Language of document : ECLI:EU:T:2006:10

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

12 de Janeiro de 2006 (*)

«Marca comunitária − Marca figurativa que inclui o elemento nominativo ‘quantum’ − Oposição do titular da marca figurativa nacional Quantième – Motivo relativo de recusa – Risco de confusão – Artigo 8.°, n.° 1, alínea b), artigo 15.°, n.° 2, e artigo 43.°, n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 40/94»

No processo T‑147/03,

Devinlec Développement innovation Leclerc SA, com sede em Toulouse (França), representada por J.‑P. Simon, advogado,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por J. Novais Gonçalves e A. Folliard‑Monguiral, na qualidade de agentes,

recorrido,

sendo a outra parte na Câmara de Recurso do IHMI, interveniente no Tribunal de Primeira Instância,

TIME ART Uluslararasi Saat Ticareti ve diş Ticaret AŞ, com sede em Istambul (Turquia), representada por F. Jacobacci, advogado,

que tem por objecto um recurso interposto da Decisão da Terceira Câmara de Recurso do IHMI, de 30 de Janeiro de 2003 (processo R 109/2002‑3), relativa a um processo de oposição entre a Devinlec Développement innovation Leclerc SA e a TIME Art Uluslararasi Saat Ticareti ve diş Ticaret AŞ,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),

composto por: H. Legal, presidente, P. Mengozzi e I. Wiszniewska‑Białecka, juízes,

secretário: B. Pastor, secretário adjunto,

vista a petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 30 de Abril de 2003,

vista a contestação entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 24 de Outubro de 2003,

vista a contestação da interveniente entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 28 de Outubro de 2003,

após a audiência de 30 de Junho de 2005,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 8 de Setembro de 1997, a sociedade TIME ART Uluslararasi Saat Ticareti ve diş Ticaret AŞ (a seguir «interveniente») apresentou, nos termos do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), alterado, um pedido de registo de marca comunitária no Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI).

2        A marca cujo registo foi pedido é o seguinte sinal figurativo:

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3        Os produtos para os quais o registo da marca foi pedido pertencem à classe 14, na acepção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, revisto e alterado, e correspondem à seguinte descrição: «Relógios de pulso ou de bolso, relógios de parede ou de sala e peças para os mesmos, vidros de relógios, caixas de relógios, correias de relógios, correias/braceletes de relógios, faixas de relógios, estojos para relógios de pulso ou de bolso e para relógios de parede ou de sala».

4        Em 17 de Agosto de 1998, esse pedido foi publicado no Boletim das Marcas Comunitárias n.° 62/98.

5        Em 9 de Novembro de 1998, a sociedade Devinlec Développement innovation Leclerc SA (a seguir «recorrente») opôs‑se ao pedido de registo da marca pedida, baseando‑se na marca figurativa anterior, registada em França em 11 de Dezembro de 1987 sob o número 1 555 274, a seguir reproduzida:

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6        Os produtos para os quais a marca anterior está registada correspondem à seguinte descrição, na acepção do referido Acordo de Nice:

–        classe 14: «Relógios de pulso e de bolso, relógios de parede ou de sala e braceletes de relógios, bijuteria»;

–        classe 18: «Couros e imitação de couro.»

7        A oposição, baseada no motivo relativo de recusa que consta no artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, dirigia‑se a todos os produtos objecto do pedido de registo.

8        Em 10 de Março de 1999, a interveniente, nos termos do artigo 43.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 40/94, pediu que a recorrente provasse a utilização da marca anterior.

9        Para demonstrar a utilização séria da marca anterior, a recorrente apresentou vários objectos e documentos, designadamente relógios de pulso e de bolso, facturas, material promocional, artigos de imprensa e uma declaração de honra emitida pelo seu director.

10      Todos esses elementos revelam que a marca anterior tinha sido utilizada em França para «relógios de pulso ou de bolso e correias de relógios» sob o sinal figurativo a seguir reproduzido:

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11      Por decisão de 30 de Novembro de 2001, a Divisão de Oposição decidiu da oposição. Por um lado, a Divisão de Oposição considerou que a recorrente tinha provado a utilização da marca anterior, sem que esta utilização sob o sinal figurativo, acima reproduzido no n.° 10, tenha alterado o carácter distintivo da marca anterior. Por outro, acolheu a oposição pelo facto de os produtos designados pelas marcas em conflito serem parcialmente idênticos e parcialmente semelhantes e os sinais terem um grau suficiente de semelhança visual, fonética e conceptual, de modo que existia risco de confusão no espírito do público relevante.

12      Em 29 de Janeiro de 2002, a interveniente interpôs recurso no IHMI da decisão da Divisão de Oposição.

13      Por decisão de 30 de Janeiro de 2003 (a seguir «decisão impugnada»), a Terceira Câmara de Recurso anulou a decisão da Divisão de Oposição e, portanto, rejeitou a oposição. No essencial, a Câmara de Recurso considerou que, apesar da identidade e da semelhança dos produtos designados pelas marcas em conflito, era necessário ter em consideração as circunstâncias em que os produtos designados pela marca anterior eram comercializados e o facto de os relógios de pulso ou de bolso e as correias de relógios dessa marca serem apenas vendidos ao consumidor final nos centros comerciais E. Leclerc. Nestas condições, a Câmara de Recurso considerou que as semelhanças visual e fonética entre as marcas em conflito e a sua possível alusão comum ao conceito de quantidade não conduzem o consumidor médio, se encontrar a marca pedida em «relógios de pulso ou de bolso, relógios de parede ou de sala, correias/braceletes de relógios e estojos para relógios de pulso ou de bolso e para relógios de parede ou de sala» em lojas diferentes dos centros comerciais E. Leclerc, a considerar que os produtos designados pelas marcas em conflito provêm da mesma empresa ou de empresas relacionadas (n.os 39 e 40 da decisão impugnada).

 Pedidos das partes

14      A recorrente conclui pedindo ao Tribunal que se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        indeferir o pedido de registo da marca pedida;

–        condenar o IHMI nas despesas;

–        condenar a interveniente nas despesas do procedimento administrativo no IHMI.

15      O IHMI concluiu pedindo ao Tribunal que se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

16      A interveniente conclui pedindo ao Tribunal que se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        anular a decisão impugnada na parte em que lhe causa prejuízo.

 Questão de direito

17      No seu primeiro pedido, a recorrente suscita dois fundamentos. O primeiro fundamento é relativo à violação da regra 50 do Regulamento (CE) n.° 2868/95 da Comissão, de 13 de Dezembro de 1995, relativo à execução do Regulamento n.° 40/94 (JO L 303, p. 1). O segundo fundamento é relativo à violação do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 e dos «princípios gerais do direito das marcas».

18      A interveniente invoca, por sua vez, um fundamento autónomo de anulação da decisão impugnada, baseado na violação do artigo 15.°, n.° 2, e do artigo 43.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94.

19      O Tribunal de Primeira Instância analisará, em primeiro lugar, o fundamento autónomo invocado pela interveniente e depois os segundo e primeiro fundamentos suscitados pela recorrente.

 Quanto ao fundamento autónomo da interveniente, relativo à violação do artigo 15.°, n.° 2 e do artigo 43.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94

 Argumentos das partes

20      A interveniente pede que o Tribunal de Primeira Instância declare que a Câmara de Recurso não teve razão ao considerar que a marca anterior, tal como tinha sido utilizada pela recorrente, não tinha alterado o carácter distintivo do sinal anteriormente registado na França. Por conseguinte, a interveniente pede também que o Tribunal de Primeira Instância declare que as provas de utilização séria da marca anterior, apresentadas pela recorrente ao IHMI durante o procedimento administrativo, eram insuficientes e que a Câmara de Recurso violou o artigo 43.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94.

21      Na audiência, a recorrente e o IHMI defenderam que a decisão impugnada devia ser confirmada quanto a este ponto.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

22      O artigo 15.° do Regulamento n.° 40/94, intitulado «Utilização da marca comunitária», dispõe:

«1.      Se, num prazo de cinco anos a contar do registo, o titular não tiver utilizado seriamente a marca comunitária na Comunidade, para os produtos ou serviços para que foi registada, ou se essa utilização tiver sido suspensa por um período ininterrupto de cinco anos, a marca comunitária será sujeita às sanções previstas no presente regulamento, excepto se houver motivos que justifiquem a sua não utilização.

2.      São igualmente consideradas como ‘utilização’, na acepção do n.° 1:

a)      O emprego da marca comunitária sob uma forma que difira em elementos que não alterem o carácter distintivo da marca na forma sob a qual foi registada;

[…]»

23      O artigo 43.° do Regulamento n.° 40/94, intitulado «Exame da oposição», dispõe:

«2.      A pedido do requerente, o titular de uma marca comunitária anterior que tenha deduzido oposição, provará que, nos cinco anos anteriores à publicação do pedido de marca comunitária, a marca comunitária anterior foi objecto de uma utilização séria na Comunidade em relação aos produtos ou serviços para que foi registada e em que se baseia a oposição, ou que existem motivos justificados para a sua não utilização, desde que, nessa data, a marca anterior esteja registada há, pelo menos, cinco anos. Na falta dessa prova, a oposição será rejeitada. Se a marca comunitária anterior tiver sido utilizada apenas para uma parte dos produtos ou serviços para que foi registada, só se considera registada, para efeitos de análise da oposição, em relação a essa parte dos produtos ou serviços.

3.      O n.° 2 é aplicável às marcas nacionais anteriores referidas no n.° 2, alínea a), do artigo 8.°, partindo‑se do princípio de que a utilização na Comunidade é substituída pela utilização no Estado‑Membro em que a marca nacional anterior se encontre protegida.

[…]»

24      No caso vertente, há que recordar que a decisão impugnada confirmou a apreciação da Divisão de Oposição de que a recorrente produzira prova de utilização séria da marca nacional anterior, nos termos do artigo 43.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 40/94, sem que o sinal utilizado pela recorrente, acima reproduzido no n.° 10, alterasse o carácter distintivo da marca na forma sob a qual tinha sido registada na França, acima reproduzido no n.° 5. Em especial, a Câmara de Recurso observou, no n.° 11 da decisão impugnada, que as diferenças no tipo de caracteres e na estilização da letra «q» da marca anterior não alteram o seu carácter distintivo, uma vez que resulta claramente das provas fornecidas no âmbito do processo de oposição que essa letra não é compreendida isoladamente do termo a que pertence e que constituía o elemento essencial da marca anterior. Além disso, a Câmara de Recurso assinalou, no n.° 12 da decisão impugnada, que vários recortes de imprensa e diverso material de promoção da marca anterior revelavam que a marca era igualmente utilizada na forma sob a qual tinha sido registada e que a estilização da letra «q» não era evidenciada.

25      Essa apreciação deve ser aprovada.

26      Antes de mais, há que precisar que, por força da aplicação conjugada do artigo 15.°, n.° 2, alínea a), e do artigo 43.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 40/94, a prova da utilização séria de uma marca anterior, nacional ou comunitária, em que se funda a oposição contra um pedido de marca comunitária inclui também a prova da utilização da marca anterior sob uma forma que difira em elementos que não alterem o carácter distintivo dessa marca na forma sob a qual foi registada [v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Julho de 2003, Laboratorios RTB/IHMI – Giorgio Beverly Hills (GIORGIO AIRE), T‑156/01, Colect., p. II‑2789, n.° 44].

27      Em seguida, quanto à questão de saber se, no caso vertente, a utilização do sinal acima reproduzido no n.° 10 constitui, como alega a interveniente, um uso que altera o carácter distintivo da marca nacional anterior, há que concluir que não é esse o caso.

28      A esse respeito, importa referir que os únicos elementos que distinguem a marca nacional anterior, tal como foi registada, do sinal utilizado pela recorrente são, por um lado, a estilização da letra «q», que sugere o mostrador de um relógio e, por outro, o emprego de maiúsculas na designação do elemento nominativo da marca nacional anterior.

29      Ora, em primeiro lugar, embora seja verdade que a estilização da letra «q» é mais acentuada na representação do sinal utilizado do que na da marca nacional anterior, o carácter distintivo da marca anterior baseia‑se, no entanto, sempre na totalidade do elemento nominativo desta marca. Há que precisar entretanto que a estilização da letra «q», que sugere, como acabou de ser dito, o mostrador de um relógio, não apresenta carácter particularmente distintivo dos produtos da classe 14, únicos produtos para os quais a recorrente forneceu provas de utilização da marca anterior. Em segundo lugar, no que respeita ao emprego de maiúsculas, basta referir que o mesmo não tem nenhuma originalidade e também não altera o carácter distintivo da marca nacional anterior.

30      Daí resulta que os elementos de prova fornecidos pela recorrente que se referem ao sinal acima reproduzido no n.° 10 para os produtos da classe 14 «relógios de pulso ou de bolso e correias de relógios» puderam validamente ser tomados em consideração pela Câmara de Recurso para apreciar se a recorrente demonstrara a utilização séria da marca nacional anterior.

31      Uma vez que a interveniente não contesta a apreciação desses elementos de prova pela Câmara de Recurso, como também não contesta a apreciação dos elementos apresentados pela recorrente com vista a demonstrar que esta última tinha também utilizado a marca anterior nacional na forma sob a qual tinha sido registada, o fundamento autónomo da interveniente deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento da recorrente, relativo à violação do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 e dos «princípios gerais do direito das marcas»

 Argumentos das partes

32      A recorrente contesta várias apreciações da Câmara de Recurso relativas à comparação dos produtos designados pelas marcas em conflito, à comparação dos sinais em conflito e à inexistência de risco de confusão.

33      Em primeiro lugar, no que respeita à comparação dos produtos designados pelas marcas em conflito, a recorrente, sem contestar a identidade e a semelhança destes últimos, alega que, no n.° 30 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso se baseou num postulado factual errado. Com efeito, a recorrente contesta a afirmação da Câmara de Recurso segundo a qual os produtos designados pela marca anterior não serão comercializados ao lado dos produtos designados pela marca pedida e só serão vendidos nas lojas dos centros comerciais E. Leclerc.

34      A este respeito, a recorrente salienta que esta afirmação parece basear‑se, em especial, na declaração de honra do seu director, datada de 7 de Maio de 1999, que tinha fornecido entre os documentos destinados a demonstrar a utilização séria da marca anterior. Ora, por um lado, segundo a recorrente, nem essa declaração nem os outros documentos transmitidos ao IHMI permitem concluir que os pontos de venda «Le Manège à Bijoux» dos centros comerciais E. Leclerc − que comercializam os produtos designados pela marca anterior − não comercializam outros produtos idênticos ou semelhantes ou que a comercialização dos produtos designados pela marca anterior será sempre reservada a esses pontos de venda. Por outro lado, a recorrente recorda que a referida declaração e os outros documentos que a acompanhavam foram transmitidos precisamente para efeitos de demonstração da utilização séria da marca anterior entre 1993 e 1998, de modo a evitar a rejeição da oposição. A recorrente salienta que não foi convidada pela Câmara de Recurso a demonstrar, por exemplo, que os pontos de venda dos centros comerciais E. Leclerc podiam comercializar produtos idênticos ou semelhantes com outras marcas. Na medida em que a recorrente afirma que tal possibilidade existe, diz‑se pronta a fornecer todo e qualquer elemento de prova para fundamentar a sua asserção.

35      Em segundo lugar, quanto à comparação das marcas em conflito, a recorrente alega, antes de mais, que a Câmara de Recurso se contradiz no seu exame da marca anterior, uma vez que não efectuou a sua apreciação relativamente a esta marca como foi utilizada, mas como foi registada.

36      A recorrente alega, em seguida, que a Câmara de Recurso cometeu vários erros quanto à comparação visual, fonética e conceptual dos sinais em conflito.

37      No plano visual, embora a recorrente admita a semelhança dos prefixos «quant» acolhida pela decisão impugnada, salienta, no entanto, que a Câmara de Recurso não declarou que os sinais em conflito tinham igualmente em comum a letra «m» e que existia uma semelhança visual entre as letras «i» da marca anterior e «u» da marca pedida. A recorrente alega igualmente que o elemento figurativo em forma de despertador situado em cima do elemento nominativo da marca pedida – elemento gráfico, de resto, desprovido de carácter distintivo para os produtos designados por essa marca –, não constitui um elemento de diferenciação visual entre as marcas em conflito, contrariamente ao que considerou a Câmara de Recurso. Além disso, se o público relevante atribuísse qualquer importância a este elemento figurativo, a recorrente alega que também o atribuiria à estilização da letra «q» da marca anterior, tal como foi utilizada, que lembra também um mostrador de relógio ou um despertador. Ora, nestas circunstâncias, esses elementos reforçam a semelhança visual entre os sinais em conflito.

38      Do ponto de vista fonético, embora a recorrente considere que a Câmara de Recurso teve razão ao considerar que existia uma grande semelhança fonética entre o elemento nominativo da marca pedida e o da marca anterior, salienta, contudo, que a diferença na pronúncia das sílabas finais em conflito («tum» na marca pedida, «tième» na marca anterior), posta em evidência pela Câmara de Recurso, é de pouca importância, em razão da presença da letra «m», comum às marcas em conflito.

39      No plano conceptual, a recorrente alega que a Câmara de Recurso considerou sem razão, nos n.os 37 e 38 da decisão impugnada, que os sinais em conflito eram diferentes. Apoiando‑se numa sondagem realizada em 31 de Maio e 1 de Junho de 2002, a uma amostra do público‑alvo, anexa à petição, a recorrente alega, por um lado, que o público‑alvo não conhece o sentido preciso dos elementos nominativos das marcas em conflito e, por outro, que, mesmo entre a fracção do público‑alvo que crê conhecer o sentido dos elementos nominativos das marcas em conflito, a maioria considera que fazem ambos referência a uma quantidade. Daqui a recorrente deduz que esta circunstância reforça as semelhanças entre os sinais em conflito verificadas nos planos visual e fonético.

40      Em terceiro lugar, relativamente à apreciação da inexistência de risco de confusão entre as marcas em conflito, a recorrente considera que a Câmara de Recurso ignorou o princípio da interdependência entre a semelhança das marcas e a dos produtos que elas designam. Em especial, alega que a Câmara de Recurso cometeu um erro de direito ao considerar que as condições em que os produtos designados pela marca anterior eram comercializados em dado momento constituíam um factor relevante na apreciação global do risco de confusão. A título subsidiário, pede ao Tribunal de Primeira Instância que decida que a Câmara de Recurso atribuiu um peso demasiado importante a esse factor, tendo em consideração as semelhanças entre os produtos e as marcas em conflito verificadas na decisão impugnada. Segundo a recorrente, a decisão impugnada viola a este respeito não apenas a jurisprudência comunitária, mas igualmente os «princípios fundamentais do direito das marcas», em especial os da cessão de uma marca independentemente da empresa que é titular dela e da igualdade de tratamento entre os titulares das marcas. Quanto a este último «princípio», a recorrente precisa que, se a marca anterior tivesse tido menos de cinco anos de existência no momento da publicação do pedido de registo, a recorrente não tinha de demonstrar a utilização séria desta marca e, por consequência, a Câmara de Recurso não poderia utilizar os elementos de prova da utilização da marca anterior que tinha fornecido no decurso do procedimento administrativo no IHMI. Nestas condições, a recorrente considera que a Câmara de Recurso reduziu o alcance da protecção da marca anterior.

41      O IHMI respondeu, em primeiro lugar, que não é contestado que os produtos designados pelas marcas em conflito são parcialmente idênticos e semelhantes.

42      Em segundo lugar, sublinha que o público‑alvo em relação ao qual a apreciação da comparação dos sinais e do risco de confusão deve ser realizada é constituído, no que respeita aos relógios de pulso ou de bolso e às correias/braceletes de relógios, pelo consumidor médio francês, ao passo que, relativamente às peças para relógios de pulso e de bolso, vidros de relógios, caixas de relógios e dos estojos para relógios de pulso ou de bolso e para relógios de parede ou de sala, inclui um público especializado que fabrica ou repara os relógios de pulso ou de bolso, uma vez que os estojos, em especial, não são geralmente vendidos separadamente da venda de um relógio de pulso ou de bolso, de parede ou de sala.

43      Em terceiro lugar, no plano da comparação dos sinais, o IHMI considera que são visual, fonética e conceptualmente diferentes.

44      Do ponto de vista visual, embora o IHMI admita que os elementos nominativos dos sinais em conflito partilham as cinco primeiras letras («quant»), salienta, no entanto, que as suas letras finais são diferentes, que os elementos nominativos são de diferente extensão, em tipos de caracteres diferentes e que a marca pedida inclui também um elemento figurativo que não pode ser ignorado, apesar do facto de que possui carácter distintivo intrínseco contestável para os produtos designados pela marca pedida. Daí o IHMI conclui que os sinais em conflito são visualmente diferentes e podem ser facilmente distinguidos.

45      No plano fonético, o IHMI defende que o grau de semelhança entre os sinais em conflito, que resultam da presença da sílaba comum «quant», é compensado pelas diferenças existentes entre os sons finais dos sinais em conflito («um» na marca pedida, «ième» na marca anterior). O IHMI observa a este respeito que as sílabas finais dos sinais em conflito se pronunciam de forma muito diferente.

46      No plano conceptual, o IHMI recorda que os elementos nominativos dos sinais em conflito possuem ambos significados diferentes que implicam, por consequência, que estes últimos não se podem considerar semelhantes nesse plano. Em especial, segundo o IHMI, é muito provável que o consumidor médio apreenda o termo «quantième» da marca anterior como a designação numérica do dia de um mês que vai de um a trinta e um. Além disso, o IHMI defende que este significado é corrente no comércio de relógios, como confirmam os documentos extraídos de vários sítios Internet francófonos anexos à sua contestação. Por conseguinte, segundo o IHMI, ou o consumidor médio já conhece o referido significado ou pode dele tomar conhecimento através da nota que acompanha a sua compra ou solicitando um conselho ao vendedor. Além disso, o IHMI acrescenta que há que não deixar de ter em conta que o público‑alvo engloba profissionais da indústria da relojoaria, que compreendem sem dúvida alguma o significado do termo «quantième».

47      Segundo o IHMI, esta apreciação não é infirmada pelo argumento da recorrente, baseado na sondagem anexada à sua petição, segundo o qual o público‑alvo estabelece uma relação conceptual entre os sinais em conflito através de uma referência comum à noção de quantidade. Não obstante várias incertezas relativas às condições em que esta sondagem foi realizada, o IHMI realça, em qualquer caso, que aproximadamente 11% das pessoas interrogadas indicaram que o termo «quantum» se referia ao conceito de quantidade, ao passo que um pouco mais de 28% associava o termo «quantième» a esse conceito. Ora, na opinião do IHMI, não apenas estas percentagens não são conclusivas como também a sondagem não permite saber que percentagem do público interrogado respondeu que os dois termos faziam referência ao conceito de quantidade.

48      Em quarto lugar, no que respeita à apreciação do risco de confusão, o IHMI observa antes de mais que, tendo em conta o facto de os produtos designados pelas marcas em conflito não serem comprados regularmente, o consumidor médio atribuirá uma atenção especial a todos os aspectos desses produtos, incluindo as marcas que ostentam. Uma vez que essas compras se efectuam após a confrontação visual dos produtos e das marcas, as diferenças visuais entre as marcas em conflito revestem, portanto, uma importância especial. Em seguida, o IHMI alega que a marca anterior goza de um grau de protecção intrinsecamente fraco em França, na medida em que o seu elemento nominativo é comummente utilizado para descrever uma das características dos produtos em causa. Nestas condições, considera que não existe risco de confusão entre as marcas em conflito, independentemente da questão de saber se determinados produtos que designam são idênticos ou muito semelhantes. Por último, o IHMI assinala que esta conclusão não é posta em causa pelo erro cometido pela Câmara de Recurso quanto à sua tomada em consideração do factor da comercialização especial dos produtos designados pela marca anterior para efeitos de apreciação do risco de confusão.

49      A interveniente considera, em primeiro lugar, que a recorrente não tem razão ao censurar a Câmara de Recurso por ter examinado, para efeitos da comparação dos produtos e dos sinais em conflito, a marca anterior como é protegida pelo seu registo em França e não como é utilizada.

50      Em segundo lugar, a interveniente contesta a afirmação da recorrente de que o elemento figurativo da marca pedida é desprovido de carácter distintivo. Com efeito, segundo a recorrente, tal elemento, contrariamente a um elemento nominativo, nunca pode ser exclusivamente descritivo. Por conseguinte, na opinião da interveniente, a Câmara de Recurso teve razão em tomar em consideração, na comparação dos sinais em conflito, o elemento figurativo da marca pedida.

51      A esse respeito, a interveniente considera que a Câmara de Recurso tem razão ao excluir toda e qualquer semelhança visual entre os sinais em conflito.

52      Quanto à comparação fonética dos sinais em conflito, a interveniente alega que a sílaba «quan», que lhes é comum, será provavelmente pronunciada de forma diferente pelo consumidor médio de referência. Além disso, a pronúncia das sílabas finais radicalmente diferentes dos sinais em conflito é acentuada pelas regras de fonética francesas. Por outro lado, a interveniente contesta os resultados da sondagem apresentada pela recorrente, em especial quanto ao seu carácter verdadeiramente representativo e quanto à inexistência de indicação do nível de educação das pessoas interrogadas. Quanto a este último ponto, a interveniente afirma que tal indicação é pertinente para saber que percentagem de consumidores pronuncia o elemento nominativo da marca pedida tendo em consideração a origem latina do termo e, portanto, de forma diferente do vocábulo «quantième».

53      Daí resulta, segundo a interveniente, que a Câmara de Recurso não teve razão quando considerou que existia uma semelhança fonética entre os sinais em conflito. A interveniente pede, essencialmente, ao Tribunal de Primeira Instância que rectifique quanto a esse ponto esse erro que a prejudica.

54      Do ponto de vista conceptual, a interveniente rejeita toda e qualquer semelhança entre os sinais em conflito, adoptando, no essencial, os argumentos expostos pelo IHMI.

55      Em terceiro lugar, quanto à inexistência de risco de confusão entre as marcas em conflito, a interveniente considera que a conclusão a que chegou a Câmara de Recurso é correcta. Embora a interveniente admita, ao contrário da recorrente, que a tomada em consideração das condições de comercialização de um dado produto deve ser feita relativamente a situações objectivas, alega, no entanto, que foi esta a abordagem adoptada no caso vertente. Com efeito, na opinião da interveniente, a marca anterior pertence à categoria das «marcas privadas» (private labels) ou «linhas de produtos brancos» (store brands) que são exclusivamente concebidas e utilizadas pelas cadeias de grande distribuição. Deve‑se considerar que os produtos que designam, prossegue, pertencem a uma categoria específica, em especial devido às suas modalidades de comercialização, o que justifica a abordagem da Câmara de Recurso.

56      Por outro lado, a interveniente defende que o factor relativo à comercialização dos produtos da recorrente não foi tomado em consideração pela Câmara de Recurso como contrapeso relativamente aos outros elementos acolhidos na decisão impugnada, mas como uma simples circunstância que permite que os consumidores compreendam que só encontram os produtos designados pela marca anterior nos centros comerciais E. Leclerc, à semelhança de qualquer produto com uma marca privada. No entanto, estas modalidades gerais de comercialização dos produtos designados pela marca anterior influenciam certamente a atitude do consumidor médio se este for confrontado com os produtos designados pela marca pedida noutros pontos de venda. Além disso, a interveniente rejeita a alegação da recorrente segundo a qual a decisão impugnada violou os «princípios gerais do direito das marcas».

57      No entanto, sem que isso influencie a conclusão a que chegou a Câmara de Recurso, a interveniente censura‑a por não ter tomado suficientemente em consideração, na sua apreciação global, o carácter distintivo muito fraco da marca anterior. Segundo a interveniente, o reconhecimento desta circunstância pela Câmara de Recurso bastava, por si, para excluir todo e qualquer risco de confusão entre as marcas em conflito. Por conseguinte, pede ao Tribunal de Primeira Instância que constate o erro de direito que a Câmara de Recurso cometeu quanto a este ponto.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

58      Nos termos do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, havendo oposição do titular de uma marca anterior, é recusado o registo da marca pedida quando, devido à sua identidade ou semelhança com a marca anterior e devido à identidade ou semelhança dos produtos ou serviços designados pelas duas marcas, exista risco de confusão no espírito do público do território onde a marca anterior está protegida.

59      De acordo com jurisprudência assente, constitui risco de confusão o risco de que o público possa crer que os produtos ou serviços em causa provêm da mesma empresa ou, eventualmente, de empresas ligadas economicamente. Segundo esta mesma jurisprudência, o risco de confusão deve ser apreciado globalmente, de acordo com a percepção que o público pertinente tem dos sinais e dos produtos ou serviços em causa, atentos todos os factores relevantes do caso, nomeadamente a interdependência entre a semelhança dos sinais e dos produtos ou serviços designados [v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Julho de 2003, Laboratorios RTB/IHMI – Giorgio Beverly Hills (GIORGIO BEVERLY HILLS), T‑162/01, Colect., p. II‑1821, n.os 31 a 33, e a jurisprudência aí referida].

60      Como resulta de jurisprudência assente, a apreciação global do risco de confusão deve, no que se refere à semelhança visual, fonética ou conceptual dos sinais em conflito, basear‑se na impressão de conjunto produzida por estes, tendo, designadamente, em conta os seus elementos distintivos e dominantes [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Outubro de 2003, Phillips‑Van Heusen/IHMI – Pash Textilvertrieb und Einzelhandel (BASS), T‑292/01, Colect., p. II‑4335, n.° 47, e a jurisprudência aí referida].

–        Quanto ao público relevante

61      Uma vez que a marca nacional anterior está registada em França, o público relevante é, portanto, o público francês. No entanto, o IHMI e a interveniente consideram que, tendo em conta os produtos designados pelas marcas em conflito, o público relevante é composto, por um lado, pelo consumidor médio e, por outro, por profissionais da indústria da relojoaria.

62      Não há que decidir esta questão, na medida em que o exame do risco de confusão no espírito do consumidor médio francês é no caso vertente suficiente. Com efeito, se o risco de confusão estiver excluído no espírito do consumidor médio, como concluiu a Câmara de Recurso, esta circunstância basta para negar provimento ao recurso, uma vez que esta apreciação vale a fortiori para a fracção dita «profissional» do público relevante, cujo grau de atenção é, por definição, mais elevado do que o do consumidor médio. Só na eventualidade de o Tribunal de Primeira Instância considerar que a Câmara de Recurso excluiu sem razão o risco de confusão é que haveria que, sendo caso disso, verificar se tal risco de confusão existe igualmente para os produtos visados pela marca pedida e utilizados por esses profissionais.

63      No entanto, há que salientar que, relativamente a produtos como os visados pelas marcas em conflito, que não são comprados regularmente e que o são geralmente por intermédio de um vendedor, o grau de atenção do consumidor médio, tal como a Câmara de Recurso verificou, com razão, deve ser considerado superior ao grau normal de atenção e, portanto, mais elevado.

–        Quanto à comparação dos produtos

64      É ponto assente que os produtos designados pelas marcas em conflito são parcialmente idênticos e parcialmente semelhantes, como a decisão impugnada considerou.

–        Quanto à comparação dos sinais em conflito

65      Antes de examinar a comparação visual, fonética e conceptual dos sinais em conflito realizada pela Câmara de Recurso, há que julgar improcedente o argumento da recorrente de que a Câmara de Recurso deveria examinar a marca nacional anterior, não como foi registada, mas como foi utilizada sob o sinal acima reproduzido no n.° 10.

66      Com efeito, há que recordar que, no âmbito das disposições do Regulamento n.° 40/94 que regulam o exame de uma oposição ao registo de uma marca comunitária, o objectivo da demonstração da utilização séria de uma marca nacional anterior visa permitir ao seu titular, a pedido expresso do requerente da marca comunitária, produzir prova da utilização efectiva e real da marca no mercado nos cinco anos anteriores à publicação do pedido de marca comunitária. Em conformidade com o artigo 15.°, n.° 2, alínea a), e o artigo 43.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 40/94, esta prova vale também nos casos em que o sinal utilizado difere da marca anterior, tal como foi registada, em elementos que não alterem o seu carácter distintivo. Na falta de tal demonstração, em especial no caso de os elementos utilizados alterarem o carácter distintivo da marca anterior, ou na falta de demonstração de justos motivos de falta de uso, a oposição deve ser rejeitada. Assim, a demonstração da prova de utilização séria de uma marca anterior, no âmbito de um processo de oposição, não tem por objecto nem por efeito atribuir ao seu titular protecção para um sinal ou elementos de um sinal que não foram registados. Admitir uma argumentação contrária conduziria a alargar ilegalmente a protecção de que beneficia o titular de uma marca anterior que apresenta uma oposição ao registo de uma marca comunitária.

67      Uma vez que, no caso vertente, a recorrente apenas registou a marca anterior que está acima reproduzida no n.° 5, que constitui a base da oposição sobre a qual a Câmara de Recurso foi conduzida a pronunciar‑se na decisão impugnada, apenas esta marca dispõe da protecção reconhecida às marcas anteriores registadas. Por conseguinte, é igualmente esta marca que, para efeitos do exame da oposição, deve ser comparada à marca pedida, como fizeram com razão a Divisão de Oposição e a Câmara de Recurso, para os produtos para os quais a prova de utilização séria tinha sido produzida pela recorrente, no caso vertente, os produtos da classe 14 «relógios de pulso ou de bolso correias de relógios».

68      Uma vez isto assente, há que verificar a legalidade da decisão impugnada quanto à comparação visual, fonética e conceptual dos sinais em conflito.

69      Relativamente à comparação visual, há que recordar que, nos n.os 31 a 33 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso declarou o seguinte:

«31      Visualmente, a marca anterior consiste no termo ‘quantième’ num tipo de caracteres sem especial originalidade. A letra ‘q’, que aparece um pouco mais redonda que habitualmente, não é no entanto muito diferente da letra ‘q’ usual. Com efeito, no trecho do dicionário Larousse Inglês/Francês 1995, que a oponente apresentou, a secção que contém as palavras que principiam por esta letra é iniciada pela letra q que não é muito diferente da letra ‘q’ que aparece na marca anterior. A linha negra em cima da marca não faz parte dela. Nada na marca anterior chama a atenção do público relevante para a letra ‘q’ per se.

32      Relativamente à marca pedida, embora a [Divisão de Oposição, na] decisão impugnada, tenha considerado que inclu[ía] um elemento que parece um mostrador abstracto de um relógio de parede ou de sala ou de pulso ou de bolso com a forma da letra ‘q’, concluiu que a palavra ‘quantum’, que não [estava] reproduzida num tipo de caracteres muito original constitu[ía] [o seu] elemento dominante. Resulta claramente das brochuras e dos recortes da imprensa que constam dos autos que o facto de os sinais que aparecem em relógios incluírem um símbolo centrado em cima do elemento nominativo ou do nome, à semelhança da marca pedida, não é invulgar. Também não é invulgar o facto de esse símbolo incluir uma reprodução das letras que transmita uma associação imediata ao elemento nominativo ou ao nome, como no caso da marca pedida. É provável que o consumidor médio, que está acostumado a ver logótipos dispostos da mesma forma, o interpretará como um logótipo fantasista e distintivo e não como um simples relógio desprovido de toda e qualquer mensagem quanto à indicação de origem.

33      Visualmente, as marcas são semelhantes na medida em que contêm ambas o prefixo ‘quant’. São diferentes na medida em que a marca pedida inclui um logótipo que o consumidor médio apreenderá como uma representação abreviada do termo ‘quantum’. É improvável que o consumidor médio se concentre, à vista da marca anterior, sobre a letra ‘q’, uma vez que não há uma razão especial para que essa letra chame a atenção do consumidor.»

70      É ponto assente que a Câmara de Recurso considerou que não havia semelhança visual entre os sinais em conflito.

71      Ora, o Tribunal de Primeira Instância julga que se está perante tal semelhança.

72      Há que referir que, como a Câmara de Recurso indicou com razão, os sinais em conflito têm em comum o prefixo «quant». Além disso, como salientou a recorrente, têm igualmente a letra «m» em comum. Do ponto de vista visual, os elementos nominativos das marcas em conflito partilham, portanto, seis letras, entre as quais as cinco primeiras de cada sinal. Embora seja a parte inicial dos termos que, a maior parte das vezes, chama a atenção do consumidor [v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Março de 2004, El Corte Inglés/IHMI – González Cabello e Iberia Líneas Aéreas de España (MUNDICOR), T‑183/02 e T‑184/02, Colect., p. I‑0000, n.° 81], a sua atenção visual pode também focalizar‑se nas letras finais dos sinais, tendo em conta a extensão limitada dos sinais em causa [v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Julho de 2004, Grupo El Prado Cervera/IHMI − Héritiers Debuschewitz (CHUFAFIT), T‑117/02, Colect., p. I‑0000, n.° 48]. No caso vertente, embora o elemento nominativo da marca pedida seja muito curto, há que recordar que a sua letra final, ou seja, a letra «m», é idêntica a uma das quatro letras finais da marca anterior. Por outro lado, como referiu a Câmara de Recurso, os tipos de caracteres dos sinais em conflito são correntes. Por conseguinte, visualmente, os elementos nominativos dos sinais em conflito são semelhantes.

73      No entanto, há que verificar se, como dá a entender a Câmara de Recurso, sem no entanto concluir claramente o seu raciocínio quanto a este ponto, e como alega a interveniente nos seus articulados, a presença do elemento figurativo em cima do elemento nominativo da marca pedida permite afastar toda e qualquer semelhança visual entre os sinais em conflito.

74      A esse respeito, há que recordar antes de mais que, em princípio, o público relevante não considera um elemento descritivo integrado numa marca complexa como o elemento distintivo e dominante da impressão de conjunto que esta dá [v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 3 de Julho de 2003, Alejandro/IHMI – Anheuser‑Busch (BUDMEN), T‑129/01, Colect., p. II‑2251, n.° 53, e CHUFAFIT, T‑117/02, n.° 72 supra, n.° 51].

75      No caso vertente, há que referir que, à semelhança do que o IHMI admitiu, a reprodução de um mostrador de um relógio de pulso, de bolso ou de parede não apresenta especial carácter distintivo dos produtos para os quais a interveniente pede o registo da marca comunitária.

76      Além disso, há que recordar que, no que respeita à apreciação do carácter dominante de uma ou de várias componentes determinadas de uma marca complexa, há que ter em conta, para além das qualidades intrínsecas de cada uma das componentes, a posição relativa das diferentes componentes na configuração da marca complexa [v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 23 de Outubro de 2002, Matratzen Concord/IHMI − Hukla Germany (MATRATZEN), T‑6/01, Colect., p. II‑4335, n.° 35].

77      Ora, no caso vertente, basta referir que o elemento figurativo está posicionado em cima do elemento nominativo central da marca pedida, sem que esta posição permita, no entanto, pensar que este elemento pode, do ponto de vista visual, dominar a imagem que o público guardará da marca pedida. A este respeito, há que salientar que o público pertinente será, na maior parte dos casos, confrontado com a marca pedida no momento da compra de relógios e que, regra geral, as marcas são representadas nos seus mostradores. Ora, uma vez que a dimensão dos mostradores é relativamente pequena, a representação de elementos figurativos será, no plano visual, dificilmente perceptível, uma vez que, como no caso vertente, estes elementos não são posicionados de forma central na configuração da marca complexa, mas apresentam‑se em cima do elemento nominativo da marca pedida.

78      Nestas condições, há que concluir que os sinais em conflito são semelhantes no plano visual.

79      Quanto à comparação fonética dos sinais em conflito, a Câmara de Recurso efectuou, no n.° 34 da decisão impugnada, a seguinte apreciação:

«Foneticamente, uma vez que o símbolo [que representa] a marca pedida é provavelmente tomado por uma abreviação fantasista do termo ‘quantum’, a marca pedida será simplesmente pronunciada ‘Quantum’. Além disso, é improvável que o público relevante pronuncie o termo correctamente como ‘kwäntóm’ (ver Robert electrónico), em especial porque o termo é utilizado em contextos muito específicos e que o público relevante não o apreenderá como um termo latino. Na marca pedida, a sílaba ‘quan’ será pronunciada ‘kan‑’, tanto como na marca anterior. Por conseguinte, existe um certo grau de semelhança fonética, apesar do facto de as terminações dos sinais (‘‑tóm’ ou ‘‑toum’ na marca pedida e ‘‑tjem’ na marca anterior) diferirão provavelmente e que a marca anterior pode ser pronunciada em três sílabas.»

80      Esta afirmação não pode, no essencial, ser infirmada.

81      No que respeita à pronúncia, é, com efeito, pouco realista pensar que o consumidor médio francês pronunciará a marca pedida em referência à pronúncia latina do termo «quantum», ou seja, «kwäntóm». A este respeito, há que referir que a sondagem apresentada pela recorrente no procedimento administrativo, anexa à sua petição, vem confortar esta apreciação. Com efeito, resulta dessa sondagem, realizada com uma amostra representativa da população francesa de 984 pessoas, em 30 de Maio e 1 de Junho de 2002, que 79,5% das pessoas interrogadas pronunciaram a marca pedida como «kantom», ou como «kantoum».

82      Quanto a este ponto, não pode ser acolhida a abordagem da interveniente segundo a qual esta sondagem não é representativa, em especial devido à inexistência de toda e qualquer indicação relativa ao nível de educação das pessoas interrogadas, indicação que é pertinente para saber que percentagem de consumidores pronuncia o elemento nominativo da marca pedida tendo em consideração a origem latina do termo e, portanto, de forma diferente do vocábulo «quantième». Com efeito, por um lado, a interveniente não fundamenta de forma alguma a sua alegação relativa à irrelevância dos resultados da sondagem, quando parece que essa sondagem foi realizada com base num método objectivo e em condições objectivas. A interveniente também não refere as razões pelas quais a Câmara de Recurso teria cometido um erro ao referir‑se, na decisão impugnada, aos resultados dessa sondagem. Por outro lado, uma vez que a amostra da população francesa era, por definição, «representativa» dessa população, a sondagem teve necessariamente em consideração o nível de educação dessa população, como indirectamente reflectem os quadros relativos à estrutura da amostra. De resto, a interveniente não tem em conta o facto de o público relevante ser composto por consumidores médios franceses, dos quais não se pode pressupor que tenham conhecimentos de latim e da pronúncia, de resto não uniforme, dos termos latinos.

83      Daí resulta que, regra geral, o público relevante pronunciará a marca pedida como «kantóm», ou mesmo «kantoum», ao passo que pronunciará geralmente a marca anterior como «kantjεm», sem cindir esta pronúncia em três sílabas, como também salientaram os resultados da referida sondagem.

84      Ora, apesar de a presença do som «o», até mesmo «ou», na marca pedida e a presença do som «jε» na marca anterior, as marcas em conflito têm em comum, para além do som «kant», o som final da letra «m».

85      Por conseguinte, há que concluir que existe semelhança fonética entre os sinais em conflito.

86      Relativamente à comparação conceptual dos sinais em conflito, há que recordar que a Câmara de Recurso precisou, nos n.os 35 a 38 da decisão impugnada, o seguinte:

«35      Conceptualmente, as marcas têm significados diferentes. O significado do termo ‘quantum’ varia em função dos domínios. Em filosofia, significa uma quantidade finita e determinada e, em ciências, refere‑se ao valor discreto em relação ao qual ou aos múltiplos do qual corresponde uma manifestação de energia. [Quantum de acção [...] O quantum de energia electromagnética é proporcional à frequência da radiação (corresponde a esta frequência multiplicada pela constante de Planck– ela própria por vezes designada sob o nome quantum – ver o Robert electrónico]. Segundo este dicionário, o termo [‘quantum’] encontra‑se também no vocabulário informático como ‘Quantum de tempo: duração elementar máxima de um programa, nos sistemas em “tempo partilhado” de um computador’. Além disso, resulta claramente do dicionário Le Robert & Collins du management commercial financier économique juridique (1992) que o termo é utilizado no domínio jurídico ou administrativo no sentido de montante dos danos (o quantum da indemnização). Uma vez que os domínios de utilização desse termo são específicos, o consumidor médio não terá uma ideia precisa de qualquer dos referidos significados, embora seja possível, supondo que tenha conhecimento de ciências, mesmo de nível elementar, que compreenda que se trata de um termo científico.

36      Relativamente ao termo ‘quantième’, o Robert electrónico define‑o, em primeiro lugar, como adjectivo, ou como um adjectivo interrogativo que significa ‘a posição ou ordem numérica’ [por exemplo, Je ne sais à la quantième visite ce fut (Furetière, Roman bourgeois, II). Le quantième êtes‑vous? Le sixième’] e, em segundo lugar, como um substantivo, que significa o dia do mês designado por um número de um a trinta e um [do primeiro, segundo (…), a trinta ou trinta e um. Le quantième, quel quantième sommes‑nous? – Data, dia (do mês); e ainda quanto […] Cette montre marque les quantièmes]. Resulta claramente das indicações que acompanham esse termo e do parecer do professor Jean‑Pierre Lassalle, apresentado pela oponente, que apenas o adjectivo é obsoleto. O substantivo, na segunda acepção, não é obsoleto e descreve mesmo a indicação do dia do mês nos relógios. Apesar desta circunstância, na medida em que este termo não é de uso quotidiano, o consumidor médio não o compreenderá de imediato. Contudo, se o consumidor médio tiver acesso aos conselhos de um vendedor de relógios, que, ao contrário, poderá ter um compreensão precisa do significado desse termo enquanto indicação do mês que figura nos relógios de pulso e de bolso e de parede, não se pode excluir que o consumidor passe a estar informado do significado preciso desse termo.

37      Apesar de resultar da sondagem apresentada pela oponente que parte dos consumidores pode considerar que a marca pedida faz alusão ao conceito de quantidade, estes consumidores são menos numerosos que os que apreendem a marca anterior no sentido de fazer referência a esse conceito. Embora numerosos consumidores possam reivindicar o facto de conhecerem o significado do termo ‘quantième’, um número ainda maior dará um significado ao termo ‘quantum’. A percentagem é maior no primeiro caso, uma vez que a raiz ‘quanti‑’ veicula uma associação ao conceito de quantidade. [No entanto], isso não é evidente no caso do prefixo ‘quant‑’ [que consta] da marca pedida e que veicula uma associação com a preposição ‘quant’.

38      Do ponto de vista dos consumidores que compreendem o significado preciso de um ou dos dois termos, quer de forma precisa ou alusiva, as marcas são conceptualmente diferentes. Do ponto de vista dos consumidores que não compreendem o seu sentido, o factor conceptual é de importância mínima na comparação [dos sinais em conflito].»

87      Antes de mais, há que salientar que a Câmara de Recurso não conclui claramente pela existência de uma diferença conceptual entre os sinais no espírito do público relevante.

88      Em seguida, há que referir que, por um lado, como a Câmara de Recurso verificou, o significado dos elementos nominativos dos sinais em conflito não será imediatamente compreendido pelo consumidor médio francês, em especial devido aos domínios técnicos e especializados em que estes termos são empregues. É verdade que não se exclui, como indica a Câmara de Recurso, que o consumidor médio apreenda o termo «quantum» como um termo científico. No entanto, isso não implica que lhe atribua um significado especial.

89      No entanto, como a interveniente indicou com razão na audiência, há também que dar uma certa importância neste contexto às condições objectivas em que as marcas se apresentam no mercado [v. acórdãos do Tribunal de Primeira Instância BUDMEN, n.° 74 supra, n.° 57, e de 6 de Outubro de 2004, New Look/IHMI – Naulover (NLSPORT, NLJEANS, NLACTIVE e NLCollection), T‑117/03 a T‑119/03 e T‑171/03, Colect., p. I‑0000, n.° 49], em especial às condições de comercialização dos relógios de pulso e de bolso e de parede. Com efeito, estes produtos são, regra geral, comercializados através de um vendedor que, designadamente, não se poupará em dar conselhos ao comprador e lhe apresentará certamente os detalhes técnicos e a concepção do produto em questão. Ora, nestas circunstâncias, é possível que o consumidor médio seja informado do significado do elemento nominativo «quantième» que figura na marca anterior, que é especialmente usado na indústria e no comércio de produtos de relojoaria.

90      É também a razão pela qual, no plano conceptual, não pode ser atribuído aos resultados da referida sondagem, apresentada pela recorrente, toda a importância que esta pretende. Com efeito, embora seja verdade que, entre as pessoas interrogadas que atribuíram um significado aos dois termos, mais de 69% das citações do termo «quantième» e mais de 45% das citações do termo «quantum» se referem ao conceito de quantidade, no entanto, esta sondagem, efectuada no domicílio de cada pessoa interrogada, não teve em consideração as condições objectivas em que as marcas em conflito se apresentam, ou se apresentavam, no mercado.

91      Daí resulta que, embora, em regra geral, o público relevante não atribua imediatamente um significado preciso aos elementos nominativos das marcas em conflito, será, no entanto, possível que dê um sentido ao elemento nominativo da marca anterior, tendo em conta as condições objectivas em que são comercializados os produtos protegidos pelas marcas em conflito. Por conseguinte, existe uma certa diferença conceptual entre os sinais em conflito.

92      Resulta de todas as considerações expostas que os sinais em conflito são semelhantes nos planos visual e fonético e apresentam diferenças no plano conceptual.

–        Quanto ao risco de confusão

93      Há que recordar que a Câmara de Recurso, baseada no raciocínio desenvolvido nos n.os 39 e 40 da decisão impugnada, considerou que não havia risco de confusão entre as marcas em conflito.

94      A Câmara de Recurso apresentou a seguinte análise:

«39      […] [E]mbora os produtos da marca pedida sejam idênticos ou semelhantes, na sua natureza e destino, aos produtos designados pela marca anterior, e os acessórios designados pela marca pedida sejam complementares na sua natureza e destino dos produtos da marca anterior, resulta das circunstâncias do caso vertente que, na medida em que os relógios que têm aposta a marca anterior são apenas vendidos nos centros de distribuição E. Leclerc e que os relógios de outras marcas não são vendidos nesses centros, os produtos das marcas em [em conflito] não serão vendidos ao lado uns dos outros ou nas mesmas lojas.

40      Ao tomar em consideração as circunstâncias em que os produtos designados pela marca anterior foram comercializados e o facto de os relógios e braceletes de relógios com essa marca serem apenas vendidos ao consumidor final nas lojas E. Leclerc, a Câmara de Recurso não considera que as semelhanças visual e fonética entre as marcas em conflito e a sua possível alusão conceptual comum ao conceito de qualidade conduzirá o consumidor médio, se encontrar a marca pedida em ‘relógios de pulso ou de bolso, relógios de parede ou de sala, correias/braceletes de relógios e estojos para relógios de pulso ou de bolso e para relógios de parede ou de sala’ em lojas diferentes das dos centro comerciais E. Leclerc, a considerar que os produtos designados pelas marcas em conflito provêm da mesma empresa ou de empresas ligadas.»

95      Esta argumentação não pode ser acolhida.

96      Há que recordar que, segundo jurisprudência assente, a apreciação do risco de confusão implica uma certa interdependência entre os factores tomados em conta, nomeadamente, entre a semelhança das marcas e a dos produtos ou dos serviços designados. Assim, um reduzido grau de semelhança entre os produtos ou serviços designados pode ser compensado por um elevado grau de semelhança entre os sinais (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 1998, Canon, C‑39/97, Colect., p. I‑5507, n.° 17, e, tratando‑se da aplicação do Regulamento n.° 40/94, acórdão GIORGIO BEVERLY HILLS, n.° 59 supra, n.° 32).

97      No caso vertente, é ponto assente que os produtos designados pelas marcas em conflito são parcialmente idênticos e parcialmente semelhantes. Daí resulta que, para afastar o risco de confusão, esta identidade e semelhança devem ser compensadas por um grau elevado de diferença entre os sinais. Como foi acima recordado, os sinais em conflito são visual e foneticamente semelhantes, mas apresentam uma certa diferença conceptual.

98      Na verdade, segundo a jurisprudência, uma diferença conceptual entre sinais pode neutralizar, em larga medida, as semelhanças visuais e fonéticas entre esses sinais (acórdão BASS, n.° 60 supra, n.° 54). No entanto, segundo essa mesma jurisprudência, tal neutralização exige que pelo menos uma das marcas em questão tenha, na perspectiva do público pertinente, um significado claro e preciso, para que este público consiga apreendê‑lo imediatamente.

99      Ora, no caso vertente, como foi acima referido, está excluído que o público relevante apreenda imediatamente o significado determinado tanto do elemento nominativo «quantième» da marca anterior como do elemento nominativo «quantum» da marca pedida.

100    Nestas condições, a diferença conceptual entre os sinais em conflito não é susceptível de neutralizar, em larga medida, as semelhanças visuais e fonéticas encontradas entre esses mesmos sinais.

101    No entanto, a Câmara de Recurso considerou que as modalidades especiais de comercialização dos produtos designados pela marca anterior permitem excluir todo e qualquer risco de confusão entre as marcas em conflito.

102    A este respeito, há que afastar, por princípio, à semelhança do que alegam a recorrente e o IHMI, a tomada em consideração desse critério no âmbito do exame do risco de confusão.

103    Segundo a jurisprudência, na apreciação global do risco de confusão, o peso respectivo a atribuir aos aspectos visual, fonético ou conceptual de sinais em conflito pode variar em função das condições objectivas em que as marcas se podem apresentar no mercado (v. acórdãos BUDMEN, n.° 74 supra, n.° 57, e NLSPORT, NLJEANS, NLACTIVE e NLCollection, n.° 89 supra, n.° 49). A este respeito, há que referir que devem ser tomadas como referência as modalidades de comercialização «normais» dos produtos designados pelas marcas em conflito, ou seja, aquelas que é normal esperar para a categoria dos produtos designados pelas marcas em causa. Trata‑se, no caso vertente, para os relógios e correias de relógios, de condições que pressupõem, regra geral, a compra através de um vendedor, sem que o consumidor possa ter acesso directamente, em self‑service, a estes produtos.

104    A tomada em consideração das condições objectivas de comercialização dos produtos designados pelas marcas em conflito justifica‑se plenamente. Com efeito, há que recordar que o exame do risco de confusão que as instâncias do IHMI são chamadas a efectuar é um exame prospectivo. Ora, uma vez que as modalidades especiais de comercialização dos produtos designados pelas marcas podem variar no tempo e segundo a vontade dos titulares dessas marcas, a análise prospectiva do risco de confusão entre duas marcas, que prossegue um objectivo de interesse geral, ou seja, o de o público relevante não poder correr o risco de ser induzido em erro a propósito da origem comercial dos produtos em causa, não pode depender das intenções comerciais, realizadas ou não, e por natureza subjectivas, dos titulares das marcas.

105    No entanto, há que salientar que as instâncias do IHMI têm capacidade para tomar em consideração as modalidades objectivas de comercialização dos produtos, em especial na perspectiva de determinar o peso respectivo a atribuir aos aspectos visual, fonético e conceptual das marcas em conflito. Assim, se um produto designado por uma dada marca é apenas vendido a pedido oral, os aspectos fonéticos do sinal em questão revestirão necessariamente maior importância no espírito do público relevante que os aspectos visuais (v., neste sentido, acórdão NLSPORT, NLJEANS, NLACTIVE e NLCollection, n.° 89 supra, n.° 49).

106    A esse respeito, o Tribunal de Primeira Instância não pode subscrever a tese da interveniente segundo a qual a Câmara de Recurso considerou bem, no caso vertente, as condições objectivas de comercialização dos produtos da recorrente, na medida em que estes produtos são designados por uma categoria de marcas sui generis, a saber, as marcas privadas ou os produtos brancos. Com efeito, essa alegação não tem em consideração, por um lado, o facto de os produtos da marca anterior não se apresentarem nas prateleiras dos centros comerciais E. Leclerc, mas em pontos de venda especializados que podem situar‑se na galeria comercial que os circunda e, por outro, a circunstância de, inclusive nos centros comerciais, os produtos brancos coexistirem no mercado com outras marcas, designando produtos idênticos ou semelhantes, de outros titulares.

107    Daí resulta que, ao tomar em consideração, no âmbito da apreciação do risco de confusão entre as marcas em conflito, as modalidades específicas de comercialização dos produtos designados pela marca anterior, necessariamente limitadas no tempo e dependentes apenas da estratégia comercial do titular dessa marca, a Câmara de Recurso cometeu um erro de direito.

108    Por todas essas razões, a Câmara de Recurso errou ao afastar a existência de risco de confusão entre as marcas em conflito no espírito do consumidor médio francês.

109    Esta apreciação não é infirmada pelo argumento do IHMI e da interveniente segundo o qual a marca anterior só pode gozar de uma protecção limitada devido ao seu fraco carácter distintivo.

110    Com efeito, embora seja verdade que o risco de confusão é tanto mais elevado quanto o carácter distintivo da marca anterior se reconhece como importante (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1997, SABEL, C‑251/95, Colect., p. I‑6191, n.° 24), no caso vertente, a identidade e a semelhança dos produtos designados pelas marcas em conflito, associadas às semelhanças visual e fonética dos sinais que contêm, sem que essas semelhanças possam ser neutralizadas numa larga medida pela diferença conceptual entre os referidos sinais, bastam para criar um risco de confusão, na acepção do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, no espírito do consumidor médio francês. Uma vez que o risco de confusão constitui a condição específica da protecção da marca anterior, esta protecção aplica‑se independentemente da questão de saber se a marca anterior goza apenas de fraco carácter distintivo.

111    Por último, relativamente à alegada inexistência de risco de confusão na parte do público relevante constituída pelos profissionais, há que referir que os acessórios, mencionados na classe 14 entre os produtos para os quais o registo da marca é pedido, não são estritamente limitados à sua utilização por estes especialistas e não podem ser dissociados dos outros produtos para os quais a marca comunitária é pedida. Por conseguinte, a verificação da existência de risco de confusão no espírito do consumidor médio francês basta para considerar que existe risco de confusão entre as marcas em conflito no espírito do público relevante.

112    Por conseguinte, há que acolher o segundo fundamento relativo à violação do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 e, sem que seja necessário examinar o primeiro fundamento invocado pela recorrente, acolher os pedidos de anulação desta última.

113    Daí resulta que não há que se pronunciar sobre a segunda parte do pedido da recorrente visando a recusa do registo da marca comunitária pedida, uma vez que, em qualquer caso, o IHMI, nos termos do artigo 63.°, n.° 6, do Regulamento n.° 40/94, deve tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal de Justiça.

 Quanto às despesas

114    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. No caso vertente, a recorrente pediu a condenação do IHMI nas despesas da presente instância. Tendo o IHMI sido vencido, há que condená‑lo nas despesas da recorrente no processo no Tribunal de Primeira Instância.

115    Além disso, a recorrente pediu a condenação da interveniente nas suas despesas no procedimento administrativo no IHMI. A este respeito, há que recordar que, nos termos do artigo 136.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, as despesas indispensáveis efectuadas pelas partes para efeitos do processo na Câmara de Recurso são consideradas despesas reembolsáveis. No entanto, o mesmo não se aplica às despesas efectuadas para efeitos do processo na Divisão de Oposição. Por conseguinte, o pedido da recorrente com vista à condenação da interveniente, que foi vencida, nas despesas do procedimento administrativo no IHMI só pode ser acolhido no que respeita às despesas indispensáveis da recorrente no processo na Câmara de Recurso.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

decide:

1)      A Decisão da Terceira Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos), de 30 de Janeiro de 2003 (processo R 109/2002‑3), é anulada.

2)      O Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) suportará, para além das suas despesas, as despesas da recorrente no processo no Tribunal de Primeira Instância.

3)      A interveniente suportará, para além das suas próprias despesas, as despesas da recorrente no processo na Câmara de Recurso.

Legal

Mengozzi

Wiszniewska‑Białecka

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de Janeiro de 2006.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      H. Legal


* Língua do processo: inglês.