforme registados nas suas contas. A Comissão precisou que, para efeitos da definição de um quadro de referência, extrair das disposições que constituem tal quadro um objetivo prosseguido ou um princípio que emane das mesmas, é conforme com a jurisprudência do Tribunal de Justiça e que, no que respeita ao referido objetivo, a saber, a tributação dos lucros de todas as sociedades sujeitas a imposto no Luxemburgo, conforme registados nas suas contas, este resultava claramente da lei luxemburguesa.

78      A Comissão acrescentou que a tomada em consideração de um quadro de referência alargado ao sistema luxemburguês de tributação das sociedades era igualmente conforme com a jurisprudência do Tribunal de Justiça. Este último declarou reiteradamente, perante medidas relativas à tributação das sociedades, que o quadro de referência podia ser definido à luz do sistema de tributação das sociedades, e não à luz das disposições específicas que eram aplicáveis a determinados contribuintes ou a determinadas transações.

79      As DFA em causa derrogaram, assim, o sistema luxemburguês de tributação das sociedades, ao validar a não tributação, ao nível das sociedades holding, de rendimentos de participações que correspondiam, de um ponto de vista económico, aos acréscimos sobre o ZORA.

80      As DFA em causa estiveram igualmente na origem de uma discriminação a favor das sociedades holding. Com efeito, as sociedades sujeitas ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas no Luxemburgo são, diversamente das sociedades holding, tributadas sobre os seus lucros, conforme registados nas suas contas.

b)      Quanto à derrogação ao quadro de referência restrito às disposições relativas à tributação das distribuições de lucros e à isenção dos rendimentos de participações

81      A Comissão constatou que as DFA em causa derrogavam igualmente as disposições luxemburguesas em matéria de isenção dos rendimentos de participações e à tributação das distribuições de lucros, a saber, os artigos 164.o e 166.o da LIR, conforme apresentados nos considerandos 82 a 87 da decisão impugnada.

82      Com efeito, a isenção dos rendimentos de participações para uma sociedade‑mãe só é, segundo a Comissão, possível em caso de tributação prévia, ao nível da sua filial, dos lucros distribuídos. Ora, os rendimentos de participações isentos de imposto ao nível das sociedades holding correspondem, de um ponto de vista económico, aos acréscimos sobre o ZORA deduzidos pelas filiais do seu rendimento tributável como encargos.

83      Embora os acréscimos sobre o ZORA não correspondam formalmente a distribuições de lucros, a Comissão observou que os rendimentos das participações isentos de imposto tinham sido inscritos, pela LNG Holding, como «dividendos isentos» e que, de um ponto de vista económico, tendo em conta a ligação direta e evidente entre o rendimento isento ao nível da LNG Holding e os acréscimos sobre o ZORA deduzidos ao nível da LNG Supply, os referidos acréscimos eram equivalentes a distribuições de lucros.

84      Essa derrogação ao quadro de referência restrito deu origem, segundo a Comissão, a uma discriminação a favor das sociedades holding. Em substância, as sociedades‑mãe que podiam auferir rendimentos de participações e que, neste sentido, estavam numa situação jurídica e factual comparável às sociedades holding, não poderiam beneficiar de uma isenção sobre esses rendimentos se estes últimos não fossem previamente tributados ao nível das suas filiais.

85      A inexistência de uma ligação explícita entre os artigos 164.o e 166.o da LIR não pode, segundo a Comissão, pôr em causa esta conclusão. Se um mesmo rendimento pudesse ser objeto de isenção ao nível de uma sociedade‑mãe e deduzido como encargo ao nível de uma filial, escaparia a qualquer tributação no Luxemburgo, o que iria tanto contra o objetivo do sistema luxemburguês de tributação das sociedades como contra o objetivo de evitar a dupla tributação.

86      Por outro lado, a Comissão salientou, em substância, que, embora a diretiva em vigor no momento da adoção das DFA em causa, a saber, sucessivamente, a Diretiva 90/435/CEE do Conselho, de 23 de julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades‑mãe e sociedades afiliadas de Estados‑Membros diferentes (JO 1990, L 225, p. 6), e a Diretiva 2011/96/UE do Conselho, de 30 de novembro de 2011, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades‑mãe e sociedades afiliadas de Estados‑Membros diferentes (JO 2011, L 345, p. 8) (a seguir, consideradas em conjunto, «Diretiva Mãe‑Filial»), não pretendesse condicionar formalmente a isenção dos rendimentos de participações ao nível de uma sociedade‑mãe à tributação dos rendimentos distribuídos ao nível da sua filial, o regime nela previsto só se aplicava aos casos de distribuições transfronteiriças de lucros em que pudessem verificar‑se discordâncias entre os regimes fiscais de dois países diferentes conducentes a uma ausência de tributação. Por conseguinte, esta diretiva não podia ser utilmente invocada para, numa situação puramente interna, servir de fundamento à isenção de rendimentos de participações que não foram objeto de tributação ao nível de uma filial.

2.      Quanto à seletividade ao nível do grupo Engie

87      Em seguida, a Comissão sustentou que, sem prejuízo da conclusão relativa à existência de uma vantagem seletiva ao nível das sociedades holding, a seletividade das DFA em causa resultava igualmente, à luz dos considerandos 237 a 244 da decisão impugnada, de uma análise ao nível do grupo Engie, constituído pelas sociedades holding envolvidas, pelas sociedades intermédias e pelas filiais. Esta abordagem justificou‑se pelo facto de, a partir de 2015, as sociedades holding envolvidas, as sociedades intermédias e as filiais formarem uma única e mesma unidade fiscal. Em todo o caso, segundo a Comissão, uma vez que a análise dos efeitos económicos das medidas estatais deve ser efetuada em relação às empresas e não em relação às entidades jurídicas distintas, há que considerar que as sociedades holding envolvidas, as sociedades intermédias e as filiais fazem parte de uma mesma empresa, na aceção do direito dos auxílios de Estado. A Comissão acrescentou, por um lado, que os pedidos de decisões fiscais antecipadas tinham por objeto o tratamento fiscal de todas as entidades do grupo Engie e, por outro, que a vantagem económica de que este grupo beneficiou ao nível das sociedades holding envolvidas residia na combinação de uma isenção de rendimentos de participações ao nível das referidas sociedades e de uma dedução, ao nível das filiais, dos acréscimos sobre o ZORA enquanto encargos.

88      Segundo a Comissão, as DFA em causa conferem uma vantagem seletiva ao grupo Engie, na medida em que derrogam um quadro de referência correspondente ao sistema luxemburguês de tributação das sociedades, que visa tributar os lucros das sociedades sujeitas a imposto no Luxemburgo, conforme registados nas suas contas.

89      Com efeito, a Comissão observou que a diminuição da carga fiscal ao nível das filiais, que resultava da circunstância de os acréscimos sobre o ZORA serem deduzidos, enquanto encargos, do rendimento tributável das referidas filiais, não era compensada por um aumento da carga fiscal ao nível das sociedades holding envolvidas ou por um aumento efetivo do rendimento tributável das sociedades intermédias, o que, de facto, conduziu a uma redução do rendimento tributável combinado do grupo Engie no Luxemburgo.

90      Segundo a Comissão, outros grupos de sociedades que se encontravam numa situação jurídica e factual comparável não podiam obter uma redução combinada do seu rendimento tributável, independentemente do instrumento de financiamento, do contrato utilizado ou do montante da remuneração.

91      O mesmo era válido, segundo a Comissão, para os grupos de sociedades que recorriam diretamente a um ZORA. O artigo 22.o‑A, segundo parágrafo, da LIR, conforme referido no considerando 89 da decisão impugnada, não era aplicável aos acréscimos sobre o ZORA e, mesmo admitindo que o fosse, apenas podia conduzir a um diferimento da tributação.

3.      Quanto à seletividade consecutiva a uma não aplicação da Disposição Relativa ao Abuso de Direito

92      Por último, e a título subsidiário, a Comissão acrescentou, nos considerandos 289 a 312 da decisão impugnada, que as DFA em causa derrogavam a disposição fiscal luxemburguesa relativa ao abuso de direito, conforme referida no considerando 90 da decisão impugnada. A estrutura de financiamento criada era, segundo a Comissão, abusiva. Os quatro critérios identificados pela jurisprudência luxemburguesa para caracterizar um abuso de direito estavam, no entender da Comissão, preenchidos, no que respeita à utilização de formas ou de instituições de direito privado, à redução da carga fiscal, à utilização de uma via jurídica inadequada ou à ausência de motivos não fiscais.

93      Mais precisamente, quanto aos dois últimos critérios, por um lado, a Comissão sublinhou que a via jurídica privilegiada pelo grupo Engie permitiu uma não tributação quase total dos lucros realizados pelas filiais no Luxemburgo, que não teria sido possível se a transferência dos setores de atividades tivesse sido efetuada através de um instrumento de fundos próprios ou por um empréstimo entre as filiais e as sociedades holding envolvidas. Por outro lado, não existiu um motivo económico real que apresentasse uma vantagem económica suficiente para o grupo Engie, além da realização de uma economia de imposto considerável, para que este optasse pelas estruturas complexas de financiamento criadas e avalizadas pelas DFA em causa.

4.      Quanto à falta de justificação

94      Nos considerandos 285 a 287 da decisão impugnada, a Comissão salientou que, não tendo o Grão‑Ducado do Luxemburgo apresentado uma justificação para o tratamento favorável avalizado pelas DFA em causa, devia concluir que o referido tratamento não podia ser justificado pela economia geral do sistema fiscal luxemburguês. Em todo o caso, a Comissão observou que uma justificação hipotética baseada na prevenção da dupla tributação económica não podia, em substância, ser acolhida.

D.      Quanto à distorção da concorrência

95      A Comissão precisou, no considerando 160 da decisão impugnada, que, na medida em que o grupo Engie exercia as suas atividades nos setores da eletricidade, do gás natural e do gás natural liquefeito, dos serviços de eficiência energética e noutros mercados conexos em vários Estados‑Membros, o tratamento fiscal concedido com base nas DFA em causa tinha aliviado o referido grupo de uma carga fiscal que o mesmo normalmente teria de suportar no contexto da gestão corrente das suas atividades. Ao reforçar a situação do grupo Engie, as DFA em causa falsearam ou ameaçaram falsear a concorrência.

E.      Quanto ao beneficiário do auxílio

96      Nos considerandos 314 a 318 da decisão impugnada, a Comissão considerou que a vantagem seletiva de que beneficiava o grupo Engie ao nível das sociedades holding envolvidas tinha igualmente beneficiado todas as sociedades do grupo Engie, na medida em que tinha proporcionado recursos financeiros adicionais a todo o grupo. Embora o referido grupo esteja organizado em diferentes pessoas coletivas e as DFA em causa digam respeito ao tratamento fiscal de entidades distintas, este grupo devia, segundo a Comissão, ser considerado como uma unidade económica, a saber, uma única e mesma empresa, que beneficia de um auxílio de Estado.

F.      Quanto à recuperação do auxílio

97      Nos considerandos 318 a 365 da decisão impugnada, a Comissão sublinhou que, uma vez que o auxílio concedido era ilegal e incompatível com o mercado interno, o Grão‑Ducado do Luxemburgo devia recuperar imediatamente junto da LNG Holding, e, caso tal não se verificasse, junto da Engie SA ou de um dos seus sucessores, o auxílio que já se tinha materializado devido à conversão parcial em 2014 do ZORA, celebrado a favor da LNG Supply, bem como não aplicar as DFA em causa no que respeita à isenção dos rendimentos de participações de que eventualmente beneficiaram as sociedades holding envolvidas na conversão total dos ZORA celebrados em proveito das filiais.

98      A Comissão considerou que essa recuperação não violava os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança legítima, da igualdade de tratamento e da boa administração. A Comissão rejeitou igualmente as alegações apresentadas pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo e pela Engie relativas a irregularidades processuais de que enfermava o procedimento formal de investigação. Segundo ela, os respetivos direitos processuais tinham sido devidamente respeitados.

III. Tramitação processual e pedidos das partes

A.      Quanto à fase escrita do processo T516/18

99      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 30 de agosto de 2018, o Grão‑Ducado do Luxemburgo interpôs o recurso registado sob o número de processo T‑516/18.

100    Em 23 de novembro de 2018, a Comissão apresentou a sua contestação.

1.      Quanto à composição da formação de julgamento

101    Por Decisão do Tribunal Geral de 28 de setembro de 2018, o processo T‑516/18 foi atribuído à Sétima Secção do Tribunal Geral, antiga formação.

102    Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 28 de janeiro de 2019, o Grão‑Ducado do Luxemburgo pediu, nos termos do artigo 28.o, n.o 5, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, que o processo T‑516/18 fosse julgado por uma formação de julgamento alargada. Por Decisão do Tribunal Geral de 13 de fevereiro de 2019, foi registado o pedido do Grão‑Ducado do Luxemburgo e o processo T‑516/18 foi remetido à Sétima Secção alargada, antiga formação.

103    Por Decisão do Tribunal Geral de 16 de outubro de 2019, o processo T‑516/18 foi atribuído à Segunda Secção alargada, nos termos do artigo 27.o, n.o 5, do Regulamento de Processo.

104    Por impedimento de um membro da Segunda Secção alargada, o presidente do Tribunal Geral designou‑se, por Decisão de 21 de janeiro de 2020, para o substituir e assumir as funções de presidente da Segunda Secção alargada.

2.      Quanto ao pedido de intervenção

105    Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 20 de dezembro de 2018, a Irlanda pediu para intervir, em conformidade com os artigos 142.o e 143.o do Regulamento de Processo, em apoio dos pedidos do Grão‑Ducado do Luxemburgo.

106    Por Despacho de 15 de fevereiro de 2019, o presidente da Sétima Secção alargada do Tribunal Geral deferiu o pedido de intervenção da Irlanda.

107    Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 12 de abril de 2019, a Irlanda apresentou um articulado de intervenção.

3.      Quanto ao pedido de tratamento confidencial

108    Em 30 de janeiro de 2018 e 18 de fevereiro de 2019, o Grão‑Ducado do Luxemburgo pediu o tratamento confidencial de determinados anexos da petição e da réplica em relação à Irlanda.

109    Na sequência da sua admissão como interveniente, a Irlanda recebeu apenas versões não confidenciais das peças processuais e não levantou nenhuma objeção contra os pedidos de tratamento confidencial formulados a seu respeito.

4.      Quanto aos pedidos das partes

110    O Grão‑Ducado do Luxemburgo conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

—        anular, a título principal, a decisão impugnada;

—        anular, a título subsidiário, o artigo 2.o da decisão impugnada;

—        condenar a Comissão nas despesas.

111    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

—        negar provimento ao recurso;

—        condenar o recorrente nas despesas.

112    A Irlanda conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne anular, total ou parcialmente, a decisão impugnada, de acordo com os pedidos do Grão‑Ducado do Luxemburgo.

B.      Quanto à fase escrita do processo T525/18

113    Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 4 de setembro de 2018, a Engie interpôs o recurso registado sob o número de processo T‑525/18.

114    Em 14 de dezembro de 2018, a Comissão apresentou a sua contestação.

115    Em 4 de junho de 2019, a Engie pediu, nos termos do artigo 106.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, para ser ouvida numa audiência de alegações.

1.      Quanto à composição da formação de julgamento

116    Por Decisão do Tribunal Geral de 28 de setembro de 2018, o processo T‑525/18 foi atribuído à Sétima Secção do Tribunal Geral, antiga formação.

117    Por Decisão do Tribunal Geral de 11 de setembro de 2019, o processo T‑525/18 foi, nos termos do artigo 28.o do Regulamento de Processo, remetido à Sétima Secção alargada, antiga formação.

118    Por Decisão do Tribunal Geral de 16 de outubro de 2019, o processo T‑525/18 foi, nos termos do artigo 27.o, n.o 5, do Regulamento de Processo, atribuído à Segunda Secção alargada.

119    Por impedimento de um membro da Segunda Secção alargada, o presidente do Tribunal Geral designou‑se, por Decisão de 21 de janeiro de 2020, para o substituir e assumir as funções de presidente da Segunda Secção alargada.

2.      Quanto ao pedido de tratamento confidencial

120    Em 3 de julho de 2019, a Engie, na eventualidade de o presente processo ser apensado ao processo T‑516/18, solicitou ao Tribunal Geral o tratamento confidencial em relação à Irlanda, interveniente neste último processo, dos anexos A.1 e A.9 da petição e do anexo C.1 da réplica.

121    Em 3 de julho de 2019, a Engie apresentou na Secretaria do Tribunal Geral as versões confidenciais dos anexos da petição e da réplica.

3.      Quanto aos pedidos das partes

122    A Engie conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

—        anular, a título principal, a decisão impugnada;

—        anular, a título subsidiário, o artigo 2.o da decisão impugnada;

—        condenar a Comissão nas despesas.

123    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

—        negar provimento ao recurso;

—        condenar a recorrente nas despesas.

IV.    Questão de direito

A.      Quanto à apensação dos processos T516/18 e T525/18 e à resposta aos pedidos de tratamento confidencial

124    Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal Geral, respetivamente, em 4 de junho e 25 de junho de 2019, a Engie e o Grão‑Ducado do Luxemburgo pediram a apensação dos processos T‑516/18 e T‑525/18 para efeitos da fase oral do processo e da decisão que põe termo à instância.

125    A Comissão e a Irlanda não apresentaram nenhuma objeção à apensação dos processos T‑516/18 e T‑525/18.

126    Por Despacho do presidente da Segunda Secção alargada do Tribunal Geral de 12 de junho de 2020, ouvidas as partes, os processos T‑516/18 e T‑525/18 foram apensados para efeitos da fase oral do processo, em conformidade com o artigo 68.o, n.o 1, do Regulamento de Processo. Pelo mesmo despacho, foi decidido excluir os dados confidenciais constantes dos autos acessíveis à Irlanda.

127    Por Despacho do Tribunal Geral de 28 de setembro de 2020, foi reaberta a fase oral dos processos apensos T‑516/18 e T‑525/18, a fim de, através de uma medida de organização do processo, questionar a Comissão sobre a apensação dos referidos processos para efeitos da decisão que põe termo à instância.

128    Tendo em conta o eventual risco de extrapolação de certos argumentos das partes, a Comissão emitiu reservas quanto à apensação dos processos T‑516/18 e T‑525/18. Todavia, o Tribunal Geral considera oportuno, atendendo à sua conexão, juntá‑los para efeitos do acórdão que põe termo à instância, em conformidade com o artigo 68.o do Regulamento de Processo, e excluir novamente os dados confidenciais dos autos acessíveis à Irlanda.

B.      Quanto ao mérito

129    Em apoio do seu recurso no processo T‑516/18, o Grão‑Ducado do Luxemburgo invoca, em substância, seis fundamentos:

—        o primeiro é relativo a uma apreciação errada da seletividade das DFA em causa;

—        o segundo é relativo à violação do conceito de vantagem;

—        o terceiro é relativo a uma harmonização fiscal disfarçada;

—        o quarto é relativo à violação dos direitos processuais;

—        o quinto, apresentado a título subsidiário, é relativo à violação dos princípios gerais do direito da União Europeia no âmbito da recuperação dos auxílios alegadamente concedidos;

—        o sexto é relativo à violação do dever de fundamentação.

130    Em apoio do seu recurso no processo T‑525/18, a Engie invoca, em substância, oito fundamentos:

—        o primeiro é relativo à falta de imputabilidade ao Estado das DFA em causa;

—        o segundo é relativo à violação do conceito de vantagem;

—        o terceiro é relativo a uma apreciação errada da seletividade das DFA em causa;

—        o quarto é relativo à qualificação errada das DFA em causa como auxílios individuais;

—        o quinto é relativo, em substância, a uma harmonização fiscal disfarçada;

—        o sexto é relativo à violação dos direitos processuais;

—        o sétimo, apresentado a título subsidiário, é relativo à violação dos princípios gerais do direito da União no âmbito da recuperação dos auxílios alegadamente concedidos;

—        o oitavo é relativo à violação do dever de fundamentação.

131    Para efeitos do presente acórdão, em primeiro lugar, há que tratar do mérito dos fundamentos que, primeiro, fazem referência a uma harmonização fiscal disfarçada, uma vez que, em caso de resposta afirmativa, a Comissão não é competente para apreender, ao abrigo do direito dos auxílios de Estado, as DFA em causa, que, segundo, contestam o respeito pela Comissão do seu dever de fundamentação e que, terceiro, são relativos a uma alegada violação dos direitos processuais.

132    Em segundo lugar, serão abordados os fundamentos relativos à falta de imputabilidade ao Grão‑Ducado do Luxemburgo das DFA em causa, à inexistência de uma vantagem seletiva, à qualificação errada das DFA em causa como auxílios individuais e à obrigação errada de recuperação dos auxílios alegadamente concedidos.

1.      Quanto ao quinto fundamento no processo T525/18 e ao terceiro fundamento no processo T516/18, relativos, em substância, à existência de uma harmonização fiscal disfarçada

133    O quinto fundamento de recurso no processo T‑525/18 divide‑se, em substância, em duas partes. A Engie invoca, na primeira parte, uma violação dos artigos 3.o a 5.o e 113.o a 117.o TFUE e, na segunda, um desvio de poder por parte da Comissão. No processo T‑516/18, o Grão‑Ducado do Luxemburgo alega uma harmonização fiscal disfarçada em violação dos artigos 4.o e 5.o TUE.

a)      Quanto à alegada violação dos artigos 4.o e 5.o TUE e dos artigos 3.o a 5.o e 113.o a 117.o TFUE

134    Por um lado, a Engie sustenta que a Comissão se imiscuiu na política do Grão‑Ducado do Luxemburgo em matéria fiscal, na medida em que qualificou de auxílios de Estado as DFA em causa, quando estas implementam medidas gerais de fiscalidade direta que não criam discriminações e que, consequentemente, são desprovidas de seletividade. Ao fazê‑lo, a Comissão violou os artigos 3.o a 5.o e 113.o a 117.o TFUE.

135    Por outro lado, pela sua conceção extensiva do conceito de seletividade, a Comissão substituiu‑se ao Grão‑Ducado do Luxemburgo na definição e na interpretação dos quadros de referência adotados.

136    O Grão‑Ducado do Luxemburgo acrescenta que, ao impor a sua própria interpretação do direito fiscal luxemburguês e do que deve ser o seu objetivo, a Comissão instrumentalizou as regras em matéria de auxílios de Estado, desrespeitando o poder soberano dos Estados‑Membros em matéria de fiscalidade direta e os princípios que regem a repartição de competências entre os Estados‑Membros e a União.

137    A Comissão contesta o mérito de todos esses argumentos. Sublinha, nomeadamente, a obrigação de os Estados‑Membros, no exercício da sua competência reservada em matéria de fiscalidade direta, respeitarem o direito da União em geral e o direito dos auxílios de Estado em particular. A Comissão insiste igualmente no facto de a decisão impugnada não pôr em causa a competência do Grão‑Ducado do Luxemburgo para conceber o seu próprio sistema de tributação.

138    A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, embora, na atual fase de desenvolvimento do direito da União, a fiscalidade direta seja da competência dos Estados‑Membros, estes devem, todavia, exercer essa competência no respeito do direito da União (v. Acórdão de 12 de julho de 2012, Comissão/Espanha, C‑269/09, EU:C:2012:439, n.o 47 e jurisprudência referida).

139    Assim, as intervenções dos Estados‑Membros nos domínios que não são objeto de harmonização na União, tais como a fiscalidade direta, não estão excluídas do âmbito de aplicação da regulamentação relativa à fiscalização dos auxílios de Estado. Por conseguinte, a Comissão pode qualificar uma medida fiscal de auxílio de Estado, desde que estejam reunidas as condições para essa qualificação (Acórdão de 25 de março de 2015, Bélgica/Comissão, T‑538/11, EU:T:2015:188, n.os 65 e 66; v., igualmente, neste sentido, Acórdãos de 2 de julho de 1974, Itália/Comissão, 173/73, EU:C:1974:71, n.o 28, e de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão, C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416, n.o 81).

140    Com efeito, se medidas fiscais provocarem, de facto, uma discriminação entre sociedades que se encontram numa situação comparável à luz do objetivo prosseguido por essas medidas fiscais e conferirem aos beneficiários das medidas vantagens seletivas que favorecem «certas» empresas ou «certas» produções, poderão ser consideradas auxílios de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido, C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.o 104).

141    Decorre do que precede que, sendo a Comissão competente para velar pelo respeito do artigo 107.o TFUE, não pode ser acusada de ter excedido as suas competências quando examinou as DFA em causa para verificar se as mesmas constituíam auxílios de Estado e, na afirmativa, se eram compatíveis com o mercado interno, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

142    É, portanto, sem razão que a Engie e o Grão‑Ducado do Luxemburgo sustentam que a Comissão se imiscuiu na política deste último em matéria fiscal, uma vez que a Comissão se limitou a exercer as suas competências ao abrigo do artigo 107.o TFUE quando examinou a questão de saber se as DFA em causa eram conformes com o direito dos auxílios de Estado.

143    Os argumentos apresentados pela Engie e pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo não podem pôr em causa esta conclusão.

144    Em primeiro lugar, contrariamente ao que a Engie e o Grão‑Ducado do Luxemburgo alegam, a Comissão não impôs a sua própria interpretação do direito fiscal luxemburguês na demonstração da seletividade das DFA em causa. Com efeito, a Comissão ateve‑se estritamente às disposições do direito fiscal luxemburguês, que apresentou nos considerandos 78 a 90 da decisão impugnada. Foi precisamente com base nas disposições do direito fiscal luxemburguês que a Comissão definiu, nomeadamente, os diferentes quadros de referência adotados, como resulta dos considerandos 171 a 176, 200 a 205, 245 e 292 a 298 da decisão impugnada.

145    Além disso, no âmbito da sua análise, a Comissão não se baseou na sua própria interpretação das regras fiscais luxemburguesas, mas na interpretação das autoridades fiscais luxemburguesas, como resulta, designadamente, do considerando 283 da decisão impugnada.

146    Decorre daí que a Comissão examinou as DFA em causa à luz não da sua própria interpretação das regras fiscais luxemburguesas, mas das disposições do direito fiscal luxemburguês, conforme aplicadas pelas autoridades fiscais luxemburguesas.

147    Em segundo lugar, a Comissão não violou a competência reservada dos Estados‑Membros em matéria de fiscalidade direta pelo simples facto de ter procedido à sua própria análise das DFA em causa à luz das disposições fiscais luxemburguesas, a fim de verificar se as referidas DFA conferiam uma vantagem seletiva aos respetivos beneficiários.

148    Com efeito, é certo que decorre da jurisprudência exposta no n.o 138, supra, que a Comissão não dispõe, nesta fase do desenvolvimento do direito da União, de uma competência que lhe permita definir de forma autónoma as regras em matéria de tributação direta das sociedades, fazendo abstração das regras fiscais nacionais.

149    Todavia, embora a tributação dita «normal» seja definida pelas normas fiscais nacionais e a própria existência de uma vantagem seletiva deva ser estabelecida em relação a essa tributação, não é menos verdade que, conforme recordado no n.o 139, supra, medidas fiscais que operam, de facto, uma discriminação entre sociedades que se encontram numa situação comparável em relação ao objetivo prosseguido por essas medidas fiscais, podem entrar no âmbito de aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

150    Assim, ao verificar se as DFA em causa eram conformes às regras em matéria de auxílios de Estado, a Comissão só podia proceder a uma apreciação da tributação dita «normal», definida pelo direito fiscal luxemburguês tal como aplicado pelas autoridades fiscais luxemburguesas. Ao fazê‑lo, não procedeu a nenhuma «harmonização fiscal», mas exerceu a competência que lhe é conferida pelo artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

151    Com efeito, a própria Comissão pode, a título de fiscalização das medidas fiscais em matéria de auxílios de Estado, apreciar as disposições fiscais nacionais, sendo que essa apreciação pode, se for o caso, ser contestada pelo Estado‑Membro em causa ou por eventuais partes interessadas em sede de um recurso de anulação perante o Tribunal Geral.

152    Em terceiro lugar, a alegada falta de demonstração de uma eventual discriminação a favor da Engie é inoperante para demonstrar uma eventual incompetência da Comissão. Esse argumento visa, pelo contrário, uma violação pela Comissão do artigo 107.o TFUE, no próprio exercício da sua competência.

153    Nestas condições, a Comissão não violou os artigos 4.o e 5.o TUE nem os artigos 3.o a 5.o e 113.o a 117.o TFUE, ao adotar a decisão impugnada.

b)      Quanto ao alegado desvio de poder

154    Segundo a Engie, a Comissão utilizou os poderes conferidos pelos artigos 107.o e 108.o TFUE para obrigar o Grão‑Ducado do Luxemburgo a alterar a sua política fiscal «em matéria de isenção dos lucros» e, assim, ter, indiretamente, meios para proceder a uma harmonização fiscal.

155    Testemunham da prossecução de um objetivo latente de harmonização fiscal, a definição, no âmbito da determinação da seletividade das DFA em causa, do quadro de referência à luz de um objetivo definido de forma discricionária, a falta de tomada em consideração pela Comissão do princípio da legalidade do imposto, do tratamento fiscal das situações transfronteiriças e da natureza específica de um ZORA, a interpretação pela Comissão dos critérios do abuso de direito e a adoção da decisão impugnada concomitantemente com a apresentação na Câmara dos Deputados luxemburguesa de um projeto de lei que altera o artigo 22.o‑A da LIR.

156    A Comissão contesta o mérito de todos esses argumentos. Alega que, na medida em que a decisão impugnada não é uma medida de harmonização, nenhum desvio de poder pode ser‑lhe imputado.

157    A este respeito, importa recordar que um ato só enferma de desvio de poder caso se revele, com base em indícios objetivos, pertinentes e concordantes, que foi adotado exclusivamente, ou pelo menos de forma determinante, para fins diferentes daqueles para os quais é invocado ou com o intuito de eludir um processo especialmente previsto pelo Tratado (Acórdãos de 16 de abril de 2013, Espanha e Itália/Conselho, C‑274/11 e C‑295/11, EU:C:2013:240, n.o 33, e de 12 de julho de 2018, PA/Parlamento, T‑608/16, não publicado, EU:T:2018:440, n.o 42).

158    Além disso, nos termos do artigo 108.o TFUE, a Comissão é competente para examinar a compatibilidade com o mercado interno das medidas estatais que constituem auxílios de Estado.

159    Ora, no caso em apreço, não se pode acusar a Comissão de ter cometido um desvio de poder ao adotar a decisão impugnada, a qual, no termo do procedimento formal de investigação das DFA em causa, visava declarar que o Grão‑Ducado do Luxemburgo tinha concedido um auxílio de Estado incompatível com o mercado interno através dessas DFA.

160    Por um lado, a decisão impugnada não pode ser considerada uma medida de harmonização fiscal disfarçada, conforme decidido no n.o 153, supra.

161    No que respeita mais precisamente à apresentação na Câmara dos Deputados luxemburguesa de um projeto de lei que altera o artigo 22.o‑A da LIR, de forma concomitante com a adoção da decisão impugnada, há que salientar que a Engie não apresentou nenhum elemento que permita sustentar que essa iniciativa legislativa do Grão‑Ducado do Luxemburgo constitui um indício de desvio de poder por parte da Comissão. A mera alteração do artigo 22.o‑A da LIR pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo não pode, assim, ser considerada um indício suficiente de tal desvio de poder.

162    Por outro lado, os outros indícios apresentados pela Engie em apoio da alegação de um eventual desvio de poder visam, antes de mais, contestar a apreciação, pela Comissão, da seletividade das DFA em causa e são, portanto, inoperantes para efeitos de demonstração de um alegado desvio de poder, na aceção da jurisprudência referida no n.o 157, supra.

163    Por conseguinte, há que julgar improcedente o argumento relativo ao desvio de poder e, consequentemente, o quinto fundamento de recurso no processo T‑525/18 e o terceiro fundamento de recurso no processo T‑516/18.

2.      Quanto ao oitavo fundamento de recurso no processo T525/18 e ao sexto fundamento de recurso no processo T516/18, relativos à violação do dever de fundamentação

164    O Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Engie apontam múltiplas carências de que padece a demonstração, na decisão impugnada, da seletividade das DFA em causa. Assim, segundo eles, a Comissão fundamentou de forma insuficiente tanto a sua apreciação relativa à existência de uma vantagem seletiva a favor das sociedades holding envolvidas como a apreciação relativa à existência de uma vantagem seletiva devido à não aplicação pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo da Disposição Relativa ao Abuso de Direito.

165    A Engie acrescenta que a Comissão não cumpriu o seu dever de fundamentação ao não referir de forma clara os motivos que a levaram a não ter em conta o facto de outras empresas beneficiarem de um tratamento fiscal idêntico ao das sociedades do grupo Engie.

166    Em termos mais gerais, a falta de referência aos textos e à prática administrativa e jurisdicional, bem como a falta de prova de decisões fiscais antecipadas divergentes, seriam reveladoras do incumprimento, pela Comissão, do seu dever de fundamentação.

167    A Comissão contesta o mérito de todos esses argumentos. Sustenta que a Engie e o Grão‑Ducado do Luxemburgo não indicam as eventuais lacunas de que enferma a decisão impugnada. Observa igualmente que a Engie estava em condições de compreender o seu raciocínio e de o contestar utilmente perante o Tribunal Geral.

168    A este respeito, importa recordar que a fundamentação deve permitir aos interessados conhecer as razões da medida adotada para, por um lado, poderem defender os seus direitos e verificar se a decisão é ou não fundada e, por outro, permitir ao juiz da União exercer a sua fiscalização da legalidade. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, uma vez que a questão de saber se a fundamentação de um ato cumpre os requisitos do artigo 296.o TFUE deve ser apreciada não só tendo em conta o seu teor mas também o seu contexto e o conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (Acórdãos de 15 de junho de 2005, Corsica Ferries France/Comissão, T‑349/03, EU:T:2005:221, n.os 62 a 63; de 16 de outubro de 2014, Eurallumina/Comissão, T‑308/11, não publicado, EU:T:2014:894, n.o 44; e de 6 de maio de 2019, Scor/Comissão, T‑135/17, não publicado, EU:T:2019:287, n.o 80).

169    Em especial, a Comissão não tem de tomar posição sobre todos os argumentos invocados pelos interessados, bastando‑lhe expor os factos e as considerações jurídicas que revestem uma importância essencial na economia da decisão (Acórdãos de 15 de junho de 2005, Corsica Ferries France/Comissão, T‑349/03, EU:T:2005:221, n.o 64; de 16 de outubro de 2014, Eurallumina/Comissão, T‑308/11, não publicado, EU:T:2014:894, n.o 44; e de 6 de maio de 2019, Scor/Comissão, T‑135/17, não publicado, EU:T:2019:287, n.o 80).

170    Ora, no caso em apreço, além do facto de a Engie e o Grão‑Ducado do Luxemburgo terem estado estreitamente associados ao procedimento formal de investigação, é forçoso constatar, antes de mais, que estavam, à luz dos seus articulados no Tribunal Geral, em condições de contestar utilmente o mérito da decisão impugnada.

171    Em seguida, a decisão impugnada não apresenta lacunas que impeçam o Tribunal Geral de exercer plenamente a sua fiscalização da legalidade.

172    Com efeito, decorre da decisão impugnada que a Comissão indicou, de forma factual e juridicamente bastante, os motivos pelos quais considerava que, no caso em apreço, as DFA em causa constituíam um auxílio de Estado incompatível com o mercado interno, na aceção do artigo 107.o TFUE.

173    Mais especificamente, no que respeita ao terceiro requisito relativo à existência, no caso vertente, de uma vantagem seletiva, a Comissão explicou, no ponto 6.2 da decisão impugnada (considerandos 163 a 236 da referida decisão), as razões pelas quais considerava que existia uma vantagem seletiva que beneficiava o grupo Engie ao nível das sociedades holding.

174    Em substância, a Comissão considerou que as DFA em causa conferiam uma vantagem seletiva às sociedades holding envolvidas, ao introduzirem uma derrogação, em primeiro lugar, ao quadro de referência alargado ao sistema luxemburguês de tributação das sociedades e, em segundo lugar, ao quadro de referência restrito às disposições luxemburguesas relativas à tributação das distribuições de lucros e à isenção dos rendimentos de participações.

175    No ponto 6.3 da decisão impugnada (considerandos 237 a 288 da referida decisão), a Comissão precisou os motivos pelos quais considerava que existia uma vantagem seletiva devido ao tratamento fiscal preferencial do grupo Engie. Assim era, segundo a Comissão, porque a carga fiscal do grupo Engie, constituído por filiais, sociedades intermédias e sociedades holding, tinha sido reduzida, na sequência das DFA em causa, quando, em princípio, essa carga fiscal deveria, ao nível do grupo, permanecer constante. A redução da carga fiscal do grupo tinha, aqui também, derrogado, segundo a Comissão, o sistema luxemburguês de tributação das sociedades.

176    A Comissão indicou igualmente, no ponto 6.4 da decisão impugnada (considerandos 289 a 312 da referida decisão), as razões pelas quais considerava que existia uma vantagem seletiva resultante da não aplicação da Disposição Relativa ao Abuso de Direito.

177    Baseando a sua apreciação nos critérios do abuso de direito, tal como resultam da prática administrativa e jurisdicional luxemburguesa, a Comissão procurou demonstrar que cada um desses critérios estava devidamente preenchido no caso vertente. Ademais, devido à não aplicação pela administração fiscal luxemburguesa da Disposição Relativa ao Abuso de Direito, o Grão‑Ducado do Luxemburgo concedeu uma vantagem seletiva às sociedades holding envolvidas.

178    Por último, a não tomada em consideração pela Comissão da prática administrativa luxemburguesa em matéria de decisões fiscais antecipadas, ou a não tomada em consideração das empresas que beneficiavam potencialmente da mesma vantagem que as sociedades do grupo Engie, não pode levar a declarar o não cumprimento pela Comissão do seu dever de fundamentação. Com efeito, esse argumento não visa contestar a forma, mas o mérito da decisão impugnada.

179    Por conseguinte, há que julgar improcedente o oitavo fundamento de recurso no processo T‑525/18 e o sexto fundamento de recurso no processo T‑516/18, relativos à violação do dever de fundamentação.

3.      Quanto ao sexto fundamento de recurso no processo T525/18 e ao quarto fundamento de recurso no processo T516/18, relativos à violação dos direitos processuais

180    Tanto a Engie como o Grão‑Ducado do Luxemburgo acusam a Comissão de ter violado os seus direitos processuais.

181    Em primeiro lugar, a Engie sustenta que a Comissão violou os seus direitos processuais ao não lhe comunicar a resposta do Grão‑Ducado do Luxemburgo à carta da Comissão de 22 de março de 2017. Esta resposta teria permitido à Engie defender‑se melhor, uma vez que revelava que outras empresas beneficiavam de um tratamento fiscal idêntico.

182    Essas informações foram, em especial, essenciais para a determinação de uma vantagem seletiva a partir da aplicação individual de um regime fiscal de direito comum, em conformidade com o Acórdão de 12 de novembro de 2013, MOL/Comissão (T‑499/10, EU:T:2013:592), e com a prática decisória recente da Comissão em matéria de decisão fiscal antecipada.

183    A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que as partes interessadas, que não o Estado‑Membro em causa, apenas têm, no procedimento de fiscalização dos auxílios de Estado, a faculdade de enviar à Comissão todas as informações destinadas a esclarecer esta instituição na sua ação futura, não podendo exigir a participação num debate contraditório com a Comissão, como o que é aberto ao referido Estado‑Membro (Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido, C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.o 181).

184    Assim, independentemente dos argumentos que apresentou para justificar que, na sua opinião, era necessário que a resposta do Grão‑Ducado do Luxemburgo lhe tivesse sido comunicada, a Engie não pode reclamar um debate contraditório com a Comissão, nem exigir desta a comunicação das respostas das outras partes no processo.

185    A única possibilidade oferecida às partes interessadas, que não o Estado‑Membro em causa, consiste, efetivamente, na apresentação de observações, quer oficiosamente quer em resposta aos documentos e às questões colocadas pela Comissão durante o procedimento formal de investigação. A este respeito, conforme indicado nos n.os 56 a 62, supra, há que constatar que a Engie aproveitou essa possibilidade, uma vez que apresentou observações por diversas vezes no âmbito do procedimento formal de investigação.

186    Em segundo lugar, a Engie e o Grão‑Ducado do Luxemburgo sustentam que a Comissão violou os seus direitos processuais, devido, em substância, à não adoção de uma nova decisão de início do procedimento ou, pelo menos, de uma decisão retificativa. Tal decisão teria permitido eliminar as imprecisões de que padecia a decisão de início do procedimento e, às partes, apresentar utilmente as suas observações, durante o procedimento administrativo, sobre o raciocínio adotado in fine na decisão impugnada para demonstrar a seletividade das DFA em causa.

187    Com efeito, as alterações efetuadas pela Comissão na decisão impugnada não podiam ter sido antevistas. Segundo a Engie, a Comissão não se limitou simplesmente a fazer evoluir o seu raciocínio, tendo também feito evoluir as alegações principais e o próprio objeto da decisão.

188    O Grão‑Ducado do Luxemburgo precisa que, uma vez que a situação o exigia, ao não adotar uma nova decisão de início do procedimento ou uma decisão retificativa, a Comissão violou os seus direitos de defesa e o Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o TFUE (JO 2015, L 248, p. 9).

189    O Grão‑Ducado do Luxemburgo acrescenta que a Comissão baseou a decisão impugnada apenas em considerações mencionadas de forma lacunar na decisão de início do procedimento, que pareciam fazer parte de acusações que a Comissão tinha abandonado. Se as acusações tivessem sido suficientemente fundamentadas, o Grão‑Ducado do Luxemburgo teria podido apresentar mais elementos para que a solução adotada fosse diferente.

190    Além disso, segundo o Grão‑Ducado do Luxemburgo, a carta da Comissão de 11 de dezembro de 2017, que não constituía uma decisão retificativa, não acabou com nenhuma das ambiguidades que afetavam a decisão de início do procedimento.

191    A Comissão contesta o mérito de todos estes argumentos. Alega, à luz da jurisprudência, que podia adaptar a sua posição entre a decisão de início do procedimento e a decisão final sem ter de iniciar novamente o procedimento formal de investigação e acrescenta, em substância, que a decisão de início do procedimento abordava todos os pontos suscitados na decisão impugnada.

192    A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, o respeito pelos direitos de defesa, no âmbito do procedimento formal de investigação instaurado nos termos do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, exige que o Estado‑Membro em causa possa dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a realidade e a pertinência dos factos e circunstâncias alegados e sobre os documentos obtidos pela Comissão em apoio da sua alegação quanto à existência de uma violação do direito da União, bem como sobre as observações apresentadas por terceiros interessados, em conformidade com o artigo 108.o, n.o 2, TFUE. Se não for dada ao Estado‑Membro a possibilidade de comentar essas observações, a Comissão não pode tê‑las em conta na sua decisão contra esse Estado (v. Acórdão de 13 de dezembro de 2017, Grécia/Comissão, T‑314/15, não publicado, EU:T:2017:903, n.o 25 e jurisprudência referida).

193    Nos termos do artigo 6.o do Regulamento 2015/1589, quando a Comissão decide dar início ao procedimento formal de investigação, a decisão de início do procedimento pode limitar‑se a resumir os elementos pertinentes em matéria de facto e de direito, incluir uma apreciação provisória da medida estatal em causa que visa determinar se tem natureza de auxílio e indicar os elementos que suscitam dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno (v., neste sentido, Acórdão de 13 de dezembro de 2017, Grécia/Comissão, T‑314/15, não publicado, EU:T:2017:903, n.o 26).

194    Há igualmente que salientar que o procedimento formal de investigação permite aprofundar e esclarecer as questões suscitadas na decisão de início do procedimento.

195    Decorre do artigo 9.o do Regulamento 2015/1589 que, no termo do procedimento formal de investigação, a análise da Comissão pode ter evoluído, dado que esta pode decidir finalmente que a medida não constitui um auxílio ou que as dúvidas sobre a sua incompatibilidade deixaram de existir. Daqui resulta que a decisão final pode apresentar algumas divergências com a decisão de início do procedimento, sem, porém, que estas viciem a decisão final (v., neste sentido, Acórdão de 13 de dezembro de 2017, Grécia/Comissão, T‑314/15, não publicado, EU:T:2017:903, n.o 27).

196    Ora, no caso em apreço, importa desde já salientar que, na decisão de início do procedimento, a Comissão concluiu, de forma preliminar, pela existência de uma vantagem seletiva a favor tanto das filiais, a saber, a LNG Supply e a GSTM, como do grupo Engie no seu todo.

197    Assim, a Comissão sustentou, a título principal, que as DFA em causa, ao permitirem a não tributação dos acréscimos sobre o ZORA, derrogavam o artigo 109.o, primeiro parágrafo, e o artigo 164.o da LIR, que são regras de tributação aplicáveis a todas as sociedades sujeitas a imposto no Luxemburgo.

198    A título subsidiário, por um lado, a Comissão considerou que as DFA em causa derrogavam as disposições relativas à tributação das mais‑valias resultantes de um empréstimo convertível em ações, a saber, os artigos 22.o‑A e 97.o da LIR, na medida em que validavam a não tributação dos rendimentos obtidos pelas filiais, equiparando os acréscimos sobre o ZORA a juros dedutíveis.

199    Por outro lado, a Comissão salientou que o efeito combinado das derrogações aos artigos 22.o‑A e 109.o da LIR, que permitem a não tributação dos acréscimos sobre o ZORA, resultava numa derrogação à Disposição Relativa ao Abuso de Direito.

200    Recordadas estas considerações, importa, antes de mais, salientar que, na decisão impugnada, é certo que a Comissão não retomou toda a argumentação desenvolvida na fase da decisão de início do procedimento quanto à análise da seletividade das DFA em causa.

201    Mas nem por isso essa restrição do âmbito da análise da Comissão pode ser interpretada como sendo uma alteração do objeto da decisão de início do procedimento, que continua a ser conforme com o direito dos auxílios de Estado das DFA em causa.

202    Em seguida, as premissas da análise adotada in fine na decisão impugnada a respeito da seletividade das DFA em causa constavam da decisão de início do procedimento, o que não pretendem contestar a Engie e o Grão‑Ducado do Luxemburgo.

203    Com efeito, conforme exposto nos considerandos 91 a 100 da decisão impugnada, a decisão de início do procedimento identificou como elementos que podem dar origem a uma vantagem seletiva, por um lado, a possibilidade de uma filial que beneficia de um ZORA deduzir, enquanto juros, ao abrigo do artigo 109.o da LIR, os acréscimos sobre o ZORA e, por outro, a aplicação ao caso vertente do artigo 22.o‑A da LIR, uma vez que o mesmo permite a ausência de tributação dos referidos acréscimos no momento da conversão do ZORA em causa. Além disso, foi identificado o efeito combinado da dedutibilidade dos acréscimos sobre o ZORA ao nível das filiais e da não tributação dos rendimentos correspondentes ao nível das sociedades holding envolvidas.

204    Por outras palavras, a decisão de início do procedimento já visava tanto a aplicação errada do artigo 166.o da LIR ao nível das sociedades holding envolvidas relativamente aos rendimentos de participações que correspondem, de um ponto de vista económico, a lucros não tributados ao nível das filiais, como a aplicação errada do artigo 22.o‑A da LIR, que não se destinava a isentar de forma definitiva os acréscimos sobre o ZORA, mas apenas a diferir no tempo a sua tributação. Do mesmo modo, a Comissão já tinha invocado a não aplicação da Disposição Relativa ao Abuso de Direito.

205    Por conseguinte, na medida em que os elementos‑chave considerados pela Comissão na decisão impugnada, no que respeita à existência de uma vantagem seletiva, já resultavam da decisão de início do procedimento, o Grão‑Ducado do Luxemburgo não pode acusar a Comissão de não lhe permitir dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista quanto à existência de uma vantagem seletiva, na aceção da jurisprudência referida no n.o 192, supra.

206    Importa acrescentar que a Comissão, por carta de 11 de dezembro de 2017, quis precisar de forma estruturada o seu raciocínio e obter, a este respeito, as observações tanto da Engie como do Grão‑Ducado do Luxemburgo.

207    É o que se passa claramente com a definição dos quadros de referência, adotados na decisão impugnada, para efeitos da determinação da seletividade das DFA em causa ao nível tanto das sociedades holding envolvidas como do grupo Engie.

208    Além disso, embora a Comissão não tenha resumido na carta de 11 de dezembro de 2017 a sua argumentação quanto à não aplicação da Disposição Relativa ao Abuso de Direito, que tinha avançado na decisão de início do procedimento, convidou novamente as partes a apresentarem observações complementares sobre este ponto.

209    Por último, a restrição do âmbito de análise da seletividade das DFA em causa entre a decisão de início do procedimento e a decisão impugnada provém das trocas de comunicação ocorridas entre os serviços da Comissão, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Engie, o que revela, na medida do necessário, a própria finalidade do procedimento formal de investigação, bem como a utilidade e a eficácia das trocas de comunicação ocorridas durante o referido procedimento.

210    Por conseguinte, à luz destas considerações, a Comissão não violou, no caso vertente, os direitos processuais do Grão‑Ducado do Luxemburgo e da Engie ao não adotar uma nova decisão de início do procedimento ou, pelo menos, uma decisão retificativa.

211    Por conseguinte, há que julgar improcedente o sexto fundamento de recurso no processo T‑525/18 e o quarto fundamento de recurso no processo T‑516/18.

4.      Quanto ao primeiro fundamento de recurso no processo T525/18, relativo à não afetação de recursos estatais e à não imputabilidade ao Estado das DFA em causa

212    Em primeiro lugar, a Engie sustenta que não se pode considerar que as DFA em causa implicam uma intervenção do Estado. Com efeito, estas são facultativas e limitam‑se a retirar as estritas consequências da aplicação do direito fiscal luxemburguês a uma dada situação.

213    Segundo a Engie, esta conclusão não pode ser posta em causa pela não aplicação da Disposição Relativa ao Abuso de Direito, na medida em que a Comissão não demonstrou que a prática das autoridades luxemburguesas, da qual resultou que, no caso em apreço, quando muito, as referidas autoridades se abstiveram de intervir, teria sido diferente em casos comparáveis.

214    A este respeito, importa recordar que, para que as vantagens possam ser qualificadas de «auxílios», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, devem, por um lado, ser concedidas direta ou indiretamente através de recursos estatais e, por outro, ser imputáveis ao Estado (Acórdão de 28 de março de 2019, Alemanha/Comissão, C‑405/16 P, EU:C:2019:268, n.o 48).

215    Para apreciar a imputabilidade de uma medida ao Estado, importa examinar se as autoridades públicas estiveram implicadas na adoção dessa medida (Acórdão de 28 de março de 2019, Alemanha/Comissão, C‑405/16 P, EU:C:2019:268, n.o 49).

216    Ora, no caso vertente, as DFA em causa foram adotadas pela administração fiscal luxemburguesa, como a Comissão sublinhou, com razão, no considerando 156 da decisão impugnada.

217    Por conseguinte, à luz desta simples constatação, não se pode utilmente contestar a imputabilidade das referidas DFA ao Grão‑Ducado do Luxemburgo.

218    Em segundo lugar, as DFA em causa não implicam igualmente, segundo a Engie, a afetação de recursos estatais. Com efeito, estas não conduzem a uma redução do montante do imposto normalmente devido.

219    A este respeito, decorre da jurisprudência que não é necessário provar, em todos os casos, a transferência de recursos estatais para que a vantagem concedida a uma ou mais empresas possa ser considerada um auxílio de Estado, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (Acórdão de 19 de março de 2013, Bouygues e Bouygues Télécom/Comissão e o. e Comissão/França e o., C‑399/10 P e C‑401/10 P, EU:C:2013:175, n.o 100).

220    Assim, consideram‑se auxílios, nomeadamente, as intervenções que, de formas diversas, aliviam os encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa e que, por essa razão, não sendo subvenções na aceção estrita da palavra, têm a mesma natureza e efeitos idênticos (Acórdão de 19 de março de 2013, Bouygues e Bouygues Télécom/Comissão e o. e Comissão/França e o., C‑399/10 P e C‑401/10 P, EU:C:2013:175, n.o 101).

221    Ora, com as DFA em causa, como resulta do considerando 158 da decisão impugnada, a administração fiscal luxemburguesa permitiu às sociedades holding envolvidas não serem tributadas sobre alguns dos seus rendimentos de participações. Por outras palavras, as referidas DFA aliviam os encargos que, em princípio, oneram o orçamento de uma empresa, na aceção da jurisprudência referida no n.o 220, supra.

222    O requisito relativo à utilização de recursos estatais está, pois, igualmente preenchido.

223    Por conseguinte, há que julgar improcedente o primeiro fundamento de recurso no processo T‑525/18.

5.      Quanto aos primeiro e segundo fundamentos de recurso no processo T516/18 e aos segundo e terceiro fundamentos de recurso no processo T525/18, relativos, em substância, a erros de apreciação e de direito na identificação de uma vantagem seletiva

a)      Observações preliminares

224    Decorre dos considerandos 162, 171, 200, 237 e 289 da decisão impugnada que a Comissão, como a mesma confirmou em resposta a uma questão do Tribunal Geral na audiência de alegações, demonstrou que o grupo Engie beneficiava de uma vantagem seletiva, usando quatro linhas de raciocínio, uma das quais foi apresentada, à luz do considerando 289 da decisão impugnada, a título subsidiário.

225    Assim, em primeiro lugar, a Comissão considerou que as DFA em causa conferiam uma vantagem seletiva ao grupo Engie ao nível das sociedades holding envolvidas, ao derrogar um quadro de referência alargado ao sistema luxemburguês de tributação das sociedades.

226    Em segundo lugar, a Comissão entendeu que existia igualmente uma vantagem seletiva conferida ao grupo Engie ao nível das sociedades holding envolvidas pelo facto de as DFA em causa derrogarem um quadro de referência restrito às disposições luxemburguesas relativas à tributação das distribuições de lucros e à isenção dos rendimentos de participações.

227    Em terceiro lugar, a Comissão considerou, à luz de um quadro de referência alargado ao sistema luxemburguês de tributação das sociedades, que as DFA em causa conferiam igualmente uma vantagem seletiva a favor do grupo Engie, incluindo, neste caso, as sociedades holding envolvidas, as sociedades intermédias e as filiais.

228    Em quarto lugar e a título subsidiário, a Comissão entendeu que as DFA em causa conferiam uma vantagem seletiva a todas as sociedades do grupo Engie, coletivamente designadas como «Engie» na decisão impugnada, na medida em que derrogavam a Disposição Relativa ao Abuso de Direito, parte integrante de um quadro de referência alargado ao sistema luxemburguês de tributação das sociedades.

229    Com os seus recursos, a Engie e o Grão‑Ducado do Luxemburgo contestam todos os raciocínios da Comissão que visam estabelecer a existência de uma vantagem seletiva no caso vertente. Para o efeito, os recorrentes invocam fundamentos e argumentos que, embora apresentados de forma diferente nas suas respetivas petições, têm semelhanças importantes quanto à sua substância.

230    A este respeito, importa previamente recordar que, na medida em que determinados fundamentos de uma decisão podem, por si só, ser juridicamente suficientes para justificar essa decisão, os vícios de que possam estar feridos outros fundamentos do ato não têm, de qualquer modo, influência na sua parte decisória (Acórdão de 14 de dezembro de 2005, General Electric/Comissão, T‑210/01, EU:T:2005:456, n.o 42).

231    Além disso, quando a parte decisória de uma decisão da Comissão se baseia em vários pilares de raciocínio, sendo cada um deles, por si só, suficiente para fundamentar essa parte decisória, esse ato só pode ser anulado, em princípio, se cada um desses pilares estiver ferido de ilegalidade. Nesse caso, um erro ou outra ilegalidade que afete apenas um dos pilares do raciocínio não basta para justificar a anulação da decisão controvertida quando este erro não pôde ter uma influência determinante na parte decisória adotada pela instituição autora dessa decisão (Acórdão de 14 de dezembro de 2005, General Electric/Comissão, T‑210/01, EU:T:2005:456, n.o 43).

232    Assim, a procedência, no caso vertente, de apenas um dos raciocínios da Comissão torna inoperantes os argumentos avançados pela Engie e pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo contra as outras linhas de raciocínio da Comissão.

233    Para efeitos do presente acórdão, o Tribunal Geral considera adequado começar por examinar os argumentos invocados pela Engie e pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo através dos quais a Comissão é acusada de ter confundido os requisitos relativos à existência de uma vantagem e os requisitos relativos à seletividade das DFA em causa, ao não proceder claramente a uma apreciação separada desses dois requisitos.

234    Em seguida, o Tribunal Geral examinará os argumentos aduzidos contra a apreciação da Comissão relativa à existência de uma vantagem seletiva, começando pela verificação de uma derrogação ao quadro de referência restrito às disposições relativas à tributação das distribuições de lucros e à isenção dos rendimentos de participações.

b)      Quanto à alegada confusão entre os requisitos relativos à existência de uma vantagem e à seletividade das DFA em causa

235    A Engie e o Grão‑Ducado do Luxemburgo acusam a Comissão de ter confundido os conceitos de vantagem e de seletividade.

236    Em vez de ter procedido ao estudo sucessivo da existência de uma vantagem e de um tratamento diferenciado, segundo a Engie, a Comissão deduziu a existência de uma vantagem a partir de uma alegada derrogação, não das disposições de direito comum que visam determinar o rendimento tributável, mas do objetivo de tributar, em todas as circunstâncias, os lucros das sociedades sujeitas ao imposto sobre as sociedades.

237    Ora, a referência ao objetivo de um sistema fiscal só pode ocorrer na fase da apreciação da seletividade das DFA em causa e não da identificação de uma vantagem.

238    A Comissão sublinha, por seu lado, que, embora o requisito relativo à existência de uma vantagem seja diferente do requisito relativo à sua seletividade, não é menos verdade que a demonstração de um se sobrepõe parcialmente à do outro. Com efeito, se uma medida fiscal derrogar um sistema normal de tributação, o requisito relativo à existência de uma vantagem mostra‑se preenchido, tal como as duas primeiras etapas do raciocínio relativo à sua seletividade. A Comissão acrescenta, nomeadamente, que, no que respeita a uma alegada confusão entre as regras constitutivas do sistema de referência e o objetivo desse sistema, as regras gerais do sistema de tributação, a saber, as regras que se aplicam a todas as empresas, são precisamente o reflexo do objetivo do sistema de tributação.

239    A este respeito, importa recordar que, em princípio, a seletividade e a vantagem constituem dois critérios distintos. No que respeita à vantagem, a Comissão deve demonstrar que a medida melhora a situação financeira do beneficiário (v., neste sentido, Acórdão de 2 de julho de 1974, Itália/Comissão, 173/73, EU:C:1974:71, n.o 33).

240    Em contrapartida, no que respeita à seletividade, a Comissão deve demonstrar que a vantagem não beneficia outras empresas numa situação jurídica e factual comparável à do beneficiário, à luz do objetivo do quadro de referência (Acórdão de 8 de setembro de 2011, Paint Graphos e o., C‑78/08 a C‑80/08, EU:C:2011:550, n.o 49).

241    Todavia, em matéria fiscal, a análise da vantagem e a análise da seletividade coincidem, na medida em que estes dois critérios implicam demonstrar que a medida fiscal contestada conduz a uma redução do montante do imposto que seria normalmente devido pelo beneficiário da medida por força do regime fiscal comum e, portanto, aplicável aos outros contribuintes que estejam na mesma situação. Por outro lado, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que estes dois critérios podem ser examinados conjuntamente, enquanto «terceiro requisito» previsto no artigo 107.o, n.o 1, TFUE, relativo à existência de uma «vantagem seletiva» (v., neste sentido, Acórdão de 30 de junho de 2016, Bélgica/Comissão, C‑270/15 P, EU:C:2016:489, n.o 32).

242    Ora, no caso em apreço, a Comissão procurou demonstrar, independentemente do mérito de todos os raciocínios retomados na decisão impugnada, que as DFA em causa conduziam a uma redução do montante do imposto que seria normalmente devido, designadamente pelas sociedades holding envolvidas, por força dos regimes fiscais comuns e que, consequentemente, essas medidas constituíam uma derrogação das regras fiscais aplicáveis aos outros contribuintes que se encontravam numa situação factual e jurídica comparável.

243    Com efeito, desde logo, a Comissão considerou que, ao confirmar a possibilidade de as sociedades holding envolvidas beneficiarem de uma isenção do imposto sobre os rendimentos de participações que, à luz do sistema luxemburguês de tributação das sociedades, e na falta das DFA em causa, deveriam ter sido tributados, estas últimas, por um lado, conferiam às referidas sociedades uma vantagem e, por outro, derrogavam o sistema luxemburguês de tributação das sociedades.

244    A referência, nos considerandos 166 e 176 da decisão impugnada, ao objetivo do sistema luxemburguês de tributação das sociedades, identificado com base nos artigos 18.o, 23.o, 40.o, 159.o e 163.o da LIR, conforme apresentados nos considerandos 78 a 81 da decisão impugnada, não pode ser utilmente invocada para demonstrar uma confusão dos requisitos relativos à vantagem e à seletividade.

245    É certo que o objetivo de um sistema fiscal é acima de tudo utilizado para demonstrar a seletividade de uma medida fiscal, dado que é à luz desse objetivo que são identificados os contribuintes que se encontram numa situação factual e jurídica comparável ao beneficiário de um auxílio.

246    Não deixa, porém, de ser verdade que o objetivo avançado pela Comissão, designadamente nos considerandos 166 e 176 da decisão impugnada, a saber, «a tributação dos lucros de todas as empresas sujeitas a imposto no Luxemburgo, tal como registados nas suas contas», surge mais como um princípio que rege as disposições gerais que constituem o sistema luxemburguês de tributação das sociedades considerado pela Comissão do que como um objetivo do sistema em causa.

247    Ademais, independentemente da justeza da leitura feita pela Comissão das referidas disposições e do princípio delas inferido, a demonstração de uma derrogação a este último conduz igualmente à demonstração da concessão de uma vantagem.

248    Em seguida, a mesma conclusão impõe‑se, não à luz do sistema luxemburguês de tributação das sociedades, mas das disposições luxemburguesas relativas à isenção dos rendimentos de participações e à tributação das distribuições de lucros.

249    Decorre nomeadamente dos considerandos 208 e 209 da decisão impugnada que, na falta das DFA em causa, as sociedades holding envolvidas não teriam beneficiado de uma isenção de imposto sobre os rendimentos distribuídos que não tivessem sido tributados ao nível das suas respetivas filiais, o que leva a concluir tanto pela vantagem como pela derrogação das disposições relativas à isenção dos rendimentos de participações e à tributação das distribuições de lucros.

250    Por último, a apreciação da existência de uma derrogação da Disposição Relativa ao Abuso de Direito implica ao mesmo tempo a concessão de uma vantagem, como resulta do considerando 312 da decisão impugnada. Na falta das DFA em causa e devido à aplicação da Disposição Relativa ao Abuso de Direito, a Comissão sustenta, em substância, que as sociedades holding envolvidas não teriam beneficiado da isenção do imposto sobre os rendimentos de participações em causa.

251    Assim, a Comissão não confundiu, no caso vertente, os requisitos relativos à declaração da existência de uma vantagem e os requisitos relativos à demonstração da seletividade das DFA em causa, que, tendo em conta a natureza fiscal das referidas DFA, podiam ser apreciados simultaneamente.

252    Por conseguinte, há que julgar improcedente o argumento relativo a essa confusão.

253    Nestas circunstâncias, importa agora verificar se a Comissão podia concluir com razão pela existência de uma vantagem seletiva na sequência do seu exame da seletividade das DFA em causa à luz do quadro de referência restrito, a saber, limitado às disposições luxemburguesas relativas à isenção dos rendimentos de participações e à tributação das distribuições de lucros.

c)      Quanto à alegada inexistência de uma vantagem seletiva ao nível das sociedades holding envolvidas à luz do quadro de referência restrito

254    Nos considerandos 200 a 235 da decisão impugnada, a Comissão sustentou que a seletividade das DFA em causa podia ser demonstrada à luz de um quadro de referência restrito composto pelos artigos 164.o e 166.o da LIR, a saber, pelas disposições relativas à tributação das distribuições de lucros e à isenção dos rendimentos de participações.

255    O artigo 164.o da LIR dispõe o seguinte:

«1.      Para determinar o rendimento tributável, é indiferente que o rendimento seja ou não distribuído aos beneficiários efetivos.

2.      Devem considerar‑se como distribuição, na aceção do parágrafo anterior, as distribuições de qualquer natureza feitas a detentores de capital próprio, de partes beneficiárias ou de partes de fundador, de parte de fruição ou de quaisquer outros títulos, incluindo as obrigações de rendimento variável que dão direito a uma participação nos lucros anuais ou no lucro de liquidação.

3.      As distribuições dissimuladas de lucros devem ser incluídas no rendimento tributável. Existem distribuições dissimuladas de lucros, nomeadamente, se um associado, sócio ou interessado, receber direta ou indiretamente vantagens de uma sociedade ou de uma associação das quais não teria normalmente beneficiado se não tivesse essa qualidade.»

256    O artigo 166.o, primeiro parágrafo, da LIR dispõe o seguinte:

«Os rendimentos de uma participação detida por:

1.      Um organismo de caráter coletivo residente plenamente tributável e que reveste uma das formas enumeradas no anexo do parágrafo 10,

2.      Uma sociedade de capitais residente plenamente tributável não enumerada no anexo do parágrafo 10,

3.      Um estabelecimento estável nacional de um organismo de caráter coletivo referido no artigo 2.o da Diretiva [2011/96],

4.      Um estabelecimento estável nacional de uma sociedade de capitais que é residente num Estado com o qual o Grão‑Ducado do Luxemburgo celebrou uma convenção destinada a evitar a dupla tributação,

5.      Um estabelecimento estável nacional de uma sociedade de capitais ou de uma sociedade cooperativa que é residente num Estado parte no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE) que não seja um Estado‑Membro da União Europeia,

estão isentos quando, à data da disponibilização dos rendimentos, o beneficiário detenha ou se comprometa a deter a referida participação durante um período ininterrupto de, pelo menos, doze meses e quando, durante todo esse período, a taxa de participação não desça abaixo do limiar de 10 % ou o preço de aquisição abaixo de 1 200 000 euros.»

257    Decorre nomeadamente dos considerandos 201 e 202 da decisão impugnada que uma leitura conjugada das disposições do artigo 164.o do artigo 166.o, primeiro parágrafo, da LIR leva a excluir, no direito luxemburguês, ao nível da sociedade que aufere rendimentos de participações, o benefício de uma isenção quando esses rendimentos não tenham, previamente, sido objeto de tributação ao nível da sociedade que os distribuiu.

258    O artigo 164.o da LIR não permite deduzir o lucro distribuído do rendimento tributável de uma sociedade. Por outras palavras, os lucros só podem ser distribuídos após imposto, independentemente da natureza da distribuição efetuada. Por sua vez, o artigo 166.o da LIR permite isentar de imposto o lucro distribuído, ao nível da sociedade que o recebe, desde que o rendimento auferido seja fruto de participações.

259    Assim, no considerando 226 da decisão impugnada, a Comissão concluiu que, ao ter permitido, através das DFA em causa, que as sociedades holding envolvidas fossem isentas de imposto sobre os rendimentos de participações que correspondiam, de um ponto de vista económico, aos acréscimos sobre o ZORA, e que tinham sido deduzidas como encargos ao nível das suas respetivas filiais, a administração fiscal luxemburguesa tinha concedido uma vantagem seletiva às sociedades holding envolvidas.

260    A Engie e o Grão‑Ducado do Luxemburgo sustentam, em substância, que a Comissão errou tanto na definição do quadro de referência restrito como na identificação de uma derrogação a este último e, ao fazê‑lo, concluiu pela concessão de uma vantagem seletiva a favor das sociedades holding envolvidas.

261    Assim, num primeiro momento, há que proceder à análise dos argumentos relativos à definição errada, pela Comissão, de um quadro de referência restrito às disposições relativas à tributação das distribuições de lucros e à isenção dos rendimentos de participações para, num segundo momento, examinar os argumentos que contestam a parte da decisão impugnada relativa à existência de uma derrogação às referidas disposições.

1)      Quanto à definição do quadro de referência restrito às disposições relativas à tributação das distribuições de lucros e à isenção dos rendimentos de participações

262    Na decisão impugnada, a Comissão apreciou a seletividade das DFA em causa ao nível das sociedades holding envolvidas à luz de um quadro de referência restrito, constituído pelas disposições relativas à isenção dos rendimentos de participações e à tributação das distribuições de lucros, a saber, pelos artigos 164.o e 166.o da LIR.

i)      Quanto à não extensão do quadro de referência à Diretiva MãeFilial

263    O Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Engie sustentam que a Comissão reduziu de maneira errada o quadro de referência às disposições aplicáveis às situações puramente internas. Deveria, pelo contrário, ter‑se referido igualmente às situações que abrangem o âmbito da Diretiva Mãe‑Filial.

264    A Engie observa que, ao abrigo da Diretiva Mãe‑Filial, em vigor aquando da adoção das DFA em causa, o Grão‑Ducado do Luxemburgo não exigia que os lucros das filiais estabelecidas noutros Estados‑Membros fossem previamente tributados no Estado de residência das mesmas para que as sociedades‑mãe, residentes luxemburguesas, pudessem beneficiar da isenção prevista pela Diretiva Mãe‑Filial.

265    A Engie e o Grão‑Ducado do Luxemburgo acrescentam que a Comissão não podia, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, reservar a isenção, sem requisito relacionado com a tributação prévia dos lucros ao nível da filial, apenas para as situações transfronteiriças.

266    Com base no Acórdão de 13 de novembro de 1990, Marleasing (C‑106/89, EU:C:1990:395), a Engie insiste na necessidade de interpretar o artigo 166.o da LIR à luz do direito da União, em especial, à luz da Diretiva Mãe‑Filial em vigor aquando da adoção das DFA em causa.

267    Por outro lado, um não alinhamento dos tratamentos fiscais das distribuições transfronteiriças de lucros e das distribuições puramente internas geraria ao nível das sociedades‑mãe e das filiais residentes luxemburguesas uma discriminação inversa. Deste modo, a Comissão não pode contestar a escolha feita pelo legislador luxemburguês quanto ao regime de isenção dos rendimentos de participações, quer se trate de distribuição interna ou de distribuição transfronteiriça.

268    Além disso, esse não alinhamento dos tratamentos fiscais é contrário, segundo a Engie e o Grão‑Ducado do Luxemburgo, ao artigo 107.o TFUE, como decorre dos Acórdãos de 22 de dezembro de 2008, Les Vergers du Vieux Tauves (C‑48/07, EU:C:2008:758), e de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981).

269    A Comissão justifica, em substância, a não extensão do quadro de referência às situações transfronteiriças com o facto de a Diretiva Mãe‑Filial ter por único objetivo evitar a penalização das situações transfronteiriças em relação às situações puramente internas e não justificar a extensão do tratamento preferencial das situações transfronteiriças às situações puramente internas.

270    A este respeito, por um lado, há que recordar que a análise do requisito relativo à seletividade implica, em princípio, determinar, num primeiro momento, o quadro de referência em que se insere a medida em causa, revestindo esta determinação uma importância acrescida no caso de medidas fiscais, dado que a própria existência de uma vantagem só pode ser estabelecida em relação a uma tributação dita «normal» (Acórdãos de 6 de setembro de 2006, Portugal/Comissão, C‑88/03, EU:C:2006:511, n.o 56, e de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Hansestadt Lübeck, C‑524/14 P, EU:C:2016:971, n.o 55).

271    Por outro lado, a seletividade de uma medida fiscal não pode ser apreciada à luz de um quadro de referência constituído por algumas disposições artificialmente retiradas de um quadro legislativo mais amplo (Acórdão de 28 de junho de 2018, Alemanha/Comissão, C‑209/16 P, não publicado, EU:C:2018:507, n.o 99).

272    Ora, a Comissão não pode ser acusada de não ter tido em conta, no caso vertente, o tratamento fiscal das distribuições transfronteiriças de dividendos sob o império da Diretiva Mãe‑Filial, em vigor aquando da adoção das DFA em causa.

273    Em primeiro lugar, a situação em causa no presente processo é uma situação puramente interna. Tanto as sociedades holding envolvidas como as filiais e as sociedades intermédias estão estabelecidas no Grão‑Ducado do Luxemburgo. No caso vertente, as suas situações fiscais dependem de uma única e mesma autoridade fiscal. Por conseguinte, os riscos de dupla tributação, que são próprios à aplicação de regimes fiscais diferentes e à intervenção de autoridades fiscais diferentes e que podem existir em caso de distribuições transfronteiriças, não se verificam numa situação puramente interna, como a que está em causa no presente processo.

274    Em segundo lugar, sob o império da Diretiva Mãe‑Filial, em vigor aquando da adoção das DFA em causa, não era, na verdade, formalmente exigido que a isenção dos rendimentos de participações estivesse subordinada à tributação prévia dos lucros distribuídos ao nível das filiais.

275    Com efeito, o artigo 4.o da Diretiva Mãe‑Filial previa, nomeadamente, que o Estado‑Membro de residência da sociedade‑mãe que recebia os dividendos de uma filial não residente podia abster‑se de os tributar.

276    Não é menos verdade que esse regime de isenção, não formalmente condicionado à tributação dos lucros distribuídos ao nível da filial não residente, visava, antes de mais, em conformidade com o terceiro considerando da Diretiva Mãe‑Filial, facilitar o agrupamento de sociedades ao nível da União e responder às divergências que pudessem existir entre as legislações fiscais de dois Estados‑Membros diferentes. Seguramente, essa lógica não é transponível para a situação das sociedades estabelecidas num único e mesmo Estado‑Membro.

277    Os Acórdãos de 13 de novembro de 1990, Marleasing (C‑106/89, EU:C:1990:395), de 22 de dezembro de 2008, Les Vergers du Vieux Tauves (C‑48/07, EU:C:2008:758), e de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981), não põem em causa esta conclusão.

278    Antes de mais, o Acórdão de 13 de novembro de 1990, Marleasing (C‑106/89, EU:C:1990:395), não pode ser interpretado no sentido pretendido pela Engie. Nesse processo, o Tribunal de Justiça declarou que, no quadro de um litígio abrangido pelo âmbito de aplicação de uma diretiva que deveria ter sido transposta para o direito interno, o juiz nacional deve interpretar o direito nacional à luz do texto e da finalidade da diretiva. Ora, no caso em apreço, não se trata de interpretar o artigo 166.o da LIR numa situação abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva Mãe‑Filial, a saber, em caso de distribuições de lucros entre sociedades estabelecidas em Estados‑Membros diferentes.

279    Em seguida, o Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Les Vergers du Vieux Tauves (C‑48/07, EU:C:2008:758), também não pode ser fundamento de uma eventual obrigação de o Grão‑Ducado do Luxemburgo alinhar o tratamento fiscal das distribuições transfronteiriças ao tratamento das distribuições puramente internas.

280    Nesse processo, colocava‑se apenas a questão de saber se o conceito de participação, na aceção da Diretiva Mãe‑Filial, incluía a detenção de ações de uma sociedade através de um contrato de usufruto (e não em plena propriedade), questão à qual o Tribunal de Justiça respondeu negativamente.

281    Todavia, o Tribunal de Justiça também quis recordar que um Estado‑Membro não podia tratar situações transfronteiriças de modo menos favorável que situações puramente internas. Do mesmo modo, no processo que deu origem ao Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Les Vergers du Vieux Tauves (C‑48/07, EU:C:2008:758), o Tribunal de Justiça declarou que, se um Estado‑Membro isentasse de imposto os dividendos recebidos por uma sociedade detentora das ações de uma filial através de um contrato de usufruto, o mesmo devia acontecer num caso transfronteiriço. Com efeito, a finalidade do direito da União não é lutar contra as discriminações invertidas, mas assegurar que as situações transfronteiriças não sejam tratadas menos favoravelmente do que as situações puramente internas, e não o inverso.

282    Por último, a conclusão é idêntica no que respeita ao Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981). Contrariamente ao que alega o Grão‑Ducado do Luxemburgo, a Comissão não poderia acusá‑lo de ter concedido um auxílio de Estado, tratando de forma mais favorável as distribuições de dividendos transfronteiriças do que as distribuições puramente internas.

283    Com efeito, o requisito relativo à imputabilidade de tal medida ao Estado não se encontra preenchido quando a medida em causa decorre de um ato da União, como uma diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 5 de abril de 2006, Deutsche Bahn/Comissão, T‑351/02, EU:T:2006:104, n.os 99 a 104). Ora, no caso em apreço, o regime de isenção dos rendimentos de participações decorre da Diretiva Mãe‑Filial.

284    Em todo o caso, a Diretiva Mãe‑Filial, em vigor aquando da adoção das DFA em causa, não obsta a que seja estabelecida e exigida uma ligação entre a tributação dos lucros distribuídos ao nível de uma filial e a subsequente isenção dos rendimentos de participações ao nível de uma sociedade‑mãe não residente (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Les Vergers du Vieux Tauves, C‑48/07, EU:C:2008:758, n.os 36 e 37).

285    Esta diretiva visa prevenir as situações de dupla tributação, o que sugere, implícita mas necessariamente, que a mesma assenta no postulado de uma tributação pelo Estado‑Membro de residência da filial dos lucros realizados por esta antes da distribuição dos mesmos (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Les Vergers du Vieux Tauves, C‑48/07, EU:C:2008:758, n.os 36 e 37).

286    Além disso, independentemente da questão da sua aplicação rationae temporis, esta interpretação é confirmada pelo artigo 1.o da Diretiva 2014/86/UE do Conselho, de 8 de julho de 2014, que altera a Diretiva 2011/96 (JO 2014, L 219, p. 40), na medida em que a isenção dos rendimentos de participações transfronteiriços só é possível se estes últimos não forem dedutíveis pela filial.

287    Assim, no caso vertente, a Comissão não era obrigada a alargar o quadro de referência ao regime da Diretiva Mãe‑Filial, o qual, de resto, não podia conduzir à exclusão, pelo menos em situações puramente internas, de qualquer ligação entre a isenção dos rendimentos de participações e a tributação das distribuições dos lucros.

ii)    Quanto à leitura conjugada dos artigos 164.o e 166.o da LIR

288    O Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Engie alegam que a definição de um quadro de referência mais restrito, à luz apenas dos artigos 164.o e 166.o da LIR, resulta de uma leitura conjugada errada destas duas disposições.

289    Além do facto de um ZORA não implicar uma distribuição de lucros, na aceção do artigo 164.o da LIR, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Engie sustentam que o artigo 166.o da LIR não pode ser interpretado no sentido de que condiciona o benefício da isenção ao nível de uma sociedade‑mãe à inexistência de dedução fiscal ao nível da filial dos rendimentos gerados durante o ZORA.

290    O Grão‑Ducado do Luxemburgo deplora igualmente o facto de a Comissão ter ignorado as observações constantes da sua carta de 31 de janeiro de 2018, na qual era claramente explicado que os artigos 164.o e 166.o da LIR tinham âmbitos de aplicação distintos e que o cumprimento do artigo 164.o da LIR não constituía um requisito de aplicação do artigo 166.o da LIR.

291    A Comissão insiste, nomeadamente, no facto de a complementaridade entre o artigo 166.o e o artigo 164.o, primeiro e segundo parágrafos, da LIR ser indispensável para assegurar a coerência do sistema fiscal luxemburguês, o que é, de resto, confirmado pela doutrina fiscal.

292    A este respeito, por um lado, importa, na verdade, salientar que o artigo 166.o da LIR não faz depender formalmente a concessão da isenção dos rendimentos de participações ao nível de uma sociedade‑mãe à tributação prévia dos lucros distribuídos ao nível da sua filial.

293    Mas não é menos verdade que a concessão da isenção dos rendimentos de participações só pode ser considerada se os rendimentos distribuídos por uma filial tiverem sido previamente tributados, a menos que se considere a hipótese, numa situação puramente interna, de uma dupla não tributação de lucros.

294    Esquematicamente, o artigo 164.o da LIR prevê a tributação dos rendimentos gerados por uma sociedade, independentemente de esses rendimentos serem ou não distribuídos. Esses rendimentos incluem igualmente, nos termos do artigo 164.o, terceiro parágrafo, da LIR, as distribuições dissimuladas de lucros. O artigo 166.o da LIR isenta, por sua vez, os rendimentos de participações em determinadas condições, permitindo prevenir as hipóteses de dupla tributação. Com efeito, os lucros distribuídos que foram tributados ao nível da filial estão, em princípio, inscritos como rendimento tributável ao nível da sociedade‑mãe.

295    O nexo entre as duas disposições decorre expressamente da resposta do Grão‑Ducado do Luxemburgo de 31 de janeiro de 2018. Em conformidade com a citação reproduzida no considerando 202 da decisão impugnada e que figura na nota n.o 223, que é inequívoca, o Grão‑Ducado do Luxemburgo reconheceu que «todas as participações cujos rendimentos pod[iam] beneficiar do regime de isenção previsto no artigo 166.o da LIR est[avam] igualmente abrangidas pelas disposições do artigo 164.o da LIR».

296    [Conforme retificado por Despacho de 16 de setembro de 2021] O nexo entre estas duas disposições impõe‑se ainda mais com a leitura do parecer do Conselho de Estado luxemburguês de 2 de abril de 1965 sobre o projeto de lei que incorpora o artigo 166.o na LIR, para o qual a Comissão remete, com razão, nas notas n.os 139 e 238 da decisão impugnada. Como sublinha o Conselho de Estado luxemburguês, o artigo 166.o da LIR permite, «por motivos de justiça fiscal e de ordem económica», evitar a dupla ou tripla tributação dos rendimentos distribuídos, mas não, em substância, evitar qualquer tributação dos referidos rendimentos.

297    Por outras palavras, a isenção dos rendimentos de participações é apenas aplicável a rendimentos que não tenham sido deduzidos do rendimento tributável da filial.

298    A Comissão não cometeu, portanto, nenhum erro de direito ao estabelecer, no considerando 204 da decisão impugnada, uma ligação entre os artigos 164.o e 166.o da LIR, a saber, entre a isenção ao nível de uma sociedade‑mãe dos rendimentos de participações e a tributação ao nível da sua filial dos lucros distribuídos.

299    Por outro lado, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Engie alegam que um ZORA não implica uma distribuição de lucros na aceção do artigo 164.o da LIR, pelo que a referência ao referido artigo, designadamente nos considerandos 204 e 210 e seguintes da decisão impugnada, é errada.

300    Ora, embora os acréscimos sobre o ZORA não sejam formalmente distribuições de lucros, os rendimentos de participações isentos ao nível da LNG Holding correspondem, em substância, ao montante dos referidos acréscimos, de modo que, como acertadamente resulta dos considerandos 210 a 212 da decisão impugnada, estes últimos, nas circunstâncias muito específicas do presente caso e atendendo à montagem societária que implica uma sociedade holding, uma sociedade intermédia e uma filial, correspondem materialmente a distribuições de lucros. Assim, para efeitos da definição do quadro de referência restrito, a Comissão podia, com razão, invocar os artigos 164.o e 166.o da LIR, que regulam no direito nacional a tributação dos rendimentos de participações.

301    Por conseguinte, há que rejeitar o argumento relativo a uma leitura conjugada errada dos artigos 164.o e 166.o da LIR e, consequentemente, todos os argumentos que visam contestar a definição pela Comissão do quadro de referência restrito.

2)      Quanto à derrogação das disposições relativas à tributação das distribuições de lucros e à isenção dos rendimentos de participações

302    Nos considerandos 208 a 226 da decisão impugnada, a Comissão considerou que, através das DFA em causa, as autoridades fiscais luxemburguesas tinham derrogado as disposições relativas à tributação das distribuições de lucros e à isenção dos rendimentos de participações, na medida em que tinham permitido que as sociedades holding envolvidas fossem isentas de imposto sobre os rendimentos de participações que correspondiam, de um ponto de vista económico, aos acréscimos sobre o ZORA, deduzidos a título de encargos ao nível das suas respetivas filiais.

303    Antes de mais, importa sublinhar que, conforme referido nos n.os 247 e 248, supra, e supondo que a mesma tem fundamento, a demonstração de uma derrogação das disposições luxemburguesas relativas à isenção dos rendimentos de participações e à tributação das distribuições de lucros leva à verificação de uma vantagem.

304    Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a apreciação do requisito que é constitutivo do conceito de «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, relativo à seletividade da vantagem concedida, impõe que se determine se, no quadro de um dado regime jurídico, a medida nacional em causa é suscetível de favorecer «certas empresas ou certas produções» em relação a outras, que se encontrem, à luz do objetivo prosseguido pelo referido regime, em situação factual e jurídica comparável e que estejam, assim, sujeitas a um tratamento diferenciado que possa, em substância, ser qualificado de discriminatório (v. Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 54 e jurisprudência referida).

305    O Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Engie sustentam, em substância, que, no caso vertente, não se verifica qualquer derrogação, alegando, em primeiro lugar, que o artigo 164.o da LIR não regula os ZORA e que não existia nenhum nexo direto e evidente entre a dedutibilidade dos acréscimos sobre o ZORA, ao nível das filiais, e a isenção dos rendimentos de participações, ao nível das sociedades holding envolvidas, em segundo lugar, que o aumento do valor dos ZORA era incerto quando foram emitidos, em terceiro lugar, que os artigos 164.o e 166.o da LIR, considerados isoladamente, foram corretamente aplicados, em quarto lugar, que a Comissão não demonstrou a violação destas duas disposições consideradas isoladamente e, em quinto lugar, que não foi demonstrado qualquer tratamento preferencial do grupo Engie ao nível das sociedades holding envolvidas.

i)      Quanto à aplicação do artigo 164.o da LIR a um ZORA e à existência de uma ligação entre a dedutibilidade dos acréscimos sobre o ZORA, ao nível das filiais, e a isenção dos rendimentos de participações, ao nível das sociedades holding envolvidas

306    O Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Engie salientam que o artigo 164.o da LIR apenas regula, no direito luxemburguês, as distribuições de lucros e não o ZORA, que é, em parte, um instrumento de dívida e, em parte, um instrumento de capital.

307    Assim, a Comissão ignorou a natureza convertível do ZORA, que torna o artigo 164.o da LIR inaplicável ao caso em apreço, pelo que nenhuma derrogação a esta disposição pode ser constatada. A Comissão baseou a sua análise numa interpretação finalista do direito fiscal luxemburguês, violando assim o princípio da legalidade do imposto, nos termos do qual as leis fiscais são de interpretação estrita.

308    Essa derrogação também é inexistente, uma vez que, segundo a Engie, não se verifica nenhuma ligação direta e evidente entre o ganho obtido pela LNG Holding e os acréscimos sobre o ZORA deduzidos a título de encargos ao nível da LNG Supply. A Comissão associou também erradamente a realização da venda a prazo com pagamento antecipado e a subsequente operação de redução do capital da LNG Supply, operação que, de resto, não estava prevista aquando da emissão das DFA em causa. Sem essa ligação, as DFA em causa não derrogaram, em substância, o quadro de referência adotado.

309    Do mesmo modo, segundo a Engie, os acréscimos sobre o ZORA foram registados como ganho tributável na contabilidade da LNG Luxembourg, de modo que, supondo que se verifique uma ligação entre o montante dos acréscimos deduzidos a título de encargos ao nível da LNG Supply e o montante isento de imposto ao nível da LNG Holding, a isenção não incidiu, em substância, sobre um montante que não foi objeto de tributação.

310    A Comissão contesta o mérito de todos esses argumentos. Alega nomeadamente que, se o mesmo montante de lucro pudesse ser deduzido, enquanto encargo, ao nível da entidade distribuidora, e ser isento como rendimento, ao nível do beneficiário, esse lucro escaparia a qualquer tributação no Grão‑Ducado do Luxemburgo, o que, no presente caso, revela efetivamente a existência de uma derrogação do quadro de referência restrito aplicável às sociedades holding.

311    A este respeito, contrariamente a uma abordagem formalista, que consiste em considerar isoladamente cada uma das operações que compõem a montagem financeira elaborada, importa, como fez a Comissão, ultrapassar as aparências jurídicas para apreender a realidade económica e fiscal da referida montagem. Para determinar se medidas estatais podem constituir auxílios de Estado, são essencialmente os efeitos dessas medidas no que diz respeito às empresas beneficiárias que devem ser tomados em consideração (v. Acórdão de 13 de setembro de 2010, Grécia e o./Comissão, T‑415/05, T‑416/05 e T‑423/05, EU:T:2010:386, n.o 212 e jurisprudência referida).

312    Ora, embora os acréscimos sobre o ZORA não sejam, formalmente, distribuições de lucros, os rendimentos de participações isentos ao nível da LNG Holding correspondem, em substância, ao montante dos referidos acréscimos, de modo que, como decorre acertadamente dos considerandos 210 a 212 da decisão impugnada, estes últimos correspondem materialmente, nas circunstâncias muito específicas do caso em apreço, a distribuições de lucros.

313    As DFA em causa validam diferentes transações que compõem um conjunto que, de forma circular e interdependente, realiza a transferência de um setor de atividade e o respetivo financiamento entre três sociedades pertencentes ao mesmo grupo. Essas transações foram concebidas para serem efetuadas em três etapas, sucessivas, mas interdependentes, que implicam a intervenção de uma sociedade holding, de uma sociedade intermédia e de uma filial.

314    Em primeiro lugar, é certo que os acréscimos sobre o ZORA foram registados como ganho tributável nas contas das sociedades intermédias.

315    Não deixa, no entanto, de ser verdade que, em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal Geral na audiência de alegações, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Engie confirmaram expressamente que esse ganho tinha sido neutralizado, ao nível das sociedades intermédias, por uma perda do mesmo montante no momento da execução do contrato de venda a prazo com pagamento antecipado, celebrado entre as sociedades intermédias e as sociedades holding envolvidas.

316    Além disso, em aplicação do referido contrato, as sociedades holding envolvidas tornaram‑se automaticamente titulares das ações emitidas no momento da conversão do ZORA em causa, as quais integravam o montante nominal do empréstimo concedido e os lucros realizados pelas filiais.

317    Por outras palavras, o contrato de venda a prazo com pagamento antecipado celebrado entre as sociedades holding envolvidas e as sociedades intermédias permitiu, na realidade, neutralizar o ganho tributável ao nível das sociedades intermédias e transferir simultaneamente para as referidas sociedades holding a propriedade das ações emitidas no momento da conversão do ZORA em causa.

318    Assim, as sociedades holding envolvidas tornaram‑se titulares das referidas ações, cujo valor inclui os acréscimos sobre o ZORA.

319    Em segundo lugar, é certo que a execução do contrato de venda a prazo com pagamento antecipado também é uma operação que em todos os aspetos é distinta da anulação subsequente de uma parte das ações recebidas das filiais.

320    Não é menos verdade que, no caso vertente, para a LNG Holding, o rendimento gerado ao seu nível em aplicação do contrato de venda a prazo com pagamento antecipado e, por maioria de razão, o gerado na sequência da anulação das ações da LNG Supply, correspondia, na realidade, de um ponto de vista económico, ao montante dos acréscimos sobre o ZORA realizados antes da conversão parcial desse ZORA, o que o Grão‑Ducado do Luxemburgo reconheceu expressamente na audiência de alegações em resposta a uma questão do Tribunal Geral.

321    Esta conclusão não pode ser posta em causa pelo argumento segundo o qual as DFA em causa não se pronunciaram sobre a anulação subsequente de uma parte das ações das filiais recebidas, mas apenas sobre a execução do contrato de venda a prazo com pagamento antecipado.

322    Com efeito, resulta claramente do pedido de decisão fiscal antecipada enviado em 20 de setembro de 2013, em conformidade com a citação retomada no considerando 43 da decisão impugnada, que estava efetivamente prevista, antes da conversão do ZORA em causa, a anulação subsequente ao nível das sociedades holding envolvidas de uma parte das ações das filiais recebidas.

323    Nele é efetivamente indicado que, «[d]evido à redução do capital da [LNG Supply], a [LNG Holding] contabilizará um lucro equivalente à diferença entre o montante nominal das ações convertidas e o montante da conversão» e que «[e]sse lucro deverá constar dos registos contabilísticos da [LNG Holding] e está abrangido, como confirmado anteriormente pela administração fiscal, pela isenção do rendimento de participações».

324    A referência explícita à confirmação anterior, sobre este ponto, da administração fiscal luxemburguesa indica, em substância, que o rendimento auferido pela LNG Holding que resultava da operação de redução do capital da LNG Supply era aquele para o qual tinha sido pedida a aplicação do artigo 166.o da LIR, nomeadamente no pedido de decisão fiscal antecipada de 9 de setembro de 2008, ao qual o Grão‑Ducado do Luxemburgo respondeu positivamente.

325    Em terceiro lugar, é certo que a dedutibilidade dos acréscimos sobre o ZORA ao nível das filiais é, formalmente, uma operação distinta da isenção dos rendimentos de participações ao nível das sociedades holding.

326    Mas não é menos verdade que, na realidade, um nexo direto une, no caso em apreço, essas duas operações. Os rendimentos isentos ao nível da LNG Holding, em aplicação do artigo 166.o da LIR, correspondem, em substância, aos acréscimos sobre o ZORA deduzidos ao nível da LNG Supply, como confirmou o Grão‑Ducado do Luxemburgo na audiência de alegações.

327    Por conseguinte, a Comissão expôs, com razão, as interações entre várias operações, embora formalmente distintas, mas substancialmente comuns, e considerou que, ao confirmar a isenção, ao nível das sociedades holding, de rendimentos de participações que correspondiam, de um ponto de vista económico, ao montante dos acréscimos sobre o ZORA, deduzidos a título de encargos ao nível das filiais, a administração fiscal luxemburguesa tinha derrogado o quadro de referência constituído pelos artigos 164.o e 166.o da LIR.

ii)    Quanto à incerteza do valor de um ZORA no dia da sua emissão

328    O Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Engie sustentam que a Comissão não podia ignorar que o aumento do valor dos ZORA era incerto no momento da sua celebração, bem como aquando da adoção das DFA em causa. É precisamente assim no caso da CEF, segundo o Grão‑Ducado do Luxemburgo, tanto mais que o ZORA de que beneficiou a GSTM não foi convertido.

329    Segundo o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Engie, a incerteza no dia da emissão das DFA em causa, relativa à realização futura de um lucro pelas filiais beneficiárias do ZORA em causa, obsta, em substância, à constatação de uma derrogação ao quadro de referência restrito.

330    A este respeito, há que recordar que são consideradas auxílios de Estado as intervenções que, independentemente da forma que assumam, sejam suscetíveis de favorecer direta ou indiretamente empresas ou que devam ser consideradas uma vantagem económica que a empresa beneficiária não teria obtido em condições normais de mercado (Acórdão de 9 de outubro de 2014, Ministerio de Defensa e Navantia, C‑522/13, EU:C:2014:2262, n.o 21).

331    Por outro lado, uma medida pode constituir um auxílio de Estado ainda que o montante do auxílio, e a fortiori a verificação de uma vantagem, dependa de circunstâncias externas ao regime de tributação.

332    Assim, uma medida pode constituir um auxílio de Estado, na aceção do artigo 107.o TFUE, mesmo que a vantagem ainda não se tenha materializado na data da adoção da medida em causa. Basta a simples probabilidade de uma materialização futura da vantagem. Com efeito, a não materialização da vantagem apenas exclui a recuperação do auxílio, e não a sua qualificação enquanto tal.

333    Ora, no caso em apreço, é inegável que a vantagem e, in fine, a derrogação do quadro de referência manifestam‑se plenamente no lucro realizado pelas filiais durante a vigência do ZORA em causa. No entanto, não é menos verdade que um acaso na realização de um lucro, ao nível das filiais, no dia da adoção dos ZORA em causa, não é suscetível de excluir a concessão às sociedades holding envolvidas de uma vantagem seletiva e a constatação de uma derrogação do quadro de referência restrito.

334    Com efeito, no dia da emissão das DFA em causa, a administração fiscal luxemburguesa tomou posição, à luz da montagem financeira que lhe foi submetida, a favor da isenção, ao nível das sociedades holding envolvidas, dos rendimentos de participações, que podiam, de um ponto de vista económico, corresponder a rendimentos deduzidos a título de encargos ao nível das filiais.

335    Assim, a Comissão não cometeu qualquer erro ao concluir que, ao fixar o regime especial de tributação das sociedades holding envolvidas, a administração fiscal luxemburguesa tinha definido um quadro jurídico que permitia a concessão às referidas sociedades de uma vantagem e que, ao fazê‑lo, tal administração tinha derrogado o quadro de referência restrito.

iii) Quanto à verificação de uma derrogação a partir do efeito combinado de disposições gerais

336    A Engie sustenta que a Comissão não podia considerar o efeito combinado, não previsto na lei, da dedutibilidade dos acréscimos sobre o ZORA ao nível das filiais e da isenção dos rendimentos de participações ao nível das sociedades holding. A aplicação de duas disposições de caráter geral a um caso particular não pode, segundo a Engie, conferir uma vantagem quando as disposições em causa são de aplicação geral e quando a aplicação que é feita de cada uma dessas disposições, considerada isoladamente, é conforme com a sua aplicação normal.

337    A Comissão afastou‑se da sua prática decisória, tal como exemplificada na Decisão 2014/200/UE, de 17 de julho de 2013, relativa ao auxílio estatal SA.21233 C/2011 (ex NN/11, ex CP 137/06) concedido por Espanha — Regime fiscal aplicável a certos acordos de locação financeira também conhecido por «Sistema de arrendamento fiscal espanhol» (JO 2014, L 114, p. 1; a seguir «Decisão Relativa ao Sistema de Arrendamento Fiscal Espanhol»), ao abrigo da qual cada medida fiscal, considerada individualmente, deve derrogar a aplicação normal das disposições fiscais em causa. Essa exigência é ainda mais importante na presença, como no caso vertente, de vários sujeitos passivos.

338    A Engie acrescenta que a tese acolhida pela Comissão, na decisão impugnada, pressupõe que, ao abrigo do princípio da coerência, a aplicação de disposições fiscais a um sujeito passivo esteja subordinada ao tratamento fiscal de outro sujeito passivo em aplicação de outras disposições gerais. A Comissão ignorou igualmente o Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido (C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732), que limitou a tomada em consideração dos efeitos de um regime fiscal à hipótese em que a sua conceção seja claramente arbitrária ou tendenciosa.

339    Esse argumento não pode ser acolhido.

340    Conforme resulta dos n.os 306 a 327, supra, verifica‑se um nexo, no direito luxemburguês, entre a isenção dos rendimentos das participações ao nível de uma sociedade‑mãe e a dedutibilidade dos rendimentos distribuídos ao nível da sua filial.

341    A aplicação dessa isenção não pode, assim, ser considerada sem que se verifique previamente se os rendimentos isentos de imposto foram objeto de tributação. O tratamento fiscal da sociedade destinatária dos rendimentos distribuídos depende, no que respeita ao artigo 166.o da LIR, do tratamento fiscal da sociedade distribuidora.

342    Existe igualmente, no caso em apreço, em conformidade com os n.os 312 a 327, supra, um nexo entre a dedutibilidade dos acréscimos sobre o ZORA ao nível da LNG Supply e a isenção ao nível da LNG Holding dos rendimentos de participações que correspondem, de um ponto de vista económico, aos referidos acréscimos. Esse nexo decorre da própria estrutura de financiamento criada pela Engie e dos diferentes contratos que vinculam as sociedades do grupo Engie, conforme validados pelas DFA em causa. As ações da LNG Supply que integram o valor dos acréscimos sobre o ZORA transitam, efetivamente, por intermédio desse ZORA, da LNG Supply para a LNG Luxembourg e, por intermédio do contrato de venda a prazo com pagamento antecipado, da LNG Luxembourg para a LNG Holding, que, in fine, gera uma mais‑valia isenta de imposto pela anulação das ações recebidas. O mesmo acontece entre a GSTM e a CEF, apesar de o ZORA de que beneficia a primeira não ter sido convertido.

343    Devido ao referido nexo e à consideração ao nível das sociedades holding envolvidas do efeito combinado dessas duas operações, as DFA em causa derrogam o quadro de referência restrito. No caso vertente, a isenção ao nível da LNG Holding dos rendimentos de participações que correspondem, de um ponto de vista económico, aos acréscimos sobre o ZORA não podia ser contemplada, na medida em que os referidos acréscimos foram deduzidos a título de encargo ao nível da LNG Supply.

344    Desse efeito combinado, a Comissão pôde, com razão, declarar, nos considerandos 208 e 209 da decisão impugnada, que existia uma derrogação do quadro de referência constituído pelos artigos 164.o e 166.o da LIR.

345    Por conseguinte, perante tais nexos, a Comissão não cometeu nenhum erro de direito ao identificar, ao nível das sociedades holding, o efeito combinado da dedutibilidade de um rendimento ao nível de uma filial e da sua posterior isenção ao nível da sua sociedade‑mãe.

346    Esta conclusão não pode ser posta em causa pela Decisão Relativa ao Sistema de Arrendamento Fiscal Espanhol, referida no n.o 337, supra.

347    Por um lado, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, a prática decisória da Comissão noutros processos não pode afetar a validade da decisão em juízo, que só pode ser apreciada à luz das regras objetivas do Tratado (v. Acórdão de 20 de setembro de 2019, Havenbedrijf Antwerpen e Maatschappij van de Brugse Zeehaven/Comissão, T‑696/17, EU:T:2019:652, n.o 68 e jurisprudência referida).

348    Por outro lado, independentemente da consideração segundo a qual a Comissão não pode estar vinculada pela sua prática decisória anterior, decorre nomeadamente dos considerandos 131 e 140 da Decisão Relativa ao Sistema de Arrendamento Fiscal Espanhol que, embora a montagem fiscal nesse processo procedesse da conjugação de várias medidas fiscais distintas, nesse processo, a Comissão não tinha pretendido fazer depender a constatação da seletividade do sistema de arrendamento fiscal espanhol da constatação da seletividade de cada uma das medidas que constituíam o referido sistema isoladamente consideradas. Do mesmo modo, o sistema de arrendamento fiscal espanhol era constituído por cinco medidas cuja aplicação conjugada não resultava, tanto formal como substancialmente, de uma disposição legislativa, contrariamente ao caso vertente, que envolve os artigos 164.o e 166.o da LIR, cuja complementaridade decorre, em substância, da sua leitura conjugada.

349    O Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido (C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732), também não pode ser interpretado no sentido de que a tomada em consideração dos efeitos de uma medida se circunscreve apenas ao seu caráter definido como «arbitrário ou tendencioso».

350    Por um lado, é forçoso salientar que os processos que deram origem ao Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido (C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732), diferiam sensivelmente do presente processo, na medida em que o próprio regime em causa constituía o quadro de referência a partir do qual o tratamento preferencial de sociedades offshore tinha sido identificado.

351    Por outro lado, importa sublinhar que o artigo 107.o, n.o 1, TFUE não faz distinções consoante as causas e os objetivos das intervenções estatais, mas define‑as em função dos seus efeitos e, portanto, independentemente das técnicas utilizadas. Ora, a jurisprudência invocada pela Engie só pode ser aplicada em contenciosos análogos aos dos processos que deram origem ao Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido (C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732).

iv)    Quanto à falta de violação dos artigos 164.o e 166.o da LIR, considerados isoladamente

352    O Grão‑Ducado do Luxemburgo alega que, perante uma aplicação conforme ao direito nacional dos artigos 164.o e 166.o da LIR, cabia à Comissão demonstrar que as DFA em causa violavam os referidos artigos.

353    À luz do Acórdão de 12 de novembro de 2013, MOL/Comissão (T‑499/10, EU:T:2013:592), a Comissão devia ter demonstrado a seletividade das DFA em causa por referência às disposições que as fundamentavam, demonstrando a sua violação.

354    A Comissão insiste, por sua vez, no facto de a seletividade das DFA em causa não depender nem da constatação de uma aplicação errada das disposições com fundamento nas quais estas DFA tinham sido adotadas nem da seletividade destas últimas disposições.

355    A este respeito, há que salientar que, contrariamente ao que o Grão‑Ducado do Luxemburgo alega no caso em apreço, a constatação de uma derrogação ao quadro de referência restrito não dependia da constatação de uma violação dos artigos 164.o e 166.o da LIR, cada um considerado isoladamente. Pelo contrário, a derrogação devia ser apreciada à luz de uma conjugação dos artigos 164.o e 166.o da LIR, que constituíam o quadro de referência restrito, por força do qual os rendimentos de participações não podiam ser objeto de isenção ao nível de uma sociedade‑mãe se os referidos rendimentos não tivessem sido objeto de tributação ao nível da sua filial, e vice‑versa.

356    Ora, resulta dos considerandos 212 e 213 da decisão impugnada que as DFA em causa derrogam o quadro de referência restrito, na medida em que, ao abrigo das mesmas, o grupo Engie beneficiava, ao nível das sociedades holding envolvidas, de uma isenção do imposto sobre os rendimentos, que correspondiam economicamente a lucros distribuídos e não tributados ao nível das suas filiais. Esse também era precisamente o caso do ZORA emitido a favor da LNG Supply. Com efeito, a LNG Holding beneficiava de uma isenção sobre os rendimentos de participações que correspondiam, de um ponto de vista económico, a rendimentos deduzidos como encargos pela LNG Supply.

357    A obrigação de demonstrar que as DFA em causa violavam os artigos 164.o e 166.o da LIR também não decorre do Acórdão de 12 de novembro de 2013, MOL/Comissão (T‑499/10, EU:T:2013:592). Com efeito, contrariamente ao que é invocado pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, esse acórdão apenas permite exemplificar que a seletividade de uma medida de auxílio pode resultar de um poder discricionário conferido à administração por um texto de alcance geral, independentemente do próprio exercício do referido poder. Nele é igualmente precisado que, na falta de exercício de tal poder, há que tomar como referência o conteúdo da medida para verificar se a mesma concede ao seu beneficiário uma vantagem seletiva.

358    Nestas circunstâncias, importa rejeitar os argumentos relativos à falta de demonstração de uma violação dos artigos 164.o e 166.o da LIR, considerados isoladamente.

v)      Quanto ao tratamento preferencial do grupo Engie ao nível das sociedades holding envolvidas

359    Segundo a Engie e o Grão‑Ducado do Luxemburgo, apoiados neste sentido pela Irlanda, a Comissão não demonstrou que as DFA em causa tratavam de forma preferencial o grupo Engie em relação a outras sociedades ou grupos de sociedades que se encontravam numa situação comparável.

360    Segundo a Engie, a Comissão não fez prova da existência de decisões fiscais antecipadas divergentes e de uma recusa da administração fiscal luxemburguesa em adotar tal decisão relativamente a uma empresa que se encontrasse numa situação comparável ou ainda da existência de uma liquidação fiscal que atingisse empresas que tinham criado a estrutura prevista pelas DFA em causa.

361    Apenas podia ser constatada uma discriminação de facto no caso vertente, pelo que, à luz dos Acórdãos de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido (C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732), e de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981), a Comissão devia, perante uma medida individual de aplicação de um regime geral, identificar características próprias e específicas das empresas beneficiárias das decisões fiscais antecipadas, que permitissem distingui‑las das empresas que delas teriam sido excluídas.

362    Em caso de resposta negativa, a Comissão devia ter demonstrado que as disposições fiscais aplicadas pelas DFA em causa, apesar da sua aparência de generalidade, eram em si mesmas suscetíveis de favorecer certas empresas devido às suas características específicas em relação a outras empresas que se encontravam numa situação comparável.

363    O Grão‑Ducado do Luxemburgo, apoiado neste sentido pela Irlanda, alega igualmente que, se qualquer contribuinte pudesse criar uma estrutura de financiamento análoga à examinada nas DFA em causa, como reconheceu a Comissão, esta última não devia arguir a seletividade das referidas DFA.

364    A Irlanda insiste no facto de que, na medida em que qualquer sujeito passivo podia beneficiar do mesmo tratamento fiscal que a Engie criando uma montagem financeira análoga à que foi tida em conta nas DFA em causa, não havia nenhuma discriminação ou exclusão a constatar. Segundo a Irlanda, a Comissão devia ter demonstrado que outro grupo de sociedades tinha sido excluído, de jure ou de facto, do benefício de um tratamento fiscal idêntico, apesar da criação de uma montagem financeira análoga. Ora, na falta desta constatação, não podia ter sido introduzida uma diferenciação pelo direito nacional: a única diferença residia na forma como, individualmente, os contribuintes optaram por organizar os seus negócios.

365    Segundo a Comissão, o facto de uma estrutura de financiamento ser aberta, em princípio, a qualquer operador num mercado não pode excluir a seletividade das decisões fiscais antecipadas controvertidas.

366    A este respeito, importa recordar que o parâmetro pertinente para demonstrar a seletividade de uma medida consiste em verificar se a mesma introduz, entre operadores que se encontram, à luz do objetivo prosseguido pelo regime fiscal geral em causa, numa situação factual e jurídica comparável, uma diferenciação não justificada pela natureza e pela economia desse regime (Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 60).

367    Mais precisamente, o requisito relativo à seletividade encontra‑se preenchido quando a Comissão consegue demonstrar que uma medida nacional que confere uma vantagem fiscal derroga o regime fiscal comum ou «normal» aplicável no Estado‑Membro em causa, introduzindo, assim, através dos seus efeitos concretos, um tratamento diferenciado entre operadores, quando os operadores a quem é concedida a vantagem fiscal e os que dela são excluídos se encontram, à luz do objetivo prosseguido pelo referido regime fiscal desse Estado‑Membro, numa situação factual e jurídica comparável (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 67).

368    Decorre igualmente da jurisprudência que a verificação da seletividade de uma medida fiscal derrogatória não pode ser condicionada à identificação de uma categoria particular de empresas que podem ser distinguidas devido a propriedades específicas. Em contrapartida, essa identificação revela‑se pertinente na presença de uma medida que se apresenta, não sob a forma de uma vantagem fiscal que derroga um regime fiscal comum, mas da aplicação de um regime fiscal «geral» que assenta em critérios, em si, igualmente de natureza geral. (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.os 71 a 78).

369    Perante uma medida fiscal derrogatória de um regime comum, a constatação da seletividade não resulta necessariamente de uma impossibilidade de certas empresas beneficiarem da vantagem prevista pela medida em causa devido a limitações jurídicas, económicas ou práticas que as impedem de realizar a operação que condiciona a concessão dessa vantagem, podendo antes resultar da mera constatação de que existe uma operação que, sendo comparável à operação que condiciona a concessão da vantagem em causa, não dá direito a essa vantagem. Daqui resulta que uma medida fiscal pode ser seletiva apesar de qualquer empresa poder livremente optar por realizar a operação que condiciona a concessão da vantagem prevista por essa medida (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.os 80 a 88).

370    Ora, no caso vertente, resulta dos considerandos 205 e 215 da decisão impugnada que a Comissão considerou que as sociedades holding envolvidas beneficiavam de um tratamento fiscal mais favorável do que as sociedades que auferiam rendimentos de participações e que estavam, portanto, sujeitas, contrariamente às referidas sociedades holding, às regras relativas à isenção dos rendimentos de participações e à tributação das distribuições de lucros.

371    Enquanto a isenção da tributação dos rendimentos de participações ao nível de uma sociedade‑mãe só é possível, numa situação puramente interna, em caso de tributação ao nível da sua filial dos rendimentos distribuídos, as sociedades holding envolvidas beneficiam, no caso em apreço, da isenção da tributação dos rendimentos de participações relativamente a rendimentos que correspondem, de um ponto de vista económico, ao montante dos acréscimos sobre o ZORA, deduzido como encargo ao nível das suas respetivas filiais. Para uma mesma operação comparável, a saber, o recebimento de rendimentos de participações na sequência de um investimento no capital de uma filial, algumas sociedades‑mãe estão excluídas da vantagem fiscal de que beneficiam as sociedades holding envolvidas.

372    Por conseguinte, a Comissão demonstrou, de forma juridicamente bastante, que as sociedades holding envolvidas beneficiavam de tratamento fiscal preferencial em relação a qualquer sociedade‑mãe suscetível de auferir rendimentos de participações que não foram objeto de tributação no momento da sua distribuição.

373    Os argumentos apresentados pela Engie e pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo não podem pôr em causa esta conclusão.

374    Por um lado, perante um sistema de financiamento aberto a todos, de que as sociedades holding envolvidas tiraram partido, a Engie alega que, para provar a seletividade das DFA em causa, a Comissão devia demonstrar que foi recusado um tratamento fiscal idêntico a outras sociedades que se encontravam numa situação comparável.

375    Ora, mesmo supondo que há sociedades holding a beneficiarem de um tratamento fiscal análogo ao concedido à CEF e à LNG Holding, perante operações de financiamento que implicam igualmente a emissão de um ZORA por uma sociedade intermédia, a existência de decisões fiscais antecipadas idênticas seria, quando muito, um indício de um eventual regime de auxílios, e não da inexistência de discriminação.

376    Além disso, o raciocínio da Engie baseia‑se na premissa errada de que o quadro de referência adotado pela Comissão é constituído pelo regime especial de tributação das sociedades holding envolvidas resultante das DFA em causa. Com efeito, exigir que a Comissão, para determinar a existência de uma discriminação, identifique sociedades às quais foi recusado um tratamento fiscal idêntico relativamente a uma mesma montagem financeira implica que a Comissão tenha considerado como quadro de referência o referido regime especial de tributação.

377    O quadro de referência é, pelo contrário, constituído pelos artigos 164.o e 166.o da LIR, que regulam a tributação das distribuições de lucros, quer ao nível da filial, quer ao nível da sociedade‑mãe, quadro que as DFA em causa derrogam.

378    Por outro lado, o argumento relativo à falta de identificação pela Comissão de uma categoria particular de empresas, à qual as sociedades do grupo Engie alegadamente pertencem, em função das propriedades que lhes são específicas enquanto categoria privilegiada, também não pode ser acolhido.

379    Com efeito, em conformidade com o n.o 368, supra, a identificação dessa categoria só é exigida no âmbito de um regime fiscal geral que constitua, por si só, o quadro de referência adotado.

380    Não é o que sucede no caso em apreço, uma vez que, para demonstrar a seletividade das DFA em causa, a Comissão se baseou na desigualdade de tratamento que decorre das mesmas, dado que conferem uma vantagem às sociedades holding envolvidas e não a outras sociedades que estão numa situação comparável à luz do objetivo do quadro de referência restrito, quadro que as DFA em causa derrogam.

381    Por conseguinte, na decisão impugnada, a Comissão concluiu acertadamente no sentido do tratamento fiscal preferencial das sociedades holding envolvidas. Importa pois julgar improcedentes os argumentos aduzidos contra a constatação de uma derrogação às disposições relativas à tributação das distribuições de lucros e à isenção dos rendimentos de participações e, deste modo, contra a seletividade das DFA em causa.

vi)    Conclusão relativa à concessão de uma vantagem seletiva ao grupo Engie, ao nível das sociedades holding envolvidas, à luz do quadro de referência restrito

382    Na medida em que, por um lado, a Comissão demonstrou a seletividade das DFA em causa, usando quatro linhas de raciocínio, uma delas a título subsidiário, e que, por outro, os argumentos destinados a contestar o mérito de um desses raciocínios, a saber, a existência de uma vantagem seletiva ao nível das sociedades holding envolvidas à luz do quadro de referência restrito, foram julgados improcedentes, há que, em princípio, por razões de economia processual e pelo facto de os mesmos se terem tornado inoperantes, dispensar o estudo dos argumentos avançados contra os restantes raciocínios alternativos, em conformidade com a jurisprudência referida nos n.os 230 e 231, supra.

383    Todavia, tendo em conta o caráter inédito do raciocínio que visa demonstrar a seletividade das DFA em causa em relação ao quadro de referência que inclui a Disposição Relativa ao Abuso de Direito, o Tribunal Geral considera oportuno examinar igualmente o mérito dos argumentos invocados contra o mesmo.

d)      Quanto à alegada inexistência de uma vantagem seletiva à luz da Disposição Relativa ao Abuso de Direito

384    Nos considerandos 289 a 312 da decisão impugnada, a Comissão sustenta que as DFA em causa conferem uma vantagem seletiva à Engie devido à não aplicação da Disposição Relativa ao Abuso de Direito. Conforme decorre do considerando 290 da decisão impugnada, esta disposição faz parte do sistema luxemburguês de tributação das sociedades.

385    Nos termos da Disposição Relativa ao Abuso de Direito, «uma obrigação fiscal não pode ser contornada ou reduzida por uma utilização abusiva das formas e das possibilidades conferidas pelo direito civil» e, «[e]m caso de abuso, os impostos devem ser cobrados do mesmo modo que o seriam numa estrutura jurídica adaptada às operações, factos e circunstâncias económicas».

386    A referência à «Engie», designadamente no considerando 162 da decisão impugnada, para designar a entidade ao nível da qual a seletividade consecutiva a uma não aplicação da Disposição Relativa ao Abuso de Direito seria apreciada, remete, em conformidade com o considerando 16 da decisão impugnada, para a Engie SA e para as sociedades que esta última controla direta e indiretamente, a saber, no Luxemburgo, as sociedades holding envolvidas, as sociedades intermédias e as filiais.

387    Em conformidade com os considerandos 292 a 298 da decisão impugnada, a montagem financeira criada pela Engie preenche os quatro requisitos decorrentes da jurisprudência luxemburguesa, tal como levada ao conhecimento da Comissão pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo na sua resposta de 31 de janeiro de 2018 à carta de 11 de dezembro de 2017, para identificar um abuso de direito, a saber, em primeiro lugar, a utilização de uma forma jurídica de direito privado, em segundo lugar, a redução da carga fiscal, em terceiro lugar, a utilização de uma via jurídica inadequada e, em quarto lugar, a ausência de motivos não fiscais.

388    Além da conclusão relativa à não tributação dos acréscimos sobre o ZORA, ao nível das filiais, das sociedades intermédias ou das sociedades holding envolvidas, a Comissão entendeu, nos considerandos 304 a 310 da decisão impugnada, no âmbito da análise do requisito relativo à utilização de uma via jurídica adequada, que estavam acessíveis outros meios de financiamento e que os mesmos eram conformes com a intenção do legislador luxemburguês, como os instrumentos de fundos próprios ou de empréstimo, uma vez que não conduziam à não tributação dos rendimentos gerados pelas filiais.

389    Segundo a Comissão, entre os instrumentos de empréstimo acessíveis, consta um ZORA emitido diretamente por uma sociedade‑mãe em benefício exclusivo da sua filial, sem intervenção de uma sociedade intermédia. A Comissão interpreta efetivamente o artigo 22.o‑A da LIR no sentido de que, supondo que o mesmo se aplica aos acréscimos sobre o ZORA, este só permite diferir a tributação desses acréscimos.

390    O artigo 22.o‑A, n.o 2, ponto 1, da LIR, em vigor à data da adoção das DFA em causa, e cuja interpretação pela Comissão é contestada, dispõe o seguinte:

«2.      Em derrogação ao artigo 22.o, n.o 5, as operações de troca referidas nos pontos 1 a 4 abaixo não conduzem à realização das mais‑valias inerentes aos bens trocados, salvo se, nos casos referidos nos pontos 1, 3 e 4, o credor ou o associado renunciarem à aplicação da presente disposição:

1.      Aquando da conversão de um empréstimo: a atribuição ao credor de títulos representativos do capital social do devedor. Em caso de conversão de um empréstimo de capitalização convertível, os juros capitalizados referentes ao período de exercício de exploração em curso antes da conversão são tributáveis no momento da troca;

[…]»

391    Em conformidade com os considerandos 278 a 284 da decisão impugnada, a Comissão sustenta que o artigo 22.o‑A, n.o 2, ponto 1, da LIR, que dispõe, em substância, que, na hipótese de uma conversão de um empréstimo, a atribuição ao credor de títulos representativos do capital social do devedor não conduz à realização de mais‑valias, salvo se o credor ou o associado renunciarem à aplicação desta disposição, não é aplicável aos acréscimos sobre o ZORA. O artigo 22.o‑A da LIR especifica, efetivamente, que, em caso de conversão de um empréstimo de capitalização convertível, os juros capitalizados referentes ao período de exercício de exploração em curso antes da conversão são tributáveis no momento da troca. Mesmo em caso de aplicação do artigo 22.o‑A da LIR aos acréscimos sobre o ZORA, a Comissão sublinha que este artigo não teria o efeito de isentar permanentemente de imposto os acréscimos sobre o ZORA, mas apenas de diferir a sua tributação.

392    No âmbito do requisito relativo à ausência de motivos não fiscais, a Comissão sublinha, nos considerandos 306 a 313 da decisão impugnada, que o financiamento da transferência dos setores de atividades através de um ZORA emitido por uma sociedade intermédia conjugado com um contrato a prazo com pagamento antecipado celebrado com uma sociedade holding não pode ser motivado por uma eventual limitação do perfil de risco das filiais ou pela melhoria do desempenho e da flexibilidade do grupo. O único motivo visado foi a realização de uma poupança fiscal considerável.

393    Segundo a Comissão, a vantagem de que beneficiou a Engie devido à não aplicação da Disposição Relativa ao Abuso de Direito é seletiva, na medida em que, em conformidade com os considerandos 311 e 312 da decisão impugnada, que constata a não aplicação da lei num caso em que, porém, estão reunidos os requisitos para a sua aplicação, não está, em princípio, ao alcance de nenhuma outra empresa.

1)      Observações preliminares

394    Na decisão impugnada, a Comissão verificou a seletividade das DFA em causa à luz da Disposição Relativa ao Abuso de Direito, enquanto parte integrante do sistema luxemburguês de tributação das sociedades.

395    Como as DFA em causa não podiam ser emitidas por estarem preenchidos os requisitos que justificavam a aplicação da Disposição Relativa ao Abuso de Direito, o Grão‑Ducado do Luxemburgo conferiu uma vantagem seletiva à Engie. Esta vantagem baseou‑se na não aplicação da lei num caso em que os requisitos para a sua aplicação se encontravam, porém, preenchidos, a qual não estava, «por definição, […] ao alcance de qualquer outra empresa».

396    A este respeito, importa antes de mais observar que, com os seus argumentos, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Engie não contestam a definição do quadro de referência adotado pela Comissão para efeitos de demonstração da seletividade das DFA em causa à luz da Disposição Relativa ao Abuso de Direito.

397    É certo que, nos considerandos 290 e 291 da decisão impugnada, a Comissão menciona, como sistema de referência, o «sistema luxemburguês de tributação das sociedades», cujo objetivo principal é «a tributação dos lucros das empresas» e ao qual pertence a Disposição Relativa ao Abuso de Direito.

398    No entanto, não é menos verdade que, nos considerandos 299 a 312 da decisão impugnada, a Comissão identifica uma derrogação apenas à Disposição Relativa ao Abuso de Direito, verificando, no caso vertente, se os quatro requisitos cumulativos estavam reunidos.

399    Por outras palavras, os argumentos avançados nos seus respetivos articulados pela Engie e pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo contra a demonstração efetuada pela Comissão, nos considerandos 171 a 199 da decisão impugnada, da seletividade das DFA em causa ao nível das sociedades holding envolvidas, através de um quadro de referência alargado ao «sistema luxemburguês de tributação das sociedades» não podem ser acolhidos para contestar, no âmbito dos presentes fundamentos, a derrogação verificada pela Comissão à única Disposição Relativa ao Abuso de Direito. É, nomeadamente, o caso dos argumentos nos termos dos quais o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Engie acusam a Comissão de ter identificado uma derrogação não às disposições que constituem o sistema luxemburguês de tributação das sociedades, conforme apresentadas nos considerandos 78 a 81 da decisão impugnada, mas a um alegado objetivo do referido quadro de referência.

400    O «objetivo fundamental do sistema luxemburguês de tributação das sociedades», a que a Comissão faz referência no considerando 305 da decisão impugnada, na parte relativa ao abuso de direito, não se destina a identificar uma derrogação a partir desse «objetivo», mas sim a verificar se o tratamento fiscal avalizado pelas DFA em causa é conforme com a intenção do legislador luxemburguês. Assim, a invocação desse «objetivo» inscreve‑se numa abordagem distinta da que está subjacente aos considerandos 171 a 199 da decisão impugnada.

401    Em contrapartida, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Engie contestam, em primeiro lugar, a apreciação dos critérios a preencher para constatar a existência de um abuso de direito no direito luxemburguês, e, em segundo lugar, a existência de um tratamento preferencial. Todavia, antes de verificar o mérito dos argumentos avançados para o efeito, importa apreciar os argumentos apresentados pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, destinados a contestar a admissibilidade do raciocínio baseado na Disposição Relativa ao Abuso de Direito.

2)      Quanto ao alegado novo raciocínio baseado na Disposição Relativa ao Abuso de Direito

402    O Grão‑Ducado do Luxemburgo alega que o raciocínio da Comissão através do qual esta sustenta que foi concedida uma vantagem seletiva devido a uma derrogação à Disposição Relativa ao Abuso de Direito é «inadmissível». A Comissão apenas evocou, e não desenvolveu, essa acusação durante o procedimento administrativo.

403    Segundo o Grão‑Ducado do Luxemburgo, a decisão de início do procedimento visava, efetivamente, para efeitos da aplicação da Disposição Relativa ao Abuso de Direito, não a isenção dos rendimentos de participações ao nível das sociedades holding, mas a dedutibilidade dos acréscimos ao nível das filiais. Por outro lado, a carta da Comissão de 11 de dezembro de 2017 não colmatou as lacunas da decisão de início do procedimento nesta matéria.

404    A este respeito, é forçoso salientar que a Comissão insistiu, desde a decisão de início do procedimento, na não aplicação desta disposição, conforme resulta do n.o 204, supra. Além disso, embora a Comissão não tenha resumido, na carta de 11 de dezembro de 2017, a sua argumentação quanto à não aplicação da Disposição Relativa ao Abuso de Direito, convidou, porém, de novo, as partes a apresentarem observações adicionais sobre esse ponto.

405    Por conseguinte, há que julgar improcedente o argumento do Grão‑Ducado do Luxemburgo que insiste no facto de o raciocínio da Comissão baseado na Disposição Relativa ao Abuso de Direito ser novo e que se destina a contestar a sua «admissibilidade».

3)      Quanto à derrogação à Disposição Relativa ao Abuso de Direito

406    O Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Engie contestam a aplicação da Disposição Relativa ao Abuso de Direito no caso em apreço. Além do facto de, para demonstrar a seletividade nesta matéria, a Comissão ter de se referir à prática administrativa das autoridades fiscais luxemburguesas, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Engie acusam a Comissão de ter cometido diversos erros de apreciação na aplicação dos critérios a preencher no direito luxemburguês para justificar a aplicação da Disposição Relativa ao Abuso de Direito. Alegam que, uma vez que os critérios não foram respeitados, as autoridades luxemburguesas não podiam concluir pela existência de um abuso de direito e que, por conseguinte, nenhuma derrogação a esta disposição podia ser constatada. Em todo o caso, supondo que a Disposição Relativa ao Abuso de Direito fosse aplicável, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Engie sublinham, por um lado, que a Comissão não demonstrou um tratamento preferencial das sociedades do grupo Engie e, por outro, que a proibição da montagem financeira devido ao seu caráter alegadamente abusivo conduz a uma violação da liberdade de estabelecimento.

407    A Comissão alega, nomeadamente, que os quatro critérios resultantes da prática luxemburguesa para declarar a existência de um abuso de direito foram, no caso em apreço, respeitados. É manifesto que as sociedades do grupo que participaram na montagem viram os seus lucros isentos de imposto, ao passo que operações economicamente equivalentes e realizadas sem a mesma montagem foram tributadas.

i)      Quanto à alegada não tomada em consideração da prática administrativa das autoridades fiscais luxemburguesas

408    Há que, previamente, salientar que não resulta dos autos dos processos apensos T‑516/18 e T‑525/18 que o Grão‑Ducado do Luxemburgo ou a Engie tenham, durante o procedimento administrativo, levado ao conhecimento da Comissão a prática administrativa luxemburguesa que teria eventualmente sido indispensável para excluir, sobre este ponto, a seletividade das DFA em causa.

409    Independentemente desta constatação, é forçoso verificar que a Comissão se referiu, com razão, como decorre dos considerandos 293 a 298 da decisão impugnada, tanto a uma nota de serviço de 1989 da administração luxemburguesa como à prática jurisdicional luxemburguesa, da qual extraiu os quatro critérios a respeitar para declarar, no direito luxemburguês, a existência de um abuso de direito. Por outro lado, a tomada em consideração da prática administrativa não se afigurava necessária, na medida em que a Disposição Relativa ao Abuso de Direito não suscitava, no caso em apreço, dificuldades de interpretação.

ii)    Quanto à apreciação dos critérios para justificar a aplicação da Disposição Relativa ao Abuso de Direito

410    As partes estão de acordo sobre os critérios a preencher para que seja declarada, no direito luxemburguês, a existência de um abuso de direito. À luz dos considerandos 301 a 306 da decisão impugnada e do Acórdão da Cour administrative (Supremo Tribunal Administrativo) do Grão‑Ducado do Luxemburgo de 7 de fevereiro de 2013, anexo à petição no processo T‑516/18, tal declaração está sujeita ao preenchimento de quatro critérios, a saber, a utilização de formas ou de instituições de direito privado, a redução da carga fiscal, a utilização de uma via jurídica inadequada e a ausência de motivos não fiscais.

411    No que respeita ao primeiro critério, não é contestado, no caso vertente, que a Engie utilizou formas de direito privado, avalizadas pelas DFA em causa. Com efeito, conforme salientado no n.o 34, supra, as DFA em causa dão conta de diferentes transações intragrupo que constituem um conjunto que realiza, para a LNG Supply e para a GSTM, uma única operação, a saber, respetivamente, a transferência intragrupo das atividades relativas ao gás natural liquefeito e a transferência das atividades relativas ao financiamento e à tesouraria, cujo financiamento foi igualmente assegurado dentro do mesmo grupo. Essas transações foram concebidas, desde o início, para serem efetuadas em três etapas sucessivas, mas interdependentes, que implicam a intervenção das sociedades holding envolvidas, das sociedades intermédias e das filiais.

412    Em contrapartida, a Engie e o Grão‑Ducado do Luxemburgo contestam a apreciação dos três outros critérios a respeitar para declarar, no direito luxemburguês, a existência de um abuso de direito.

–       Quanto ao critério relativo à redução da carga fiscal

413    No que respeita ao segundo critério, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Engie alegam que as DFA em causa não conduziram a uma redução da carga fiscal das filiais, das sociedades intermédias e das sociedades holding envolvidas.

414    Ora, é forçoso salientar, à semelhança da Comissão no considerando 302 da decisão impugnada, que a referida montagem conduz, na realidade, a uma não tributação dos acréscimos sobre o ZORA, quer ao nível das filiais, quer ao nível das sociedades intermédias ou das sociedades holding envolvidas.

415    Enquanto as filiais podem, desde logo, deduzir dos seus rendimentos tributáveis os acréscimos sobre o ZORA, com exceção de uma margem acordada com a administração fiscal, as sociedades intermédias não são, em seguida, tributadas sobre os referidos acréscimos, na medida em que, devido ao contrato de venda a prazo com pagamento antecipado celebrado com as sociedades holding envolvidas, sofrem, no momento da conversão da ZORA em causa, uma perda do mesmo montante que neutraliza, nas suas contas, a mais‑valia correspondente aos referidos acréscimos.

416    Por último, as sociedades holding envolvidas beneficiam, à luz das DFA em causa, da isenção associada aos rendimentos de participações, que, no caso vertente, foi aplicada a rendimentos que correspondem, de um ponto de vista económico, aos acréscimos sobre o ZORA, como confirmou o Grão‑Ducado do Luxemburgo na audiência de alegações.

417    Para obter esse resultado fiscal, as sociedades intermédias desempenham um papel determinante. Ainda que, do ponto de vista da operação de financiamento, possam apresentar‑se como um elo redundante da montagem financeira criada pela Engie, do ponto de vista fiscal, são um elo essencial da referida montagem, contrariamente ao que alegam o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Engie.

418    Do ponto de vista da operação de financiamento, as sociedades intermédias, na sua relação com as filiais, asseguram o financiamento do ZORA em causa e recebem, na conversão deste último, as ações cujo valor integra o montante nominal do referido ZORA e os acréscimos sobre o ZORA.

419    Nas suas relações com as sociedades holding envolvidas, as sociedades intermédias recebem, aquando da emissão do ZORA em causa, o montante nominal deste último e asseguram, no momento da conversão do referido ZORA, a transferência de propriedade das ações emitidas pelas filiais, cujo valor integra o montante nominal e os acréscimos sobre o ZORA.

420    Assim, as sociedades intermédias apenas executam a operação de financiamento decidida pelas sociedades holding envolvidas com vista à transferência dos setores de atividades em benefício das filiais.

421    Do ponto de vista fiscal, por um lado, as sociedades intermédias não estão sujeitas a nenhuma tributação efetiva sobre aos acréscimos sobre o ZORA. Embora as sociedades intermédias registem, aquando da conversão do referido ZORA, uma mais‑valia que corresponde aos acréscimos sobre o ZORA, sofrem, ao mesmo tempo, devido ao contrato de venda a prazo com pagamento antecipado, uma perda do mesmo montante que o dos referidos acréscimos.

422    Assim foi, designadamente, no dia da conversão da parte do ZORA emitida a favor da LNG Supply. Pelo facto de não se ter optado pelo artigo 22.o‑A da LIR, a LNG Luxembourg registou uma mais‑valia nas suas contas, que, como o Grão‑Ducado do Luxemburgo confirmou na audiência de alegações, foi neutralizada por uma perda do mesmo montante, devido à aplicação do contrato de venda a prazo com pagamento antecipado celebrado com a LNG Holding. Sem o contrato de venda a prazo com pagamento antecipado, as sociedades intermédias deveriam, assim, ser tributadas sobre os acréscimos sobre o ZORA.

423    Por outro lado, as sociedades intermédias permitem dissociar oportunamente, pelo menos de forma aparente, o lucro realizado pelas sociedades holding envolvidas, devido à anulação de uma parte das ações recebidas em aplicação do contrato de venda a prazo com pagamento antecipado do lucro que corresponde aos acréscimos sobre o ZORA e desencadear a aplicação do artigo 166.o da LIR. Com efeito, uma vez que os acréscimos sobre o ZORA não podem ser equiparados a um rendimento de participações, na aceção do artigo 166.o da LIR, este último não pode servir de fundamento a um qualquer direito à isenção para os referidos acréscimos.

424    Por outras palavras, à luz do ZORA de que beneficia a LNG Supply, a intervenção da LNG Luxembourg, enquanto sociedade intermédia, permite à LNG Holding dar ao rendimento gerado pela anulação das ações da LNG Supply a veste de rendimento de participações, quando este último corresponde, em substância, aos acréscimos sobre o ZORA. Esse resultado não seria alcançado caso o ZORA fosse celebrado diretamente entre a LNG Supply e a LNG Holding.

425    Como sustentou a Comissão no considerando 304 da decisão impugnada, e contrariamente ao que alegam o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Engie, a celebração de um ZORA entre duas sociedades não pode conduzir ao mesmo resultado fiscal que o obtido devido à intervenção, na estrutura de financiamento em causa, das sociedades intermédias.

426    Na hipótese de um ZORA celebrado entre uma filial e a sua sociedade‑mãe, é certo que os acréscimos sobre o ZORA seriam dedutíveis, ao nível da filial, com exceção de uma margem acordada com a administração fiscal luxemburguesa.

427    Mas não é menos verdade que, ao nível da sociedade‑mãe, os acréscimos seriam objeto de tributação quer no momento da conversão do ZORA em causa quer num momento ulterior, consoante a opção dada pelo artigo 22.o‑A da LIR.

428    Por um lado, embora, no momento da conversão de um ZORA, a sociedade titular das ações convertidas possa optar pelo artigo 22.o‑A da LIR para não ser tributada aquando da conversão e assegurar, desse modo, a neutralidade fiscal da operação, este mesmo artigo não pode ser interpretado no sentido de que a mais‑valia realizada não será, no futuro, objeto de tributação.

429    Essa leitura é confirmada por uma circular emitida pela administração fiscal luxemburguesa em 27 de novembro de 2002, nos termos da qual, à luz do considerando 283 da decisão impugnada e da citação reproduzida na nota n.o 288, «[o] objetivo do artigo 22.o‑A da LIR consiste em determinar as operações de troca de títulos que podem ser realizadas numa situação de neutralidade fiscal» e «[este artigo] não visa, porém, isentar de forma definitiva mais‑valias, que sem essa medida seriam tributada ao cedente, mas sim adiar a respetiva tributação».

430    Além disso, o projeto de lei de 17 de julho de 2018, que transpõe para o direito luxemburguês a Diretiva (UE) 2016/1164 do Conselho, de 12 de julho de 2016, que estabelece regras contra as práticas de elisão fiscal que tenham incidência direta no funcionamento do mercado interno (JO 2016, L 193, p. 1), para o qual a Engie remete nos seus articulados, precisa que «o objetivo [do artigo 22.o‑A da LIR] é permitir aos contribuintes diferir no tempo a tributação de mais‑valias decorrentes de uma troca de títulos em situações definidas». Embora esse projeto seja, na verdade, posterior à decisão impugnada, o mesmo permite, todavia, ilustrar a posição do legislador luxemburguês quanto ao sentido a dar a este artigo.

431    Por outro lado, os rendimentos auferidos por uma sociedade‑mãe no caso de um ZORA direto, na sequência da anulação de uma parte das ações, não poderiam dar origem a um rendimento isento de imposto ao abrigo do artigo 166.o da LIR, ainda que os artigos 166.o e 22.o‑A da LIR não excluam formalmente essa possibilidade.

432    Com efeito, qualquer interpretação noutro sentido seria contrária à finalidade do artigo 22.o‑A da LIR, que, como sublinha a administração fiscal luxemburguesa na circular de 27 de novembro de 2002, consiste em diferir no tempo a tributação de eventuais mais‑valias, e não em fazer com que as mesmas acabem por escapar a qualquer tributação.

433    Aliás, essa interpretação resulta, em substância, das precisões fornecidas durante o procedimento administrativo pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo na sua carta de 31 de janeiro de 2018 enviada à Comissão.

434    Sobre a questão de saber se um ZORA é um instrumento de participação, na aceção do artigo 166.o da LIR, e um título, na aceção do artigo 164.o da LIR, o Grão‑Ducado do Luxemburgo precisou claramente que «os ZORA emitidos respetivamente pela [LNG Supply] e pela [GSTM] [deviam] conservar a sua qualificação como contrato de mútuo e [eram] de facto excluídos do âmbito de aplicação dos artigos 164.o e 166.o da LIR aplicáveis aos rendimentos de participações».

435    Por outras palavras, como sustentou o Grão‑Ducado do Luxemburgo durante o procedimento administrativo, embora um ZORA deva conservar a sua qualificação como contrato de mútuo, decorre daí que qualquer rendimento auferido ao abrigo desse contrato não pode beneficiar de uma isenção de imposto com base no artigo 166.o da LIR, que diz respeito aos rendimentos de participações.

436    Por conseguinte, a Comissão não cometeu um erro ao concluir que o critério relativo à redução da carga fiscal estava, no caso vertente, preenchido.

–       Quanto ao critério relativo à utilização de uma via jurídica inadequada

437    No que respeita ao terceiro critério, a saber, a utilização de uma via jurídica inadequada, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Engie insistem no facto de que, no caso em apreço, era adequado recorrer a um ZORA indireto, a saber, que implica a intervenção de uma sociedade intermédia, para financiar a transferência para as filiais dos setores de atividades em causa.

438    A estrutura de financiamento, contrariamente ao que sustenta a Comissão, é adequada e não equivalente a outras vias de financiamento, tais como um financiamento através de um empréstimo ou por fundos próprios. A Engie sublinha que, em caso de injeção de capital, as filiais seriam sobrecapitalizadas, o que não permite beneficiar de um efeito de alavanca e de uma margem de negociação suficiente com os investidores terceiros. Do mesmo modo, em caso de empréstimo, as filiais seriam obrigadas a proceder ao reembolso em numerário, o que não acontece no âmbito do ZORA.

439    Em todo o caso, a Engie reivindica o direito de poder optar pela via de financiamento menos tributada e acusa a Comissão de ter imposto, para concluir pelo caráter inadequado da estrutura de financiamento, a sua própria interpretação da intenção do legislador luxemburguês, referindo‑se erradamente ao objetivo do sistema luxemburguês de tributação das sociedades.

440    A este respeito, importa antes de mais salientar que, em conformidade com a carta do Grão‑Ducado do Luxemburgo de 31 de dezembro de 2018 referida no considerando 297 da decisão impugnada, o requisito relativo à utilização de uma via jurídica inadequada visa a situação jurídica em que um contribuinte opta por uma via que se encontra em conflito imediato com a intenção manifesta do legislador, que corresponde à finalidade ou ao espírito da lei.

441    Ora, embora seja verdade que a complexa montagem financeira criada pela Engie, tida em conta nas DFA em causa, permite financiar a transferência dos setores de atividades para as filiais em causa, esta conduz igualmente, na realidade, e como a Comissão observou com razão nos considerandos 304 e 305 da decisão impugnada, à não tributação dos acréscimos sobre o ZORA.

442    Assim, a via de financiamento privilegiada pela Engie não pode ser qualificada de adequada, na medida em que se encontra em conflito imediato com a intenção do legislador luxemburguês, que não pode razoavelmente ser, em matéria fiscal, a promoção de complexas montagens financeiras que conduzem, na realidade, a uma dupla não tributação dos rendimentos distribuídos, tanto ao nível de uma filial como da sua sociedade‑mãe.

443    Neste sentido, a Comissão não cometeu nenhum erro de apreciação ao indicar, no considerando 305 da decisão impugnada, que o tratamento fiscal avalizado pelas DFA em causa estava em oposição direta com o objetivo do sistema luxemburguês de tributação das sociedades, em aplicação do qual os lucros realizados por uma sociedade, tal como registados nas suas contas, devem, em princípio, ser tributados. Esse objetivo decorre de uma leitura conjugada das disposições que constituem o sistema luxemburguês de tributação das sociedades, mencionadas nos considerandos 78 a 81 da decisão impugnada.

444    Deste modo, não se pode acusar a Comissão de ter arbitrariamente definido o objetivo do sistema luxemburguês de tributação das sociedades e de, em substância, ter substituído a intenção do legislador luxemburguês pela sua.

445    Existiam outras vias de financiamento facilmente acessíveis que, como sublinha com razão a Comissão nos considerandos 304 e 310 da decisão impugnada, ao mesmo tempo que asseguravam o financiamento da transferência para as filiais dos setores de atividades em causa, conduziam à realização de um lucro tributável ao nível, sempre que adequado, das filiais, das sociedades intermédias ou ainda das sociedades holding envolvidas.

446    Desde logo, através de um instrumento de fundos próprios, as filiais podiam beneficiar de fundos próprios adicionais num montante idêntico, no presente caso, ao montante nominal do ZORA em causa. Nesta hipótese, os lucros realizados pelas filiais seriam tributados, à luz designadamente dos artigos 164.o e 166.o da LIR, ao nível destas últimas ou ao nível das sociedades holding envolvidas.

447    Em seguida, em caso de financiamento da transferência do setor de atividade através de um empréstimo sem capitalização contraído junto de uma sociedade do grupo, os lucros realizados pelas filiais durante a vigência do empréstimo seriam igualmente tributados ao nível das mesmas. Além disso, os juros gerados pelo empréstimo seriam, na verdade, dedutíveis ao nível das filiais, mas tributados ao nível das sociedades intermédias ou das sociedades holding envolvidas, dependendo das sociedades que, nessa hipótese, fossem as sociedades credoras.

448    Por último, o mesmo acontece, à luz dos n.os 425 a 435, supra, caso seja celebrado um ZORA direto entre as filiais e as sociedades holding envolvidas, como sustentou com razão a Comissão, no considerando 304 da decisão impugnada, e contrariamente ao que alegam o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Engie.

449    Por conseguinte, outras vias jurídicas podiam ser consideradas adequadas para financiar, no caso vertente, a transferência para as filiais dos setores de atividades.

–       Quanto ao critério relativo à ausência de motivos não fiscais

450    No que respeita ao último critério, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Engie sustentam que a operação de financiamento não prosseguia uma finalidade exclusivamente fiscal e que era motivada por razões económicas válidas. Com efeito, era economicamente justificado, segundo a Engie, financiar a atividade através de um ZORA indireto.

451    Além de só ter sido inserida uma cláusula antiabuso na Diretiva Mãe‑Filial com a reforma ocorrida em 2015, resulta da cláusula antiabuso da Diretiva 2016/1164 que uma transação não é considerada abusiva se for criada por motivos comerciais válidos que refletem a realidade económica.

452    Do mesmo modo, a Comissão não podia basear‑se na simples intervenção de sociedades intermédias e na mera utilização de produtos financeiros complexos para concluir pelo caráter abusivo de uma operação. Tanto assim é que um ZORA celebrado entre duas sociedades, sem a intervenção de uma sociedade intermédia, pode conduzir, segundo o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Engie, a um resultado idêntico nos termos do artigo 22.o‑A da LIR.

453    A este respeito, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Engie tiveram desde logo dificuldade em demonstrar a razão pela qual um financiamento, nomeadamente através de uma injeção de capital, não seria um instrumento de financiamento válido pelo facto de alegadamente aumentar o risco financeiro das filiais. Com efeito, durante o processo judicial, não apresentaram nenhum elemento de prova que permitisse demonstrar que as vias alternativas contempladas pela Comissão nos considerandos 304, 309 e 310 da decisão impugnada, designadamente a injeção de capital, teriam aumentado os riscos suportados pelas filiais no quadro da montagem avalizada pelas DFA em causa.

454    Se fosse efetuada uma injeção de capital que ascendesse ao montante nominal do ZORA em causa, a filial poderia, a priori, financiar a atividade transferida, suportando simultaneamente um risco equivalente ao incorrido na hipótese de os acréscimos sobre o ZORA serem negativos.

455    Com efeito, em caso de aumento de capital, as filiais poderiam beneficiar de fundos próprios de um montante equivalente ao empréstimo de que beneficiavam em aplicação do ZORA emitido pelas sociedades intermédias.

456    Essa injeção de capital seria igualmente acompanhada de uma emissão de novas ações, da mesma forma que para o reembolso do ZORA. Além disso, as ações emitidas na sequência da conversão do ZORA em causa, na hipótese de acréscimos positivos, incluem o montante nominal do empréstimo e os referidos acréscimos, ao contrário de um simples aumento de capital que seria efetuado apenas no montante nominal do empréstimo, pelo que o argumento relativo ao risco de sobrecapitalização não pode utilmente vingar.

457    Do mesmo modo, como sublinha com razão a Comissão no considerando 309 da decisão impugnada, o capital inicial de uma filial é afetado da mesma forma pelas perdas eventualmente incorridas, quer na hipótese de uma injeção de capital quer na hipótese de um ZORA, se as perdas excederem o montante da injeção ou o montante nominal desse ZORA.

458    Além disso, o risco financeiro recai de forma equivalente sobre as sociedades holding envolvidas, tanto no caso uma injeção de capital como no presente caso com a emissão indireta de um ZORA. Na hipótese de uma injeção de capital, se as perdas excederem a injeção de capital, as partes sociais correspondentes terão um valor reduzido e, na hipótese de acréscimos negativos no âmbito de um ZORA, a entidade emitente suportará o risco de o seu crédito diminuir e atingir, se for o caso, um valor inferior ao montante nominal do ZORA em causa.

459    Assim, embora um contribuinte não possa ser censurado por optar pela via jurídica menos tributada, tal já não acontece quando, existindo outras vias adequadas, a via jurídica que foi privilegiada tem uma finalidade exclusivamente fiscal e, na realidade, conduz a uma ausência de tributação.

460    O argumento relativo à escolha do financiamento remunerado em função do desempenho das filiais deve também ser rejeitado.

461    Embora seja verdade que, no âmbito de um ZORA, a sociedade emitente é tanto mais remunerada quanto a sociedade subscritora realiza lucros, essa remuneração em função do desempenho pode igualmente ser obtida em caso de financiamento por injeção de capital, na medida em que se manifesta simplesmente através de lucros distribuíveis mais elevados.

462    Do mesmo modo, supondo que o recurso a um ZORA se justifica pela mera preocupação de escolher um instrumento de financiamento remunerado em função do desempenho das filiais, esse objetivo pode igualmente ser atingido por um ZORA direto, em vez de um ZORA indireto, que, conforme resulta dos n.os 448 e 449, supra, conduz, contrariamente ao primeiro, a uma quase total ausência de tributação dos acréscimos sobre o ZORA das filiais.

463    Por conseguinte, há que julgar improcedentes os argumentos apresentados para demonstrar a existência de motivos não fiscais.

–       Quanto ao tratamento preferencial das sociedades do grupo Engie

464    O Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Engie alegam, em todo o caso, que, supondo que a Disposição Relativa ao Abuso de Direito seja aplicável, a Comissão não demonstrou um tratamento preferencial das sociedades do grupo Engie em relação a outras sociedades que se encontrem numa situação factual e jurídica comparável.

465    Do mesmo modo, a proibição da estrutura de financiamento pelo seu caráter eventualmente abusivo conduz, segundo o Grão‑Ducado do Luxemburgo, a uma violação da liberdade de estabelecimento, consagrada no artigo 49.o TFUE.

466    A este respeito, importa recordar que o critério pertinente para demonstrar a seletividade de uma medida consiste em verificar se a mesma introduz, entre operadores que se encontrem, à luz do objetivo prosseguido pelo regime fiscal geral em causa, numa situação factual e jurídica comparável, uma diferenciação não justificada pela natureza e pela economia desse regime (Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 60).

467    Mais precisamente, o requisito relativo à seletividade encontra‑se preenchido quando a Comissão conseguir demonstrar que uma medida nacional que confere uma vantagem fiscal derroga o regime fiscal comum ou «normal» aplicável no Estado‑Membro em causa, introduzindo, assim, através dos seus efeitos concretos, um tratamento diferenciado entre operadores, quando os operadores a quem é concedida a vantagem fiscal e os que dela são excluídos se encontram, à luz do objetivo prosseguido pelo referido regime fiscal desse Estado‑Membro, numa situação factual e jurídica comparável (Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 67).

468    Ora, na medida em que os critérios para declarar a existência de um abuso de direito se encontravam preenchidos no presente caso, não se pode contestar utilmente que o grupo Engie beneficiou, devido à não aplicação, nas DFA em causa, da Disposição Relativa ao Abuso de Direito, de um tratamento fiscal preferencial, como acertadamente sublinhou a Comissão no considerando 312 da decisão impugnada.

469    Com efeito, à luz do objetivo prosseguido pela Disposição Relativa ao Abuso de Direito, a saber, a luta, em matéria fiscal, contra os comportamentos abusivos, a Engie e, em especial, as sociedades holding envolvidas encontram‑se numa situação factual e jurídica comparável à de todos os contribuintes luxemburgueses, que também não podem legitimamente esperar beneficiar da não aplicação da Disposição Relativa ao Abuso de Direito nos casos em que estejam preenchidos os requisitos para a sua aplicação.

470    A existência de uma discriminação é ainda mais notória pelo facto de, no passado, a administração luxemburguesa já ter aplicado a Disposição Relativa ao Abuso de Direito. Assim, num acórdão proferido em 7 de fevereiro de 2013, junto em anexo à petição no processo T‑516/18, o Supremo Tribunal Administrativo do Grão‑Ducado do Luxemburgo confirmou uma sentença de primeira instância em que eram partes o diretor das contribuições diretas e uma sociedade, no que respeita à aplicação a esta última da Disposição Relativa ao Abuso de Direito.

471    Assim, a administração fiscal luxemburguesa reservou ao grupo Engie a não aplicação da Disposição Relativa ao Abuso de Direito.

472    Por conseguinte, a Comissão demonstrou, de forma juridicamente bastante, uma derrogação ao quadro de referência que inclui a Disposição Relativa ao Abuso de Direito.

–       Quanto à alegada violação da liberdade de estabelecimento

473    O Grão‑Ducado do Luxemburgo alega que a proibição da montagem financeira devido ao seu caráter alegadamente abusivo conduz a uma violação da liberdade de estabelecimento, na aceção do artigo 49.o TFUE.

474    É forçoso salientar que, sendo a situação em causa puramente interna, o artigo 49.o TFUE não é, em princípio, aplicável. Além disso, supondo que a liberdade de estabelecimento é aplicável, a existência de uma eventual restrição pode ser justificada pela própria luta contra o abuso de direito (v., neste sentido, Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, N Luxembourg 1 e o., C‑115/16, C‑118/16, C‑119/16 e C‑299/16, EU:C:2019:134, n.o 177).

475    Com efeito, existe, no direito da União, um princípio geral de direito segundo o qual os particulares não podem invocar de forma fraudulenta ou abusiva as normas do direito da União. Esse princípio visa, nomeadamente, impedir a realização de operações puramente formais ou artificiais, desprovidas de qualquer justificação económica e comercial, com o objetivo essencial de beneficiar de uma vantagem indevida (Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, N Luxembourg 1 e o., C‑115/16, C‑118/16, C‑119/16 e C‑299/16, EU:C:2019:134, n.os 96 e 125).

476    É precisamente o caso na presença de uma montagem artificial no âmbito da qual, graças à intervenção de uma entidade interposta na estrutura do grupo entre a sociedade distribuidora do rendimento e a sociedade beneficiária efetiva do mesmo, é evitado o pagamento do imposto sobre o referido rendimento (v., neste sentido, Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, N Luxembourg 1 e o., C‑115/16, C‑118/16, C‑119/16 e C‑299/16, EU:C:2019:134, n.o 127).

477    Por conseguinte, a Comissão conseguiu demonstrar a seletividade das DFA em causa, associando‑a ao facto de estas derrogarem a aplicação da Disposição Relativa ao Abuso de Direito num caso em que, porém, estavam preenchidos os requisitos da sua aplicação.

478    Por conseguinte, há que julgar improcedentes os primeiro e segundo fundamentos do recurso no processo T‑516/18 e os segundo e terceiro fundamentos do recurso no processo T‑525/18, relativos ao facto de alegadamente a Comissão ter errado ao concluir no sentido da seletividade das DFA em causa à luz do quadro de referência restrito e da Disposição Relativa ao Abuso de Direito, sem que seja necessário, em todo o caso, pronunciar‑se sobre o mérito dos argumentos aduzidos contra as outras linhas de raciocínio.

6.      Quanto ao quarto fundamento no processo T525/18, relativo à qualificação errada das DFA em causa como auxílios individuais

479    A Engie sublinha que a seletividade de uma decisão fiscal antecipada individual só pode ser demonstrada por referência aos textos e à prática administrativa aplicáveis ao dispositivo fiscal em causa.

480    Ora, se a Comissão tivesse em conta os textos e a prática administrativa aplicáveis às DFA em causa, devia, segundo a Engie, como na Decisão (UE) 2016/1699 da Comissão, de 11 de janeiro de 2016, relativa ao regime de auxílios estatais de isenção em matéria de lucros excedentários SA.37667 (2015/C) (ex 2015/NN) concedido pela Bélgica (JO 2016, L 260, p. 61), ter identificado um regime de auxílios.

481    Com efeito, a Engie sublinha que, em aplicação de decisões fiscais antecipadas idênticas, outras empresas beneficiam da mesma estrutura de financiamento, o que seria confirmado pelas declarações do membro da Comissão responsável pela concorrência.

482    Além disso, a Comissão teria reconhecido na decisão impugnada que as estruturas de financiamento validadas pelas DFA em causa estavam «aberta[s] a qualquer grupo no Luxemburgo» e que era possível que «uma dada categoria de empresas — os grupos de empresas que utilizam um ZORA direto — pudesse beneficiar também do mesmo tratamento fiscal».

483    Na réplica, a Engie acrescenta que a Comissão devia ter demonstrado que, apesar do seu caráter geral, as disposições em que se baseiam as DFA em causa eram, em si mesmas, suscetíveis de conduzir à concessão de uma vantagem seletiva.

484    Relativamente à existência de um eventual regime de auxílios, a Comissão sublinha, por um lado, que os grupos de sociedades que utilizam um ZORA direto não podem beneficiar do mesmo tratamento fiscal que o grupo Engie, como decorre expressamente da decisão impugnada. A Comissão alega, por outro lado, que não pode ser impedida de concluir pela existência de um auxílio individual, mesmo que esse auxílio faça parte de um regime mais amplo. A referência à decisão proferida no processo do regime belga de isenção em matéria de lucros excedentários e ao método seguido nessa decisão pela Comissão é, assim, totalmente irrelevante.

485    A este respeito, independentemente da questão da existência de decisões fiscais antecipadas idênticas, importa sublinhar que a Comissão pode considerar que uma medida de aplicação de um regime geral é um auxílio individual sem ter previamente de demonstrar, mesmo que seja o caso, que as disposições em que se baseia o referido regime constituem um regime de auxílios (v., por analogia, Acórdão de 9 de junho de 2011, Comitato «Venezia vuole vivere» e o./Comissão, C‑71/09 P, C‑73/09 P e C‑76/09 P, EU:C:2011:368, n.o 63).

486    Por outro lado, resulta claramente dos n.os 382 e 477, supra, que a Comissão demonstrou, de forma juridicamente bastante, que as DFA em causa concediam às sociedades holding envolvidas uma vantagem seletiva, na medida em que derrogavam os artigos 164.o e 166.o da LIR e a Disposição Relativa ao Abuso de Direito.

487    Por conseguinte, a Comissão não cometeu nenhum erro de direito ao considerar as DFA em causa como um auxílio individual.

488    Por conseguinte, há que julgar improcedente o quarto fundamento de recurso no processo T‑525/18.

7.      Quanto ao sétimo fundamento no processo T525/18 e ao quinto fundamento no processo T516/18, relativos, a título subsidiário, a um erro de direito na obrigação de recuperação dos auxílios alegadamente concedidos

489    Segundo o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Engie, a Comissão violou os princípios gerais da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima ao ordenar, nos termos do artigo 2.o da decisão impugnada, a recuperação do auxílio.

490    Antes de mais, a abordagem da Comissão, baseada na verificação de um efeito vantajoso da conjugação de duas medidas fiscais, devido ao seu caráter inovador, não era previsível, tanto para o Grão‑Ducado do Luxemburgo como para a Engie.

491    O caráter inovador dessa abordagem resulta, por maioria de razão, por um lado, do estudo da seletividade das DFA em causa à luz do objetivo do quadro de referência que inclui as disposições que fundamentam o sistema luxemburguês de tributação das sociedades e, por outro, da não aplicação da Disposição Relativa ao Abuso de Direito.

492    Assim, a imprevisibilidade da decisão impugnada exigia, segundo a Engie, uma derrogação à obrigação de recuperação do auxílio, em conformidade com os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima.

493    Em seguida, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Engie recordam que, na sua prática, a Comissão já atenuou a obrigação de recuperação de um auxílio no caso de «a complexidade da análise das medidas fiscais à luz das regras em matéria de auxílios de Estado [ser] geradora de insegurança jurídica».

494    Por último, segundo a Engie, a Comissão violou a segurança jurídica ao proceder a uma harmonização fiscal disfarçada das disposições luxemburguesas, que eram claras e precisas e não deixavam nenhuma margem de apreciação às autoridades luxemburguesas no quadro da adoção de decisões fiscais antecipadas.

495    A Comissão contesta o mérito de todos esses argumentos. Explica que não violou de forma alguma o princípio da segurança jurídica ao ordenar a recuperação do auxílio concedido, acrescentando que a complexidade alegada pela Engie resulta não do seu raciocínio, mas da montagem fiscal criada pela Engie e validada nas DFA em causa pela administração fiscal luxemburguesa. Além disso, o raciocínio da Comissão nada tem de inédito e assenta em fundamentos clássicos em matéria de auxílios de Estado.

496    A este respeito, importa recordar que, nos termos do artigo 16.o do Regulamento 2015/1589, nas decisões negativas relativas a auxílios ilegais, a Comissão decidirá que o Estado‑Membro em causa deve tomar todas as medidas necessárias para recuperar o auxílio do beneficiário, exceto se tal for contrário a um princípio geral de direito da União.

497    Ora, no caso em apreço, a Comissão não cometeu nenhum erro de direito ao impor ao Grão‑Ducado do Luxemburgo, nos termos do artigo 2.o da decisão impugnada, a recuperação do auxílio. Contrariamente ao que alegam o Grão‑Ducado do Luxemburgo e a Engie, essa obrigação não viola o princípio da segurança jurídica nem o princípio da confiança mútua.

498    Em primeiro lugar, o princípio da segurança jurídica, que faz parte dos princípios gerais do direito da União, exige que as normas jurídicas sejam claras, precisas e previsíveis nos seus efeitos, para que os interessados se possam orientar nas situações e nas relações jurídicas abrangidas pela ordem jurídica da União (Acórdão de 8 de dezembro de 2011, France Télécom/Comissão, C‑81/10 P, EU:C:2011:811, n.o 100).

499    Por outras palavras, os interessados devem poder conhecer com exatidão a extensão das obrigações que a legislação da União lhes impõe e conhecer sem ambiguidade os seus direitos e obrigações e agir em conformidade (Acórdão de 11 de dezembro de 2012, Comissão/Espanha, C‑610/10, EU:C:2012:781, n.o 49).

500    Ora, no caso vertente, embora, na verdade, o raciocínio da Comissão fosse aplicável a uma decisão fiscal antecipada, o mesmo não era de forma alguma inédito na prática decisória.

501    Do mesmo modo, a forma como a Comissão demonstrou a seletividade das DFA em causa baseia‑se num raciocínio usual da Comissão e numa jurisprudência constante em matéria de auxílios de Estado.

502    De resto, como refere, com razão, a Comissão, a verdadeira complexidade que pode ser salientada no presente processo diz respeito à montagem fiscal criada pelo grupo Engie e aprovada pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo para efeitos de financiamento da transferência dos setores de atividades para as filiais do grupo Engie.

503    Por conseguinte, a Comissão não violou o princípio da segurança jurídica ao ordenar a recuperação do auxílio.

504    Em segundo lugar, impõe‑se a mesma conclusão no que respeita ao princípio da proteção da confiança legítima.

505    Com efeito, o princípio da proteção da confiança legítima, princípio fundamental do direito da União, permite que qualquer operador económico em quem uma instituição tenha feito nascer esperanças fundadas possa invocá‑las (Acórdão de 22 de abril de 2016, França/Comissão, T‑56/06 RENV II, EU:T:2016:228, n.o 42).

506    Ora, tendo em conta o caráter imperativo da fiscalização dos auxílios de Estado efetuada pela Comissão, em princípio, as empresas beneficiárias de um auxílio só podem ter uma confiança legítima na regularidade do auxílio se este tiver sido concedido no respeito pelo procedimento previsto no artigo 108.o TFUE (Acórdão de 12 de setembro de 2007, Itália/Comissão, T‑239/04 e T‑323/04, EU:T:2007:260, n.o 154).

507    Do mesmo modo, pelo seu comportamento, a Comissão não gerou esperanças fundadas quanto à regularidade das DFA em causa à luz do direito dos auxílios de Estado.

508    Assim sendo, a Comissão não violou o princípio da proteção da confiança legítima ao ordenar a recuperação do auxílio.

509    Por conseguinte, há que julgar improcedente o sétimo fundamento de recurso no processo T‑525/18 e o quinto fundamento de recurso no processo T‑516/18 e, consequentemente, negar provimento aos recursos no seu todo.

V.      Quanto às despesas

A.      No processo T516/18

510    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Grão‑Ducado do Luxemburgo sido vencido, há que condená‑lo a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão, em conformidade com o pedido desta última.

511    Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas. A Irlanda suportará, portanto, as suas próprias despesas.

B.      No processo T525/18

512    Tendo a Engie sido vencida, há que condená‑la, nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão, em conformidade com o pedido desta última.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção alargada)

decide:

1)      Os processos T516/18 e T525/18 são apensados para efeitos do acórdão.

2)      É negado provimento aos recursos.

3)      O GrãoDucado do Luxemburgo suportará, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão Europeia no processo T516/18.

4)      A Engie Global LNG Holding Sàrl, a Engie Invest International SA e a Engie suportarão, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão no processo T525/18.

5)      A Irlanda suportará as suas próprias despesas.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de maio de 2021.

Assinaturas

Índice



*Língua do processo: francês.


1      Dados confidenciais ocultados.